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1 FICHAMENTO DE FILOSOFIA 2T - 2014

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
TEOLOGIA
LEITURA E FICHAMENTO DO LIVRO: ANTOLOGIA ILUSTRADA DE FILOSOFIA
UBALDO NOCOLA 
SÃO PAULO
25 de MARÇO 2014
Aluno: Bruno Cassiano Periotto Turma: 2° T TIA:41307577 
Disciplina: História da Filosofia II
Francis Bacon
1661-1626
Mais que um filósofo puro, Francis Bacon pretendeu serpolftico. Filho do lorde Guarda-Selos da rainha. Elizabeth, foi introduzido na corte muito jovem e recebeu educação jurídica voltada
para a carreira diplomática. Estreou na vida pública ao acompanhar uma missão diplomática à França. De volta ao seu país, tornou-se procurador geral da coroa. Nesse cargo teve de enfrentar uma difícil prova quando o conde de Essex, seu protetor, foi acusado de traição por Elizabeth e processado. Coube a Bacon a desagradável tarefa de apresentar o requisitório contra o amigo, que acabou condenado à morte e decapitado. Dessa forma, demonstrou sua lealdade à coroa, mas, apesar disso, não evoluiu na carreira política enquanto durou o reinado deElizabeth e teve que se contentar com uma nomeação para a Câmara dos Comuns. Porém, sua sorte mudou com a subida ao trono de]ames I [N.D.T.]aime I]: no decorrer ele poucos anos, o filósofo tornou-se lorde Guarda-Selos e, depois, lorde Chanceler, recebendo os títulos de barão de Verulam e visconde de Santo Albano. Em 1621, sua Retrato de Bawn, pintado por Paul van Somer. brilhante carreira foi bruscamente interrompida por uma acusação de corrupção: como juiz, de fato, ele teria aceitado presentes de um acusado, manipulando incorretamente a sentença. Somente reconhecendo a veracidade das acusações, Bacon, que levava uma vida bastante dispendiosa, conseguiu evitar o cárcere. Impedido de exercer qualquer ofício público, retirou-se para uma vida isolada, dedicando-se aos estudos e à atividade de escritor.
Estudar os erros para evitá-los
A arte que apresentamos (e que costumamos denominar interpretação da natureza) é uma espécie de lógica, apesar de existir uma grande e infinita diferença entre essa arte e a lógica ordinária. A lógica vulgar também se declara voltada a dar sustentação ao intelecto: isto é o que a nossa arte e a lógica ordinária têm em comum. Mas elas diferem uma da outra principalmente
por três razões: pelo fim, pela ordem das demonstrações e pelo ponto de partida da pesquisa.
o fim a que esta nossa ciência se propõe não é inventar argumentos, mas artes; em vez de coisas conformes a princípios, os próprios princípios; em vez de razões prováveis, designações e indicações de obras. Portanto, a uma intenção diversa segue um resultado diverso. Lá, o adversário a ser vencido é submetido pela discussão; aqui, é a natureza a ser vencida e submetida pela ação. 
Para tal finalidade, a natureza e a ordem das demonstrações também se conciliam. Com efeito, na lógica vulgar quase todo trabalho tem o silogismo como objeto. Os dialéticos parecem não se ter preocupado com a indução à qual se referiram resumidamente, logo passando às fórmulas da discussão. Nós, ao contrário, rejeitamos a demonstração por meio do silogismo porque ela só produz confusão e faz com que a natureza escape às nossas mãos, Com efeito, mesmo que ninguém possa duvidar que duas coisas que se conciliem com termo médio se conciliem também entre si (o que é uma espécie de certeza matemática), todavia aqui reside um engano, posto que o silogismo consta de proposições; as proposições, de palavras; e as palavras são etiquetas e sinais das noções. Portanto, se as noções da mente (que são como a alma das
palavras e as bases de toda essa estrutura e desse edifício) são vagas, falsamente ou arbitrariamente abstraídas das coisas, não suficientemente definidas e delimitadas, e finalmente errôneas de diversas maneiras, todo o edifício rui.
Descartes
1596-1650
Pela critica à herança cultural do passado e pela lucidez com que tentou construir um novo sistema, Renê Descartes e considerado universalmente o pai da filosofia moderna. [Filho de uma família nobre, Descartes nasceu em La Haye (França) e fez seus primeiros estudos no célebre colégio dos Jesuítas de La Fleche. Em 1616, diplomou-se em direito pela Universidade e Poitiers; dois anos depois, alistou-se como voluntário na Guerra dos Trinta Anos, em defesa da liberdade da Holanda. Depois dessa breve experiência militar foi para Paris, onde ficou até 1628. Nesse período, escreveu o seu primeiro ensaio importante - Método de Raciocinar Corretamente -, publicado postumamente em 1710. O anseio por uma vida isolada e solitária convenceu-o a Descartes em retrato de Frans Hals abandonar Paris e mudar para a Holanda, onde, exceto por curtas viagens, permaneceu até 1649. Nesse ano, aceitou o convite da rainha Cristína, desejosa de aprofundar estudos filosóficos, e partiu para Estocolmo, na Suécia, onde morreu de pneumonia pouco depois. Temeroso de um julgamento negativo por parte dos jesuítas e intimidado pelo.processo movido contra Galileu pela Inquisição, decidiu não publicar o texto que considerava mais importante: Mundo ou Tratado da Luz.
O método de raciocinar Corretamente
Sempre que descobrem alguma semelhança entre duas coisas, os homens têm o hábito de atribuir a ambas aquilo que constataram ser verdadeiro em uma ou em outra, mesmo quanto ao que elas têm de diferente. Assim, mal comparando as ciências - que consistem inteiramente a cognição, de natureza espiritual- com as artes – que exigem um certo exercício e hábito do corpo - e vendo que nem todas as artes podem ser aprendidas ao mesmo tempo por um mesmo homem, e que aquele que pratica somente uma delas se revela mais facilmente excelente artista, posto que as mesmas mãos não podem tornar-se capazes de cultivar os campos e tocar a citara, ou variados ofícios desse gênero tão apropriadamente quanto um só, acreditaram o mesmo também em relação às ciências e, distinguindo-as entre si conforme a diversidade dos objetos, consideraram que se deve procurar adquiri-Ias uma a uma, distintamente, e colocando de lado todas as outras, Quanto a isso se enganaram completamente. De fato, posto que todas as ciências não são nada mais do que saber humano, que permanece sempre um e o mesmo por mais diferentes que sejam os objetos aos quais se aplica, não os distinguindo mais do que faz a luz do Sol com a variedade de coisas que ilumina, não é necessário encerrar a mente dentro de qualquer limite; e, na realidade, o conhecimento de uma única verdade não nos afasta da descoberta de uma outra, como faz ao contrário a prática de um ofício, sendo-nos antes de ajuda. E parece-me verdadeiramente surpreendente que um grande número de pessoas indague diligentemente os costumes dos homens, as virtudes das plantas, os movimentos dos astros, as transformações dos metais e os objetos de outras disciplinas semelhantes, e que, no entanto, quase ninguém volte o seu pensamento para o intelecto, ou seja, esta sabedoria universal, quando todas as outras coisas são dignas de apreço não tanto por si só, mas porque trazem a essa sabedoria alguma contribuição. E certamente não é sem fundamento que propomos essa regra antes de todas as outras, posto que nada nos afasta mais do reto caminho da busca da verdade do que dirigir os estudos não para esse fim geral, mas para um fim particular qualquer, não falo de fins perversos e condenáveis, como a fama vazia e o lucro desonesto: é de fato evidente que meios fraudulentos e coisas falsas apropriadas à inteligência do vulgo abrem um caminho muito mais rápido do que poderia o sólido conhecimento do real. Mas quero falar dos fins honestos e louváveis, porque muitas vezes somos por estes enganados de modo muito sutil: como quando nos dedicamos às investigações úteis ao bem-estar da existência ou àquele prazer que reside na contemplação do real, e que nesta vida é quase que a única felicidade completa e não ofuscada por alguma dor, Certamente é de se esperar esses legítimos resultados das ciências; masse pensamos neles no âmbito da coisa a ser estudada, isso faz com que frequentemente muito do que é necessário ao conhecimento de outras coisas seja deixado de lado, quer porque à primeira vista parece pouco útil, quer porque atrai limitadamente a nossa curiosidade, E deve-se considerar que todas as ciências estão de tal modo relacionado entre si que é muito mais fácil aprendê-las todas de uma vez do que separar uma das outras. Portanto, se alguém quiser indagar seriamente a verdade das coisas não deve escolher uma ciência em particular; posto que todas estão ligadas entre si, cada uma dependendo das outras; e, sim, pensar somente em aumentar a natural luz da razão, não para resolver essa ou aquela dificuldade de estudo, mas para que em cada fato da vida o intelecto indique à vontade o que deve escolher; e logo verá com surpresa ter feito progressos muito maiores do que aqueles que se dedicam ,-coisas específicas, e ter conseguido não somente todos os resultados que os outros anseiam, mas também resultados mais elevados do que aqueles poderiam esperar.
Dúvida hiperbólica: e se um gênio enganador
Já há algum tempo me dei conta de que, desde os meus primeiros anos de vida, aceitei como verdadeira uma quantidade de falsos conceitos, e o que construí depois sobre princípios tão inseguros só poderia ser muito duvidoso e incerto; de modo que se fazia necessário que eu decidisse seriamente me desfazer de todas as opiniões recebidas até então e recomeçar a partir dos alicerces, se quisesse instituir algo de sólido e permanente nas ciências ...
Tudo quanto tenho tomado até agora como o mais verdadeiro e seguro conhecimento aprendi por meio dos sentidos; ora, algumas vezes descobri que esses sentidos eram ilusórios, sendo
prudente jamais confiar inteiramente naqueles que já nos enganaram uma vez.
Mas, mesmo se os sentidos algumas vezes nos enganam em relação a coisas muito pequenas ou muito distantes, talvez existam muitas outras coisas das quais não se possa racionalmente duvidar, mesmo se as conhecemos por meio deles: por exemplo, que estou aqui, sentado junto ao fogo, vestindo um robe, segurando nas mãos este papel; e outras coisas dessa natureza.
E como eu poderia negar que estas mãos e este corpo são meus? A não ser, talvez, igualando-me àqueles insensatos, eujos cérebros são tão perturbados e ofuscados pelos negros vapores
da bílis, que afirmam continuamente serem reis, quando são apenas pedintes; ou estarem vestidos de ouro epürpura, quando na verdade estão nus; ou imaginam ser jarros e ter um corpo
de vidro. Mas esses são loucos; e eu não o seria menos, se me baseasse no seu exemplo.
Todavia, devo considerar aqui que sou homem e, consequentemente, tenho o hábito de dormir e de imaginar em sonhos as mesmas coisas, e às vezes outras ainda menos verossímeis, que
aqueles insensatos, quando estão despertos. Quantas vezes, à noite, não terei sonhado que estava neste lugar, vestido, junto ao fogo, quando na realidade estava despido em minha cama?
É verdade que agora me parece não estarem adormecidos os olhos que contemplam este papel, que esta cabeça que mexo não está entorpecida, que consciente e deliberadamente eu
sinto que estendo esta mão: o que acontece no sonho certamente não parece tão claro e nítido quanto tudo isso.
Mas, pensando melhor, lembro-me de ter sido muitas vezes enganado, enquanto dormia, por essas ilusões. E fixando-me nesse pensamento, vejo tão claramente que não existem indícios
conclusivos nem sinais suficientemente seguros pelos quais seja possível distinguir nitidamente a vigília do sono que me espanto; e esse espanto é tamanho que é capaz de me persuadir de que estou dormindo.
Assim, suponhamos agora que estamos adormecidos e que todas essas particularidades - ou seja, abrir os olhos, mexer a cabeça, estender as mãos, e outras semelhantes - sejam apenas falsas ilusões; e pensemos que talvez as nossas mãos e todo o nosso corpo não sejam tais como nós os vemos.
 Todavia, é preciso ao menos admitir que as coisas representadas em sonho são como quadros e pinturas, que só podem ser formadas por semelhança com alguma coisa real, verdadeira; de modo que ao menos essas coisas genéricas, ou seja, olhos, cabeça, mãos, e todo o resto do corpo, não são imaginária, mas existem verdadeiramente.
E, para dizer a verdade, os próprios pintores, mesmo quando usam todos os artifícios para representar sereias e sátiras com formas bizarras e extraordinárias, não podem todavia
atribuir-lhe.') formas e naturezas totalmente novas, e o que fazem.é somente misturar e compor os membros de diversos animais; ou, então, se porventura a sua imaginação não é capaz de inventar algo tão novo, que nunca tenhamos visto nada semelhante, de modo que a sua obra nos mostre uma coisa puramente e absolutamente falsa, ao menos as cores que usam devem ser verdadeiras.
E pelo mesmo motivo, mesmo sendo imaginárias essas coisas genéricas, tais como olhos, cabeça, mãos e outras semelhantes, é preciso confessar que de qualquer maneira existem
coisas ainda mais simples e universais que são verdadeiras e existentes; de cuja mistura, nem mais nem menos de algumas cores verdadeiras, são formadas todas essas imagens das coisas,
que residem em nosso pensamento, quer verdadeiras e reais, quer falsas e fantásticas.
Desse gênero de coisas é a natureza corpórea em geral e a sua extensão; assim como a figura das coisas extensas, a sua quantidade ou grandeza, o seu número; e também o lugar em que estão, o tempo que mede a sua duração, e coisas semelhantes.
Talvez por isso não seja errado concluir que a física, a astronomia, a medicina e todas as outras ciências que dependem da consideração de coisas compostas São muito duvidosas e incertas.
Mas que a aritmética, a geometria e outras ciências desse tipo - que tratam somente de coisas simples e gerais, sem se preocupar muito se existem ou não na natureza - contêm
algo de seguro e de indubitável.
Porque, esteja eu desperto ou dormindo, dois mais três serão sempre cinco, e o quadrado não terá mais do que quatro lados; não parece possível que verdades tão evidentes possam ser suspeitas de qualquer falsidade ou incerteza.
Todavia, faz muito tempo que guardo em meu espírito uma cena opinião, segundo a qual existe um Deus que tudo pode, por quem fui criado e feito, assim como sou. Ora, quem pode me assegurar que esse Deus hão tenha feito de modo que não exista nenhuma terra, nenhum céu, nenhum corpo extenso, nenhuma figura, nenhuma grandeza, nenhum lugar, e que todavia eu tenha a impressão de que todas essas coisas existem do mesmo modo como as vejo?
E mais ainda, assim como eu penso às vezes que os outros se enganam até nas coisas que acreditam saber com a maior certeza, pode ser que Ele tenha querido que eu me enganasse
sempre que somo dois e três, ou quando enumero os lados do quadrado, ou quando considero coisas algo ainda mais fáceis do que essas, se é que se pode imagina-las.
Mas talvez Deus não tenha desejado que eu fosse enganado desse modo, porque dele se diz que é suprema bondade.
Todavia, se é contra a sua bondade ter me feito tal que eu me engane sempre, parece ser contra a sua vontade permitir que eu me engane alguma vez; e isso eu não posso duvidar que ele o permita ..,
Mas não basta ter feito essas observações, é preciso que eu trate também de lembra-Ias; porque aquelas opiniões antigas e comuns ainda voltam com frequência à minha lembrança, posto que o uso longo e familiar que fiz delas lhes dá o direito de ocupar o meu espírito contra a minha vontade e de se tomar quase donas da minha crença.
E eu nunca me desacostumarei de aceitá-las e de confiar nelas, enquanto as considerar como de fato são, ou seja, de algum modo dúbias, como já mostrei, mas probabilíssimas, de maneira que temos muito mais motivos para acreditar nelas do que para negá-las.
Eis porque penso fazer delas um uso mais prudente se, seguindo um procedimento contrário, puser todo °meu empenho em enganar a mim mesmo, fingindo que todos essespensamentos
são falsos e imaginários; até que, tendo a tal ponto equilibrado os meus preconceitos, eles não possam inclinar a minha opinião mais para um lado do que para o outro, e o meu juízo não seja mais dominado por maus costumes e desviado do reto caminho que pode levá-la ao conhecimento da verdade, ..
Pois estou seguro de que não pode existir perigo nem erro nesse caminho, e que não é demais a minha desconfiança, posto que agora não se trata de agir, mas apenas de meditar e conhecer ...
Logo suporei que existe não um verdadeiro Deus, que é fonte soberana de verdade, mas um certo gênio mau, não menos astuto e enganador que poderoso, que tenha empregado todo o seu engenho em enganar-me. Pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons e todas as coisas exteriores que vemos não sejam mais que ilusões e enganos de que ele se serve para surpreender a minha credulidade.
Permanecerei obstinadamente preso a esse pensamento; e se por tal meio não estiver em meu poder alcançar o conhecimento de qualquer verdade, ao menos estará em meu poder suspender o meu juízo. Eis porque procurarei cuidadosamente não aceitar qualquer falsidade, e prepararei tão bem o meu espírito contra as astúcias desse grande enganador que, por mais poderoso e astuto que seja, jamais poderá me impor coisa alguma.
Mas tal desígnio é penoso e laborioso, e uma certa preguiça devolve-me insensivelmente ao curso da minha vida ordinária.
E do mesmo modo que um escravo que goza de uma liberdade imaginária e que, ao começar a suspeitar que a sua liberdade não é mais do que um sonho, teme despertar e conspira a favor daquelas agradáveis ilusões para ser enganado mais longamente, eu volto a cair nas minhas antigas opiniões e tenho medo de despertar desse torpor, por medo de que as vigílias laboriosas que sucederiam a tranquilidade desse descanso, em vez de me trazerem luz e esclarecimento para o conhecimento da verdade, sejam insuficientes para iluminaras trevas das dificuldades que acabo de apresentar.
As verdades evidentes são intuitivas
Por intuição entendo não o inconstante testemunho dos sentidos ou o ilusório juízo de uma imaginação que compõe mal o seu objeto, mas uma conceituação da mente pura e atenta,
tão óbvia e distinta, sobre a qual não resta absolutamente qualquer dúvida.
Ou, o que vem a dar no mesmo, por intuição entendo uma conceituação não ilusória da mente pura e atenta, que nasce apenas da luz da razão, e é mais certa do que aquela mesma dedução que, como observamos acima, não pode ser malfeita pelo homem.
Por meio do espírito, cada ser pode intuir que existe, que pensa, que o triângulo é delimitado somente por três linhas, a esfera por uma única superfície, e semelhantes coisas que são em número muito maior de quanto perceba a maioria, posto que desdenha atribuir à mente coisas tão fáceis.
Penso, logo existo
Posto que os nossos sentidos às vezes nos enganam, quis supor que não existe nada do jeito que eles nos fazem imaginar,
E posto que existem homens que caem em erros e paralogismos mesmo raciocinando em torno dos mais simples argumentos de geometria, pensei que eu estava sujeito a errar como qualquer outro, e rejeitei como falsos todos os raciocínios usados até então nas demonstrações.
Finalmente, considerando que os mesmos pensamentos que temos quando despertos podem nos ocorrer também quando dormimos, embora neste caso não haja nenhum que
seja verdadeiro, decidi fingir que tudo o que entrara no meu espírito até aquele momento não era mais verdadeiro do que as ilusões dos meus sonhos.
Mas logo depois me dei conta de que, enquanto eu queria de tal modo considerar como falsa qualquer coisa, era preciso necessariamente que eu, que a pensava, fosse todavia alguma coisa.
Por isso, dado que a verdade Eu penso, logo existo é tão irremovível e certa que não a poderiam abalar nem mesmo as mais extravagantes suposições dos céticos, julguei poder aceitá-la sem hesitar como o princípio primeiro da minha filosofia ...
De modo que, depois de muito pensar a respeito, e de ter cuidadosamente tudo examinado, é preciso afinal concluir, e confirmar, que a proposição Eu sou, eu existo é necessariamente
verdadeira todas as vezes que eu a pronuncio ou a concebo no meu espírito.
Mas eu ainda não conheço de maneira suficientemente clara aquilo que sou, eu que estou certo de ser; de modo que, agora, é preciso que eu tenha o máximo cuidado para não tomar imprudentemente por mim uma outra coisa qualquer, e assim me enganar nesse conhecimento que eu sustento ser mais certo e evidente do que todos aqueles que tive anteriormente.
Eis porque examinarei novamente aquilo que eu acreditava existir antes de entrar nesses dois últimos pensamentos; e, das minhas antigas opiniões, eliminarei tudo quanto pode ser refutado pelas razões por mim acima alegadas, de modo que reste apenas aquilo que é completamente indubitável..,
Eu me via como tendo um rosto, mãos, braços, toda esta máquina composta de ossos e de carne, tal como aparece em um cadáver: máquina que eu designava pelo nome de corpo.
Além disso, eu notava que me alimentava, andava, sentia e pensava, e atribuía todas essas ações à alma; mas não me detinha em pensar o que fosse essa alma, ou, se o fizesse, imaginava que fosse algo muito esparso e sutil,como um vento, uma chama, ou um vento delicadíssimo que se insinuava e difundia nas partes mais grosseiras do meu ser.
No tocante ao corpo, não duvidava absolutamente da sua natureza, porque pensava conhecê-lo muito distintamente e, se quisesse explicá-lo segundo as noções que eu possuía, o teria descrito desta maneira: por corpo entendo tudo o que pode ser delimitado por uma figura; que pode estar situado em qualquer lugar e preencher um espaço de modo tal que exclua qualquer outro corpo; que pode ser sentido pelo tato, pela vista, pela audição, pelo paladar, pelo olfato; que pode ser movido de muitas maneiras, não por si mesmo, mas por algo que lhe é estranho, pelo qual seja tocado e cuja impressão receba ...
Mas eu, o que sou eu, quando suponho existir alguém extremamente poderoso e, se ouso dizer, malicioso e astuto, que recorre a todas as suas forças e a toda sua habilidade para me enganar?
Posso ter certeza de possuir o menor dos atributos que conferi acima à natureza corpórea? Eu me detenho a pensar nisso atentamente, percorro e tomo a percorrer todas essas coisas do meu espírito, e não encontro nenhuma que eu possa dizer estar em mim. Não é preciso que me demore a enumerá-las.
Passemos, pois, aos atributos da alma e vejamos se alguns deles residem em mim. Os primeiros são nutrir-me e andar; mas se é verdade que eu não tenho corpo, também é verdade que não posso andar nem me alimentar. 
Um outro atributo é sentir; mas, igualmente, não se pode sentir sem o corpo; sem contar que acreditei ter sentido muitas coisas durante o sono e ao despertar dei-me conta de não tê-las sentido realmente.
Um outro é pensar; e aqui constato que o pensamento é um atributo que me pertence, sendo o único que não pode separar-se de mim. Eu sou, eu existo: isto é certo; mas por quanto tempo? Na verdade, por todo o tempo em que eu estiver pensando; posto que talvez ocorresse, se parasse de pensar, que eu parasse ao mesmo tempo de ser e de existir.
Não admito agora nada que não seja necessariamente verdadeiro: logo, falando claramente, eu não sou mais que uma coisa que pensa, ou seja, um espírito, um intelecto ou uma razão, termos estes cujo significado me era antes desconhecido.
Sou, então, uma coisa verdadeira, e verdadeiramente existente; mas que coisa é esta? Eu já disse: uma coisa que pensa.
E que mais? Estimularei ainda mais a minha imaginação para investigar se não sou algo mais. Eu não sou esta reunião de membros que se chama corpo humano; eu não sou um vento brando e penetrante, difundido por todos esses membros; eu não sou um vento, um sopro, um vapor, e nada de tudo quanto possa fingir e imaginar, posto que supus que tudo isso é nada; e, no entanto, sem mudar essa suposição,eu continuo certo de que sou alguma coisa.
Quando os raciocínios são concatenados
Aquelas longas cadeias de raciocínio, e no entanto simples e fáceis, a que os geômetras recorrem para chegar às suas mais difíceis demonstrações deram-me razão de supor que o mesmo ocorresse com todas as coisas que podem chegar ao conhecimento humano, e de que não existem tais que estejam tão longe que não se possa alcançar, nem tão escondidas que não
se possa descobrir, desde que se preste atenção para não aceitar como verdadeira uma que não o seja, e que se observe sempre a ordem necessária para deduzir umas das outras.
Não demorei muito a definir por quais devia começar, posto que já sabia que deviam ser as mais simples e fáceis de ser reconhecidas.
Portanto, considerando que, dentre todos aqueles que até agora buscaram a verdade das ciências, somente os matemáticos conseguiram encontrar algumas demonstrações ou raciocínios certos e evidentes, não duvidei de que fossem tais as verdades primeiras a ser examinadas, apesar de eu não esperar obter outra vantagem senão a de habituar a minha inteligência à busca baseada no real, e não sobre falsos raciocínios
Como demonstro a existência do meu corpo
 Embora estejamos suficientemente convencidos de que há corpos que estão realmente no mundo - não obstante tenhamos duvidado disso, incluindo esse juízo entre os que fazíamos
no início da nossa vida -,devemos investigar aqui as razões que nos permitem que tenhamos deles um conhecimento seguro.
Em primeiro lugar, provamos em nós mesmos que tudo o que sentimos resulta de uma outra coisa qualquer que não o nosso pensamento; posto que não está em nós poder fazer com que tenhamos uma sensação em vez de outra ...
É verdade que poderíamos nos perguntar se Deus, ou qualquer outro que não ele, seria essa coisa. Mas, posto que nós sentimos - ou, melhor, que os nossos sentidos nos estimulam
frequentemente a perceber clara e distintamente uma matéria extensa em comprimento, largura e profundidade, cujas partes têm formas e movimentos diversos, donde derivam
as sensações que temos das cores, dos odores. da dor, e assim por diante -, se o próprio Deus apresentasse à nossa alma imediatamente a ideia dessa matéria extensa ou simplesmente
permitisse que ela fosse produzida em nós por algo que não tivesse extensão, nem forma nem movimento, nós não poderíamos encontrar qualquer razão que nos impedisse de acreditar que ele se diverte em nos enganar; uma vez que concebemos essa matéria como uma coisa diferente de Deus e do nosso pensamento, e nos parece que a ideia.que fazemos dela se desenvolve em nós na ocorrência de corpos exteriores, aos quais ela se assemelha inteiramente.
Ora, posto que Deus não nos engana, pois isso é contra a sua natureza, como já mencionamos, devemos concluir que há uma certa substância, extensa em comprimento, largura e profundidade, que existe atualmente no mundo com todas as propriedades que reconhecemos que manifestamente lhe pertencem. E essa substância extensa é aquilo que propriamente se denomina corpo, ou a substância das coisas materiais ...
A natureza da matéria, ou do corpo tomado em geral, não consiste em ser uma coisa dura, ou pesada, ou colorida, ou que toca os nossos sentidos de alguma outra maneira, mas apenas
em ser uma substância extensa em comprimento, largura e profundidade.
No que se refere à dureza, nós não sabemos mais nada, por meio do contato, a não ser que as partes dos corpos duros resistem ao movimento das nossas mãos quando estas os encontram;
mas se todas as vezes que estendêssemos as mãos em direção a qualquer parte, os corpos que ocupam um dado lugar se afastassem à nossa aproximação, é certo que nunca sentiríamos a dureza; e, todavia, não temos qualquer razão para acreditar que os corpos que se retirassem dessa maneira perderiam por isso o que faz deles corpos.
Um modelo hidráulico do corpo humano
Suponho que o corpo não seja mais que uma estátua ou máquina de terra que Deus cria expressamente para torna-lo o máximo possível semelhante a nós: de modo não só a conferir-
lhe externamente a cor e a forma de todos os nossos membros, mas também colocando no seu interior todas as peças necessárias para fazer com que ande, coma, respire e imite, enfim,
todas as funções que se imagina proceder da matéria e que dependem somente da disposição dos órgãos.
Vemos relógios, fontes artificiais, moinhos e outras máquinas semelhantes, as quais, mesmo sendo feitas apenas por homens, têm todavia o poder de se mover sozinhas de diversas maneiras; parece-me que eu não saberia imaginar tantas espécies de movimentos nesta máquina que suponho ter sido feita pelas mãos de Deus nem lhe atribuir tantas habilidades sem que tenhais motivos para pensar que outras mais pudessem existir ...
Assim como talvez tenhais visto nas grutas e fontes que estão nos jardins dos nossos reis, em que a simples força da água saindo da fonte é suficiente para movimentar diversas máquinas e
também para fazer com que toquem alguns instrumentos ou pronunciem algumas palavras, conforme a diferente disposição dos tubos condutores.
Na verdade, pode-se muito bem comparar os nervos da máquina que estou descrevendo com a tubulação das máquinas dessas fontes; os seus músculos e os seus tendões com os outros diversos mecanismos e molas que servem para move-las; os seus espíritos animais com a água que se move, dos quais o coração é a fonte e as cavidades do cérebro são os castelos [N.D.T.: castelos d'água: construção especial destinada a reservar água para provisão de um parque, cidade etc].
Além disso, a respiração e outras ações semelhantes que são naturais e normais para ela e que dependem do curso dos espíritos, são como os movimentos de um relógio ou de um moinho,
que o curso normal da água pode tornar contínuos.
Os objetos externos, que pela sua simples presença atuam sobre os seus órgãos dos sentidos, obrigando-a assim a se mover de muitas maneiras diferentes, conforme a disposição das
partes do seu cérebro, são como estranhos que, entrando em algumas grutas dessas fontes, provocam, sem querer, os movimentos que são feitos em sua. presença. De fato, só podem
entrar ali andando sobre certos ladrilhos, de modo que ao se aproximarem de Diana, que se banha, ela se esconda atrás dos bambus, e, perseguindo-a, farão com que Netuno venha ao seu
encalço, ameaçando-os com seu tridente; ou, se forem para qualquer outro lado, farão surgir um mostro marinho que vomitará água nos seus rostos; ou coisas semelhantes, conforme o capricho dos engenheiros que as construíram.
E, finalmente, quando a alma racional estiver nessa máquina, terá a sua sede principal no cérebro e ali fará como o encarregado das fontes, que está nos castelos d'água, para onde convergem os tubos dessas máquinas, quando quiser provocar, impedir ou mudar de alguma maneira os seus movimentos.
Hobbes
1588-1679
A vida do filósofo inglês Thomas Hobbes foi exemplar pela sua coerência. 
Desde a infância mostrou uma grande predileção pelos estudos clássicos, tanto que, com apenas
quinze anos, traduziu do grego para o latim Medeia de Eurípídes.
Após concluir os estudos em Oxford, empregou-se como preceptor de várias famílias nobres, em companhia das quais fez numerosas viagens pela Europa. Na Itália teve a oportunidade de encontrar Galileu e na França entrou em contato com os círculos cartesianos.
Em 1640, como preceptor de Carlos Stuart, acompanhou a corte no exílio em
Paris durante a ditadura de Cromwell; a sua fidelidade à coroa foi recompensada depois.
da volta ao trono dos Stuart, com uma pensão que garantiu ao filósofo a independência financeira. Viveu até os 92 anos.
A fama de Hobbes está ligada principalmente ao Leviatã, texto em que expressou com a máxima clareza as doutrinas do mecanismo cientifico e do absolutismo politico. A sua vida também foi condicionada por essas doutrinas, pois a audácia das teses que defendeu provocou a suspeita de heresia - de fato, a suatentativa de fundar a autoridade do Estado sobre uma base exclusivamente racional foi interpretada como um convite ao ateísmo ..Além disso, por ter aplicado pela primeira vez os princípios do mecanicismo às funções mentais, reduzindo o pensamento a operações aritméticas de adição e subtração, Hobbes é hoje considerado
O antepassado longirtal: W da ai dbernetica, a ciência que controla as máquinas inteligentes
por meio do cálculo matemático.
É certo que algumas criaturas vivas, como as abelhas e as formigas, vivem em sociedade (e por isso são incluídas por Aristóteles entre as criaturas políticas), mas não são regidas senão
por seus juízos e apetites particulares, não dispondo da linguagem por meio da qual urna possa indicar à outra aquilo que acredita ser vantajoso para o bem comum, Assim, talvez alguns desejem saber por que o gênero humano não pode fazer o mesmo. Ao que respondo:
Em primeiro lugar, os homens estão em contínua competição pela honra e pela dignidade, o que não ocorre entre essas criaturas; consequentemente, surgem entre os homens inveja
e ódio e, por fim, a guerra; entre essas criaturas não é assim,
Em segundo lugar, entre essas criaturas o bem comum não se distingue do bem individual, mas, sendo por natureza inclinada a buscar o seu bem individual, acabam por alcançar o bem comum. Mas, para o homem, a felicidade consiste em comparar-se com os outros homens ...
Em terceiro lugar, não possuindo essas criaturas (ao contrário do homem) o uso da razão, não veem nem pensam ver qualquer culpa na administração dos seus negócios comuns, ao passo que entre os homens existem muitos que se julgam mais sábios e capazes que os outros para governar a coisa pública; e se esforçam para reformar e inovar de formas diferentes, o que acaba por levar à divisão e à guerra civi1.
Em quarto lugar, essas criaturas irracionais, mesmo fazendo um certo uso da voz para comunicar entre si o.s seus desejos e as suas predileções, são desprovidas da arte da linguagem, mediante a qual alguns homens podem representar aos demais o que é bem sob a aparência do mal, e o que é mal sob a aparência de bem, aumentando ou diminuindo a aparente dimensão do bem e do mal, provocando descontentamento entre os homens e abalando sua paz a seu bel-prazer.
Em quinto lugar, as criaturas irracionais mo são capazes de distinguir injúria e dano; portanto, desde que se sintam à vontade, não se sentem ofendidas pelas suas companheiras, ao passo
que o homem é tanto mais turbulento quanto mais se Sente à vontade; é justamente neste caso que gosta de exibir a sua sabedoria e censurar as ações daqueles que governam o Estado.
Finalmente, o acordo que se produz entre essas criaturas é natural, enquanto o acordo entre os homens é apenas pactual, ou seja, artificial; portanto, não surpreende que (além do pacto)
exijam alguma coisa uns dos outros para tornar o acordo constante e duradouro - ou seja, um poder comum que os constranja e dirija as suas ações para um benefício comum.
O Estado soberano é um Deus mortal
O único meio para fundar um poder comum que seja capaz de defender os homens da agressão estrangeira e das injúrias recíprocas dando-lhes segurança para que possam nutrir-se e viver satisfeitos com os seus engenhos e com os frutos da terra é conferir lodo o seu poder e toda a sua força a um homem ou a uma assembleia de homens que possa reduzir to {as as suas vontades, com a pluralidade de vozes, a uma única vontade.o que significa encarregar um homem ou uma assembleia de homens de representar os indivíduos e cada indivíduo se
reconhecer como autor de tudo quanto o seu representante fizer ou mandar fazer no que diz respeito à paz e à salvação comuns, submetendo assim sua própria vontade à vontade dele
e todo juízo ao juízo dele.
Isso é mais do que um consenso ou um acordo ..É a unidade verdadeira de todos em uma única e idêntica pessoa, realizada por meio do pacto entre os homens, como se cada um dissesse ao outro: eu autorizo e cedo o direito que tenho de governar a mim mesmo a este homem ou a esta assembleia de homens, sob a condição de que tu também lhe cedaz o teu direito e autorizes igualmente as suas ações.
Feito isso, a multidão reunida em um único indivíduo passa a ser chamada de Estado, em latim, civitas 
 Esta é a origem do grande Levíatã, ou melhor (para falar com maior reverência), do Deus mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus imortal, a nossa paz e a nossa defesa.
De fato, por meio da autoridade que cada indivíduo concedeu ao Estado, é tanto o poder e tanta a força que lhe foram conferidos que pelo tenor que inspira é capaz de conformar a vontade de todos à paz Interna e à recíproca ajuda contra os inimigos externos.
Nisso consiste a essência do Estado, que (desejando-se defini-la) é um individuo de cujos atos cada membro de uma grande multidão com base em pactos recíprocas, se considera autos para que esse individuo possa usar a força e os meios de todos do modo que julgar mais vantajosos para a paz e a defesa comum.
Aquele que desempenha esse papel é chamado de soberano, e se diz que tem poder soberano todos os outros são súditos.
Esse poder soberano pode ser alcançado de duas maneiras.
A primeira delas é dada pela força natural, como quando um homem obriga seus filhos e os filhos destes a se submeterem à sua autoridade, posto que é capaz de destruí-los caso se recusem
A trazê-los; ou como quando, por meio da guerra, submete os seus inimigos a sua vontade, e sob essa condição preserva-lhes a vida. 
A segunda é dada quando os homens concordam entre si em se submeter a um homem ou a uma assembleia de homens, voluntariamente, na esperança de estarem assim protegidos contra os demais, Este último pode ser chamado um Estado político ou Estado por instituição e o anterior,
Estado por aquisição.
o Homem = animal + racional
Ao raciocinar, não fazemos mais que obter uma soma total por meio da adição de parcelas, ou um resto por meio da subtração de uma soma de outra; isso (se for feito com as palavras) consiste em obter, por meio da conexão dos nomes de todas as partes, o nome do todo; ou, do nome do todo e de uma parte, o nome da parte restante ...
Essas operações não se aplicam somente aos números, mas a todas as espécies de coisas que podem ser somadas umas com as outras e subtraídas umas das outras. De fato, assim como
os aritméticos ensinam a adicionar e subtrair no campo dos números, os geômetras ensinam as mesmas coisas no campo das linhas, da, figuras ( sólidas dos ângulos, das proporções. dos tempos, dos graus de velocidade, força, potência e outros semelhantes.
Os lógicos ensinam as mesmas coisas no campo das conexões entre as palavras: somando duas palavras para obter uma afirmação, duas afirmações para obter um silogismo, alguns silogismos
para obter uma demonstração e da soma subtraem uma proposição para encontrar uma outra.
Os escritores de política somam os pactos estipulados para encontrar os deveres dos homens, e os juristas, as leis e os fatos para encontrar o que está certo e o que está errado nas ações dos indivíduos privados. Em suma, em qualquer campo em que houver lugar para a adição e a subtração haverá também espaço para a razão; e onde essas coisas ) encontram lugar, a razão não tem o que fazer ali.
PASCAL
1623-1662
Blaise Pascal foi um menino prodígio. Educado por seu pai, jamais foi à escola, mas revelou-se especialmente versado em ciências matemáticas e físicas, a ponto de ser admitido ainda muito jovem nos círculos culturais de Paris. Para ajudar o pai no trabalho de coleta de impostos, inventou, aos 18 anos, a pascalina, o primeiro exemplo de máquina de calcular. Seguiram-se ou trás experiências e descobertas científicas, mas o divisar de águas de sua existência foi a sua conversão. Em 1646, entrou em contato com o movimento jansenista, ficando impressionado
pelo rigor e pelo ascetismo daquele modo de vida.A radicalização desse processo de conversão, favorecido pela influência da sua. irmã Jacqueline, que se tornara freira do austero mosteiro de Port Royal, culminou com a experiência mística da noite de 23 de novembro de 1654, descrita no Memorial. Aos 31 anos, Pascal decidiu juntar-se à irmã na solidão do mosteiro. Morreu oito anos depois, saindo do ascético retraimento que se auto impusera somente para sustentar a causa do movimento jansenista, que defendeu da acusação de heresia em dezoito cartas abertas, as denominadas Cartas Provinciais, assinadas com um pseudônimo. A sua obra mais conhecida são os Pensamentos, uma reunião de apontamentos pessoais publicada por seus amigos poucos anos após a sua morte.
Examinamos este ponto e dizemos: ou Deus existe ou não existe. Mas para qual dessas alternativas nos inclinaremos?
Entre elas há um abismo infinito e aqui a razão nada pode decidir.
Da extremidade dessa distância infinita atira-se uma moeda que resultará em cara ou coroa. Como apostareis? Segundo a razão, não podeis escolher nem uma nem outra; de acordo com a razão, nenhuma das duas pode ser excluída.
Portanto, não acuseis de erro aqueles que escolheram, pois não sabeis de nada. Não mas eu não os censurarei por terem feito uma particular escolha, mas por terem escolhido; porque tanto quem escolhe cara quanto quem escolhe coroa incorre no mesmo erro, ambos estão errados: a escolha certa é não apostar. Sim, mas é preciso apostar; não depende do vosso querer: já fostes envolvido e não podeis evitar. O que escolheríeis, então? Vejamos. Visto que é necessário escolher,vejamos o que vos é mais conveniente.
Tendes duas coisas a perder: a verdade e o bem; e duas coisas a empenhar: vossa razão e vossa vontade, vosso conhecimento e vossa beatitude; e a vossa natureza tem ainda duas coisas a evitar, o erro e a infelicidade. A vossa razão nãosofre maiores danos escolhendo uma em vez da outra, porque é absolutamente necessário fazer uma escolha. Eis um ponto resolvido.
Mas e a vossa beatitude? Consideremos o ganho e a perda, escolhendo coroa - vale dizer que Deus existe. Avaliemos os dois casos; se ganhardes, ganhareis tudo; se perderdes, não ganhareis
nada. Apostai, portanto, que existe, sem hesitar. "Isso é admirável. Sim, é preciso apostar. Mas talvez eu esteja apostando demais." Vejamos.
Visto que existem iguais probabilidades de ganhar e de perder, mesmo não ganhando mais que duas vidas em troca de uma, já valeria a pena apostar; mas, se houvesse três a ganhar jogas seis (pois estais na necessidade de jogar), seria imprudente, sendo obrigado a jogar, não apostar a vossa vida em troca de três, em um jogo em que existem iguais possibilidades de ganhar e perder, mas que envolve uma eternidade de vida e de felicidade.
E sendo assim, se houvesse infinitas probabilidades e uma só a vosso favor, ainda assim teríeis razão de apostar um para obter dois, e agiríeis insensatamente se, sendo obrigado a jogar,
recusásseis-vos a apostar uma vida contra três em um jogo em que, dentre infinitas probabilidades, existe uma a vosso favor, se houvesse a ganhar uma vida infinita infinitamente
feliz. Mas o que temos a ganhar aqui é justamente uma vida infinita infinitamente feliz, uma probabilidade de ganhar contra uma finita probabilidade de perder, e o que estais a arriscar
é por sua vez finito ... Todo jogador de azar arrisca na certeza de um ganho que é incerto; e, todavia, arrisca um finito certo para ganhar um incerto finito, sem por isso pecar contra a razão. Não existe uma distância infinita entre a certeza do risco e a incerteza do ganho; isso é falso ...
"Está bem, mas tenho as mãos amarradas e a boca fechada; sou obrigado a apostar, não sou livre; não me dão sossego, e é do meu feitio não crer. O que quereis que eu faça?"
É verdade, mas ao menos tomai conhecimento da vossa incapacidade de crer, visto que a razão vos leva a tanto e, mesmo assim, não vos é possível fazê-lo. Esforçai-vos, portanto, não para vos convencerdes por meio de ulteriores provas da existência de Deus, mas por meio de uma diminuição das vossas paixões.
Quereis vos encaminhar para a fé, mas não conheceis o caminho; quereis sarar da incredulidade e pedis o remédio: aprender com aqueles que já estiveram presos como vós e que agora apostam todo o seu bem; são pessoas que conhecem o caminho que gostaríeis de seguir e que sararam do mal de que quereis sarar.
Imitai o modo pelo qual começaram: fazendo como se acreditassem, tomando da água benta, mandando rezar missas, e assim por diante. No vossa caso também isso vos fará crer e vos tornará dóceis como ovelhas. "Mas é justamente isso que eu temo." E por quê? O que tendes a perder?
Não ficamos serenos dentro de um quarto
Tédio. Nada é mais insuportável para o homem do que ficar em descanso absoluto, sem paixões, sem nada para fazer, sem divertimentos, sem uma ocupação. É então que ele percebe a sua nulidade, o seu abandono, a sua insuficiência, a sua dependência, a sua impotência, o seu vazio. Logo brotarão do fundo da sua alma o tédio, a melancolia, a tristeza, a aflição, o ressentimento, o desespero.
Distração. Algumas vezes considerei as diversas formas de inquietação dos homens, e os perigos e fadiga a que se expõem, tanto na corte como na guerra, onde nascem tantas contendas,
paixões, empresas audazes e muitas vezes desatinadas. Descobri que a infelicidade dos homens deriva de urna única coisa, que é não conseguirem ficar sossegados em um quarto.
Um homem que tenha o suficiente para viver, se fosse capaz de experimentar prazer ficando em sua casa, não se faria ao mar nem poria cerco a uma cidadela. Não pagaria um preço tão alto por um posto no exército, se não achasse insuportável permanecer na cidade; e busca conversas e distração nos jogos somente porque não consegue ficar em casa prazerosamente.
Mas quando, tendo refletido melhor, encontrei as causas de todos os nossos males, dei-me conta de que existe uma causa bastante concreta, que consiste na infelicidade intrínseca da nossa frágil e mortal condição, tão miserável que, quando nos detemos a pensar a respeito, nada nos pode consolar.
De todas as condições que se imagine, juntando todos os bens que se possa reunir, a condição de rei é a melhor do mundo, imaginando-se, portanto, um rei cercado de todos os prazeres de que pode desfrutar. Se, porém, o imaginamos privado de distrações, enquanto reflete e avalia a sua existência, felicidade e prazeres não lhe valerão mais, e ele fatalmente sucumbirá diante das ameaças que vê, das revoltas que podem ocorrer e, finalmente, da morte e das doenças que são inevitáveis; e assim, privado do que se denomina distração, eis que está infeliz, mais infeliz ainda que o último dos seus súditos que joga e pode distrair-se.
Isso explica por que o jogo e a busca da companhia feminina, a guerra e os altos cargos são objetivos tão almejados. Não porque encerrem em si a felicidade, nem porque se imagina
que a verdadeira beatitude consista no dinheiro que se pode ganhar no jogo ou na lebre que se encalça: não seriam aceitos como presentes, se nos fossem oferecidos. o que buscamos não é a suavidade e placidez dessa posse, que nos deixa pensar na infelicidade da nossa condição; nem os perigos da guerra, nem as preocupações dos cargos, mas o estrépito que nos impede de pensar a respeito e nos distraí.
Motivo pelo qual amamos mais a caça do que a presa.
Isso explica por que os homens apreciam tanto o barulho e a confusão, isso explica porque a prisão é uma pena tão terrível; isso explica por que o prazer da solidão é uma coisa incompreensível.
E, finalmente, explica porque o principal motivo da felicidade da condição dos reis é que todos se empenham constantemente em distraí-Ias e em oferecer-lhes todo o tipo de prazeres. o rei está cercado de pessoas que só pensam em fazer com que se divirta e em impedi-lo de pensar em si mesmo. Porque, mesmo sendo rei, se pensar, será infeliz. Isso é tudo o que os
homens puderam inventar para ser felizes.
E aqueles quefilosofam sobre o assunto e consideram muito pouco razoável que as pessoas passem o dia inteiro correndo atrás de uma lebre que não desejam comprar não entendem
nada da nossa natureza, Aquela lebre não nos impediria a visão da morte e das outras misérias, mas a caça, que nos distrai delas, pode fazê-lo.
Eles pensam que, uma vez obtido um certo cargo, logo poderiam
descansar prazerosamente, e não percebem a natureza insaciável da sua avidez. Acreditam sinceramente estar em busca de descanso, e na verdade só procuram agitação. São movidos por um instinto secreto - que os leva a buscar ocupações e distrações exteriores - nascido do sentimento da suas incessantes misérias.
Todavia, são movidos também por um outro instinto secreto, que é resquício da grandeza da nossa natureza original e faz com que intuam que a verdadeira felicidade reside apenas
na serenidade, e não na balbúrdia; e a partir desses dois instintos opostos nasce neles um confuso propósito, que escondem no fundo da sua alma e os obriga a perseguir o descanso
pela via da agitação e a imaginar sempre que a satisfação de que não gozam chegará se, depois de superadas algumas dificuldades de que têm consciência, puderem abrir o caminho para o repouso.
E assim transcorre a vida. Busca-se o descanso enfrentando uma série de obstáculos; e, superados estes, o descanso torna se insuportável porque nos faz pensar nas misérias presentes
ou naquelas que nos ameaçam. E, mesmo se nos sentíssemos protegidos o bastante por todos os lados, o tédio, com a sua costumeira autoridade. não deixaria de se soltar do fundo do coração, onde naturalmente se enraizou, e de encher o espírito com o seu veneno.
Que o homem contemple a natureza em toda a sua alta e plena majestade, desviando o olhar dos objetos mesquinhos que o circundam. E observe aquela luz resplandecente, que é como
uma lâmpada eterna a iluminar o universo, até que a Terra lhe pareça somente um ponto, comparada à imensa volta descrita pelo astro, e o encha de espanto o fato de que essa
mesma vasta volta não é mais do que um minúsculo trecho em relação ao percurso dos astros que giram no firmamento.
E se nossa vista se detiver nesse ponto, que nossa imaginação vá mais além: ela se cansará de pensar antes que a natureza pare de lhe fornecer material para tanto. Todo este mundo visível é somente um ponto imperceptível no amplo seio da natureza. Nenhuma ideia chega perto disso. Podemos até ampliar os nossos pensamentos para além de espaços inimagináveis: em comparação com a realidade das coisas, parimos apenas átomos.
O universo é uma esfera infinita, cujo o centro esta em toda parte e a circunferência em lugar nenhum. Enfim que a nossa imaginação se perca nesse pensamento é o maior sinal sensível da onipotência de Deus.
Que o homem, voltando a si, considere o que é em relação ao que existe. E veja-se perdido neste canto esquecido da natureza, e desta prisão em que se encontra – quero dizer, o universo – aprenda a dar o justo valor à Terra, ao reinos, às cidades e à si mesmo, O que é um homem no infinito?
Mas, para apresentar-lhe um outro prodígio igualmente maravilhoso, procure, entre as coisas que conhece, as mais diminutas. Um ácaro lhe oferecerá, na pequenez do seu corpo, partes incomparavelmente menores: pernas conjuntas, veias nessas pernas, humores nesse sangue, gotas nesses humores, vapores nessas gotas e, subdividindo novamente estas ultimas, esgote todas suas forças em tais pensamentos, até que o ultimo objeto a que possa chegar por ora seja aquele sobre qual estamos refletindo. Ele talvez pense que esta é a menor coisa da natureza.
Mas quero mostrar-lhe lá dentro um novo abismo. Quero representar-lhe não somente o universo visível, mas a imensidão da natureza contida no âmbito desse minutíssimo átomo. Que
ele distinga ali uma infinidade de universos, cada um com o seu firmamento, os seus planetas, a sua Terra, nas mesmas proporções do mundo visível; e, nessa Terra, animais e, finalmente, outros ácaros, nos quais encontrará o que descobriu no primeiro ..
E, encontrando a cada vez incessantemente e interminavelmente as mesmas coisas, perca-se em tais maravilhas, que provocam espanto-pela sua pequenez como as outras pela sua imensidão.
Na verdade, quem não se quedará tomado de espanto ao pensar que o nosso corpo, que pouco tempo atrás não era perceptível no universo, que por sua vez era imperceptível no seio do tudo, seja agora um colosso, um mundo ou, melhor, um tudo diante do inalcançável nada?
Quem pensar desse modo se sentirá aterrorizado consigo mesmo e, vendo-se.suspenso entre os dois abismos do infinito e do nada, tremerá diante da visão de tais maravilhas; e creio que, transformando a própria curiosidade em admiração, estará mais disposto a contempla-las em silêncio do que a investigá-las presunçosamente. 
Enfim, o que é o homem na natureza? Um nada em relação ao infinito, um tudo em relação ao nada, alguma coisa entre o tudo e o nada. Infinitamente distante da compreensão desses
extremos, o fim das coisas e o seu princípio permanecem para ele irremediavelmente escondidos como um segredo impenetrável: incapaz de entender tanto o nada de onde provém quanto o infinito que o engole. o que fará então senão distinguir alguns aspectos da zona mediana das coisas, ansiando eternamente conhecer o principio e o fim? Todas as coisas saíram do nada e vão até o infinito.
Quem será capaz de acompanhar esses maravilhosos processos?
Por não ter considerado esses dois infinitos, os homens puseram-se imprudentemente a investigar a natureza, como se tivessem alguma simetria em relação a ela. É curioso que tenham
querido descobrir os princípios das coisas e a partir destes chegar a conhecer o todo, Com uma presunção tão infinita quanto o seu objeto: porque certamente não se pode conceber tal desígnio sem uma presunção ou uma capacidade infinita, como aquela da natureza.
Locke
1632-1704
AVida de]ohn Locke está indissoluvelmente ligada à segunda revolução inglesa, que
terminou em 1689 com a subida de Guilherme de Orange ao trono e a instauração de um regime liberal.
Nascido em Wrington, próximo a Boston, Locke estudou e foi professor de grego e retórica em Oxford, mesmo sem ter ficado satisfeito com os ensinamentos recebidos naquela instituição tradicional e por ele definidos como palavras obscuras e inúteis pesquisas. Como autodidata, interessou-se pelas ciências médicas (anatomia, fisiologia,física), a ponto de ganha a denominação de doutor, mesmo sem o ser.
Em 1667, abandonou Oxford para acompanhar as tumultuadas vicissitudes políticas de Lorde Ashley, chanceler da Inglaterra, futuro conde de. Shaftesburye expoente do nascente partido whig. Teve, assim, oportunidade de viajar pela França e entrar em contato com os ambientes cartesianos do continente. A militância política nas fileiras do bloco liberal levou-o à Holanda, para organizar a expedição de Guilherme de Orange, cuja vitória foi determinante para o seu definitivo sucesso pessoal.
Os méritos políticos de Locke são notáveis: ele foi o teórico da democracia, o pregador da tolerância, o profeta de uma nítida separação entre Estado e Igreja. Os méritos filosóficos, todavia, não são menores: com a sua reflexão, a tradição inglesa do Empirismo alcançou plenitude e consciência.
Alguns consideram, como opinião incontestável, que na inteligência existem certos princípios inatos, cenas noções primárias, também denominadas noções comuns, caracteres, por assim dizer, impressos em nossa mente, que a alma recebe desde o primeiro momento da sua existência, carregando-os consigo no mundo.
Se os meus leitores estivessem livres de todo preconceito, para convencê-las da falsidade dessa suposição bastaria que eu lhes mostrasse C01110os homens podem adquirir todos os conhecimentos que possuem simplesmente utilizando as suas faculdades naturais, sem recorrer a qualquer noção inata; e como podem chegar à certeza, sem precisarde tais noções ou princípios originais.
Posto que, no meu entender, todos facilmente concordarão que seria impróprio supor inatas as ideias das cores em uma criatura a quem Deus deu a vista e o poder de receber essas ideias através dos olhos,a partir dos objetos externos. E não seria menos irracional atribuir: a certas impressões naturais e a certos caracteres inatos o conhecimento que temos de muitas verdades, quando podemos observar em nós mesmos a existência de faculdades apropriadas para nos fazer conhecer aquelas verdades com a mesma facilidade e certeza do que se estivessem impressas na mente desde a origem ...
Não há opinião mais comumente aceita do que aquela segundo a qual existem princípios, tanto especulativos quanto práticos (pois estamos nos referindo a ambos), com os quais todos os homens concordam e daí se deduz. que esses princípios devem ser impressões constantes que a alma do homem recebe junto com a própria existência, e que ela os traz consigo para o mundo de modo tão necessário e real como traz todas as suas faculdades naturais ...
Mas o pior é que o argumento do consenso universal – do qual se faz uso para demonstrar que existem princípios inatos me parece uma demonstração do fato de que não existe nenhum princípio semelhante, posto que não existe nenhum princípio sobre o qual universalmente todos os homens estejam de acordo,
E, para começar pelas noções especulativas, eis aqui dois célebres princípios de demonstração aos quais, mais de a qualquer outro, se atribui a qualidade de princípios inatos. O primeiro: tudo que é. O segundo: é impossível que uma coisa que é ao mesmo tempo não seja. Essas duas proposições passaram por máximas universalmente aceitas tão constantemente que, sem dúvida, parecerá estranho que alguém ouse contestar-lhes esse título. Todavia, tomarei a liberdade de dizer que, longe de essas duas proposições alcançarem um consenso geral, existe
uma grande parte do gênero humano que nem as conhece.
Em primeiro lugar, é evidente que as crianças e os idiotas não têm a menor percepção desses princípios e absolutamente não pensam neles: o que basta para destruir esse universal consenso, que deveria ser o dado concomitante e necessário de todas as verdades inatas,
Dizer que existem verdades impressas na alma que a alma não percebe ou absolutamente não entende me parece ser quase uma contradição, uma vez que o ato de imprimir, se significa
alguma coisa, não é mais do que o modo de fazer com que certas verdades sejam percebidas. De fato, imprimir alguma coisa na mente sem que a mente perceba é, na minha opinião, ininteligível. Portanto, se as crianças e os idiotas têm uma alma, uma mente, que reúne em si tais impressões, é preciso que as crianças e os idiotas inevitavelmente percebam essas impressões, conheçam necessariamente tais verdades e com elas concordem; mas, como isso não acontece, é evidente que tais impressões absolutamente não existem.
Porque, se não forem noções impressas naturalmente, como podem ser inatas? E se as noções estão impressas, como podem ser desconhecidas? Dizer que uma noção está impressa na mente e ao mesmo tempo dizer que a alma absolutamente não a conhece, e que até aquele momento nunca se dera conta dela, significa fazer dessa impressão um simples nada. Não se pode dizer de nenhuma proposição que está na mente, se esta ainda não a percebeu de alguma maneira e da qual nunca teve consciência ...
Se as máximas especulativas de que falamos no capítulo anterior não são aceitas por todos, como consenso efetivo, como provamos há pouco, isso é muito mais evidente no que se refere aos princípios práticos, que estão bem longe de receber uma aceitação universal. E acredito que seria muito difícil citar uma norma moral que seja recebida com um consenso tão geral e imediato como a máxima o que é, ou que possa passar por uma verdade tão manifesta quanto o princípio é impossível que a mesma coisa seja e não seja, Isso mostra claramente
que o privilégio de serem inatos convém muito menos aos princípios da prática do que àqueles da especulação; e que se tem maior razão de duvidar que os primeiros estejam naturalmente
impressos na mente do que se duvida dos segundos ...
Para saber se existe algum princípio moral com o qual todos os homens concordem, recorro a. quem quer que possua um conhecimento mesmo que modesto da história do gênero humano, e que, por assim dizer, tenha olhado para além da fumaça da chaminé da sua casa. Assim, onde estaria uma verdade de ordem prática que fosse universalmente aceita sem qualquer dúvida ou dificuldade? Como deveria ser se fosse inata?
Um outro motivo que me leva a duvidar que exista algum princípio inato da prática é que, segundo penso, não teríamos como propor uma regra moral cuja razão não se pudesse legitimamente questionar; o que seria totalmente ridículo e absurdo se tais princípios fossem inatos, ou mesmo simplesmente evidentes por si só, posto que todo princípio inato deve ser tão
evidente por si mesmo que não necessite de nenhuma prova para confirmar a sua verdade, nem de qualquer razão para ser recebido com completo consenso ...
Além disso, se essas regras da moral são inatas e estão impressas na nossa mente, não posso entender como os homens possam chegar a violá-las tranquilamente, e com plena confiança.
Considerai um exército que saqueia uma cidade e vereis que tipo de respeito pela virtude, ou principio moral, e que remorso de consciência demonstra por todos os crimes que comete. A pilhagem, o homicídio, o estupro são apenas brincadeiras para pessoas a quem se deu imunidade de qualquer punição e censura.
Por acaso não existiram nações inteiras, mesmo entre as mais civilizadas, que julgaram totalmente permitido enjeitaras suas crianças e deixa-las morrer de fome ou ser devoradas por
animais ferozes? Como era consentido que as colocassem no mundo? Existem ainda hoje países em que recém-nascidos são enterrados vivos com suas mães se estas morrem no parto; ou
que são mortos se um pretenso astrólogo declara que nasceram sob uma má configuração astral. Em outros lugares, o filho mata seu pai e sua mãe, sem nenhum remorso, quando eles chegam a uma certa idade ... E Garcilaso de ia Vega conta que um certo povo do Peru costumava deixar vivas as mulheres feitas prisioneiras para fazer delas concubinas, engordava os filhos que tinha com elas e depois os comia, dando o mesmo tratamento à mãe quando esta parava de ter filhos. As virtudes pelas quais os Tupinambás acreditavam merecer o paraíso eram as de vingar-se dos seus inimigos, e comê-las no maior número possível. Não dispunham nem mesmo de um nome para designar Deus e não tinham religião nem culto.
Aqueles que os turcos canonizam e colocam entre os santos levam uma vida que não se poderia descrever sem ferir o pudor...
Quem se der ao trabalho de ler a história do gênero humano e com olhar desapaixonado examinar a conduta dos, rios povos da Terra se convencerá de que (exceto aqueles deveres que
são absolutamente necessários para manter unida a sociedade e que, de resto, são depois frequentemente violados por sociedades inteiras, vis-à-vis outras sociedades) não deveria mencionar qualquer princípio moral, nem imaginar qualquer regra de virtude que, em algum canto do mundo, não seja desprezada ou contrariada pela prática geral de sociedades humanas inteiras, governadas por máximas de "ida prática totalmente opostas àquelas das outras sociedades.
Suponhamos, portanto, que a mente seja uma folha em branco, desprovida de caracteres, sem nenhuma ideia. De que modo receberá as ideias?
Donde e como as adquire na prodigiosa quantidade que a imaginação do homem sempre ativa e sem limites oferece numa variedade quase infinita? Donde extraiu todos esses materiais da razão e do conhecimento? Respondo: da experiência. É este o fundamento de todos os nossos conhecimentos; daí extraem a sua origem primeira, As .observações que fazemos,
seja acerca dos objetos exteriores sensíveis, seja acerca das operações interiores da nossa mente,que percebemos e sobre as quais nós mesmos refletimos, abastecem a nossa inteligência
ele todos os materiais do pensamento.
Em primeiro lugar, os sentidos permitem o ingresso de ideias específicas, começando a decorar aquele ambiente vazio; e a mente, familiarizando-se pouco a pouco com algumas ideias, coloca-as na memória e da-lhes nomes.
A seguir, outras ideias apresentam-se à mente, que as abstrai. daquelas primeiras, e aprende gradualmente a empregar os nomes gerais. Dessa maneira, a mente abastece-se de ideias e de linguagem, ou seja, dos materiais sobre os quais exercerá a sua faculdade discursiva. E o emprego da razão torna-se cada dia mais evidente, à medida que aumentam os materiais sobre os quais ela opera.
Mas mesmo que a aquisição de ideias gerais, o emprego de nomes gerais e a razão ordinariamente cresçam juntos, não vejo, todavia, como isso possa de algum modo demonstrar que essas ideias sejam inatas.
Reconheço que existem certas verdades cujo conhecimento reside na mente há muito tempo, mas isso se dá de uma maneira que demonstra como essas verdades não são absolutamente
inatas. Na verdade, se nelas prestarmos atenção, descobriremos que verdades dessa espécie se compõem de ideias que absolutamente não são inatas, mas adquiridas: posto que as primeiras ideias são aquelas que as crianças têm em seguida à impressão das coisas exteriores com as quais se relacionam mais frequentemente, e que mais frequentemente.se impõem aos seus sentidos.
Dentre as ideias desse modo adquiridas, a mente vem a descobrir que algumas são concordantes, ao passo que outras são discordantes; e isso, provavelmente, a partir do momento em que começa a fazer uso da memória e é capaz de receber e reter ideias distintas.
Mas, quer isso aconteça naquele momento ou não, é certo ao menos que as crianças formam essa espécie de juízo muito tempo antes de aprender a usar as palavras e antes de chegar àquela que comumente chamamos idade da razão. Posto que uma criança, antes de saber falar, tem tanta certeza da diferença que existe entre as ideias de doce e amargo (ou seja, que o doce não é amargo) quanto terá mais tarde, quando falar, e disser que o absinto e os confeitos não são a mesma coisa.
As palavras são sinais das ideias
Se bem que o homem tenha uma grande variedade de pensamentos dos quais outras pessoas poderiam tirar proveito e deleite -, eles se encontram, todavia, dentro do seu peito, invisíveis
e escondidos dos outros, e nem se poderia esperar que se abrissem por si sós.
E, posto que não seria possível obter os prazeres e as vantagens da sociedade sem comunicação dos pensamentos, foi necessário que o homem descobrisse algum sinal sensível externo, mediante o qual aquelas ideias invisíveis, de que são feitos os seus pensamentos, pudessem tornar-se conhecidas pelos outros.
Nada era mais indicado para esse escopo, seja pela sua abundância, seja pela rapidez, do que os sons articulados que de modo tão fácil e variado o homem se viu capaz de produzir.
Assim, podemos entender como as palavras, que pela sua natureza se prestavam tanto a essa finalidade, viessem a ser empregadas pelos homens como sinais das suas ideias: não por alguma conexão natural que pudesse existir entre sons articulados particulares e certas ideias, posto que neste caso só existiria entre os homens uma única linguagem, mas uma imposição voluntária mediante a qual urna determinada palavra é adotada arbitrariamente como sinal distintivo de uma ideia,
Portanto, o escopo das palavras é serem sinais sensíveis das ideias; e as ideias nelas contidas são o seu significado próprio e imediato.
A primeira sociedade foi entre marido e mulher
Deus, ao fazer do homem uma criatura que, segundo o Seu juízo, não deveria ficar sozinha, submeteu-O a poderosas obrigações de necessidade e comodidade, inspirou-o a entrar em
sociedade e, dotando-o de inteligência e linguagem, tornou-o apto a levar adiante essa sociedade e dela usufruir.
A primeira sociedade foi aquela entre homem e mulher que deu origem à sociedade entre pais. e filhos, à qual veio se juntar, com o tempo, aquela entre senhor e servo; se bem que essas três pudessem coexistir simultaneamente, e geralmente coexistiam, em uma mesma família, na qual o senhor ou a senhora exercia uma forma própria de governo da família, cada uma delas ou todas em seu conjunto não chegam a constituir uma sociedade política, como veremos depois de examinar os diversos escopos, obrigações e limites de cada uma delas.
A sociedade conjugal é constituída por um contrato voluntário entre homem e mulher, e se bem que dependa principalmente da Comunhão e do direito de um sobre o corpo do outro o que é necessário para o seu fim precípuo, que é a procriação ela não deixa de trazer consigo cooperação e assistência recíproca, bem como uma comunhão de interesses, necessária
não somente para unir os seus próprios cuidados e afeições, mas também os da sua prole comum, que tem direito a ser nutrida e sustentada por eles, até que se torne capaz de cuidar de si mesma.
O poder supremo não consiste em tirar de um homem uma parte da sua propriedade sem o seu consentimento. De fato, sendo a conservação da propriedade o fim do governo e a razão pela qual os homens entram em sociedade, é necessariamente pressuposto e requerido que o povo tenha uma propriedade; caso contrário, se deveria supor que, entrando em sociedade, se perderia aquilo que constitui o objetivo mesmo de fazer parte dessa sociedade ...
A razão pela qual os homens entram em sociedade é a salvaguarda da sua propriedade, e o motivo pelo qual eles elegem um legislador e o autorizam é para que possam ser instituídas
leis e regras capazes de proteger e de delimitar a propriedade de cada membro da sociedade, e delimitar o poder e moderar o domínio de cada parte ou membro dela ...
Toda vez que os legisladores tentam subtrair a propriedade do povo, ou torna-lo escravo de um poder arbitrário, se colocam em estado de guerra com o próprio povo, que assim é desobrigado
de qualquer ulterior obediência ...
Dada a fraqueza humana, inclinada a apossar-se do poder, pode ser muito grande a tentação, por parte daqueles que têm o direito de fazer as leis, de se apossar também do direito de executá-las, eximindo-se assim da obediência às leis que eles próprios fazem ...
Por esse motivo, nos Estados bem organizados o poder legislativo é colocado nas mãos de diversas pessoas que, reunindo-se nos modos prescritos, têm individualmente ou em conjunto
com outras o poder de fazer as leis; depois disso, estão elas mesmas sujeitas às leis que fizeram.
Mas é necessário que exista um poder sempre ativo que presida a execução das leis que foram feitas e que continuam em vigor.Por isso, o poder legislativo e o poder executivo são frequentemente separados.
A tolerância em relação aqueles que tem opiniões diversas em questões religiosas está a tal ponto em concordância com o Evangelho e com a razão que parece uma monstruosidade que os homens estejam cegos diante de uma luz tão clara
Eu não quero aqui denunciar o orgulho e a ambição dos homens, a falta de moderação e o fanatismo desprovido de caridade e de moderação dos outros: esses são defeitos provavelmente
não extirpáveis das coisas humanas e ninguém quer que lhe sejam abertamente imputados; de fato, não existe praticamente ninguém que, desviado do reto caminho por culpa deles, não procure escondê-los sob uma aparência diferente e honrosa, para ser louvado.
Por outro lado, a fim de que ninguém oculte a perseguição e uma crueldade pouco cristã sob pretexto de solicitude para com o Estado e observância das leis, nem, vice-versa, outros exijam, em nome da religião, permissão para os seus costumes dissolutos e impunidade para os seus delitos; para que ninguém, digo, em veste de súdito fiel ou de sincero adorador de
Deus faça imposições a si ou a outros, julgo que se deva antes de tudo fazer distinção entre matéria civil e religiosa, e que se deva convenientemente fixar os limitesentre Igreja e Estado.
Se assim não for feito, não se poderá absolutamente regular os conflitos entre aqueles que levam em consideração, ou fingem levar, a salvação das almas e do Estado. o Estado, no meu modo de ver, é uma sociedade humana constituída unicamente com o propósito de conservação e
promoção dos bens civis. Chamo de bens civis a vida, a liberdade, a integridade física e a ausência de dor, e a propriedade dos objetos externos, como terras, dinheiro, móveis, e assim
por diante.
É tarefa do magistrado civil conservar sã e salva uma justa propriedade desses bens, que dizem respeito à vida, para todo o povo em geral e para cada súdito em particular, mediante leis válidas igualmente para todos ...
Não me compete indagar até que ponto se estendem os poderes do magistrado sobre cada povo; sei somente o que acontece em geral quando nasce um conflito sem que haja um juiz.
Dir-se-á: assim, o magistrado, que é mais forte, fará com que aconteça aquilo que achar de seu interesse. Respondo: talvez seja verdade; mas o que se busca aqui é uma norma do agir corretamente, e não o sucesso das coisas dúbias.
Mas, para descer ainda mais aos detalhes, digo em primeiro lugar que o magistrado não deve tolerar nenhum dogma adverso e contrário à sociedade humana ou aos bons costumes, que são necessários à conservação da sociedade civil.
Em segundo lugar, um mal mais escondido, mas ainda mais perigoso para o Estado, é representado por aqueles que arrogam a si mesmos e aos membros da sua seita alguma prerrogativa particular, contrária ao direito civil, disfarçada sob um invólucro de palavras feitas especialmente para levar ao engano ...
Em terceiro lugar, não tem o direito de ser tolerada pelo magistrado aquela Igreja em que rode= aqueles que forem admitidos passem ao serviço de um outro soberano, e devam a ele obediência. De fato, nessas condições o magistrado daria lugar a uma jurisdição estrangeira no seu território e nas suas cidades, e aceitaria que se recrutassem soldados entre os seus
cidadãos, contra o seu Estado ...
Em quarto e último lugar, não devem de modo algum ser tolerados aqueles que negam que exista uma divindade. De fato, para um ateu, nem a palavra dada, nem os pactos, nem os juramentos, que são os vínculos da sociedade humana, podem ser estáveis ou sagrados; eliminado Deus, mesmo que somente com o pensamento, todas essas coisas caem por terra. Além disso, quem elimina dos alicerces do Estado a religião, por meio do ateísmo, não pode em nome da religião reivindicar para si mesmo o privilégio da tolerância.

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