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Complementos de Mecânica dos Solos e Fundações – Material de Apoio 2 Capilaridade: O que é o fenômeno da capilaridade? A água capilar nos solos Meniscos capilares independentes do nível de água Capilarímetros Importância dos fenômenos capilares 1. O QUE É O FENÔMENO DA CAPILARIDADE? Conforme vimos anteriormente, a água nos vazios dos solos se comporta de formas diferentes, podendo ser classificada como água adsorvida (ou adesiva), água de constituição, água livre, água higroscópica e água capilar. Nesta aula, trataremos das águas capilares nos interstícios das partículas sólidas de um solo. Entende-se por FENÔMENO DE CAPILARIDADE a propriedade que os líquidos possuem de se elevarem acima do nível onde há a pressão atmosférica, por meio de capilares (tubos de pequenos diâmetros). No caso dos solos, têm-se como capilares os espaços vazios entre as partículas sólidas dos solos, que se interconectam uns com os outros e com o lençol freático por onde corre a água livre dos solos. Portanto, o fenômeno da capilaridade nos solos é a capacidade apresentada pela água contida nos vazios deste solo de se elevar acima do nível do lençol freático. Esse fenômeno da capilaridade é importante porque a água capilar é responsável pela saturação do solo acima do nível do lençol freático, pela coesão aparente das areias úmidas e pela contração das argilas. É interessante se verificar, entretanto, que tipicamente o fenômeno da capilaridade não satura toda a coluna do solo até o nível atingido pela água capilar. Se observarmos o esquema abaixo, percebemos que após o nível freático, a água capilar satura todos os vazios do solo até um determinado nível, denominado NÍVEL DE SATURAÇÃO. Após este nível, a água capilar não é suficiente para preencher todos os vazios do solo. Perfil do comportamento capilar da água no solo. Retirada de Caputo (2000). A B A água possui um comportamento diferenciado em sua superfície que fica em contato com o ar, devido à orientação de suas moléculas. Esse comportamento é diferente no interior do corpo de água, onde as moléculas de água estão envolvidas por outras moléculas de água em todas as direções: Representação do comportamento das moléculas de água na superfície e no inteiror do corpo de água. Modificada de Pinto (2006). A tensão superficial que surge devido a essa interação molecular da água com o ar pode ser associada a uma tensão de membrana, pois seus efeitos são semelhantes. Quando a água (ou outro líquido) fica em contato com um corpo sólido, as forças químicas de adesão fazem com que a água fique com uma superfície curva. Essa curvatura apresentada pela superfície livre da água depende do tipo de material sólido com o qual ela está interagindo, e com seu grau de limpeza. Para um vidro limpo, por exemplo, esse grau de curvatura é quase nulo (como o representado na imagem (A) abaixo). Quando essa curvatura existe (como o representado na imagem (B) abaixo), significa que há uma diferença de pressão atuando nos dois lados da superfície da água que está em contato com o ar. Essa diferença de tensão interna e externa na coluna de água é equilibrada pela resultante da tensão superficial. Quanto maior for a curvatura da água, maior será a diferença entre as pressões interna e externa. Essa diferença de pressão pode ser calculada caso se conheçam a geometria da água e a sua tensão superficial. Imagem representativa das tensões superficiais da água com o ar modificada de Pinto (2006) O comportamento da água capilar nos solos pode ser analisado então ao se considerar a Teoria do Tubo Capilar, que diz que quando um tubo é colocado em contato com a superfície livre da água, a água subirá pelo tubo até atingir uma posição de equilíbrio. Essa subida da água resulta do contato entre ela, o vidro do tubo e o ar; e da tensão superficial apresentada pela água em contato com o ar. Caso o vidro esteja limpo, a superfície da coluna de água que subiu por ele apresentará curvatura nula. Caso contrário, a curvatura apresentada pela água em um tubo cilíndrico será esférica e interceptará as paredes do tubo com um ângulo que irá depender das propriedades do material do qual o tubo for feito. A altura que a água atingirá dentro do tubo capilar é aquela na qual o seu peso dentro do tubo se iguale à força resultante da tensão superficial que a mantém na posição acima do nível da água. Ou seja, será a posição na qual as pressões que impulsionam a água para cima se igualem àquelas que a forçam para baixo: Representação esquemática do comportamento da água no tubo capilar. Retirada de Pinto (2006) Se considerarmos um tubo com raio r, no qual a água com peso específico (ɣw) subiu a uma altura hc , podemos calcular o peso da água (P) como sendo igual ao volume de seu corpo (o volume do tubo que, se for cilíndrico, é igual a πr2hc multiplicado pelo seu peso específico (veja aula de índices físicos dos solos): 𝑃 = π . 𝑟2. ℎ𝑐 . ɣ𝑤 Se considerarmos uma tensão superficial T que atua sobre toda a superfície de contato entre a água e o tubo, então a força resultante F dessa tensão será igual ao cumprimento da circunferência formada pela superfície da água multiplicada pela tensão: 𝐹 = 2 . π . 𝑟 . 𝑇 A altura capilar da água, então, será o ponto no qual P = F. Quando igualamos as duas equações, temos: π . 𝑟2. ℎ𝑐 . ɣ𝑤 = 2. 𝜋. 𝑟. 𝑇 De onde, isolando-se hc: 𝒉𝒄 = 𝟐 . 𝐓 𝐫. ɣ𝒘 = 𝟒 . 𝐓 𝐝. ɣ𝒘 Onde: T = tensão superficial da água por unidade de linha de contato com o tubo; r = raio do tubo; ɣw = peso específico da água e d = diâmetro do tubo. Pela fórmula, conhecida como Lei de Jurin (para uma situação de ascensão máxima, quando o equilíbrio é atingido), pode-se deduzir que a altura capilar da água é inversamente proporcional ao raio r do tubo capilar. Dessa forma, considerando os solos, pode-se dizer que em solos siltosos ou argilosos, finos, onde os vazios têm diâmetros mais reduzidos, a água capilar atingirá alturas maiores que aquelas apresentadas por solos granulares (arenosos ou pedregulhos), onde os vazios são maiores. A tensão superficial da água a 20°C é estimada como sendo da ordem de 0,073 N/m2. Dessa forma, pela equação acima, podemos concluir que tubos com diâmetros de 1mm teriam altura de ascensão de 3cm. Para tubos com 0,1mm, a altura de ascensão seria de 30cm, e os de 0,01mm, teriam altura de ascensão da água de 3m, e assim por diante. 2. A ÁGUA CAPILAR NOS SOLOS Como já falamos, os vazios dos solos são muito pequenos e, portanto, podem ser comparados a tubos capilares, ainda que muito irregulares e interconectados. O comportamento da água capilar nos solos é dependente do histórico do depósito sedimentar que forma o solo. Quando o depósito é o de um solo seco, e este solo seco é colocado em contato com a água, a água é sugada para dentro do solo. Caso o depósito que forma o solo esteja saturado, abaixo do nível de água, e este nível de água se rebaixa, a água nos vazios do solo tenderá a descer (conforme mostrado na figura abaixo). Sabemos que a altura capilar que a água atinge é inversamente proporcional ao diâmetro do tubo capilar. Portanto, a altura que essa água irá atingir no interior de um solo depende do diâmetro dos vazios entre os grãos do solo que, por sua vez, depende do tamanho das partículas que formam o solo, e de seu arranjo umas em relação às outras. No esquema da figura abaixo, a altura de ascensão máxima atingida pela água em um solo seco está representada pelo ponto A. Essa altura A varia com o tipode solo (com o tipo de partículas que compõem o solo): Para pedregulhos, alguns poucos centímetros; 1 a 2 metros para solos arenosos; 3 a 4 metros para siltes; Dezenas de metros para argilas. Como já vimos, também, a até uma certa altura B, a água capilar deixará o solo com um grau de saturação aproximadamente constante, mesmo que essa saturação não seja de 100%. Os tamanhos dos vazios do solo são, entretanto, irregulares, e algumas bolhas de ar que ficam enclausuradas no interior do solo podem atrapalhar ou até mesmo impedir a ascensão capilar da água. A partir de B até A, esse grau de saturação passará, então, a diminuir. Já para solos saturados cujo nível de água diminuiu, a tendência de descida da água no interior do solo será contraposta pela tensão superficial da água, que formará meniscos capilares. Caso o nível da água abaixe além do limite que a tensão superficial da água é capaz de suportar (ou seja, se o rebaixamento do lençol freático for superior à altura de ascensão capilar correspondente), a coluna de água irá se romper e a água que se encontra acima dessa cota ficará presa nos contatos entre as partículas sólidas do solo. Assim, no esquema abaixo, se o nível da água abaixar até um ponto em que se fixe novamente (N.A.), teremos um trecho (até o ponto C) no qual o solo permanecerá saturado, a partir do qual, até o ponto D, que representa o ponto de altura máxima da ascensão capilar, a saturação do solo começará a diminuir. A água que se encontra acima da cota do ponto D não estará mais vinculada ao lençol freático, ou seja, estará contida entre os grãos sem constituir um filme de água contínuo conectado ao nível da água livre do solo. Perfis de ascensão capilar para solos secos e solos saturados cujo nível do lençol freático abaixou. Retirado de Pinto (2006) 3. MENISCOS CAPILARES INDEPENDENTES DO NÍVEL DE ÁGUA A água que fica contida entre os grãos e que não está vinculada ao lençol freático forma meniscos capilares entre as partículas sólidas às quais elas se conectam: Representação esquemática de um menisco capilar. Retirada de Pinto (2006) Quando a água intersticial forma um menisco capilar, ela está a uma pressão abaixo da pressão atmosférica (o ar à sua volta está à pressão atmosférica, como já vimos). A diferença de pressão entre a pressão da água e a pressão do ar circundante cria uma tensão superficial T da água. Dessa tensão superficial da água surge uma força P, que aproxima as partículas sólidas, conforme mostrado no esquema acima. A tensão superficial da água tende a aproximar as partículas sólidas e, com isso, aumenta a tensão efetiva (σ’) no solo. Essa tensão efetiva confere ao solo uma COESÃO APARENTE. Esse fenômeno de coesão aparente é o que permite, por exemplo, que esculturas de areia sejam feitas na praia. Mas se o solo secar ou saturar, essa coesão desaparecerá (daí ela ser chamada de “aparente”). Da mesma forma, a coesão aparente é importante para a estabilidade de alguns taludes. E, da mesma forma, em períodos de chuvas intensas (que podem saturar um solo), ocorrem com frequência rupturas de encostas e de escavações devido ao seu desaparecimento. Essa coesão aparente é mais facilmente verificada em areias, já que as areias podem se saturar ou secar com facilidade. Mas ela também ocorre nas argilas, onde atinge valores maiores e se torna mais importante. 4. CAPILARÍMETROS A determinação experimental da capilaridade dos solos é efetuada por meio de um equipamento denominado capilarímetro, que mede o diâmetro dos tubos capilares. Um desses aparelhos é o capilarímetro de Beskow. Este aparelho aplica uma força de sucção na amostra até destruir a sua força capilar. Essa força de sucção é medida em uma coluna de água ou mercúrio, e equivale à altura capilar do solo. 5. IMPORTÂNCIA DOS FENÔMENOS CAPILARES De tudo o que já foi dito anteriormente, podemos deduzir que os fenômenos capilares têm grande importância para obras que exigem pavimentos, bem como para o reconhecimento do comportamento de solos que serão sujeitos a pressões por quaisquer obras da Engenharia Civil. Por exemplo, se o terreno de fundação de um pavimento for constituído por um solo siltoso cujo nível freático seja pouco profundo, a água capilar pode tornar este solo saturado, já que, como vimos anteriormente, solos siltosos comportam alturas de ascensão capilar na ordem de metros. Para evitar que a água capilar deste solo venha a prejudicar a estabilidade do pavimento que será construído, ter-se-á que tomar certas precauções, que podem incluir a substituição do material siltoso por outro de menor grau de capilaridade, ou a construção de sub-bases e bases adequadas à situação, entre outros. A aproximação das partículas sólidas ocasionada pelo aumento das tensões efetivas de um solo quando ele deixa de estar saturado (situação na qual não há força capilar) pela perda de suas águas intersticiais por evaporação, ou pelo rebaixamento do lençol freático, causa uma contração neste solo que pode prejudicar as obras construídas sobre ele. Ainda, um talude construído com o uso de uma areia que possua uma coesão aparente pode desmoronar caso essa areia se sature ou seque. Em ambos os casos, medidas de precaução devem ser tomadas para evitar que tais acontecimentos relacionados à mudança de estado dos solos ocorra. A capilaridade também pode ser responsável pelo fenômeno do sinfonamento capilar observado em barragens de terra. Isso porque, quando a altura capilar do material que recobre o núcleo impermeabilizante da barragem é maior que a distância entre a crista do núcleo e o nível de água de montante, o fenômeno da capilaridade faz com que a água consiga percolar a barragem por sobre o seu núcleo impermeável. 6. PRESSÕES DA ÁGUA EM MENISCOS CAPILARES Recordemos primeiramente que, para cálculos de pressão na Engenharia, toma-se a pressão atmosférica como referência e, a partir disso, trabalha-se com pressões relativas à atmosférica, que são as pressões absolutas menos a pressão atmosférica. A pressão atmosférica é da ordem de 100kPa. O ar estará sempre à pressão atmosférica para efeitos de estudos de capilaridade. A água, em seu nível de água (ou seja, na superfície de seu corpo), estará também à pressão atmosférica. Consideremos agora a seguinte imagem novamente: Representação de água em capilarímetro. Modificada de Pinto (2006). O ar no ponto F, imediatamente acima da interface com a água, e a água nos pontos A e D, na altura de seu nível de água, estarão com uma pressão igual à pressão atmosférica. Já os pontos C e B, além da pressão atmosférica, recebem também a pressão do peso da água que está sobre eles. Portanto, a pressão nesses dois pontos será igual à pressão atmosférica mais o peso da água (peso específico da água vezes a profundidade do nível de água até a posição de B e C). Já a água no ponto E está acima do nível da água, que está à pressão atmosférica. Como vimos anteriormente, pelo fenômeno da capilaridade, a água capilar “sobe” por canalículos acima de seu nível devido à diferença de pressão. Logo, a pressão no ponto E será menor que a pressão atmosférica, e equivalerá à pressão atmosférica menos a altura desse ponto em relação à superfície da água, vezes o peso específico da água. A pressão da água capilar ligada ao lençol freático dos solos, situada acima do nível desse lençol freático é, pois, menor que a pressão atmosférica. A diferença de pressão entre os pontos F e E (na interface água-ar, tanto nos tubos quanto nos solos) é suportada pela tensão superficial da água. Os meniscos capilares(formatos côncavo ou convexo que a superfície da água na interface água-ar assume) podem ser portanto correlacionados à diferença de pressão entre a água e o ar, da seguinte forma: quando a água estiver com a mesma pressão do ar (que é a pressão atmosférica), não haverá curvatura. Caso a água tenha uma pressão menor que aquela do ar (pressão negativa, menor que a pressão atmosférica), a curvatura será convexa, e será maior quanto maior for a diferença entre a pressão da água e a pressão do ar. No caso de a água ter pressão superior à do ar, então a superfície de contato entre eles será côncava, e será maior quanto maior for a diferença entre a pressão da água e a pressão do ar. A tensão na água logo abaixo do menisco capilar é negativa e igual à altura de ascensão capilar. Ela pode, portanto, ser medida por essa altura de coluna de água. Ao longo do tubo capilar, a variação dessa pressão será linear. A pressão da água logo abaixo do menisco capilar também pode ser calculada diretamente a partir da tensão superficial da água. Essa pressão é negativa no tubo capilar, como já dito. A pressão neutra (u) é, portanto negativa. Se recordarmos a equação das tensões no solo: 𝜎′ = 𝜎 − 𝑢 Então podemos dizer que uma pressão neutra (u) negativa resulta em uma pressão efetiva (σ’) maior que a tensão total (σ). A pressão neutra negativa provoca, pois, uma maior força nos contatos dos grãos sólidos do solo. As tensões no subsolo, quando este apresenta uma pressão neutra negativa (ou seja, quando há águas capilares formando meniscos entre os grãos sólidos do solo), obedecem um esquema como o indicado na figura abaixo: Representação gráfica da modificação das tensões no solo quando submetido à capilaridade e na situação em que não há capilaridade. Retirada de Pinto (2006) Neste exemplo, o solo de areia fina deve promover uma ascensão capilar superior a 1m. Assim, toda a faixa superior ao nível da água poderá estar saturada com água capilar. A pressão neutra (u) variará linearmente, como já dito, mas seu ponto zero estará na altura do nível de água (N.A.), até o valor negativo da superfície do terreno, correspondente à diferença de cota entre o nível superficial do solo e o nível da água no subsolo. A pressão neutra negativa (u) causa uma tensão efetiva de 10kN/m² na superfície do terreno quando esta deveria ser nula. Como a resistência das areias é diretamente proporcional à tensão efetiva, o fenômeno da capilaridade, nesse caso, confere a este terreno uma sensível resistência. A água livre do lençol freático só pode suportar tensões negativas (chamadas tensões de tração) a até uma atmosfera (aproximadamente 100kN/m²). Essa tensão corresponde a 10m de coluna de água. Acima disso, começa a ocorrer o processo de cavitação (processo no qual a pressão externa na superfície da água se iguala à pressão de vapor com a temperatura sendo mantida constante e a pressão aumentando). A água nos meniscos capilares, entretanto, pode suportar pressões muito superiores a esta, conforme se comprovou experimentalmente. É por isso que ocorrem alturas de ascensão capilar superiores a 10m. 7. BIBIOGRAFIA CAPUTO, H.P. Mecânica dos solos e suas aplicações. Vol.1. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e científicos Editora S.A., 2000. 242 p. PINTO, C.S. Curso básico de mecânica dos solos. 3ª ed. São Paulo: Oficina de Textos, 2006. 355p.