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63 UNIDADE 2 O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS Prezado(a) acadêmico(a), bem-vindo(a) à Unidade 2 do caderno de Economia Política! Esta unidade tem por objetivos: • apresentar os elementos básicos do keynesianismo, bem como seu contex- to histórico de surgimento; • descrever os elementos básicos daquilo que se entende pelo Estado de Bem-Estar Social e refletir sobre o contexto brasileiro; • apresentar ao acadêmico os conceitos básicos da Escola Francesa da Regu- lação, bem como seu contexto histórico de aparecimento; • apontar as principais características daquilo que foi o desenvolvimentis- mo no Brasil e na América Latina, bem como listar os princípios básicos do movimento neodesenvolvimentista; • citar alguns indicadores de desenvolvimento e ainda refletir sobre o tema das políticas públicas no contexto do desenvolvimento; • apresentar a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CE- PAL), bem como descrever suas principais características enquanto escola de pensamento no contexto dos países latino-americanos (século XX). Esta unidade está dividida em seis tópicos e no final de cada um deles você encontrará atividades que reforçarão o seu aprendizado. TÓPICO 1 - O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA TÓPICO 2 - O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL TÓPICO 3 - A TEORIA DA REGULAÇÃO TÓPICO 4 - A TEORIA DESENVOLVIMENTISTA TÓPICO 5 - INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS TÓPICO 6 - A CONTRIBUIÇÃO DA CEPAL NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL 64 65 TÓPICO 1 O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Na unidade anterior nos debruçamos sobre vários temas relacionados à economia política. Além de noções introdutórias, perpassamos brevemente os autores clássicos, a crítica desenvolvida por Karl Marx e, ainda, os principais postulados de Schumpeter, com sua economia da inovação. O desafio nesta nova unidade é concentrar nossos esforços sobre alguns temas que remetem à ação do Estado na economia. Na verdade, várias são as formas de intervenção na vida econômica de uma nação. Por mais que alguns teóricos tentem defender que existiam, na prática, nações em que a ação estatal é nula, é difícil concordar com esta ideia. O que podemos distinguir ao redor do globo são proporções diferentes de intervenção. O capitalismo já provou não ser capaz de se autorregular, como previam os modelos clássicos. A última crise econômica, iniciada em fins dos anos 2000, é prova disso: até mesmo o governo dos Estados Unidos (país considerado puramente liberal) teve de intervir para salvar empresas e instituições financeiras. Sem contar os grandes subsídios que historicamente dispõe a alguns setores econômicos. Desta forma, nesta unidade iremos debater temas que se relacionam a esta temática da intervenção. Logo de início conheceremos um pouco mais sobre o keynesianismo. Os postulados dessa corrente econômica ganharam força em meio a um ambiente conturbado, tanto da academia como da vida social, econômica e política. Keynes, ao desconsiderar a tendência ao autoequilíbrio do capitalismo, sugeriu a intervenção do Estado como forma de garantir sua continuidade, principalmente em momentos de crise. As ideias keynesianas influenciaram muitos pesquisadores e agentes políticos, tanto que muitos dos movimentos de ação do Estado na economia têm raízes ou encontram algum elemento nestes pressupostos. Por isso, veremos ainda nesta unidade outros cinco tópicos (além deste primeiro): O Estado de Bem-Estar Social, Os Pressupostos da Escola Francesa da Regulação, O Desenvolvimentismo, Algumas Políticas para o Desenvolvimento e, por fim, um tópico sobre a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Evidente que os temas são introdutórios, de forma que cabe também a você, acadêmico(a), procurar sempre mais informações sobre os assuntos. Lembrando que ao final de cada tópico há um resumo e questões para auxiliá-lo na compreensão dos conteúdos. UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA 66 Voltando à conversa a respeito deste primeiro tópico, conheceremos um pouco mais sobre a vida de John Maynard Keynes. Posteriormente, veremos o contexto histórico em que ganham força os pressupostos keynesianos. Por conseguinte, abordaremos algumas premissas básicas desta teoria e, por fim, veremos algumas críticas e influências. Bom estudo! 2 JOHN MAYNARD KEYNES John Maynard Keynes (1883-1946), considerado por muitos o pioneiro da macroeconomia, foi um dos mais notáveis economistas da primeira metade do século XX. Discípulo de Alfred Marshal, estudou e lecionou em Cambridge. Tinha grandes preocupações com as implicações práticas das teorias econômicas. Não por acaso, tornou-se crítico dos conceitos da ortodoxia marginalista (em que seu mestre, Marshall, era grande expoente). Como economista, foi autor de uma das obras mais influentes da teoria econômica do século XX, cujo expoente é “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”. NOTA Caro(a) acadêmico(a), a macroeconomia pode ser entendida como o estudo da determinação e do comportamento dos grandes agregados de uma economia, como o Produto Interno Bruto (PIB), o nível geral de preços, a poupança nacional, importação, exportação, nível de investimento agregado, entre outros. Enfim, são todos aqueles indicadores que têm uma dimensão e impacto macro, ou seja, em nível de país (PINHO; VASCONCELLOS; GREMAUD, 2003). De família ilustre e filho de pais intelectuais, desfrutou desde cedo da melhor educação de sua época. Passou a estudar Economia com a conclusão do ensino formal. Até então havia se dedicado ao estudo de Matemática, Filosofia e Humanidades. Além de célebre economista, teve destaque em muitas outras áreas da vida. Foi homem de negócio, diretor de Companhias de Seguro e Investimento, assessor de grande influência do Tesouro Britânico, diretor do Banco da Inglaterra (equivalente ao nosso Banco Central). Além disso, gostava de artes, foi produtor teatral, editor e colecionador de livros raros, articulista da imprensa, entre muitos outros afazeres. Politicamente, tinha ligação com o Partido Liberal inglês. Importante lembrar que representou a Inglaterra na Conferência de Bretton Woods, em 1944, de onde se originaram o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. TÓPICO 1 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA 67 FIGURA 18 - JOHN MAYNARD KEYNES FONTE: Disponível em: <http://www.ministry-of-information.com/john-maynard- keynes-really-warren-buffet-day/> Acesso em: 14 jan. 2015. 3 UMA NOVA TEORIA EM MEIO À CRISE A grande contribuição de Keynes veio com a publicação de sua obra Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, em 1936. A publicação de seus postulados ocorreu em um ambiente econômico e político conturbado, em que o mundo vivia os impactos de uma das maiores crises econômicas de sua história, a saber, a crise de 1929 (também conhecida como a Grande Depressão), cujo ponto central foi a quebra da Bolsa de Valores de Nova York. IMPORTANT E A crise de 1929, conhecida como a “Grande Depressão”, foi o período de maior crise econômica, de nível mundial, do século XX. Iniciou em 1929, no interior do sistema financeiro, cujo ponto central foi a quebra da Bolsa de Valores de Nova York. Primeiramente atingiu a economia norte-americana para então se espalhar pela Europa e, por conseguinte, pelos países latino-americanos, asiáticos e africanos. Seus maiores impactos só foram atenuados em meados da década de 1930 (SANDRONI, 1999). Com a Grande Depressão, o desemprego estava muito elevado, tanto nos Estados Unidos como na Europa (VASCONCELLOS; GARCIA, 2009). Até a década de 1930, era irrelevante a preocupação dos economistas em estudar os problemas “macro” da economia, particularmente a questão do nível de emprego. Os pressupostos clássicos,baseados na Lei de Say, enxergavam o desemprego como algo temporário e passível de autoajuste da economia, que tenderia ao pleno UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA 68 emprego. Não se pensava em desemprego de caráter permanente, muito menos em superprodução (VICECONTI; NEVES, 2005). Dessa maneira, a teoria econômica da época não dava conta de atenuar os problemas da crise financeira. Keynes, com seus estudos acerca do emprego e dos ciclos econômicos, acabou superando os conceitos hegemônicos, provenientes da ortodoxia marginalista. Sugeriu, como remédio à crise, políticas de intervenção do Estado nas atividades econômicas dos países, a fim de conter os efeitos da crise, pois teriam impacto na demanda efetiva. Entre a corrente hegemônica (liberais, marginalistas) havia a crença de que o mercado encontraria seu equilíbrio de forma natural. Baseados na Lei de Say, sustentavam que a produção criava seu próprio comércio, e, portanto, não haveria problema de superprodução. Tanto é que os marginalistas subestimaram os efeitos da crise de 1929, mesmo considerando-a um desajuste temporário, capaz de se reajustar naturalmente. NOTA O marginalismo é a base do pensamento neoclássico. Para seus defensores, o valor de um bem é definido por um fator subjetivo, a saber, a sua utilidade. Rompe com a teoria clássica do valor-trabalho justamente por colocar a capacidade de satisfação das necessidades dos indivíduos como central na valoração de algo. A necessidade é subjetiva e, deste modo, a utilidade de determinado bem depende de cada indivíduo. “O valor de cada bem é dado pela utilidade proporcionada pela última unidade disponível desse bem, ou seja, por sua ‘utilidade marginal’” (SANDRONI, 1999, p. 367). Keynes apontou justamente o contrário, evidenciando que a demanda era responsável por guiar a oferta. Defendeu e comprovou que o nível de emprego de uma economia estava ligado à sua demanda efetiva, que corresponde àquela proporção da renda direcionada a gastos com o consumo e com o investimento. Evidente que, a partir destes pressupostos, a solução para a crise econômica não se encontrava no “autoequilíbrio” do mercado, mas sim, em uma política macroeconômica de estímulo à demanda efetiva da economia, ou melhor, com gastos e investimentos do governo na vida econômica da nação. 4 A ECONOMIA KEYNESIANA A grande contribuição de John Maynard Keynes está no princípio da demanda efetiva. Seus pressupostos foram em desencontro à premissa clássica de que a oferta criava sua própria demanda (da qual a Lei de Say é expoente). Para Keynes, pelo contrário, era a demanda – ou seja, as necessidades dos indivíduos – que influenciaria a oferta. Desta maneira, para resolver o problema da crise TÓPICO 1 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA 69 eram necessárias políticas focadas na demanda. Para promover o equilíbrio macroeconômico com emprego é preciso atentar para o lado da procura. A saída então é a intervenção do Estado na economia. De acordo com sua teoria, um dos fatores fundamentais pelo volume de emprego era o nível de produção nacional de determinada economia, que era determinado pela demanda efetiva (VASCONCELLOS; GARCIA, 2009). IMPORTANT E A demanda efetiva (ou demanda solvente, agregada) pode ser entendida como a demanda por bens e por serviços, que possuem capacidade de pagamento. São menores que as necessidades do conjunto da população, pois se referem às necessidades que a população efetivamente possa pagar (SANDRONI, 1999). A preocupação de Keynes foi com relação aos grandes agregados econômicos a curto prazo (os clássicos defendiam o longo prazo). Criticou dois sustentáculos do pensamento clássico: A Lei de Say e a efetividade da redução dos salários como forma de reduzir o desemprego. Para ele, o pleno emprego era apenas uma das tantas situações possíveis em uma economia e, ao contrário dos clássicos, era possível alcançar o equilíbrio de uma economia com desemprego no mercado de trabalho. Seria possível, de acordo com ele, alcançar o equilíbrio do produto nacional de uma economia sem o pleno emprego dos recursos produtivos. NOTA Caro(a) acadêmico(a), a noção de “curto prazo” corresponde a um período de tempo em que existe, no mínimo, um fator de produção fixo. Já a noção de “longo prazo” corresponde a um período de tempo em que todos os fatores de produção variam. Contrariamente ao curto prazo, não existe sequer um fator fixo. Foi a partir do trabalho de Keynes que se desenvolveu profundamente a Teoria Macroeconômica, principalmente no pós-Segunda Guerra. Cada vez mais se procurou compreender as variáveis que exerciam influência no produto e no nível de emprego de determinada economia (VICECONTI; NEVES, 2005). No pós- guerra aumentaram os resultados positivos das políticas influenciadas por estes postulados. UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA 70 Em uma economia em depressão, era difícil, segundo Keynes, que os empresários elevassem seus investimentos. Neste caso, para que houvesse equilíbrio e a economia alcançasse pleno emprego, o governo deveria aumentar seus gastos, que aumentaria a demanda agregada, aumentando a mão de obra empregada. NOTA Caro(a) acadêmico(a), o pleno emprego de uma economia corresponde a uma situação em que todos os recursos disponíveis (emprego, por exemplo) estão sendo utilizados de forma plena na produção dos bens e dos serviços, o que garante o equilíbrio das atividades produtivas. O pensamento de Keynes a respeito de poupança diferia dos clássicos. A poupança não era função da taxa de juros, mas do nível de renda. Este pressuposto inclusive invalidou a ideia de equilíbrio automático entre poupança e investimento através da taxa de juros (PINHO; VASCONCELLOS; GREMAUD, 2003). Afirmou ainda que poderia haver maior vantagem em reter dinheiro, em comparação com algum certo tipo de aplicação em investimento. Quando acontece este fato, onde entesourar dinheiro torna-se mais rentável do que aplicá-lo em determinada atividade produtiva, a demanda efetiva da economia cai, reduzindo o número de atividades, o emprego e, consequentemente, a renda. Das suas análises das variações da produção e do emprego, concluiu que o que altera o volume de emprego é a procura de mão de obra e não a sua oferta, como sustentavam os clássicos. Desta maneira, o desemprego é fruto de uma demanda insuficiente de bens e serviços, solucionada com um maior volume de investimentos. O investimento, inclusive, é o fator dinâmico da economia, capaz de assegurar o pleno emprego e influenciar a demanda. Segundo os pressupostos keynesianos, a economia pode encontrar seu nível de equilíbrio mesmo com um nível alto de desemprego, que vai permanecer assim até que haja intervenção do governo, através de uma política adequada de investimentos e de incentivos, capazes de sustentar a demanda efetiva, bem como manter os níveis de emprego e renda em alto ritmo. Assim, com cada elevação da renda, crescem também o consumo e o investimento. E para que isto aconteça, faz-se necessário que o Estado tenha instrumentos de política econômica, sejam de regulação da taxa de juros, de expansão dos gastos públicos, de investimentos por meio de empréstimos, entre outros (SANDRONI, 1999). O keynesianismo inaugura assim uma modalidade de intervenção do Estado na economia, que não atinge totalmente a autonomia da iniciativa privada. Em sua originalidade e em face da conjuntura de crise, defendia a adoção de TÓPICO 1 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA 71 políticas capazes de solucionar os problemas de desemprego pela intervenção estatal, desestimulando o entesouramento por meio da redução da taxa de juros e aumento dos investimentos públicos. Em consequência disso, aumentam-se os investimentos em atividades produtivas. Vale lembrar que suas ideias influenciaramo famoso New Deal, programa de recuperação econômica de Franklin D. Roosevelt (1933-1939). A grande convicção que pairava no ar era que o capitalismo poderia ser salvo (quando envolto em crises), desde que os governos interviessem na economia, cobrando impostos, reduzindo juros, tomando empréstimos e gastando. NOTA O economista Michal Kalecki, polonês, chegou aos mesmos resultados de Keynes, partindo não da economia neoclássica, mas da marxista. QUADRO 2 - ALGUMAS DIFERENÇAS ENTRE O PENSAMENTO CLÁSSICO E O KEYNESIANO Postulados clássicos Postulados keynesianos Predomínio da oferta sobre a demanda. Predomínio da demanda sobre a oferta. Equilíbrio de todos os mercados de fatores de uma economia. Considera que alguns mercados de fatores podem estar em desequilíbrio, como o caso do mercado de trabalho. Sustenta uma situação de pleno emprego dos recursos da economia como condição de equilíbrio. Sustenta ser possível chegar à condição de equilíbrio sem o pleno emprego dos recursos de uma economia. Baseia-se nas soluções de longo prazo para os problemas econômicos. Baseia-se nas soluções de curto prazo. Não dá muita importância aos gastos do governo em uma economia. Sustenta que os gastos da iniciativa privada (investimento das empresas, consumo dos indivíduos, entre outros) contribuem de forma decisiva para o crescimento econômico. Os gastos do governo assumem papel importante para alavancar o crescimento econômico, principalmente em momentos de crise. Tem suas premissas baseadas no conceito de laissez-faire, ou seja, de livre mercado, que se autorregula. Não considera que o mercado venha a se autorregular sempre, sendo necessária a intervenção estatal. Sugere uma política macroeconômica de estímulo à demanda efetiva da economia. Sua ênfase é na microeconomia. Sua ênfase é nos agregados macroeconômicos. FONTE: Adaptado de Vasconcellos; Garcia, 2009 e Pinho et al. (2003) UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA 72 5 CRÍTICAS E INFLUÊNCIAS Alguns autores fizeram algumas críticas à obra de Keynes. Uma delas afirma que tal teoria não logrou ser “geral” (como pretendia a Teoria Geral), sendo assim, mais adaptada à realidade socioeconômica da Grã-Bretanha durante a Grande Depressão dos anos de 1930. Além disso, há críticas por ser limitada aos problemas do subemprego e ao curto prazo. Outros afirmam que Keynes tenha simplificado demais a complexa realidade econômica e, ainda, deixou de lado a análise da microeconomia. Além de não ter se debruçado sobre o caso dos países emergentes. Soma-se a isso o fato de que não considerou o problema do fim da análise produtiva como fundamental. Ainda nesta linha, outros autores criticam as políticas econômicas recomendadas por Keynes, já que, por um lado, foram responsáveis pelo aumento da inflação e, por outro, por não elevarem o poder aquisitivo dos trabalhadores. O que tais políticas acabaram fazendo foi o estímulo ao consumo, que favoreceu as classes dominantes. Por simplificar a organização da sociedade, Keynes acabou estabelecendo uma única lei de consumo, ignorando que este é totalmente diferente se for levada em conta a classe dos trabalhadores e dos capitalistas. Os primeiros têm um poder de consumo bem inferior aos segundos. Também se critica o fato de que Keynes não tenha se posicionado sobre a natureza de classes do Estado, principalmente dos modelos imperialistas (da qual a Inglaterra é exemplo claro). E por subestimar a natureza classista do Estado capitalista, suas propostas de aumento do controle estatal mediante o uso de recursos da renda nacional acabaram por aumentar a submissão à oligarquia financeira. Apesar das críticas, o pensamento keynesiano exerceu grande influência após a Segunda Guerra, principalmente nos países capitalistas. A própria Ciência Econômica experimentou um maior desenvolvimento, como exemplo, a presença cada vez mais contundente de modelos estatísticos e matemáticos. Mesmo estas mudanças não foram capazes de provocar tamanho impacto como foi o provocado pela publicação da obra keynesiana Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, em 1936. Não houve, dentro da ciência econômica, ideias capazes de gerar consequências tão impactantes, como o fortalecimento do intervencionismo nas sociedades capitalistas ocidentais (PINHO; VASCONCELLOS; GREMAUD, 2003). Mesmo economistas com uma tendência mais crítica ao capitalismo e mais próximos ao socialismo incorporaram algumas contribuições da teoria keynesiana, como, por exemplo, a política de direcionamento dos investimentos por parte do Estado e a política de pleno emprego. Sem contar que os pressupostos keynesianos fomentaram o desenvolvimento de estudos tanto nas ciências econômicas como em outras áreas do conhecimento. A econometria, que vem ganhando espaço no mainstream da economia, é um bom TÓPICO 1 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA 73 5 CRÍTICAS E INFLUÊNCIAS exemplo: construiu novos modelos agregados e passou a desenvolver pesquisas relacionadas à contabilidade nacional, ao produto, à renda nacional e tantos outros agregados. Sobre os cientistas econômicos que deram continuidade a pesquisas partindo daquilo que Keynes discutiu com sua obra, podemos destacar três grupos: • Os monetaristas, que se vinculam à Universidade de Chicago e defendem um controle maior da moeda e um baixo grau de intervenção estatal. Podemos citar como exemplo de destaque o economista Milton Friedman. • Os fiscalistas, que sustentam a utilização de políticas fiscais ativas e um grau mais acentuado de intervenção estatal. Entre os economistas de destaque estão James Tobin, da Universidade de Yale, e Paul Anthony Samuelson, de Harvard e MIT. • Os pós-keynesianos, que têm se debruçado sobre a obra de Keynes, perfazendo de certa maneira uma releitura dela. O que tentam mostrar é que o pensador britânico não negligenciou o papel da moeda e da política monetária. Além disso, tratam do papel da especulação financeira e defendem a intervenção estatal na economia, com maior ênfase que os demais citados. Podemos citar aqui os economistas Joan Robinson, Hyman Minsky, Paul Davison e Alessandro Vercelli. Apesar desta distinção, há ainda diferenças entre os próprios grupos. Mesmo estas divergências existindo, são baseados nos pontos fundamentais do trabalho de John Maynard Keynes (VASCONCELLOS; GARCIA, 2009). 74 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico vimos que: • As ideias keynesianas ganham força em meio à Grande Depressão, originada em 1929. O marco destes postulados é a publicação da obra Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, em 1936. • Os postulados keynesianos foram ao desencontro da premissa clássica de que o mercado se autorregulava e de que a oferta criava sua própria demanda. • Ao contrário dos clássicos, para Keynes o capitalismo não tendia ao autoequilíbrio. Para ele, era a demanda que exercia influência sobre a oferta. • Uma das grandes contribuições da teoria de Keynes foi o princípio da demanda efetiva. • O keynesianismo inaugura uma modalidade de intervenção do Estado na economia, que não atinge totalmente a autonomia da iniciativa privada. • As preocupações keynesianas eram os grandes agregados econômicos e o curto prazo. Podemos dizer que são a base da Macroeconomia. • As teorias keynesianas sustentavam que o pleno emprego era apenas uma das situações possíveis da economia, portanto, era possível alcançar o equilíbrio com desemprego e sem o emprego total dos recursos disponíveis. • Em uma economia em depressão era essencial a intervenção do Estado na economia, através dos gastos públicos e aumento da demanda agregada. • Os gastos do governo têm papel importante para alavancar o crescimento econômico. • O keynesianismo influenciou muito a Ciência Econômica, bem comogovernos e instituições pelo mundo todo. 75 AUTOATIVIDADE Caro(a) acadêmico(a)! Para fixar melhor o conteúdo estudado, vamos exercitar um pouco. Leia as questões a seguir e responda-as em seu Caderno de Estudos. Bom trabalho! 1 O keynesianismo surgiu nos anos de 1930, no calor da Grande Depressão. Seus postulados revolucionaram a teoria econômica e influenciaram governos pelo mundo inteiro. De acordo com os principais postulados, coloque V para verdadeiro e F para falso: ( ) O keynesianismo não dá muita importância aos gastos do governo em uma economia. Bastam ao crescimento econômico os gastos da iniciativa privada. ( ) Uma das grandes contribuições do keynesianismo está no princípio da demanda efetiva. ( ) O economista Michael Kalecki chegou aos mesmos resultados de Keynes, partindo da economia marginalista. ( ) Para Keynes, a solução para a crise econômica capitalista se dava com o aumento dos gastos e do investimento por parte do governo na economia. ( ) De acordo com os postulados keynesianos, o pleno emprego de uma economia poderia ser alcançado mesmo com desemprego. ( ) Segundo Keynes, a poupança era função da taxa de juros. Sustentava que havia uma tendência ao equilíbrio entre poupança e investimento através da taxa de juros. Sendo assim, o entesouramento excessivo de dinheiro não tinha nenhum efeito sobre a demanda efetiva da economia. 2 Podemos dizer que a teoria keynesiana foi um contraponto a alguns postulados da teoria econômica clássica. Em acordo com o que vimos a esse respeito, comente ao menos cinco diferenças entre as duas escolas de pensamento. 3 Os postulados keynesianos tiveram destaque na solução dos problemas da crise financeira de 1929 e acabaram influenciando políticas de governo por todo o mundo. Comente as principais características deste processo. 76 77 TÓPICO 2 O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO No tópico anterior vimos alguns dos pressupostos básicos do keynesianismo, que influenciou e vem influenciando pesquisadores, governos e políticas no mundo todo. Neste segundo tópico nossa atenção estará voltada a um modelo de Estado, o “Estado de Bem-Estar Social”. Podemos ter certeza de que muitos dos postulados de Keynes têm influência sobre as concepções mais recentes desta forma de atuação estatal. O Estado de Bem-Estar Social é uma das formas que o Estado pode assumir. Evidente que tem maior incidência no cotidiano dos indivíduos, em maior grau em alguns casos, em outros, em menor grau. Muitos pesquisadores fazem uma classificação dos vários modelos que vem a assumir este tipo de Estado, de acordo com as funções que desempenha. Podemos citar como exemplo bem-sucedido na atualidade os países escandinavos. Nestes são ofertados de maneira universal serviços públicos de alta qualidade, como educação, moradia, garantia de emprego, de renda, saúde e tantos outros. É bom lembrar que tais serviços são fruto de lutas históricas e não apenas da caridade de governantes. 2 ANTECEDENTES HISTÓRICOS Algumas vezes já ouvimos falar do Estado de Bem-Estar Social, também conhecido como Welfare State ou, ainda, Estado assistencial. De fato, é uma das formas de se conceber o Estado, diante das mais diversas formas que ele assume ou pode assumir. Historicamente, podemos apresentar a política adotada na Grã-Bretanha, no pós-Segunda Guerra, como exemplo deste modelo de Estado. Frutos de reivindicação de longa data, muitas políticas de assistência social foram aprovadas, desde saúde à educação, que tinham como propósito garantir serviços idênticos a todos os cidadãos, independente de sua renda (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2000). Voltando um pouco no tempo, podemos apontar um avanço rumo ao Estado de Bem-Estar na Inglaterra, entre os anos de 1905 a 1911. Na época, houve a instituição de um seguro nacional de saúde e de um sistema fiscal progressivo, além do reconhecimento dos direitos sindicais e políticos da classe operária. O cenário rumo à constituição do Welfare State vai ganhando cada vez mais corpo, durante os anos de 1920, 1930 e nos anos que seguem à Segunda Guerra Mundial, com a constante intervenção estatal, seja na indústria bélica, como na distribuição de gêneros em geral. UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA 78 Os anos que se passaram à Grande Depressão, como vimos anteriormente, fizeram com que o mundo ocidental passasse a aumentar as despesas públicas, como forma de manter o nível de emprego e mesmo a condição de vida das pessoas. Interessante ressaltar que, nos casos da Inglaterra e dos Estados Unidos, as políticas assistencialistas se dão em um ambiente liberal-democrático, com fortalecimento dos sindicatos e criação de uma estrutura administrativa capaz de responder às demandas sociais, principalmente dos mais necessitados (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2000). É na Inglaterra dos anos 1940 que se chega àquilo que vem a ser definitivamente o Welfare State, ou seja, a garantia da universalidade de direitos a todos os cidadãos, independente de sua idade, renda e posição social. Exemplo seguido por muitos outros países industrializados. Vale ressaltar que o aumento das despesas públicas resultou em um aumento da porcentagem do Produto Interno Bruto gasto em serviços à população. Aqui se vê a relação entre o crescimento econômico e a melhora da qualidade material da vida dos indivíduos: grosso modo, quanto mais riqueza produzida, mais recursos às demandas da população. 3 O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL Muito se pode dizer sobre o Estado de Bem-Estar Social, assim como sobre suas concepções. Basicamente, Benevides (2011) define este tipo de Estado com ajuda de Wilensky (1975): aquele que garante "tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação, educação, assegurados a todo o cidadão, não como caridade, mas como direito político". Interessante conceito, porque dele se conclui que um Estado que garanta o bem-estar dos seus indivíduos não é algo proveniente do acaso ou da vontade de governantes piedosos, mas sim, fruto da luta política organizada, de longa data. IMPORTANT E A grande diferença do Welfare State de outros tipos de Estado não é apenas a intervenção das estruturas públicas na melhora do nível de vida dos indivíduos, mas sim, o fato de que isto é reivindicado pelas pessoas. Portanto, as políticas que garantem melhores condições de vida à população são fruto da luta política organizada e não de caridade. TÓPICO 2 | O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL 79 Praticamente todas as noções de Welfare State remetem ao Estado como garantidor das necessidades básicas da população. Seu fundamento está na garantia mínima de renda, educação, saúde, moradia a qualquer cidadão. É o poder do Estado organizado a fim de oferecer a todo conjunto da população, indiferentemente de sua posição social, garantia de reprodução material de sua vida (BENEVIDES, 2011). Esta ação estatal acaba reduzindo os riscos sociais a que os cidadãos estão expostos, principalmente pela dinâmica do capitalismo. Baseia-se em uma noção de direito social e, é claro, tem relação com o mercado, já que tenta amenizar os resultados adversos das atividades capitalistas, como a desigualdade de acesso aos bens públicos, entre tantas outras. O financiamento deste tipo de Estado se dá, geralmente, pela contribuição social dos trabalhadores e dos empregadores, porém, dependendo do tipo de Estado, o peso destes varia (BENEVIDES, 2011). É bom lembrarmos que não há uma única forma de Estado de Bem-Estar Social. Há aqueles que gastam mais com benefícios sociais, que têm mais controle estatal, como também existem os que gastam menos e que pouco intervêm no mercado. Existem diferenças quanto à contribuição também, e, é claro, sobre o nível de redução da pobreza que venham a alcançar. Mesmo que o modelode Welfare State seja aquele que busca o bem-estar dos indivíduos através dos direitos sociais, a constituição deste entre as nações levou em consideração certas especificidades. Portanto, há como distingui-los. Esping- Andersen (1991) nos ajuda neste sentido, ao distinguir três tipos de Welfare State: o Liberal, o Conservador e o Social-democrata. Apesar desta divisão, não há como apontar uma delimitação tão clara entre os modelos. Ou seja, características dos três tipos se entrelaçam. Um modelo conservador pode apresentar características de um modelo social-democrata e vice-versa, por exemplo. Vejamos cada regime em separado. 3.1 O ESTADO DE BEM-ESTAR “LIBERAL” O Welfare State com predomínio das características liberais é aquele em que os mecanismos de mercado têm maior evidência. Os serviços sociais não são estendidos a toda a população. Focam-se nos mais pobres, com ações assistencialistas. É bom destacarmos que é necessária uma comprovação dos indivíduos considerados pobres e indigentes. As transferências destinadas aos serviços universais são menores. Outra característica reside no programa de previdência, mais modesto. Inclusive, há o incentivo aos planos privados de seguridade. Como já exposto, não há uma extensão plena dos direitos de cidadania, preocupando-se mais com a garantia de certos níveis de renda e com uma gama mais tímida de benefícios. Há, assim, uma grande preocupação em deixar de incentivar o trabalho. É justamente no mercado de trabalho que o Estado age: é UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA 80 através da inserção no mercado, buscando neste melhores salários, que a população pode se valer de melhores condições de vida (através do trabalho e salários). A solução aos problemas socioeconômicos é relegada às forças do mercado, sendo que a intervenção estatal ocorre apenas quando muito necessário, ou seja, quando alguns problemas sociais se tornam graves e não encontram solução na iniciativa privada. Países como os Estados Unidos, Canadá e Austrália podem ser visualizados como exemplos. Vale um adendo: por não se beneficiarem tanto com os programas assistenciais, é típico das classes de melhor poder aquisitivo uma rejeição ao aumento dos gastos sociais e o consequente aumento dos impostos. 3.2 O ESTADO DE BEM-ESTAR “CONSERVADOR” No Welfare State com esta característica, o modelo de proteção social é baseado nas transferências. Benefícios como a aposentadoria, por exemplo, são proporcionais à contribuição do indivíduo. Neste sentido, não tem uma preocupação com as necessidades totais (e divergentes) das pessoas, mas sim, com a proporção com que o indivíduo contribuiu para o fundo específico. Aqui vemos a importância do mercado de trabalho neste processo, já que, quanto melhor for o salário, melhores as condições de contribuição com o Estado e, portanto, maior seu retorno. Uma das críticas a este modelo é que sua proteção sobre aqueles que estão excluídos do mercado de trabalho é insuficiente. Nestes casos, os benefícios são os mínimos possíveis, através de transferências. O Estado assume um papel subsidiário, relegando às famílias (inseridas no mercado de trabalho) o papel principal na garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos. A população empregada tem, é claro, amplo amparo, o que de certa maneira torna o custo do emprego maior. Sem contar que parte importante dos serviços de saúde e de cunho assistencial é ofertada por setores sem fins lucrativos. Tem presença na Europa continental, como Alemanha, Áustria, França, Bélgica, Holanda. Ainda assim, apresenta diferenças entre estes países, tendo cada um deles características distintas. 3.3 O ESTADO DE BEM-ESTAR “SOCIAL-DEMOCRATA” Neste modelo, os indivíduos têm direito a maiores serviços provenientes da esfera pública. Inclusive, conseguem manter seu nível material de vida sem depender do mercado de trabalho. O princípio da solidariedade marca as ações deste tipo de Estado, no sentido de que as políticas (seja de saúde, educação, aposentadoria, entre outras) são universais, ou seja, estendidas a toda população, independente da renda e posição social. Um bom exemplo: tanto o filho de um operário quanto o filho de um banqueiro terão o mesmo direito à universidade, sendo esta custeada pelo Estado. TÓPICO 2 | O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL 81 Ao contrário dos modelos conservador e liberal, os benefícios não estão ligados à proporção da contribuição do indivíduo. As políticas deste modelo procuram deixar o indivíduo não tão dependente das forças de mercado, através de serviços públicos de alta qualidade. Evidente que, por ser universal e por oferecer serviços de alta qualidade, estende-se a toda a população, sejam os mais pobres, classe média e mesmo os mais ricos. Isto também implica maiores contribuições por parte da população. Por isso, a busca por manter o maior número de pessoas trabalhando é constante. A busca do pleno emprego é uma questão central para estes países. Quanto mais pessoas estiverem no mercado de trabalho e o mínimo vivendo das transferências do governo, melhor. Tanto é que políticas de emprego, das mais diversas formas, são constantes. Podemos destacar algumas características marcantes deste modelo de Estado de Bem-Estar: garantia de renda para todos (universal), políticas de emprego, de educação e prestação de serviços contra os riscos sociais diversos. Alguns, inclusive, têm serviços de cuidado bem desenvolvidos, como creches e mesmo o cuidado com os idosos. Os serviços das creches permitem que as mulheres trabalhem, o que contribui na diminuição da desigualdade. Os países escandinavos são os exemplos que se encaixam nesses moldes. Importante ressaltar que os direitos sociais não estão relacionados à comprovação da pobreza ou da inserção no mercado de trabalho, como nos dois modelos apresentados anteriormente. Para acessar os benefícios do Estado, basta ser cidadão. Por isso, é um direito político. Evidente que isto retira muito a dependência das pessoas das livres forças do mercado. QUADRO 3 - RESUMO DAS DIFERENÇAS ENTRE OS MODELOS DE ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL Modelo Liberal Modelo Conservador Modelo Social-democrata As forças do mercado têm centralidade na provisão dos direitos sociais fundamentais dos indivíduos. As famílias, através de sua posição no mercado de trabalho, têm a primazia na provisão dos direitos sociais fundamentais dos indivíduos. O Estado assume centralidade na provisão dos direitos sociais fundamentais dos indivíduos. O Estado é mínimo. O Estado exerce função subsidiária. O Estado tem papel central. Programas assistencialistas aos pobres e incentivo a planos privados (previdência, saúde, entre outros). Programas assistencialistas aos pobres e os benefícios aos cidadãos têm ligação com prévia contribuição (aposentadoria, por exemplo). Benefícios à população são universais. Políticas de saúde, educação, emprego, renda, previdência, entre outros, são de alta qualidade e ofertados a todos, independente da renda e posição social. FONTE: Adaptado de Benevides (2011). UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA 82 4 CRISE NO MODELO DE BEM-ESTAR Os argumentos utilizados para a redução dos recursos destinados às demandas da população e, portanto, a limitação do Estado de Bem-Estar Social, se associam ao déficit público, que, de acordo com os defensores desta crítica, provocou instabilidades econômicas e sociais (a inflação é um exemplo). Discorrer sobre a crise do Welfare State não é tão simples, muito menos algo de consenso. Isto porque remete mesmo a posturas ideológicas e, de certa forma, pela retomada de poder no direcionamento do Estado por determinadas classes sociais. Um elemento para o qual podemos chamar a atenção é o caso de países desenvolvidos, em que aredução do Welfare State se relaciona com a crise fiscal, ocasionada pela dificuldade crescente em equilibrar os gastos públicos com crescimento econômico. Realizar esta tarefa em uma economia capitalista nem sempre é tarefa fácil. Um exemplo marcante do desmonte do Estado de Bem-Estar Social foi o orquestrado na Grã-Bretanha, com a eleição da primeira ministra Margareth Thatcher, do Partido Conservador. Seu partido esteve no poder de 1979 a 1990, tendo na privatização das empresas públicas sua marca. É bom destacarmos que tal postura influenciou muitos países ao redor do mundo, como o caso do Brasil da década de 1990, que, além de vacilar em garantir os direitos básicos garantidos na Constituição, optou por uma política de arrocho salarial e de privatização do patrimônio público. 5 O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL NO BRASIL O Brasil nunca logrou estruturar um Welfare State, aos moldes de alguns países europeus e dos países nórdicos. Ao longo de sua história há elementos garantidores de melhores condições de vida à sua população, ora mais expressivos, ora menos expressivos. Estes elementos são parte de estratégias de bem-estar. Podemos dizer que a primeira tentativa de um Estado preocupado com o bem-estar de seus indivíduos tem origem nos anos de 1930, com Getúlio Vargas. A regulação das relações de trabalho, com a extensão de direitos aos trabalhadores, é exemplo disso, e até poderíamos enquadrá-la nos moldes do Estado de bem-estar conservador. Antes disso, o que havia eram medidas fragmentadas e de caráter emergencial. O ambiente em que se fundam os alicerces do sistema de proteção social brasileiro desta época tem como marca o autoritarismo, que, se por um lado provia necessidades, também reduzia o poder de reivindicação dos sindicatos e dos líderes trabalhistas. Entre 1930 e 1945 é crescente a intervenção do Estado na área trabalhista e previdenciária. Podemos destacar a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública em 1930. Em 1946, a legislação trabalhista então elaborada gradualmente foi reunida na intitulada Consolidação das Leis do Trabalho, que, dentre outras TÓPICO 2 | O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL 83 coisas, regulamentava o número de horas do trabalho, o trabalho das mulheres e menores, direito a férias, salário mínimo, pensão, estabilidade e demais benefícios. O que se conclui desta época é que o sistema de proteção social brasileiro tinha suas bases na mediação entre o capital e o trabalho e atingia, essencialmente, os trabalhadores urbanos (BENEVIDES, 2011). Outro momento a evidenciar ocorreu na época da ditadura militar, com a extensão de alguns direitos a segmentos da sociedade. O que pode ser evidenciado deste período histórico são a criação do Instituo Nacional de Previdência Social (INPS) em 1966, o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL), que incluía os trabalhadores do campo no sistema previdenciário, além do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (que operava como compensador da flexibilidade da legislação trabalhista). Criou-se ainda, no ano de 1974, o Ministério da Previdência e Assistência Social (BENEVIDES, 2011). É bom lembrar que, apesar de criar benefícios sociais que em teoria cobririam toda a população, o sistema público brasileiro, na prática, acabou se especializando no atendimento seletivo da população. Sem contar que nivelou a segurança social em níveis baixos. Não por acaso, o período militar caracterizou- se pelo aprofundamento das disparidades socioeconômicas entre a população, ao mesmo tempo em que favoreceu elites políticas e econômicas, tanto do Brasil como de países estrangeiros. A Constituição de 1988 é um pouco mais abrangente. Suas reformas, principalmente na área social, fazem com que a proteção social ao brasileiro possa ser enquadrada em regime de Welfare State. Nela se reconhece que somente as forças de mercado são incapazes de prover os direitos fundamentais aos indivíduos, muito menos de reduzir os riscos sociais a que estão expostos. Propõe o direito social atrelado à cidadania. Podemos dizer que foi um marco para os direitos sociais no Brasil, já que sustenta uma ampliação do sistema de proteção social e, mesmo, a instituição de princípios de universalização. Podemos destacar deste período a criação do Sistema Unificado de Saúde (SUS), a criação do seguro-desemprego, a evolução da previdência social (com sistema unificado com a previdência urbana e incorporação dos benefícios às mulheres). Longe de citar todos os avanços, pelo menos em tese se fundou um sistema de proteção social que universalizou direitos sociais e tratou temas importantes, como a saúde, a assistência social e a previdência como questões de ordem pública e, portanto, responsabilidade do Estado brasileiro (BENEVIDES, 2011). Em tese, o Brasil deu um passo à consolidação de um Welfare State, mas na prática ainda está longe disso. 84 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico vimos que: • Conforme define Wilensky (1975), o Estado de Bem-Estar Social ou Welfare State é o tipo de Estado que garante tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação, educação, assegurados a todo cidadão, não como caridade, mas como direito político. • É na Inglaterra dos anos 1940 que se chega àquilo que vem a ser definitivamente o Welfare State, ou seja, a garantia da universalidade de direitos a todos os cidadãos, independentemente de sua idade, renda e posição social. • Este modelo de Estado é fruto da luta organizada dos cidadãos por melhores condições de vida e não mera caridade de governantes piedosos. • O financiamento do Welfare State se dá geralmente pela contribuição dos trabalhadores e empregadores. • Alguns autores distinguem três tipos de Estado de Bem-Estar Social: o Liberal, o Conservador e o Social-democrata. • No modelo Liberal, o Estado é mínimo e cabe às forças de mercado a centralidade na provisão dos direitos fundamentais dos indivíduos. • No modelo Conservador o Estado tem papel subsidiário, sendo que as famílias têm centralidade na provisão dos direitos fundamentais dos indivíduos. • No modelo Social-democrata o Estado tem papel central na vida dos indivíduos, provendo benefícios universais e de alta qualidade. • O Brasil nunca logrou estruturar um Welfare State aos moldes dos países europeus e escandinavos. O que existem são políticas e demais elementos garantidores de melhores condições de vida à população, ora mais expressivos, ora menos expressivos. 85 AUTOATIVIDADE Caro(a) acadêmico(a)! Para fixar melhor o conteúdo estudado, vamos exercitar um pouco. Leia as questões a seguir e responda-as em seu Caderno de Estudos. Bom trabalho! 1 Praticamente todas as noções de Welfare State remetem ao Estado como garantidor das necessidades básicas dos indivíduos. Sua constituição entre as nações levou em consideração certas especificidades. Tanto é que alguns autores classificam três formas de Welfare State. Com base no que vimos, discorra sobre as principais diferenças entre estes três modelos (liberal, conservador e social-democrata). 2 O modelo de Bem-Estar Social é uma das muitas formas que o Estado pode assumir. Vimos no tópico 2 algumas características dele. Com base nisto, leia com atenção as afirmações abaixo e assinale o conjunto correto de afirmações: I - A grande diferença do Welfare State de outros tipos de Estado não é apenas a intervenção das estruturas públicas na melhora do nível de vida dos indivíduos, mas sim, que esta intervenção é fruto da luta política organizada e não de caridade do governo. I I - Podemos dizer que é na Inglaterra dos anos de 1940, no governo de Margareth Thatcher, que se constitui aquilo que vem a ser o Estado de Bem- Estar Social. III - O financiamento do Welfare State se dá pela contribuiçãotanto dos trabalhadores como dos empregadores e não varia de acordo com o tipo de Estado de bem-estar. IV – O Welfare State do tipo social-democrata tem como premissa conceder benefícios mediante a prévia contribuição dos cidadãos. Seus maiores exemplos são os países escandinavos. ( ) Todas as afirmações estão corretas. ( ) Apenas as afirmações I e II estão corretas. ( ) As afirmações II e III estão corretas. ( ) Apenas a afirmação I está correta. ( ) Nenhuma afirmação está correta. 3 Um subtópico de nosso estudo abordou o tema do Estado de Bem Estar- Social aplicado ao caso brasileiro. Seria o Brasil um modelo de Welfare State? Justifique. 86 87 TÓPICO 3 A TEORIA DA REGULAÇÃO UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Depois de vermos um pouco sobre as teorias keynesianas e entrar em contato com o modelo de Bem-Estar Social, nossa tarefa neste terceiro tópico será conhecer um pouco da Escola Francesa da Regulação. Os regulacionistas, como veremos, também surgem em um momento de crise. Por um lado, em um contexto de queda das taxas vigorosas de crescimento das economias capitalistas, e de outro, com os limites da própria teoria econômica: nem as teorias keynesianas, nem o fundamentalismo marxista, muito menos as teorias neoclássicas davam conta de explicar a complexa realidade. É sobre estas lacunas que a Teoria da Regulação ganhou evidência, impulsionada pela tese doutoral de Michel Aglietta, em 1974. Apesar de criticar o marxismo “fundamentalista”, a base desta escola de pensamento repousa nos pressupostos de Marx, pelo menos em sua origem. Algo de Keynes também encontrou espaço nos regulacionistas. Na verdade, pretendiam uma nova abordagem para explicar a realidade. Veremos com mais cuidado os principais aspectos da Teoria da Regulação. Portanto, além desta parte introdutória, a seção que segue discorre sobre o contexto do surgimento da Escola da Regulação. A última seção é dedicada aos preceitos básicos desta escola de pensamento, com especial atenção aos conceitos-chave. Bom estudo! 2 CONTEXTO DA ESCOLA DA REGULAÇÃO As concepções regulacionistas também ganharam força em um contexto de crise, ou seja, com o fim dos anos gloriosos de crescimento que se procederam no pós-Segunda Guerra Mundial. A volta das crises desvelou os limites do keynesianismo e, assim, abriu espaço para o debate dentro da economia. Não por acaso, houve o renascimento dos autores neoclássicos, principalmente daqueles alinhados a perspectivas racionais. Por outro lado, abriu espaço para o pensamento crítico, com raízes nos pressupostos de Marx, somados à incorporação das novas especificidades da conjuntura econômica e, ainda, de preceitos de outros autores. Eis o caso da Escola Francesa da Regulação. É neste contexto que esta escola ganhou força, na sua tentativa de construir uma análise do processo de acumulação capitalista, suas regularidades e crises (BOCCHI, 2000). 88 UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA IMPORTANT E Apesar de influenciada pelo marxismo, a Teoria da Regulação recusa as concepções mais fundamentalistas desta corrente de pensamento, ou seja, aquelas que sustentam leis gerais capazes de determinar e explicar tanto o crescimento quanto as crises do capitalismo. Os regulacionistas se opunham àquelas formulações baseadas em leis universais regentes do comportamento social, como o caso de alguns teóricos marxistas (ortodoxos), dos estruturalistas e dos neoclássicos, com sua defesa do equilíbrio geral (NASCIMENTO, 1993). Além da influência de Marx, podemos citar ainda certa influência dos pressupostos de Keynes, principalmente pelo fato de que este autor tenha defendido a natureza instável do capitalismo, inclusive de seu crescimento. Além disso, a visão positiva do economista inglês acerca das instituições interessava aos autores regulacionistas. Podemos dizer que o marco fundador da Escola Francesa da Regulação foi a tese doutoral de Michel Aglietta, defendida em 1974, cuja publicação ocorreu dois anos depois, em 1976. Seu trabalho foi intitulado Regulação e crises do capitalismo. O núcleo mais representativo desta escola foi formado por Robert Boyer, Alain Lipietz, Jacques Mistral, J. P. Benassy, J. Munõz e C. Ominami. Porém, quando se aborda esta teoria, é comum destacar Boyer, Lipietz e Aglietta. Alguns autores classificam os vários autores regulacionistas em três grandes correntes. Um primeiro grupo é denominado de “ortodoxia” regulacionista, congregando pesquisadores da teoria do Capitalismo Monopolista de Estado e outros ligados ao Partido Comunista Francês. Um segundo grupo pode ser denominado como “heterodoxia” regulacionista, conhecidos como “regulacionistas parisienses”, e tem como base os estudos de Michel Aglietta e J. P. Benassy. Por fim, o terceiro grupo, mais heterogêneo, onde se enquadram vários autores, desde alemães e os intitulados radicais norte-americanos. Há quem afirme que esta corrente possa ser apresentada como institucionalista (NASCIMENTO, 1993). 3 PRECEITOS BÁSICOS Os regulacionistas, embora estivessem de acordo com a tese do esgotamento das políticas keynesianas, criticaram a opção neoliberal para resolver a crise do fordismo. Sua proposta era tentar entender os processos de acumulação e crise do capitalismo contemporâneo mediante o desenvolvimento de um novo referencial teórico-metodológico. Dentre as categorias mais importantes por eles desenvolvidas, ganharam destaque as categorias modelo de desenvolvimento, paradigma tecnológico, regime de acumulação, modo de regulação, fordismo, fordismo periférico, pós-fordismo, entre outras. TÓPICO 3 | A TEORIA DA REGULAÇÃO 89 FIGURA 19 - MICHEL AGLIETTA FONTE: Disponível em: <http://www.xerficanal-economie.com/emission/Michel- Aglietta-Zone-euro-de-nouvelles-pistes-pour-sortir-de-la-crise_31.html>. Acesso em: 12 jan. 2015. A pretensão dos regulacionistas foi bastante ousada. Por um lado, objetivaram desenvolver um referencial teórico da economia capitalista que fosse além daquele sustentado pelos economistas neoclássicos, ou seja, defensores do equilíbrio geral. Além do mais, deveria dar conta de superar os modelos marxistas reducionistas. A esta tarefa somou-se a tentativa em explicar o fenômeno da estagflação, que tomava conta dos países desenvolvidos a partir de 1973 (BOCCHI, 2000). Sem contar que a volta das crises e do caráter cíclico do capitalismo expõe os limites das políticas econômicas de cunho keynesiano. NOTA Caro(a) acadêmico(a), o fenômeno da estagflação ocorre quando se tem, ao mesmo tempo, taxas elevadas de inflação e recessão econômica (PINHO; VASCONCELLOS; GREMAUD, 2003). Este fenômeno foi típico do pós-Segunda Guerra e se acentuou com a crise do petróleo (1973-1979). Contraria a teoria clássica de que a inflação tende a cair com o aumento do desemprego. Vale destacar que o Brasil experimentou este fenômeno entre 1963 e 1966, entre 1981 até 1984 (mais fortemente) e ainda entre 1987 até a introdução do Plano Real, em 1994 (SANDRONI, 1999). Os três principais nomes da Escola da Regulação empenharam-se em uma análise histórica do capitalismo, tentando demonstrar como este modelo de produção havia perdurado mesmo em meio a crises e conflitos diversos. O questionamento acerca de como o processo de acumulação de capital consegue 90 UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA se reproduzir, com um grau de regularidade, inserido e a partir de contradições e conflitos, é a grande questão econômica para eles. Segundo os regulacionistas, o sistema capitalista é instável e suas contradições e antagonismos são fruto das relações entre os indivíduos. Por isso mesmo, o foco destes pesquisadores são as instituições, vistas como determinantes na reprodução do sistema capitalista. Para os regulacionistas, o modo capitalista de produção evolui com baseem modelos de desenvolvimento, sustentado por um regime de acumulação e por um modo de regulação específico. Estes dois conceitos são chave nesta teoria e constituem faces de uma mesma moeda (CARVALHO, 2008). Justamente por tentar entender como o capitalismo vive momentos de prosperidade e de crises, sem que venha a se destruir, o conceito de regulação utilizado por esta escola tem ligação com as concepções de crise e de acumulação de capital. Ele é mais amplo e diferente do de regulamentação e tem implicações na história, na economia e na sociologia. Seu arcabouço metodológico buscou construir conceitos capazes de articular algumas ideias-chave, dentre as quais: • Que o processo de acumulação de capital tem papel determinante na dinâmica econômica do capitalismo. Esse processo de acumulação pode assumir formas variadas. • O processo de acumulação de capital não se autorregula, nem mesmo encontra equilíbrio via forças de mercado. As instituições (estruturas que são constituídas ao longo do tempo) têm papel fundamental para moldar a lógica do sistema capitalista. Ou seja, elas são responsáveis por direcionar a reprodução econômica em determinado período (CARVALHO, 2008). Outros conceitos são importantes para os teóricos da regulação. Veremos mais especificamente abaixo. 3.1 O CONCEITO DE REGIME DE ACUMULAÇÃO Por regime de acumulação se entende a forma específica que o processo de acumulação capitalista assume, com vistas a garantir a continuidade de acumulação de capital, bem como, de evitar desequilíbrios e crises. Denota, assim, um sentido de coerência. É um padrão de organização da atividade econômica que permite a continuidade do crescimento econômico. Isso de forma a permitir que os desequilíbrios e crises do próprio sistema capitalista, que são permanentes, sejam absorvidos ao longo do tempo. Pode assumir uma forma extensiva ou intensiva. No primeiro caso, combina crescimento econômico com baixo dinamismo tecnológico e, portanto, tem predomínio da mais-valia absoluta. No segundo caso, combina crescimento com progresso tecnológico, com predomínio da mais-valia relativa (CARVALHO, 2008). TÓPICO 3 | A TEORIA DA REGULAÇÃO 91 NOTA Caro(a) acadêmico(a), os conceitos de “mais-valia absoluta” e “mais-valia relativa” já foram abordados na Unidade 1. As regularidades referidas se relacionam: • A um tipo de evolução da organização da produção e, ainda, das relações entre os trabalhadores assalariados e os meios de produção. • A um espaço de tempo em que ocorre a valorização do capital, de onde se desenvolvem os princípios de gestão. • A como ocorre a distribuição da renda, capaz de permitir a reprodução dinâmica das diferentes classes sociais. • A uma composição que permite que a demanda social seja ajustada à tendência de evolução da capacidade produtiva. A uma articulação com as formas não capitalistas de produção (CARVALHO, 2008). 3.2 O CONCEITO DE MODO DE REGULAÇÃO Já o modo de regulação corresponde ao conjunto dos comportamentos (dos indivíduos) institucionalizados, sejam formais ou informais, cuja função é fazer com que as decisões das pessoas sejam compatíveis com o regime de acumulação em que estão inseridas. São o conjunto de leis, valores, que irão reproduzir e sustentar determinada forma que o capitalismo venha a assumir (já que mantém a coesão social) (SAMPAIO, 2003). A figura a seguir nos ajuda a compreender o conjunto de procedimentos e de comportamentos, tanto individuais como coletivos, do modo de regulação. 92 UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA FIGURA 20 - CONJUNTO DE PROCEDIMENTOS DO MODO DE REGULAÇÃO FONTE: Adaptado de Carvalho (2008). Visto como a materialização do regime de acumulação (através das normas, leis, entre outros), possibilita que o processo capitalista de produção se reproduza de forma regular e “coerente”, mesmo que envolto em constantes contradições e crises. 3.3 O CONCEITO DE MODELO DE DESENVOLVIMENTO Seria uma espécie de “conjugação” de um regime de acumulação com um modo de regulação. Podemos descrever um modelo de desenvolvimento a partir da forma com que este desenvolve o processo de acumulação de capital. Um bom exemplo é o modo desenvolvimento fordista, fruto de um regime de acumulação intensivo e de um modo de regulação denominado administrativo (alguns preferem utilizar monopolista). Neste tópico existe ainda uma classificação de crises que venham a ocorrer no processo de acumulação capitalista. Conforme nos aponta Carvalho (2008), podemos resumi-las da seguinte forma: • Crises exógenas: causadas por fatores externos ao sistema econômico (o atingem “vindo de fora”). Um bom exemplo são os desastres naturais. • Crises endógenas: têm sua origem no interior do modo de desenvolvimento. De menos impacto, são fruto de falhas na regulação, mas podem ser controladas pela intitulada forma institucional. TÓPICO 3 | A TEORIA DA REGULAÇÃO 93 3.4 O CONCEITO DE FORMAS INSTITUCIONAIS As formas institucionais são a codificação das relações sociais fundamentais que condicionam o modo de regulação (visto acima), como o regime de crescimento. É através destas formas que os agentes econômicos se relacionam. O que as norteia são as leis (ação de coerção), as noções de compromisso e mesmo o hábito (no sentido de um sistema de valores). Podemos descrever cinco principais formas institucionais. • Crises estruturais: são as crises de grande proporção, que marcam o fim de uma era do capitalismo. As soluções para este tipo de perturbação exigem grandes mudanças, desde políticas, técnicas, produtivas, institucionais e sociais. QUADRO 4 - FORMAS INSTITUCIONAIS Padrão monetário Como a moeda é a linguagem do mundo mercantil, das trocas, ela assume a forma de colocar em relacionamento os indivíduos, ou melhor, os agentes econômicos. Por exemplo, possibilita a relação entre empresas e trabalhadores ou os consumidores e comércio. Dessa forma, não é vista como mercadoria. Formas de relação salarial Correspondem às instituições que coordenam a relação capital-trabalho. Dentre as relações que coordenam a relação capital-trabalho, cinco merecem destaque: 1) Tipos de meio de produção; 2) Forma que assume a divisão técnica e social do trabalho (relacionam-se à organização do processo produtivo, entre outras); 3) Maneira de remuneração dos trabalhadores pelas empresas; 4) Normas de determinação dos salários (formal ou informal); 5) Modo de vida dos trabalhadores (essencialmente ligado ao consumo: como se dá o consumo dos trabalhadores). Formas de concorrência Denotam como se dão as relações entre as empresas (vistas individualmente, com suas decisões tomadas independente das demais) no mercado. Podemos citar algumas formas: mecanismos de concorrência e monopolistas. Regime de adesão internacional Corresponde ao conjunto de regras e procedimentos determinantes da relação de um país com o resto do mundo (inserção no mercado internacional). Isso tanto para as trocas de mercadorias quanto para os locais de produção. Formas de Estado Correspondem às relações entre Estado, capital e produção. São todos os compromissos estabelecidos e institucionalizados que criam as regras da composição das receitas e das despesas públicas. FONTE: Adaptado de Carvalho (2008). 94 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico vimos que: • O marco fundador da Escola Francesa da Regulação foi a tese doutoral de Michel Aglietta, intitulado Regulação e crises do capitalismo. • Os regulacionistas objetivavam entender os processos de acumulação e crise do capitalismo contemporâneo mediante o desenvolvimento de um novo referencial teórico-metodológico. • Para os regulacionistas, o modo capitalista de produção evolui com base em modelos de desenvolvimento, sustentado porum regime de acumulação e um modo de regulação específico. • Por tentar entender como o capitalismo vive momentos de prosperidade e de crises, sem que venha a se destruir, o conceito de regulação utilizado por esta escola tem ligação com as concepções de crise e de acumulação de capital. • O conceito de regime de acumulação refere-se a um padrão de organização da atividade econômica que permite a continuidade do crescimento econômico capitalista. Isso de forma a permitir que os desequilíbrios e crises do próprio sistema capitalista, que são permanentes, sejam absorvidos ao longo do tempo. • O conceito de modo de regulação corresponde ao conjunto dos comportamentos (dos indivíduos) institucionalizados, sejam formais ou informais, cuja função é fazer com que as decisões das pessoas sejam compatíveis com o regime de acumulação em que estão inseridas. • O conceito de modelo de desenvolvimento pode ser descrito a partir da forma com que ele desenvolve o processo de acumulação de capital. Um bom exemplo é o modo desenvolvimento fordista. • As formas institucionais são a codificação das relações sociais fundamentais que condicionam o modo de regulação com o regime de crescimento. É através destas formas que os agentes econômicos se relacionam. 95 Caro(a) acadêmico(a)! Para fixar melhor o conteúdo estudado, vamos exercitar um pouco. Leia as questões a seguir e responda-as em seu Caderno de Estudos. Bom trabalho! 1 Alguns conceitos relacionados à Teoria da Regulação merecem destaque. Com base no que vimos no tópico 3 a esse respeito, associe a primeira coluna com a segunda. AUTOATIVIDADE (A) Regime de Acumulação ( ) Conjunto de comportamentos compatíveis com o regime de acumulação. (B) Modo de Regulação ( ) Um exemplo é o modelo fordista. (C) Modelo de Desenvolvimento ( ) Liga-se à concepção de crise e de acumulação de capital. (D) Formas Institucionais ( ) É um padrão de organização da atividade econômica. (E) Conceito de Regulação ( ) Os agentes econômicos se relacionam através delas. 2 Um conceito importante para os regulacionistas é o de modelo de desenvolvimento. A partir dele pode-se perceber uma classificação de crises, oriundas do processo de acumulação capitalista. Discorra sobre elas, evidenciando seus elementos principais. 3 Com base no que vimos sobre a Escola Francesa da Regulação, coloque V para verdadeiro e F para falso. ( ) As concepções regulacionistas têm raízes em Marx. Apesar disso, recusavam as concepções marxistas mais fundamentalistas, como aquelas sustentadas por leis gerais e determinantes. ( ) Em sua origem os regulacionistas desejavam um referencial teórico: que fosse além daquele sustentando pelos neoclássicos; que superasse os modelos marxistas reducionistas; que desse conta dos limites do keynesiano e; que explicassem o fenômeno da estagflação. ( ) O conceito de regulação tem intrínseca relação com o conceito de regulamentação. ( ) As instituições assumem papel fundamental de moldar a lógica do sistema capitalista. Assim, são responsáveis por direcionar a reprodução econômica de um determinado período. ( ) Para os regulacionistas, o processo de acumulação de capital tinha papel central na dinâmica econômica capitalista. Além disso, esse processo se autorregulava, encontrando equilíbrio junto às forças de mercado. 96 97 TÓPICO 4 A TEORIA DESENVOLVIMENTISTA UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Nas unidades anteriores vimos um pouco sobre keynesianismo, discutimos o Estado de Bem-Estar Social e, ainda, conhecemos mais sobre a Escola Francesa da Regulação. Pois bem, nossa tarefa agora, neste quarto tópico, será conhecer um pouco mais sobre a teoria desenvolvimentista. O desenvolvimentismo teve presença marcante no direcionamento de políticas nos países em desenvolvimento, como o Brasil. Os estudos do desenvolvimento se inserem na fronteira entre a Teoria Econômica e a Política Econômica. Suas origens se encontram em três fontes principais: • No trabalho teórico dos economistas clássicos. O primeiro foi Adam Smith. • Nas crises econômicas, pelas quais o capitalismo vem passando desde a Revolução Industrial. • Nos estudos empíricos, de onde podemos fazer uma conexão do tema de nosso último tópico, ou seja, os estudos realizados pelos economistas da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). O desenvolvimentismo acabou perdendo força a partir do ano de 1970, com o retorno crescente das políticas neoliberais. No entanto, a partir de 2000 os pressupostos desenvolvimentistas retomam destaque, agora com a vestimenta de novo desenvolvimentismo. Este tópico nos ajudará na compreensão destes conceitos. Após esta parte introdutória, faremos breve contextualização. Seguindo, são apresentadas características do desenvolvimentismo que teve lugar nos países latino- americanos, com destaque para o Brasil. Por fim, as principais características do novo desenvolvimentismo são abordadas. Bom estudo! 2 UMA NOÇÃO INICIAL A preocupação com o desenvolvimento é um pouco mais recente no campo da economia. Ganhou força a partir da Segunda Guerra. As raízes do Estado desenvolvimentista remontam ao Japão do século XIX, com seu nacionalismo econômico, orientado a desenvolver a indústria e realizar a revolução capitalista. Na época os japoneses viviam sob o jugo do imperialismo e tinham seu comércio atrelado aos interesses estrangeiros. Na tentativa de romper os laços de dominação, 98 UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA realizaram uma revolução nacionalista (da qual a Restauração Meiji, de 1968, é expoente) e iniciaram a sua revolução industrial e capitalista, dando impulso a um desenvolvimento econômico com base nacional. Porém, o desenvolvimentismo surgiu como tal no final dos anos 1940, como uma estratégia nacional de desenvolvimento, cujo objetivo era fomentar a industrialização dos países periféricos, como o Brasil. Os fundamentos teóricos do desenvolvimentismo estão na Escola Histórica Alemã (Max Weber), na macroeconomia de Keynes e de Kalecki e ainda, da Escola Estruturalista do Desenvolvimento Econômico. Nos países latino-americanos, encontrou espaço na CEPAL e em seus principais expoentes, como Raúl Prebisch e Celso Furtado (PEREIRA; FURQUIM, 2012). Didaticamente, podemos dizer que o Estado desenvolvimentista é aquele que fomenta o desenvolvimento econômico. Para tanto, conta com uma estratégia nacional de desenvolvimento, com leis, políticas, objetivos claros, cuja finalidade é criar oportunidades de investimento lucrativo à iniciativa privada e, ainda, melhorar os padrões de vida da população. Enxerga o mercado como uma ótima instituição capaz de coordenar a ação de setores competitivos, mas perigoso quando coordena setores monopolistas. Em suas premissas, os desenvolvimentistas têm restrição quanto à autorregulação dos mercados, sugerindo o planejamento destes. Além do mais, sustentam o planejamento em áreas estratégicas, como da infraestrutura e na indústria de base. O Estado torna-se responsável por parte dos investimentos nestas áreas, ficando para a iniciativa privada o restante (PEREIRA; FURQUIM, 2012). 3 O BRASIL E A AMÉRICA LATINA O desenvolvimentismo encontrou terreno fértil na América Latina, com destaque entre os anos 1950 a 1970. Assumindo a forma de “nacional- desenvolvimentismo”, logrou êxito ao fomentar a industrialização e desenvolver as forças capitalistas de mercado. No caso latino-americano, Pereira; Furquim (2012) nos apontam três características principais. TÓPICO 4 | A TEORIA DESENVOLVIMENTISTA 99 FIGURA 21 - PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO DESENVOLVIMENTISMO NA AMÉRICA LATINA FONTE: Adaptado de Pereira e Furquim (2012). IMPORTANT E Caro(a) acadêmico(a), o grande objetivo do desenvolvimentismo dos anos de 1950 a 1970 era promovera industrialização dos países latino-americanos. Era função do Estado desenvolvimentista promover a “revolução industrial” nestes países, cuja posição periférica no mercado internacional, baseada na venda de produtos agrícolas, só agravava as graves disparidades sociais e econômicas. NOTA Bom lembrar que quando Pereira; Furquim (2012) caracterizam o desenvolvimentismo como nacionalista, não se referem à questão étnica e, sim, à questão econômica. Quando se referem a uma “burguesia nacionalista”, referem-se a um “nacionalismo econômico”, na medida em que fomenta a indústria nacional, cujos interesses têm fim no país de origem. 100 UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA Voltando ao caso brasileiro, alguns autores defendem que as raízes do Estado desenvolvimentista iniciaram de forma “acidental”, como resposta à Grande Depressão dos anos de 1930. Foi nos governos de Getúlio Vargas que ganharam corpo as principais instituições e também políticas de intervenção, que seriam base da política desenvolvimentista brasileira. Dentre as quais, vale lembrar: empresas estatais de aço (1940 e 1950), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) em 1950, a Petrobrás (1953), entre outras políticas (SCHNEIDER, 2013). Vários grupos políticos, muitas vezes com distinções claras, se mobilizaram dentro de um panorama nacionalista. Economistas, sindicalistas, burocratas do Estado, grupos militares (décadas de 1960 e 1970), entre muitos outros. Porém, os grupos nunca se fundiram como uma força única de coalização em prol de uma estratégia de desenvolvimento, fazendo com que este movimento ocorresse de forma mais irregular. É comum alguns autores afirmarem que o Estado desenvolvimentista brasileiro do século XX é permeado pela correlação entre autoritarismo e desenvolvimentismo (que encontrava destaque internacionalmente também), com destaque para o período da ditadura militar. Porém, é bom frisar que a evolução, e até mesmo consolidação, de um desenvolvimentismo brasileiro se dá entre 1954 a 1964, nos governos democráticos. São deste período algumas políticas-chave, como a de substituição de importações e, ainda, a consolidação de indústrias de base, como a Petrobrás (SCHNEIDER, 2013). NOTA Caro(a) acadêmico(a), o processo de substituição de importações corresponde a uma estratégia de desenvolvimento econômico que tinha por base o estabelecimento de barreiras à importação de determinados produtos estrangeiros que tinham potencial de produção pela indústria nacional. Assim, se por um lado se restringia a importação de certos produtos, por outro se fomentava a indústria nacional. Esta estratégia foi popularizada pelos teóricos da CEPAL (que veremos adiante). No geral, o desenvolvimentismo logrou bons resultados, apesar de que desiguais. Em muitos casos proporcionou taxas elevadas de crescimento do PIB, geração de empregos, aumento real dos salários. No Brasil, muitas vezes aliado a um clientelismo, acabou deixando a desejar no que concerne à extensão de direitos socioeconômicos. A partir dos anos de 1970 o desenvolvimentismo acabou perdendo força. De um lado, pelo discurso daqueles que criticavam a possibilidade de uma revolução capitalista nos países periféricos (encontra expoentes na teoria da dependência). Por outro, pela retomada dos pressupostos neoclássicos e liberais, que ganham grande destaque a partir de 1980 e influenciam decisivamente as TÓPICO 4 | A TEORIA DESENVOLVIMENTISTA 101 nações e instituições internacionais com grande poder político e econômico. Com a hegemonia neoliberal (da qual os anos 1990 são destaque), o desenvolvimentismo é relegado a segundo plano. 4 O NOVO DESENVOLVIMENTISMO A euforia das políticas neoliberais dos anos 1990 encontra seu limite e o debate acerca do desenvolvimentismo ressurge a partir dos anos 2000, agora denominado novo desenvolvimentismo. O grande predomínio neoliberal até então se deu principalmente pela influência dos países centrais, como os Estados Unidos. Seu ideário era de desregulamentação completa das economias, para assim atrair novos investimentos externos e possibilitar a livre mobilidade de capitais. O modelo de Estado novo desenvolvimentista tem sua base teórica nos pressupostos keynesiano e estruturalistas, somados a novos modelos econômicos desenvolvidos com base em políticas desenvolvimentistas bem-sucedidas dos países asiáticos. No que se refere à promoção de políticas públicas, o Estado continua tendo papel central. A grande prioridade é o desenvolvimento econômico, uma taxa de câmbio competitiva no mercado internacional, a responsabilidade fiscal e, ainda, o aumento da carga tributária com a finalidade de financiar os gastos sociais (educação, saúde, assistência social, seguridade social, entre outros). No Brasil, um grande expoente da corrente “novo desenvolvimentista” é o economista Luiz Carlos Bresser Pereira. O novo desenvolvimentismo, proposto por ele, teria novas características, conforme figura a seguir. 102 UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA FIGURA 22 - CARACTERÍSTICAS DO NOVO DESENVOLVIMENTISMO FONTE: Adaptado de Pereira; Furquim (2012). NOTA Caro acadêmico, de forma simples, podemos descrever a desindustrialização como um processo de reversão do crescimento e da participação da indústria, tanto na produção geral de um país, como na geração de empregos (com destaque para os mais qualificados). É uma situação em que dois dados macroeconômicos, o emprego industrial e o valor adicionado da indústria (no PIB) se reduzem, se comparados proporcionalmente ao emprego total e ao PIB total. Este fenômeno de “encolhimento da indústria” torna-se um problema quando ameaça o crescimento da economia e, é claro, contribui para a diminuição da qualidade de vida das pessoas. No caso brasileiro, há muitas divergências entre os pesquisadores acerca da incidência deste problema. Há os que negam que esteja ocorrendo, como também os que sustentam já haver sinais de desindustrialização de nossa economia. TÓPICO 4 | A TEORIA DESENVOLVIMENTISTA 103 Ao contrário da ortodoxia liberal convencional, o novo desenvolvimentismo vê o Estado como agente do desenvolvimento. Além disso, defende um crescimento “feito em casa”, na produção do próprio país (com uma indústria nacional), sendo contra o déficit em conta corrente. Neste sentido, sugere responsabilidade do ponto de vista cambial (do contrário, a ortodoxia liberal convencional de um crescimento apoiado na poupança externa, com déficit em conta corrente e endividamento externo). Longe de considerar que o mercado tende a regular a taxa de câmbio de forma satisfatória, o novo desenvolvimentismo recomenda a administração desta (enxergam na taxa de câmbio uma tendência à sobreapreciação devido à doença holandesa e a entradas excessivas de capital). Diferentemente do mainstream da economia, que entende que o objetivo do Banco Central seja exclusivamente o controle da inflação, usando como único instrumento a taxa de juros, os novos desenvolvimentistas consideram de suma importância que esta instituição busque uma taxa de câmbio competitiva, bem como o pleno emprego. NOTA Caro acadêmico, a doença holandesa é considerada um problema antigo, porém identificado apenas em meados dos anos de 1960, nos Países Baixos. O que ocorreu nestes territórios foi a descoberta de generosas fontes de gás natural. A exportação deste, apesar de trazer divisas, acabou apreciando demasiadamente a taxa de câmbio, ameaçando destruir toda a indústria manufatureira (derrubando as exportações dos demais produtos, pois tornaram- se menos competitivos internacionalmente). Falando de conceito, podemos definir a doença holandesa como um processo de sobreapreciação da taxa de câmbio de determinado país, causada pela exploração de recursos naturais abundantes e baratos.
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