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PROF. JEAN CASTELO MATERIAL PARA CONCURSOS Matéria: Material para concursos 0001/09 - 1/306 direitoconstitucional TEMAS ABORDADOS EM CONCURSOS EM DIREITO CONSTITUCIONAL POSSÍVEIS MUDANÇAS NO QUE SERÁ COBRADO NAS FUTURAS PROVAS JÁ INCLUSOS. CONSTITUCIONALISMO O Direito Constitucional é um ramo do Direito Público, destacado por ser fundamental à organização e funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política. Tem, pois, por objeto a constituição política do Estado, no sentido amplo de estabelecer sua estrutura, a organização de suas instituições e órgãos, o modo de aquisição e limitação do poder, através, inclusive, da previsão de diversos direitos e garantias fundamentais. É, no conceito, o constitucionalismo um princípio, uma ideologia, que menciona o fato da limitação de poderes do governo, indispensável a dar garantias de direitos em dimensões que estruturem a organização político-social de uma comunidade. Assim, esta teoria, representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos, ou seja, juízo de valores para o desenvolvimento da teoria da democracia. Segundo o mestre Pedro Lenza, a ideia de que todo Estado deva possuir uma Constituição e de que deve conter limitações ao poder autoritário e regras de prevalência dos direitos fundamentais desenvolve-se no sentido de consagração de um Estado Democrático de Direito ( art. 1º, caput, da CF/88 ) e, portanto, de soberania popular. Assim, não há dúvidas quanto aquilo que vem exposto na Constituição Federal de que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Cumpre destacar que o antes mencionado distingue titularidade de exercício de poder. O titular do poder é o povo. Como regra, o exercício desse poder cujo titular é o povo, dá-se através dos representantes do povo, ou seja, do Poder Legislativo, senão Deputados Federais, Deputados Estaduais, Deputados Distritais, Vereadores, Deputados Territoriais O povo, portanto, desempenha o poder que possui de maneira indireta (democracia representativa), por intermédio de seus representantes ou de maneira direta, por exemplo, através de iniciativa popular, que consiste, no âmbito federal, na apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, 1% do eleitorado nacional, distribuído por, pelo menos cinco Estados, com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles. O SENTIDO DA PALAVRA CONSTITUCIONALISMO O termo constitucionalismo possui dois sentidos: • sentido amplo - é o fenômeno relacionado ao Jato de todo Estado possuir uma constituição em qualquer época da humanidade, independentemente do regime político adotado ou do perfil jurídico que se lhe pretenda irrogar; e • sentido estrito - é a técnica jurídica de tutela das liberdades, surgida nos fins do século XVIII, que possibilitou aos cidadãos exercerem, com base em constituições escritas, os seus direitos e garantias fundamentais, sem que o Estado lhes pudesse oprimir pelo uso da força e do arbítrio. Constitucionalismo em sentido amplo No primeiro sentido, a ideia de constitucionalismo logra amplitude considerável, porque se prende ao fato de que todos os Estados, seja qual for a época de evolução da humanidade, possuem uma constituição. É que a história das civilizações resume-se, até os nossos dias, no embate entre a opressão e a liberdade. Daí a busca pelo reconhecimento dos direitos fundamentais, de modo que a razão sobrepuje a força e a violência. Se é exato que esse embate culminou com a eclosão da Revolução Francesa, mais certo ainda é que os ideais de liberdade, democracia e justiça sempre foram a tônica dos reclamos contra os processos de domínio das coletividades. Por isso, sempre existiu uma norma básica para conferir poderes ao soberano. Aqui pouco importa se o documento constitucional impõe limites, ou não, aos atos de governo, se é escrito ou consuetudinário. O que interessa, apenas, é a existência, explícita ou tácita, de um conjunto de princípios, preceitos, praxes, usos, costumes etc., que ordenavam, com supremacia e coercitividade, a vida de um povo. É nessa vertente que desponta o sentido amplo de constitucionalismo, que não se confunde com aquela técnica jurídica de tutela das liberdades surgida nos fins do século XVIII e adotada pela maioria dos Estados para pôr fim ao governo absolutista. Constitucionalismo em sentido estrito Da ótica stricto sensu, o significado do constitucionalismo advém do movimento constitucionalista, que o alçou ao posto de técnica jurídica de tulela das liberdades públicas. O movimento constitucionalista teve caráter jurídico, social, político e ideológico. Jurídico, porquanto propôs a regulamentação legal do exercício do poder por intermédio da adoção de constituições escritas, cuja superioridade implica a subordinação de todos os atos governamentais aos seus dispositivos. Social, porque estimulou o povo a lutar contra a hegemonia do poder absoluto, a fim de dividi-lo, organizá-lo e discipliná-lo. Político, pois bradou contra a opressão e o arbítrio, em nome da defesa dos direitos e garantias fundamentais. Ideológico, uma vez que exprimiu a ideologia Matéria: Material para concursos 3122 - 2/306 direitoconstitucional liberalista, baseada na implantação de um governo das leis e não dos homens. Nesse particular aspecto de cunho liberal-burguês, a concepção de constitucionalismo não se restringe a limitar o poder e a garantir as liberdades públicas. Vai mais adiante, abrangendo os diversos quadrantes da vida econômica, política, cultural, social etc. Com efeito, o movimento constitucionalista apregoava que todos os Estados deveriam possuir constituições escritas, as quais funcionariam como instrumentos assecuratórios dos direitos e garantias fundamentais. O marco do seu apogeu foi o fim do século XVIII, em oposição ao absolutismo O Ancien Régime. Enquanto o Antigo Regime previa a concentração do exercício do poder nas mãos da monarquia, o constitucionalismo, pelo contrário, defendia a divisão do poder. Esse é o sentido mais comum e usual da palavra constitucionalismo. Nesse particular, salientou Nicola Matteucci: "A definição mais conhecida de constitucionalismo é a que o identifica com a divisão do poder ou, de acordo com a formulação jurídica, com a separação dos poderes. A favor desta identificação existe um precedente assaz respeitável, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que tão grande influência havia de ter nas mudanças constitucionais da Europa no século XIX" (Dicionário de política, v.1 , p. 248). Realmente, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 proclamou em seu art. 16: "Toda a sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos, nem determinada a separação dos Poderes, não tem constituição". O constitucionalismo é uma técnica jurídica de tutela das liberdades, porquanto engloba um conjunto de normas, instituições e princípios constitucionais positivos, depositados em constituições escritas, a exemplo do direito à vida, à igualdade, à dignidade, ao devido processo legal, e tantos outros vetores relacionados à mecânica dos direitos humanos fundamentais. Nos fins do século XVIII, o constitucionalismo tinha o objetivo de limitar o poder despótico, mediante o estabelecimento de regimes constitucionais. Regimes constitucionais no sentido de se consagrar, nas constituições, os limites do poder dos governantes, pelo reconhecimento dos postuladossupremos da personalidade humana, consectários da igualdade, da fraternidade, da legalidade, da liberdade e da democracia. A necessidade de proteger, no plano constitucional positivo, os direitos fundamentais, como a liberdade de locomoção, a liberdade de manifestação do pensamento, a liberdade de imprensa, a liberdade de culto religioso, dentre inúmeras liberdades públicas, foi a justificativa para a deflagração do constitucionalismo. Não faremos uma abordagem ampla acerca da evolução do constitucionalismo, mas trataremos aqui apenas daquilo retratado nos textos anteriores, senão dos meados do século XVIII, que foi definido como Constitucionalismo Moderno bem como o Neoconstitucionalismo. Como movimento jurídico, político e cultural, o constitucionalismo só adquiriu consistência no fim do século XVIII, com o fortalecimento de certos princípios, que passaram a ser adotados pela maioria dos Estados, sob a forma de declarações de direitos e garantias fundamentais. Nessa época, o povo dizia que havia um tesouro enterrado numa ilha. A riqueza que nele se continha era a happy constitution, ou seja, uma constituição feliz, afortunada, que transformaria a sociedade patriarcal e imperialista num celeiro de alegria, onde rodos seriam iguais, livres e bem-aventurados. A partir de então, a ideia de constitucionalismo ficou associada à necessidade de rodo Estado possuir uma constituição escrita para frear o arbítrio dos Poderes Públicos. Por último, vale observar que o período do constitucionalismo moderno coincide com a fase do pós-positivismo jurídico, por alguns chamado de neopositivismo, que promoveu a superação do normativismo exacerbado. A partir da segunda metade do século XX, questões de cunho ético passaram a ser discutidas, rompendo os grilhões do conhecimento convencional, que procurava reduzir o Direito à sua dimensão absolutamente normativa. Noções: • Positivismo - esta palavra deriva do latim positum, que significa posto, firma do, situado, observado, experimentado. O movimento positivista granjeou enorme prestígio em todo o mundo, nas diversas áreas da cultura e do saber, sempre proclamando a importância dos métodos experimentais e advertindo para as limitações da filosofia racionalista. O nome positivismo surgiu em 1830, na Escola do socialismo utópico de Saint-Simon ( 1760-1825). Desenvolveu- se, ganhando notável projeção com Augusto Comte, considerado o pensador protótipo do movimento, principalmente na França. • Neopositivismo - Positivismo Lógico, Filosofia Analítica, Empirismo Contemporâneo, Empirismo Lógico, ou, simplesmente, Neopositivismo, são os nomes que equivalem a uma corrente de pensamento que surgiu em Viena, na segunda década do século XX. Filósofos, físicos, matemáticos, sociólogos, psicólogos, lógicos e juristas se encontravam no Círculo de Viena para debater problemas ligados ao conhecimento científico. Discutiam, pois, Filosofia das Ciências, em última análise, Epistemologia Geral - teoria crítica voltada para o estudo dos conceitos básicos, com vistas à busca de resultados concretos. Mantinham um grupo harmônico, em que o colóquio de alto nível se nutria em clima de cooperação intelectual. Além de se ocuparem com a análise dos Matéria: Material para concursos 3122 - 3/306 direitoconstitucional princípios basilares do saber científico, os neopositivistas lógicos esmiuçaram a Semiótica - teoria geral dos signos linguísticos, que abrange todo e qualquer esquema de comunicação, desde os mais primitivos e singelos aos mais avançados e complexos. Daí deflui o traço marcante do Neopositivismo: a preocupação que atribuem à linguagem, tida como o instrumento indispensável ao saber científico. Em nossa opinião, o grande contributo do Neopositivismo para o Direito Constitucional foi deixar a mensagem de que não há linguagem quimicamente pura, em qualquer dos planos por onde percorra (sintático, semântico ou pragmático). Daí as imprecisões, ambiguidades e contradições nos artigos, incisos e alíneas das constituições, muitas vezes dissociados de uma visão rigorosa e sistemática do mundo. • Pós-positivismo jurídico - movimento que atribui importância aos princípios do Direito, e não somente às leis. Trata-se de uma designação provisória e genérica, que procura transmitir um ideário difuso, que busca definir as relações entre valores, princípios e regras. Parte da premissa de que, desde o constitucionalismo moderno ao início do constitucionalismo contemporâneo, começou a surgir uma nova hermenêutica constitucional, uma nova teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Além de ressaltar a importância dos princípios-alçados ao status de normas jurídicas vinculantes -, preocupa-se com o estudo das relações do Direito interno com o internacional, propondo, ainda, uma reaproximação entre Direito e Ética. Seus defensores atribuem a sua enorme ascensão à própria derrocada histórica do Jusnaturalismo e ao fracasso político do Positivismo, que abriram caminho para um conjunto amplo e, até hoje, inacabado de reflexões acerca dos problemas jurídicos, da função social do Direito e de sua exegese. Destaque nosso - A corrente do jusnaturalismo defende que o direito é independente da vontade humana, ele existe antes mesmo do homem e acima das leis do homem, para os jusnaturalistas o direito é algo natural e tem como pressupostos os valores do ser humano, e busca sempre um ideal de justiça. O direito natural é universal, imutável e inviolável, é a lei imposta pela natureza a todos aqueles que se encontram em um estado de natureza. Ao contrário do que defende a corrente jusnaturalista (jusnaturalismo), a corrente juspositivista (juspositivismo) acredita que só pode existir o direito e conseqüentemente a justiça através de normas positivadas, ou seja, normas emanadas pelo Estado com poder coercivo, podemos dizer que são todas as normas escritas, criadas pelos homens por intermédio do Estado. O constitucionalismo moderno, portanto, representou o estágio da reaproximação entre os fundamentos éticos da vida humana e o Direito, reintroduzindo as concepções de justiça e legitimidade. Eis aí o que se pode chamar de constitucionalismo principialista, proveniente do reconhecimento da face principiológica do Direito, que irá encontrar notável sequência na etapa do constitucionalismo contemporâneo. Significa dizer que os princípios, expressos ou implícitos, passaram a inscrever-se nas constituições, embora já estivessem presentes no repositório universal do saber jurídico dos povos, de maneira explícita ou oculta. Ora, a grande novidade do constitucionalismo moderno não foi propriamente especificar os princípios que deveriam integrar as constituições escritas, mas sim reconhecer-lhes a dimensão normativa que se lhes encontra subjacente. É que os princípios vêm de priscas eras. Presentes em textos religiosos, filosóficos, jusnaturalistas e místicos, atravessaram os milênios, influenciando a vida social. Seja como for, os princípios foram reconhecidos normativamente, sintetizando a tábua de valores que viriam influenciar os ordenamentos jurídicos de todo o mundo. É o caso dos pórticos da legalidade, da igualdade, da separação de Poderes, do Estado Democrático de Direito, da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da reserva de jurisdição, da solidariedade e da equidade. Todos eles, alguns tidos como clássicos, outros como modernos, evoluíram significativamente, sofreram releituras para espelhar as necessidades da vida moderna. No Brasil, como em rodo o mundo, existem julgados evidenciando o importante contributo do constitucionalismo moderno. Libertando-se do legalismoestrito, juízes e tribunais têm proferido decisões paradigmáticas, tomando como arrimo os vetores da legalidade, da igualdade, da separação de Poderes, do Estado Democrático de Direito, da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da reserva de jurisdição, da solidariedade e da equidade. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, aplicando o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, liberou o réu de ser conduzido "debaixo de vara" ao exame de DNA numa ação de investigação de paternidade (STF, Pleno, HC 71. 373/RS - Rei. Min. Marco Aurélio, j. em 1 0- 11 - 1994, RTJ, 1 65: 902). Já o Superior Tribunal de Justiça autorizou o levantamento de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço para uma mãe tratar do vírus da AIDS, nada obstante o fato de inexistir previsão legal explícita: "É possível o levantamento do FGTS para fins de tratamento de portador do vírus HIV, ainda que tal moléstia não se encontre prevista no art. 20, XI, da Lei 8 .036/90, pois não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e sim considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção do Matéria: Material para concursos 3122 - 4/306 direitoconstitucional legislador, mormente perante o preceito maior insculpido na Constituição Federal garantidor do direito à saúde, à vida e à dignidade humana, e levando-se em conta o caráter social do Fundo, que é, justamente, assegurar ao trabalhador o atendimento de suas necessidades básicas e de seus familiares" (STJ , REsp 249.026/PR, Rei . Min. José Delgado, DJU de 26-6-2000, p. 138). A contribuição do constitucionalismo moderno pode ser sintetizada nos seguintes pontos: • As constituições passaram a ser escritas, instrumentalizando as ordenações constitucionais dos Estados em documentos formais, dotados de coercibilidade, cujas normas devem integrar um código sistemático e único de rodo o seu conteúdo. Disso promana o caráter racionalizador, estabilizante, instrumental e de segurança jurídica das cartas supremas, exteriorizados pelas noras da calculabilidade (o Estado só pode interferir na economia mediante previsão legal) e da publicidade (os atos constitucionais devem ser levados ao conhecimento de rodos, pelos órgãos oficiais de comunicação, e, em especial, publicados nos diários de justiça). • Os textos constitucionais são procriados pelo poder constituinte originário (ou de primeiro grau) . Ele não se confunde com o poder constituinte derivado (ou de segundo grau) , muito menos com os poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) . • No campo das reformas constitucionais, houve o estabelecimento de um processo legislativo cerimonioso, diverso daquele responsável pela feitura das leis comuns, baseado em critérios solenes, dificultosos e demorados. Inaugurou-se, a partir daí, o império das constituições rígidas e das cláusulas pétreas. • Nascimento da doutrina do poder constituinte decorrente (ou de terceiro grau) , incumbido da criação e reforma das cartas dos Estados-membros, bem como do poder constituinte municipal (ou de quarto grau) , responsável pela elaboração e mudança formal das leis orgânicas municipais. • Constatou-se a existência da constituição dogmática, escrita e sistematizada por um órgão constituinte soberano, e da constituição histórica, obra dos costumes e das tradições seculares dos povos, a exemplo da Carta da Inglaterra. Com o tempo, esfloraram outros arquétipos de compreensão constitucional: o sociológico (Lassale), o normativo (Kelsen), o político (Schmitt). • Primado da supremacia material e formal das constituições, elevando o Direito Constitucional ao posto de ramo do Direito Público por excelência, fonte primeira de roda produção normativa. • Surgimento das concepções de controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos. • Limitação das funções estatais, não apenas as executivas e as judiciárias, mas também as legislativas. • Primazia do princípio da separação de Poderes. Os mandatários do povo, os exercentes de funções públicas, os aplicadores da lei têm responsabilidade pelos seus atos. • Tutela reforçada dos direitos e garantias fundamentais, exigência que se impõe globalmente a rodas as funções do Estado, e não apenas a um ou outro poder. Daí o movimento constitucionalista ter defendido que rodo texto constitucional deve estatuir uma declaração de direitos para nortear os aros dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. • Aparecimento do princípio da força normativa da constituição, cujos estudos viriam a ser sistematizados e aprimorados, cientificamente, na fase do constitucionalismo contemporâneo. Constatou-se que as constituições possuem uma força jurídica interna que as distingue dos demais diplomas normativos (leis ordinárias, decretos, resoluções etc.) . • Reconhecimento normativo da dimensão principiológica do Direito, cujos reflexos se espraiaram por todo o mundo, inclusive no Brasil, onde juízes e Tribunais vêm aplicando os pórticos da legalidade, da igualdade, da separação de Poderes, do Estado Democrático de Direito, da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da reserva de jurisdição, da solidariedade e da equidade. CONSTITUCIONALISMO E SOBERANIA POPULAR Aspectos gerais A ideia de que todo Estado deva possuir uma Constituição e de que esta deve conter limitações ao poder autoritário e regras de prevalência dos direitos fundamentais desenvolve -se no sentido da consagração de um Estado Democrático de Direito (art. 1.º, caput, da CF/88) e, portanto, de soberania popular. Assim, de forma expressa, o parágrafo único do art. 1.º da CF/88 concretiza que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Vale dizer, mencionado artigo distingue titularidade de exercício do poder. O titular do poder é o povo. Como regra, o exercício desse poder, cujo titular, repita -se, é o povo, dá-se através dos representantes do povo, que, como veremos ao tratar do Poder Legislativo, são os Deputados Federais (âmbito federal), os Deputados Estaduais (âmbito estadual), os Deputados Distritais (âmbito do DF), os Vereadores (âmbito municipal) e os Deputados Territoriais (âmbito de eventuais Territórios Federais que venham a ser criados). Lembramos, desde já, que os Senadores da República Federativa do Brasil representam os Estados-membros e o Distrito Federal, de acordo com o art. 46 da CF/88. Matéria: Material para concursos 3122 - 5/306 direitoconstitucional Além de desempenhar o poder de maneira indireta (democracia representativa), por intermédio de seus representantes, o povo também o realiza diretamente (democracia direta), concretizando a soberania popular, que, segundo o art. 1.º da Lei n.9.709, de 18.11.1998 (que regulamentou o art. 14, I, II e III, da CF/88), “é exercida por sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, nos termos desta Lei e das normas constitucionais pertinentes, mediante: plebiscito, referendo e iniciativa popular”. Podemos falar, então, que a CF/88 consagra a democracia semidireta ou participativa, verdadeiro sistema híbrido. CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO A fase que estamos vivendo é a do constitucionalismo contemporâneo, marcada pela existência de documentos constitucionais amplos, analíticos, extensos, a exemplo da Constituição brasileira de 1988. O constitucionalismo contemporâneo engloba dois assuntos: • o neoconstitucionalismo, que, para nós, é o mesmo que constitucionalismo contemporâneo; e • o transconstitucionalismo,com a sua desafiante proposta de um constitucionalismo de níveis múltiplos. É no constitucionalismo contemporâneo que iremos ver, com notável nitidez, a consagração daquelas ideias pós-positivistas, propostas na etapa do constitucionalismo moderno (metade do século XX). No constitucionalismo contemporâneo é nítido o desprestígio da lei. Muitos são os seus problemas, a exemplo da inflação legislativa, da desconstitucionalização, da deslegisficação e da desregulamentação. Significados: • inflação legislativa - excesso de leis ern vigor; • desconstitucionalização - transferência de ternas constitucionais para a órbita legislativa; • deslegisficação - o Poder Legislativo exclui a lei da ordem jurídica, mediante cláusula revogatória; • desregulamentação - exclusão de matéria constitucional. Reserva-se o uso desse termo para o campo da lei das leis, da lei máxima por excelência: a Constituição do Estado. Se, entre os publicistas, as discussões giram em torno da (in)governabilidade dos Estados, no âmbito do Direito Privado, os códigos civis já nascem superados pelo predomínio dos microssistemas legislativos, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Por outro lado, é nítida a prevalência da lex mercatoria nas relações mercantis, notadamente naquelas que dizem respeito ao comércio exterior. Nesse campo, as questões tendem a ser regulamentadas pelos usos e costumes internacionais, pelos contratos e cláusulas-tipo, pela arbitragem e pelos princípios gerais de Direito comuns às diversas legislações nacionais. Na órbita do Direito Comercial, Penal, Tributário, Eleitoral e orçamentário predomina a péssima regulamentação, ensejando males impossíveis de serem sanados. Os financiamentos de campanhas eleitorais, como única saída de levar ao povo um plano de governo, o flsiologismo na votação congressual do orçamento, a voracidade fiscal, estimulando a cultura da sonegação como única saída para a própria sobrevivência, são alguns dos exemplos desalentadores de um catálogo extenso de absurdos. Quanto ao princípio da segurança jurídica e aos seus respectivos desdobramentos – direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada -, é inegável que, na etapa do constitucionalismo contemporâneo, eles têm sido renegados ao último plano, mediante o império da interpretação distorcida, casual e imediatista dos problemas deduzidos em juízo. Temos de reconhecer, contudo, que a própria evolução histórica do constitucionalismo o credencia como um projeto jurídico, social, político e ideológico triunfante. Na contemporaneidade, por exemplo, ocorreram avanços dignos de nota, os quais muito se amoldam à realidade brasileira. É que, promulgada a Carta de 1988, com a redemocratização e reconstitucionalização do País, ocorreram mudanças significativas, a exemplo da tentativa de buscar a eficácia social das constituições (efetividade), a prevalência do princípio da força Matéria: Material para concursos 3122 - 6/306 direitoconstitucional normativa da Constituição e o aprimoramento da hermenêutica constitucional. Porém, se o constitucionalismo contemporâneo avançou positivamente em determinados aspectos, consagrou, por outro lado, uma espécie de totalitarismo constitucional, muito próximo à ideia de constituição programática. Temas que muito bem se enquadrariam em leis comuns são postos nas constituições. É que nos textos constitucionais contemporâneos o supérfluo e o acessório predominam. Ilustrando, precisaria vir expresso, na Carta brasileira, que o Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal (art. 242, § 2º)? Que a bandeira, o hino, as armas e o selo são os símbolos do País (art. 13, § 1º). Em verdade, as constituições contemporâneas firmaram o compromisso entre o liberalismo capitalista e o intervencionismo estatal. Isso fez com que ocorresse um alargamento dos textos constitucionais, isentando os indivíduos das coações autoritárias em nome da democracia política, dos direitos econômicos, dos direitos dos trabalhadores. Assim, os textos constitucionais contemporâneos deixaram de impor relações coativas de convivência e passaram a consagrar princípios socioeconômicos, vertidos em normas dependentes de regulamentação legislativa, no intuito de celebrarem compromissos e promessas genéricas, difíceis de serem realizadas na prática (concretizadas). Reportamo-nos às normas programáticas, cuja formulação doutrinária se iniciou no constitucionalismo moderno, mas que encontrou seu apogeu na contemporaneidade. Revestidas sob a forma de promessas e programas, as normas programáticas limitam-se a enunciar princípios a serem cumpridos pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Em vez de disciplinarem diretamente a matéria que enunciam, deixam para os órgãos públicos a complexa tarefa de realizar os fins sociais do Estado. Do ponto de vista da realização constitucional, temos reservas quanto à eficácia social das normas constitucionais programáticas (referimo-nos à efetividade, não à eficácia normativa, intrínseca a toda disposição constitucional) . Ao prometer benefícios futuros, deixando a implementação deles a cargo da chancela legislativa, que não se sabe quando será acionada, criam falsas expectativas O certo é que, na contemporaneidade, a ampliação do conteúdo das constituições acabou desvalorizando-as. No Brasil, a Carta de 1988 é um exemplo eloquente do totalitarismo constitucional. Além das disposições de direitos sociais e econômicos, o constituinte previu normas programáticas de índole financeira, securitária, educacional, cultural, desportiva etc. A experiência comprova que o detalharnento de conteúdos leva à ineficácia social das disposições supremas do Escada. Aí está o segredo da sobrevivência da Constituição americana. Por isso, as constituições não devem ser convertidas em fontes inesgotáveis de pormenores, propiciando, mais ainda, o descompasso entre a normatividade constitucional e a facticidade política, no dizer de W Hennis ( Verfassung und Verfassungswirklichreit, p. 249). Mas não é essa a tendência de um setor significativo da constitucionalística contemporânea, que propõe a implantação de textos constitucionais pormenorizados, criticando a ideia de constituição como mero instrumento de governo (]. P. Müller, Soziale Grundrechte in der Verfassung, p. 7 1 5) . Nesse aspecto, é possível dizer que, nas constituições contemporâneas, os direitos fundamentais apresentam duas notas distintas: • refletem as aquiescências, as angústias e os brados por uma sociedade melhor, justa e igualitária. Daí os constantes apelos para se colocar nas constituições normas relacionadas à informática, softwares, biociências, eutanásia, alimentos transgênicos, sucessão dos filhos gerados por inseminação artificial etc. Também desponta uma preocupação ética e moral acentuada. Inúmeros são os reclamos para que esses elementos integrem a tábua de direitos fundamentais nos textos supremos contemporâneos; e • consagram instrumentos de proteção das liberdades públicas, que se somam aos mecanismos de defesa da própria constituição. No Brasil, exemplificam os primeiros o mandado de segurança, o habeas data, o habeas corpus, o mandado de injunção, a ação popular e a ação civil pública. Ilustramos referidos mecanismos a ação direta de inconstitucionalidade interventiva, a ação direta de inconstitucionalidade genérica, a ação declaratória de inconstitucionalidade, a arguição de descumprimento de preceito fundamental e a ação direta de constitucionalidade por omissão. Enfim, eis os traços gerais do constitucionalismocontemporâneo ou neoconstitucionalismo: • fase marcada pela existência de documentos constitucionais amplos, analíticos, extensos, consagrando uma espécie de totalitarismo constitucional, consectário à ideia de constituição programática; • alargamento dos textos constitucionais, isentando os indivíduos das coações autoritárias em nome da democracia política, dos direitos econômicos, dos direitos dos trabalhadores; • disseminação da ideia de constituição dirigente que diverge daquela visão tradicional de constituição, que a concebe como lei processual, definidora de competências e reguladora de processos; • advento de novos arquétipos de compreensão constitucional, que vieram a enriquecer a Teoria Geral das Constituições; • destaque dos direitos e garantias fundamentais Matéria: Material para concursos 3122 - 7/306 direitoconstitucional como resposta às aquiescências, angústias e brados por uma sociedade melhor, justa e igualitária. Neoconstitucionalismo O Direito Constitucional, assim como o ser humano em geral, está sujeito a modas. Um desses modismos é, sem sombra de dúvida, aquilo que alguns autores americanos e europeus convencionaram chamar de neoconstitucionalismo e que acabou se espalhando por todo o mundo, criando-se a atmosfera de que "surgiu" algo "novo", para "revolucionar" o saber constitucional da humanidade. Mas será que o neoconstitucionalismo é, realmente, "novo" ? Afigura-se-nos que, em sua essência, ele não traz nada de "novo" , a despeito de seu imponente nome e da "logística" implementada ao seu derredor. a) O que é neoconstitucionalismo Neoconstitucionalismo, constitucionalismo pós- positivista, ou constitucionalismo neopositivo, é um viés teórico no campo do Direito Constitucional, que aglutina tendências e teses dos mais variados matizes. Designa a evolução de certos aspectos provenientes da cultura constitucional contemporânea. É, portanto, o constitucionalismo contemporâneo com outro nome. E nada mais. b) Origem do neoconstitucionalismo Os "neoconstitucionalistas" afirmam que o neoconstitucionalismo surgiu, na Europa, a partir da Segunda Guerra Mundial, na época de nascimento do Estado Constitucional Social. Na realidade, é impossível se precisar a origem do neoconstitucionalismo. Não há uma data, que, a rigor, possa ser considerada como o marco histórico de seu nascimento. O único dado passível de constatação é que, a partir de 1990, alguns estudiosos americanos e europeus passaram a adotar esse epíteto do constitucionalismo contemporâneo em seus escritos Transconstitucionalismo Como dissemos acima, o estudo do constitucionalismo contemporâneo engloba, além do neoconstitucionalismo, o transconstitucionalismo. Apesar da falta de definições para embasarmos o neoconstitucionalsmo, o mesmo não acontece para o transconstitucionalismo. a) O que é transconstitucionalismo Transconstitucionaismo é o fenômeno pelo qual diversas ordens jurídicas de um mesmo Estado, ou de Estados diferentes, se entrelaçam para resolver problemas constitucionais. Vale observar que as relações de interpenetração entre ordenamentos diferenciados não são, propriamente, uma novidade. Isto porque já existiam pactos, a exemplo daquele firmado no Tratado de Westfália de 1648, em que o direito internacional clássico e o direito estatal já se conectavam. O componente "novo" do transconstitucionalismo, portanto, não é o entrelaçamento entre uma pluralidade de ordenamentos de países distintos. A novidade está no modo como são travadas as formas de conversações entre os atores do cenário estatal. Esse detalhe é muito interessante, principalmente se levarmos em conta que a sociedade mundial do presente é bastante complexa, competitiva e de risco, e, mesmo assim, os diálogos ultrapassam fronteiras e quebram paradigmas. Quer dizer, os detentores do poder de ordenamentos diferentes abrem mão do tom de disputa de suas conversações, a fim de solucionarem problemas constitucionais, algo que não equivale a uma cooperação permanente entre Estados diversos. Por isso, podemos dizer que o transconstitucionalismo decorre do caráter multicêntrico dos sistemas jurídicos mundiais, onde a conversa e o diálogo desenvolvem-se em vários níveis que se integram, formando um bloco compacto de comunicação entre os atores do cenário estatal. Há um superentrelaçamento de níveis múltiplos. No lugar da vaidade, do provincianismo, da rebeldia, da discórdia e da mediocridade, comuns no mundo, abre-se espaço para o entendimento, a cooperação, a conversa e a criatividade. Douglas R. Hofstadter explicou, melhor do que ninguém, esse superentrelaçamento: "Como, sem dúvida, você já percebeu, não há nada que nos impeça de fazer o 'impossível' - ou seja, entrelaçar o nível I e o nível E, tornando as próprias convenções de interpretação sujeitas à revisão, d e acordo com a situação no tabuleiro de xadrez. Mas, para levar a cabo este 'superentrelaçado', você teria de estar de acordo com seu adversário quanto a convenções ulteriores para ligar os dois níveis - e o ato de fazê-lo criaria um novo nível, um novo tipo de nível inviolável, acima do nível 'superentrelaçado' (ou abaixo dele, se você preferir)" ( Gddel, Escher, Bach: an Eternal Golden Braid, 1 979) . Desse modo, podemos dizer que o transconstitucionaLismo é um constitucionalismo de níveis múltiplos ou, melhor dizendo, um constitucionalismo multiplex. Imaginemos estar passeando num shopping center. Resolvemos, então, assistir a um filme. Vamos ao piso superior e lá encontramos salas, exibindo filmes variados. Pois bem, comparando o nosso passeio ao transconstitucionalismo diríamos: cada uma dessas salas equivale a uma ordem jurídica, que possui particularidades próprias, não havendo, porém, hierarquia entre elas. Decerto, em vez de hierarquia, o que existe, na expressão de Anne-Marie Slaughter, é uma "fertilização constitucional cruzada'' (A New World Order, p. 69 e s.) . Isto porque, um determinado órgão Matéria: Material para concursos 3122 - 8/306 direitoconstitucional de cada Estado, a exemplo do Poder Judiciário, toma como base os trabalhos, os estudos, as técnicas de outros órgãos, para, desse modo, demonstrar o acerto de suas teses. Um juiz, por exemplo, cita uma sentença de outro juiz; um deputado um projeto de lei de outro; um governador, uma experiência implantada noutro lugar, e assim por diante. Essa verdadeira troca de informações deve estar presente nos litígios globais, isto é, aqueles que envolvem conflitos de interesses entre vários Estados diferentes, exigindo que os magistrados, integrantes das estruturas judiciais específicas de seu respectivo país, recorram às duas palavrinhas mágicas, que devem nortear a vida do ser humano, do berço ao túmulo, e que constituem o cerne das negociações, inclusive as judiciais: bom senso. b) Cronologia do transconstitucionalismo No fim do século XX, o Direito Constitucional doméstico de alguns países começou a ultrapassar as fronteiras locais, adentrando em ordens jurídicas de outros Estados. Concomitante a isso, especialistas das mais diferentes tradições teóricas começaram a falar em constituição Europeia, constituição multilevel, constituição da comunidade internacional, constituições globais, constituições civis da sociedade mundial, constituições transversais, dentre tantos outros termos metafóricos, surgidos não por capricho intelectual ou modismo, mas pela própria necessidade de se nomear um fenômeno irrefreável, de tendência universal. Transconstitucionalismo stricto sensu Em sentido restrito, o transconstitucionalismo opera entreordens jurídicas de Estados diferentes. Poderíamos chamá-lo, sem prejuízo de outras denominações, de transconstitucionalismo propriamente dito, porque ele possui características específicas. No transconstitucionalismo propriamente dito, ordenamentos distintos se interagem e somam esforços conjuntos para resolverem casos complexos e difíceis. O que predomina é a superação do constitucionalismo provinciano ou paroquial em nome de algo maior: a integração cooperativa, pacífica e desterritorializada de ordens estatais diferentes. Cada Estado continua com a sua soberania e vida própria. Ocorre, apenas, uma integração harmoniosa entre ordens constitucionais de Estados completamente diferentes, algo que está acima de quaisquer simpatias ou antipatias, camaradagens ou disputas pessoais, muito menos institucionais. Para solucionar conflitos envolvendo direitos humanos, duas ou mais Cones de Justiça, de Estados diferentes, rompem suas barreiras territoriais e abandonam o regionalismo em nome da conversação e do diálogo constitucional. Segundo Carl Baudenbacher, essa conversação pode ocorrer entre o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e os Tribunais dos Estados- membros, bem como entre o Tribunal Europeu de Direitos Humanos e as Cortes Nacionais (Judicial globalization: new development or old wine in new bordes, p. 507 e s.). Mas não é só no âmbito judiciário que vemos o transconstitucionalismo propriamente dito concretizar-se. Anne-Marie Slaughter alerta-nos que o fenômeno também pode se verificar fora do Judiciário, ou seja, entre outros níveis do ordenamento, onde os aprendizados e intercâmbios delineiam-se informalmente (A New World Order, p. 1 04 e s.). Para ilustrar, enfatizem-se as conversações travadas entre o Legislativo e o Executivo de Países distintos, onde ocorrem aprendizado recíproco e intercâmbio criativo, mediante a troca de informações das respectivas esferas governamentais. Também nada impede que cada órgão do poder se comunique entre si: Legislativo com Legislativo; Executivo com Executivo; e Judiciário com Judiciário. A recíproca também é verdadeira. Órgãos distintos podem travar diálogos. Características do transconstitucionalismo O transconstitucionalismo propriamente dito apresenta as seguintes características: • exige que o estudioso abandone, por completo, aquela ideia, haurida do constitucionalismo moderno, de que o conceito de constituição liga-se, exclusivamente, a determinado Estado, sem que daí seja preciso recorrer a outras constituições de outros Estados; • permite a externalização e a internalização de informações entre Estados, órgãos e atividades completamente diferentes, pela troca de experiências, conhecimentos, técnicas etc.; • duas ou mais ordens jurídicas de Estados distintos se entrelaçam, mantendo a independência inerente a cada uma; e • fomenta a existência de pontes de transição entre ordens jurídicas, onde órgãos do poder de Estados diversos passam a se intercomunicar, solificando relacionamentos formais e informais. O RESULTADO DO PLEBISCITO OU DO REFERENDO PODE SER MODIFICADO POR LEI OU EMENDA À CONSTITUIÇÃO? Pode o legislador contrariar a manifestação popular editando lei ou Emenda à Constituição? Exemplificando: tendo o “povo” afirmado ser contra a proibição do porte de armas, poderia o legislador editar lei em sentido contrário? Essa lei teria validade? Ou ainda, tendo o povo manifestado em plebiscito a preferência pelo presidencialismo, poderia uma emenda à Constituição (EC) instituir o parlamentarismo no Brasil? Matéria: Material para concursos 3122 - 9/306 direitoconstitucional Entende-se que tanto a lei como a EC seriam flagrantemente inconstitucionais, porque uma vez manifestada a vontade popular, essa passa a ser vinculante, não podendo desmerecê-la ou desrespeitá-la. Assim sendo, é fácil concluir que a democracia direta prevalece sobre a democracia representativa. A única forma de modificar a vontade popular seria mediante uma nova consulta ao povo, a ser convocada ou autorizada por decreto legislativo do Congresso Nacional, e o decreto dependeria de provocação do legislador ou por lei, ou por nova emenda. CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO Juridicamente, porém, Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos. Além disso, é a Constituição que individualiza os órgãos competentes para a edição de normas jurídicas, legislativas ou administrativas. CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES Quanto ao conteúdo -> Materiais, Formais. Quanto à forma -> Escritas, Não escritas. Quanto ao modo de elaboração -> Dogmáticas, Históricas Quanto à origem -> Promulgadas, Outorgadas. Quanto à estabilidade -> Imutáveis, Rígidas, Flexíveis, Semirígidas. Quanto à extensão e finalidade -> Analíticas, Sintéticas. QUANTO À CONTEÚDO CONSTITUIÇÃO MATERIAL consiste no conjunto de regras materialmente constitucionais, estejam ou não codificadas em um único documento. CONSTITUIÇÃO FORMAL é aquela consubstanciada de forma escrita, por meio de um documento solene estabelecido pelo poder constituinte originário. Ressalta-se que, com introdução do §3° no art. 5°, pela EC n° 45/2004, passamos a ter uma espécie de conceito misto, já que a nova regra só confere a natureza de emenda constitucional (norma formalmente constitucional) aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos (matéria), desde que observadas as formalidades de aprovação (forma). QUANTO AO MODO DE ELABORAÇÃO CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA se apresenta como produto escrito e sistematizado por um órgão constituinte, a partir de princípios e idéias fundamentais da teoria política e do direito dominante. CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA é fruto da lenta e contínua síntese da História e tradições de um determinado povo. QUANTO À ORIGEM São promulgadas, também denominadas democráticas ou populares, as Constituições que derivam do trabalho de uma Assembléia Nacional Constituinte composta de representantes do povo, eleitos com a finalidade de sua elaboração. Outorgadas as elaboradas e estabelecidas sem a participação popular, através de imposição do poder da época (exemplo: Constituições brasileiras de 1824, 1937, 1967 e EC n.° 01/1969). Existem, ainda, as chamadas constituições cesaristas, que são aquelas que, não obstante outorgadas, dependem da ratificação popular por meio de referendo. QUANTO À ESTABILIDADE OU ALTERALIDADE Rígidas são aquelas que exigem, para a sua alteração (daí preferirmos a terminologia alterabilidade), um processo legislativo mais árduo, mais solene, mais dificultoso do que o processo de alteração das normas não constitucionais. A rigidez constitucional da CF/88 está prevista no art. 60, que, por exemplo em seu § 2° estabelece um quorum de votação de 3/5 dos membros de cada Casa, em dois turnos de votação, para aprovação das emendas constitucionais. PAD.: Lembramos que, à exceção da Constituição de 1824 (considerada semi-rígida), todas as Constituições brasileiras foram, inclusive a de 1988, rígidas. OBS.: São imutáveis as constituições onde se veda qualquer alteração, constituindo-se relíquias históricas. Em algumas constituições, a imutabilidade poderá ser relativa, quando se preveem as chamadas limitações temporais, ou seja, um prazo em que não se admitirá a atuação do legislador constituinte reformador. Como um meio-termoentre as duas anteriores, surge a constituição semiflexível ou semi-rígida, na qual algumas regras poderão ser alteradas pelo processo legislativo ordinário, enquanto outras somente por um processo legislativo especial e mais dificultoso. PAD.: Ressalte-se que a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como super-rígida, uma vez que em regra poderá ser alterada por um processo legislativo diferenciado, mas, excepcionalmente, em alguns pontos é imutável (CF, art. 60, § 4.° - cláusulas pétreas). Flexível é aquela constituição que não possui um processo legislativo de alteração das normas infraconstitucionais. Vale dizer, a dificuldade em alterar a constituição é a mesma encontrada para alterar uma lei que não é constitucional. Matéria: Material para concursos 3122 - 10/306 direitoconstitucional APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS EFICÁCIA JURÍDICA E EFICÁCIA SOCIAL Como regra geral, todas as normas constitucionais apresentam eficácia, algumas jurídica e social e outras apenas jurídica. Michel Temer observa que a “eficácia social se verifica na hipótese de a norma vigente, isto é, com potencialidade para regular determinadas relações, ser efetivamente aplicada a casos concretos. Eficácia jurídica, por sua vez, significa que a norma está apta a produzir efeitos na ocorrência de relações concretas; mas já produz efeitos jurídicos na medida em que a sua simples edição resulta na revogação de todas as normas anteriores que com ela conflitam”. As normas constitucionais, segundo José Afonso da Silva, podem ser de eficácia: plena, contida e limitada. Normas constitucionais de eficácia plena, contida e limitada Tradicional a classificação das normas constitucionais, dada por José Afonso da Silva em relação a sua aplicabilidade em normas de eficácia plena, contida e limitada. São normas constitucionais de eficácia plena "aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular" (por exemplo: os "remédios constitucionais"). Normas constitucionais de eficácia contida são aquelas "que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do poder público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados" (por exemplo: art. 5.°, XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer). Por fim, normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que apresentam "aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses, após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a aplicabilidade" (por exemplo: CF, art. 192, § 3.°: as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a 12% ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar). Normas programáticas As normas programáticas, conforme salienta Jorge Miranda, "são de aplicação diferida, e não de aplicação ou execução imediata; mais do que comandos-regras, explicitam comandos-valores; conferem elasticidade ao ordenamento constitucional; têm como destinatário primacial - embora não único - o legislador, a cuja opção fica a ponderação do tempo e dos meios em que vem a ser revestidas de plena eficácia (e nisso consiste a discricionariedade); não consentem que os cidadãos ou quaisquer cidadãos as invoquem já (ou imediatamente após a entrada em vigor da Constituição), pedindo aos tribunais o seu cumprimento só por si, pelo que pode haver quem afirme que os direitos que delas constam, máxime os direitos sociais, têm mais natureza de expectativas Matéria: Material para concursos 3122 - 11/306 direitoconstitucional que de verdadeiros direitos subjetivos; aparecem, muitas vezes; acompanhadas de conceitos indeterminados ou parcialmente indeterminados". Portanto, o juízo de oportunidade e a avaliação da extensão do programa incumbem ao Poder Legislativo, no exercício de sua função legiferante e, como salientado por Tércio Sampaio Ferraz Jr.., "a eficácia técnica, neste caso, é limitada. E a eficácia social depende da própria evolução das situações de fato. Daí resulta uma aplicabilidade dependente". Maria Helena Diniz cita os arts. 21, IX, 23, 170, 205, 211, 215, 218, 226, § 2.°, da Constituição Federal de 1988 como exemplos de normas programáticas, por não regularem diretamente interesses ou direitos nelas consagrados, mas limitarem-se a traçar alguns preceitos a serem cumpridos pelo Poder Público, como "programas das respectivas atividades, pretendendo unicamente a consecução dos fins sociais pelo Estado". Maria Helena Diniz cita os arts. 21, IX, 23, 170, 205, 211, 215, 218, 226, § 2.°, da Constituição Federal de 1988 como exemplos de normas programáticas, por não regularem diretamente interesses ou direitos nelas consagrados, mas limitarem-se a traçar alguns preceitos a serem cumpridos pelo Poder Público, como "programas das respectivas atividades, pretendendo unicamente a consecução dos fins sociais pelo Estado". INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS O conflito entre direitos e bens constitucionalmente protegidos resulta do fato de a Constituição proteger certos bens jurídicos (saúde pública, segurança, liberdade de imprensa, integridade territorial, defesa nacional, família, idosos, índios etc.), que podem vir a envolver-se numa relação do conflito ou colisão. Para solucionar-se esse conflito, compatibilizando-se as normas constitucionais, a fim de que todas tenham aplicabilidade, a doutrina aponta diversas regras de hermenêutica constitucional em auxílio ao intérprete. Como definido por Vicente Ráo, "a hermenêutica tem por objeto investigar e coordenar por modo sistemático os princípios científicos e leis decorrentes, que disciplinam a apuração do conteúdo, do sentido e dos fins das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico do direito, para efeito de sua aplicação e interpretação; por meio de regras e processos especiais procura realizar, praticamente, estes princípios e estas leis científicas; a aplicação das normas jurídicas consiste na técnica de adaptação dos preceitos nelas contidos assim interpretados, às situações de fato que se lhes subordinam". Analisando a Constituição Federal, Raul Machado Horta aponta a precedência, em termos interpretativos, dos Princípios Fundamentais da República Federativa e da enunciação dos Direitos e Garantias Fundamentais, dizendo que "é evidente que essa colocação não envolve o estabelecimento de hierarquia entre as normas constitucionais, de modo a classifica-la em normas superiores e normas secundárias. Todas são normas fundamentais. A precedência serve à interpretação da Constituição, para extrair dessa nova disposição formal a impregnação valorativa dos Princípios Fundamentais, sempre que eles forem confrontados com atos do legislador, do administrador e do julgador", motivo pelo qual classifica-a de Constituição plástica. A Constituição Federal há de sempre ser interpretada,pois somente por meio da conjugação da letra do texto com as características históricas, políticas, ideológicas do momento, se encontrará o melhor sentido da norma jurídica, em confronto com a realidade sociopolítico-econômica e almejando sua plena eficácia. Canotilho enumera diversos princípios e regras interpretativas das normas constitucionais: • da unidade da constituição: a interpretação constitucional dever ser realizada de maneira a evitar contradições entre suas normas; • do efeito integrador: na resolução dos problemas jurídico-constitucionais, deverá ser dada maior primazia aos critérios favorecedores da integração política e social, bem como ao reforço da unidade política; • da máxima efetividade ou da eficiência: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda; • da justeza ou da conformidade funcionai: os órgãos encarregados da interpretação da norma constitucional não poderão chegar a uma posição que subverta, altere ou perturbe o esquema organizatório- funcional constitucionalmente estabelecido pelo legislador constituinte originário; • da concordância prática ou da harmonização: exige-se a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros; • da força normativa da constituição: entre as interpretações possíveis, deve ser adotada aquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais. PREÂMBULO CONSTITUCIONAL Significado É a parte introdutória ou preliminar de uma constituição. Na expressão de Peter Haberle, os preâmbulos são "pontes no tempo", exteriorizando as origens, os sentimentos, os desejos e as esperanças que palmilharam o ato constituinte originário (E! Estado constitucional, p. 276) . É o documento de intenções que serve para certificar a legitimidade e a origem do novo texto. Trata-se, pois, de uma proclamação de princípios, Matéria: Material para concursos 3122 - 12/306 direitoconstitucional que não integra o bloco de constitucionalidade da Carta de 1988. NÃO HÁ INCONSTITUCIONALIDADE POR VIOLAÇÃO DO PREÂMBULO O preâmbulo propriamente dito não tem força cogente, visto que não vale como norma jurídica, tese consagrada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Precedente: "O preâmbulo da Constituição não tem valor normativo, apresentando-se desvestido de força cogente" (STF, MS 24.645-MC/DF, Rei . Min. Celso de Mel lo, decisão de 8-9-2003, DJU de 1 5-9-2003 ) . Resultado: seus princípios não prevalecem diante do texto expresso da constituição. Em virtude de não apresentar força normativa, desserve de parâmetro para declarar a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade normativa. No Brasil, por exemplo, os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, consagrados no preâmbulo da Carta de 1988, não funcionam como paradigma para a declaração de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público. Assim, repete-se, a invocação de Deus no preâmbulo da Constituição Federal é norma de reprodução obrigatória nas Constituições estaduais e leis orgânicas do DF e dos Municípios? Referida previsão enfraquece a laicidade do Estado brasileiro? Não. Como se sabe, desde o advento da República (Dec. n. 119 -A, de 07.01.1890), existe separação entre Estado e Igreja, sendo o Brasil um país leigo, laico ou não confessional, não existindo, portanto, qualquer religião oficial da República Federativa do Brasil. Todas as Constituições pátrias, exceto as de 1891 e 1937, invocaram a “proteção de Deus” quando promulgadas, exprimindo, assim, inegável símbolo de religiosidade. Em âmbito estadual essa realidade se repetiu, com exceção do Estado do Acre. Referida omissão foi objeto de questionamento no STF pelo Partido Social Liberal. O STF, definindo a questão, além de estabelecer e declarar a irrelevância jurídica do preâmbulo, assinalou que a invocação da “proteção de Deus” não é norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa (ADI 2.076 -AC, Rel. Min. Carlos Velloso). O STF também confirmou que a invocação a Deus no preâmbulo não enfraquece a laicidade do Estado brasileiro, que, inclusive, nos termos do art. 5.º, VI, declara ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e das suas liturgias. Ainda, o art. 5.º, VIII, estabelece que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei. Finalmente, o art. 19, I, declara, tendo em vista a inexistência de religião oficial, ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná- los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. Como exemplo de colaboração de interesse público, podemos citar a decretação de ponto facultativo para os servidores municipais de São Paulo quando, em de maio de 2007, o Papa Bento XVI esteve em São Paulo para celebrar a missa de canonização de Frei Galvão. Interessante, ainda, a crítica de José Afonso da Silva ao estabelecer que “um Estado leigo não deveria invocar Deus em sua Constituição. Mas a verdade também é que o sentimento religioso do povo brasileiro, se não impõe tal invocação, a justifica. Por outro lado, para os religiosos ela é importante. Para os ateus, há de ser indiferente. Logo, não há por que condená-la. Razão forte a justifica: o sentimento popular de quem provém o poder constituinte”. Assim, e concluindo, o preâmbulo não tem relevância jurídica, não tem força normativa, não cria direitos ou obrigações, não tem força obrigatória, servindo, apenas, como norte interpretativo das normas constitucionais. Por essas características, a invocação à divindade não é de reprodução obrigatória nos preâmbulos das Constituições estaduais e leis orgânicas do DF e dos Municípios. Conforme visto, o Brasil é um país leigo, laico ou não confessional. FUNDAMENTOS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: 1. a soberania: consiste, na definição de Marcelo Caetano, em "um poder político supremo e independente, entendendo-se por poder supremo aquele que não está limitado por nenhum outro na ordem interna e por poder independente aquele que, na sociedade internacional, não tem de acatar regras que não sejam voluntariamente aceites e está em pé Matéria: Material para concursos 3122 - 13/306 direitoconstitucional de igualdade com os poderes supremos dos outros povos"; É a capacidade de editar suas próprias normas, sua própria ordem jurídica (a começar pela Lei Magna), de tal modo que qualquer regra heterônoma só possa valer nos casos e nos termos admitidos pela própria Constituição. A Constituição traz a forma de exercício da soberania popular no art. 14; 2. a cidadania: representa um status e apresenta-se simultaneamente como objeto e um direito fundamental das pessoas; 3. a dignidade da pessoa humana: concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas.Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos; 4. os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa: é através do trabalho que o homem garante sua subsistência e o crescimento do país, prevendo a Constituição, em diversas passagens, a liberdade, o respeito e a dignidade ao trabalhador (por exemplo: CF, arts. 5.°, XIII; 6.°; 7.°; 8.°; 194-204, todos da CF). Como salienta Paolo Barile, a garantia de proteção ao trabalho não engloba somente o trabalhador subordinado, mas também aquele autônomo e o empregador, enquanto empreendedor do crescimento do país; 5. o pluralismo político: demonstra a preocupação do legislador constituinte em afirmar-se a ampla e livre participação popular nos destinos políticos do país, garantindo a liberdade de convicção filosófica e política e, também, a possibilidade de organização e participação em partidos políticos. O Estado Democrático de Direito, que significa a exigência de reger-se por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais, proclamado no caput do artigo, adotou, igualmente, no seu parágrafo único, o denominado princípio democrático, ao afirmar que "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição". Assim, o princípio democrático exprime fundamentalmente a exigência da integral participação de todos e de cada uma das pessoas na vida política do país. E nesse diapasão, citamos o Princípio representativo (art. 1º, parágrafo único) - pelo vetor representativo, todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição, mediante eleições livres e periódicas. Todo poder emana do povo, no sentido de que o regime democrático e o respeito às liberdades públicas constituem a pedra de toque da República Federativa do Brasil, algo que as autoridades públicas devem observar. Democracia é o governo do povo, para o povo, pelo povo e em benefício dele. Assim, a emanação do poder advém do povo, porque o povo não pode apresentar-se na função de governo. Os seus escolhidos o representam, governando e tomando decisões em seu nome, como se estivessem em seu próprio lugar, exteriorizando a vontade geral. O poder, contudo, é exercido por meio de representantes eleitos ou diretamente. São os mandatários, ou representantes eleitos pelo povo, os incumbidos de exercer mandatos. Tais mandatos obrigam politicamente os eleitos a agir em benefício dos seus eleitores (do povo), defendendo teses, fórmulas e propostas de campanha. Curioso observar que o cumprimento do princípio da representatividade deve ser nos termos da Constituição Federal. Quer dizer, os mandatários do povo devem pautar o exercício de suas atribuições à luz das balizas constitucionais. Exorbitá-las, ou renegá-las a segundo plano, é olvidar a democracia, fomentando a demagogia, muito comum nas campanhas eleitorais brasileiras. Não podemos deixar de citar o art. 2º da CF, que trata do Princípio da separação de Poderes (art. 2º- ) - conforme esse princípio, são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Trata-se, pois, de um conceito que tem por base a ideia de limitação, baseada na fórmula clássica de Montesquieu segundo a qual o poder deve frear o poder. Resultado: quaisquer tentativas no sentido de instaurar instâncias hegemónicas de poder padecerão do vício de inconstitucionalidade, pois o escopo do constituinte foi claro: neutralizar, no âmbito político-jurídico do Estado, qualquer possibilidade de dominação institucional por parte dos Poderes da República. O pórtico em análise funciona como parâmetro de observância indispensável à exegese das normas constitucionais, sendo uma das vigas- mestras da Constituição de 1988. Veja-se que, em rigor, o poder político é uno (não se biparte, esfacelando seu conteúdo) e indecomponível (não se divide, cindindo a sua forma) . Por isso, quando falamos em separação de Poderes estamos nos reportando a uma separação de Junções estatais, conferidas a órgãos especializados para cada atribuição. Algumas funções são típicas, próprias ou preponderantes. Assim, cumpre ao Legislativo elaborar pautas de comportamento gerais, abstratas Matéria: Material para concursos 3122 - 14/306 direitoconstitucional e impessoais, é dizer, as leis; ao Executivo incumbe resolver os problemas concretos e individualizados, à luz das leis. Ao fazê-lo exerce a função de governo, desempenhando atribuições políticas e de decisão, e a função administrativa, quando promove a intervenção, o fomento e o serviço público; ao Judiciário compete aplicar autoritariamente a lei nos casos concretos, intersubjetivos e litigiosos. Em contrapartida, os órgãos estatais também exercem funções atípicas ou impróprias. São denominadas atípicas porque não são inerentes a cada órgão, mas sim secundárias ou subsidiárias. Assim, o Legislativo também administra e julga (CF, arts. 5 1 , IV, e 52, XIII); o Executivo julga e legisla (CF, arts. 62 e 68, § 2º-) e o Judiciário legisla e administra (CF, art. 96, I, a e ./J. Mas nada impede falar em Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário, terminologias consagradas e utilizadas, correntemente, no vocabulário jurídico. Aliás, essas denominações devem ser mantidas, porque quando as mencionamos queremos, em verdade, dirigir-nos às próprias funções que o poder político desempenha. OBS.: Independência entre Poderes - a independência de cada Poder delineia-se: pela investidura e permanência das pessoas num dos órgãos do governo, as quais, ao exercer as atribuições que lhes foram conferidas, atuam num raio de competência próprio, sem a ingerência de outros órgãos, com total liberdade, organizando serviços e tomando decisões livremente, sem qualquer interferência alheia, mas permitindo colaboração quando a necessidade o exigir. Em última análise, a independência das funções do poder político, uno e indivisível, exterioriza-se pelo impedimento de uma função se sobrepor à outra, admitidas as exceções participantes dos mecanismos de freios e contrapesos. Exemplos de casos julgados pelo STF acerca do Princípio da Separação de Poderes: Prévia licença para Governador e Vice se ausentarem do País: "Afronta os princípios constitucionais da harmonia e independência entre os Poderes e da liberdade de locomoção norma estadual que exige prévia licença da Assembleia Legislativa para que o Governador e o Vice-Governador possam ausentar-se do País por qualquer prazo. Espécie de autorização que, segundo o modelo federal, somente se justifica quando o afastamento exceder a quinze dias. Aplicação do princípio da simetria" (STF, A D ! n 738, Rei. Min . Maurício Corrêa, DJ de 7-2-2003). Norma cerceadora da competência de Secretários de Estado: " Norma que subordina convênios, acordos, contratos e atos de Secretários d e Estado à aprovação da Assembleia Legislativa: inconstitucionalidade, porque ofensiva ao princípio da in dependência e harmonia dos poderes" (STF, AD ln 676, Rei. M i n . Carlos Velloso, DJ de 29-1 1 -1 996. N o mesmo sentido: STF, AD!n 770, D} d e 2 0-9- 2002; AD l n 1 65, D} de 2 6-9-1 997). OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil vem previstos no art. 3-º da Constituição Federal. O art. 3º da Carta de 1988 é originalíssimo: não mantém correspondência com nenhum outro preceito de nossas constituições anteriores. O constituinte seguiu o modelo português, cujo Texto Maior, no seu art. 9º, também consagrou objetivos, tarefas, metas a serem observadas como categorias fundamentais, as quais visam assegurar a existência de u m a sociedade livre, justa e solidária, procurando o desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza para promover o bem-estar de todos. A enumeração do art. 3º evidencia os fins do Estado brasileiro. Não é taxativa, mas exemplificativa, não exaurindo os escopos a que se destina a República Federativa do Brasil. Disso decorre a afirmação de que, entre nós, a definição dos fins estatais promana de uma enunciação de princípios, não se esgotando, simplesmente, pela intelecção d o art. 3º da Lex Mater, que deve ser analisado em conjunto com os arts. 1º, 2º e 4º. O certo é que a norma traz os objetivos definidos como categorias fundamentais, que se instrumentalizam através dos aludidos princípios. Eis os referidos objetivos fundamentais da República pátria: • Construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I) - é a meta prioritária da República Federativa do Brasil, irmando-se com os ideários de liberdade, justiça e solidariedade humana. Nesse sentido: "Se o comportamento da Administração impõe ao titular dos depósitos sacrifício individual desproporcional, agravado pela virtualidade do prejuízo irrecuperável ante a idade avançada do mesmo, não é ilegal o ato judicial que garante liminar de desbloqueio"(TRF, 42 Região, 3 T., MS 90.04.25430/RS, Rei . Des. Vol kmer de Castilho, decisão de 1 2-11-199 1 , OJ, 2 , de 2 9- 1 - 1 992, p . 898). • Garantir o desenvolvimento nacional (art. 3º, II) - os recursos materiais são imprescindíveis à melhoria das condições de vida do homem, porque lhe propiciam estabilidade, educação, saúde, cultura etc. Na Carta de 1988, desenvolvimento social é um sonho ainda inatingível a milhões de brasileiros. O vocábulo é recente na Sociologia e na Economia, significando a passagem de uma sociedade agrária para uma sociedade industrial, com aumento do Produto Interno Bruto e da renda per capita. Normalmente, o desenvolvimento social é medido pelo índice de mortalidade infantil, atendimento hospitalar, sanitarização pública, instalação de indústrias geradoras de empregos, grau de alfabetização, consumo de energia elétrica, cimento e Matéria: Material para concursos 3122 - 15/306 direitoconstitucional petróleo etc. • Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III) - ante a pobreza generalizada, o desenvolvimento social impõe a sua extirpação como única saída para o extermínio das desigualdades sociais e regionais. A preocupação do constituinte de 1988 foi salutar, pois, no Brasil, a pobreza, a indigência e a miséria são comuns, o que o distingue com o triste título de País do Terceiro Mundo, ainda quando muitos pensem de modo diferente, propagando o contrário. Metade da população brasileira, de 5 anos para cima, é ainda analfabeta, não sabendo escrever um simples bilhete. Lembre-se que a Emenda Constitucional n. 31, de 14 de dezembro de 2000, criou o Fundo de Combate à Pobreza. Para financiar esse Fundo, a Emenda Constitucional n. 42, de 19 de Dezembro de 2003, autorizou a criação adicional de até dois pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. O ICMS, por sua vez, deverá incidir sobre os produtos e serviços supérfluos e nas condições definidas em lei complementar, a qual deverá definir seus contribuintes, dispor sobre substituição tributária e disciplinar o regime de compensação do imposto (CF, art.155, § 22, XII). Recordemos que a Emenda Constitucional n. 67, de 22 de dezembro de 2010, prorrogou, por tempo indeterminado, o prazo de vigência do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. Numa tacada só, sapecou: ''Art. 12 Prorrogam-se, por tempo indeterminado, o prazo de vigência do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza a que se refere o caput do art. 79 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e, igualmente, o prazo de vigência da Lei Complementar n. 111, de 6 de julho de 2001, que 'Dispõe sobre o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, na forma prevista nos arts. 79, 80 e 81 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias"'. Pelo art. 22 da EC n. 67/2010, ela entrou em vigor na data de sua publicação, algo que ocorreu via Diário Oficial da União de 23 de dezembro de 2010. Informações adicionais sobre o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza: • O Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, instituído no âmbito do Poder Executivo Federal, foi regulamentado pela Lei Complementar n. 111 , de 6- 7-200 1 . Os arts. 79 a 83 do ADCT da Carta Magna estabeleceram as suas diretrizes. Já a Resolução n. 1 , de 6-5-2003, aprovou o Regimento Interno do Conselho Consultivo e de Acompanhamento do Fundo, com representantes da sociedade civil (CF, art. 79, parágrafo único, do ADCT). • A aplicação dos recursos do Fundo devem direcionar-se às ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço da renda familiar e outros programas de relevante interesse social que busquem a melhoria da qual idade de vida (CF, art. 79 do ADCT) . • Estados, Distrito Federal e Municípios devem instituir Fundos de Combate à Pobreza, com a participação obrigatória da sociedade civil em seu gerenciamento (CF, art. 82 do ADCT). • Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao (art. 3º, IV) - eis a igualdade formal consagrada como um dos objetivos da República pátria. Nossos irmãos do sul, norte, leste, oeste; os brancos, negros, judeus, índios, mulatos etc.; os heterossexuais e os homossexuais; crianças, jovens, adultos e idosos, todos são iguais em direitos e deveres. A presença deles, no cenário histórico brasileiro, repercutiu sensivelmente na miscigenação, nos costumes, na alimentação e, também, na religião. PRINCÍPIOS REGENTES DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA REPÚBLICA BRASILEIRA A República Federativa do Brasil rege-se, em suas relações internacionais, pelos princípios insculpidos no art. 4º, I a X, e parágrafo único, da Lex Mater. Basta ver a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (CF, art. 4º, IX), que se combina com a institucionalização do Mercosul (CF, art. 4º, parágrafo único), ou então a prevalência dos direitos do homem (CF, art. 4º, lI), suscetíveis de apreciação até por um Tribunal Internacional de Direitos Humanos (CF, art. 72 do ADCT). E mais: recorde-se dos próprios incisos que compõem o art. 52, Eles tratam dos direitos e garantias fundamentais, ligando-se ao princípio de que a República Federativa do Brasil participa dos tratados internacionais(CF, art. 5º, § 1º). Estudemos tais princípios: • Independência nacional (art. 4º, I) - explícito na Carta Imperial de 1824, o princípio retorna com o Texto de 1988. As demais constituições brasileiras não o previram. A independência nacional liga-se à ideia de soberania. O Estado brasileiro é independente, pois a sua vontade não está condicionada a injunções externas. • Prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II) -
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