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TEMA: A CONSTRUÇÃO DA IDEIA DE DIREITOS HUMANOS: AS LUTAS DA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA E OS DIREITOS CONSTITUCIONAIS DIREITOS HUMANOSDIREITOS HUMANOS Todos os direitos reservados à Editora Grupo UNIASSELVI - Uma empresa do Grupo UNIASSELVI Fone/Fax: (47) 3281-9000/ 3281-9090 Copyright © Editora GRUPO UNIASSELVI 2011. Proibida a reprodução total ou parcial da obra de acordo com a Lei 9.610/98. Rodovia BR 470, km 71, n° 1.040, Bairro Benedito Caixa postal n° 191 - CEP: 89.130-000. lndaial-SC Fone: (0xx47) 3281-9000/3281-9090 Home-page: www.uniasselvi.com.br Direitos Humanos Centro Universitário Leonardo da Vinci Conteudista Thiago Rodrigo da Silva Reitor da UNIASSELVI Prof. Hermínio Kloch Pró-Reitora de Graduação a Distância Prof.ª Francieli Stano Torres Pró-Reitor Operacional de Ensino de Graduação a Distância Prof. Hermínio Kloch Diagramação e Capa Eloisa Amanda Rodrigues Revisão: José Roberto Rodrigues Copyright © Editora GRUPO UNIASSELVI 2012. Todos os direitos reservados. 1A Construção da Ideia de Direitos Humanos: As Lutas da Sociedade Civil Organizada e os Direitos Constitucionais 1 INTRODUÇÃO Direitos Humanos deixou de ser uma carta de proposição e passou a se transformar em um conceito fi losófi co-jurídico. Este é um dos principais motivadores a pontuar certas perspectivas normativas no mundo ocidental no que tange aos direitos das minorias (sociais, culturais, étnicas, etc.) e pessoas em situação de risco social. O princípio básico da Declaração Universal dos Direitos Humanos é que todo ser humano é igual. Esta foi a grande novidade imposta pela declaração de direitos. Todavia, podemos traçar alguns antecedentes históricos que explicam a construção do conceito de direitos humanos. Um conceito formado na história do Ocidente, em suas tensas relações com os povos de culturas distintas daquelas de raiz greco-romana. Os principais conceitos utilizados no mundo ocidental, no que tange ao direito e à política, são de inspiração greco-romana. A ideia de cidadania, a exemplo das ideias de política e república, possui esta origem. Porém, as sociedades da antiguidade clássica não são exemplos de direitos igualitários entre todos os seres humanos. A escravidão era a base de toda a produção econômica. Assim, a desigualdade era profunda em sociedades altamente hierarquizadas. O poder máximo era o do chefe de família, extremamente respeitado na Roma Antiga. Este poder chegava ao ponto de um pai poder matar seu fi lho, sem ser importunado legalmente por tal atitude. O cristianismo, surgido no interior da sociedade romana, foi uma das primeiras ideologias a pregar uma igualdade inerente a todos os seres humanos. As pregações de Jesus, em sua utopia de paz, amor e solidariedade entre as pessoas, foram amplamente divulgadas. Segundo as palavras do apóstolo Paulo: “Destarte, não pode haver nem judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gálatas: 3: 28). Em outras passagens, o apóstolo dos gentios afi rma ser a Igreja um único corpo, cuja cabeça é Jesus Cristo (Coríntios: 12: 27). No cristianismo primitivo, uma noção de igualitarismo entre os membros de mesma fé foi uma tônica. Tônica que se transforma com algumas ideias de teólogos dos séculos IV e V, que pregavam que fora da igreja não haveria salvação. “Aos poucos, o carisma religioso igualitário cedeu espaço para a construção de uma sociedade fundamentada na ideia de uma natureza desigual dos indivíduos” (GOMES, 1997, p. 3-60). A sociedade medieval e moderna, de profunda inspiração em ideologias do cristianismo ocidental, tinha como princípio fundamental que todos os indivíduos são naturalmente diferentes. Esta noção era tradicionalmente mantida através de uma sociedade estamental. Isto é, o Copyright © Editora GRUPO UNIASSELVI 2012. Todos os direitos reservados. 2 Direitos Humanos status conferido pelo nascimento garantiria aos indivíduos uma posição fi xa na sociedade. Havia os oratores, bellatores e laboratores. Isto é, os sacerdotes religiosos (padres e freiras), os nobres guerreiros, além dos servos. Neste tipo de organização social, denominado como feudal ou patrimonialista, a relação entre os indivíduos não é a de portadores de direitos, mas sim de portadores de deveres. Os deveres não eram perante a lei, mas perante o seu superior hierárquico na sociedade. Assim, os castigos físicos e as humilhações várias ocorriam entre mestres e aprendizes nas escolas e corporações de ofício, entre acadêmicos e professores nas universidades, entre maridos e esposas ou entre pais e fi lhos nos lares. A sociedade do Antigo Regime, também denominada Sociedade Estamental ou Feudal, foi uma forma de organização social na qual as barbáries poderiam ocorrer. A escravidão, que inicia no começo da expansão ibérica (portuguesa e espanhola) para o sul da península e posteriormente para a África, acabou por ser uma extensão das ideias e práticas europeias para outras regiões do mundo (DOYLE, 1991). FIGURA 1 – CRISTIANISMO FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Cristianismo>. Acesso em: 2 out. 2012. A Reforma Protestante e a Descoberta da América foram eventos responsáveis por um início de transformação nas sensibilidades dos homens no Ocidente. A Reforma Protestante teve como um de seus princípios a ideia de sacerdócio universal dos seres humanos (DELUMEAU, 1989). Isto é, todos os cristãos tinham condições de entender o que estava escrito na Bíblia. Com isto, todos devem ser dignamente tratados e alfabetizados, para que possam viver de acordo com os ditames do Evangelho. Durante o processo de descoberta e conquista da América se desenvolveu a chamada Escolástica Ibérica Quinhentista, na qual os autores se esforçaram por compreender e defender o direito dos indígenas. Estudiosos como Francisco de Vitória, além Copyright © Editora GRUPO UNIASSELVI 2012. Todos os direitos reservados. 3A Construção da Ideia de Direitos Humanos: As Lutas da Sociedade Civil Organizada e os Direitos Constitucionais do frei Bartolomeu de Las Casas, defendiam o chamado direito dos gentios. Isto é, o direito dos povos que não são cristãos. Em grande parte, as teorias elaboradas pelos teólogos em muito pouco foram postas em prática no processo de conquista americana, pois a intolerância foi uma das marcas do verdadeiro genocídio que vitimou as populações ameríndias. Podemos compreender estas ações como representantes de um período da história do mundo conhecido como Absolutismo. Isto é, um tempo no qual o poder da nobreza era absoluto. O poder absoluto era legitimado pela religião. Não somente em teóricos como Jean Bodin, que em O poder real segundo as sagradas escrituras afi rmava ser o rei um enviado de Deus, como as relações cotidianas dos indivíduos eram regidas pelos ditames da fé cristã. Com o Iluminismo, em meados do século XVII e no Século XVIII, considerado o Século das Luzes na França, outros ideais passaram a permear os imaginários. A ideia de um mundo no qual os ditames sociais e morais não seriam ditados pela religião, mas sim pelo poder do Estado, foi a principal formulação dos fi lósofos iluministas. Voltaire, no livro Tratado sobre a tolerância, no qual criticava os costumes sociais que diferenciavam católicos e protestantes. Montesquieu, em O Espírito das Leis, pode ser considerado como um dos principais formuladores de limites ao poder real. Sua principal formulação é o conceito de um poder tripartite, composto pelo Legislativo, Executivo e Judiciário. Outra formulação iluminista importante é que todo o poder emana do povo, e por ele deve ser exercido (CORVISIER, 1976, p. 368-374). FIGURA 2 – VOLTAIRE FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Voltaire>. Acesso em: 2 out. 2012. Copyright © Editora GRUPOUNIASSELVI 2012. Todos os direitos reservados. 4 Direitos Humanos Não somente os iluministas, como também os socialistas no século XIX, passaram a ter uma visão crítica do mundo e da realidade social. Pois, na Europa, estava se processando a Revolução Industrial, situação na qual milhares de homens, mulheres e crianças trabalhavam em fábricas insalubres, instaladas nas poluídas cidades, além de contar com péssimos salários. Owen, Charles Fourrier, Sant-Simon, além de Karl Marx e Engels, foram os principais formuladores de propostas nas quais os trabalhadores poderiam viver com maior conforto e dignidade. Os socialistas não eram os únicos a pleitear uma vida com maior dignidade no mundo da Revolução Industrial. As igrejas cristãs tinham também uma política clara de tentativa de solucionar os problemas da sociedade. Nos países protestantes eram comuns os pastores do proletariado. Nos países de maioria católica surgiram movimentos como a Juventude Operária Católica, fundada pelo Monsenhor Cardjam, na Bélgica. Todavia, a encíclica papal Rerum Novarum, de autoria do pontífi ce Leão XIII, foi uma das principais oposições dos cristãos católicos à exploração do homem pelo homem na sociedade capitalista (PIERRAD, 2002, p. 238-280). No século XX, as ideias sociais se transformaram com a Revolução Russa de 1917 (HOBSBAWN, 2000). Pois, a partir daquele momento, um Estado se afi rmava portador de uma nova forma de organização social, baseada no igualitarismo através da Ditadura do Proletariado. Contudo, a ditadura do proletariado acabou por se transformar em uma ditadura na qual os funcionários da burocracia do Estado soviético se apossaram do papel desenvolvido pela burguesia na exploração econômica do trabalho humano. Os diversos crimes cometidos por Joseph Stalin, líder máximo da revolução e que punia seus adversários de formas cruéis, como pena de morte e degredo na Sibéria, foram uma triste prova de que o materialismo-dialético marxista não foi efi caz em estabelecer justiça social para os homens e as mulheres. No século XX, outros ideais sociais permearam a defesa de direitos dos homens. As igrejas cristãs continuaram a desenvolver ideários de solidariedade. Porém, o principal fator para a constituição do conceito de direitos humanos foi o amplo desenvolvimento das ciências humanas. Pois o desenvolvimento das ciências sociais permitiu às sociedades humanas uma maior consciência das formas com as quais as estruturas organizacionais e institucionais se desenvolvem e podem ser aprimoradas. Copyright © Editora GRUPO UNIASSELVI 2012. Todos os direitos reservados. 5A Construção da Ideia de Direitos Humanos: As Lutas da Sociedade Civil Organizada e os Direitos Constitucionais 2 A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DIREITOS HUMANOS COMO RESULTADO DAS LUTAS DA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA Podemos entender a sociedade civil organizada como um conceito sociológico criado pelo sociólogo italiano Antônio Gramsci, intelectual que viveu no início do século XX e perseguido pelo fascismo. “O objetivo deste conceito é compreender a importância de associações criadas pelos indivíduos como possibilidade de representação da sociedade perante o governo” (BOBBIO, 2003, p. 33-52). Associações criadas para a defesa das crianças, dos animais e das mulheres conquistam respeito e simpatia por parte dos órgãos do Estado, e por vezes são responsáveis pela melhora da vida da população. Grupos de representação organizados muitas vezes tiveram maior efi ciência que os partidos políticos e as “vanguardas de esquerda” na transformação social. Todavia, os grupos organizados tiveram as mais distintas infl uências em seu ideário. Pois a construção do conceito de direitos humanos passa por vários e distintos ideais. O pensamento cristão, o iluminismo, as ideias socialistas e liberais infl uenciaram as sensibilidades na construção do conceito. Porém, outro dado importante foram os mais distintos movimentos sociais que questionaram a exploração e aviltamento da dignidade dos seres humanos. Podemos citar o movimento abolicionista, o movimento sufragista, o movimento pelos direitos das crianças e das mulheres, como principais motivadores. O movimento abolicionista ganhou corpo no Ocidente a partir do século XIX, quando importantes nações (em especial a Inglaterra) encamparam esta luta como uma política nacional a ser imposta a outros países. O surgimento do abolicionismo inglês data ainda do século XVIII, no interior de igrejas protestantes, em especial os Quakers e Metodistas. Uma das acusações de alguns países era a de que o movimento abolicionista inglês não desejava apenas a promoção humana, mas sim a expansão de assalariados, futuros consumidores dos produtos produzidos na Grã-Bretanha. Independente das motivações, foi uma importante pressão política a realizada por ingleses, inclusive para a extinção da abolição em nosso país (CARVALHO, 2009, p. 83-84). O movimento sufragista foi muito forte em diversos países do mundo nas primeiras décadas do século XX, em especial nos anos posteriores à Primeira Guerra Mundial. Tratou-se da luta das mulheres pelo direito de voto. Esta luta por participação política é uma extensão da ideia democrática no Ocidente. O direito de votar e de participar de eleições foi conquistado paulatinamente em diversos países ocidentais. Após a Segunda Guerra Mundial, praticamente todos os países ocidentais já haviam concedido o direito às mulheres. Copyright © Editora GRUPO UNIASSELVI 2012. Todos os direitos reservados. 6 Direitos Humanos FIGURA 3 – DIREITOS FEMINISTAS FONTE: Disponível em: <http://rentfrockrepeat.com/site/2012/03/08/international- womens-day-2012/suff ragettes/>. Acesso em: 2 out. 2012. O movimento pelo direito das crianças se originou ainda no século XIX. Porém, até a segunda metade do século XX o trabalho infantil era uma tônica no mundo capitalista. As crianças trabalhavam em condições aviltantes, e, com suas mãos e corpos pequeninos, eram as prediletas para encargos nos quais os adultos tinham difi culdades, como na limpeza de chaminés, além de algumas máquinas das linhas de produção têxtil e automotivas. Somente nas décadas fi nais do século XX o trabalho infantil começou a ser duramente combatido, pois o trabalho era considerado até mesmo saudável, por ser portador de valores morais positivos. Todavia, a ideia básica que hoje permeia as legislações nos mais variados países é a de que o lugar de criança é na escola. Sendo inclusive os pais penalizados caso as crianças venham a ter sua mão de obra explorada. Os movimentos sociais são um dos principais motivadores para a conquista de direitos humanos e sociais, tanto no Brasil como ao redor do mundo. 3 DE UM CONCEITO SOCIOLÓGICO AO CONCEITO JURÍDICO: DIREITOS HUMANOS E LEGISLAÇÃO BRASILEIRA A Declaração Universal dos Direitos Humanos se relaciona de forma íntima com a política externa brasileira, pois foi na presidência de um brasileiro como secretário-geral das Nações Unidas, o chanceler Oswaldo Aranha. Copyright © Editora GRUPO UNIASSELVI 2012. Todos os direitos reservados. 7A Construção da Ideia de Direitos Humanos: As Lutas da Sociedade Civil Organizada e os Direitos Constitucionais Porém, a construção de noções e de direitos humanos no Brasil foi o resultado de diversas lutas sociais. Uma das primeiras leis que envolveram a dignidade da pessoa humana no Brasil foi a Lei Afonso Arinos. Datada de 1951, considera o racismo crime inafi ançável. Outras leis foram paulatinamente criadas, porém, a grande marca da materialização do conceito de direitos humanos como um dispositivo legal no Brasil foi a Assembleia Nacional Constituinte de 1988. As constituições brasileiras após a independência de Portugal foram expressões dos tempos nas quais foram escritas. A primeira Constituição data de 1824, e foioutorgada, isto é, imposta, pelo Imperador D. Pedro I, tendo durado por todo o período imperial. Durante a República, o Brasil conviveu com vários textos constitucionais: 1891, 1934, 1937, 1946, 1967/69, 1988. Destas várias constituições, as de 1934, 1946 e 1988 foram as mais democratas, pois o texto constitucional foi fruto de uma assembleia nacional constituinte, sendo a última promulgada após a Declaração Universal dos Direitos Humanos existirem enquanto carta da ONU. Estas se materializaram em leis que compõem a Constituição Cidadã, promulgada por uma Assembleia Nacional Constituinte em 1988, sendo um marco como forma de manutenção da democracia no Brasil. Com a liderança de Ulisses Guimarães, político que se destacou na oposição à ditadura militar no Brasil, a Constituição brasileira incorporou diversos conceitos de direitos humanos internacionalmente reconhecidos, além de em alguns casos ser mais avançada que a legislação internacional. A educação, a saúde, a família e o trabalho são direitos constitucionais no Brasil. Assim como existem leis específi cas para garantir direitos e deveres aos menores de idade, às mulheres, aos idosos e aos defi cientes físicos. Os movimentos sociais foram os principais vetores para que o conceito de diretos humanos conseguisse penetrar no Brasil da atualidade. Copyright © Editora GRUPO UNIASSELVI 2012. Todos os direitos reservados. 8 Direitos Humanos FIGURA 4 – FESTA NO PLENÁRIO DO CONGRESSO EM COMEMORAÇÃO À PROMULGAÇÃO DA CONSTITUINTE FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Ficheiro:Promulga%C3%A7%C3%A3o-Constitui%C3%A7%C3%A3o-1988.jpg>. Acesso em: 2 out. 2012. 4 AS IMPLICAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL As implicações dos direitos humanos não ocorrem somente em casos extremos, como em guerras ou nas maiores calamidades públicas. Podemos observar as mais distintas implicações dos direitos humanos nas mais cotidianas ações, a exemplo de variadas formas que a Carta de 1948 relaciona com o nosso cotidiano. Na arguta observação feita pelo então representante da Unesco no Brasil, Jorge Werthein, em 1998, quando se comemoravam os 50 anos da Carta de 1948: O conjunto dos direitos humanos constitui um rol inesgotável de direitos e garantias fundamentais. A garantia e realização de todo o conjunto acaba por gerar expectativas nem sempre plenamente atendidas. Nos países em desenvolvimento, as limitações políticas e dos meios econômicos tornam especialmente difícil a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais. Não se pode aceitar este valor como uma permissão para a violação desta classe de direitos. Os governos devem esforçar-se para garanti-los, na medida de suas possibilidades, gradativamente, sem retrocessos Copyright © Editora GRUPO UNIASSELVI 2012. Todos os direitos reservados. 9A Construção da Ideia de Direitos Humanos: As Lutas da Sociedade Civil Organizada e os Direitos Constitucionais e, especialmente, fazendo uso de alternativas como a parceria com a sociedade civil e a cooperação internacional. (WERTHEIN, 1998, p. 61-62) Esta visão foi em grande parte seguida pelos governos brasileiros nas duas últimas décadas. Com o fi m da ditadura militar e o restabelecimento da forma democrática de governo, mesmo com os problemas econômicos enfrentados, as sucessivas gestões presidenciais açambarcaram as temáticas pertinentes aos direitos humanos em seus programas de governo e nas políticas públicas da União. Podemos destacar alguns pontos nos quais observamos destaques e avanços, como no respeito às minorias étnicas e a diversidade religiosa brasileira, assim como a ampliação de direitos concernentes às mulheres, crianças e adolescentes. O respeito às minorias étnicas que habitam o território brasileiro, em especial os indígenas, é uma realidade em construção. Ainda existe muito preconceito contra os primeiros habitantes das terras brasileiras, além de uma falta de assistência mais intensa por parte da Fundação Nacional do Índio. Todavia, as demarcações dos territórios indígenas continuam a serem feitas. Assim como existem políticas públicas para a inclusão de negros e indígenas em algumas universidades federais. O mesmo respeito à diversidade se observa em relação à fi liação religiosa dos brasileiros. Vivemos em um país no qual a diversidade de crenças acaba por diminuir a proporção de membros da maioria religiosa estabelecida: a Igreja Católica Apostólica Romana. Porém, as minorias religiosas e a religião dominante são igualmente tratadas perante as leis do Estado Nacional Brasileiro, respeitando o artigo 18 da Declaração Universal, que garante o direito à liberdade de crença, opinião e religião. O Estado brasileiro é laico, em afi nidade com os parâmetros da declaração. A proteção social da família, da infância e da mulher, direito garantido nos artigos, está aos poucos, no Brasil, sendo adequada à realidade nacional e respeitada. Em 1985 surgiu uma legislação para as mulheres, o Estatuto da Mulher. Em 1991 foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente. Esses estatutos pioneiros foram complementados por outros que garantem direitos a outras categorias sociais, como o Estatuto do Idoso e o Estatuto da Igualdade Racial. Alguns programas governamentais, como Bolsa Família, são algumas tentativas para se possibilitar que os direitos humanos possam se ampliar a todos os cidadãos brasileiros. Copyright © Editora GRUPO UNIASSELVI 2012. Todos os direitos reservados. 10 Direitos Humanos FIGURA 5 – DIREITOS FONTE: Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fi chaTecnicaAula. html?aula=1505>. Acesso em: 2 out. 2012. Por vezes, a mídia e o pensamento conservador brasileiro, representados por alguns políticos e jornalistas, apontam os defensores dos direitos humanos como representantes de interesses estrangeiros no Brasil. Um dos principais problemas seria quando das rebeliões em presídios ou nas críticas aos métodos arcaicos de algumas polícias estaduais, que são acusadas de torturar marginais ou, mesmo, de colocar seres humanos em celas com condições degradantes à dignidade da pessoa humana. Por vezes, afi rmam existir direitos apenas para bandidos, enquanto os trabalhadores viveriam com medo devido à violência que assola as principais cidades brasileiras. Copyright © Editora GRUPO UNIASSELVI 2012. Todos os direitos reservados. 11A Construção da Ideia de Direitos Humanos: As Lutas da Sociedade Civil Organizada e os Direitos Constitucionais FIGURA 6 – DIREITOS HUMANOS FONTE: Disponível em: <http://www.direitoshumanos.com.br/>. Acesso em: 2 out. 2012. Todavia, estes argumentos conservadores partem de princípios equivocados. Pois, não são apenas para os bandidos presos ou menores em confl ito com a lei que as determinações de direitos humanos servem. Algumas medidas para os trabalhadores e chefes de família, como o seguro- desemprego e as melhoras nas condições de trabalho fabril, são algumas das principais conquistas que alguns princípios básicos da ideia de direitos humanos nos possibilitam. Assim como a ampliação dos direitos das mulheres, como as delegacias especiais e a recente Lei Maria da Penha, que coloca os agressores domésticos contra donas de casa na cadeia, é também um exemplo de conquistas de direitos humanos. Por fi m, podemos lembrar que a constante ampliação de instituições de ensino, tanto no nível superior quanto na educação básica, é também uma demonstração da importância que as noções de direitos humanos possuem na vida cotidiana dos brasileiros. Existe hoje uma ampliação de vagas tanto no ensino básico quanto no ensino superior, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996. Estes aumentos no número de matrículas são inegáveis avanços. Porém, temos muito a avançar enquanto nação na temática dos direitoshumanos. Pois, apesar do aumento de matrículas, a qualidade do ensino brasileiro ainda é modesta, visto o desempenho do Brasil perante os sistemas de avaliação internacional. A violência contra a mulher, o aliciamento de jovens para a prostituição, o tráfi co e o uso de drogas, assim como a impunidade e Copyright © Editora GRUPO UNIASSELVI 2012. Todos os direitos reservados. 12 Direitos Humanos a corrupção em todos os níveis, são importantes desafi os da ampliação da temática de direitos humanos no Brasil. Muito pode e deve ser melhorado. Porém, estas melhoras só serão possíveis com a ampla participação da população nos ditames políticos do Brasil nos próximos anos. Pois é a participação ampla da população o principal vetor da ampliação dos direitos humanos, responsável pela melhora na qualidade de vida da população brasileira. 5 OS LIMITES DO CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS: AS QUESTÕES DE GÊNERO, AS QUESTÕES AMBIENTAIS E AS GUERRAS INJUSTAS Os direitos humanos enquanto conceito apresentam hoje, no corpo social, algumas limitações. Estas poderão ser vencidas com a criação de um novo conceito, ou com a ampliação do conceito existente. As duas principais limitações da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 estão relacionadas às causas de gênero e à questão do meio ambiente. A presença da mulher no mercado de trabalho após a Revolução dos Costumes advinda na sociedade ocidental nos anos de 1960-70 alterou as relações entre homens, mulheres, idosos e crianças. Pois, uma família patriarcal com pai provedor, mãe dona de casa e fi lhos infl uenciados pela escola, pela família e pela religião está se transformando em uma instituição social em extinção. No lugar da família patriarcal clássica, outras alternativas de núcleos familiares estão presentes no mundo da pós-modernidade. As famílias alternativas, como as oriundas de relações homoafetivas, ou de casais divorciados ou de países em que a poligamia é aceita (em geral de tradição maometana), por vezes não são contempladas com a declaração de direitos, muito vaga em questões específi cas às mulheres e aos homossexuais. A mulher possui necessidades específi cas em seus direitos. Pois a declaração silencia sobre alguns aspectos, como o respeito incondicional às gestantes, além de silenciar sobre o crime de estupro, infelizmente comum nos mais distintos países, regiões e classes sociais. No dizer da antropóloga Graciela Rodrigues (1998, p. 94): O paradigma masculino do Humano implica uma hegemonia do poder patriarcal, que se expressa não só na linguagem, mas também no invisível exercício cotidiano do poder de opressão sobre as mulheres e na sutil aceitação cultural da subordinação. Considerando, então, que quando se fala em Direitos Humanos se faz referência aos direitos Copyright © Editora GRUPO UNIASSELVI 2012. Todos os direitos reservados. 13A Construção da Ideia de Direitos Humanos: As Lutas da Sociedade Civil Organizada e os Direitos Constitucionais de alguns homens (brancos, heterossexuais e com recursos econômicos) da Europa e dos Estados Unidos (o que marca o caráter eurocêntrico dos princípios), torna-se necessária e urgente uma redefi nição que possa incorporar o princípio de pluralidade e captar a diversidade das diferenças humanas. Além das questões de gênero, as questões ligadas ao meio ambiente também não são contempladas no texto. O direito de viver em um mundo livre de poluição, de ter disponível e gratuitamente água potável, por exemplo, não faz parte do repertório mínimo de direitos, mesmo sabendo- se que a água potável e o ar puro são condições básicas para a sobrevivência da espécie humana. A questão ambiental é fundamental, porém é uma das mais lamentáveis lacunas. Este silêncio da Carta pode ser explicado pelo momento em que o documento foi escrito. Nos anos 1940 era presente a ideia de um progresso ininterrupto, e a crença de que os recursos naturais eram inesgotáveis ainda permeava as consciências. Somente nos anos 1970, com o amplo desenvolvimento da microbiologia, dos estudos físico-químicos, os homens tiveram a noção clara de que os recursos da natureza podem se esgotar. A poluição dos mares, em especial das águas internacionais, fora silenciada. Outra limitação do texto é a questão das guerras injustas. O texto não aponta uma limitação clara para a declaração de guerras injustas. Os países centrais do sistema capitalista, com assento no Conselho de Segurança, por vezes decretaram ataques injustos a nações do Oriente Médio, como ocorreu nos anos 1950, quando uma coalizão militar, comandada pela Inglaterra e pela França, invadiu o Egito, sem o consentimento da ONU. Recentemente, novos ataques realizados por países ocidentais a nações no Oriente Médio, em busca de pilhar o petróleo ali existente, nos revelam o quanto seria necessário impor limites aos países possuidores de bombas atômicas em sua infi nita ganância. Copyright © Editora GRUPO UNIASSELVI 2012. Todos os direitos reservados. 14 Direitos Humanos AUTOATIVIDADE 1 Explique por que o termo “direitos humanos” pode ser considerado um conceito fi losófi co ou sociológico. 2 Explique o papel dos movimentos da sociedade civil organizada na formulação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 3 Explique por que, no Brasil, os direitos humanos deixaram de ser apenas um conceito fi losófi co ou sociológico para se transformar em direitos estabelecidos por leis. Copyright © Editora GRUPO UNIASSELVI 2012. Todos os direitos reservados. 15A Construção da Ideia de Direitos Humanos: As Lutas da Sociedade Civil Organizada e os Direitos Constitucionais REFERÊNCIAS BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: Para uma teoria geral da política. São Paulo: Paz e Terra, 2003. CARVALHO, José Murilo de. O papel das religiões: como as igrejas infl uenciaram os movimentos abolicionistas nos Estados Unidos e no Brasil. 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II. ______. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 1982. WERTHEIN, Jorge. Um marco histórico. In: ALENCAR, Chico. Direitos Mais Humanos. Rio de Janeiro: Garamond, 1998.. Copyright © Editora GRUPO UNIASSELVI 2012. Todos os direitos reservados. 16 Direitos Humanos GABARITO 1 Explique por que o termo “direitos humanos” pode ser considerado um conceito fi losófi co ou sociológico. R.: O acadêmico terá de apresentar em sua resposta uma argumentação que aponte a Carta de direitos humanos de 1948 como o resultado da formulação de diversos grupos que criticaram a exploração de alguns seres humanos sobre outros. Cristãos, socialistas, iluministas, entre outros grupos intelectuais, pregaram ao longo da história valores como respeito, igualdade e paz. 2 Explique o papel dos movimentos da sociedade civil organizada na formulação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. R.: Oacadêmico terá de apresentar em sua resposta uma argumentação que aponte a ação dos movimentos sociais. Pois estes, ao levantarem bandeiras em defesa do direito de crianças, mulheres, idosos e trabalhadores, demonstraram para a sociedade que todas as classes sociais, todos os gêneros e todas as idades merecem respeito por parte do Estado e das demais instituições sociais representantes da coletividade. 3 Explique por que, no Brasil, os direitos humanos deixaram de ser apenas um conceito fi losófi co ou sociológico para se transformar em direitos estabelecidos por leis. R.: O acadêmico terá de apresentar em sua resposta uma argumentação que aponte a importância do conceito de direitos humanos na Assembleia Nacional Constituinte, responsável por promulgar a Constituição de 1988. Além disto, é importante citar que existem no Brasil leis específicas para camadas da população que vivem em situações de maior vulnerabilidade, como idosos, crianças e portadores de necessidades especiais.
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