Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Terapia do Luto: contribuições e reflexões sob a perspectiva da Análise do Comportamento Dafne Rosane Oliveira São Paulo, janeiro/2014 ESPECIALIZAÇÃO EM TERAPIA COMPORTAMENTAL: TEORIA E PRÁTICA HOSPITAL UNIVERSITÁRIO USP-SP Terapia do Luto: contribuições e reflexões sob a perspectiva da Análise do Comportamento Autora: Dafne Rosane Oliveira Supervisora: Drª Maly Delitti Monitores: Bruna Garcia Forlim e Gabriel Delitti Coordenadora do curso: Drª Maria Martha Hubner Trabalho apresentado como requisito do Curso de Especialização em Terapia Comportamental: teoria e prática, oferecido pelo Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Especialista em Terapia Comportamental. São Paulo, janeiro/2014 ESPECIALIZAÇÃO EM TERAPIA COMPORTAMENTAL: TEORIA E PRÁTICA HOSPITAL UNIVERSITÁRIO USP-SP Dedico esse trabalho ao querido professor e orientador de mestrado Lincoln Gimenes, que mesmo sem querer reacendeu em mim um interesse muito genuíno, de forma peculiar, unindo um momento tão delicado de sua vida pessoal com a avidez de um eterno pesquisador, que busca sempre investigar e encontrar motivos para se ter um mundo melhor. Agradecimentos Aos meus pais, que me apoiaram em mais uma etapa de investimento em minha carreira. Aos meus irmãos, companheiros a cada minuto de alegria ou tristeza, e de cada conquista. Ao Ti e Ana, que me acolheram em seu lar por tantas semanas, com muito carinho e atenção. A minha amada dupla Gabi, que caiu como um anjo e me deixou aprender e ensinar na nossa parceria de sintonia perfeita. A minha querida e admirada supervisora Maly, que soube direcionar minha trajetória da teoria para a prática clínica, dosando reforço positivo, negativo e punição, e garantindo um ambiente de muito aprendizado. Aos queridos monitores, Bruna e Gabriel, que modelaram meu comportamento de terapeuta, com dicas muito importantes e elogios contagiantes. As minhas bolotas queridas, Gabi, Nana, Sarah e Lu, que fizeram meu ano mais feliz, com cada risada, com cada discussão, com cada almoço e happy hour que completavam o prazer de estar ao lado de vocês, analistas do comportamento tão adoráveis. A todos os professores que nos deram aula durante o curso e aos colegas de supervisão. A Martha Hubner e Regina Wielenska, que mesmo não sendo minhas supervisoras estiverem presentes esclarecendo dúvidas e ministrando ótimas aulas. A toda a equipe da especialização, Michele e Vilma, e novamente à querida professora e coordenadora Martha Hubner. E ao meu cliente, que permitiu ser ajudado e me ajudou muito no meu processo de aprendizagem de terapeuta. Sou muito grata por isso. “Quem não pensa e não reflete sobre a morte, acaba por esquecer da vida. Morre antes, sem perceber (...) (...) “Eu não tenho medo de morrer... Só tenho pena. A vida é tão boa..." Rubem Alves Resumo A Terapia do Luto é uma modalidade de atendimento clínico psicoterápico voltado para queixas relacionadas a diversos tipos de perdas que envolvam o processo de luto. Diversas abordagens dentro da Psicologia abordam o tema e exercem suas análises e intervenções de acordo com seu arcabouço teórico. O objetivo do presente trabalho é reunir as principais contribuições encontradas na literatura sobre o tema: perdas, morte, luto e terapia do luto, e fazer análises e reflexões sob a ótica da Análise do Comportamento. Hoje em dia há poucos trabalhos na literatura comportamental que abordem o tema diretamente, embora a Terapia Comportamental se ocupe por vezes com queixas relacionadas a diversos tipos de perdas. Será investigado como a Análise do Comportamento pode interpretar e aplicar seus preceitos na clínica comportamental que trabalha com o luto como queixa clínica, e formas de trabalhar o luto em modalidades educativas, preventivas e terapêuticas. Índice Introdução ........................................................................................................................1 1. Análise do Comportamento ........................................................................................2 1.1 Análise do Comportamento e o estudo da morte e luto .........................................4 1.2 Terapia Comportamental .........................................................................................5 2. Morte e luto ..................................................................................................................7 2.1 Representações de morte ..........................................................................................8 2.2 O processo do luto ...................................................................................................11 2.3 Fases do luto .............................................................................................................12 2.4 Tarefas do luto ........................................................................................................ 15 2.5 Tipos de luto .............................................................................................................17 2.6 Luto e DSM ..............................................................................................................19 2.7 Mediadores do luto ..................................................................................................20 3. Interpretações do luto a partir de conceitos comportamentais ............................22 4. Análise funcional do luto...........................................................................................26 5. Terapia Comportamental do luto ............................................................................28 6. Velhice e o medo da morte ........................................................................................30 Considerações Finais ....................................................................................................33 Referências ....................................................................................................................34 1 De uma forma geral a Psicologia estuda interações de organismos com seu ambiente, em especial referindo-se ao homem, mesmo que tenha que recorrer a estudos com outras espécies de animais para entendê-lo. (Todorov 2007, Keller & Schoenfeld, 1966). Podemos falar de interações e estudá-las durante qualquer fase da vida, desde o nascimento até a morte. E nesse processo é notório que os organismos se relacionam entre si e formam vínculos. Podemos exemplificar com as relações que são criadas e cultivadas entre pais e filhos, tios, irmãos, amigos, padrinhos e madrinhas de qualquer natureza, companheiros de trabalho, animais de estimação e etc. Havendo vínculo de parentesco ou não, durante toda nossa vida criamos e cultivamos vínculos, alguns mais fundamentais e duradouros, outros mais transitórios e não por isso menos importantes. Contudo, naturalmente, esses vínculos são rompidos em algum momento da vida. Portanto, são recorrentes eventos relacionados a perdas, que podem envolvermorte e o processo do luto. Nesse sentido, é tema propício para estudos em Psicologia: sobre a forma como criamos, rompemos e lidamos com a formação e rompimento de vínculos. E é natural que eventos relacionados às perdas são comumente motivos que levam as pessoas a buscar alguma ajuda, como a terapia. O rompimento de um relacionamento amoroso, a perda de um emprego, uma mudança de país, o término de uma faculdade: são exemplos de eventos que envolvem muitas perdas, e por isso comumente estão relacionados a eventos aversivos e a muito sofrimento a quem por eles passam. Mas além dos tipos de perdas descritos, acontecem também as perdas ocasionadas por morte, o que geralmente envolve um processo de luto. Franco (2010) aponta que o luto pode ser entendido e trabalhado com base em múltiplas referências, e que acima de tudo o luto parte necessariamente de um posicionamento diante da realidade, pois é justamente desse fenômeno que se trata: formar e romper e vínculos. 2 Nesse sentido, falamos de luto com referência tanto às perdas em geral, como no que diz respeito a uma reação diante da ocorrência de morte. Todavia, é mais comum ouvir falar e comentar sobre as perdas em geral. Cotidianamente, parece ser mais fácil conversar com um amigo sobre um rompimento amoroso do que sobre a morte da pessoa amada. O assunto morte, mesmo estando muito presente no cotidiano, é pouco discutido tanto no âmbito familiar quanto no acadêmico. Falar sobre morte pode causar estranhamento, repulsa e desconforto, por se tratar de um tema que gera muitas perguntas, às vezes muita revolta, e a sensação de não saber como agir que vem misturada com o sofrimento, inevitável. Dessa forma, estamos sujeitos a nos deparar com a ocorrência da morte de pessoas queridas, com as quais formamos vínculos, e é quando vivenciamos o processo do luto, que é uma resposta do organismo para lidar com a perda. Parkes (1998) aponta que o luto é uma resposta normal para um estresse que será vivido pela maioria em algum momento da vida. No presente trabalho será feita uma análise do material disponível na literatura sobre tratamento clínico psicoterápico do luto em diversas abordagens. Entretanto, a base teórica que fundamenta as análises feitas neste estudo será a Análise do Comportamento. Hoje em dia há poucos trabalhos na literatura comportamental que abordem o tema. Portanto, serão analisadas as contribuições dos trabalhos de outras abordagens, e será feita uma proposta de estudo e intervenção direcionados para as queixas clínicas relacionadas à perdas, morte e luto, sob a perspectiva da Análise do Comportamento, o que vamos chamar de Terapia Comportamental do Luto. 1. Análise do Comportamento A Análise do Comportamento (AC) é uma ciência que se destina a estudar, em última instância, o comportamento humano, embasado pela filosofia do Behaviorismo, 3 que apresenta uma visão de homem e mundo que lhe são caraterísticas e que sustentam os princípios dessa abordagem. O homem é visto sob uma perspectiva interacionista: “Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez, são modificados pelas consequências de sua ação. ” (Skinner, (1992/1957) Para a AC todo comportamento tem uma função, alguma circunstância que mantém a ocorrência daquele comportamento em uma determinada situação. Tal função muitas vezes é nitidamente percebida, como quando uma criança chora e tem a atenção da mãe. Mas algumas vezes a função não é percebida claramente, e exige uma análise mais cuidadosa para averiguar o que está mantendo aquele comportamento. Em alguns casos, é necessário que essa análise seja feita rapidamente pois pode trazer prejuízos a quem emite o comportamento. Por exemplo, se uma criança tem comportamentos auto lesivos é importante entender sua função, para que ele possa ser extinguido e substituído por outro comportamento que não traga danos a quem está se comportando. Nesse sentido, para entender porque fazemos o que fazemos, ou seja, porque um comportamento ocorre precisamos analisar a história de vida de quem se comporta. Essa análise é referenciada pelo modelo de seleção pelas consequências, que se constitui através de três níveis de seleção, a saber, o nível filogenético – relacionado à sobrevivência das espécies e à carga genética que carregamos; o nível ontogenético, que diz respeito aos comportamentos que emitimos, que operam sobre o ambiente, e por fim o nível cultural, que está relacionado à influência das práticas culturais, da cultura a qual está inserido o comportamento em questão. Portanto, qualquer comportamento, está sempre sendo influenciado por esses três níveis, em diferentes intensidades. (Skinner, 1981) A tradição da AC tem suas raízes na pesquisa básica, com experimentos com animais não humanos e humanos, investigando e ditando leis para o comportamento. 4 Porém, além disso a AC tem se ocupado a estudar qualquer fenômeno envolvido no comportamento humano, desde práticas parentais até comportamentos pró-ambientais. Acredita-se que a Análise do Comportamento tenha ferramentas importantes para a análise de processos comportamentais que estejam envolvidos em situações de perdas, morte e luto. Pretende-se, portanto, trazer uma discussão das principais produções na área de morte e luto, apresentar propostas de intervenção no contexto educativo e terapêutico, individual e grupal, por meio da terapia comportamental do luto; e ademais, dialogar por meio da linguagem da Análise do Comportamento, de acordo com a visão de homem e mundo característicos da abordagem. 1.1. Análise do Comportamento e o estudo da morte e luto Tradicionalmente, as abordagens que trabalham com luto, como a Psicanálise, a Gestalt e a Fenomenologia são mentalistas. A Análise do Comportamento difere dessas abordagens ao rejeitar o mentalismo: ao rejeitar que os eventos mentais sejam causa do comportamento. Isso apresenta implicações importantes, uma vez que pode se caracterizar como alvo de críticas ao estudo do luto pela AC. Nesse sentido, é possível que algumas pessoas rejeitem a abordagem do luto em termos comportamentais, por argumentar que os processos psicológicos, como o sofrimento do luto, são as causas das reações comportamentais do enlutado e que, portanto, deve-se abordar o psicológico e não o comportamento. Hoshino (2006) aponta que: “Esta dicotomia mente-corpo derivado das pressuposições filosóficas da antiguidade não mais se sustenta frente aos conhecimentos atuais das neurociências e a insistência em sua manutenção revela desconhecimento dos avanços tidos nesta área ou questão de fé. O segundo ponto é a crítica que muitas pessoas fazem ao behaviorismo e todas as demais posições correlatas acusando-os de negarem os processos psicológicos que são eminentemente subjetivos. Estas pessoas desconhecem que o neobehaviorismo radical aborda estes processos como comportamentos encobertos (privados) e sua 5 obediência aos mesmos princípios dos comportamentos observáveis. ” (p. 313) E essa perspectiva não desumaniza em nada o tratamento dado ao enlutado. O estudo da morte e do luto envolve processos psicológicos básicos (como a memória e a percepção) e fenômenos complexos, que deverão ser analisados como qualquer outro comportamento. E além disso, Hoshino (2006) sugere que o luto humano seja uma manifestação filogeneticamente adquirida através de mutações sucessivas e preservada em função da vantagem trazida para a sobrevivência (valor adaptativo), o que mostra a influência do nível filogenético. 1.2 Terapia Comportamental O modelo clínico da terapia comportamental baseia-se na proposta doBehaviorismo para suas análises e intervenções. Na prática clínica tem como um dos instrumentos mais valiosos a análise funcional (AF). A AF identifica a relação entre os eventos ambientais e as ações do organismo, e por meio dela que é possível o levantamento correto dos dados necessários para o processo terapêutico. (Delitti, 1997). Dessa forma, busca-se entender as variáveis das quais o comportamento alvo na terapia é função, e possíveis formas de modificação do ambiente, para propiciar eventos antecedentes que sejam favoráveis às respostas desejadas. Uma queixa, que corriqueiramente aparece em consultórios, está relacionada a diversos tipos de perdas que acontecem durante o curso da vida. De fato, desde que nascemos estamos vivenciando perdas, como a interrupção do leite materno, a perda de um amiguinho que vai morar longe, a morte de um animal de estimação, uma desilusão amorosa, a morte de um parente ou a separação de um casal. Como vimos, essas perdas podem ou não estar relacionadas à morte, e pode envolver um processo de luto. 6 No trabalho clínico típico, quer em consultórios ou clínica-escolas, não é possível que haja um controle rigoroso de variáveis, para se saber claramente quais estão sendo manipuladas, quais estão sendo modificadas, em suma o que é função de que. (Guilhardi, 1997). Da mesma maneira, com queixas clínicas de luto, fica difícil a experimentação, pois muitas vezes pode ser aversivo no processo terapêutico que sejam levantados dados para a investigação científica do caso. Uma possibilidade é que sejam feitos trabalhos por meio de entrevistas em pessoas enlutadas, identificando variáveis que influenciam o enfrentamento. O trabalho de Fernandes & Lopes (2010) investigou por meio de uma entrevista semiestruturada as respostas de enfrentamento e de culpa em pais enlutados. Foram identificadas as respostas de culpar outras pessoas pela morte do filho e justificar que o filho já havia cumprido sua missão de vida. Como respostas de culpa foram identificadas a responsabilidade pela morte do filho, por deixar de fazer algo relacionado ao papel social paterno, aprendido e socialmente cobrado, como por exemplo, estar distante do filho de quatro anos, no momento do acidente e morte por afogamento; e dúvidas quanto à busca do melhor tratamento para o filho de 18 anos, com cardiopatia congênita. Tanto os comportamentos de culpa como os de enfrentamento estavam relacionados à causa da morte. Atualmente têm surgido diversos modelos clínicos em terapia comportamental. Cada um a sua maneira enfatiza algumas variáveis e apresenta formas de entender e intervir diante às queixas. Pode-se citar a FAP (sigla em inglês de Psicoterapia Analítico Comportamental), ACT (sigla em inglês para Terapia de Aceitação e Compromisso), e a Terapia Comportamental Dialética. O objetivo desse trabalho não é apresentar tais terapias, nem tão pouco analisá-las, mas como algumas premissas da FAP são muito compatíveis com a proposta da Terapia Comportamental do luto, elas serão mais especificadas em seções seguintes. 7 2. Morte e luto A morte é um evento natural que faz parte da vida de qualquer pessoa. Pode ocorrer de diversas formas e em diferentes momentos do ciclo de vida. Ainda assim, é um assunto que comumente causa desconforto, incertezas e temor. Trata-se de um evento que modifica o ambiente no qual ele ocorre, que compreende as pessoas que estão vivas. O efeito desse evento é proporcional às contingências que estavam em vigor e que envolviam o ambiente da pessoa que morreu. A Tanatologia (estudo da morte e o morrer) envolve o estudo desse tema a partir de diversos olhares, e muitas áreas se interessam por vertentes do tema, como a Psiquiatria, a Psicanálise, a Antropologia, a Etologia, e a Psicologia de uma forma geral. Combinato & Queiroz (2006) apontam que o ato de morrer, além de um fenômeno biológico natural, apresenta uma dimensão simbólica, relacionada tanto à psicologia como às ciências sociais. A morte apresenta-se como um fenômeno impregnado de valores e significados dependentes do contexto sociocultural e histórico em que se manifesta. Essa citação é muito compatível com a visão da AC de que o ambiente irá influenciar o efeito do evento morte naquele ambiente, a depender da história de vida dos envolvidos, e de fatores culturais que possam exercer influência. O luto é uma reação diante de uma perda. Parkes (1998) aponta que o luto refere-se a um processo, e não um estado, e envolve uma sucessão de quadros clínicos, que se mesclam e se substituem. Franco (2007) mostra que o processo de luto é uma resposta natural e esperada após uma perda importante, que pode ser decorrente de morte, afastamento, perda de capacidades físicas ou psicológicas, do ambiente conhecido – casa, cidade, país - e, ainda, por experiências que envolvem mudanças e exigem da pessoa uma reorganização de diversos fatores na vida de uma pessoa. 8 Ademais, Hoshino (2006) destaca que a perda desencadeadora do luto consiste em deixar de se ter o que tinha, na maioria das vezes, alguém ou algo do ambiente a quem ou ao qual se tinha vínculo afetivo. Isto significa que a perda acarreta modificação de uma situação ambiental que proporcionava bem-estar. O fato de o luto ser reação a uma modificação, geralmente ambiental, implica que ele é um conjunto de respostas de interação com o meio. Portanto, trata-se de um conjunto de comportamentos, públicos e privados, que envolvem a perda de diversas fontes de reforçamento. Vários estudiosos se debruçaram em entender o processo de luto e frequentemente postularam a existência de etapas e fases para a realização desse processo. Passar por essas etapas, que tem características típicas, seria uma forma de obter uma resolução para esse tipo de condição ao qual nos deparamos diante de uma perda. Tais fases serão descritas e analisadas posteriormente na seção que aborda o processo do luto. 2.1 Representações de morte Podemos falar de vários tipos de morte, a depender da forma como elas ocorrem, e a interpretação que damos a elas, que serão proporcionais à visão de morte, crenças e motivações envolvidas. Até porque, podemos falar de uma morte simbólica, por exemplo, se pensarmos em uma criança que nasça com alguma doença grave ou uma deficiência. Não se trata de uma morte concreta e isso pode representar uma morte simbólica, a morte do filho idealizado. Além disso, podemos falar da morte natural e não natural. Hoje em dia com o avanço da tecnologia em promover a extensão da vida é difícil falar em morte natural. Mas podemos pensar também em acidentes ou doenças graves que levam crianças a óbito, que evidentemente são encaradas como morte não normais, não naturais, pois fala-se que elas vão na contramão da lei da vida, que seria nascer, viver e morrer na velhice. 9 Philippe Ariès (2003, 1975) é um autor conhecido na área de estudos da morte, por ter uma vasta literatura em que fala sobre a morte no ocidente e expõe diversas representações de morte, que serão descritas brevemente, de acordo com a análise do mencionado autor. Elas se constituem pela visão de morte da época e das características de vida, crenças e atitudes peculiares. Uma representação diz respeito à morte domada, que se insere principalmente na visão da época, em meados da Idade Média, quando havia a consciência de que todos nós iremos morrer e que a morte faz parte da vida. Era comum que a morte ocorresse por doenças ou ferimentos fatais, e a morte temida era aquela que fosse abrupta, repentina, que não deixava tempo para despedidas. Isso está relacionado ao fato de que amorte estava envolvida em um evento familiar que incluía a espera no leito, e o que chamavam do cerimonial do moribundo, situação em que havia o lamento pela vida, a evocação de pessoas e coisas amadas, o perdão e a absolvição sacramental. (Ariès, 2003, 1975) Há também a morte interdita, que era permeada pela visão de que a morte era algo vergonhoso, que envolvia repugnância, fracasso, impotência e tendência de ocultar o moribundo, que ficava solitário. A morte não era mais vista como um fenômeno natural, e era comum a chamada medicalização da morte, quando os moribundos eram levados aos hospitais para morrer, lugar que era conveniente para esconder a repugnância e aspectos sórdidos ligados à doença. Dessa maneira, foi ficando mais comum a supressão do luto e das manifestações de dor. (Ariès, 2003, 1975) Seguindo adiante fala-se da morte reumanizada. Diante do avanço da medicina que busca a todo custo impedir ou adiar a morte, surge a humanização da morte, junto com a rejeição a uma morte medicalizada, trazendo a possibilidade de que as pessoas possam se preparar para morrer. Nesse sentido fala-se muito em cuidados paliativos, 10 que representa o grande pilar do processo de reumanização da morte. (Ariès, 2003, 1975) Nesse contexto que se inserem as discussões éticas sobre o efeito dos avanços na medicina na escolha dos pacientes em se submeterem ou não aos processos que adiam a morte. Com descrições bem simples serão citados esses processos, que podem estar fortemente envolvidos em como as pessoas lidam com a finitude, seja da própria pessoa ou de pessoa queridas. Temos a distanásia, que refere-se a manter a pessoa viva mais tempo do que o necessário, sem que haja chances de melhora. A eutanásia, que no Brasil é crime, é ajudar uma pessoa a obter sua própria morte, seja por qual motivo for. E a ortotanásia, que é considerada como a boa morte, quando se cuida para que a pessoa tenha uma morte digna, sem procedimentos fúteis que iriam somente prolongar a vida sem qualidade. Por fim, temos a descrição de Kovács (2003), que fala da morte escancarada, que convive com a morte interdita e a morte reumanizada. Ela está relacionada com as mortes violentas, em guerras, tragédias, desastres e emergências, envolvendo a banalização da morte: “A morte escancarada por ser inesperada não permite preparo prévio. Envolve múltiplos fatores que podem dificultar a sua elaboração: perdas múltiplas (morte de várias pessoas da mesma família), perdas invertidas (filhos e netos que morrem antes de pais e avós), presença de corpos mutilados, desaparecimento de corpos e cenas de violência. ” (Kovács, 2003, p. 150) Essa representação de morte envolve a veiculação pela mídia de cenas fortes, de superexposição e sensacionalismo em cima de tragédias. São vários os exemplos dessa exposição, e Kovács (2003) apresenta uma reflexão importante em relação a isso, pois é fato que hoje em dia, com a globalização e a rapidez de transmissão dos meios de 11 comunicação é inevitável que as tragédias sejam noticiadas, contudo deve haver muito cuidado com a forma como as notícias são apresentadas, de modo a gerar uma reflexão em quem assiste, a fim de combater a banalização e criar possibilidades de discussão, e não somente gerar perplexidade e desconforto. Portanto, fica claro que o ambiente em que a morte ocorre vai determinar em grande amplitude a forma como ela será encarada. E quando fala-se em ambiente faz-se referência ao qualquer aspecto envolvido que possa modificar o comportamento: as pessoas envolvidas (juntamente com sua história de vida permeada de aprendizagens que ajudam ou dificultam o enfrentamento), as condições nas quais as mortes acontecem, as expectativas em relação a ela, a forma como é veiculada, seja pelos familiares ou pelas redes de comunicação em massa. Sem contar que todos esses aspectos estão atuando em conjunto e de acordo com as valores e preceitos de uma sociedade, de uma cultura, de uma parcela da população, de uma família ou de uma pessoa que faça parte da vida de quem se foi. 2.2 O processo do luto Vimos que o luto faz referência a um estresse diante de uma perda, e que trata-se de um conjunto de comportamentos, públicos e privados, que envolvem a perda de diversas fontes de reforçamento. Acredita-se que qualquer pessoa irá passar por esse processo em algum momento da vida, seja o luto diante de mortes ou de outras perdas. O comportamento de enfrentamento à morte é determinado por diversos fatores, e como qualquer outro comportamento ele é selecionado pelas suas consequências (cf Skinner 2003/1953), e sofre muita influência do nível ontogenético (em relação ao repertório que a pessoa possui para lidar com perdas e rompimento de vínculos) e do nível cultural, em referência à como a comunidade em questão enxerga a questão da 12 morte. Isso envolve muitos pontos de vista, crenças religiosas, sobre a finitude da vida e a existência de diversos tipos de rituais. Kovács (2008) aponta que a expressão do luto terá características peculiaridades de acordo com os ritos familiares e a cultura em questão. Não há julgamentos em relação aos tipos de rituais, mas ressalta-se sua importância, como estratégia que facilita a elaboração do luto. Essa questão demonstra a influência do terceiro nível de seleção, a cultura. São vários os autores que investigaram e buscaram algumas regularidades na vivência do processo de luto. É comum falar de fases e estágios que devem ser vividos para a elaboração do processo de luto. Quando falamos em elaboração do luto, termo comum na área, nos referimos à vivência da perda, ou seja, a entrar em contato com as contingências da perda, com os estímulos aversivos, com a perda de reforçadores e eventualmente o ganho de reforçadores também (como quando uma viúva recebe uma boa herança do marido), e lidar com essas novas contingências de forma que não haja sofrimento que impeça a pessoa de realizar suas atividades rotineiras e que lhe são reforçadoras. 2.3 Fases do luto Klüber-Ross (1996) é talvez a referência mais citada na área, e é conhecida pela elaboração das cinco fases do luto. A autora tem uma vasta produção nas questões da morte e luto, e inicialmente criou as fases quando investigava o processo que levava um paciente terminal aceitar sua condição. Mas ela percebeu que essas fases também se aplicavam as pessoas que vivenciavam uma perda. Inicialmente tem-se a fase da negação, quando a pessoa nega a ocorrência da morte e mostra não acreditar que a pessoa amada está de fato morta. Por exemplo, pais que esperam ansiosamente o filho chegar em casa, mulheres que colocam um prato na mesa para o marido falecido. 13 A segunda fase é a raiva, marcado por sentimentos de revolta, inveja e ressentimento. É comum o aparecimento de agressividade e atribuição de causa ou culpa para algo ou alguém. A fase da barganha é marcada pela tentativa de alguma espécie de negociação que possa mudar ou evitar a perda. É comum o apelo a entidades divinas e quaisquer crenças por meio de pactos ou promessas. A fase da depressão é permeada por extrema tristeza, choro, introspecção e isolamento. E por fim, a última fase é a da aceitação, que não significa o fim do sofrimento, mas um período em que a pessoa deixa de lutar contra a morte, a aceita e isso facilita o enfrentamento. (Klüber- Ross, 1996) Parkes (1998) também postulou as fases do luto da seguinte maneira: Alarme, Torpor, Depressão, e Recuperação/Organização. Rando (1993) orgazinou as fases em: Evitação ou negação, Confrontação, Acomodação. E por fim, Saunders (1989, 1999) falou em: Choque,Consciência da perda, Conservação-retirada, Elaboração, Reparação. Todas essas classificações são similares às fases de Klüber-Ross, no sentido geral de não aceitar a morte inicialmente, confrontar, tentar evitar a realidade da forma que for possível, extrema tristeza diante da realidade e conseguir aceitar a condição. Essas fases são meras descrições de um conjunto de comportamentos que são comumente emitidos diante perdas. Não tem um compromisso cronológico, elas podem não acontecer na ordem descrita, e geralmente se mesclam e se confundem. E mesmo após a aceitação nada impede que a pessoa emita comportamentos típicos das fases anteriores. A ideia de falar em fases do luto é interessante, uma vez que quando falamos em pesquisa que tem como objetivo gerar conhecimento para aplicação é notória a necessidade de uma sistematização, para facilitar a linguagem entre os pesquisadores e para o registro adequado dos achados em cada um dos pacientes. Contudo, é preciso 14 fazer uma análise cuidadosa para não encaixar a dor dos pacientes em fases sem ter a devida análise da função de cada comportamento dentro de um contexto. Gimenes (2012) compartilha um exemplo pessoal em um relato proferido durante uma palestra na ABPMC (Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental) em 2012, em que mostra de forma singela e nítida as fases do luto: “Numa nota pessoal quero dizer que estou vivendo um longo período de luto às avessas. Não removeram minhas fontes de reforçamento. Porém, minhas condições físicas me impedem de acessá-las. Já neguei que isso pudesse estar acontecendo comigo. Já tive raiva, já chutei o pau da barraca e rodei a baiana. Já tentei negociar com todas as entidades divinas. Já tive períodos de depressão e muito choro. Atualmente, estou tentando lidar com a aceitação, buscando novas fontes de reforçamento. Estar presente hoje aqui é uma dessas tentativas”. (Gimenes, 2012, p.77) Nesse mesmo texto descrito acima, Gimenes aponta um o trabalho que traz uma contribuição muito relevante, ao comparar as fases do luto de Klüber-Ross com a extinção operante. Brevemente, a partir de um registro cumulativo de uma sessão de extinção foi possível identificar as semelhanças entre os comportamentos do rato nesta situação com os estágios do luto: negação, raiva, negociação ou barganha, depressão e aceitação. “Na negação, no início da extinção o rato continua respondendo como se nada houvesse mudado; na raiva, o animal começa a morder a barra e partes da caixa; na negociação, o animal volta a pressionar a barra tentando obter os reforços; na depressão, o animal para de responder e se isola em um canto da caixa; na aceitação, finalmente o rato volta a andar e farejar livremente pela caixa como fazia antes de aprender a responder na barra. Os estágios intermediários podem ou não ocorrer e sua duração varia de indivíduo para indivíduo. O importante é que em ambos os casos estamos descrevendo o processo da perda de uma fonte de reforçamento críticos. ” (Gimenes, 2012, p. 77) 15 2.4 Tarefas do luto Outra autora muito conhecida por sua produção é James William Worden, principalmente com seu livro: Aconselhamento do Luto e Terapia do Luto: um manual para profissionais de saúde mental. Diferente das fases do luto ela fala sobre tarefas do luto como estratégias para se alcançar a resolução. Sua proposta é interessante, na medida em que dá mais autonomia a pessoa que está vivenciando o luto, pois na medida em que completa as tarefas a pessoa se sente segura para avançar no enfrentamento e entrar em contato com as novas contingências advindas com a morte. (Worden, 2013/1932) A primeira tarefa é aceitar a realidade da perda. Em meio à negação e a procura em encontrar o morto em outra pessoa (às vezes a pessoa jura ter visto a pessoa morta e pensa que ele pode estar vivo e precisando de ajuda), é necessário aceitar que a pessoa morreu e não irá voltar nunca mais. É válido pensar em uma questão de controle de estímulos, pois há uma atenção seletiva no ambiente que faz com que a pessoa foque sua atenção em qualquer coisa que lembre o falecido. Por exemplo, repara-se que vários carros iguais o dele passaram na rua, repara-se nas pessoas que tem um biotipo e características fenotípicas parecidas com o morto e com isso podem haver essas confusões que só atrapalham no discernimento de que a realidade é a morte. (Worden, 2013/1932) A segunda tarefa é processar a dor do luto, dar um espaço para a dor, que em outras palavras seria: entrar em contato com as contingências e não se esquivar. É comum que a esquiva aconteça por meio da idealização do morto, da evitação de lembranças, de objetos, o uso de drogas e viagens. A estratégia da esquiva pode ser muito boa a curto prazo, mas a longo prazo pode ter um efeito desastroso, pois muitas vezes quando a pessoa percebe que esteve longe e quer voltar para de fato se despedir 16 da pessoa, de suas coisas, objetos e lugares, é tarde demais. É comum que a família interfira nesse sentido, como por exemplo, um caso em que um viúvo, após o enterro de sua esposa, chega na casa onde viveu cinquenta anos de casamento e encontra tudo diferente: móveis novos, tudo organizado diferente e sem as fotos, sem as roupas, sem os pertences de sua esposa. Essa atitude é de extrema violência, embora com boa intenção, pois o enlutado está vulnerável e pode não perceber que o importante é que ele entre em contato com as contingências e que aos poucos, na medida em que haja habituação, ele consiga se desfazer do que não é mais necessário na ausência da pessoa amada. (Worden, 2013/1932) A terceira tarefa é ajustar-se a um mundo sem a pessoa morta, o que envolve segundo Worden (2013/1932), ajustes internos, externos e espirituais. É uma fase de adaptação à perda, de análise dos papéis que eram antes desempenhados, das novas habilidades e funções que vem pela frente e de identificação e aceitação dos ganhos com a perda. Por exemplo, um pai que precise aprender a criar os filhos na ausência da mãe; e uma herança rejeitada por acreditar-se que o dinheiro é maldito. A quarta tarefa é encontrar uma conexão duradoura com a pessoa morta em meio ao início de uma nova vida. Worden (2013/1932) diz que é preciso criar: “novos padrões de vida que incluam as relações modificadas, porém duradouras, com aquelas pessoas que foram importantes e amadas”. Em outras palavras, pode-se dizer que é esperado que o enlutado fique sob controle de estímulos relacionados ao morto que não lhe tragam um sofrimento insuportável, como por exemplo, falas características, valores compartilhados, costumes que podem ser repetidos até como uma espécie de homenagem ao morto. Dessa forma estabelece-se uma essa conexão com o morto sem que isso prejudique os planos e as atividades que são previstas nessa nova vida, sem o morto. 17 2.5 Tipos de luto O processo de luto normal pode ser comparado a uma adaptação sadia à perda e torna-se organizado quando a morte é tomada como algo real, com o enlutado apontando certa disponibilidade para novos investimentos em sua vida, ou seja, diante da perda de uma fonte de reforçadores é preciso buscar outras fontes e lidar com as perdas. Esse processo sugere a reorganização da nova rotina do dia a dia, caracterizando assim um processo de luto bem elaborado. Hoje em dia, fala-se em luto virtual. Diante da presença frequente e intensa das redes sociais e da internet como meio de comunicação imediato, tem sido comum a expressão da dor virtualmente. Fagundes (2012) conduziu um estudo em que analisou e realizou a comparação das fasesdo luto com a extinção operante em uma página de uma rede social, analisando as mensagens, principalmente da mãe e da namorada, no perfil de um jovem que morreu em um acidente de moto. Sobre isso Filipakis et al (2006) apontam uma vantagem e uma desvantagem desse tipo de expressão: “a) esta forma de enfrentamento auxilia no processo de elaboração de cada etapa da perda, por configurar uma forma de socialização e extravasamento dos sentimentos dos enlutados; b) pode haver um prolongamento desnecessário e martirizador de algumas etapas do processo de enlutamento”. Quando se fala em luto patológico (termo substituído hoje em dia por luto complicado), falamos da intensificação dos processos presentes no luto normal (tanto em relação ao tempo de duração quanto em relação ao comprometimento provocado pelos sintomas). Essa intensificação assume um caráter irreversível, integrando-se a vida do enlutado e impedindo a reorganização de sua vida e a construção de novos projetos para o futuro (Kovács, 2008). 18 Existem alguns fatores complicadores do luto, que se referem ao tipo de morte e/ou circunstância do acontecimento. Existe o luto antecipatório, quando normalmente são nítidas as fases do luto, por exemplo, diante de um diagnóstico de uma doença incurável. O luto parental, envolve a morte de um filho, que muitas vezes é chamada de morte invertida e costuma envolver culpa dos pais por algum motivo não ter cuidado do filho como deveria. O luto adiado, acontece normalmente quando não há vivência do luto, por muitos fatores, e ocorre muito tempo após o acontecimento da morte ou perda: quando as contingências reais da perda na estão mais presentes. O luto não autorizado, quando por questões de crenças e costumes não há aceitação socialmente, como o luto por animais, aborto, ou de amantes. Há também o luto coletivo, e um exemplo foi o acidente na boate Kiss, em Santa Maria no Rio Grande do Sul, onde houve muitas mortes e a cidade toda ficou de luto pelo acontecimento. Por fim o luto suspenso, que ocorre por desaparecimento, quando há ausência do corpo. Segundo Rando (1993), há consequências sérias quando não se cuida de pessoas que apresentam risco para processos de luto complicado. É preciso: (a) identificar fatores de risco; (b) delinear tendências sócio-culturais e tecnológicas que possam exacerbá-las; (c) observar o que é necessário ser trabalhado para se evitar um luto complicado. Há uma importante distinção que deve ser feita quando falamos de luto, tristeza e depressão. A tristeza está presente no luto e na depressão. O sentimento de tristeza geralmente se relaciona com a perda de reforçadores (Catania, 1999), ou seja, uma determinada fonte de reforço deixa de sê-lo. Quando o brinquedo preferido de uma criança quebra, ela fica triste porque não poderá mais brincar com ele. A perda de um ente querido provoca tristeza, já que não poderemos mais ter as interações sociais reforçadoras que tínhamos com aquela pessoa. 19 Dependendo do oferecimento de reforçadores na vida da pessoa, pode acontecer de a perda ser muito significativa, e ou, as fontes de reforçamento serem muito restritas, o que permite que uma profunda tristeza se instale. Geralmente as pessoas com quadro de depressão se encaixam nesse perfil. (Hubner, 2012) Contudo, é importante não confundir depressão com luto, pois o luto não é uma doença e não precisa necessariamente do tratamento dado a uma doença. Alguns casos de luto podem precisar de medicação, mas trata-se de uma reação de a um estresse, a uma perda significativa, e após a resolução do luto, havendo a adaptação à perda, a pessoa deixa de sentir a tristeza profunda que pode ser confundida com depressão, e se tratada como tal pode trazer mais prejuízos do que benefícios ao enlutado. 2.6 Luto e DSM O luto não é uma doença. Embora possa ser permeado por extrema tristeza e com sintomas de depressão, o luto não é uma doença e não é a mesma coisa que depressão. O luto encontra-se no DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, que encontra-se na quinta edição) e desde a primeira publicação o luto já foi considerado como necessário de atenção, sendo classificado como “outras condições que podem ser foco de atenção clínica. ” (Parkes, 1998) No DSM-IV ele é considerado como um transtorno de adaptação, e pode ser definido pelo conjunto de sintomas emocionais e comportamentais desenvolvidos por um ou mais estressor, como alguma doença, morte ou desemprego. Seus principais sintomas são: insônia, angústia, isolamento social, anedonia, irritabilidade, fadiga, baixa auto-estima, pessimismo, hostilidade, impulsividade e, às vezes, uso de substâncias. (Manfrinato, 2011) Recentemente, estudiosos do luto estiverem presentes em uma polêmica que envolvia a publicação da quinta edição do DSM, pois essa edição excluiu a regra que 20 elimina o luto dos sintomas de depressão. A mudança é justificada pela ressalva de que os médicos deverão ficar alerta para diferenciar o luto normal do diagnóstico de uma doença mental e outra ressalva para o fato de que a depressão e o luto podem coexistir. (Kupfer, 2013) Contudo, essa questão levanta outra preocupação, pois uma pessoa que está de luto por ao menos duas semanas pode ser diagnosticada com depressão, e poderá ser medicada para isso. É preocupante que pacientes enlutados sejam medicados sem necessidade, uma vez que o medicamento pode deixar a pessoa em uma situação em que não seja possível vivenciar de fato as contingências, e isso, como já vimos, é um fator de risco para um luto complicado. 2.7 Mediadores do luto Além das tarefas do luto, Worden (2013/1932) apresenta em seu livro mencionado, uma seção muito interessante em que vai elencando fatores que influenciam a vivência do luto, pois sabe-se que esses efeitos são muito diferentes. Para algumas pessoas o luto é uma experiência muito intensa, para outros muito leve; para alguns o luto começa com o comunicado sobre a morte, e para outros trata-se de uma experiência adiada. E até mesmo sobre o fim do processo, os autores não tem um consenso. Bowbly (1980) e Parkes (1998) são unânimes ao afirmar que o luto acaba quando a pessoa acaba o processo de restituição. Para Worden (2013/1932) o luto acaba quando a tarefas do luto são cumpridas. Alguns autores falam de períodos, quatro meses, um ano, dois anos. É comum falar-se em um ano pelo menos, pois é quando o enlutado vive com a ausência do morto, ao menos uma vez, todas as comemorações e datas importantes de um ano. Um dos mediadores do luto refere-se ao vínculo, a quem era a pessoa que morreu, qual era o relacionamento entre elas, seus conflitos, suas conquistas juntos, ou seja, de que forma ocorria o relacionamento. Essa questão é muito importante, pois mais importante que parentesco ou tempo de convivência a intensidade do vínculo é um fator 21 fundamental na magnitude do luto. Outro mediador é a condição da perda, como a pessoa morreu: inicialmente fala-se da sigla NASH (natural, acidental, suicídio e homicídio), e sobre fatores de como ocorreu: se foi repentina ou inesperada, se envolvia uma grande distância física ou se foi em local próximo, se a morte foi violenta e/ou traumática, se envolve múltiplas perdas, mortes evitáveis, perdas ambíguas, mortes estigmatizadas (que normalmente estão relacionadas com o luto não autorizado). (Worden, 2013/1932) Outra questão refere-se aos antecedentes históricos: idade, gênero, história de como a pessoa resolve seus problemas e suas estratégias de enfrentamento. É importante a investigação da história prévia em relação a transtornos psiquiátricos,tentativas de suicídio e abuso de drogas, se existe uma rede social de apoio, se houve ganhos secundários com a perda (bens materiais por exemplo), e se existem estressores concorrentes: outras questões que já aconteciam antes da perda ou que se intensificaram com a perda, como por exemplo outras perdas. Outra questão muito importante são os rituais: evidentemente que não existe um ritual específico obrigatório, pois isso vai depender das crenças de cada pessoa, mas é fato que os rituais após a morte ajudam na elaboração do luto, na medida em que funcionam como uma homenagem, uma celebração ao morto, e uma confirmação de que aquilo realmente aconteceu. (Worden, 2013/1932) Todos esses mediadores nada mais são que descritores das contingências que vão mediar a interpretação da perda pelo enlutado. Uma leitura correta do ambiente irá facilitar a compreensão do ocorrido, e minimizar as chances de que a morte esteja envolvida com culpa, o que é muito comum de acontecer. Além disso, essa leitura do ambiente, que pode ser direcionada pelo terapeuta durante o processo terapêutico, envolve ainda a adaptação e a programação de contingências futuras que facilitem a 22 resolução do luto. E naturalmente que a história de vida, o repertório comportamental e a variabilidade comportamental vão mediar esse enfrentamento. 3. Interpretações do luto a partir de conceitos comportamentais A literatura científica em psicologia experimental dispõe de vários conceitos construídos e validados em laboratórios que descrevem a forma como nos relacionamos com o mundo. Essa seção exige algum conhecimento prévio desses conceitos que podem ser adquiridos com a literatura especializada. (cf Skinner, 1978, Keller & Schoenfeld, 1966, Sidman, 1976, Miguel, 2000) Para interpretarmos as reações diante uma perda fala-se em controle de estímulos. Pois sabemos que processos psicológicos, como a memória, atenção e percepção, estão envolvidos com a compreensão das relações entre estímulos e ambiente, que são selecionados por meio de contingências de reforçamento. E estar atento a algo, prestar atenção/estar atento a/focar a atenção sobre, nada mais é que um comportamento operante, controlado por suas consequências e estímulos antecedentes. (Strapasson & Dittrich, 2008) Portanto, diante de uma perda, de algo ou alguém com o qual havia um vínculo, a atenção fica focada naquilo, nas lembranças do vínculo, e em qualquer outro tipo de estímulo que tenha uma equivalência funcional ou semelhança física com o objeto ou pessoa perdida. Lembrar é ver na ausência da coisa vista, e é comum que o enlutado lembre de muitas coisas relacionadas a perda, e que até pense ver de fato a pessoa, uma vez que há uma sensibilidade alterada que faz com que o enlutado fique sob controle de estímulos que lembrem o morto. Por exemplo, uma mãe, após perder o filho adolescente pode jurar que viu a bicicleta do filho na porta do supermercado, quando na verdade é só uma bicicleta 23 parecida. Um viúvo pode se chatear por sentir a todo momento cheiro de comida, como quando sua mulher cozinhava, e na verdade o cheiro esteve sempre presente, vindo de outras casas próximas, mas ele nunca havia percebido até a morte de sua mulher. Ou até mesmo, morre um cachorro querido, e seu dono começa a reparar e achar que existem muitos cachorros pela rua e isso lhe traz sofrimento; e na verdade os cachorros sempre estiveram lá, mas antes não faziam parte do ambiente do dono. Conforme já apontado podemos falar em termos de extinção sobre o processo que ocorre diante uma perda. Se pensarmos que a extinção é uma operação que suspende o reforço, e que a perda trata-se da retirada de um reforçador crítico para a pessoa, podemos interpretar a extinção operante como similar à reação de luto. A tabela 1, adaptada do trabalho de Fagundes (2012) ilustra a comparação: Tabela 1. Comparação entre as fases do luto e as fases da curva da extinção. Fases do luto – Kluber-Ross Fases da curva de extinção Negação Burst1 Raiva Agressividade adjuntiva Barganha Variabilidade comportamental Depressão Diminuição da taxa de respostas acompanhada de respondentes Aceitação Retorno ao nível operante Da mesma forma, se pensarmos que operação estabelecedora são operações, eventos, que estabelecem ou modulam o valor de um determinado estímulo como reforçador, podemos dizer que a morte pode se tornar uma operação estabelecedora, de privação e/ou estimulação aversiva. Parkes (1998) que não compartilha da literatura comportamental apresenta trechos que nos fazem pensar que a comparação faz sentido: 1 Burst é o “jorro constante de respostas mesmo na ausência da apresentação do reforço” (Bravin, 2008, p. 8) 24 “Privação implica ausência de uma pessoa ou objeto necessários. (...) Privação significa a falta daqueles “suprimentos” essenciais que foram anteriormente fornecidos pela pessoa perdida. (...) De certa forma, são equivalentes psicológicos para comida e bebida. As pessoas têm necessidade de outras pessoas, e a perda do marido, da mulher ou de um filho, provavelmente deixam um grande vazio. “ (Parkes, 1998) Conforme apontamos, algumas pessoas a depender de sua história de vida, tem mais facilidade ou menos dificuldade em lidar com o luto. E isso pode estar relacionado aos modelos de aprendizagem durante a vida, pois pode ter havido aprendizagem por modelação: por bons modelos que foram prontamente seguidos, ou até mesmo, com grupos de apoio, quando pessoas aprendem a lidar com a dor a partir do modelo de outras pessoas que passam por situações similares. Além disso, pode haver a aprendizagem por modelagem: a partir de aproximações sucessivas com perdas pequenas tem-se um repertório que pode facilitar a resolução de um luto. Isso mostra que é importante que crianças vivenciem perdas, por exemplo, a perda de um brinquedo adorado, a morte de uma plantinha ou um animal de estimação. Muitas vezes os pais inventam histórias, com o intuito de poupar a dor das crianças, mas isso nada mais é do que uma esquiva experiencial, que pode prejudicar a forma com a qual a criança irá lidar com perdas futuras. A falta de contato com uma alguma situação de perda ou morte traz consigo muita desinformação e incertezas, o que pode fazer com que as crianças tenham crenças errôneas sobre a morte, inclusive, sentir-se culpada, não aceitar, ter medo de morrer e de que pessoas amadas também morram. Pode acontecer que, em virtude de diversos acontecimentos que desagradam as crianças, elas desejem algum mal a outra pessoa, como, por exemplo, desejar a morte de um irmão. Nesses casos, a criança passa a pensar que foi responsável pela morte: havendo uma contiguidade entre o desejo da criança e 25 um acontecimento real, ou até mesmo com a criação de uma falsa relação contingente entre esses eventos, pela criança. Portanto, é indicado, tanto a pais quanto educadores, que haja muita transparência, pois por mais que os adultos tentem esconder seu sofrimento, ou tentem poupar a criança, é fato que o sofrimento existe e que a criança sente. Kovács (2010) aponta que as crianças buscam o adulto como apoio, que pode acolher e legitimar seus sentimentos, responder perguntas, em uma tentativa de ordenar o mundo que fica abalado após perdas significativas. Mas muitas vezes não há esse espaço, nem na família e nem na escola, e essa falta de esclarecimentos pode levar a consequências ruins para a criança e dificuldades no processo de luto. Participar dos rituais,do velório, por exemplo, faz a criança se sentir parte da família, e da situação pela qual a família está passando. Ademais, podemos falar acerca do desamparo aprendido, que refere-se a dados experimentais que demonstram a dificuldade de aprendizagem operante apresentada por organismos que tiveram experiência prévia com eventos aversivos incontroláveis. Impede-se que os animais aprendam uma resposta de fuga e esquiva - aprendizagem operante. (Hunziker, 2003) E esse modelo inclusive é comparado com um modelo animal de depressão, que demonstra a impossibilidade de controle sobre o meio. É comum, no senso comum falar que diante a morte temos a sensação de impotência, de que nada podemos fazer, e é nesse sentido que é feita a comparação com o desamparo aprendido. Por fim, é importante ressaltar que todas essas comparações são meras especulações teóricas criadas a partir de conceitos disponíveis e construídos pela psicologia experimental, e analisado mediante a literatura que mostra algumas regularidades na reação ao luto. São interpretações que trazem indícios e incentivo para 26 que haja pesquisas empíricas que possam, ou não, atestar com alguma veracidade essas comparações. 4. Análise funcional do luto Conforme apontado, a análise funcional é um instrumento extremamente importante para análise e intervenção na clínica comportamental. Fernandes & Lopes (2010) apresentam uma análise muito coerente: com relação à ausência por morte de um ente querido, respostas de enfrentamento são emitidas e diversificadas, constituindo-se numa classe operantes que têm como consequência evitar, minimizar, terminar com os aversivos ou produzir mais punitivos. Nesse caso, o processo de enlutamento pode ser complexo, longo e doloroso, chegando a níveis disfuncionais quando não é finalizado de maneira adequada. Para Guilhardi (2013) é preciso ter sempre em conta que as funções que os eventos têm para cada pessoa são construídas socialmente, como resultado da ação de contingências de reforçamento. Dessa forma, retificá-las implica em desconstruir e reconstruir, e ocasionar novas contingências de reforçamento ou novas inter-relações entre contingências. E mais que isso, o terapeuta não pode simplesmente desejar mudar as funções dos eventos, pois há necessidade de conhecer seus determinantes e manejá- los apropriadamente. Guilhardi (2013) em uma análise sobre o perdão faz uma análise muito valiosa sobre um caso descrito em seu texto que envolve perdas em um relacionamento amoroso. A citação apresenta uma análise funcional que descreve o caso de Maria, que foi traída pelo marido: “Maria somente terá perdoado plenamente se sua dor se esvanecer. Uso o termo esvanecer para destacar que a dor diminui gradativamente até níveis suportáveis. A dor não cessa abruptamente, 27 pois os sentimentos se alteram lentamente, seguindo os princípios comportamentais que regulam os processos de extinção operante e respondente. Maria conservará, provavelmente, o comportamento de se lembrar do ocorrido, mas sem a terrível moldura do sofrimento. Lembrar, neste episódio, significa: 1. ver na ausência do episódio visto; 2. imaginar quais foram os comportamentos de João, uma vez que Maria não teve acesso e não pode ter visto o que ocorreu exatamente; 3. repetir para si mesma os tatos verbais expressos por João; 4. ampliar os tatos de João com seus próprios tatos: ela faz a si mesma questões sobre o que ocorreu, porque ocorreu, como ocorreu, com que intensidade ocorreu, quando ocorreu e emite suas próprias respostas, uma vez que as apresentadas por João não a convencem. Pensar, ver as cenas, imaginar situações ocorridas etc., sem consequências sociais e ambientais reais, fazem parte dos longos processos de extinções respondente e operante. Longos e dolorosos!” (p. 9) Nesse sentido que é válido destacar a FAP (Terapia Analítico Funcional), que aponta que a esquiva de sentimentos é obtida por meio de contatos reduzidos com as variáveis de controle para os comportamentos clinicamente relevantes, o que por sua vez diminui a oportunidade para a aquisição de novo comportamento. (Kohlenberg & Tsai, 2001) A esquiva de sentimentos é muito comum em casos de luto, pois a estimulação aversiva frequente impede que o enlutado entre em contato com os sentimentos extremamente dolorosos. E nesse caso, a FAP demonstra que a explicação que é dada ao cliente, o enlutado, é que é muito importante entrar em contato com os sentimentos, e não deve envolver apelos tais como: “É bom colocar para fora, liberar aqueles sentimentos reprimidos” ou, “Se você segurá-los eles vão sair de outro jeito”. Ao invés disso é dito ao cliente que a emoção é apenas um produto eventual do lidar com os problemas, ou de entrar em contato com estímulos importantes. A ausência de emoção, entretanto, é um 28 problema sério indicando uma esquiva que interfere com a terapia e também interfere em outras áreas da vida do cliente. (Kohlenberg & Tsai, 2001) Portanto, a FAP mostra que a expressão emocional é crucial, não porque seja curativa por si mesma, mas porque serve para mostrar que o cliente está em contato com variáveis de controle importantes, e que novos comportamentos podem agora ser aprendidos. A citação seguinte mostra o caso de um paciente que fala sobre a perda de Jesse, e mostra que é preciso entrar em contato com as contingências aversivas e lidar com elas, e se encaixa perfeitamente para casos de luto: “É importante que você se deixe entristecer, porque se você evitar pensar, sentir, falar sobre Jesse, você acabará evitando muitas coisas, tais como atividades que vocês faziam juntos ou encontrar novos homens, coisas estas que poderiam aflorar quaisquer sentimentos sobre ele. Evitando todas essas coisas, não é apenas a riqueza da sua vida que sofrerá interferência, mas você também não terá oportunidade de imaginar o que acontece de errado e de aprender novas formas de lidar com alguém próximo a você quando problemas semelhantes aparecerem”. (Kohlenberg & Tsai, 2001, p.253) 5. Terapia Comportamental do Luto A Terapia do Luto é indicada para queixas clínicas que envolvam qualquer tipo de perda, seja por morte, fim de relacionamento ou mudança de país. Está relacionada a alguns procedimentos e técnicas específicas, e muitas delas são usadas por diversos tipos de abordagens teóricas, contudo com diferentes interpretações dos resultados e consequente programação de intervenções diferenciadas. Pode ser feita em diversas modalidades. Existem, incialmente, a possibilidade de grupos educativos e preventivos, que tem o objetivo de trazer reflexões sobre a morte, perdas e luto, como um fator de 29 proteção para lidar com as reais ocorrências desses eventos durante a vida. Além da modalidade grupo pode ser realizado um trabalho individual e até mesmo com caráter terapêutico. O grupo pode ser também terapêutico e costuma trazer bons resultados, pois o compartilhamento da dor muitas vezes minimiza as contingências aversivas envolvidas. Será apresentado um modelo de grupo de reflexão sobre a vida e a morte, em dez encontros2. A tabela 2 apresenta uma descrição das atividades de cada encontro, que envolviam vivências, atividade em que os participantes do grupo deveriam fazer atividades e trazê-las para discutir com o grupo, como escrever cartas e trazer objetos pessoais. Tabela 2. Descrição dos encontros do grupo educativo de reflexões sobre a vida e a morte. Primeiro encontro Apresentação dos terapeutas e dos participantes, integração e levantamento de expectativas. Segundoencontro Vivência 1: Sobre a vida a morte e o morrer (discussão da banalização da morte, representações de perdas, morte, luto e vida.) Terceiro encontro Vivência 2: Perdas passadas (compartilhamento do álbum de retratos de pessoas falecidas e carta ao morto) Quarto encontro Discussão das Tarefas do luto: Ele morreu? Por que? Preciso falar sobre isso? Perdas e ganhos após a sua morte? Qual o meu projeto de vida na ausência dele? Quinto encontro Vivência 3: Minha morte (cinco objetos que caracterizem o participante, carta sobre a própria morte, visita ao cemitério) Sexto encontro Discussão sobre os rituais de passagem, e a criança e a morte. Sétimo encontro A boa morte – discussões de bioética. Oitavo encontro Perdas futuras – objetos da pessoa escolhida e carta de despedida para alguém que ainda não morreu. Nono encontro Discussão e Retomada das primeiras vivências. Décimo encontro Retomada das discussões e encerramento. 2 Atividade realizada pela prof. Alessandra de Andrade Lopes como atividade extracurricular no curso de Psicologia da Unesp-Bauru. 30 Outra proposta é apresentada por Silva (2009), como Terapia Cognitivo- Comportamental do Luto. O modelo é composto por 12 sessões, individuais. De uma maneira geral essa intervenção inicia-se com uma função psicoeducativa, com o esclarecimento sobre as fases do luto, alterações cognitivas, fisiológicas e comportamentais consideradas comuns, como o objetivo de reduzir os índices de ansiedade. Adiante, é trabalhado o reconhecimento da realidade da perda, e o sujeito é estimulado a compartilhar a experiência e elaborar rituais de despedida. São utilizadas técnicas para o controle da ansiedade e da depressão em momentos agudos. E seguida, direciona-se o foco na resolução de problemas pendentes entre o sujeito enlutado e o ser perdido, a criação de uma rede de apoio social, a reorganização do sistema familiar e a redistribuição de papéis. Busca-se propiciar a readaptação do sujeito à vida cotidiana, a organização dos horários de atividades semanais, o investimento em novos objetivos de vida e em novas relações, além da prevenção de recaída. Todas essas intervenções partem do princípio de que é preciso entender a forma como a pessoa lida com perdas, como ela entende a vida, a morte, o luto e as perdas em geral, que invariavelmente temos por toda a vida. Algumas reflexões são fundamentais para a preparação para lidar com perdas. Pois como qualquer outro repertório, é preciso que aprendamos a lidar com elas, e muitas vezes podemos lidar com essa aprendizagem antes que uma perda muito substancial aconteça. 6. Velhice e o medo da morte A velhice talvez seja a fase do desenvolvimento humano que menos tem a atenção de estudiosos em Psicologia. Isso tem mudado nos tempos atuais, pois com os avanços da medicina a expectativa de vida tem aumentado e essa parcela da população tem aumentado. Nessa fase talvez seja mais fácil aceitar a proximidade da morte, até por 31 uma questão temporal, pois se encaminha para o término da vida, e porque trata-se de um período de muitas perdas: a perda da juventude, da capacidade física e diversos declínios comuns, na visão e audição por exemplo. Mas isso não quer dizer que não haja sofrimento ou que seja fácil aceitar a morte na terceira idade. E mais uma vez, fica nítida a importância de que haja um repertório de aprendizagem para lidar com perdas, morte e luto. Em 1985, o principal expoente do Behaviorismo, B.F. Skinner, publicou em parceria com a colega M.E. Vaughan o livro Viva bem a velhice: aprendendo a programar a sua vida. Nesse livro eles apresentam reflexões sobre a velhice, como ocorre o contato com o mundo durante a velhice, com passado e lembranças, com as mudanças físicas corporais, os pensamentos, a necessidade de manter-se ocupado, organizar-se no dia a dia, a relação da convivência com as pessoas, estar bem consigo mesmo, o papel de velho na sociedade, e, por fim, o medo da morte. A citação a seguir descreve o cerne do livro: “Num roteiro que funciona bem, você viverá relativamente livre de aborrecimentos, terá chances de fazer várias das coisas que aprecia e menos razões para fazer o que não gosta. O senso de humor dará conta de alguns aborrecimentos remanescentes. Seria mais fácil você conseguir boa parte disso, se você tivesse sido preparado quando era jovem. Tal preparo teria sido mais provável, se você tivesse olhado para a velhice que se prenunciava no futuro, não como algo a ser temido, mas como um problema a ser resolvido.” (Skinner & Vaughan, 1985, p. 112) As reflexões são muito interessantes e servem como uma leitura não técnica para qualquer idade. A ideia geral do livro é pensar em planejamento, em como nossas ações diárias refletem nessa fase da vida. Apresenta-se que planejar nossa vida e nossa velhice aumenta as chances de uma vida saudável, buscando identificar e lidar com as 32 dificuldades. Ao final do livro o tema da morte é abordado, como um final necessário, e falando-se sobre o medo da morte. Os autores apontam que grande parte do problema está na incerteza da morte, pois é algo com o qual não aprendemos por experiência pessoal. Os autores ressaltam que: “...a única coisa que devemos temer da morte, é o medo da morte que nos impede de viver bem nossas vidas. Se, depois da morte, você vier a ser recompensado ou castigado pelo que fez em sua vida, e se não está bem seguro de como será, talvez deva tomar cuidado para não ficar sempre lembrando “que um dia morrerá” (memento mori), sob pena de provavelmente desfrutar menos da vida. ” (p. 97 ) Skinner & Vaughan (1985) sugerem que provavelmente é melhor não pensar na morte. Mas acredita-se que esse argumento é contraditório com a linha de raciocínio exposta durante todo o livro. Talvez os autores estivessem se esquivando de tratar a morte como qualquer outro tema trabalhado no livro, que envolve a perspectiva de conhecimento e planejamento para a vida. Pois durante todo o livro apresenta-se que devemos ter conhecimento das mudanças ocorridas nas contingências, para ajudar a lidar com elas e programar uma vida saudável. Fica o questionamento: se os autores afirmam que o medo da morte pode atrapalhar o desfrute da vida, porque não refletir sobre a morte, para lidar com esse medo e justamente valorizar a vida? E é com essa perspectiva que acredita-se que devamos encarar a morte, tanto como profissionais quanto em qualquer outro papel de nossas vidas. Pois acredita-se que, quanto mais pensamos na morte mais temos motivos para prestar atenção à vida, e vivê-la com qualidade. A partir do momento que reflexões sobre a morte estão presentes no repertório de um indivíduo é mais provável que ele se exponha às contingências aversivas que envolvem perdas e consiga lidar melhor com elas. O sofrimento é inevitável, mas uma mudança no controle de estímulos pode facilitar a vivência de uma grande dor. 33 Considerações Finais O presente trabalho teve como objetivo apresentar as principais contribuições na Terapia do Luto, inicialmente contextualizando o tema de perdas, morte e luto, trazendo os materiais disponíveis na literatura e apontando o olhar da Análise do Comportamento. Acredita-se que a Terapia Comportamental tem uma base teórica que lhe permite estudar qualquer tipo de queixa clínica, e que a análise funcional continua sendo um instrumento valioso também nas queixas relacionadas ao luto. É de extrema importância o conhecimento dos tipos de luto, dos mediadores do luto, e das consequênciasa longo prazo que podem aparecer se não houver um acolhimento cuidadoso para tais queixas. É tentador e pode parecer uma boa opção a esquiva dos sentimentos de dor e saudade, que poderiam ser uma boa opção com outro tipo de queixa. Mas no caso do luto é importante que o terapeuta conduza a manutenção do contato do cliente com as contingências aversivas do luto e que possa direcioná-lo, seja por meio das tarefas, da explicação das fases do luto e de qualquer outra estratégia que possibilite a vivência do luto, para que se alcance a resolução do luto, a reorganização da vida e a investida em uma vida saudável. E vale ressaltar que para trabalhar com questões de luto o terapeuta precisa ter passado por esse passado de aprendizagem sobre os tipos e determinantes do luto, as representações de morte, ou seja, entrar em contato com sua própria morte por meio das reflexões sugeridas, para ter em seu repertório esse enfrentamento baseado na premissa de que é importante refletir sobre a morte, justamente porque assim estamos buscando que a vida seja de qualidade e nos colocando de frente diante os acontecimentos da vida, que vez ou outra não podem ser evitados. 34 Referências Ariès, P. (2003). História da morte no ocidente (P. V. Siqueira, Trad.). Rio de Janeiro: Ediouro. (Original publicado em 1975) Bowlby, J. (1980) Apego e perda: tristeza e depressão. São Paulo: Martins Fontes. Bravin, A. A. Extinção operante como procedimento aversivo: avaliação de seus efeitos com o Labirinto em Cruz Elevado. Dissertação (Mestrado). Programa de Mestrado em Ciências do Comportamento (Análise do Comportamento) do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, 2008. Catania, A. C. (1999) Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição. Porto Alegre: Artes Médicas. Combinato, D.S., Queiroz, M.S. (2006) Morte: uma visão psicossocial. Estudos de Psicologia, 11 (2), 209-216. Delitti, M. (Org.). (1997). Análise funcional: o comportamento do cliente como foco da análise funcional. In: Delitty, M.(Org.) Sobre Comportamento e Cognição, Vol. 2. Capt, 6. São Paulo: Arbytes. Fagundes, F. (2012) Luto no virtual: verificação da relação entre as fases do luto e a extinção operante a partir da vivência compartilhada em uma rede social virtual. Trabalho de conclusão de curso. Centro Universitário Luterano de Palmas. Palmas, 2012. Fernandes, V. Lopes, A.A. (2010, outubro) Análise funcional de comportamentos de culpa e de enfrentamento de mães e pais enlutados. Anais da I Jornada de Análise do Comportamento de Bauru. Bauru, SP, Brasil. Filipakis,C. D., Fagundes, F.; Teixeira, I.; Almeida, R. C.; Stakoviak, F. H. M. (2006) O luto no virtual. Psicoinfo: Seminário Brasileiro de Psicologia e Informática. Caderno de Resumos. PUC-SP. São Paulo. 35 Franco, M.H.P. (2007) Atendimento Psicológico a Vítimas e Equipes. Mesa Redonda apresentada no Segundo Simpósio Brasileiro de Desastres Naturais e Tecnológicos. Santos. Franco, M.H.P. (Org.) (2010) Formação e rompimento de vínculos. O dilema das perdas na atualidade. São Paulo: Summus. Gimenes, L.S. (2012) Análise do Comportamento e outros sistemas. Boletim Contexto ABPMC, Disponível em: http://abpmc.org.br/site/boletim/dez12/full.html Guilhardi, H.J. (1997) Vol 1 Capt. 33, p. 322-337 Com que contingências o terapeuta trabalha em sua atuação clínica? In: Banaco, R. A. (Org.). (1997). Sobre comportamento e cognição: Vol. 1. São Paulo: Arbytes. Guilhardi, H.J. (2013) Perdão em uma perspectiva comportamental. Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento. Campinas – SP. Disponível em: http://www.itcrcampinas.com.br/txt/perdao.pdf Hoshino, K. . A perspectiva biológica do luto. In: Helio José Guilhardi; Noreen Campbell de Aguirre. (Org.) Sobre Comportamento e Cognição: 2006, v. 17, p. 313- 326. Hubner, M.M.C., Moreira, M.B. (2012) Temas clássicos da Psicologia sob a ótica da Análise do Comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. Hunziker, M.H.L. (2003) Desamparo aprendido. Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo como parte dos requisitos para obtenção do título de Livre Docente. São Paulo. Keller, F. S., & Schoenfeld, W. N. (1966). Princípios de psicologia. São Paulo, SP: EPU. (Original publicado em 1950) Kohlenberg, R. J., Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analítica Functional (FAP): Criando Relações Terapêuticas Intensas e Curativas. Santo André, SP: ESETEc (Original publicado em 1991) 36 Kovács, M.J. (2003) Educação para a Morte. Temas e Reflexões. São Paulo: Casa do Psicólogo. Kovács, M.J.(Org.) (2008) Morte e Desenvolvimento Humano. São Paulo, Casa do Psicólogo. Kovács, M.J. (2010) A morte no contexto escolar: desafio na formação de educadores. Em: Franco, M.H.P. (Org.) Formação e rompimentos de vínculos: o dilema das perdas na atualidade. São Paulo: Summus. Kubler-Ross, E. (2005). Sobre a morte e o morrer (Paulo Menezes, Trad.). São Paulo: Martins Fontes. (Original publicado em 1996) Kupfer, D. (2013) O DSM-5 é o melhor que temos para diagnosticar os transtornos mentais. Entrevista ao site de Veja. Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/saude/o-dsm-5-e-o-melhor-que-temos-para-diagnosticar- os-transtornos-mentais Acesso em: 01 fevereiro 2014. Manfrinato, M.G. (2011) Psicologia e DSM. Trabalho apresentado no Curso de Aprimoramento: Teoria, Pesquisa e Intervenção em Luto, 4 Estações Instituto de Psicologia. São Paulo-SP. Miguel, C.F. (2000) O conceito de operação estabelecedora na Análise do Comportamento. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Vol. 16 n. 3, pp. 259-267 Parkes, C. M. (1998). Luto: Estudo sobre a perda na vida adulta. (M. H. F. Bromberg, Trad.). São Paulo: Summus Editorial. (Original publicado em 1996) Rando, T.A (1993) Treatment of complicate mourning. Illinols: Research Press. Saunders, (1999) Grief. The Mourning After: Dealing with Adult Bereavement. (2nded.). New York: Jonh Wiley & Sons, Inc. Sidman, M. Táticas da pesquisa científica. São Paulo: Brasilience, 1976. 37 Silva, A.C.O. (2009) Atendimento Clínico para Luto no Enfoque da Terapia Cognitivo Comportamental. Sobre Comportamento e Cognição, vol. 23. Skinner, B.F. (1981). Selection by consequences. Science, 213, 501-504 Skinner, B.F. (1992) Verbal Behavior, Action, Massachusetts: Copley. (Original publicado em 1957) Skinner, B. F. (2003) Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes (Trad. De J.C. Todorov e R. Azzi – Original publicado em 1953) Skinner, B.F., Vaughan, M.E. (1985) Viva bem a velhice. Aprendendo a programar a sua vida. São Paulo: Summus Editorial. Strapasson, B.A., Dittrich, A. (2008) O conceito de "prestar atenção" para Skinner. Psic.: Teor. e Pesq. Brasília, vol.24 n.4. Todorov, J. C. A Psicologia como o Estudo de Interações. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Brasília, v. 23, n. especial, 2007. p. 57-61. Worden, J.W. (2013) Aconselhamento do Luto e Terapia do Luto: um manual para profissionais da saúde mental. 4 ed. São Paulo: Roca. (Original publicado em 1932)
Compartilhar