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NP2 - Apostila - Psicologia Fenomenológica

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PLANO DE ENSINO 
CURSO: Psicologia 
SERIE: 7° Semestre 
UNIDADE DE ESTUDO: Psicologia FenomenolOgica 
CARGA HORARIA SEMANAL: 3 Horas/aula 
CARGA HORARIA SEMESTRAL: 60 Horas 
I — EMENTA 
Introducao ao pensamento fenomenolOgico. ContribuicOes de Edmund Husserl e 
Martin Heidegger para a Psicologia. A Daseinsanalyse como modalidade de pratica 
psicologica. Compreensao da relacao e de processos psicologicos a partir do 
enfoque da fenomenologia-existencial. A ontologia fundamental de Heidegger como. 
argumento para uma compreensao dos fenomenbs psicologicos e da psicologia 
clinica. 
II — OBJETIVOS GERAIS 
Reconhecimento dos pressupostos epistemologicos e ontologicos do pensamento 
fenomenologico-existencial para promover a identificacao deste metodo e da 
concepcao de homem que lhe é pertinente corn o lugar e a funcao do psicblogo no 
trato corn o fenomeno psicologico e na promocao de saCide. Introducao 
Daseinsanalyse como pratica em psicologia clinica. 
III — OBJETIVOS ESPECIFICOS 
Tel competencia sera desenvolvida a partir das seguintes habilidades: 
Diferenciar o metodo de investigacao das Ciencias Naturais do metodo 
Fenomenologico de investigacao. 
Ler e interpreter urn texto escrito dentro da linguagem fenomenolOgico-
existencial. 
Reconhecer as diferentes linguagens na concepcao do fenOmeno 
psicolOgico. 
Situar o lugar e a funcao do psicOlogo na perspective fenomenolOgico-
existencial. 
IV — CONTEUDO PROGRAMATICO 
1° BIMESTRE 
Introducao ao pensamento de Edmund Husserl. 
Introducao ao pensamento de Martin Heidegger. 
0 metodo fenonnenolOgico na psicologia. 
1 
Nascimento, A. F. 	 276 
Economia popular soliclaria 
Nos empreendimentos de Economia Popular Solidaria, concomitantes corn a satisfacao 
das necessidades basicas de sobrevivencia, os principios da solidariedade, ajuda 
cooperacao, entre outros, estao presentes e passam a fazer parte das relaceies sociais entre os 
individuos. Nesta direcao se enfatiza a contribuicao profissional dos assistentes sociais nas 
organizaciies economicas populares, em que estes empreendimentos constituem-se como 
forma de geracao de trabalho e renda aos sujeitos, diante das manifestacties da questa° social, 
objeto de intervencao profissional dos assistentes sociais. Destaca-se a importancia da 
Economia Popular Solidaria para os assistentes sociais diante da conjuntura socio-economica 
atual: 
Pela apresentagao desta realidade e pelo posicionamento efico-politico do 
Servico Social é que se pretende ressaltar a relevancia desse tema ao Servico 
Social, pois esses empreendimentos coletivos, mesmo estando inseridos no 
sistema capitalista, introduzem elementos que divergem da finalidade do 
capital (alem de gerarera renda aos trabalhadores) e, ao mesmo tempo, vao 
ao encontro do posicionamento e visa'o de homem e de mundo, que é 
concebida pela categoria profissional do Servico Social, conforme consta do 
Codigo de Etica de 1993 (GOERCK, 2006, p. 11). 
Os empreendimentos de Economia Popular Solidaria partem de awes coletivas, 
desenvolvidas pela populacao excluida, na contracorrente do poder. Estes empreendimentos 
tomam-se novas demandas profissionais aos assistentes sociais, por estarem ligados ao 
processo de pauperizacao da sociedade brasileira, intimamente relacionadas a orbita do 
trabalho, pois, "sac) as mudancas verificadas no mundo do trabalho que alteram, dimensionam 
e redimensionam a demanda das politicas sociais que nos, por mein do exercicio profissional, 
implementamos na linha de ponta da prestacao de servicos sociais" (IAMAMOTO, 2004, p. 
153). 
Diante do crescimento das organizacOes populares solidarias, percebe-se que estas 
podem ser compreendidas como uma alternativa para os trabalhadores, na geracao de trabalho 
e renda e, tambem, urn espaco socio-ocupacional para o assistente social. 0 Servico Social 
pode ser uma profissao capaz de contribuir corn estas organizacoes populares12, tanto na 
elaboracao de projetos que visem a geracao de renda, como na assessoria, consultoria e 
acompanhamento aos empreendimentos da Economia Popular Solidaria, visando a autonomia 
destes trabalhadores diante dos processos de trabalho e o fortalecimento destes 
12 0 Servico Social pode contribuir corn estas organizacOes economicas populares, pois possui como urn dos 
seus principios timdamentais: "Opcdo pro um projeto profissional vinculado ao processo de construcao de 
uma nova ordem societaria, sem dominacdo-exploragdo de classe, etnia e gesnero" (C6digo de Etica dos 
Assistentes Sociais, 1993). 
Revista Textos & Contextos Porto Alegre v. 6 n. 2 p. 264-281. jul./dez. 2007 
2° BIMESTRE 
A Daseinsanalyse de L. Binswanger. 
A Daseinsanalyse de M. Boss. 
Compreensao e acao na clinica fenomenologico-existencial. 
Psicoterapia como modalidade de pratica psicologica fenomenologico-existencial. 
V — ESTRATEGIAS DE TRABALHO 
Aulas expositivas, em que serao transmitidos: historico, principais conceitos corn 
posterior esclarecimento de duvidas. 
Apresentacao de situacoes retiradas do cotidiano corn o intuito de favorecer a 
articulacao corn a teoria. Estas situacoes devem ser retiradas da bibliografia da 
disciplina e dos meios de comunicacao, literatura e filmes, explorando a articulagao 
entre teoria e pratica. 
VI — AVALIACAO 
Deverao realizar-se avaliacbes bimestrais — provas escritas e individuais. Serao 
avaliadas a assimilacao e a compreensao dos temas desenvolvidos, atraves de 
questbes conceituais e reflexivas, assim como da analise de casos clinicos. Os 
alunos deverao mostrar capacidade de interpretacao de textos e de questbes, 
respondendo a estes corn clareza, utilizando-se, para tanto, dos conceitos tegricos e 
tecnicas aprendidos. 
Sera seguida a seguinte sequencia para as avaliacties: 
ao final do 1° bimestre: uma prova composta por no minim° 12 questbes, sendo 
60% da pontuagao em questbes objetivas e 40% em questoes dissertativas, 
referentes ao conteudo desenvolvido, corn valor de zero a dez. Essa nota 
corresponde a NP1. 
ao final do 2° bimestre: uma prova composta por no minim° 12 questoes, sendo 
60% da pontuacao em questOes objetivas e 40% em questOes dissertativas, 
referentes ao conteudo desenvolvido, corn valor de zero a dez. Essa nota 
corresponde a NP2. 
A media do semestre sera calculada de acordo corn o Regimento da UNIP. 
VII — BIBLIOGRAFIA 
BASICA 
DASTUR, F. & CABESTAN, P. Daseinsanalyse: Fenomenologia e Psicanalise. 1a 
ed. Rio de Janeiro: Via Verita, 2015. 
2 
Nascimento, A. F. 
Economia popular solidaria 
277 
empreendimentos, que sejam condizentes corn os principios etico-politicos da profissao 
(GOERCK, 2006). Torna-se importante salientar que alem da geracao de renda e superacao da 
situacao de vulnerabilidade e exclusa'o social, os empreendimentos de economia popular 
solidaria promovem a participacao dos individuos em todo o processo decisOrio, motivando o 
sentimento de "pertenciamento" daqueles individuos, historicamente excluidos, em urn grupo. 
Para decifrar as novas possibilidades de atuacao profissional, toma-se fundamental 
que o assistente social esteja informado, seja crftico e propositivo. Atraves do instrumental 
tecnico-operativo, as awes profissionais realizadas nester empreendimentos situam-se na 
assessoria, consultoria, planejamento, pesquisa e acompanhamento, pautando-se na 
participaca'o dos individuos em todo o processo decis6rio, na formulacao da estrategia, na 
gestao da organizacao, no planejamento e avaliacao das acties. 
Paralelo a Reestruturacao Produtiva, em decorrencia da reforma do Estado, ocorre o 
processo de minimizacao das awes no campo social, deslocando-se para a sociedade civil a 
responsabilizacao por estas noes, atrav6s do apelo a solidariedade. Entretanto, o Estado 
permanece gerando propostas, principalmente atraves das politicasque estabelecem os 
minimos sociais. Alem disso, as altemativas de geracao de trabalho e renda aparecem 
atualmente, centradas, principalmente, em programas de qualificacao profissional. As 
politicas publicas de geracao de trabalho e renda sab criadas pela crenca de que o acesso a 
educacao e ao conhecimento implicaria em ocupacao de postos formais de trabalho (SILVA, 
2002). 
Entretanto, o mercado de trabalho apresenta altos indices de desemprego, 
terceirizacao, subcontratacab, polivalencia, contratos temporarios, entre outras caracteristicas, 
fazendo com que poucos destes individuos consigam ser reabsorvidos pelo mercado formal. 
Desta forma, o apelo a qualificaca'o profissional, para os individuos excluidos do mercado 
formal de trabalho, nab se configura como medida suficiente para a transformacao da situacao 
de vulnerabilidade social em que se encontram, pois estes necessitam da criacao de 
alternativas para a garantia de sua subsistencia, o que se torna possivel na perspectiva da 
Economia Popular Solidaria. 
Diante deste contexto, as organizaciies economicas populares solidarias, enfrentam 
dificuldades para incluirem-se na sociedade. Para o fortalecimento destas experiencias de 
Economia Popular Solidaria destaca-se a importancia das politicas governamentais 
direcionadas a estes empreendimentos, tanto para oferecer apoio e financiamento, quanto para 
a construcao da sustentabilidade e desenvolvimento dos mesmos. 
Revista Textos & Contextos Porto Alegre v. 6 n. 2 p. 264-281. julidez. 2007 
criativa (1907), que constitui a principal referencia filoso-
fica de Minkowski. E necessario reconhecer, corn Tatos-
sian, que "a impureza da fenomenologia de Minkowski", 
da qual ele relembra a "repugnancia a todo sistema, foi 
fenomenologica",6, . 
A. A obra fundadora de Ludwig Binswanger (1881-1966) 
Ludwig Binswanger foi o primeiro entre os psiquia-
tras a se interessar pela fenomenologia. E na critica ao 
psicologismo a qual se dedica Husserl no primeiro tomo de 
suas InvestigagOes logicas, publicadas em 1900, e em sua 
definigao da consciencia em termos de intencionalidade e 
de sentido, que ele encontrou pela primeira vez os motivos 
de se opor ao naturalismo e 9.0 biologismo de Freud. Ele 
descobriu em seguida, gracas a leitura que fez desde 
1928 de Ser e tempo, que o termo consciencia, proprio a 
Husserl, assim como vida, freudiano, caracterizavam o ser 
do homem apenas de maneira imperfeita. 
Binswanger designou inicialmente sua pesquisa, 
que se abriu a fenomenologia husserliana, "antropologia 
fenomenologica"; e, assim, ele se integrou a longa corrente 
de mesmo nome que reuniu a partir dos anos 1920, alem do 
proprio Binswanger, o neurologista Victor von Weizsacker, 
autor de 0 circulo da estrutura (1939), o neuropsiquiatria 
Erwin Strauss, autor de Do sentido dos sentidos (1935), o 
psiquiatra frances Eugene Minkowski e ainda outros que 
invocavam a Psicopatologia geral de Jaspers, e tambern 
obras de outros filosofos, entre os quais Scheller, Kierke-
gaard, Brentano, Dilthey, Natorp, Lipps, Bergson, antes 
de se fazerem sentir as influencias decisivas de Husserl e 
Heidegger. De fato, o aparecimento de Ser e tempo em 1927 
constituiu para Binswanger urn verdadeiro acontecimen-
to, pois surge a partir dal uma nova definigao do homem 
compreendido como Dasein e ser-no-mundo. Binswanger, 
porem, decidiu-se por usar o termo "Daseinsanalise" no 
161. A. Tatossian, "Eugene Minkowski ou l'occasion manquee", Psychiatrie 
et existence, P. Fedida e J. Schotte (editores), p. 15. 
lugar de "antropologia fenomenologica" muito mais tarde, 
por volta de 1943. E é em 1942 que ele publicou seu livro 
mais importante, intitulado Grundformen and Erkenntnis 
menschlichen Daseins ("Formas fundamentais e conheci-
mento da existencia humana."). 
De Binswanger, conhece-se na Franca principal- 
mente o texto intitulado Sonho e existencia que foi tradu- 
zido em 1954 por Jacqueline Verdeaux e prefaciado por 
Michel Foucault. Em seguida empreendeu-se, nos anos 
seguintes a morte de Binswanger, a tradugao de nume-
rosos artigos que precedem e, principalmente, seguem a 
aparigao de seu livro mais importante e que foram reunidos 
em duas colegoes: Discursos, Percursos e Freud, 
publicado 
em 1970 e Introducdo a anodise existencial, 
publicada no 
ano seguinte. Os Ultimos textos de Binswanger (dentre os 
quais Melancolia e Mania, publicado em 1960 e 
E2lirio, 
em 19b5) esbogam urn "retorno a Husserl" e sao guiados 
pela interpretacao da fenomenologia husserliana dada 
por Wilhelm Szilasi, fenommologo hiangaro instalado na 
Alemanha e autor de uma introdugdo a fenomenologia de 
Edmund Husserl, publicada em 1959162. Depreende-se de 
todos esses textos que Binswanger, homem dotado de 
uma cultura enciclopedica, é muito mais urn pensador 
que um medico. E isso que explica que a Daseinsanalise 
binswangeriana se caracterize, em oposicao a psicanalise 
que nasce de uma motivagdo propriamente terap uetica, 
por urn cuidado antes de tudo cientifico, proveniente da 
insatisfagao de ver faltar a psicopatologia urn fundamento 
epistemologico. E, entao, corn urn cuidado inicialmente 
metodolOgico que Binswanger se langa ao dominio do 
metodo das ciencias naturais no campo da psiquiatria. 
Nesse ponto, ele se apoia na "destruigao" heideggeriana 
do cartesianismo, isto é, da determinagao do homem como 
sujeito de sua relagao corn o mundo em termos de relagao 
sujeito-objeto, relagao essa que ele nao hesita em chamar 
de "cancer" da ciencia. 
162. W. Szilazi, Einfiihrung in die Phoinomenologie Edmund Husserls 
(Intro-
duccio a fenomenologia de Edmund Husserl), Niemeyer, Tubingen, 1959. A 
traducao desse texto apareceu em Le Cercle hermeneutique no final de 2011. 
1. Elementos biograficos e bibliograficos 
Ludwig Binswanger nasceu no dia 13 de abril 
de 1881 numa familia de psiquiatras. Seu avo, tambem 
chamado Ludwig Binswanger, fundara em 1857 em Freu-
zlingen, perto de Constanga, uma clinica particular dedi-
cada ao tratamento das doer-19as dos nervos e do espirito, 
o sanatorio 'Bellevue". Robert Binswanger (1850-1910), 
seu filho, que se encarregou de seguir a obra de seu pai, 
construiu novas instalacoes para o sanatorio, onde nu-
merosos pacientes foram recebidos, vindos certamente 
de muito longe e pertencentes, a maioria, a classe mais 
culta, como o pintor Ernst Ludwig Kirchner, o bailarino 
Vaslav Nijinski e o historiador de arte Aby Warburgus. E 
nesse context° que cresce Ludwig Binswanger. Decidido 
a ser sucessor de seu pai, ele escolhe estudar medicina. 
Ele concluiu seus estudos de medicina em Burgholzli, no 
hospital psiquiatrico da universidade de Zurique, do qual 
Eugene Bleuler foi diretor de 1898 a 1927; deste Ultimo, 
alias, se diz ser o introdutor dos termos "esquizofrenia" 
e "autismo" no vocabulario psiquidtrico. Foi ai que ele 
defendeu sua tese, escrita sob a orientacao de Carl Jung, 
em 1906, periodo durante o qual Binswanger comega 
a estudar os escritos de Freud, a quem ele presta uma 
pequena visita em Viena em margo de 1907. Essa visita 
deu origem a longa correspondencia que eles trocaram 
de 1908 a 1938164, Em seguida, ele trabalhou corn seu 
tio Otto Binswanger, professor da clinica psiquiatrica da 
Universidade de Iena, onde teve de se ocupar de Nietzsche 
no momento quando ele caiu na loucura. Em 1908, ele 
entrou para o Bellevue como colaborador de seu pai, mas, 
depois da morte repentina dele, em 1910, tomou a direcao 
Ludwig Binswanger — Aby Warburg, La gudrison infinite (A cura 
infinita), Histoire clinique d'Aby Warburg, trad. fr. M. Renouard e M. 
Rueff., Paris, Payot e Rivages, 2007. 
Sigmund Freud-Lugwig Binswanger, Dorrespordance 1908-1938, trad. 
Fr. De R Menagem e M. Strauss, Paris, Calmann-lhvy. Encontra-se no final 
do volume uma bibliografia bastante completa dos escritosde Binswanger. 
do sanatorio ate 1956. Ele morreu dez anos mais tarde, 
no dia 5 de fevereiro de 1966, deixando uma obra que se 
estende por quase sessenta anos e compreende, ao lado 
de uma duzia de livros, urn grande numero de artigos. Os 
textos mais importantes de Binswanger foram reunidos em 
quatro volumes editados por Herzog e Hans-Jurge Brain, 
Heidelberg, Roland Asanger Verlag, 1992-1994, sob o titulo 
"Ausgewdhlte Werke" (Obras escolhidas): 
Volume I 
Ober ldeenflucht, Zurich, Ore11-FOssli, 1933; Sur la fulte des idees 
(Sobre a fuga de idelas), trod. fr. de M. Dupuis, corn a colaboracto 
de C. von Neuss et M. Richir, Grenoble Milian, 2000 
Drel Formen mlssglackten Daseins. Verstiegenhelt, Verschrobenhelt, 
MaWerierthelt,TObingen, Niemeyer, 1956; Trois formes manquies de la 
presence humalne. La presomption, La dlstorslon, Le manlerlsme (Tres 
formas malogradas do present, humans. A presunglo, a dlstorcdo, o ma-
neirismo), trod. fr. deJ.-M. Froissart, Paris, Le Cercle Hermeneutique, 2002. 
Volume II 
Grundformen und Erkenntnis menschlichen Daseins (Formas funda-
mentals e entendimento do Dasein humano), Zurich, Niemeyer, 1942 
; 4e ed. Munich, Reinhardt, 1954. 
Volume III 
Erfahren, Verstehen, Deuten in der Psychoanalyse (1926); "Apprendre 
par experience, cornprendre, interpreter en psychanalyse" (Aprender 
com a experlencla, compreender, Interpretar em psicandlise), trod. fr. R. 
Lewinter, Discours, parcours et Freud, Paris; Gallimard, 1970, p. 155-172. 
Mein Weg zu Freud (1957); "Mon chemin vers Freud" (Meu caminho 
para Freud), trod. fr. R. Lewinter, Discours, parcours et Freud, Paris, 
Gallimard, 1970, p. 241-262. 
Ober PhOnomenologie (1922); "De la phenomenologie" (Da fenomeno-
logia), trod. fr. J. Verdeaux e R. Kuhn, Introduction b l'analyse existentielle 
(Introducao b andlise existecial), Paris, E. de Mlnult, 1971, p. 79-118. 
Lebensfunktion und innere Lebensgeschichte (1928); "Fonction vitale 
et histoire interieure de la vie" (Functo vital e histdria interior da vida), 
trod. fr. J. Verdeaux e R. Kuhn, Introduction a l'analyse existentielle, 
Paris, E. de Minuit, 1971, p. 49-78. 
47 
Traum und Existenz (1930); Le Retie et l'Existence (0 sonho e a exis-
tencia), trod. fr. J. Verdeaux, introductio de M. Foucault, Paris, Desclee 
de Brouwer, 1954. Traducdo republicada em Introduction a l'analyse 
existentielle, Paris, E. de Minuit, 1971, p. 199-226. 
Wandlungen in der Auffassung und Deutung des Traumes, Berlin, 
Springer, 1928. 
Das Raumproblem in die Psychopathologie (1932); Le probleme de 
l'espace en psychopathologie (0 problema do espago em psicopato-
logia), trod. fr e pref6cio de C. Gros, Toulouse, Presses Universitaires 
du Mirail, 1998. 
Geschehnis und Erlebnis (1931). 
Ober Psychotherapie (1935); "De la psychotherapie" (Da psicoterapia), 
trod. fr. J. Verdeaux e R. Kuhn, Introduction a ranalyse existentielle, 
Paris, E. de Minuit, 1971, p. 119-148. 
Ober die daseinsanalytische Forschungsrichtung in der Psychiatric 
(1945); "Sur la direction de recherche analytico-existentielle en psychia-
trie" (Sabre a direc'do de pesquisa analltico-existential em psiquiatria), 
trod. fr. R. Lewinter, Discours, parcours et Freud, Paris, Gallimard, 
1970, p. 51-84. 
Daseinsanalyse und Psychotherapie (1951); 'Analyse existentielle et 
psychiatrie'; trod. fr. R. Lewinter, Discours, parcours et Freud, Paris, 
Gallimard, 1970, p. 85-120. 
Ober den Satz von Hoffmansthal : Was Geist 1st, erfasst nur der 
Bedrangte (1948) 
Ober Sprache und Denken (1946) 
Volume IV 
Der Mensch in der Psychiatrie (1956). 
Der Fall Ellen West. Eine anthropologisch-klinische Studie (1944-45). 
Der Fall Suzan Urban. Studien zum Schizophrenie-problem, 1952; Le cas 
Suzanne Urban. Etude sur la schizophrenie (0 caso Suzanne Urban, Estudo 
sabre a esquizofrenia), trod. fr. J. Verdeaux, Brionne, G. Montfort, 1988. 
Einleitung zum Sammelband Schizophrenie, Pfullingen, Neske, 1957. 
Melancholie und Manie, Phdnomenologische Studien, Pfullingen, 
Neske, 1960 ; Melancolie et manie (Melancolia e mania), trod. fr. 
J.-M. Azorin e Y Tatoyan, revista par A. Tatossian, apresentagdo de Y. 
Pelicier, Paris, PUF, 1987 
Wahn. Beitrage zur seiner phanomenologischen und daseinsanalytf-
schen Erforschungen, Pfullingen, Neske, 1965; Dere. Contributions a 
son etude phenomenologique et daseinsanalytique (Del/rio. Contribui-
g5es a seu estudo fenomenologico e dasainsanalltico), trod. Jr. J.-M. 
Azorin e Y Tatoyan, revista par A. Tatossian, Grenoble, Million, 1993. 
2. A questa° do sonho 
Se ha urn fenOmeno humano que desde sempre 
pareceu dever se submeter a interpretagao, esse fenome-. 
no e o sonho; e isso atesta o quao pouco o homem sabe. 
das coisas de si mesmo e se ve obscuramente submetido 
a forgas que ele nao controla. Depois do aparecimento, 
no comego do seculo XX, da Traumdeutung (A interpreta-
pew do sonho) de Freud, que ve no sonho a "via regia" da 
psicanalise, passou-se a acreditar estar disponivel urn 
novo quadro de leitura do universo onirico, nao deixando 
espago a nenhuma outra abordagem possivel. Mas o que 
Binswanger empreende no estudo hist6rico e critico que ele 
consagra em 1928, corn o titulo "Variagoes na apreensao 
e interpretagao do sonho desde os gregos ate nossos 
dias", a questao do sonho, é precisamente completar a 
"Historia da literatura cientifica do sonho" que comp5e a 
introdugao da Traumdeutung de Freud. Freud mesmo, a 
quem Binswanger enviou seu livro tao logo fora publica- 
do, nao se enganou ao admitir, na carta que the escreveu 
em 2 de abril de 1928, que ele ficou "contrariado ao ver 
que tantas referencias preciosas tinham sido omitidas na 
sua revisao dos sonhos", acrescentando que "nao este. 
em sua natureza ser urn homem de estudo", o que the 
"permite admirar sem inveja a aplicagao de Binswanger 
ao trabalho"165 . Em suas RecordagOes de Sigmund Freud, 
texto redigido em 1956, Binswanger, fazendo alusao 
carta citada, explica que Freud havia decidido omitir a 
165. Sigmund Freud-Ludwig Binswanger, Correspondence 1908-1938, 
p 275. 
posteridade a bibliografia em seu Traumdeutung, decisao 
que the pareceu tanto mais "incompreensivel" quanto mais 
ele estivesse consciente de que sua propria bibliografia 
estava incompleta, ja que, "nesse dominio, nao se podia 
tratar de ser exaustivo",... 
A reagao de Freud e, na verdade, bem compreensi-
vel, pois isso que Binswanger chama modestamente de seu 
"pequeno livro sobre o sonho" é um inventario de rara eru-
digao do conjunto de textos dedicados no Ocidente a essa 
questao. Mas esse gosto pela literatura, pela poesia, pela 
arte e pela filosofia sempre demonstrado por Binswanger, 
gosto esse cujo inicio de meditagdo tinha sido influenciado 
por suas leituras e seus contatos pessoais corn filosofos 
artistas, nao é a Unica coisa que o separa de Freud, de 
quem se conhe.ce a parca estima que tinha pela filosofia. 
E principalmente a conclusao do livro, em que Binswan-
ger apela a uma metafisica, se nao do sonho, certamente 
do espirito como o objetivo das pesquisas cientificas, que 
Freud assinala, precisando que ela o "divertiu mais do 
que o irritou", justamente porque ela termina corn a afir-
magao segunda a qual tal metafisica so poderia conduzir 
ideia de Deus, "urn Deus destilado atravds da filosofia", 
comenta Freud, acrescentando que "aqueles que chegam a 
se embriagar corn alguma bebida sem alcool sempre (lhe) 
pareceram urn pouco bizarros"167. A embriaguez metafisica 
religiosa que ele descobre em Binswanger, Freud opOe, 
assim, sua propria sobriedade cientifica. E é sobre a questao 
da religiosidade, e mesmo da espiritualidade em geral, 
que se separam de maneira decisiva Binswanger e Freud. 
Isso que se desenha, entao, ja no estudo de 1928, 
que se expressara claramente em "Sonho e existencia", 
ensaio de 1930, éa rejeicao de urn simbolismo do sonho tal 
como o compreende Freud. No esbogo de uma histOria do 
sonho, da Gracia ao mundo latino e moderno, tracada por 
Binswanger, encontra-se, de fato, a ideia de que o sonho 
nao foi compreendido como uma produgao do sonhador 
L. Binswanger, Analyse existentielle et psychanalyse freudienne, 
Discours, parcours et Freud, p. 348. 
Sigmund Freud-Ludwig Binswanger, Correspondence 1908-1938, p. 275. 
sena° relativamente tarde, äo passo que anteriormente 
ele era compreendido como vindo do ceu ou do cosmos, 
de modo que cabia antes dizer que "algo sonha em mim" 
como o sublinha em seguida Boss, no livro que ele publi-
cara em 1975 corn o titulo de "Es traumte mir vergangene 
Nacht", traduzido em frances por "Il m'est venu en reve.,,0166 
(Veio-me em sonho). Tambem para Binswanger o sonho 
nos chega, ele nao é produzido por nos; e é por isso que 
se the pOde reconhecer urn valor "dentinal", e mesmo 
profetico. Eis ai a explicagao para Binswanger ressaltar, 
na conclusao do estudo de 1928, voltando a lei dos fres 
estados de Augusto Comte que the servira de esquema 
diretor, que ela de modo nenhum significou, no dominio 
da interpretagao do sonho, a vitoria definitiva da ciencia 
positiva, a qual nao conseguiria dar conta ,da totalidade 
do mundo, um mundo no qual vivemos, agimos e senti-
mos, e que nao é urn mero objeto de conhecimento para 
nos. Apenas a tomada em consideragao, pela filosofia, da 
dimensao espiritual de nossa experiencia do mundo pode 
nos abrir verdadeiramente a porta do sonho. 
Sonho e existencia, que apareceu em forma de 
artigo em 1930 na Neue Schweizer Rundschrtu, constitui, 
como diz Foucault na introdugao a tradugao francesa 
desse texto de 1954, "o primeiro dos textos de Binswanger 
que pertence no sentido estrito a Daseinsanalisetbg. Na 
apresentagao que ele faz, em 1947, para a republicagao 
do texto, Binswanger deixa claro: "No ensaio Sonho e Exis-
tencia, o trago de essencia fenomenologico-antropologico 
da ascensao e da queda e as estruturas de mundo corres-
pondentes a essas duas diregoes do Dasein foram descritas 
pela primeira vez e isso incialmente no interior do espago 
afinado (gestimmtes Raumes) e do espago da tonalidade 
vital, tanto na vigilia quanto no sonho. (...) A influencia da 
obra de Heidegger publicada nesse periodo, Ser e Tempo, 
se manifesta claramente nesse ensaio (...). A influencia de 
M. Boss, "Ilm'est venu en rove... *. Aspects theoriques et pratiques sur 
l'activite onirique (Veio-me em sonho.... Aspectos tebricos e praticos sobre a 
atividade onfrica) (1975), trad. fr. Ch. Bemer e P. David, Paris, PUF, 1989. 
L. Binswanger, "Rove et existence", Introduction d l'analyse exis-
tentielle, p. 199 e sqs. 
• 
Heidegger se manifesta aqui na tentativa de elaborar uma 
interpretagao existencial e biografica do sonho em ligagao 
corn a distingao heraclitica entre sonho e vigilia tomada 
no sentido de uma diferenga entre a absorcao no mundo 
proprio e a abertura ao mundo comum",.. 
Para Binswanger, trata-se, na analise fenomenolo- 
gica do sonho, ao contrario da Traumdeutung freudiana, 
de se ater ao conteUdo manifesto do sonho, como ele nota 
expressamente em Sonho e existencia: "Depois do memo-
ravel postulado de Freud corn respeito a reconstrugao 
dos pensamentos oniricos latentes, tem-se fortemente 
a tendencia hoje em dia de relegar ao segundo piano de 
interesse o conteUdo onirico manifesto, pois urn estudo 
aprofundado desse conteUdo nos ensina a reconhecer o 
estreito parentesco original entre o sentimento e a imagem, 
humor suscitado e as imagens das quais o espirito esta. 
repleto",i. De fato, o essencial e nao separar o que e urn: 
a imagem e a tonalidade afetiva, alegria ou tristeza, que o 
sonho exprime espontaneamente. Comentando dois sonhos 
relatados pelo poeta alemao Gottfried Keller, nos quais in-
tervem sucessivamente as imagens de uma aguia planando 
livremente no ar e de um milhano exausto que termina por 
sucumbir, Binswanger declara: "a imagem alegre e a alegria 
que sao ressentidas, a imagem triste e a tristeza que sao 
experienciadas nao formam senao uma coisa s6: elas sao a 
expressao de urn Unica e mesma onda que sobe e desce"i72. E 
terra que o Dasein se da no sonho que é importante, nao o 
que ele simboliza, e e, entao, o contetdo desse drama, dessa 
agao que e o sonho, que constitui seu elemento decisivoin. 
0 proprio Binswanger afirma ja de inicio que "o 
sonho, tudo somado, nao 6 outra coisa senao uma mo-
dalidade particular do ser humano"i74. Ele parte de uma 
L. Binswanger, .Ausgewahlte Vortrage and Aufsatze, Francke, Berna, 
1947, p. 9. Ver a respeito disso o ensaio de 1935 corn o titulo: "A apreensao 
heraclitica do homem", Instroduction a l'analyse existentielle, p. 159-198. 
Ibid., p. 208. 
Ibid. 
Ibid., p. 206. 
Ibid., p. 204. 
tematica a qual ele dedica dois anos mais tarde, em 1932, 
urn artigo importantelm, a do "espago afinado" (gestimmter 
Raum), e que ele desenvolvera em 1949 num estudo soberbo 
dedicado ao dramaturgo noruegues Henrik Ibsenim. Na 
verdade, 6 gragas a Heidegger que Binswanger descobriu 
a relagao entre o espago, a tonalidade afetiva e o corpo. 0 
espago do Dasein, do existente, se articula, por oposigao 
ao espago estendido e mensuravel da ciencia, de mUltiplas 
maneiras. Para a psicopatologia, consequentemente, nao 6 
suficiente se referir ao espago geornetrico, mas the importa 
muito mais levar em conta o espago fisico e o espago 
corporal, o espago orientado ja evidenciado por outros re-
presentantes da corrente fenomenolOgica em psiquiatria e 
aquilo que Binswanger chama de "espago afinado", Todos 
os grandes textos de psicopatologia de Binswanger dos 
anos trinta a cinquenta, os de seu periodo "heideggeriano", 
acentuam o problema da espa.cialidade e permitem melhor 
compreender essa completa metamorfose da existencia 
que é a psicose, pela qual o cloente tern, sobretudo, a ex-
periencia de uma transformagao de seu espago afinado. 
Para o maniaco, por exemplo, o mundo mingua: para ele, 
todas as coisas sao mais prOximas, e, ao mesmo tempo, 
espago perde sua profundidade. Nao ha na mania nem 
centro nem periferia, nem lar nem estadia. Todas as coisas 
se tornam fugazes, e nao hil nenhuma possibilidade de 
levar o que quer que seja a seri°. Para a melancolia, 6 o 
contrario. Quanto ao esquizofrenico, ele perdeu toda a base 
da experiencia, e se eleva acima do mundo comum. Por 
essas notaveis analises da experiencia da espacialidade na 
L. Binswanger, Le probleme de l'espace en psychopathologic (0 proble-
ma do espaco em psicopatologia), trad. fr. C. Gros, Toulouse, PUM, 1998. 
L. Binswanger, Henrik Ibsen et le probleme de l'auto-realisation dans 
l'arte (Henrik Ibsen e o problema da autorrealizacd o na arte), trad. fr. M. 
Dupouis, Posfacio de H. Maldiney, Bruxelles, De Boeck, 1996. Ver tambem 
F. Dastur, "Tache vitale et realisation de soi dans l'art: Binswanger et 
Ibsen", Art et Pathologies au regarde de la phenomEnologie et de la psycha-
nalyse (Tarefa vital e realizacao de si na arte : Binswanger e Ibsen, Arte 
e pato/ogia aos olhos da fenomenologia e da psicancilise), 
Paris, Le Cercle 
Hermeneutique, 2005, pp. 45-55. No que concerne a analise binswa.n-. 
geriana da espacialidade, ver C. Gros, Ludwig Binswanger, 
Chatou 
-281 
, Ed, 
De la Transparence, 2010, "Corps et espace 1930-1957", p. 2013. 
$ 
psicose, Binswanger foi o primeiro a orientar a pesquisa 
psicopatologica na direcao de uma apreensao global do 
mundo do doente enquanto forma simbOlica. 
0 verdadeiro ponto de partida de Sonho e existen-
cia é, entao, a analise da experiencia vivida da decepgao 
enquanto imediatamente compreendida como uma queda. 
Ha ai uma metafora? Ha ai uma transferencia analOgica 
de uma experiencia corporal (por exempla, o relaxamento 
do tonus muscular dentro da pele)a esfera psiquica ou 
corpo seria a expressao da alma que the constituiria 
sentido? Binswanger recua de suas cancel:0es teori-
cas demais para se voltar para Husserl e Heidegger que 
propOem uma compreensao da existencia humana que 
nao parte da distingao entre o corpo e a alma, mas da 
existencia em si mesma, a qual se pretende compreender, 
no caso presente, a partir do existencial que é a espacia-
lidade, estrutura a priori da existencia humana, como 
Heidegger o mostra em Ser e tempo, assim como a partir 
do ser-jogado na tonalidade efetiva e tambem a partir da 
explicitacao do compreender,177 Ascensao e queda tern, 
assim, para o Dasein, uma significagao existencial e nao 
somente somatica ou espiritual que provem da estrutura 
ontolOgica do Dasein, e é essa estrutura que constitui 
a fonte da qual se retiram a linguagem, a imaginagao 
poetica e o sonho... Isso porque a queda e a ascensao nao 
sao derivadas de outra coisa, explicaveis por outra coisa, 
nao sao "simbolos" de outra coisa, pois, como o sublinha 
Binswanger, "aqui, ontologicamente falando, tropecamos 
no fundo"179. Mas se queda e ascensao sao existenciais, o 
que é, entao, que existe? Essa questao: "nos os homens, 
quem somos nos e o que somos nos?, orienta, de fato, todo 
texto, como mostra a citagao de Kierkegaard apontada 
por Binswanger em Sonho e existencia: "convern antes se 
ater a isso que significa: ser um homem". A resposta deve 
ser buscada, para Binswanger, mais do lado da poesia, do 
mito e do sonho do que do lado da ciencia e da filosofia, 
L. Binswanger, Introduction a l'analyse existentielle, p. 201. 
Ibid., p. 202. 
Ibid., p. 203. 
pois os poetas e os sonhadores souberam que esse "nos" 
nao é algo que se oferece abertamente a vista, mas é o que, 
ao contrario, como a physis heraclitica, se esconde sob 
mil formas e nao pode ser reduzido ao corpo individual e 
a. sua forma exterior... Compreende-se que estamos por 
conta disso sempre a entrada do sonho, ja que o carater 
nao localizavel de nossa "presenca", de nosso Dasein, nos 
autoriza a nos reconhecer a nos mesmos nos outros entes 
e a nos identificar na recitacao poetica: "trata-se de mim: 
eu sou (ou eu poderia ser, o que aqui da no mesmo) esse 
passaro indefeso ferido mortalmente".. 
0 sonho nao e, entao, um dominio particular se-
parado do estado habitual de vigilia, mas uma modali-
dade particular do ser-no-:mundo. 0 que é essencial no 
sonho para Binswanger e.a objetivacao em imagens de 
Stimungen, de tonalidades afetivas. De urn ponto de vista 
psicopatologico, os sonhos que inquietam os psiquiatras 
sao precisamente aqueles nos quais o movimento drama-
tico do sonho se desenrola para deixar todo o espago ao 
conteUdo tonal-afetivo... Aqui, aquele que dorme se deixa 
cativar pelo charme estetico puramente subjetivo de seu 
sonho, isto é, se deixa it pelo caminho da perda do sentido 
da vida "que é sempre algo de intersubjetivo, de geral, 
de objetivo e de impessoal"... 0 puro "afeto" representa 
caso-limite de tal dissolucao da existencia, pois, como 
nota Binswanger, tal dissolucao na pura subjetividade nao 
existe, em sentido estrito, "enquanto o homem e homem", 
que implica que a existencia nao pode ser definida senao 
como tensao entre o subjetivo e o objetivo, entre mundo 
privado e mundo comum, entre sonho e vigilia. 
Na segunda parte de seu artigo, Binswanger se 
atem a consideragoes hist6ricas e mostra que la onde se 
constitui, segundo a perspectiva do humanismo moderno, a 
compreensao e a elaboragao do si enquanto estrutura fun-
damental do homem, a saber, na Grecia, acha-se tambem a 
Ibid., p. 203. 
Ibid., p. 204. 
Ibid., p. 210. 
Ibid., p. 212. 
T 
estrutura ontologica da ascensao e da queda, nao referida 
ao individuo, mais aqueles que sao ligados pela rata ou pela 
familia a urn destino comum, pois "o individuo, a rata, o 
destino e a divindade se misturam aqui intimamente num 
espaco Unico"th. 0 ocaso do mundo antigo tem como resul-
tado a distingao de interior e exterior, de sujeito e objeto, 
ao passo que, na Gracia, reina apenas a oposicao do dia 
e da noite, da clareza e da obscuridade e que os sonhos 
mesmos pertencem ao lado noturno da existencia. E se 
Binswanger ve na ideia expressa por Petronio, o celebre 
autor de Satyricon, de que os sonhos nao vem do ceu, do 
cosmos, mas que cada um os elabora por si mesmos, o signo 
patente da queda do mundo antigo e da hybris da individu-
acao que caracteriza a era moderna,85, é entao porque ele 
considera implicitamente ao mesmo tempo que ser homem 
nao pode ser compreendido como uma parte destacavel 
do todo e que o sonho manifesta de certa maneira essa 
nao-autonomia do homem. E essa compreensao do sonho 
como fen6meno ontologico e nao simplesmente psicolOgico 
que ele vai desenvolver na terceira e Ultima parte do artigo. 
Nessa terceira parte, Binswanger poe em evidencia 
fato de que e sob o reino da distincao (Unterscheidung) 
que se elabora a concepgao do sonho: distincao do ego e do 
id em Freud, do inconsciente individual e do inconsciente 
coletivo em Jung, mas, sobretudo, entre o pensamento 
subjetivo (imaginacao e doxa) e a verdade, pensamento ob-
jetivo (apisteme), entre individuo (ekastos) e a proximidade 
homens-deuses (logos). 0 individuo, compreendido como 
faz PetrOnio, como o criador de seus proprios sonhos, se 
torna um modo de ser do homem, uma maneira por meio da 
qual se pode ser um homem, a saber, a possibilidade nao 
espiritual do ser humano.6. Heraclito diz que os acordados 
compartilham apenas urn mundo, ao passo que cada urn 
que dorme tern urn mundo privado. E Binswanger quer 
compreender essa oposicao entre o koinon e o idiorn87 a 
Ibid., p. 215. 
Ibid., p. 217. 
IJ 	186. Ibid., p. 218. 
187. Comum e particular em grego antigo. N. T. 
maneira de Hegel, que tambem considera que a individu-
alidade nao tern significagao espiritual. Isso porque tanto 
para Heraclito quanto para Hegel, o individuo isolado 
privado da universalidade que the propicia o seu ser em 
comum corn os outros e que constitui a base de sua espi-
ritualidade. Para Heraclito, a vigilia é o despertar fora do 
pensamento individual subjetivo, fora da doxa, e a vida 
seguindo as regras do universal. Sonhar e, portanto, se 
destacar do todo: "Sonhamos apenas porque nao estamos 
em relacao corn o todo", explica Hegel em sua exposicao 
da teoria de Heraclito. 
0 mal e o erro residem, assim, na separacao do 
universal e nessa particularizacao do pensamento que 
incarna precisamente essas coisas que o individuo so pode 
saber sozinho, como o sonho, o sentimento e a imagina-
cao. Trata-se, portanto, para o homem e, em particular, 
para o homem doente, de saber se ele quer manter seu 
pensamento individual, "seu teatro interior", como diz 
urn dos pacientes de Binswanger, ou se ele quer acordar 
de seu sonho e tomar parte na vida universal. 0 medico 
é o mediador entre esses dais mundos e curar significa 
entrar, corn sua ajuda, na espiritualidade da comunida-
de. Binswanger cita Goethe a esse respeito, sua fonte de 
inspiragao habitual, que fala em encontrar em si mesmo 
infinito. Isso e possivel pela submissao a. autoridade 
impessoal do medico e é necessario, nessa perspectiva, 
compreender a transferencia como o que torna possivel 
uma espiritualizacao autentica. Binswanger pode a partir 
dal voltar ao seu problema inicial. 0 sonho e da ordem do 
acontecimento e nao da ficcao, e ele se apresenta ao indivi-
duo sem que ele saiba como. 0 individuo nao é o que esta 
na origem do sonho, mas é ele que o sofre passivamente. 
E o homem acordado jorra do que sonha no momento em 
que decide saber o que the acontece e intervir na marcha 
do acontecimento. Isso que ele faz é uma questa° historica, 
nao biologica: "o homem que sonha '6' uma vida biologica, 
ao passo que o homem acordado 'faz' uma vida historica", 
essa éa conclusao de Binswanger. 
3. As Grundformen de 1942 
Se a obra de Ludwig Binswanger é ainda hoje, mais 
de quarenta anos depois de sua morte, uma fonte de inspi-
ragao para toda a corrente da psiquiatria fenomenolOgica, 
isso se da gragas aos numerosos trabalhos que precederam 
e, sobretudo, se seguiram a publicagao em 1942 de sua 
obra maior, Grundformen und Erkenntnis menschlichen 
Daseins (Formas fundamentals e conhecimento do Dasein 
humano). Esse livro espesso de mais de 600 paginas, que 
teve quatro edigOes sucessivas, e que, por confissao de seus 
laltimos editores, contem mais uma compilagao de textos 
que um ensaio uniforme, permanece ainda urn material 
muito pouco explorado da obra de Binswangerisa, apesar de 
sua reedigao recentein. Numa carta a Schroeder datada de 
Janeiro de 1946, Binswanger explicou que urn dos objetivos 
fundamentals que ele buscou em seu livro foi "mostrar a que 
ponto o homem e e aparece completamente outro quando 
e interpretado a partir do amor e nao da existencia"190. 8 
o amor que constitui, aos olhos de Binswanger, a forma 
fundamental maior sobre o fundo da qual todo o conhe-
cimento e toda compreenstio do ser do homem devem se 
edificar, o que o leva a opor de maneira diametral o amor 
ao cuidado e a. existencia como Heidegger os compreende. 
0 surgimento em 1927 de Ser e Tempo foi, no entanto, 
urn acontecimento detenninante para Binswanger, cujo pen-
samento dal em diante vai se situar no interior da problem& 
tica do que Heidegger chamou de "Dasein". As Grundformen, 
que utilizam do comeco ao fim a nomenclatura heideggeriana, 
Ver o livro de M. Coulomb, PhenomEnologie du nous et psychopa-
thologie de l'isolement, La nostrid selon L. Binswanger (Fenomenologia do 
nos e psicopatologia do isolamento, A nostridade segundo Binswanger), 
Paris, Le Cercle Hermeneutique, 2009. 
L. Binswanger, Ausgewahlte Werke, Band 2, Grundformen und Er-
kenntnis des menschlichen Daseins (Obras escolhidas, Volume 2, Formas 
fundamentais e conhecimento do Dasein humano), ed. M. Herzog e H. 
--J. Braun, Asanger, Heidelberg, 1993 (Referido doravante apenas como 
Grundformen), prefacio dos editores, p. XLIV. 
Ibid., p. XVII. 
empreendem analises extremamente detalhadas e precisas de 
grandes partes de Ser e Tempo. Nao se pode, portanto, sem 
mais, acusar Binswanger de nao ter compreendido nada da 
analitica existencial. E, no entanto, o que parece afirmar o 
proprio Heidegger, que fala da "compreensao completamente 
falha" de seu pensamento por Binswanger nos Zollikoner Semi-
flare (Seminarios de Z,ollikon)Pn. No prefacio de 1962 a terceira 
edigao de seu livro, Binswanger mesmo reconhece que the 
criticaram com justiga por nao ter compreendido a ontologia 
fundamental heideggerianayn, e ele admite "estar consciente da 
ingenuidade da critica que ali se faz a Heidegger"... Todavia, 
ele afirrna que essa ma compreensao de genera antropolOgi-
co é "produtiva"194. E isso que explica que se ache, desde as 
primeiras paginas do livro, a afirmagao segundo a qual "é a 
teoria de Heidegger que faz nossas pesquisas avangarem"to,. 
Em 1962, Binswanger nao hesita em novamente dizer que 
"é somente o horizonte do Dasein posto em evidencia pela 
questao do ser e o projeto do ser de Heidegger que abriu o 
campo a possibilidade de uma interpretagao fenomenolOgi-
ca global do amoen.. A conclusao desse ultimo prefacio é a 
seguinte: "o objetivo das Grundformen nao é o de ser uma 
refutaga.o de Ser e Tempo, mas uma fenomenologia do amoryin. 
Nada obstante, essa fenomenologia do amor, se ela 
se desenvolve por urn lado sobre o fundamento da analise 
existencial heideggeriana, embora interpretada de maneira 
antropologica, obedece por outro a outras influencias corn-
pletamente diferentes, em particular aquelas exercidas 
sobre Binswanger pelos escritos de Martin Buber,n; alem 
disso, ela se nutre grandemente de fontes poeticas, no que. _ 
M. Heidegger, Semindrios de Zurich, p. 315; ver igualrnente p. 177. 
L. Binswanger, Grundformen, Prefficio, p. 5. 
Ibid., p. 9. 
Ibid., p.4. 
Ibid., p. 50. 
Ibid., p. 5. 
Ibid, p. 5. 
Recordemos que Martin Buber (1878-1965), contemporaneo de 
Ludwig Binswanger (1881-1966) publicou seu famoso livro Ich und Du 
(Eu e Tu) em 1923. 
r, 
 
 
 
isso que Heidegger tratou, no paragrafo que abre a primeira 
seccao do livro206, de delimitar cuidadosamente a analitica do 
Dasein em relacao a antropologia, a psicologia e a biologia, 
apoiando-se esses dominos de pesquisa sobre fundamentos 
ontolOgicos nao esclarecidos e nao respondendo claramente 
a. questao do modo de ser do ente que nos mesmos somos. 
Binswanger, a despeito de algumas afirmacoes 
imprudentes, nao desconhece a diferenca entre o nivel 
ontolOgico das analises heideggerianas e o nivel propria-
mente antropologico onde ele situa as suas. Sua oposicao 
fundamental a Heidegger advem, como ele mesmo explica, 
do fato de que ele fala undo do Dasein enquanto a cada vez 
meu, teu ou seu, mas do Dasein humano em geral, ou do 
Dasein como "humanidade"207 . Eis ai o nUcleo da questa°. 
exatamente isso que Binswanger considera como o ponto 
de partida da andlise existencial, a saber, a Jemeinigkeit 
do Dasein a. qual, ele confessa, ainda em 1962, nao ter 
chegado a se adaptar... Vem dai as reiteradas criticas a 
Heidegger por descuidar da nostridade.9e por, a despeito de 
sua insistencia em fazer do Mitsein, do ser corn os outros, 
que constitui originalmente o ser-no-mundo do Dasein, 
continuar a acentuar, do ponto de vista existencial, o ser 
si mesmo210, como e o caso em Kierkegaard, de quem ele 
considera que Heidegger apenas secularizou o ideal reli-
gioso da existenciwii. Para. Binswanger, ao contrario, "é 
apenas da nostridade que hasce' a ipseidade", a Wirkeit, a 
nostridade, sendo "anterior" tanto ao eu quanto ao teu.2. 
 
 
os poetas - de Goethe, Schiller e Rilke a Elizabeth Barret-
-Browning - se mostram testemunhas e guardioes de uma 
compreensao autentica do amor. Binswanger pode, entao, 
legitimamente afirmar que "o interesse de Heidegger é de 
todo modo diferente do nosso"ig, partindo do fato de que suas 
pesquisas sao antropologicas, distinguindo-se, assim, "da 
intencao puramente ontologica de Heidegger"20.. Encontram-
-se repetidas vezes alusoes a essa diferenca fundamental 
de ponto de vista, sendo o ponto de partida da analise 
existencial de Heidegger a Jemeinigkeit, a qualidade do que 
é sempre a cada vez meu, ao passo que o da antropologia 
binswangueriana e a Unsrigkeit, a nostridade.t. Binswanger 
esta plenamente consciente de que o objetivo buscado em 
Ser e Tempo nao e a elaboragao de uma antropologia, e ele 
reconhece mesmo que a maneira coma Heidegger desenvolve 
fundamento oculto da historicidade do Dasein no ser para 
a morte, a saber, a finitude da temporalidade, "é de uma 
consequencia e de uma demonstratividade admiraveis", 
altura da qual nao se eleva seu'proprio propOsito, "bem mais 
modesto, isto e, somente antropologico"... Ele chega a uma 
verdadeira autocritica, reconhecendo que sua afirmacao, 
segundo a qual "o amor se manteria, paralisado, no exterior 
da imagem heideggeriana do homem", repousa sobre urn 
mal-entendido, ja que Heidegger nunca teve como objetivo a 
elaboracao de tal imagem.3. Corn relagao a isso é necessario 
recordar, como o faz Binswanger em seu prefacio de 1962, 
que Heidegger havia deixado bem claro em Ser e Tempo que 
a analitica do Dasein nao tern como objetivo estabelecer as 
bases ontologicas da antropologia, mas tem unicamente por 
fim a ontologia fundamenta1204 , a saber, o estabelecimento 
da base ontologica, sobre o fundamento da qual as onto-
logias regionais podem em seguida se estabelecer205. E por 
 
 
 
 
Ibid., §10. 
L. Binswanger, Grundformen, p. 197. Ver tambem p. 433 onde 
Binswanger explica quese trata, para Heidegger, "do Dasein no homem", 
formula que se pode encontrar em Kant e o problema da metafisica, e 
nao "do Dasein humano". 
L. Binswanger, Grundformen, Prefacio, p. 6. 
Ibid., p. 217. 
Ibid., p. 113. 
Ibid., 114, Ver tambem p. XXVII onde se encontra citada uma pas-
sagem da carta de Binswanger escrita a M. Buber em 1936. 
Ibid., p. 113. 
 
Ibid., p. 24. 
Ibid. p. 24. 
Ibid., p. 49. 
Ibid., p. 223. 
Ibid., p. 5. Ver tambem p. 43. 
M. Heidegger, Ser e tempo, §42. 
R 	205. Ibid., §4, p. 13. 
 
 
Vem dal o fato de "a questao cardinal" colocada por 
Binswanger ser a de saber se o amor deve ser compreen-
dido a partir da temporalidade no sentido heideggeriano e, 
entao, a partir da estrutura do cuidado ou se, ao contrario, 
ele nao se temporaliza de modo nenhurwo. Se o amor nao 
pode ser compreendido a partir do cuidado, o que para 
Binswanger derive de seu proprio ponto de partida que é 
a nostridade, isso nao quer dizer que ele esteja de algum 
modo "para alem do tempo", mas que sua temporalidade 
"deve ser interpretada nao a partir da finitude do Dasein, 
mas a partir da infinitude"ata, a infinitude e a eternidade do 
amor, das quais encontramos testemunho nos poetas, e das 
quais a "pressuposictio" é, segundo Binswanger, fenome-
nologicamente atestavel e imediatamente comprovavel no 
encontro amoroson.. A "divergencia” que, assim, o separa 
de Heidegger concerne ao estatuto do amor, que, de uma 
parte, transcende o cuidado, e de outra, se revela como 
um a priorino, como o que torna possivel a Erschlossenheit 
mesma, a abertura do Dasein ao ser 7. 0 que Binswanger 
afirma sem ambiguidade é "o primado fenomenolOgico 
do amor sobre o cuidado"n6, sem, contudo, renunciar a 
pensar ontologicamente o amor, sua transcendencia nao 
remetendo a nenhum "alem" no sentido metafisico ou 
religiosone. No entanto, o primado do amor so se pode 
compreender, paradoxalmente, sobre o fundamento da 
analise heideggeriana do Dasein como cuidado, nunca 
estando o amor na vida cotidiana senao "em uniao" corn 
cuidado, pois "o Dasein so pode ser enquanto infinito 
na medida em que ele e finito"no. 
Ibid., p. 46. 
Ibid. 
Ibid. p. 240, nota 1. 
Ibid., p. 88. 
Ibid., p. 87. 
Ibid., p. 76. 
Ibid., p. 87. 
Ibid., p. 131. 
Vemos, portanto, que nao se trata, corn as Grundfor-
men, nem de uma replica a analise existencial, nem de uma 
simples extensao dela, mas sim de sua subversao interne 
a partir da nocao fundarriental de nostridade, corn a qual 
Binswanger acha que faz quebrar o quadro "solipsista" 
demais da concepcao heideggeriana da existencia. A opo-
sicao maior este. consequentemente entre a Jemeinigkeit, 
sempre a cada vez meu heideggeriano, e a Wirheit, a 
nostridade binswangeriana, que deve muito ao Je et tu 
de Buberni, distinguindo-se dele, porOm, pelo fato de que 
ela resulta imediatamente do encontro amoroso nao pre-
cedido por nenhuma busca por um tu. Tal nostridade nao 
remete a urn nos plural, mas a urn nos dual, no sentido 
linguistico do termon2, e ela nao resulta da dualidade do 
eu e do tu, mas, ao contrario, a precede, na medida em 
que urn nao existe sem o outro, de sorte que ela consiste 
numa verdadeira communion. Tal nostridade constitui 
pare Binswanger uma unidade originaria que nao pode 
de niodo nenhum ser derivada do si mesmo, mas que, ao 
contrario, torna possivel todo si mesmo e toda ipseidade. 
g essa unidade do eu e do tu no amor que Binswanger 
chama de "coracao" (Herz), no que essa palavra significa 
a superabundancia (Uberschwang) mesma do amor, o que 
nele transcende (iiberschwingt) o mundo do cuidadon.. 
Ha, de fato, para Binswanger uma "realidade do 
amor" sobre a qual ele afirma sem rodeios que constitui 
"o mais real de `nosso' Dasein", rompendo, assim, tanto 
corn Feuerbach, de quern ele se sente, por outros motivos, 
221.1; necessario notar que mais ainda que Martin Buber 6 Karl Lowith 
que é o mais frequentemente invocado por Binswanger, enquanto aquele 
que soube pOr em evidencia a reciprocidade do Miteinandersein (o ser-
um-corn-o-outro) em seu livro de 1928 Das Individuum in. der Rolle des 
Mitmenschen (0 individuo no papel do proximo). 
L. Binswanger, Grundformen, p. 237. Binswanger se apoia aqui na 
interpretacao que Humboldt da do dual, nAo como urn plural reduzido 
a dois, mas como um "singular coletivo". 
Ibid., p. 166. 
Ibid., p. 177 e 138; 
ti 
83 82 
7177,7,7 
ik 
muito proximo, quanto corn Freud, que ve todos os dois, 
eu e o tu, no amor como estando numa ilusao226. Nero se 
trata certamente de ver na libido a origem do fenomeno 
amoroso, mesmo que se possa encontrar no amor sexual 
a sua realizacao mais elevada — e ha nesse ponto uma 
"diferenga imensa" entre o ponto de vista genetico da psica-
nalise e o ponto de vista antropolOgico de Binswanger que 
"impede comparar sua concepgao corn a da psicanalise"227 . 
0 verdadeiro porno da discordia entre Binswanger e 
Heidegger concerne, entao, a nocao de Jemeinigkeit, o ser 
a cada vez meu, corn relagao a qual é preciso lembrar que 
constitui uma estrutura distributiva que Heidegger nomeava 
inicialmente em 1924 como Jeweiligkeit, o ser cada vez 
transitorio do Dasein228. Pela nocao de Jemeinigkeit, de 
minhidade (miennete)29, nao e a "essencia" do Dasein que 
é definida, mas a sua maneira eminentemente temporal de 
ser. Abandonar o pensamento da essencia implica que se 
perceba ao mesmo tempo a finitude do tempo e a estrutura 
plural da existencia. Ser-no-mundo e ser-com-os-outros 
sao existenciais cooriginarios, de modo que nao se pode 
ter urn sem o outro, o que Binswanger nao negligencia, 
mas que ele nao pode aceitar, pois ele ye ai urn "salto" 
ilegitimo: é sobre a tese segundo a qual o Dasein é sempre 
enquanto autor de Gedanken fiber Tod and Unsterblichkeit 
(Pensamentos sobre a morte e a imortalidade) de 1830 que Feuerbach 
interessa particularmente a Binswanger, pois ele é "o Unico que viu na 
morte um fenOmeno erotic° e relacionou sistematicamente o amor e a 
morte", Grundformen, p. 162, 0 que configura toda a originalidade de 
Feuerbach nesse texto é o fato de ele abordar o problema da morte a 
partir da relagao entre o eu e o tu. 
L. Binswanger, Grundformen, p. 140. 
Ibid., p. 235. 
M. Heidegger, Der Begriff der Zeit, Niemeyer, Tubingen, 1989, p. 
13. Ver a traducao francesa Le concept de temps (0 conceito de tempo), 
em Heidegger, Paris, L'Herne, 1983, p. 30. Jeweiligkeit nao tem aqui o 
sentido de "perpetuidade", termo proposto pelos tradutores, mas remete, 
ao contrario, ao carater essencialmente temporal e transitorio do "eu sou". 
M. Heidegger, ntre et temps, §9, p. 42. A traducao de F. Vezin de 
Jemeinigkeit por "ser-a-cada-vez-meu" se mostra aqui mais precisa que 
a de minhidade. 
Mitdasein, coexistente, que ele declara que ela "arrasta 
(...) atras de si ainda hoje urn enredamento de questOes 
nao resolvidas"230. 
A "minhidade" da existencia nao e, entao, de modo 
nenhum incompativel corn o ser-corn-os-outros, pois o iso-
lamento extremo, o do ser-para-a-morte, nao é a negacao, 
mas a pressuposicao do ser corn os outros em geral. Isso 
que cada urn tem em comurn corn os outros é precisamen-
te sua Jeweiligkeit, de modo que a diferenca insuperavel 
entre o eu e o outro e o que me torna igual a ele, e o que 
me separa dele e precisamente o que eu posso compartilhar 
corn ele. 0 erro consiste, portanto, em pensar que Heidegger 
parte do homem "isolado" para the atribuir apenas depois 
a relagao corn o outro. 8 a razao pela qual ele insiste sobre 
sentido existencial-ontologico do Mitsein que é "uma 
determinagao do Dasein a cada vez propria"... 0 ser do 
Dasein é o ser-com-os-outros e nao a egoidade individual do 
sujeito isolado, de modo que cada vez que Heidegger usa o 
termo Dasein, o ser-com-os-outros ester coimplicado. Sendo 
assim, nao se pode compreendernada de Ser e tempo se 
se ye no Dasein urn simples nome diferente do "sujeito" ou 
do "eu" e se nao se leva em consideragao o fato de que "o 
Dasein e essencialmente nele mesmo ser-corn-os-outros.2. 
Para Binswanger, Heidegger nao chegou a dar 
lugar ao amor em sua concepgao da relagao corn o outro, 
porque ele o compreende, sobre a base do cuidado, como 
preocupagao (FUrsorge), termo que pode ser traduzido 
em trances, como o faz o tradutor de Etre et temps (Ser e 
tempo), F. Vezin, por "souci mutuel" .(cuidado mutuo)233. 
Binswanger, diferentemente de Boss, nao viu o interesse 
que pode trazer para urn psiquiatra a distilled° heidegge-
riana entre duas formas "positivas" de preocupagdo, por 
oposicao aos modos cotidianos de nossa relagao corn o 
outro que sao de uma preocupagao deficiente ou indife-
rente que nao visa realmente ao outro enquanto tal, mas 
L. Binswanger, Grundformen, p. 6. 
M. Heidegger, Sere tempo, § 26. 
Ibid., §26, p 120. 
M. Heidegger, Ste et temps, §26. 
identifica mais ou menos corn o conjunto de utensilios 
de que se compOe o Umwelt239 (mundo circundante) co- 
tidiano. A primeira dessas formas é a da preocupagao 
"substitutiva", nao isenta de certa violencia, que consiste 
em ajudar o outro, tomando a responsabilidade de seu 
cuidado e o reduzindo a uma posiedo de dependencia. 
A segunda é a de uma preocupacao, ao contrario, "an-
tecipadora" que consiste em ajudar o outro em vista de 
the permitir tomar ele mesmo responsabilidade de sua 
propria existencia. Binswanger considera essa segunda 
forma de preocupagao como oriunda ainda do mundo do 
cuidado, jd Boss ye ai, ao contrario, a descried° da relaedo 
terapeutica ideal, que Heidegger, alem disso, aproxima 
nos Zollikoner Seminare da maieutica socratica235. Desse 
modo, é nesse deixar-ser o outro como cuidado autentico 
que Heidegger ye a forma mais elevada da relagao corn 
outro. Eis poi-que, a Binswanger, que o critica por ter 
esquecido o amor, ele responde nos Zollikoner Seminare36 
que é sobre o cuidado, compreendido no sentido ontologico 
de abertura fundamental do existente ao futuro, que se 
funda o amor assim como a odio. Ele acrescenta ainda: 
"pode-se mesmo esperar que a determinagdo essencial 
do amor, que busca urn fio condutor na determinacdo 
do Dasein possivel pela ontologia fundamental, seja mais 
essencialmente profunda e de uma estatura bem maior 
que essa (a de Binswanger) caracterizagdo do amor que 
ye nele algo mais elevado que o cuidado237. 
4. A volta a Husserl 
Os ultimos textos de Binswanger esbocam um 
retorno a fenomenologia husserliana, em parte sob grande 
influenica da interpretacao que the da seu amigo Wilhelm 
Szilasi, a quem ele dedica precisamente em 1960, ano de 
234. Entorno (N.T). 
235, M. Heidegger, Seminaires de Zurich, p. 333. Ver tambem p. 57 e 199. 
Ibid. p. 316. 
Ibid. 262. 
aparecimento de Melancolia e Mania, um estudo na coletd-
nea de homenagem que the e dedicada pelo seu septuage-
simo aniversario238, e cuja interpretagdo da fenomenologia 
husserliana e heideggeriana3'9ele sempre considerou como 
extremamente esclarecedora. 
Mas se 6 uma volta a analise intencional e ao trans-
cendentalismo husserliano que marca a ialtima decada da 
vida de Binswanger, este, longe de abandonar o ponto de 
vista da Daseinsanalise, tenta, ao contrario, conjugar os 
enfoques de Heidegger e Husserl, a intencionalidade corn 
ser-no-mundo e o transcendental corn a consideracao do 
factual, como o proprio Binswanger ressalta em Melancolia 
e mania, dizendo que sua abordagem "se ancora de urn 
lado na doutrina fenomenolOgica husserliana e szilaziana 
da intencionalidade e na heideggeriana do descolamento 
aprioristico do Dasein humano ou ser-no-mundo, e de 
outro, nas formas psiquidtricas do Dasein como facticidades 
psicopatologicas empiricas"240. No prefacio, Binswanger tern 
cuidado de indicar que o subtitulo "Estudos fenornenolo-
gicos" merece explicagao e nao o "Daseinsanaliticos", pois 
ele sempre parte da ontologia heideggeriana — pelo menos, 
poderiamos acrescentar, depois de 1930 — a fim de "descre-
ver as doengas mentais em sua constituiedo de ser", noutros 
termos, como modalidades particulares da existencia. 0 
"Die Philosophic Wilhelm Szilazis und die psychiatrische Forschung" 
(A filosofia de Wilhelm Szilazis e a pesquisa psiquidtrica) em Festschrift 
fur W. Szilazi (Publicagao comemorativa para W. Szilazi), Munique, 1960. 
Nascido em 1889 em Budapeste e morto, ele tambem, em 1966, 
Szilasi estudou inicialmente quimica e filosofia na Hungria, onde ele se 
tornou professor. Depois conheceu Husserl nos anos de mil, novecebris 
e vinte e se tornou em 1947 professor em Freiburg. Seus principais 
livros sao Wissenschaft als Philosophic (Ciencia como filosofia) (1945), 
Macht und Ohnmacht des Geistes (Poder e impotencia do espirito) (1946) 
e Einff2hrung in die Phanomenologie Edmund Husserls (Introducao a 
fenomenologia de Edmund Husserl) (1959). Um capitulo de outro livro, 
Philosophie und Naturwissenschaft (Filosofia e ciencia natural) (1961), 
foi traduzido para o frances por A. Fournier, C. Maci e Y. Totoyan corn 
titulo "Les bases d'expdrience de la Daseinsanalyse de Binswanger"', 
L'art du comprendre, Etudes de Daseinsanalyse, ("As bases da experiencia 
da Daseinsanalise de Binswanger", A arte do compreender, Estudos de 
Daseinsanalise) n°5/6, Dezembro 1996, p. 155-176. 
240. Ibid. p. 135. 
86 87 
objetivo que se bucas ali é mais claramente teorico, e nao 
somente descritivo, precisamente porque nao se trata de 
proceder a estudos clinicos da melancolia e da mania, mas 
de permitir "uma contribuigao a metodologia psiquidtrica", 
colocando, a esse propOsito, a questao do fundamento 
teorico da psiquiatria e a da elaboragao de seu rnetodoi. 
8 preciso sublinhar que esse metodo nao é 
fenomenologico no sentido apenas da psicologia "descritiva" 
brentaniana da qual o primeiro Husserl ainda estava 
proximo, mas no sentido forte de ciencia transcendental 
concernente a. estrutura a priori da experiencia, no sentido, 
portanto, onde a doutrina husserliana da consciencia inten-
cional constitui, como o declara Binswanger, "a Unica ciencia 
que nos permite realizar o que as doutrinas do organismo 
ou a biologia realizam para a medicina do corpo"292; e isso 
porque do ponto de vista metodologico, a psiquiatria deve, 
enquanto terapia, se apoiar na ciencia, do mesmo modo 
que a medicina se apoia na biologia, e porque, segundo 
Binswanger, é a doutrina da consciencia transcendental, 
isto e, a ciencia husserliana, que "reali7a para a psiquiatria 
que a biologia realiza para a medicina somatica", tal como 
ele repete na conclusao do mesmo livro143. E necessario, 
entao, precisar de novo que nao esta em questao para 
Binswanger nessa ultima fase de sua obra renunciar a Da-
seinsanalise, mas sim basear a constituigao transcendental 
e intencional das objetividades do mundo no fundamento 
da ontologia do Dasein. Trata-se de procurar os momentos 
responsaveis pela falha da organizagao estrutural dessas 
formas do Dasein que sao as psicoses, interrogando a 
constituigao transcendental da experiencia e, por meio 
disso, como sublinha Binswanger, "uoltar a constituigao 
do mundo considerado em seus momentos estruturais 
constitutivos ou remeter cada objetividade constituida a 
uma forma essencial correlativa da intencionalidade, a 
que é para ele a forma constitutiva",H. Esta claro, a partir 
Ibid. ,p. 15. 
Ibid.., p. 82. 
Ibid., p. 135. 
Ibid.,p. 23. 
dal, que Binswanger considera a intencionalidade objetiva 
husserliana as situd-la sobre a base da transcendencia do 
Dasein, compreendido como ser que projeta o horizonte 
de urn mundo; e que se trata para ele de compreender a 
constituigao particular dos mundos psicatico, esquizofre-
nico, melancolico e maniac() por meio da investigagao dos 
momentos estruturaisdesses universos a partir da "cone-
lagao" que eles pressupOem entre a Leistung245 , a produgao 
transcendental do sujeito, e a objetividade assim cosntituida, 
produto transcendental intramundano que o sujeito se dd. 
Realmente nao se pode em psicopatologia tentar 
isolar as supostas "causas" da alteragao do comportamento, 
porque cada elemento do comportamento esta em inte-
ragao corn todos os outros. Pode-se, entretanto, segundo 
Binswanger, considerar a doenga mental como uma Natu-
rexperiment, uma experiencia que a natureza faria, e que 
mostraria as claras aquilo que costuma restar dissimulado 
no comportamento nao patolagico no que esse se define 
como a capacidade de articular a "trama" das operagoes 
transcendentais sobre o que poderiamos chamar, de algum 
modo, de a "cadeia" do horizonte de mundo projetada pelo 
Dasein. Eis a razao pela qual a doenga mental realiza urn 
tipo de epholce espontanea, isto é, ela coloca entre paren-
teses a mundanidade que permite considerar apenas os 
momentos constitutivos fenomenologicos ou "elementos 
constituintes do mundo",.. Desse modo, Binswanger pode 
declarar: "A `trama' dos 'fios' das operagoes transcenden-
tais nao se deixa compreender em nenhum lugar mais 
facilmente do que na falha dessas mesmas operacoes, nas 
`experiencias da natureza' que se chamam psicoses"247. 
Ve-se bem, entretanto, que nao se trata de modo 
nenhum para Binswanger de se manter numa simples 
andlise das "vivencias de consciencia", mas de ir, como 
faz o prOprio Husserl desde suas LicOes para uma fe-
nomenologia da consciencia Intima do tempo, ate as pro-
fundezas hileticas da consciencia para par as claras ali 
Capacidade, desempenho (N.T.). 
Ibid., p. 23. 
247, Ibid., p. 21. is 
• 
88 89 
a articulacao desse projeto que Husserl chama de dupla 
intencionalidade, constituindo ao mesmo tempo, de urn 
lado, o objeto e, de outro, o sujeito. E essa a razao pela 
qual Binswanger sublinha corn rigor que, "desse ponto de 
vista, a 'experiencia intima' nao é urn privilegio corn relacao 
a experi8ncia exterior", pois a ciencia a qual ela recorre 
aqui "nao é uma `psicologia da experiencia intima", nao é 
uma psicologia da viv8ncia (psiquica) (Erlebnispsychologie) 
nao a uma fenomenologia do tempo vivido ou do espago 
vivido, mas a fenomenologia transcendental "248 . Trata-
-se, na verdade, de se situar no nivel do que Binswanger 
Husserl chamam de "pressuposicao transcendental", 
ou seja, no nivel da "confianga transcendental" que nos 
remete a essa Urdoxa, a essa fe primordial, que neutraliza 
ou suspende a epokhe e que se encontra espontaneamente 
nadificada na esquizofrenia249 e fortemente alterada no dis-
turbio maniaco-depressivo. Binswanger parte de uma frase 
da LOgica formal e logica transcendental que ele ja tinha 
citado em seu trabalho sobre A fuga em direcei o as ideias; 
de 1933: "o mundo real reside apenas na pressuposicao 
constantemente prescrita de que a experiencia continuara 
constantemente a se desenrolar segundo o mesmo estilo 
constitutivo"258. Desse modo, a consci6ncia de realidade 
repousa sobre uma pressuposicao ou expectativa de uma 
identidade de estilo constitutivo da experiencia, isto é, sobre 
postulado da persistencia da correlagao entre o que se 
apresenta no mundo e o que é antecipado pela consciencia - 
noutros termos, talvez mais claramente heideggeriano e que 
Binswanger nao usa - entre o horizonte de mundo projetado 
e o ente que aparece nele, entre a estrutura ontolOgica da 
existdncia e seu contetdo antic°. Nao é nenhuma surpresa 
constatar que as falhas de tal "confianca transcendental", 
falhas essas que poem em questao a consequencia ou a 
continuidade da experi8ncia nas psicoses, concernem de 
modo essencial a forma temporal dessa mesma experiencia 
no seu proprio engendramento: se, de modo penetrantt, 
Ibid., p. 23. 
Ibid., p. 22. 
1,) 250. Ibid. 
a producao da experiencia se ve aniquilada nesse "fim do 
mundo" que vive o esquizofrenico, muito parecido corn 
aquele descrito por Husserl no § 49 das IdelaY", ela se ve 
tambem profundamente alterada no sentido daquilo que 
Szilazi chama de "relaxamento da trama" da organizacao 
estrutural transcendental da experiencia na mania e na 
melancolia que constituem, assim, segundo Binswanger, 
dois tipos diferentes de alteracoes da estrutura temporal 
intencional. 
Binswanger apresenta a melancolia e a mania como 
falhas diferentes da constituigao tempora12.2, a melancolia 
"urdindo" ou "organizando" a retencao corn a protencao2" de 
maneira tao "relaxada" que nao chega a alcancar o presente, 
ao passo que, corn relagao ao maniaco, esse relaxamento 
da estrutura temporal se caracteriza, ao contrario, pelo de-
saparecimento de toda retencao e protericifto, e pelo fato de 
ele viver apenas na "momentaneidade". Tal caracterizacao 
da diferenca entre mania e melancolia como diferenca de 
temporalizacao poderia, como nota Binswanger, conduzir a 
uma analise existencial dessas psicoses, nos moldes da que 
conduz Tellenbach a respeito da melancolia. Os trabalhos 
de Tellenbach, que publicaria seu livro sobre A melancolia 
em 1961, urn ano depois de Melancolia e Mania, evocam 
muito o prOprio trabalho de Binswanger254. No entanto, 
Tellenbach nao faz nenhuma diferenciactio essencial entre 
Schwermut, o humor sombrio existencial, e a melancolia 
no sentido clinico do termo. Binswanger nota que a con-
cepcao que ele sustenta em seu livro a "diametralmente 
oposta aquela de Tellenbach"735. Isso porque Verstimmung 
ou distimia, isto é, a alteragao do humor que se torna 
E necessario esclarecer que o que Husserl chama nesse § 49 de 
adestruicilo do mundo" nao é o desparecimento dele, mas a generalizacao 
do conflito interno a experiencia singular e a ausencia de coerencia do 
encadeamento dele. 
Ibid., p. 115. 
0 termo em frances 8 protention. Trata-se de um neologismo que 
tem como base o termo retention, (retencao), cuja etimologia remete ao 
verbo latino retineo (reter) (N.T.). 
Ibid., p. 54. 
Ibid., p. 115. 
90 91 
sombria no sentido da tristeza do melancolico, nunca se 
deixa compreender, segundo Binswanger, a partir da dis-
posicao efetiva ou do existencial que Heidegger chama de 
Befindlichkeit2,.. Segundo ele, a alteragao e mais profunda: 
nao se trata de uma alteracao da temporalizacao, isto é, 
do "jogo" reciproco das ekstases temporais entre elas, mas 
de uma alteragao da constituicao temporal aprioristica, da 
intencionalidade constitutiva de seu terra atual, de seu 
Woraber52 que, porem, nunca é redutivel a urn presente 
pontual. Esta é a razao pela qual a distimia melancolica 
nao é a origem da melancolia, mas, ao contrario, é sua 
expressao258. 0 distUrbio geral da temporalizacao repousa, 
entao, no relaxamento geral da sintese temporal, de seus 
"fins de trama", cujo estilo proprio a melancolia é o da 
perda, precisamente porque, como veremos, a protencao 
esta infiltrada de momentos retentivos ou, noutros termos, 
o futuro e percebido como ja realizado, independentemente 
dos desmentidos que a experiencia real possa trazer259. 
Distinguir o humor sombrio existencial da melan-
colia no sentido clinico é essencial para o objetivo buscado 
aqui por Binswanger no sentido metodologico: pois seu 
trabalho reside "na busca de um metodo, de uma via que 
permita abordar a essencia das modificagOes de humor 
melancolico e maniaco como tais e sua antinomia, a es-
sencia e nao apenas a intensidade dessas modificacOes"252. 
Essa distingao feita entre a essencia e a intensidade, e 
que recupera aquela feita entre o intencional e o existen-
cial, é ela mesma problematica, ja. que Binswager parece 
estar dizendo aqui que considerar a melancolia como 
urn distUrbio da Befindlichkeit significa considers-la do 
ponto de vista da intensidade afetiva e nao do ponto de 
vista estrutural da relacao corn o objeto, doWoraber. A 
esse respeito pode-se perguntar se o "retorno a Husserl" 
que é assim esbocado na ultima fase de seu trabalho 
Ibid., p. 39. 
Ibid., p. 31. 
Ibid., p. 51. 
Ibid., p. 50. 
I J 	260. Ibid., p. 116. 
nao advern de uma compreensao inadequada do carater 
"estrutural" dos existenciais do Dasein. Isso iria, alias, 
no mesmo sentido das criticas de Heidegger a aplicagao 
binswageriana da analitica do Dasein a psiquiatria, como 
a de que ela se mantern no simples nivel "existenciario", 
porque Binswanger compreendeu de modo radicalmente 
equivocado o que constitui o carater essencial do Dasein, 
a saber, a compreensao de ser, para considerar apenas 
seu ser-no-mundo, isto e, sua facticidade, ja que ele tinha 
falhado em compreender essa facticidade a. luz daquela 
compreensao. E, de fato, a compreensao de ser ou, para 
dize-lo mais concretamente, empregando a palavra de 
Aristoteles, o fato de que o Dasein é de algum modo urn 
ente251, aberto aos entes e coimplicado no ser que die lhes 
reconhece, que o impede de ser definido como uma simples 
interioridade, e nao o contrario, a ausencia de interioridade, 
que o abre ao ser em geral. E isso porque as estruturas 
de sua existencia, os existenciais, sao ao mesmo tempo 
aquelas da constituicao dos entes mesmos. No entanto, 
tern-se a impressao de que Binswanger volta a Husserl, 
para alem da existencia, para se assegurar de uma tomada 
da "realidade", uma realidacle que, entretanto, the escapou. 
E verdade que inicialmente Binswanger apresenta a 
mania menos como urn distUrbio da constituicao temporal 
que como uma falha da co-apresentagao262, porque ela se 
caracteriza, aparentemente, pela falha da estrutura inten-
cional do ego e do alter ego, como o manifesta a declaragao 
de Olga Blum, paciente de Binswanger, cujo caso é exa-
minado aqui. Nessa declaragao, Olga explica que "ela esta 
muito feli7 que Goethe tenha vivido antes dela, se nao, ela 
teria de escrever tudo aquilo"252. Tal declaragao supoe uma 
queda do nivel constitutivo da relacao intersubjetiva, que se 
poe aqui no nivel da coisidacle, cuja propriedade mais intima 
Aristateles, Peri Psyches, 431 b 21. Essa passagem é citada por 
Heidegger em Stre et temps, p. 37 (14), 
0 termo em frances é appresentation, traducao inicialmente de 
Paul Ricoeur para o termo alemao usado por Husserl Appresentation. Na 
traducao de Meditacaes cartesianas de Husserl, Maria Goreti Lopes e Souza 
traduz o termo por co-apresentacao. Seguimos a traducdo de Lopes e Souza. 
Ibid., p. 100. 
e a substituibilidade, a intercambiabilidade indiferenciada, 
manifestando a dissolugao dos liames constitutivos no 
maniaco que se volta, assim, na diregao do descuido. E 
necessario, porem, delinear essa oposigao entre mania e 
melancolia, pois, na melancolia tambem, o papel do prOximo 
é nivelado, mesmo suprimido, deixa claro Binswanger, e 
nao ha aqui possibilidade de relagao autentica corn o outro. 
Para o melancolico, sublinha Binswanger, "o outro é antes 
de tudo o destinatario de suas queixas infatigavelmente 
repetidas, o ouvinte passivo de suas autorreprovagoes, 
de seus medos e de suas angustias264. E se o maniaco se 
dirige em seguida, diferentemente do melancolico, para o 
alter ego, a necessario perceber que o que sua constitui-
gao do alter ego tem de falho nao pode ser compreendido 
senao a partir daquilo que a estrutura constitutiva de seu 
proprio ego tern de falho. E, portanto, necessario, em vez 
de se permanecer numa concepgao da melancolia e da 
mania compreendida como uma simples oposigao entre 
introversao e extroversao, determinar a diferenga entre 
elas como sendo de essencia eminentemente temporal e 
nao como estabelecendo originariamente uma alteragao 
da relagao corn o outro. Compreende-se, a partir dai, que 
Binswanger ressalte que 	onde falamos de uma falha 
da co-apresentagao, trata-se naturalmente, como na falha 
da presentagao (prOpria a melancolia), de urn momento 
de temporalizagiio. Do mesmo modo que uma presentacao 
nao é possivel sem apoio sobre os momentos retentivos 
e protentivos, assim tambem uma co-apresentagao nao é 
possivel sem esses apoios"265. 
A co-apresentagao de si mesmo ou do alter ego 
se funda, entao, na estrutura temporal fundamental que 
conjuga retengao e protengao. Consequentemente, é ela 
que a preciso inicialmente elucidar. Ainda que Binswanger 
se baseie, sobretudo, na obra de Szilazi, Introduction a la 
phenomenologie de Edmund Husserl (Introducao a fenome-
nologia de Edmund Husserl), urn livro de 1959266, urn livro 
Ibid., p. 71. 
Ibid., p. 102. 
Ibid., p. 22. 
que trata desse assunto, ele aponta para as Lecons sur la 
phenomenologie de la conscience intime du temps (Licoes 
sobre a fenomenologia da consciencia intima do tempo) de 
1905 267, curso editado em 1928 por Heidegger que ye ai 
"uma acentuagao do carater intencional da consciencia"268, 
expressao retomada em parte pelo pr6prio Binswanger 
que fala a respeito do mesmo curso de "esclarecimento da 
intencionalidade em seus fundamentos". 0 que é tratado 
nesse curso, na verdade, é a constituigao dos "objetos tern-
porais" (Zeitobjeckte), que, em oposigao ao objeto espacial, 
sao intrinsecamente determinados pelo tempo, como é o 
caso da melodia, e isso exige que eles se situem no tempo 
puramente imanente e que se ponha entre parenteses o 
tempo objetivo da natureza269, do qual é impossivel partir 
para elucidar a essencia do tempo. Trata-se, entao, para 
Husserl, de reiterar o gesto filosofico mais fundamental, 
aquele da redugao de todo o transcendente, de todos os 
fatos, para fazer aparecer o puro fenOmeno do tempo: "a 
coisa real, o mundo real, nao sao um Datum fenomenolO-
gico, menos ainda 8 urn Datum fenomenolOgico o tempo do 
mundo, o tempo coisal, o tempo da natureza no sentido 
das ciencias da natureza, nem, consequentemente, o da 
psicologia enquanto ciencia da natureza que tem por objeto 
o psiquiconva. 0 que é urn Datum fenomenologico e unica-
mente a vivencia (Erlebnis) na qual aparece o temporal: 
"sac Data fenomenologicos as apreensoes de tempo, as 
vivencias nas quais aparece o temporal no sentido objetivo 
(...). De modo nenhum, porem, isso e o tempo objetivo. A 
analise fenomenolOgica nap permite encontrar nenhum 
resquicio sequer de tempo objetivo"271. De acordo corn 
esses textos, Binswanger tambem marca claramente o 
estatuto transcendental e nao psicolOgico da investigagao 
Ibid., p. 31. 
Ibid., E. Husserl, Lecons pour une phenomEnologie de la conscience 
intime du temps, trad. Fr. H. Dussort, Paris, PUF, 1964, Consideragoes 
previas do editor, p. XII. 
Ibid., §1. 
Ibid., p. 6-7. 
Ibid., p. 9. 
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fenomenolOgica: "A ciencia que trabalha corn esse metodo 
nao é uma (psicologia da experiencia intima", nao é uma 
psicologia vivida (psiquica) (Erlebnispsychologie) e nao é 
uma fenomenologia do tempo vivido ou do espaco vivido, 
mas apenas a fenomenologia transcendental"7,2. 
E sobre a base de tal epokhe do tempo objetivo 
que pode aparecer a estrutura temporal fundamental que 
Husserl representa em seu famoso diagrama do tempova. 
Porque, para isso, e necessario empreender uma analise 
mais "profunda" que aquela da "psicologia descritiva" cara 
a Brentano, a qual compreende a consciencia do tempo 
a partir da "associagao" do passado e do presente por 
intermedio da imaginagao, ao passo que, para Husserl, 
trata-se de fazer aparecer a retenceio continua do passado 
no presente, retengao essa que Husserl chama de "lem-
branga primaria" por oposigao a lembranga secundaria 
que é a rememoragdo, a qual supoe um passado evocado 
no presente e nao simplesmente retino nele, como é o caso 
na percepgao "estendida" descrita por Husserl no §8 de 
suas Licoes: "Eliminamos agora toda apreensao e toda tese 
transcendental, e pegamos o som como puro dado hileti-
co. Ele comega e cessa, e toda unidade de sua

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