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O OUTRO COMO AMEAÇA

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[...] 
 
O outro como ameaça 
 
A vida humana ganha sua riqueza se é construída e experimentada tomando como referência o 
princípio da dignidade. Segundo esse princípio, toda e qualquer pessoa é digna e merecedora 
do respeito de seus semelhantes, e tem direito a boas condições de vida e a oportunidades de 
realizar seus projetos. Características particulares - sexo, idade, etnia, religião, classe social, 
grau de instrução, necessidades ou talentos especiais, opção política e ideológica, etc. - não 
aumentam nem diminuem a dignidade de uma pessoa. 
 
Crianças palestinas e israelenses crescem em um ambiente de ódio e violência, e são 
condicionadas a desconsiderar a humanidade de pessoas que vivem próximas a elas, mas que 
são "inimigos". De Hitler a Milosevic, os grandes massacres do século que passou basearam-
se na exclusão de seres considerados "inferiores". 
 
Mas a história das inumanidades humanas vem de longe. Para ficar só nos exemplos mais 
recentes: os europeus do século XVI determinavam que os habitantes do Novo Mundo, recém-
descoberto, precisavam da religião católica para se tornarem "civilizados". A escravidão que 
vigorou no Brasil, nos Estados Unidos e em muitos outros países, valia-se dos negros como 
"mercadoria". Já no século XIX, o neocolonialismo retomou o discurso civilizatório para dominar 
e impor sua cultura a povos "atrasados" da África e da Ásia. Em diversas épocas e sob o 
comando de diferentes civilizações, a intolerância sempre nasce da não aceitação do outro, do 
diferente. 
 
Difícil saber quando interesses econômicos ou políticos serviram de pretexto para a 
intolerância étnica ou religiosa, ou quando aconteceu o contrário: o já existente preconceito 
embasou políticas, guerras, dominação. O fato é que o ingrediente da exclusão de grupos 
humanos "diferentes" se repete ao longo da História, e torna-se tão marcante que fica 
entranhado no sentimento das sociedades envolvidas, causando grandes males durante 
séculos e séculos. 
 
Nosso país não vive uma guerra nem enfrenta graves conflitos étnicos. Nem por isso as 
crianças brasileiras estão livres de crescer marcadas pela intolerância. A discriminação racial 
ainda é uma realidade evidente, e certas práticas religiosas (como a umbanda) e sexuais são 
tratadas no mínimo com antipatia, e em situações extremas, com violência. No entanto, é o 
abismo social que separa ricos e pobres que alimenta, de forma cruel, pensamentos e atitudes 
excludentes, de intolerância e apartação. 
 
Crianças de extratos sociais diferentes raramente convivem umas com as outras: crescem 
separadas e marcadas por estranhamento. O outro, no caso brasileiro, é também um brasileiro. 
Aquele menino que se veste, mora, fala, age e tem cor diferente da minha dificilmente será 
visto por mim como um concidadão. Como nos graves conflitos étnicos que atormentam o 
mundo, o outro é uma ameaça para a excludente sociedade brasileira. 
 
A educação tem a responsabilidade de ajudar a romper essas barreiras. A noção de país e de 
igualdade entre os cidadãos só será completa quando a discriminação social der lugar ao 
inconformismo de se ver brasileiros como nós vivendo sem dignidade. A violência deve ser 
entendida como consequência trágica da desigualdade entre os seres humanos, e sua solução 
deve ser pensada pelo caminho da inclusão, e não da apartação (resposta mais violenta 
ainda). 
 
A escola é o espaço onde nossas crianças podem crescer convivendo com a diferença e 
praticando o respeito mútuo. A ela cabe não discriminar, e sim valorizar as diferenças como a 
principal riqueza do nosso país. [...]. 
 
 
(Lições da intolerância, por Lorenzo Aldé. 
Disponível em http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/comportamento/0010.html).

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