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Direito Municipal_01

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2017	-	02	-	23
Revista	de	Direito	Administrativo	Contemporâneo
2015
ReDAC	vol.19	(Julho-Agosto	2015)
Direito	Municipal	e	Urbanístico
Direito	Municipal	e	Urbanístico
1.	Definição	e	concretização	do	direito	à	cidade:	entre	direitos	e
deveres	fundamentais
Definition	and	realization	of	the	right	to	the	city:	between
fundamental	rights	and	duties
GUILHERME	F.	DIAS	REISDORFER
Mestre	em	Direito	do	Estado	pela	Universidade	de	São	Paulo.	Advogado	em	Curitiba.	guilherme@justen.com.br
Sumário:
1.	Introdução
2.	O	direito	constitucional	urbanístico:	a	imposição	de	funções	e	deveres	para	a	coexistência	no
ambiente	urbano
3.	O	conteúdo	do	direito	à	cidade	sustentável:	a	juridicidade	em	rede
4.	O	direito	à	cidade	como	diretriz
5.	O	direito	à	cidade	como	resultado	de	determinada	organização	urbanística	–	os	vetores	para	sua
concepção	e	realização
5.1	O	dever	estatal	de	conceber,	dirigir	e	executar	uma	política	de	desenvolvimento	urbano:	a
dinâmica	do	direito	à	cidade
5.2	O	urbanismo	solidarista:	a	observância	de	deveres	e	encargos	urbanísticos	como	pressuposto
para	a	realização	do	direito	à	cidade
6.	Considerações	finais
7.	Referências	bibliográficas
Área	do	Direito:	Constitucional
Resumo:
A	 expressão	 direito	 à	 cidade	 foi	 inserida	 no	 direito	 positivo	 pela	 Lei	 Federal	 10.257/2001.	 O	 texto	 tem	 por
objetivo	examinar	a	conexão	entre	tal	noção	e	a	disciplina	constitucional	do	direito	urbanístico,	assim	como	se
propõe	a	analisar	o	seu	conteúdo,	a	sua	natureza	jurídica	e	a	sua	concepção	no	âmbito	municipal.
Abstract:
The	 expression	 right	 to	 the	 city	 has	 been	 incorporated	 into	 positive	 law	 by	 Federal	 Law	 10.257/2001.	 This
paper	aims	to	examine	the	connection	between	this	notion	and	the	constitutional	discipline	of	urban	law,	as
well	it	aims	to	analyze	its	contents,	its	legal	nature	and	its	conception	at	the	municipal	level.
Palavra	Chave:	Direito	urbanístico	-	Direito	à	cidade	-	Desenvolvimento	Urbano	sustentável	-	Direitos
fundamentais	-	Deveres	fundamentais.
Keywords:	Urban	planning	law	-	Right	to	the	city	-	Sustainable	urban	development	-	Fundamental	rights	-
Fundamental	duties.
1.	Introdução
O	ordenamento	consagra	a	noção	de	direito	à	cidade	sustentável	no	art.	2.º,	I,	da	Lei	10.257/2001.	O	conceito,
conquanto	não	expresso	na	Constituição,	tem	posição	destacada	no	direito	urbanístico	brasileiro.	Assim	como
o	Estatuto	da	Cidade	exerce	função	sistematizadora	do	ordenamento	urbanístico,	a	noção	de	direito	à	cidade
sustentável	desempenha	papel	inspirador	dos	contornos	concretos	da	política	urbana	municipal.
O	 objetivo	 deste	 texto	 é	 examinar	 o	 conteúdo	 e	 alguns	 aspectos	 relacionados	 à	 aplicação	 concreta	 dessa
expressão.	 Para	 tanto,	 o	 direito	 à	 cidade	 será	 considerado	 a	 partir	 de	 uma	 dupla	 perspectiva:	 enquanto
diretriz	(premissa)	de	definição	da	política	urbana	e	como	síntese	(resultado)	dessa	mesma	política.	Parte-se	da
premissa	de	que	a	noção	“direito	à	cidade	sustentável”	não	apresenta	conteúdo	unívoco,	de	modo	que	a	tarefa
aqui	proposta	pressupõe	abordar	não	apenas	a	 substância	propriamente	dita	da	expressão,	mas	 também	o
processo	de	definição	dos	elementos	(notadamente	os	direitos	e	deveres)	que	o	compõem.
2.	O	direito	constitucional	urbanístico:	a	imposição	de	funções	e	deveres	para	a	coexistência
no	ambiente	urbano
A	Constituição	Federal	de	1988	foi	a	primeira	Constituição	da	República	a	consagrar	um	capítulo	próprio	para
a	 política	 urbana,	 com	 a	 previsão	 do	 conjunto	 de	 disposições	 fundamentais	 do	 ordenamento	 urbanístico
brasileiro.	 Assim,	 se	 antes	 já	 era	 possível	 afirmar	 a	 autonomia	 do	 direito	 urbanístico	 na	 experiência
brasileira, 1	com	a	Constituição	essa	compreensão	veio	a	se	consolidar.
O	capítulo	específico	previsto	na	Constituição	alude	à	política	urbana	como	meio	para	atingir	determinados
fins.	 Dentre	 esses	 fins	 não	 está,	 ao	 menos	 não	 expressamente,	 a	 realização	 de	 um	 “direito	 a	 cidades
sustentáveis”.	 Também	 não	 se	 alude	 à	 realização	 de	 algum	 direito	 específico	 por	 intermédio	 da	 política
urbana.	Em	vez	disso,	o	art.	182	da	Constituição	prevê	que	a	política	urbana	“tem	por	objetivo	ordenar	o	pleno
desenvolvimento	das	funções	sociais	da	cidade	e	garantir	o	bem-estar	de	seus	habitantes”.	Daí	se	extrai	que	o
texto	 constitucional	 dispôs	 sobre	 uma	 disciplina	 objetiva	 da	 função	 pública	 urbanística,	 não	 fundada	 em
direito	 ou	 direitos	 subjetivos.	 Conquanto	 se	 aluda	 ao	 bem-estar	 dos	 habitantes	 das	 cidades,	 não	 há	 a
delimitação	 de	 posições	 jurídicas	 exigíveis.	 O	 art.	 182	 da	 CF	 ocupa-se	 de	 dois	 temas	 que	 poderiam	 ser
associados	a	um	possível	direito	à	cidade,	mas	que	são	com	ele	inconfundíveis.
O	 primeiro	 tema	 corresponde	 à	 forma	 pela	 qual	 a	 política	 urbana	 será	 concretizada	 e	 ao	 seu	 principal
instrumento	de	desenvolvimento,	que	é	o	plano	diretor	municipal.	Nos	 termos	do	§	1.º	do	art.	182,	o	plano
diretor	constitui	o	“instrumento	básico	da	política	de	desenvolvimento	e	de	expansão	urbana”,	a	ser	aprovado
pela	Câmara	Municipal	com	a	finalidade	de	promover	a	realização	das	funções	sociais	da	cidade	e	o	bem-estar
dos	seus	habitantes.
O	segundo	tema	diz	respeito	a	encargos	(novamente,	não	se	trata	de	direitos)	que	recairão	sobre	os	habitantes
da	cidade,	particularmente	quando	sejam	titulares	de	um	direito	específico	–	o	da	propriedade.	Os	§§	2.º,	3.º	e
4.º	do	art.	182	ocupam-se	de	definir	que	a	fruição	da	propriedade	urbana	passa	pela	observância	da	função
social	desse	direito.	Isso	significa	a	consagração	de	um	modelo	normativo	que	assegura	direitos	individuais,
mas	que	também	determina	limites	para	o	seu	exercício	e	parâmetros	para	a	coexistência	em	face	de	posições
jurídicas	titularizadas	por	terceiros.	De	acordo	com	o	art.	182,	o	descumprimento	desses	limites	e	parâmetros
autoriza	a	imposição	de	deveres	específicos	ao	proprietário	urbano	(parcelamento	ou	edificação	compulsórios
e	obrigações	tributárias	mais	intensas),	até	a	solução	final	e	drástica	de	desapropriação.
Pode-se,	 então,	 sintetizar	 o	 programa	 constitucional	 urbanístico	 a	 partir	 da	 consagração	 de	 três	 vetores:
planejamento	urbano,	gestão	democrática	e	solidarismo. 2	De	acordo	com	os	dois	primeiros	vetores,	atribui-se
ao	Poder	Público	o	dever	de	desenvolver	e	conceber	política	urbana	concatenada	e	processada	em	instâncias
democráticas,	 tendo	 o	 objetivo	 de	 promover	 o	 bem-estar	 da	 população	 urbana.	 Conforme	 o	 terceiro	 vetor,
prevê-se	que	a	realização	do	bem-estar	passa	pela	disciplina	da	atuação	dos	próprios	habitantes	e	usuários	do
meio	 urbano,	 sobre	 os	 quais	 incidem	 deveres	 destinados	 a	 assegurar	 a	 compatibilidade	 das	 iniciativas
privadas	com	as	diretrizes	de	desenvolvimento	urbano	que	venham	a	ser	consagradas.
Ou	 seja:	 a	Constituição	não	esclarece	qual	 seria	o	 conteúdo	de	um	direito	à	cidade	sustentável.	 Antes	 disso,
distribui	 funções	 e	 responsabilidades.	 Atribuem-se	 funções	 diversas	 à	 cidade	 (e,	 por	 extensão,	 ao	 próprio
Poder	Público,	gestor	do	ambiente	urbano	em	sentido	amplo)	e	aos	que	nela	habitam	ou	exercem	atividades.
Vê-se	 aqui	 certa	 influência	 da	 concepção	 funcional-racionalista	 do	 urbanismo,	 desenvolvida	 no	 início	 do
século	XX,	que	visualizava	a	cidade	“como	um	grande	ser	com	diferentes	funções” 3	–	 funções	estas	que,	por
sua	 vez,	 seriam	 delimitadas	 a	 partir	 de	 técnicas	 como	 o	 zoneamento	 e	 viabilizadas	 a	 partir	 de	 um	 corpo
específico	 de	 regras	 jurídicas,	 disciplinadoras	 do	 uso	 e	 da	 ocupação	 do	 espaço	 urbano.	 Essa	 concepção
encontra-se	consagrada	de	modo	emblemático	na	Carta	de	Atenas,	elaborada	no	Congresso	Internacional	de
Arquitetura	Moderna	realizado	em	1933.	Desse	documento	extrai-se	que	o	ordenamento	das	cidades	deveria
realizar	 aquilo	 que	 corresponderia	 às	 quatro	 funções	 elementares	 do	 ambiente	 urbano,	 consistentesna
promoção	da	habitação,	do	trabalho,	da	circulação	e	da	recreação	da	população.	Por	essa	concepção,	a	cidade
é	vista	como	ambiente	a	ser	racionalizado	e	 funcionalizado	para	atender	as	necessidades	humanas	básicas.
Em	outras	palavras,	“o	urbanismo	é	visto	como	uma	arquitetura	em	grande	escala”. 4
Essas	 referências	permitem	apreender	o	 lastro	histórico	e	cultural	que	acompanha	a	 ideia	de	 função	social
(ou,	 mais	 precisamente,	 de	 funções	 sociais)	 da	 cidade.	 Mas	 qual	 é	 o	 conteúdo	 dessas	 funções,	 tal	 como
consagradas	 na	 Constituição	 de	 1988?	 Embora	 não	 exista	 uma	 determinação	 normativa,	 parece	 forçoso
concluir	 que	 tais	 funções	 não	 constituem	 fins	 em	 si	 mesmos.	 Como	 se	 extrai	 da	 ideia	 de	 função,	 elas
constituem	 conceitos	 instrumentais	 –	 encontram-se	 dirigidas	 à	 realização	 de	 objetivos	 determinados	 pela
Constituição.	 No	 tocante	 ao	 direito	 urbanístico,	 tem-se	 um	 objetivo	 constitucional	 amplo	 e	 aberto,	 que
corresponde	à	realização	do	bem-estar	dos	indivíduos.	É	essa	a	finalidade	que	deve	inspirar	a	política	urbana.
Portanto,	 as	 funções	 sociais	 da	 cidade	 vinculam-se	 ao	 atendimento	do	bem-estar	 e,	 como	 consequência,	 do
conjunto	de	direitos	e	 interesses	 juridicamente	relevantes	que	podem	ser	relacionados	a	esta	última	noção.
Conforme	a	síntese	de	Thiago	Marrara,	 “a	realização	da	função	social	da	cidade	envolve	a	concretização	de
direitos	fundamentais,	civis	e	sociais	e	baliza-se	pelos	princípios	fundadores	do	Estado	Brasileiro	(arts.	1.º	e	3.º
da	Constituição	da	República)”. 5
Tal	 compreensão	permite	 estabelecer	uma	 conexão	 entre	 o	 caput	 do	 art.	 182	 e	 a	 noção	 de	direito	 à	 cidade
sustentável.	 Se	 as	 funções	 sociais	 instrumentalizam-se	 à	 realização	 de	 necessidades	 humanas	 no	 ambiente
urbano,	é	necessário	definir	quais	são	essas	necessidades	e	como	observá-las	e	atendê-las.	Coube	à	legislação
ordinária	 essa	 tarefa,	 consistente	 em	 delimitar	 a	 perspectiva	 dos	 direitos	 que	 devem	 nortear	 a	 disciplina
urbanística.
3.	O	conteúdo	do	direito	à	cidade	sustentável:	a	juridicidade	em	rede
A	positivação	do	direito	à	cidade	sustentável	consagra	um	conjunto	de	necessidades	humanas	relacionadas	à
estruturação	 do	 ambiente	 urbano.	 Segundo	 dispõe	 o	 art.	 2.º,	 I,	 da	 Lei	 10.257/2001,	 o	 direito	 à	 cidade	 é
“entendido	como	o	direito	à	terra	urbana,	à	moradia,	ao	saneamento	ambiental,	à	infraestrutura	urbana,	ao
transporte	e	aos	serviços	públicos,	ao	trabalho	e	ao	lazer,	para	as	presentes	e	futuras	gerações”.	Trata-se,	como
se	 vê,	 de	 um	 plexo	 de	 posições	 jurídicas	 que,	 em	 medidas	 variáveis,	 relacionam-se	 com	 o	 bem-estar	 dos
habitantes	da	cidade.
Como	é	possível	inferir	das	normas	acima	mencionadas,	o	bem-estar	e	o	“direito	à	cidade”	não	se	restringem	à
satisfação	 dos	 direitos	 individuais.	 É	 bem	 verdade	 que	 o	 direito	 à	 cidade,	 tal	 como	 positivado,	 revela	 um
ângulo	próximo	da	individualidade	dos	habitantes.	Nesse	sentido,	o	art.	2.º,	 I,	do	Estatuto	da	Cidade	alude	à
realização	do	direito	à	terra	e	à	moradia,	à	possibilidade	de	trabalho	e	de	lazer	e	à	disponibilidade	de	serviços
públicos	 uti	 singuli,	 de	 fruição	 individual	 por	 usuários	 determinados.	 Mas	 há	 ainda	 outra	 dimensão,
complementar	e	mais	ampla,	relativa	à	existência	de	condições	urbanas	gerais	sadias,	atinentes	à	organização
e	ordenação	do	território,	à	disponibilização	de	 infraestrutura	urbana	de	fruição	coletiva,	à	preservação	do
patrimônio	histórico-cultural	e	do	meio	ambiente.	Todos	esses	elementos	surgem	associados	à	perspectiva	de
desenvolvimento	não	apenas	de	curto	prazo,	mas	como	via	de	concretização	dos	mesmos	direitos	de	 forma
sustentável,	para	as	presentes	e	futuras	gerações.
O	conteúdo	do	chamado	“direito	à	cidade”	compreende	ambas	as	dimensões,	relativas	a	posições	jurídicas	de
caráter	 individual	 e	 coletivo,	 mas	 não	 se	 limita	 a	 uma	 dicotomia	 entre	 esses	 polos	 –	 antes,	 verificam-se
relações	de	rivalidade	relativa	e	de	complementaridade	entre	eles.
Em	primeiro	lugar,	os	diversos	elementos	que	integram	a	noção	de	direito	à	cidade	podem	ser	considerados
rivais	quando	se	considera,	em	um	contexto	de	escassez	de	recursos,	a	divisão	de	verbas	orçamentárias	para	a
realização	 dos	 vários	 interesses	 existentes.	 A	 realização	 dos	 vários	 direitos	 envolve	 não	 apenas	 um	 juízo
jurídico,	 mas	 juízo	 de	 cunho	 político	 atinente	 à	 eleição	 de	 prioridades	 e	 à	 alocação	 de	 recursos	 em	 cada
momento.	O	tema	ainda	será	retomado	no	decorrer	deste	texto.
Em	segundo	lugar,	é	de	se	constatar	que	a	rivalidade	é,	a	rigor,	relativa.	Em	princípio,	verifica-se	também	uma
relação	 de	 complementaridade	 entre	 os	 elementos	 que	 disputam	 recursos	 para	 a	 sua	 consecução.	 Assim,
mesmo	 as	 posições	 jurídicas	 tipicamente	 individuais	 relacionam-se	 com	 o	 atendimento	 de	 interesses	 de
caráter	coletivo.	A	garantia	do	bem-estar	urbano,	ainda	quando	analisada	a	partir	de	um	prisma	individual,
não	se	restringe	à	consagração	de	direitos	 individuais,	pois	a	observância	destes	não	prescinde	do	acesso	a
bens	e	serviços	públicos.
Veja-se	 o	 exemplo	do	direito	 à	moradia.	 Conforme	disposto	no	 art.	 2.º,	 I,	 do	 Estatuto	 da	 Cidade,	 o	 acesso	 à
moradia	integra	o	direito	à	cidade.	Ocorre	que	a	realização	desse	direito	começa	pela	existência	de	habitação,
mas	não	se	limita	a	esse	aspecto.	Tão	relevante	quanto	garantir	a	moradia	propriamente	dita	é	assegurá-la	em
condições	dignas,	 o	que	pressupõe	o	 atendimento	de	 condições	mais	 amplas	 e	não	 relacionadas	 a	posições
jurídicas	 individuais	 específicas.	 Dentre	 outros	 elementos,	 a	 realização	 desse	 direito	 passa	 pela
disponibilidade	de	acesso	à	infraestrutura	urbana	e	a	serviços	essenciais,	bem	como	ao	meio	ambiente	sadio.
Tal	 é	 necessário	 não	 apenas	 para	 realizar	 o	 direito	 individual	 do	 morador,	 mas	 também	 para	 propiciar
ambiente	 urbano	 sadio	 para	 a	 coletividade.	 Pense-se	 na	 situação	 das	 ocupações	 precárias.	 Há	 interesses
individuais	 (dos	moradores	da	ocupação)	e	da	 coletividade	envolvidos	no	propósito	de	 regularizar	 referido
espaço	 e	 integrá-lo	 ao	 seu	 entorno.	 Ou	 seja,	 a	 concretização	 do	 referido	 direito	 pressupõe	 um	 plexo	 de
circunstâncias	 e	 elementos	 que,	 conquanto	 não	 intrínsecos	 à	 habitação	 em	 si,	 sejam	 aptos	 a	 qualificá-la	 a
partir	da	existência	de	condições	sadias	e	harmônicas	de	convivência.
Daí	se	segue	a	 impossibilidade	de	enquadrar	a	noção	de	bem-estar	dos	habitantes	da	cidade	como	conceito
subjetivo,	 individualista,	o	que	remete	 tal	noção	à	consagração	de	um	direito	à	própria	cidade.	 Assim	 se	 dá
porque	 a	 concretização	 de	 certos	 direitos,	 mesmo	 individuais,	 demanda	 a	 consideração	 de	 aspectos
relacionados	 à	 estruturação	 do	 ambiente	 urbano	 como	 um	 todo.	 Tal	 como	 essas	 várias	 posições	 jurídicas
compõem	a	noção	mais	ampla	de	direito	à	cidade,	é	igualmente	correto	afirmar	que	a	realização	da	própria
noção	de	direito	à	cidade,	em	seus	multifacetados	aspectos,	é	necessária	para	viabilizar	a	plena	concretização
de	 cada	 um	 dos	 diversos	 elementos	 que	 o	 compõem.	 O	 exemplo	 do	 direito	 à	 moradia	 bem	 ilustra	 a
necessidade	de	condições	coletivas	e	estruturais	para	a	plena	efetividade	dos	direitos	individuais.
Pode-se	afirmar,	então,	que	o	direito	à	cidade	revela-se	como	produto	jurídico	complexo,	estruturado	em	um
esquema	de	juridicidade	em	rede. 6	Nele	estão	envolvidas	diversas	situações	jurídicas	integradas,	que	revelam
um	 “carácter	 poligonal	 ou	multifuncional	 (quanto	 aos	 seus	 titulares	 activos,	 aos	 seus	 titulares	 passivos	 ou
destinatários	e	ao	seu	conteúdo)”. 7	O	esquema	de	juridicidade	em	rede	produz	via	de	mão	dupla:	o	direito	à
cidade	 é	 não	 apenas	 integrado	 por	 determinados	 direitos	 e	 prestações,	 mas	 em	 alguma	 medida	 também
concorre	para	realizá-los.	Trata-se	de	situação	em	queo	conjunto	 (o	direito	à	cidade)	concorre	para	a	plena
fruição	dos	seus	elementos,	correspondentes	aos	direitos	e	interesses	jurídicos	que	o	integram.	Nesse	modelo,
coexistem	relações	de	rivalidade	relativa	e	de	complementaridade	entre	os	vários	componentes.	A	realização
das	 diversas	 posições	 jurídicas	 implica	 uma	 espécie	 de	 “externalidade	 positiva”	 recíproca,	 que	 resulta	 na
realização	dos	demais	direitos	e	interesses	tidos	como	“concorrentes”.
4.	O	direito	à	cidade	como	diretriz
As	 características	 acima	 descritas	 afastam	 o	 direito	 à	 cidade,	 tal	 como	 positivado,	 da	 noção	 tradicional	 de
direito	subjetivo.	Assim	se	dá	inclusive	porque	o	conceito	de	direito	à	cidade	sustentável,	embora	definido	de
forma	analítica	no	texto	 legal,	é	meramente	abstrato.	A	realização	conjunta	e	ótima	dos	diversos	elementos
referidos	no	 art.	 2.º,	 I,	 da	Lei	 10.257/2001	 retrata	uma	 certa	 situação	 ideal.	Na	prática,	 que	nem	 sempre	 se
caracteriza	 pela	 realização	 plena	 de	 todas	 as	 posições	 jurídicas	 (individuais	 e	 coletivas)	 envolvidas,	 a
consagração	do	direito	à	cidade	passa	pelo	enfrentamento	de	contextos,	necessidades	e	desafios	diversos,	em
regra	marcados	pela	escassez	de	recursos,	o	que	impõe	a	consagração	de	prioridades	de	atuação.
Tal	“direito”,	portanto,	é	definido	concretamente	e	segundo	arranjos	diversos,	conforme	cada	política	urbana
específica.	Por	esse	prisma,	o	direito	à	 cidade	assemelha-se	mais	a	um	mandado	de	otimização	complexo	e
variável,	 cuja	 efetivação	 ao	 mesmo	 tempo	 pressupõe	 e	 concorre	 para	 a	 realização	 das	 diversas	 posições
jurídicas	que	se	relacionam	com	o	meio	urbano.
Essas	peculiaridades	podem	justificar	críticas	à	utilização	da	palavra	direito	para	a	noção	ora	tratada.	Até	que
ponto	existiria	um	direito	à	cidade	com	posições	 jurídicas	consolidadas	e	que	apresente	conteúdo	estável	e
juridicamente	exigível	em	relação	ao	conjunto	de	elementos	que	o	compõem?	O	próprio	Estatuto	da	Cidade
subsidia	a	possível	 crítica,	ao	positivar	a	garantia	do	direito	à	cidade	sustentável	 como	diretriz	das	políticas
urbanas	que	terão	os	contornos	definidos	no	âmbito	de	cada	Município.
A	despeito	do	crescente	recurso	às	diretrizes	como	técnica	legislativa,	o	conceito	jurídico	de	diretriz	não	tem
recebido	maiores	 aprofundamentos.	 A	 utilização	 da	 noção	 reflete	 a	 juridificação	 de	 programas	 e	 políticas
públicas	 de	 ação	 estatal	 e	 evidencia	 a	 evolução,	 verificada	 ao	 longo	do	 século	XX,	 da	 forma	de	 atuação	do
Estado	 em	 face	 dos	modelos	 liberais	 tradicionais.	 Tem-se	 a	 emergência	 de	 um	modelo	 de	 governement	 by
policies,	 representativo	 da	 intervenção	 ativa	 do	 Estado	 Social	 na	 economia	 e	 nas	 relações	 sociais.	 O	 novo
modelo	 de	 atuação	 envolve	 o	 exercício	mais	 intenso	 e	 constante	 da	 função	 normativa,	 aliado	 à	 utilização
contínua	 de	 técnicas	 de	 diagnóstico	 e	 de	 previsão	 da	 realidade,	 para	 a	 formulação	 jurídica	 de	 objetivos
factíveis	que	orientarão	a	execução	das	políticas	públicas	ao	longo	do	tempo. 8	A	ideia	de	lei	estável	cede	lugar
a	uma	postura	regulatória	contínua	e	prospectiva	da	realidade	em	constante	evolução.
É	 nesse	 contexto	 que	 as	 diretrizes	 surgem	 como	 instrumento	 normativo,	 com	 o	 propósito	 de	 orientar	 a
intervenção	estatal	em	direção	ao	atendimento	de	objetivos	sociais,	econômicos	ou	políticos.	Notadamente	os
planos	 estatais	 (incluído	 aí	 o	 planejamento	 urbano)	 revelam-se	 como	 “normas-objetivo”, 9	 não	 pautados
exclusivamente	 por	 regras,	 mas	 também	 por	 princípios,	 diretrizes	 e	 objetivos	 gerais.	 Nas	 palavras	 de
Fernando	Alves	Correia,	isso	significa	que	“a	lei	não	programa	condicionalmente	a	planificação	(...)	(de	acordo
com	 o	 esquema	 ‘Se	 A,	 então	 B’),	 mas	 apenas	 finalmente	 (Finalprogramme),	 no	 sentido	 de	 que	 a	 lei	 indica
apenas	os	fins	ou	os	objectivos	da	planificação	na	forma	de	directivas	(Richtpunkten),	remetendo	a	escolha	dos
meios	 e	 do	 momento	 mais	 adequados	 para	 atingir	 os	 referidos	 fins	 ou	 objectivos	 para	 a	 própria
Administração”. 10
Daí	 se	 extrai	 que	 as	 diretrizes	 operam	 como	 instrumentos	 inspiradores	 e	 conformadores	 da	 política	 e	 do
planejamento	urbanos,	sem	determinar,	em	termos	definitivos	e	absolutos,	as	formas	de	atuação	estatal	que
serão	adotadas.	Dito	de	outro	modo,	as	diretrizes	confirmam	a	existência	de	certa	autonomia	do	Poder	Público
no	 tocante	 à	 definição	dos	meios	 a	 serem	aplicados	 para	 atender	 os	 fins	 consagrados	no	plano	normativo.
Nesse	 sentido,	 no	 direito	 português,	 António	 Francisco	 Sousa	 descreve	 as	 “directivas”	 enquanto	 linhas
orientadoras	do	planejamento,	como	“normas	de	conduta	que,	em	cada	momento,	perante	as	circunstâncias
concretas,	têm	um	significado	próprio.	As	directivas	da	planificação	não	são	fins,	mas	visam	os	fins”. 11
Desse	modo,	é	possível	afirmar	que	a	consagração	da	garantia	do	direito	à	cidade	como	diretriz	confirma	que
a	descrição	do	seu	conteúdo,	feita	pela	Lei	10.257/2001,	é	meramente	aproximativa.	Não	é	viável	considerar	a
noção	 de	 direito	 à	 cidade	 como	 feixe	 de	 direitos	 e	 garantias	 estáveis	 e	 com	 conteúdo	 predeterminado.	 É	 a
eleição	concreta	de	prioridades	e	o	equilíbrio	dinâmico 12	entre	os	diversos	componentes	(direitos	individuais
e	sociais,	a	par	do	desenvolvimento	econômico	e	da	proteção	ambiental)	que	permitem	precisar	o	conteúdo	do
direito	 à	 cidade	 em	 cada	 caso.	 Nessa	 condição,	 a	 noção	 complexa	 de	 direito	 à	 cidade	 constitui	 diretriz
(premissa)	 para	 a	 estruturação	 da	 organização	 ou	 da	 ordem	 urbanística	 local	 e	 apresenta	 conteúdo
relativamente	aberto. 13
5.	O	direito	à	cidade	como	resultado	de	determinada	organização	urbanística	–– 	os	vetores
para	sua	concepção	e	realização
Como	 a	 Lei	 10.257/2001	 não	 permite	 aferir	 com	 exatidão	 o	 conteúdo	 concreto	 do	 direito	 à	 cidade,	 cabe
examinar	 como	 se	dá	a	 concretização	dessa	diretriz	 e	do	plexo	de	posições	 jurídicas	que	a	 compõem.	Para
tanto,	 considera-se	que	o	processo	de	definição	 e	 realização	do	direito	 à	 cidade	desenvolve-se	basicamente
pela	concepção	e	execução	do	planejamento	urbano,	com	a	consagração	de	determinada	política	urbana	que
realize	e	assegure	certo	conjunto	de	direitos	aos	habitantes	e	usuários	do	meio	urbano	em	geral,	ao	tempo	em
que	estipula	a	observância	de	deveres	fundamentais	dos	sujeitos	privados,	a	partir	do	modelo	constitucional
de	urbanismo	solidarista.
5.1.	O	dever	estatal	de	conceber,	dirigir	e	executar	uma	política	de	desenvolvimento	urbano:	a	dinâmica	do	direito
à	cidade
Acima	se	afirmou	que	a	noção	do	direito	à	cidade	revela-se	a	partir	de	certo	estado	de	equilíbrio	no	tocante	à
realização	 dos	 diversos	 elementos	 que	 o	 compõem.	 A	 questão	 fundamental	 reside	 em	 determinar	 no	 que
exatamente	consiste	tal	equilíbrio,	qual	o	seu	conteúdo	concreto.	A	indeterminabilidade	do	equilíbrio	não	se
resolve	 mediante	 a	 simples	 aplicação	 de	 critérios	 jurídicos	 de	 interpretação.	 A	 dificuldade	 em	 termos
concretos	 decorre	 em	 grande	 medida	 porque,	 dada	 a	 escassez	 de	 recursos,	 encontra-se	 subjacente	 uma
questão	(deliberação)	política,	atinente	à	necessidade	de	compor	a	série	de	 interesses	e	 finalidades	públicas
que,	embora	 legítimos,	 são	concorrentes	entre	si,	 e	 sob	 tal	 condição	disputam	os	recursos	para	a	 sua	plena
realização.	A	disputa	se	põe	de	forma	mais	evidente	no	tocante	aos	custos	necessários	à	efetivação	dos	direitos
sociais,	“que,	enquanto	direitos	a	bens	rivais	ou	altamente	rivais,	colocam	o	melindroso	problema	das	opções
políticas	a	realizar”. 14
Se	se	reconhece	a	existência	de	deveres	a	serem	assumidos	pelo	Estado	no	meio	urbano,	não	são	exatamente
claras	 as	 posições	 jurídicas	 efetivamente	 exigíveis	 que	 daí	 se	 extraem,	 isto	 é,	 quais	 são	 as	 pretensões
concretas,	individuais	e	coletivas,	asseguradas	aos	cidadãos	ou	poreles	exigíveis.	Nesta	seara,	até	é	possível	e
viável	 reconhecer	 a	 ilegitimidade	 de	 uma	 omissão	 absoluta	 do	 Estado.	 Porém,	 é	 problemático	 definir	 qual
deve	ser	o	conteúdo	das	ações	estatais	a	serem	promovidas	e	até	que	ponto	é	possível	demandar	do	Estado
uma	ou	outra	direção.	Essa	é	uma	resposta	que,	em	regra,	depende	da	conjuntura	local.
Daí	se	afirmar	que,	para	realizar	o	fim	de	promover	o	desenvolvimento	sustentável	da	cidade,	o	Poder	Público
assume	 a	 tarefa	 de	 estabelecer	 e	 concretizar	 política	 urbana	 específica,	 que	 abrange	 o	 planejamento	 e	 a
ordenação	urbana	aptos	a	 identificar	e	consagrar	os	direitos	a	serem	observados.	O	dever	de	planejamento
pressupõe	o	encargo	de	diagnosticar	a	realidade	urbana	e	definir	soluções	para	os	problemas	verificados,	ante
os	 recursos	 disponíveis	 e	 as	 necessidades	 existentes.	 Dentre	 as	 alternativas	 que	 se	 põem,	 o	 planejamento
consagra	 opções	 políticas,	 técnicas	 e	 jurídicas	 para	 superar	 as	 carências	 existentes	 e	 prevenir	 problemas
futuros,	de	acordo	com	a	eleição	de	prioridades	e	diretrizes	de	atuação	em	vista	dos	recursos	escassos.	Trata-
se	 de	 função	 prospectiva	 e	 contínua,	 de	 caráter	 político-jurídico	 e	 que,	 sendo	 voltada	 à	 promoção	 do
desenvolvimento	urbano,	encontra-se	intrinsecamente	relacionada	à	realidade	à	qual	será	aplicada.
Segue-se	daí	que	é	a	política	urbana	instituída	num	dado	local,	veiculada	por	meio	do	planejamento	urbano,
que	define	o	conteúdo	exato	do	direito	à	cidade.	Em	outras	palavras,	o	direito	à	cidade	positivado	no	Estatuto
da	Cidade	depende	de	uma	intermediação	legislativa	e	burocrática 15	no	âmbito	local	para	que	o	seu	conteúdo
e	 as	 posições	 jurídicas	 a	 ele	 relacionados	possam	 ser	 identificados	de	 forma	 integrada.	 Caberá	 à	 disciplina
local	concretizar	as	diretrizes	de	política	urbana	(dentre	aquelas	referidas	no	art.	2.º	do	Estatuto	da	Cidade),
para,	a	partir	delas,	consolidar	um	conjunto	básico	de	orientação	a	partir	do	qual	serão	definidas,	de	acordo
com	a	 realidade	 local,	 as	 formas	 e	 as	 prioridades	 de	 atuação	do	 Poder	 Público	 e,	 a	 par	 disso,	 os	 direitos	 e
deveres	dos	particulares.
Em	outras	palavras,	tal	como	a	política	e	o	planejamento	urbano,	o	próprio	direito	à	cidade	possui	conteúdo
dinâmico.	 Isso	 se	 dá	 tanto	 em	 razão	 da	 sua	 estreita	 relação	 com	 a	 realidade	 local	 à	 qual	 se	 aplica	 quanto
porque	 os	 seus	 elementos	 (muitos	 deles	 direitos	 fundamentais)	 são	 igualmente	 evolutivos,	 admitem	 vários
arranjos	possíveis	de	realização	e	se	encontram	em	constante	colisão.	A	dinâmica	exige,	afinal,	ponderações
constantes	na	concepção,	na	execução	e	na	constante	revisão	da	política	urbana.
A	partir	dessas	considerações,	além	de	diretriz	(premissa),	o	direito	à	cidade	pode	ser	visto	por	outro	ângulo,
na	medida	em	que	 também	corresponde	à	 síntese	 (resultado)	 de	determinada	organização	urbanística,	 que
abrange	 o	 conjunto	 de	 relações	 jurídicas	 que	 os	 vários	 sujeitos	 desenvolvem	 no	 meio	 urbano.	 A	 essa
organização	 urbanística	 vinculam-se	 direitos	 de	 liberdade	 (relacionados,	 em	 particular,	 às	 faculdades	 de
dispor	da	propriedade	e	desenvolver	atividades	no	meio	urbano),	direitos	sociais	e	transindividuais,	atinentes
à	configuração	do	ambiente	urbano	em	sua	acepção	ampla,	e	direitos	de	participação	política,	que	propiciam
o	 envolvimento	 dos	 cidadãos	 na	 própria	 definição	 do	 que	 consistirá	 a	 ideia	 de	 “direito	 à	 cidade”	 em	 cada
localidade.	 O	 direito	 à	 cidade,	 concretamente	 considerado,	 pode	 ser	 considerado	 como	 o	 produto	 desse
conjunto	normativo.
5.2.	O	urbanismo	solidarista:	a	observância	de	deveres	e	encargos	urbanísticos	como	pressuposto	para	a
realização	do	direito	à	cidade
A	efetiva	realização	do	direito	à	cidade	não	depende	apenas	das	providências	relacionadas	à	consagração	da
política	e	do	planejamento	urbanos.	É	a	execução	da	política	urbana	que	propiciará	a	efetiva	realização	do
direito	 à	 cidade,	 a	 partir	 da	 atuação	 dos	 vários	 atores	 urbanos	 segundo	 a	 organização	 urbanística
estabelecida.	 A	 compreensão	 desse	 processo	 passa	 pela	 consideração	 dos	direitos	 e	 interesses	 tutelados,	 tal
como	 já	 acima	 referido,	mas	 também	e	 de	 igual	modo	pressupõe	 a	 consideração	 dos	deveres	 estabelecidos
para	possibilitar	a	realização	da	política	urbana.
A	reflexão	sobre	a	tutela	dos	direitos	e	interesses	existentes	no	âmbito	urbano	tem-se	consolidado	ao	longo	do
tempo	e	é	marcada	por	um	discurso	tendencialmente	voltado	à	expansão	de	direitos.	Com	efeito,	grande	parte
do	discurso	contemporâneo,	notadamente	no	que	se	refere	aos	direitos	fundamentais,	baseia-se	no	propósito
de	universalização	e	tem	como	perspectiva	a	ideia	do	“quanto	mais	melhor”,	que	se	traduz	na	afirmação	de
que	são	“boas	todas	as	estratégias	que	conduzem	à	máxima	efectividade	possível” 16	desses	direitos.
Trata-se	do	que	se	tem	denominado	como	inflação	de	direitos,	que,	segundo	Luis	María	Bandieri,	caracteriza
“el	plexo	de	derechos	fundamentales	como	una	suerte	de	masa	en	expansión,	de	donde	inducir	principios	que
permitan	 una	 constante	 y	 acumulativa	 irradiación	 de	 aquellos	 derechos,	 a	 partir	 de	 un	 ejercicio	 de
sopesamiento	y	ponderación”. 17	Por	essa	perspectiva,	em	vista	de	razões	históricas	e	culturais,	os	direitos	(e	o
discurso	subjacente	à	sua	consagração)	encontrar-se-iam	em	constante	“expansão	horizontal”.
O	tema	é	especialmente	relevante	para	os	debates	sobre	o	conteúdo	do	direito	à	cidade,	ante	a	pluralidade	de
demandas	 existentes	 e	 a	 escassez	 de	 recursos	 para	 concretizá-las.	 A	 proclamação	 da	 universalização	 de
direitos	 pressupõe	 a	 definição	 sobre	 como	 arcar	 com	 os	 custos	 pressupostos	 na	 realização	 desses	 direitos,
alocar	recursos	e	partilhar	as	responsabilidades	correspondentes.	Trata-se	da	discussão	sobre	como	estruturar
determinada	política	urbana	cuja	execução	se	revele	viável	em	termos	práticos.
Esse	 ângulo	 de	 exame	 da	 questão	 aponta	 para	 um	 aspecto	 relevante:	 a	 estruturação	 do	 direito	 à	 cidade
envolve	 não	 apenas	 direitos	 e	 faculdades,	 mas	 se	 dá	 também	 a	 partir	 da	 determinação	 de	 deveres
fundamentais.	Essa	afirmação	baseia-se	em	mais	de	uma	razão.	Em	primeiro	 lugar,	ela	decorre	da	premissa
constitucional	de	que	não	compete	apenas	ao	Estado	atuar	em	conformidade	com	a	política	urbana,	pois	são
atribuídas	 funções	 (encargos)	 também	 aos	 próprios	 cidadãos	 (art.	 182,	 §	 2.º).	 Em	 segundo	 lugar,	 ela	 se
relaciona	com	a	experiência	que	demonstra	que	a	centralização	de	decisões	e	providências	na	esfera	estatal
em	regra	não	superou,	por	si	só,	os	impasses	e	as	carências	estruturais	nas	cidades. 18	Em	terceiro	lugar,	tem-
se	que,	mesmo	se	 fosse	 factível	 tal	 centralização,	essa	solução	não	prescindiria	da	necessidade	de	 financiar
toda	a	atividade	que	seria	então	realizada	pelo	aparato	estatal.
Daí	se	dizer	que	a	concretização	do	direito	à	cidade	passa	não	apenas	pela	estipulação	de	posições	 jurídicas
ativas,	 para	 reivindicação	 de	 posturas,	 ações	 e	 prestações	 estatais,	mas	 envolve	 também	posições	 jurídicas
passivas.	Os	direitos	(como	os	vários	que	compõem	a	noção	de	direito	à	cidade)	constituem	posições	jurídicas
que	não	podem	“ser	dissociadas	da	correspondente	responsabilidade”. 19	A	 imposição	de	deveres	 justifica-se
porque	 não	 é	 possível	 separar	 de	 forma	 absoluta	 as	 esferas	 individual	 e	 coletiva	 no	 âmbito	 urbano:	 para
realizar	 o	 direito	 à	 cidade,	 é	 necessário	 financiá-lo	 e	 observar	 certas	 condições	 (inclusive	 dentro	 das
iniciativas	 privadas	 de	 atuação	 no	 ambiente	 urbano)	 consentâneas	 com	 a	 política	 urbana	 que	 se	 dirige	 ao
atendimento	do	art.	2.º,	I,	da	Lei	10.257/2001. 20
Assim,	 os	 ordenamentos	 urbanísticos	 em	 geral	 –	 e	 essa	 característica	 está	 presente	 no	 direito	 brasileiro	 –
tendem	a	consagrar	um	“dever	de	os	particularescolaborarem	na	execução	dos	planos	urbanísticos”. 21	Trata-
se	 de	 implementar,	 como	 via	 de	 concretização	 do	 direito	 à	 cidade,	 compromisso	 a	 ser	 definido	 em	 termos
concretos	no	âmbito	municipal,	refletindo	o	objetivo	fundamental	de	construção	de	uma	sociedade	solidária
previsto	no	art.	3.º,	I,	da	CF. 22
Enquanto	 a	 teoria	 sobre	 os	 direitos	 dispõe	 de	 larga	 produção	 (e	 se	 encontra,	 como	 acima	 referido,	 em
expansão),	 a	 doutrina	 sobre	 os	 deveres	 é	 ainda	 incipiente.	 Costuma-se	 classificá-los	 como	 autônomos	 ou
conexos	a	algum	direito. 23	A	diferença	reside	na	existência	de	relação	direta	entre	o	dever	e	a	conformação	de
dado	 direito	 subjetivo.	 Os	 deveres	 autônomos	 não	 apresentam	 tal	 relação	 (i.e.,	 são	 deveres	 exigíveis	 de
determinado	 sujeito	 independentemente	 de	 este	 dispor	 de	 algum	 direito	 correspondente),	 enquanto	 os
deveres	conexos	“tomam	forma	a	partir	do	direito	fundamental	ao	qual	estão	atrelados	materialmente”. 24	A
diferença	fica	muito	clara	no	exame	de	alguns	dos	deveres	urbanísticos	instrumentais	à	realização	do	direito
à	cidade.
Um	primeiro	exemplo	significativo	de	dever	autônomo,	que	vincula	a	sociedade	como	um	todo,	mesmo	que
mediante	imposição	de	encargos	individualizados,	corresponde	ao	compromisso	de	recolhimento	de	impostos,
que	opera	como	via	de	participação	no	financiamento	do	processo	de	urbanificação,	independentemente	da
configuração	 de	 algum	 direito	 subjetivo	 específico	 a	 favor	 do	 sujeito	 passivo	 da	 relação	 tributária.	 Um
segundo	exemplo	poderia	ser	referido	como	o	dever	de	participação	política,	ao	menos	no	tocante	à	eleição
dos	representantes	políticos. 25
Outro	 exemplo	 de	 dever	 –	 que	 surge	 conexo	 ou	 correlato	 a	 um	 direito	 –	 decorre	 da	 função	 social	 da
propriedade.	 O	 proprietário,	 como	 tal,	 dispõe	 de	 um	 direito-dever,	 ou	 de	 um	 direito	 funcionalizado,	 que
compatibiliza	 a	 autonomia	 privada	 com	 a	 atribuição	 de	 destinação	 adequada	 à	 propriedade,	 dentro	 dos
limites	 estabelecidos	 pelo	 planejamento	 urbano.	 Assim	 determina	 o	 art.	 182,	 §	 2.º,	 da	 Constituição,	 que
relaciona	 o	 exercício	 desse	 direito	 ao	 atendimento	 das	 “exigências	 fundamentais	 de	 ordenação	 da	 cidade
expressas	 no	 plano	 diretor”	 municipal.	 Como	 resta	 evidente,	 o	 atendimento	 de	 “exigências	 fundamentais”
estabelecidas	 na	 política	 urbana	 corresponde	 ao	 cumprimento	 de	 deveres	 específicos,	 derivados	 (portanto,
conexos)	do	conteúdo	concreto	de	cada	propriedade.
Do	direito	de	propriedade	ainda	decorrem	deveres	específicos	de	participação	no	financiamento	da	atividade
de	urbanização.	Isso	se	dá	quando	o	proprietário	é	beneficiado	por	medidas	externas	decorrentes	da	atuação
estatal.	 Assim,	 por	 exemplo,	 a	 urbanização	 e	 a	 oferta	 de	 infraestrutura	 propiciam	 e	 favorecem	 o	 uso	 da
propriedade	 e	 a	 valorização	 imobiliária,	 na	 medida	 em	 que	 o	 Estado	 se	 encarrega	 de	 proporcionar	 as
condições	 urbanas	 necessárias	 para	 viabilizar	 e	 potencializar	 o	 exercício	 das	 faculdades	 atribuídas	 à
propriedade,	a	partir	da	disponibilização	de	sistema	viário,	de	equipamentos	comunitários	e	assim	por	diante.
Conforme	 aponta	 Eros	 Grau,	 o	 valor	 econômico	 da	 propriedade	 do	 solo	 urbano	 pressupõe	 e	 decorre	 de
providências,	 normativas	 e	 materiais,	 assumidas	 pelo	 Estado	 para	 viabilizar	 o	 aproveitamento	 desse
domínio. 26
Para	tais	casos,	as	diretrizes	da	justa	distribuição	dos	benefícios	e	dos	ônus	urbanísticos	e	de	recuperação	dos
investimentos	do	Poder	Público	que	tenham	propiciado	a	valorização	de	imóveis	urbanos	(art.	2.º,	IX	e	XI,	da
Lei	 10.257/2001)	 determinam	 a	 participação	 de	 sujeitos	 privados	 no	 financiamento	 dos	 investimentos
públicos. 27	 Essas	 circunstâncias	 podem	 resultar	 na	 aplicação	 de	 instrumentos	 como	 a	 contribuição	 de
melhoria	 (novamente,	um	 instrumento	 tributário)	 ou	a	desapropriação	por	 zona.	Trata-se	de	 institutos	que
visam	 a	 promover	 o	 equilíbrio	 entre	 a	 apropriação	 individual	 e	 coletiva	 dos	 benefícios	 urbanísticos
decorrentes	 da	 atuação	 estatal.	 Daí	 se	 origina	 um	 dever	 de	 financiamento	 exercido	 de	 forma	 conexa	 à
propriedade,	na	proporção	dos	benefícios	advindos	ao	particular.
Ocorre	 que	 a	 contribuição	 dos	 sujeitos	 privados	 ao	 processo	 de	 urbanização	 não	 se	 dá	 apenas	 a	 partir	 da
imposição	de	deveres.	O	Estado	não	determina	com	exatidão	e	à	exaustão	as	formas	e	as	opções	de	atuação
dos	agentes	privados.	Apesar	de	o	planejamento	urbano	ser,	em	sua	essência,	impositivo,	ele	não	se	confunde
com	uma	perspectiva	totalizante	do	urbanismo,	no	sentido	de	impor	soluções	e	esquemas	preestabelecidos	e
invariáveis	de	conduta.
Há	situações	em	que	a	 imposição	de	deveres	é	 inviável,	em	razão	da	observância	da	autonomia	privada.	O
Estado	não	está	habilitado	a	dirigir	o	exercício	das	faculdades	privadas	de	modo	a	suprimir	a	autonomia	dos
seus	titulares.	A	regulação	urbanística	não	pode	chegar	a	ponto	de	esvaziar	os	direitos	individuais.	Em	outros
casos,	 a	 imposição	 de	 deveres	 pode	 até	 ser	 possível,	 mas	 dá	 lugar	 à	 utilização	 de	 mecanismos	 jurídicos
diversos,	 destinados	 a	 fomentar	 a	 atuação	 privada	 de	 acordo	 com	 determinados	 fins.	 Assim,	 o	 caráter
impositivo	 do	 planejamento	 urbano	 não	 exclui	 mecanismos	 flexíveis	 de	 relação	 entre	 Poder	 Público	 e
particulares,	 por	 meio	 dos	 quais	 se	 admite	 certa	 autonomia	 por	 parte	 destes	 para	 exercer	 determinadas
faculdades	admitidas	pela	ordem	urbanística. 28
Nesses	 casos,	 a	 par	 da	 fixação	 de	 deveres	 impositivos,	 pode-se	 aludir	 à	 assunção	 espontânea,	 por	 sujeitos
privados,	de	obrigações	de	interesse	público.	Trata-se	de	encargos	que	constituem	a	contraface	do	exercício	de
certas	faculdades	pelos	particulares.	Não	se	trata	do	exercício	de	encargos	mandatórios,	como	os	deveres:	em
regra,	 a	 definição	 sobre	 a	 assunção	 desses	 ônus	 compete	 aos	 sujeitos	 privados,	 dentro	 dos	 espaços	 de
autonomia	determinados	pelo	ordenamento	urbanístico.
Em	consonância	 com	essa	 compreensão,	 o	Estatuto	da	Cidade	prevê	normas	que	 justificam	a	 imposição	de
deveres	cogentes,	mas	também	estabelece	um	modelo	de	cooperação	entre	o	Estado	e	a	iniciativa	social,	por
meio	do	qual	esta	assume,	muitas	vezes	de	forma	espontânea,	tarefas	e	encargos	de	interesse	público,	tendo
como	 contrapartida	 a	 autorização	 estatal	 para	 exercer	 certas	 faculdades.	 Nesse	 sentido,	 preveem-se	 como
diretrizes	a	“cooperação	entre	os	governos,	a	iniciativa	privada	e	os	demais	setores	da	sociedade	no	processo
de	urbanização,	em	atendimento	ao	interesse	social”	(art.	2.º,	III),	assim	como	a	“isonomia	de	condições	para
os	 agentes	 públicos	 e	 privados	 na	 promoção	 de	 empreendimentos	 e	 atividades	 relativos	 ao	 processo	 de
urbanização,	atendido	o	interesse	social”	(art.	2.º,	XVI).
As	diretrizes	evidenciam	o	reconhecimento	legislativo	da	insuficiência	da	atuação	estatal	isolada	em	si	para
implementar	as	tarefas	de	urbanização.	No	âmbito	desse	paradigma	o	particular	já	não	é	mais	o	mero	súdito
do	 Estado-polícia,	 nem	o	 cidadão	 socialmente	 descomprometido	 do	 Estado	 liberal,	 assim	 como	 tampouco	 é
mais	um	simples	usuário	dos	serviços	do	Estado	social:	“Ele	assume	ou	é	convocado	a	assumir	um	novo	papel
de	actor	que	partilha	com	o	Estado	a	missão	de	realizar	o	interesse	público”. 29
Vários	institutos	previstos	no	Estatuto	da	Cidade	refletem	a	lógica	de	cooperação	público-privada,	envolvendo
interações	relacionadas	à	assunção	de	encargos	urbanísticos.	A	outorga	onerosa	e	a	transferência	do	direito
de	construir,	bem	como	o	consórcio	imobiliário,	são	alguns	exemplos	de	institutos	manejados	por	iniciativa	de
sujeitos	privados,	em	consenso	com	o	Poder	Público	e	dentro	dos	limites	por	este	estabelecidos.	Mas	o	exemplo
mais	completo	e	significativo	de	disciplina	da	participação	socialna	execução	da	política	urbana	está	previsto
no	art.	32	da	Lei	10.257/2001.	Trata-se	da	operação	urbana	consorciada.	Nos	 termos	do	dispositivo	 legal,	 tal
instituto	consiste	em	um	“conjunto	de	intervenções	e	medidas	coordenadas	pelo	Poder	Público	municipal,	com
a	participação	dos	proprietários,	moradores,	usuários	permanentes	e	investidores	privados,	com	o	objetivo	de
alcançar	em	uma	área	transformações	urbanísticas	estruturais,	melhorias	sociais	e	a	valorização	ambiental”.
Para	viabilizar	a	consecução	desses	fins,	a	lei	específica	que	aprova	o	desenvolvimento	da	operação	urbana
consorciada	promove	a	flexibilização	do	planejamento	urbano	vigente	para	a	área	específica	abrangida	pela
operação,	 de	modo	 a	 admitir	 e	 estimular	 arranjos	 consensuais	 com	 sujeitos	 interessados	 em	 participar	 da
operação.	A	flexibilização	concretiza-se	em	três	hipóteses	gerais,	identificadas	no	art.	32,	§	2.º,	do	Estatuto	da
Cidade.
Pela	 primeira	 via,	 prevê-se	 que	 o	 Estado	 e	 o	 sujeito	 privado	 podem	 acordar	 a	 modificação	 de	 índices	 e
características	de	parcelamento,	uso	e	ocupação	do	solo	e	subsolo,	bem	como	alterações	das	normas	edilícias,
considerados	o	impacto	ambiental	delas	decorrente	(art.	32,	§	2.º,	I)	e	os	limites	previstos	na	lei	(art.	34,	§	2.º).
Pela	segunda	via,	admite-se	a	regularização	de	construções,	reformas	ou	ampliações	executadas	em	desacordo
com	a	legislação	vigente	(art.	32,	§	2.º,	II).	A	terceira	hipótese	envolve	a	atribuição	de	incentivos	a	particulares
que	 desenvolvam	 iniciativas	 pautadas	 por	 exigências	 previamente	 estabelecidas	 pelo	 Poder	 Público	 para	 a
área	que	é	objeto	da	operação:	trata-se	de	projetos	que	comprovem	a	utilização	de	tecnologias	que	impliquem
a	redução	de	impactos	ambientais	e	a	economia	de	recursos	naturais	(art.	32,	§	2.º,	III,	da	Lei	10.257/2001).
Produz-se,	portanto,	disciplina	que	admite	 espaços	de	 consenso	para	determinação	do	estatuto	 jurídico	das
propriedades	 envolvidas	 na	 região	 em	 que	 se	 promove	 a	 intervenção	 urbanística.	 As	 diversas	 formas	 de
flexibilização	 da	 disciplina	 vigente	 podem	 ser	 aproveitadas	 por	 moradores,	 proprietários	 ou	 investidores
privados	em	geral.	Pressupõem,	da	mesma	forma	que	os	demais	institutos	analisados	neste	tópico,	disposição
de	contrapartidas	a	favor	do	Poder	Público,	a	serem	definidas	pela	lei	e	destinadas	à	própria	operação	(art.	33,
VI	e	§	1.º).	Essas	contrapartidas	podem	constituir	a	paga	de	valores	pecuniários,	a	disponibilização	de	áreas
cujo	valor	seja	equivalente	ao	direito	de	construir	adquirido	pelo	particular,	ou	até	mesmo	a	construção	de
equipamentos	públicos	pelo	particular	interessado	na	operação.	Por	meio	dessa	sistemática,	o	sujeito	privado
assume	livremente	deveres	que	têm	em	determinado	ato	estatal	a	contrapartida	por	ele	pretendida. 30
Em	 todos	 os	 casos,	 a	 assunção	 desses	 deveres	 destina-se	 à	 realização	 de	 encargos	 de	 interesse	 público
determinados	pelo	Estado	e	que	integram	o	processo	de	concretização	do	direito	à	cidade	em	seus	múltiplos
aspectos.	A	cooperação	propicia	a	contribuição	dos	particulares	no	desenvolvimento	urbanístico	não	apenas
pelas	vias	tributárias	ou	pelo	cumprimento	da	função	social	da	propriedade,	ou,	ainda,	no	âmbito	político	e	no
controle	das	atividades	desempenhadas,	mas	também	pela	realização	direta	e	em	nome	próprio	de	tarefas	de
interesse	público.
6.	Considerações	finais
A	partir	das	reflexões	postas,	primeiramente	é	possível	afirmar	que	o	conceito	de	direito	à	cidade	sustentável
apresenta	conteúdo	flexível.	Tal	como	se	propôs,	a	noção	pode	ser	enquadrada	ao	mesmo	tempo	como	diretriz
e	como	produto	de	uma	determinada	organização	(ordem)	urbanística.	Esta,	por	sua	vez,	é	variável	conforme
a	realidade	 local	que	se	analise.	Portanto,	notadamente	a	partir	deste	último	prisma	pode-se	afirmar	que	o
conteúdo	do	direito	à	cidade	é	variável,	dinâmico	e	evolutivo.
Em	segundo	 lugar,	conclui-se	que	a	concepção	e	a	concretização	do	direito	à	cidade	não	constituem	tarefas
exclusivamente	estatais.	O	direito	à	cidade	não	se	resume	a	uma	situação	em	que	à	sociedade	é	dado	“exigir”
prestações	estatais.	Antes,	o	seu	processo	de	concepção	é	aberto	às	iniciativas	sociais	e	pressupõe	a	definição
do	 envolvimento	 da	 sociedade	 na	 configuração	 da	 realidade	 urbana.	 Isso	 significa	 que	 tanto	 a	 concepção
quanto	 a	 efetivação	 do	 direito	 à	 cidade	 dependem	 da	 realização	 de	 esforços	 conjuntos	 entre	 Estado	 e
sociedade,	 o	 que	 envolve	 a	 consagração	 de	 direitos,	 mas	 também	 ora	 a	 imposição	 de	 deveres,	 ora	 a
estipulação	de	mecanismos	aptos	a	estimular	a	assunção	de	tarefas	de	interesse	público	por	parte	dos	sujeitos
privados.
Enfim,	 quando	 se	 indaga	 sobre	 o	 direito	 à	 cidade	 sustentável,	 não	 se	 tem	 uma	 resposta	 unívoca:	 referido
conceito	 representa	 o	 desafio	 de	 compor	 e	 executar,	 em	 cada	 caso	 e	 momento	 histórico,	 um	 esquema	 de
distribuição	equilibrada	de	direitos	e	de	deveres	no	âmbito	urbano.
7.	Referências	bibliográficas
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Pesquisas	do	Editorial
©	edição	e	distribuição	daEDITORA	REVISTA	DOS	TRIBUNAIS	LTDA.
DIREITO	À	CIDADE,	de	Maria	Garcia	-	RDCI	44/2003/144
A	PROGRESSIVIDADE	EXTRAFISCAL	DA	ALÍQUOTA	DE	IPTU	COMO	INSTRUMENTO	DE
CONCRETIZAÇÃO	DO	DIREITO	À	CIDADE	CONTRIBUTOS	PARA	A	HARMONIZAÇÃO	DAS	NORMAS
JUSURBANÍSTICAS,	de	Igor	Sporch	da	Costa	-	RT	908/2011/353
A	QUESTÃO	DA	JUSTA	INDENIZAÇÃO	NAS	AÇÕES	DE	DESAPROPRIAÇÃO	POR	UTILIDADE
PÚBLICA	(MEGAEVENTOS	ESPORTIVOS)	–	UMA	DISCUSSÃO	A	PARTIR	DO	DIREITO
FUNDAMENTAL	À	MORADIA,	DO	DIREITO	À	CIDADE	E	DO	PRINCÍPIO	DA	DIGNIDADE	HUMANA
–	A	QUESTION	OF	JUST	COMPENSATION	IN	SHARES	OF	EXPROPRIATION	BY	PUBLIC	UTILITY
(SPORTING	HUGE	EVENT):	A	DISCUSSION	FROM	THE	FUNDAMENTAL	RIGHT	TO	HOUSING,	THE
RIGHT	TO	THE	CITY	AND	THE	PRINCIPLE	OF	HUMAN	DIGNITY,	de	Ricardo	Duarte	Jr.	-	RDBras
3/2012/261
O	DIREITO	À	CIDADE	E	A	POLÍTICA	DE	TRANSPORTE	URBANO	COLETIVO:	REFLEXÕES	A	PARTIR
DA	RELAÇÃO	ENTRE	A	DEFINIÇÃO	DA	TARIFA	E	A	PARTICIPAÇÃO	POPULAR	NO	MUNICÍPIO	DE
PONTA	GROSSA-PR,	de	Igor	Sporch	da	Costa	-	RTSUL	1/2013/35
ANOTAÇÕES	SOBRE	O	PLANO	DIRETOR,	de	Renata	Meireles	-	ReDAC	7/2014/145

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