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Capítulo 1 - Patrimônio Cultural Afro-Brasileiro

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Especialização em
Educação e PatrimônioCultural e Artístico
EIXO 2
Identidade Cultural 
Afro-Brasileira
Prof. Dr. Nelson Fernando Inocencio da Silva
UnB
Capítulo 1
Patrimônio Cultural Afro-Brasileiro
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Sumário
1.1 UND. 1: PATRIMÔNIO CULTURAL AFRO-BRASILEIRO 6
1.2 PATRIMÔNIO MATERIAL AFRO-BRASILEIRO 8
1.3 PATRIMÔNIO IMATERIAL AFRO-BRASILEIRO 13
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Capítulo 1
PATRIMÔNIO CULTURAL AFRO-BRASILEIRO
 
RESUMO
 O presente capítulo é um esforço de contribuir para um entendimento não 
superficial acerca da participação de africanos e afro-brasileiros no processo de for-
mação da cultura brasileira. A abordagem lida com aspectos da cultura material e 
imaterial que dão densidade ai patrimônio cultural constituído pelos referidos seg-
mentos. 
Palavras-Chaves: afro-brasileiro, cultura, patrimônio
INTRODUÇÃO
 O Brasil é um país que possui uma expressiva população negra a qual ultra-
passa os noventa milhões de habitantes, conforme os dados censitários do Instituto 
Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Aspecto significativo que permite identifi-
cá-lo como a nação onde há o maior contingente negro resultante da diáspora africa-
na. Este fato é consequência das condições históricas nas quais se deram a formação 
da sociedade brasileira. De acordo com os registros existentes nenhuma colônia do 
 Prof. Dr. Nelson Fernando Inocencio da 
Silva. Professor Adjunto do Departamento de 
Artes Visuais IdA/ UnB, Membro do Núcleo de 
Estudos Afro-Brasileiros CEAM/ UnB.
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Novo Mundo se beneficiou tanto do tráfico atlântico quanto o Brasil. As fontes são 
incontestáveis e evidenciam que a presença de africanos escravizados aqui foi mais 
substantiva do que em outras terras, porquanto durou a escravidão na era moderna. 
 Esta população de pessoas oriundas de diversos grupos étnicos africanos viti-
mados pelo trabalho servil não se fez presente aqui somente por meio das atividades 
braçais nos ciclos da cana-de-açúcar, da mineração e do café, durante os quase qua-
tro séculos de manutenção do regime escravista. Ainda que não fossem mais donos 
de seus próprios corpos, transformados em mercadoria, os indivíduos que consti-
tuíam este segmento traziam em suas memórias coletivas imaginários sem os quais 
seria impossível explicar o legado africano, enquanto um conjunto dos elementos 
basilares de nossa formação cultural. Tais referências são fundamentais para enten-
der a construção da identidade e da cultura afro-brasileira.
 Para início do diálogo faz-se necessário destacar que, embora, à guisa de sim-
plificação, falemos de uma identidade e de uma cultura afro-brasileira, devemos en-
tender que se trata de um todo complexo composto por várias identidades, com 
maiores ou menores marcas étnicas em evidência. As variações ocorrem de acordo 
com cada período de exploração das costas africanas. Entre os séculos XVI e XIX o 
tráfico atlântico, que em sua última fase se estendeu ao oceano Índico, explorou 
vários povos, dentre os quais estão os Axanti, Bakongo, Balanta, Baluba, Bambara, 
Bijagó, Dan, Ewê, Fante, Fon, Fula, Haussá, Igbo, Iorubá, Lunda, Mbundo, Makonde, 
Makua, Mande, Mandinga, Tchokwe, para citar parcela expressiva deles. Em outras 
palavras, falamos de identidade e cultura afro-brasileira no singular, mas sem deixar 
de reconhecer o seu caráter plural, considerando as vertentes que subsidiaram es-
ses conceitos.
 Quando nos debruçamos sobre a formação da diáspora africana no Brasil de-
tectamos, mesmo que de modo fragmentado, por força das circunstâncias históri-
cas, elementos que atestam a existência de uma diversidade cultural constituída das 
matrizes africanas, a exigir profundas reflexões para que não caiamos nas armadi-
lhas das simplificações e generalizações absurdas e constantes. De uma perspectiva 
abrangente e inclusiva é possível identificar os contextos que fizeram surgir a cultura 
afro-amazonense, afro-baiana, afro-carioca, afro-gaúcha, afro-maranhense, afro-ma-
to-grossense, afro- pernambucana e assim por diante. Estes termos compostos que 
designam procedências indicam também encontros culturais que resultam em iden-
tidades fomentadas tanto pelos imaginários de diferentes povos africanos, outrora 
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escravizados, quanto por imaginários regionais, partilhados entre pessoas da mesma 
localidade. 
 Tais identidades são frutos de legados que se consubstanciam em patrimô-
nios materiais e imateriais da cultura brasileira. São esses registros que permitem 
compreender o significado da participação dos povos africanos em nossa sociedade. 
As marcas indeléveis que a diversificada população escravizada deixou no processo 
de formação cultural do país representam o objeto de estudo desta disciplina. Assim 
sendo, faremos um percurso por várias das referências que dão forma e conteúdo ao 
que denominamos identidade e cultura afro-brasileira, algumas das quais passaram 
a ser contempladas nas recentes políticas públicas na área cultural.
 Espera-se com esta disciplina capacitar profissionais da cultura a fim de que se 
tornem embasados para lidar com questões alusivas ao reconhecimento e valoriza-
ção do patrimônio cultural afro-brasileiro. A perspectiva é a de compreendê-lo como 
importante parte constituinte desse todo complexo que é a cultura brasileira, até 
hoje interpretado do ponto de vista hegemônico. Este propósito visa a atender de-
mandas da sociedade civil organizada, hoje inseridas na Lei de Diretrizes e Bases da 
Educação Nacional nº 9394/ 96, no que se refere ao artigo 26 A, especificamente no 
que concerne à adoção compulsória de conteúdos relacionados à história e cultura 
afro-brasileira. (A esse respeito consultar as Leis Federais nº 10.639/ 03 e nº 11.645/ 
08). 
 Vale dizer que para se conhecer identidade e cultura afro-brasileira é preciso 
estabelecer algumas desconstruções que começam pela crítica à determinados este-
reótipos acerca do continente africano. Quase todos nós aprendemos a olhar a África 
de modo enviesado. Determinados produtos de qualidade duvidosa como várias re-
vistas de histórias em quadrinhos, desenhos animados, seriados enlatados, progra-
mas ‘humorísticos’ na televisão, entre outras linguagens midiáticas fomentam, desde 
a nossa mais tenra idade, uma cultura visual repleta de equívocos que vão impreg-
nando a consciênciado conjunto da sociedade. Assim quando nos remetemos à ima-
gem de um safári buscamos uma África selvagem em que a fauna e flora importam 
mais do que os seres humanos que habitam não somente as savanas, mas também 
as cidades em diferentes contextos africanos. Ao trazermos das reminiscências o que 
ficou para nós como referências de imagens risíveis, inevitavelmente a caricatura de 
canibais africanos com ossos presos à cabeça realizando rituais de antropofagia virá 
à tona. Sem falar do inadequado black face, exaustivo clichê referente à produção 
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de audiovisuais, em particular do primeiro filme falado da história do cinema cujo 
nome era The Jazz Singer, a compor o rol de ingênuas e perversas imagens. Basta 
um comentário sobre as produções artísticas tradicionais africanas para que o rótulo 
“primitivo” esteja disponível e pronto a ser usado. Da superação desse repertório de 
imagens problemáticas dependem os novos olhares sobre a África e sua diáspora, 
livres do entorpecimento causados pelos ecos e pela herança do pensamento colo-
nial.
 É nesta direção que tencionamos conduzir os estudos concernentes à disci-
plina, no afã de que o corpo discente se interesse por determinados assuntos que 
foram silenciados, negligenciados ou mal-entendidos e sem os quais definitivamente 
não se compreende a cultura brasileira. Para além dos clichês há muito a ser estuda-
do e este é um desafio que diz respeito a todas as pesquisadoras e os pesquisadores 
comprometidos com o respeito à diversidade cultural e com a implementação de 
políticas culturais que visem o estabelecimento da representação plural dos vários 
seguimentos constituintes desta sociedade na cena nacional. Somos um país que 
possui imensa diversidade, contudo, pouquíssimo respeito às diferenças. Da com-
preensão e superação desse paradoxo depende o futuro da cultura brasileira, consi-
derando a perspectiva democrática como uma de nossas utopias.
1.1 UNIDADE 1: PATRIMÔNIO CULTURAL AFRO-BRASILEIRO
 Quando aludimos ao patrimônio cultural afro-brasileiro nos atemos a um con-
junto de referências que somente passaram a ser reconhecidas como tais após o 
adensamento de determinadas reivindicações do movimento social negro, no intuito 
de comprometer o Estado Brasileiro quanto à valorização dos saberes produzidos 
por africanos e afro-brasileiros. No início do século XX o primeiro gesto no sentido de 
registrar objetos vinculados às tradições afro-brasileiras surge curiosamente como 
consequência de invasões policiais nos templos de religiões de matrizes africanas. 
Uma coleção de objetos retirados arbitrariamente das casas de culto no Rio de Ja-
neiro por volta de 1910, por exemplo, recebeu o nome de Museu da Magia Negra e 
foi tombado em 1938, vindo tal acervo a se tornar o nº 1 inscrito no Livro de Tombo 
Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artís-
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tico Nacional – IPHAN. Porém, esta ocorrência não se traduz em valorização do pa-
trimônio afro-brasileiro. Conforme Alexandre Fernandes Correia: “O IPHAN tem uma 
relação extremamente ambivalente com esse acervo (...) Até mesmo pesquisadores 
credenciados são impossibilitados de obter acesso livre a esse bem cultural tomba-
do.” (CORRÊA, 2008, p. 03).
 Em 1912, no estado de Alagoas ocorre o episódio que ficou conhecido como 
O quebra de Xangô. Em uma demonstração pública de intolerância à cultura afro-
-brasileira um grupo autodenominado Liga dos Republicanos Combatentes realizou 
várias incursões aos terreiros alagoanos e tomado por um furor iconoclasta destruiu 
muitas imagens de culto. O material que restou após tamanha violência foi agregado 
sem muito critério e o acervo passou a ser chamado curiosamente de Coleção Perse-
verança, provavelmente devido à Sociedade Perseverança e Auxílio, instituição onde 
permaneceu de 1912 a 1950. Hoje a referida coleção encontra-se sob a responsabi-
lidade do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. A questão alusiva à restituição 
desses bens às casas de culto de origem de onde foram violentamente retiradas 
permanece.
 Até meados do século passado vários terreiros em diferentes estados da fede-
ração dependiam de registro junto às Secretarias de Segurança Pública para funcio-
narem sem correr o risco de intervenção policial. Esta exigência tipificava tais práticas 
religiosas como delito. Não obstante, as perseguições de que foi alvo a cultura afro-
-brasileira transcendeu as casas religiosas com seus rituais e bens materiais repre-
sentativos. 
 Os sambistas e capoeiras, entre outros segmentos marginalizados, eram cons-
tantemente enquadrados no código penal por vadiagem. Afinal esses coletivos eram 
constituídos majoritariamente por homens negros cuja força de trabalho foi sistema-
ticamente ignorada na transição do modo de produção escravista para o modo de 
produção capitalista com atividade remunerada. Logo, aquele contingente passou a 
constituir em larga escala o lumpesinato brasileiro. 
 As hostilidades referentes à identidade e à cultura afro-brasileira, registradas 
na primeira metade do século XX, afetaram sobremaneira a compreensão tanto em 
torno do patrimônio material quanto imaterial que lhes dão sentido, apesar de al-
gumas ações realizadas em uma perspectiva favorável. O trabalho de mapeamen-
to etnográfico acerca das tradições populares do país, por exemplo, custeado pelo 
Departamento de Cultura de São Paulo em 1938 e denominado Missão de Pesqui-
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sas Folclóricas Mário de Andrade, em homenagem ao seu idealizador, reuniu textos, 
registros fonográficos e audiovisuais significativos. Aquele gesto representava uma 
evidência dos raros momentos em que uma política pública cultural com o intuito 
de valorizar, entre outros legados, o patrimônio imaterial da cultura afro-brasileira 
foi implementada. Todavia, a descontinuidade também se tornou uma marca nesse 
processo histórico, de modo que nas décadas seguintes não se observou outros em-
penhos tão significativos que acompanhassem o curso das ações anteriores. 
1.2 PATRIMÔNIO MATERIAL AFRO-BRASILEIRO 
 Conforme foi dito anteriormente a coleção denominada Museu da Magia Ne-
gra, apesar do caráter inadequado tanto no que se refere à denominação ‘magia ne-
gra’*, quanto ao modo abusivo e violento pelo qual fora constituída, veio a se tornar 
o primeiro registro no Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico do 
IPHAN. 
 É sabida a importância do protagonismo de Rodrigo Melo Franco de Andrade 
à frente do órgão na chamada “fase heroica” que se estendeu de 1936 a 1967. A 
instituição outrora denominada como Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Na-
cional – SPHAN viriaa receber vários outros nomes ao longo do século XX*. Nota-se 
na época supramencionada uma forte tendência da gestão no sentido de atribuir 
um caráter específico ao que deveria ser considerado patrimônio cultural e artístico. 
De acordo com aquele ponto de vista havia uma inclinação nitidamente eurocêntrica 
por parte da administração da entidade ao estipular o que era e consequentemente, 
por omissão, o que não era relevante no levantamento de bens culturais a serem 
tombados. Porém, não é possível ignorar o contexto e o pensamento hegemônico 
da época em que se desenvolveu esta conduta institucional, apesar da realização 
de dois Congressos Afro-Brasileiros, 1934 e 1937, sob as coordenações de Gilberto 
Freyre e Edson Carneiro respectivamente, além do 1º Congresso do Negro Brasileiro 
organizado pelo Teatro Experimental do Negro – TEN em 1950. Todos esses eventos 
poderiam ter subsidiado com maior robustez as políticas culturais no Brasil, de uma 
perspectiva mais democrática. 
 Depois de um longo jejum sem ações mais substantivas em defesa da identi-
dade e do patrimônio afro-brasileiro tem-se a retomada das discussões institucionais 
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sobre a presença negra no Brasil. Com o desgaste do regime autoritário a partir de 
meados dos anos 70 e o inevitável processo de redemocratização do país novas en-
tidades negras passam a se articular, dando forma e conteúdo ao que convenciona-
mos chamar de movimento negro contemporâneo. Dessa safra é possível identificar 
dentre outros o Grupo Palmares, no Rio Grande do Sul, idealizador do Dia Nacional 
da Consciência Negra, o Centro de Defesa do Negro do Pará – CEDENPA, o Centro de 
Cultura Negra do Maranhão – CCN, o Centro de Estudos Afro-Brasileiros CEAB, Brasí-
lia, o Grupo de Trabalho e Estudo Zumbi – TEZ no Mato Grosso do Sul, o Instituto de 
Pesquisa e Cultura Negra – IPCN no Rio de Janeiro, O Centro de Cultura e Arte Negra 
– CECAN em São Paulo, o Movimento Negro Unificado – MNU, este último alcançando 
uma dimensão nacional.
 Na primeira metade da década de 80, atendendo à uma das reivindicações do 
ativismo, a Fundação Pró Memória, um braço executivo do IPHAN, implementou o 
projeto Memorial Zumbi. Tal memorial estava sob a direção de um conselho delibera-
tivo composto por gestores, especialistas e militantes da causa negra. Sua incumbên-
cia era a de realizar o levantamento, organização e sistematização de informações 
substanciais para oficializar o tombamento do sítio histórico, arqueológico da Serra 
da Barriga, área considerada central e estratégica na configuração do Quilombo dos 
Palmares. Como é sabido, estamos falando do mais longevo dos quilombos durante 
o regime escravista, além da abrangência representada por sua ocupação espacial 
sem precedentes. Estima-se que Palmares tenha durado em torno de um século se 
espraiando pelos territórios de Alagoas e Pernambuco. Segundo Silva:
Durante séculos o atual sítio e conjunto monumental da Serra da Barriga, cons-
tituído por um patrimônio histórico-arqueológico-ecológico-paisagístico, perma-
neceu como um lugar qualquer, isolado no interior do Estado de Alagoas, dentro 
da jurisdição municipal da pequena cidade de União de Palmares, cuja distância 
de Maceió é em torno de 73 km. Era como se jogado na lata de lixo da História 
estivesse. O ambiente apresenta hoje ocupação esparsa realizada por famílias 
que lá se fixaram não se sabe ao certo as razões. Podem até ter sido vítimas da 
especulação imobiliária local. A conquista desse território como referência das 
lutas populares e, particularmente, da resistência negra no país se constitui em 
um dos maiores êxitos da contra-hegemonia proporcionada pelo ativismo afro-
-brasileiro. (SILVA, 103, 2013.) 
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 O referido território tornou-se a maior referência à memória da diáspora ne-
gra a ser tombado no Brasil. Fato relevante, apesar do tardio reconhecimento insti-
tucional. Após quase 100 anos da Abolição da Escravatura, havia muito pouco em 
termos de mapeamento e registro acerca do patrimônio cultural afro-brasileiro. Além 
do mais a experiência quilombola nos permite leituras não conformistas sobre a es-
cravidão. Hoje o espaço da Serra da Barriga encontra-se revitalizado e sua adminis-
tração foi assumida pela Fundação Cultural Palmares, uma das fundações ligadas ao 
sistema do Ministério da Cultura – MinC, criada em 1988, ano do centenário da Lei 
Áurea. Apesar dos modestos recursos federais a manutenção do ambiente também 
conta com o apoio da população local que aprendeu a reconhecer, valorizar e preser-
var a Serra da Barriga. Tal processo resultou ainda no surgimento de uma identidade 
coletiva por parte da comunidade de União de Palmares com aquela área agora in-
corporada ao patrimônio histórico nacional.
Entrada da Serra da Barriga, como se encontra hoje. Município de União dos Palmares/ AL.
 As diversas comunidades quilombolas espraiadas pelo país também repre-
sentam um patrimônio que contribui para explicar as estratégias de sobrevivência 
de africanos e afro-brasileiros. O trabalho desenvolvido pelo Centro de Cartografia 
Aplicada e Informação Geográfica da Universidade de Brasília – CIGA/ GEA/ UnB, bus-
ca dar visibilidade à grandeza da presença quilombola em todo território nacional, 
relacionando mais de duas mil comunidades que se adéquam às características per-
tinentes. Esta pesquisa demonstra que o tombamento da Serra da Barriga, apesar de 
ocorrido há mais 30 anos, ainda deve servir como referência para outras realizações 
da mesma envergadura.
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 Concomitantemente, no fluxo dessas ações, ocorreu o tombamento do Ilê Axé 
Iyá Nassô Oká, popularmente conhecido como Casa Branca, na cidade de Salvador, 
por ser considerado o templo mais antigo do país no que se refere ao candomblé de 
nação kêto, cujas celebrações são destinadas aos orixás. Depois de certa estiagem 
constata-se uma retomada do processo, muito provavelmente devido às tensões e 
limites entre os movimentos sociais e o Estado. O Ilê Axé Opo Afonjá foi tombado em 
1999, O Gantóis em 2001, O Bate Folha, casa de candomblé angola dedicada à lou-
vação aos inquices*, em 2003, O Alaketo em 2004 e O Oxumarê em 2013, todos em 
Salvador. A Casa das Minas, voltada para o culto aos voduns*, localizada em São Luiz 
do Maranhão foi tombada em 2001.
Detalhe do Ilê Axé Iyá Nassô Oká, primeira casa das religiões de matrizes africanas tombada no 
Brasil.
 Considerando a atualidade do fenômeno conhecido como intolerância reli-
giosa que sabota a compreensão do que vem a ser diversidade cultural, o gesto de 
oficializar este conjunto de terreiros como lugares da memória afro-brasileira segu-
ramente possui uma dimensãopolítica da maior importância. Os esforços protago-
nizados por indivíduos ou grupos de pesquisa dedicados ao assunto evidenciaram 
que uma política, não de Governo, mas de Estado para salvaguardar o conjunto que 
compõe o patrimônio negro no Brasil ainda terá que ser arquitetada. 
 Recentemente, as obras de revitalização da zona portuária da cidade do Rio 
de Janeiro para acolher os Jogos Olímpicos de 2016, permitiram, ainda que ao acaso, 
um retorno ao passado. Com as escavações de determinados trechos foi possível se 
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chegar ao Cais do Valongo que estava soterrado. Ali era um dos pontos nos quais 
desembarcavam os sobreviventes africanos vitimados pelo tráfico atlântico, para in-
tegrarem a força de trabalho no regime escravista. Este lugar agregado ao Cemitério 
dos Pretos Novos, redescoberto em 1996* , para o qual foi criado um instituto de 
pesquisa e memorial, se constitui em ponto de memória africana na diáspora dentro 
do espaço urbano da antiga capital do Império e da República.
Local onde outrora foi o Cais do Valongo, zona portuária da cidade do Rio de Janeiro/ RJ.
 No tocante às políticas da memória em prol da identidade e cultura afro-brasi-
leira há pelo menos duas iniciativas de cunho internacional que colaboram para que 
no Brasil tenhamos maior atenção com patrimônios que remetem à presença negra. 
A agência das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, provocada 
por alguns de seus países membros do caribe e do continente africano, desenvolve 
desde 1994 o projeto A Rota do Escravo. O objetivo é o de romper o silencio acerca 
do tráfico de africanos para alimentar o trabalho escravo em países árabes e nas 
Américas. Além do reconhecimento do tráfico como crime de lesa-humanidade, ele-
gendo o dia 23 de agosto como Dia Internacional da Memória do Trafico de Escravos 
e de sua Abolição a entidade tem outros propósitos em relação ao assunto. Neste 
projeto A UNESCO também financia o mapeamento e tombamento de sítios históri-
cos em diversos pontos da África, Oriente Médio, Américas e Europa que possibilitem 
a construção de uma memória e de um aprendizado acerca do referido fenômeno. 
Entre lugares que são referências da opressão e lugares que são referências da re-
sistência aprendemos a reinterpretar a História e a ressignificar os acontecimentos 
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desconstruindo noções coloniais que perduram até á contemporaneidade.
 
Entrada do IPN, entidade que administra o sítio onde foi identificado o Cemitério dos Pretos 
Novos. RJ. 
 Outro fato recente diz respeito à decisão das Nações Unidas de declarar 2011, 
o Ano dos Povos Afrodescendentes. Posteriormente, reconhecendo a dimensão dos 
afazeres a serem realizados e entendendo que um ano seria um espaço de tempo 
exíguo, a ONU declarou o período compreendido entre 2015 e 2024 como A Década 
dos Povos Afrodescendentes. Tal decisão se deu a fim de estimular ações em prol 
do desenvolvimento e valorização dos legados de tais coletividades, dentre as quais 
a afro-brasileira. Nessa direção é possível reivindicar o fomento de pesquisas que 
contribuam para dar maior visibilidade aos saberes afro-brasileiros, enquanto refe-
rências culturais imateriais constituintes do repertório nacional. 
1.3 PATRIMÔNIO IMATERIAL AFRO-BRASILEIRO
 Em 4 de agosto de 2000 foi baixado o decreto 3.551 que trata da salvaguarda 
das práticas culturais existentes no país, procurando superar a noção de atendimen-
to prioritário às demandas de segmentos privilegiados da sociedade em prol de uma 
política pública comprometida com as diversas contribuições que dão substância e 
complexidade a este fenômeno que chamamos de cultura brasileira.
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Um decreto, datado de 4 de agosto de 2000, instituiu em nosso país o Registro 
dos Bens Culturais de Natureza Imaterial e criou o Programa Nacional do Patri-
mônio Imaterial. O objetivo da iniciativa foi ampliar o raio de proteção, preserva-
ção e valorização dos bens simbólicos de nosso povo, uma ideia que, na verdade, 
já havia sido sugerida por Mário de Andrade, nos tempos de Rodrigo Melo Franco 
de Andrade, no contexto do nascimento do Iphan, quando a consciência da 
preservação da memória nacional começou a se enraizar na sociedade brasileira 
(GIL, 2006.)
 Conforme o argumento apresentado pelo então Ministro da Cultura Gilberto 
Gil Passos Moreira a ideia de preservação das práticas culturais indiscriminadamente 
já existia no pensamento de Mário de Andrade, nos idos dos anos 30 do século passa-
do. Todavia, isto era fruto do entendimento de uma gestão cultural, não resultado de 
uma consciência coletiva. Fator que talvez justifique a longa distancia entre o advento 
da Missão de Pesquisas Folclóricas Mario de Andrade, mencionada anteriormente, e 
a criação do decreto 3.551. Considerando o aspecto de que as matrizes africanas e 
ameríndias estão na base da formação de boa parte das culturas populares no Brasil, 
o estabelecimento de tal decreto colabora para o reconhecimento, ainda que tardio 
de práticas culturais outrora marginalizadas. Na época em que Mário de Andrade 
propunha um denso mapeamento das tradições populares várias práticas culturais 
afro-brasileiras eram alvo da repressão policial. Para se ter uma ideia, foi neste mes-
mo período em que a capoeira deixou de constar no código penal como prática de 
vadiagem, sendo revogado o decreto de 1890 que a criminalizava. 
(Decreto número 847, de 11 de outubro de 1890) Capítulo XIII – Dos vadios e ca-
poeiras Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destre-
za corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras, com 
armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto 
ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum 
mal; Pena – de prisão celular por dois a seis meses. A penalidade é a do art. 96. 
Parágrafo único. É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a 
alguma banda ou malta. Aos chefes ou cabeças, se imporá a pena em dobro.
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Art. 403. No caso de reincidência será aplicada ao capoeira, no grau máximo, a 
pena do art. 400. Parágrafo único. Se for estrangeiro, será deportado depois de 
cumprida a pena. 
Art. 404. Se nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídio, praticar al-
guma lesão corporal, ultrajar o pudorpúblico e particular, perturbar a ordem, 
a tranquilidade ou segurança pública ou for encontrado com armas, incorrerá 
cumulativamente nas penas cominadas para tais crimes.
 Assim como a capoeira, o samba, os candomblés além de outras formas cul-
turais afro-brasileiras permaneceram sob a vigilância e hostilidade do aparato de se-
gurança. No pós-abolição o Estado brasileiro não foi capaz de garantir a cidadania ao 
enorme contingente negro aqui existente, mas foi eficaz ao reprimi-lo, inclusive em 
sua dimensão cultural, como modo de manutenção da ordem, da tranquilidade e da 
segurança pública.
 Curiosamente a cultura imaterial afro-brasileira vem sendo difundida para 
além das fronteiras nacionais desde a transição do século XIX ao século XX. O Brasil 
foi a última nação do Novo Mundo a abolir a escravidão em 1888, somente após 
Cuba em 1884. Com o fim do escravismo um novo e terrível cenário se configura. 
Diante da falta de perspectivas daquele momento, após a proclamação da Lei Áurea 
cujo texto era tímido e silenciava sobre as responsabilidades do Estado para com a 
população negra, uma parcela significativa de alforriados resolveu tentar a vida no 
continente africano. Esses indivíduos ficaram conhecidos como os retornados. 
 Desde o inicio da colonização as rotas que predominaram no Atlântico esta-
vam relacionadas ao tráfico humano de africanos. Com o passar do tempo outras 
viagens, com objetivos distintos passaram a ocorrer em escala bem menor, mas nem 
por isso desprezíveis. Mariano Carneiro da Cunha no capítulo intitulado “Arte Afro-
-Brasileira”, constante na obra História Geral da Arte no Brasil, organizado por Walter 
Zanini, narra, por exemplo, os contatos de determinados comerciantes com o mundo 
africano para atender as demandas das casas de candomblé no Brasil. Pierre Fatum-
bi Verger em seu livro Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e 
a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII à XIX estudou o movimento de retorno 
a uma África que para muitos alforriados estava mais no plano do imaginário. A esse 
respeito o documentário Atlântico Negro: na rota dos orixás, dirigido pelo cineasta 
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Renato Barbieri com argumento do historiador Victor Leonardi é um importante re-
gistro que procura analisar por meio de entrevistas e capturas de cenas cotidianas o 
significado de tal fenômeno social.
 O acontecimento que representou o retorno à África também ocorreu em 
contextos diferentes do nosso, como o estadunidense. Os afro-brasileiros que se 
predispuseram a fazer a viagem de regresso fixaram-se no Benin, na Nigéria e em 
Gana, basicamente. Levaram consigo os saberes construídos a partir da experiência 
no Brasil, os quais contribuíram para alimentar as culturas daquelas ex-colônias, hoje 
nações africanas independentes.
 No início e no fim do século XX nota-se dois episódios importantes no que 
tange à exportação da cultura afro-brasileira. A partir das últimas décadas do século 
passado outro movimento para o exterior em pequena, mas perceptível escala, en-
tra em curso. No documentário chamado Pastinha: uma vida pela capoeira, dirigido 
por, Antônio Carlos Muricy, Mestre João Grande explica as razões que o levaram a 
ensinar a referida arte fora do Brasil. O gesto do renomado mestre influenciou de-
cisões de parcela das gerações vindouras de capoeiristas. Outra pesquisa também 
desenvolvida pelo CIGA/ GEA/ UnB procurou dar visibilidade à expansão da capoeira 
pelo mundo. Diante dos dados científicos obtidos talvez esta seja a tradição popular 
afro-brasileira mais difundida como prática para além de nossas fronteiras territo-
riais.
Ofício da baiana do acarajé, no Livro de Registros de Saberes do IPHAN.
 O decreto 3.551/ 00 estabeleceu, entre outras orientações, a criação do Pro-
grama Nacional do Patrimônio Imaterial – PNPI. Tal programa se constitui na base de 
sustentação das políticas públicas desenvolvidas pelo Departamento do Patrimônio 
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Imaterial, instância relativamente nova, pertencente à estrutura do IPHAN. No texto 
alusivo ao referido decreto constam algumas classificações como as distribuições 
dos bens conforme determinadas características. Para o Livro de Registro dos Sabe-
res são designados os conhecimentos e modos de fazer; para o Livro de Registro das 
Celebrações ficam destinados os rituais e festas referentes ao trabalho, religiosidade 
e entretenimento; para o Livro de Registro das Formas de Expressão, são dirigidas a 
literatura, a música, as artes visuais, as artes cênicas, bem como as atividades lúdicas: 
para o Livro de Registro dos Lugares ficaram os mercados, feiras, santuários e demais 
espaços.
 Embora seja um reducionismo limitar a identidade e cultura afro-brasileira 
ao universo das culturas populares, é importante reconhecer que diante das novas 
orientações das políticas públicas voltadas para a salvaguarda do patrimônio da cul-
tura imaterial, algumas tradições afro-brasileiras passaram a gozar de status jamais 
existente. Determinadas práticas culturais protagonizadas por afro-brasileiros foram 
alvo de coações, perseguições e constrangimentos, conforme já mencionado. Toda-
via, os processos de resistência cultural foram fundamentais para garantir a existên-
cia de certas manifestações na contemporaneidade. 
 Outros gestos realizados mais recentemente, antes da atual crise política, no 
âmbito das gestões da cultura merecem destaque. Em fevereiro de 2005 aconteceu 
em Brasília o I Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares. 
Posteriormente, em setembro de 2006 ocorreu o II Seminário Nacional de Políticas 
Públicas para as Culturas Populares, conjugado com o I encontro Sul-Americano das 
Culturas Populares. Todos os eventos se deram sob os auspícios da hoje extinta Se-
cretaria de identidade e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura. 
Jongo e Maracatu, hoje inseridos no Livro de Registros das Formas de Expressão, IPHAN
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 A necessidade de enfatizar as ações supramencionadas tem como propósito 
demonstrar que por via de tais políticas é possível pensar a valorização das culturas 
populares do país cujas matrizes afro-brasileiras são parte constituinte e irrefutável. 
Os desdobramentos de tais ações devem ser acompanhados pela sociedade civil 
organizada a fim de que sejam corrigidas as distorções em prol do êxito e no afã da 
democratização das políticas culturais, de modo a contemplar as culturas imateriais 
historicamente excluídas. 
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	1.1 	UNIDADE 1: PATRIMÔNIO CULTURAL AFRO-BRASILEIRO
	1.2 	PATRIMÔNIO MATERIAL AFRO-BRASILEIRO 
	1.3 	PATRIMÔNIO IMATERIAL AFRO-BRASILEIRO

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