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Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio

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Apresentação.
Parece ser consenso dizer hoje que memória, identidade e patrimônio são palavras-chave da consciência histórica contemporânea. Na cena pública, o patrimônio tem sido cada vez mais convocado, acionado e usado, por diferentes sujeitos, grupos e instituições. A melhor forma de construir qualquer tipo de mediação em torno dos diversos bens culturais que ganham valor de patrimônio representativo de alguma coletividade é, sem dúvidas, conhecendo a trajetória dos seus sentidos.
Os contextos sociais e históricos responsáveis pelo alargamento do conceito de patrimônio cultural serão aos poucos abordados neste curso. De início, a informação mais pertinente é notar que os adjetivos que recebeu ao longo do tempo (histórico, artístico, móvel, imóvel, tangível, intangível, material, imaterial, paisagístico, genético, tesouro vivo etc.) indicam como a ressemantização do conceito de patrimônio é sinalizadora das concepções de tempo, lugar social de produção, perspectiva teórica e metodológica, além dos sentidos políticos, criados entre lembranças e esquecimentos pelos indivíduos.
Conhecer as várias noções de patrimônio é fundamental para quem já atua ou pretende atuar em processos educativos formais e não formais que têm como foco o patrimônio cultural.
 Saiba mais
Processos educativos formais (ocorrem no interior dos sistemas de ensino convencionais, como a escola) e não formais (ocorrem fora de estabelecimentos de ensino, como na família, entre grupos de amigos, em museus etc).
Neste módulo, discutiremos os sentidos básicos de patrimônio: seus principais itinerários no âmbito das políticas culturais; as práticas para sua preservação, como o tombamento, o registro e os inventários de referências culturais; as arenas em que suas atribuições de valor encontram-se em disputa; as propostas de educação para o patrimônio, com seus desafios e possibilidades para um efetivo exercício de cidadania.
Lembramos a você: mesmo que evidentemente parcial, o conteúdo apresentado contribui para abrir o debate de modo que cada um construa novos sentidos de patrimônio. O texto destina-se a professores do ensino básico das redes pública e privada, estudantes, profissionais dos campos da memória e do patrimônio (museus, arquivos, bibliotecas, centros de memória etc.), integrantes de movimentos sociais e interessados em geral. Assim, a ideia é fomentar a expansão das redes de colaboração, atuação e intervenção que circundam o tema do patrimônio cultural.
Você está curioso? Pode ter a certeza de que nós oferecemos o melhor. Inscreva-se no curso, convide seus amigos, compartilhe essa ideia. Vamos começar?
 Para refletir
Antes de continuar a leitura do fascículo, pense: se um turista perguntasse hoje para você quais os importantes patrimônios culturais do seu estado, de sua cidade ou de seu bairro, o que você responderia?
Anote suas respostas. Guarde-as até o final do módulo. Depois, continue seus estudos.
Os sentidos do patrimônio.
(...) “Por “lugar” não designam um ponto no espaço, mas um ponto
no tempo. Não é nostalgia, é quase saudade. Um olhar para trás de
banda de olho. (Cidadão Instigado, relise do álbum Fortaleza, 2015).
As palavras em torno do álbum Fortaleza, produzido pela banda Cidadão Instigado, bem podem ser uma partida para pensar os sentidos presentes no âmbito dos patrimônios que nos cercam, marcam e demarcam. Não somente como um ponto no espaço a ser preservado da perda, mas como um ponto no tempo que ao ser valorado como patrimônio indica múltiplas vivências. O olhar carregado de suspeitas que é lançado, para além da simples nostalgia, significa interrogá-los em prol de um passado e um futuro sempre em construção, de modo justo, democrático e ético.
Em sentido etimológico, patrimônio advém de patrimonium, uma junção de “patri”, termo designador de “pai”, com “monium”, que exprime “recebido”, para referir-se à “herança”. Desde a noção mais antiga que manifesta o desejo de transmitir os bens da família, até a noção mais contemporânea, que desenvolve a ideia de um patrimônio a ser transmitido para as gerações futuras, nota-se como o conceito é uma construção social. O patrimônio pode ser, então, tudo o que alguém diz e faz a respeito dele, expandindo o sentido de herança reivindicado e/ou apropriado. Daí o termo patrimonialização ser empregado para designar todo o processo de constituição de patrimônios na sociedade.
As políticas de patrimonialização nos mais longínquos lugares do mundo têm propiciado novas compreensões da história. Por isso, Dominique Poulot considera que a história do patrimônio tem sido a história da maneira como uma sociedade constrói esse patrimônio, que se mantém vivo graças às práticas de memória que os revestem em nome de um “investimento de identidade" a ser transmitido. Vários são os horizontes a serem explorados em diferentes escalas – internacionais, nacionais e locais – que atravessam os bens culturais.
Particularmente, um esforço importante tem sido problematizar a construção do patrimônio cultural como prática social formadora de um campo de conflito material e simbólico no processo de institucionalização da memória-histórica de diferentes países e grupos sociais. Porque, a partir do conceito de patrimônio cultural e das políticas de preservação a ele relacionadas, é possível compreender os múltiplos sentidos e valores que nortearam a seleção dos bens culturais, de natureza material ou imaterial, nas sociedades.
tinerários
Os movimentos no campo patrimonial têm longa historicidade. Regina Abreu distingue três grandes momentos da trajetória dos processos de patrimonialização como um movimento próprio do Ocidente moderno, com (1) a criação de agências nacionais e internacionais, (2) a formação de agentes e (3) a definição de políticas públicas.
É uma referência de síntese pertinente, embora tenha generalizações como qualquer outra, pois possibilita construir observarção acerca de distintas escalas, relações de poder e disputas de um campo em constante mutação.
Internacionalmente, no primeiro momento, que vai do século XIX à primeira metade do século XX, os processos de patrimonialização fundamentavam-se na reconstrução do passado ou na busca e valorização de uma arte nacional.
No segundo, cujo marco fundamental foi a criação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) nos anos 1940, uma nova e importante variável é absorvida nos processos: o conceito antropológico de cultura, por ressaltar sua dinâmica particular de ser inerente a cada contexto em contraponto a supostas hierarquias. Por fim, o terceiro momento, no início dos anos 1980, quando se instaurou a patrimonialização das diferenças, devido às recomendações emitidas, sobretudo, pela Unesco, no que diz respeito à preservação das singularidades locais em frente ao movimento de homogeneização em curso no mundo ocidental.
 Se liga
Conceito antropológico de cultura.
A cultura é vista como um sistema complexo que inclui conhecimentos, crenças, costumes ou qualquer outra capacidade e hábitos adquiridos pela pessoa enquanto membro de uma sociedade.
No Brasil, durante o período conhecido como Estado Novo (1937-1945), com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), em 1937, regulamentado pelo Decreto-Lei nº 25/1937, vemos a reconstrução de um passado nacional com a finalidade de angariar prestígio de modernidade para a identidade da nação. As ações desse órgão, depois chamado de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), fizeram com que o tombamento fosse transformado em sinônimo de preservação. Esse instrumento, cujo principal efeito incide na conservação dos bens materiais, consolidou-se como a forma mais antiga de preservação na política brasileira de patrimônio.
Por muito tempo, as suas ações privilegiaram dois fatores: de um lado, o patrimônio em “pedra e cal”, tombando igrejas, fortes, chafarizes, prédios e conjuntos urbanos representativos de uma determinada escola, como fora a arte do barroco colonial, o que deixou de lado manifestaçõese expressões que não tinham essa natureza material; do outro, expressões culturais de determinadas classes e grupos sociais, como as de tradição europeia de herança luso-colonial, o que relegou ao esquecimento memórias manifestas em senzalas, quilombos, terreiros, as primeiras fábricas, cortiços, vilas operárias.
No contexto da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), em que as metas de políticas para o desenvolvimento social usavam a cultura como um dos motores de expansão, destaca-se a criação do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), em 1975, por operar mais baseado na concepção antropológica da cultura. Experiência responsável pela introdução do conceito de “bem cultural”, que alargou a compreensão de patrimônio com a adoção da noção de “referência cultural”.
O diferencial deste conceito foi ser capaz de identificar toda a dinâmica cultural como patrimônio, propiciando reconhecimento em potencial da diversidade do país, sobretudo com o registro da cultura popular, que culminou na luta pela fragmentação de identidades nacionais vistas como homogêneas. Apesar da repressão cultural vivenciada na época, gestou-se o entendimento de que o patrimônio cultural brasileiro não devia se restringir aos grandes monumentos, devendo incluir também as manifestações culturais representativas para outros grupos que compõem a sociedade brasileira – os índios, os negros, os imigrantes, as classes populares em geral.
 Para os curiosos
A Constituição de 1988 define o Patrimônio Cultural brasileiro da seguinte forma:
“(...) bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.
Acesse toda a Legislação sobre Patrimônio Cultural do Brasil: http://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/4844
Em meio à redemocratização política brasileira, com o fortalecimento do direito à memória como elemento de cidadania, a inclusão do artigo 216 da Constituição de 1988 foi significativa para uma patrimonialização das diferenças. O texto da Carta Magna potencializou a defesa da diversidade cultural de distintos grupos étnico-culturais, legitimando a emergência de novos sujeitos de direito coletivo, como os povos indígenas, quilombolas e de culturas tradicionais. Foi apropriado igualmente para a legitimação de iniciativas em torno de grupos sociais variados, oriundos de mobilizações de partidos políticos, sindicatos, associações de bairros etc.
Posteriormente, a aprovação do Decreto nº 3.551/2000 instituiu o Registro e o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial (PNPI). A ampliação da preservação com o instrumento do registro, destinado à salvaguarda de bens de caráter processual e dinâmico, passou a proteger as formas de expressão e os modos de vida, criar e fazer, bem como os objetos, artefatos e lugares que lhes são associados.
Na esteira dessas mudanças, importante atentar como os agentes anteriormente silenciados se tornaram, para além de um objeto de apreciação, os próprios agentes das políticas patrimoniais que resultam em inúmeras revisitações críticas das identidades nacionais.
Novos patrimônios, valores e inventários
INVENTÁRIOS.
A expressão “novos patrimônios”, muito recorrente nos debates contemporâneos do assunto, tem designado patrimônios emergentes na sociedade. Tratam-se de patrimônios que advêm da “profusão de esforços públicos/privados em favor de múltiplas comunidades e estão longe da definição canônica de herança cultural”, bem como decorrem dos usos inerentes à sociedade de consumo, pois são instrumentalizados para o desenvolvimento econômico em prol do turismo e de práticas mercantis do saber e lazer” (POULOT, 2011, p. 199; 228).
Edifício São Pedro, em Fortaleza-CE.
Essa expressão é pertinente pois tanto pode “designar os patrimônios que não eram tradicionalmente herdados pelas esferas institucionais que privilegiavam bens materiais, como os marcados pela dimensão etnológica, viva e imaterial”, quanto também pode referir-se à “renovação do olhar em torno de todos os patrimônios, quer sejam os genéticos, arqueológicos, antropológicos, naturais, paisagísticos, materiais, imateriais, digitais etc” (TARDY; DODEBEI, 2009, p. 10).
As formas de circulação do patrimônio acionadas pelo surgimento de novos agentes de patrimônios, organismos, sobretudo movimentos sociais, organizações não-governamentais, coletivos oriundos de camadas populares e vários outros sujeitos coletivos favorecidos pelas novas tecnologias, como a internet, forjaram a “necessidade de repensar os silêncios e os ocultamentos, assim como o que deve ser protegido, valorizado, repertoriado” (NOGUEIRA, 2014, p. 52).
Na política brasileira, uma das grandes novidades da Constituição de 1988 para o tema foi, justamente, deslocar do Estado para a sociedade e seus segmentos, quer dizer, seus cidadãos, a responsabilidade pela atribuição do xvalor cultural.
Ulpiano Meneses é quem, sem reproduzir a inconveniência da polaridade entre material e imaterial, ou entre o valor técnico e social, destaca como o valor não é algo natural, quer dizer, intrínseco às coisas. Vale sempre perguntar: se o valor é uma atribuição, quem o atribui? Quem cria valor? Que tipo de valor é esse? Meneses convida a pensar em alguns componentes principais do valor cultural – valores cognitivos, formais, afetivos, pragmáticos e éticos – “notando que eles não existem isolados, agrupam-se de forma variada, produzindo combinações, recombinações, superposições, hierarquias diversas, transformações e conflitos” (MENESES, 2009, p. 35).
 Saiba mais
O Edifício São Pedro, construído na década de 1950, é um importante referencial da cidade de Fortaleza-CE.
Integra um quadro da Secretaria de Cultura de Fortaleza (SecultFOR) em que muitos outros bens culturais estão inseridos, seja os que já são preservados oficialmente ou que estão em processo de reconhecimento.
 Para os curiosos
A cidade de Fortaleza, integrante da “Rede de Cidades Criativas” da Unesco, tem concedido lugar estratégico para o patrimônio no seu desenvolvimento econômico, social e cultural.
Você pode acessar e conferir o documento Fortaleza 2040: fortaleza2040.fortaleza.ce.gov.br/site/
Para exemplificar esses valores, observe um dos bens culturais que a banda Cidadão Instigado, citada no início do fascículo, se reporta em suas músicas. Trata-se do Edifício São Pedro, localizado na orla da Praia de Iracema, na cidade de Fortaleza, cuja situação foi escolhida pela capacidade de sintetizar uma série de problemas com uma sensibilidade própria da força criativa dos artistas.
a. O valor cognitivo costuma tomar o bem como um documento, ao possibilitar uma fruição intelectual e técnica, que pode apontar para o padrão estilístico que orientou o pedido de tombamento deste prédio, um dos primeiros construídos no local.
b. O valor formal ou estético é perpassado por um tipo de apreço sensorial, como aquele que desponta em torno de seu formato metaforizado de navio, ao ser contemplado por um habitante ou visitante da cidade, num dos pontos mais badalados à beira-mar.
c. O valor afetivo, muito relacionado à memória, deriva de vinculações subjetivas de identificação com o bem, como os dos antigos moradores e sujeitos que frequentam o seu entorno.
d. O valor pragmático é mais um valor de uso percebido como qualidade, como os dos projetistas que tentam requalificá-lo diante da especulação imobiliária característica da área onde está localizado.
e. O valor ético seria aquele associado não somente ao bem, mas às interações sociais nas quais ele é apropriado, tendo como referência o lugar do outro, a exemplo dos artistas que o tomam como símbolo da cidade para pensar os desafios e possibilidades do convívio entre o antigo e contemporâneo na trama urbana.
 Saiba mais
Você pode aprofundar o estudo sobre definições importantes, como as de tombamento, registro e inventário, através do Dicionário do Patrimônio Cultural do Iphan. ACESSE: portal.iphan.gov.br/dicionarioPatrimonioCultural
Note que a “patrimonialização de bensculturais é elaborada nas interações sociais que exibem categorias de tempo e espaço, como memória, história, identidade, passado, cultura, cidade, em nome de uma determinada coletividade na urbe” (REIS, 2015, p. 16). Paralelo ao instrumento do tombamento, vinculado ao patrimônio material, e do registro, relacionado ao patrimônio imaterial, temos as propostas de inventários que visam superar a falsa dicotomia entre material e imaterial através da lógica das referências culturais. A cartografia dos sentidos que pode ser realizada a partir dessas práticas, facultaria acesso tanto à dimensão tangível do espaço, dada a ver pela sua materialidade, quanto à dimensão do intangível, aquela associada ao universo do simbólico e da percepção (NOGUEIRA, 2015)
Mediações
Saber o que fazer diante dos muitos usos e abusos do patrimônio é fundamental.
A mediação é uma importante ação por permitir o avanço na abordagem comunicacional da memória e do patrimônio, bem como das condições de circulação de saberes. Convém ressaltar que a proposta de “educação patrimonial” do próprio Iphan pressupõe um conhecimento de várias noções de patrimônio.
Essa mediação não é somente realizada por agentes do serviço público entre os “solicitantes” e os “atingidos” pelas políticas de preservação. Pode ser feita por qualquer um que se envolva em processos educacionais, nos espaços formais ou informais, como escolas, museus, pontos turísticos da cidade e associações comunitárias, que tenham foco no patrimônio cultural.
A partir da leitura de vários textos produzidos com recomendações de ações educativas acerca do patrimônio cultural, em âmbito nacional e internacional, Janice Gonçalves detectou duas concepções fundamentais. Uma que “vincula as ações educativas à necessidade de proteção ou defesa do patrimônio cultural e que busca alcançar, por parte do público-alvo, respeito, interesse e apreço pelos bens patrimoniais”. A outra concepção “articula tais ações educativas à valorização ou ao empoderamento de determinados grupos sociais por meio do reconhecimento do patrimônio cultural a eles associado”, pressupondo a participação ativa desses grupos na definição do que cabe preservar (GONGALVES, 2014, p. 84).
 Para os curiosos
A portaria nº 137/2016, que estabelece as diretrizes de Educação Patrimonial, no âmbito do Iphan, pode ser acessado no seguinte link: pnem.museus.gov.br/wp-content/uploads/2014/01/Educacao-Patrimonial-web2.pdf
A constatação da autora é importante por ajudar a enfatizar que a mediação não é apenas uma facilitação, mas uma atitude de protagonismo, que pode e deve culminar em ações de preservação amparadas pelas políticas públicas. Não custa dizer que, contemporaneamente, esse passou a ser um direito de todo cidadão.
A autora sinaliza algumas proposições relevantes para nortear ações que merecem destaque. A seguir, 4 proposições:
a. desnaturalizar o patrimônio cultural, refletindo sobre o campo que o produz: significa problematizar sua construção social em detrimento de uma visão que o toma como um dado natural, enfatizando as ações dos sujeitos envolvidos na patrimonialização de um bem.
b. dessacralizar o acervo patrimonial, problematizando os processos sociais e históricos que o geraram: busca enfatizar as atribuições de valor acionadas nas operações de patrimonialização como uma forma de desvelar suas experiências.
c. pôr sob suspeição uma perspectiva do processo educativo que oponha educadores e educandos como esclarecidos e não esclarecidos: importa para desestabilizar certezas, através de indagações de valores atribuídos e/ou atribuíveis ao acervo patrimonial, a fim de que a prática de uma leitura crítica e autônoma prevaleça.
d. valorizar as diversas instâncias que lidam com o patrimônio cultural como produtoras e disseminadoras de saberes e visões sobre ele e buscar compreender suas especificidades: incentiva a finalidade de reconhecer singularidades do campo patrimonial que é marcado por ser multidisciplinar, reconhecendo as variadas contribuições dos profissionais que neles atuam.
Anterior 
Patrimônio para quem?
Essa pergunta carrega consigo paradoxos em torno das movimentações patrimoniais na contemporaneidade. Por um lado, abre-se uma comporta para um excesso de patrimonialização impulsionado pela “política da patrimonialização das diferenças como forma de combate à homogeneização neoliberal”, mas, por outro lado, fortalece o movimento inverso, estimulando ações de distinção patrimonial, materializadas por meio dos selos de “patrimônio mundial” ou de “obra-prima do patrimônio oral e imaterial da humanidade” (ABREU, 2015, p. 7).
Como vimos, o patrimônio, enquanto faceta do direito à memória, é fundamental no exercício da cidadania. Por esse caminho, não se deve esquecer que a interpretação do patrimônio cultural dever ser feita, antes de tudo, “com” e “para” a população local. Logo, as distinções patrimoniais que diferentes lugares e/ou práticas angariam de organismos internacionais e nacionais poderiam configurar-se em oportunidades interessantes para incentivar o que Marilena Chauí (2006) denominou de “cidadania cultural”, considerando tanto as perdas, quanto as conquistas nas perspectivas dos seus habitantes, para a elaboração de políticas públicas que garantam amplos direitos aos cidadãos.
Para tanto, as mediações em processos educacionais para o patrimônio são basilares, se realizadas de forma que exista crítica permanente sobre certas ideias que orientam o trabalho no campo do patrimônio cultural.
Importante tomá-lo como uma arena de acordos e conflitos de valores, avaliações e proposições, que explicita como o patrimônio é, além de uma construção social, uma prática eminentemente política. Afinal, pensar para quem é o patrimônio, em meio às lembranças e aos esquecimentos que o atravessam, é uma forma de continuar apostando na democracia que visamos construir.
 Para os curiosos
As considerações desse fascículo modificaram as respostas que você anotou no início do fascículo e que daria para um turista se indagado sobre quais seriam os importantes patrimônios culturais do seu estado, cidade ou bairro? Por quê?
Apresentação.
No presente módulo, faremos uma reflexão sobre arte e patrimônio, tomando como base a xilogravura popular produzida em algumas localidades do Nordeste e, em especial, no município de Juazeiro do Norte, Ceará.
A fonte documental principal desse estudo é a coleção de xilogravuras que constitui o acervo do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará, o Mauc, em Fortaleza, adquirida entre fins dos anos de 1950 e início dos anos 1960.
A xilogravura é uma expressão artística milenar, utilizada na Antiguidade para a estamparia de tecidos e, em seguida, usada no papel. Os testemunhos mais antigos de xilogravura em papel datam do século VIII, são orações budistas impressas no Japão.
 Para os curiosos.
Você conhece a técnica de xilogravura? No seu estado ou cidade existem artistas que utilizam essa técnica ou museus e galerias que guardam coleções de xilogravura? Se não houver, busque na internet informações sobre a xilogravura brasileira, especialmente sobre “como” ela é executada.
Na sua chegada à Europa, no século XII, a xilogravura trilhou o mesmo percurso dos antigos, ou seja, a estamparia de tecidos, para depois partir para imagens sacras e cartas de baralho. No século XV contribuiu para os primeiros livros impressos da história. A partir daí foi sendo exercitada até alcançar altos níveis artísticos (COSTELLA, 1984).
O ingresso da xilogravura no Brasil se deu no século XIX, com a implantação da Imprensa Régia, utilizada nos periódicos para torná-los mais atrativos quanto ao aspecto visual. Em um dos três mais antigos jornais em circulação no Brasil, o Mossoroense, a xilogravura era utilizada para destacar as notícias, a publicidade ou os artigos assinados mais importantes de sua edição.
Contudo, é curioso e importante salientar que além do uso na imprensa, há evidências que apontam para o emprego da xilogravura em uma época anterior ao período mencionado, com outras finalidades,entre os indígenas. É possível que a técnica tenha sido repassada aos nativos pelos missionários portugueses, no século XVII, durante a realização da catequese.
Essa evidência foi identificada pelo pintor italiano Guido Boggiani, no Mato Grosso do Sul, em 1892, entre os Kadiwéu. Eles, com apenas um pequeno pedaço de madeira entalhada, carimbavam o corpo com sinais e figuras, além de estamparem raras peças de vestuários (COSTELLA, 1984, p.83).
 Se liga!
Imprensa Régia. Editora lusitana, depois transferida para o Brasil, em 1808, com a vinda da Família Real. Nela foi editado o primeiro jornal da colônia, a Gazeta do Rio de Janeiro, periódico que permitiu a circulação de notícias, embora restritas, por ser um veículo usado para expandir a imagem que convinha à Corte Portuguesa.
Apresentação.
É o pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
É peroba no campo, é o nó da madeira
Caingá candeia, é o matita-pereira [...]
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração [...]
(“Águas de Março”, de Tom Jobim)
Você conhece essa canção de Tom Jobim? Acima selecionamos alguns trechos dela. Busque-a na internet e ouça-a na íntegra, lendo com atenção a sua letra. Observe que em alguns momentos ela faz menção aos elementos da natureza e em outros à presença humana e suas criações. Conseguiu perceber? Mas, afinal, o que essa “mistura poética” pode nos dizer acerca do patrimônio natural, tema de nosso módulo?
Sim, neste fascículo, noções sobre o patrimônio natural. São caminhos para quem deseja entender, aprender e ensinar sobre este assunto tão fascinante. Só quem conhece a sua importância pode sensibilizar e mobilizar os outros para sua preservação e valorização.
Nesse sentido, serão abordados conceitos que tratam da Geodiversidade, como também da Paleontologia. No Brasil, os assuntos relativos à geodiversidade estão sempre em pauta, embora os temas paleontológicos costumam ser pouco divulgados, com exceção daqueles voltados para a história dos dinossauros. Mas outros organismos fossilizados (como moluscos, plantas, insetos e animais, incluindo a espécie humana) também podem ser exemplares importantes acerca do registro da vida pretérita na superfície terrestre.
O Patrimônio Natural.
O patrimônio natural é com-posto de diferentes elementos que interagem constantemente entre si, na superfície e em camadas subterrâneas da Terra, promovendo transformações no planeta, como as reservas minerais, os relevos, a hidrografia, a fauna, a flora, o clima. Tudo isso resulta numa configuração maior, que é a paisagem.
Os limites entre a paisagem natural e a paisagem cultural (entendida como resultante da intervenção humana) tornam-se cada dia menos evidentes. Paisagens tidas como produto exclusivo da natureza, após estudos acurados, envolvendo diferentes áreas do conhecimento, revelaram-se consequências de ações antrópicas.
Quem não tem histórias que envolvam o patrimônio natural? Desprezar esse patrimônio é, além de uma agressão à nossa memória (individual e coletiva), um problema ambiental que pode afetar seriamente a qualidade de toda a vida terrestre. Preservar o patrimônio natural, cujos recursos são limitados, é defender quem somos e para onde queremos ir num futuro próximo, seja como indivíduos ou como espécie animal.
Geodiversidade.
O termo geodiversidade começou a ser utilizado na década de 1990 e se refere à “variedade natural de aspectos geológicos e geomorfológicos, incluindo suas coleções, relações, propriedades, interpretações e sistemas” (GRAY, 2004, p.434).
O conceito de patrimônio geológico, que é representado pelo conjunto de sítios geológicos ou geossítios, está estreitamente relacionado com a geodiversidade. Contudo, não são sinônimos. A geodiversidade, de forma simples, consiste em toda a variedade de minerais, rochas, fósseis e paisagens do planeta Terra.
A geoconservação envolve todas as ações empreendidas no sentido de preservar a geodiversidade. Um marco nesse movimento foi o I Simpósio Internacional sobre a Proteção do Patrimônio Geológico, na França (1991). No final, foi aprovada a Carta de Digne - Declaração Internacional dos Direitos à Memória da Terra.
 Se liga!
A palavra grega “geo” significa Terra. Nesse sentido, a Geologia é a área do conhecimento que estuda a crosta terrestre (camada mais externa da Terra, de 5 a 70 km de espessura) e as matérias que a compõe (minerais, rochas e fósseis). Por outro lado, a Geografia estuda as características físicas e os fenômenos da Terra, na sua interação com as sociedades humanas. Já a Geomorfologia é um ramo da Geografia que se dedica especificamente às formas de relevo da superfície terrestre.
 Para os curiosos.
Confira a íntegra da Carta de Digne em: www.progeo.pt/pdfs/direitos.pdf
A partir deste simpósio, começaram a se desenvolver trabalhos sobre o patrimônio geológico, especialmente na Europa, enfocando o inventário da geodiversidade para a sua conservação e aplicação no turismo. Entre essas iniciativas, encontra-se a organização, no Brasil, da ProGEO, uma empresa brasileira focada na execução de serviços especiais de geologia, engenharia geotécnica e recuperação de estruturas, cuja máxima é: “O único registro da história de nosso planeta está nas rochas que repousam sob nossos pés. Rochas e paisagens são a memória da Terra”.
Merece destaque também o Programa Geoparks da Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura). Geopark ou Geoparque é uma área com um único ou vários patrimônios geológicos que tenham uma estratégia de desenvolvimento. Deve ter limites bem definidos e ser grande o suficiente para o desenvolvimento econômico sustentável, por meio do Geoturismo, para o benefício de visitantes e de pessoas que vivem dentro do parque. Os moradores locais devem ser encorajados a reavaliar seu patrimônio e participar ativamente da revitalização da área.
De acordo com a Unesco, até hoje estão registrados 127 geoparques mundiais em funcionamento, em 41 países. Nesta lista, o Brasil conta apenas com o Geopark Araripe, no Cariri cearense, mas há várias iniciativas em andamento para reconhecer novos geoparques no território
acional, como os Campos Gerais (Paraná) e Bodoquena-Pantanal, Núcleo Nioaque (Mato Grosso do Sul).
O Geopark Araripe foi certificado e integrado à Rede Global de Geoparques em 2006, por uma iniciativa da Universidade Regional do Cariri (Urca), por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Ceará, com o apoio das várias instituições regionais e prefeituras municipais. Este esforço visava desenvolver programas de educação e de valorização da Geologia e Paleontologia.
O Museu de Paleontologia em Santana do Cariri, pertencente à Urca, passou a ser um dos centros das ações do Geopark, com diversas atividades voltadas às comunidades, como oficinas de réplicas de fósseis, artesanato e biojoias, encenações teatralizadas, cursos básicos de formação de guias turísticos e treinamento de crianças para se tornarem guias-mirins (Projeto Geokids). O Programa Geopark nas Escolas procurou ainda difundir o conhecimento geopaleontológico e biótico da região, para embasar o turismo científico (NOGUEIRA et al., 2004)
O Geopark Araripe tem sido presente em feiras de turismo nacionais e regionais, levando jogos e brincadeiras paleontológicas para o grande público. Propôs ainda outros veículos de divulgação paleontológica, como livros e cartilhas paradidáticas. O mais antigo é Viagem ao Cretáceo (1999), de autoria de Francisco Cunha e Willian Brito (1999), com ilustrações de Luís Karimai. Depois surgiu o livro infantil de Socorro Acioli, Peixinho de Pedra (2006), ilustrado por Ronaldo Almeida, que ganhou em 2007 o selo de altamente recomendável pela Fundação Nacional de Literatura Infantojuvenil, explicando o significadoe o valor dos peixes fósseis do Araripe. Posteriormente, veio à lume a cartilha Descobrindo os Tesouros do Cariri (2010), de Lana Luiza Maia e Alexandre Sales, com ilustrações de Diana Medina.s
Paleontologia versus Arqueologia.
Devido à grande confusão que existe em muitos textos, inclusive títulos de reportagens que lemos em jornais e revistas, se faz necessário explicarmos a diferença entre a Arqueologia e a Paleontologia.
Embora possuam al-guns métodos de escavação, coleta e datação parecidos, a Arqueologia e a Paleontologia são áreas do conhecimento completamente distintas. A Arqueologia vem das palavras gregas arkhé (antigo) e logos (estudo). É classificada, genericamente, como uma ciência humana ou social, pois seu objetivo principal é o estudo do homem, especialmente em sociedades antigas, a partir da coleta e da análise dos vestígios materiais produzidos pela ação humana, como artefatos e construções.
A palavra Paleontologia vem da união de termos gregos palaios (antigo), ontos (ser) e logos (estudo). Pode ser traduzida como “o estudo dos seres antigos”, ou melhor, a ciência que se dedica à pesquisa dos fósseis de seres pré-históricos. Porém, a Paleontologia em si é muito mais abrangente do que o limitado estudo dos seres. Ela possui subdivisões que a tornam uma ciência intermediária entre a Geologia, a Biologia e outras. Entre as suas subdivisões estão o estudo do clima, da ecologia e do comportamento dos seres e do
Processos de Fossilização.
Ao examinarmos uma peça fossilizada é necessário verificar se estamos diante de um organismo inteiro ou parte dele. A fossilização resulta da ação combinada de processos físicos, químicos e biológicos. Para que ela ocorra, ou seja, para que a decomposição do ser que morreu seja interrompida e haja a sua preservação, são necessárias algumas condições favoráveis, como (1) um rápido soterramento do ser e (2) a ausência de ação bacteriana no meio, que decompõe os tecidos etc.
A seguir, vamos sintetizar um processo simplificado de fossilização, com ilustrações.
A natureza pode agir como uma criança com massa de modelar nas mãos, deixando marcado nas rochas a forma externa de uma concha. Desse modo, ficamos apenas com o molde externo e/ou interno. Se a natureza for ainda mais caprichosa, depois de ter deixado um espaço, ela deposita outro mineral, fazendo o que denominamos de contramolde.
	
	1. Os organismos morrem e acomodam-se no fundo de um rio, lago, pântano, mar ou oceano.
	
	2. As partes moles desses organismos são degradadas (apodrecem) e suas partes mais duras são recobertas por sedimentos.
	
	3. O rio, lago, pântano, mar ou oceano sofre um processo de secagem ao longo dos anos. Enquanto isso, os sedimentos depositados vão se acomodando e formando um molde dos organismos.
	
	4. Após um tempo, no fundo do rio, lago, pântano, mar ou oceano, ocorre uma compactação dos sedimentos, preservando as estruturas que restaram dos organismos, transformando os sedimentos em rocha e fazendo com que estas estruturas se fossilizem (petrifiquem) com o passar dos séculos (milhares ou milhões de anos).
	
	5. Depois de fossilizados, os organismos ficam incorporados à rocha. Quando a rocha começa a se degradar ou sofre erosão, ela expõe os restos fossilizados dos organismos nela preservados.
Legislação sobre patrimônio natural e paleontológico no Brasil.
Por conta da ênfase dada ao direito de propriedade no Brasil, desde o período colonial, não existia efetivamente uma preocupação com o meio ambiente. A metrópole portuguesa e depois a jovem nação brasileira buscaram apenas normatizar a exploração daqueles recursos naturais que pudessem gerar impactos econômicos para a sociedade.
Com a ascensão do regime republicano, começaram a ser gestadas políticas relativas a cada um dos tipos de recursos ambientais, de forma setorial, por meio de órgãos como o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Cada um desses órgãos federais passou a desempenhar suas atribuições no território nacional, independentemente da atuação dos demais, o que os conduziu muitas vezes a ações desconectadas e conflitantes.
Somente a partir de meados dos anos 1960, com a divulgação de dados relativos ao aquecimento global do planeta e da ocorrência de catástrofes ambientais, é que a sociedade civil, em diversos países, como o Brasil, começou a construir uma consciência ambiental e a pressionar seus respectivos governos a adotarem uma legislação mais ampla, transversal e efetiva sobre o tema.
Um marco dessa fase é a Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, da ONU (Organização das Nações Unidas), na Suécia, em 1972, aprovando ao final a Declaração Universal do Meio Ambiente.
Em nossa sociedade, é a partir da década de 1980 que a legislação começou a se preocupar com o meio ambiente de uma forma global e integrada, especialmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Entretanto, como vemos atualmente nos meios de comunicação, a luta pela proteção do meio ambiente foi sempre uma arena de conflitos, envolvendo muito atores e interesses, nem sempre convergentes, tanto em âmbito nacional como internacional, que fazem com que diretrizes e legislações ora avancem mais e ora recuem drasticamente.
Já a construção da ideia de patrimônio natural em nosso país ocorre com a Constituição de 1934, que já afirmava ser dever do Estado proteger as belezas naturais e os monumentos de valor histórico ou artístico. Com a Constituição de 1937, sob os auspícios do Estado Novo varguista, foi cunhada, pela primeira vez, a expressão monumento natural, substituindo o termo “belezas naturais”.
Após a publicação do Decreto Lei nº 25/1937, foram alçados à condição de patrimônio nacional os monumentos naturais, sítios e paisagens por sua “feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana”. Ficaram sujeitos à proteção por meio do tombamento, que seria inscrito no Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico.
Apesar de mencionar a “mão humana”, a partir de então o patrimônio natural foi interpretado pelos órgãos de preservação como expressão de grandiosidade e beleza da natureza, pressupondo uma ideia de intocabilidade, ou seja, de testemunhos poupados da intervenção do homem. Essa perspectiva de monumentalidade, da exaltação do valor estético e do caráter inviolável do patrimônio natural foi consagrada não apenas no Brasil, mas internacionalmente, por meio de documentos como a Convenção para a Proteção do Patrimônio Cultural e Natural, organizada pela Unesco, em Paris, no ano de 1972.
O problema dessa definição é que ela criou uma separação entre a cultura e a natureza, que perdurou por alguns anos no mundo ocidental. Somente em 1992, durante sua 16ª Assembleia Geral, é que a Unesco tentou resolver esta contradição, instituindo a noção de paisagem cultural e definindo-a como o resultado da obra combinada da natureza e do homem.
No Brasil, a Constituição de 1988, em seus artigos 215 e 216, consolidou a noção de patrimônio cultural, possibilitando a salvaguarda de sítios de valor paisagístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Por um lado, se ainda manteve a valorização do apelo estético advindo do termo monumento natural, por outro trouxe o reconhecimento de novos aspectos até então não invocados – o ecológico, o paleontológico – valorizando as relações estabelecidas na dinâmica de transformação incessante da natureza. Além de avançar no debate conceitual sobre o patrimônio natural, abriu espaço para outros instrumentos de sua preservação, além do tombamento. É o caso da criação da Chancela da Paisagem Cultural, pela Portaria Iphan nº 127/2009, que admite as interações do homem com o meio natural, num dado território.
Com relação especificamente ao patrimônio paleontológico,que integra o nosso patrimônio natural, a legislação nacional criou vários dispositivos, desde 1942, como o Decreto-Lei nº 4.146, que dispõe sobre a proteção dos depósitos fossilíferos. Essa lei já considerava os depósitos fossilíferos como propriedades da nação e, assim, a extração de espécimes fósseis dependeria de autorização do Estado. Durante muito tempo, este Decreto-Lei foi distribuído pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), com a recomendação de que todo o particular, sem licença expressa, que estivesse explorando um depósito de fósseis, estaria sujeito à prisão, como espoliador do patrimônio científico nacional. Por conseguinte, o Código Penal Brasileiro passou a aplicar penas no caso de comercialização de fósseis.
A remessa de qualquer fóssil por compra ilegal de museus, universidades e colecionadores particulares foi condenada pela Conferência de Paris, organizada pela Unesco, em 1970. Foi nessa perspectiva que o Brasil estabeleceu o Decreto-Lei n° 72.312/1973. A seguir, a Lei nº 7.347/1985 passou a responsabilizar os agentes sociais causadores de danos ao meio ambiente, incluindo os jazigos com fósseis. A Sociedade Brasileira de Geologia e a Sociedade Brasileira de Paleontologia poderiam propor uma ação civil, visando a proteção dos sítios fossilíferos.
Embora os fósseis já fossem considerados bens da União pelo Decreto Lei n° 4.146/42, os artigos 20 a 23 da atual Constituição Brasileira (1988) consolidaram o Estado Brasileiro como um dos entes na sua defesa, como também enquadraram os fósseis, em seu artigo 216, na categoria de patrimônio cultural brasileiro, como vimos.
O Decreto nº 98.830/1990 sujeitou as atividades de campo para coleta de materiais por pessoa natural ou jurídica estrangeira, ao controle do Ministério das Ciências e Tecnologia, que deveria autorizar, supervisionar e analisar os resultados dos trabalhos de coleta. O artigo 13, alínea V nos indica que: “sem prejuízo da responsabilidade civil e penal, as infrações às normas deste decreto poderão importar, segundo a gravidade do fato: (...) a apreensão e a perda do equipamento utilizado nos trabalhos, bem assim do material coletado”.
Um dos artigos da Lei nº 8.176/1991 define como crime, na modalidade de usurpação, a exploração de matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizado. O fóssil, como bem da União, e sem a autorização legal do DNPM, não pode ser explorado por particulares, não sendo, por conseguinte, um bem negociável. Assim, todos os que fazem a retirada dos fósseis ou que os adquirem, transportam ou comercializam, incorrem em crime contra a ordem econômica.
Através do Serviço Geológico Brasileiro (CPRM) e do Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), o Governo Federal criou, em 1997, a Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos, que tem como objetivo maior a proteção desses sítios. Porém, apenas proteger da degradação não é suficiente para que se obtenha sua verdadeira valorização. Um patrimônio geológico ou paleontológico só será devidamente valorizado mediante o equilíbrio de ações voltadas à investigação científica e à divulgação do conhecimento para o grande público, que não se restrinja aos cientistas.
Paleoturismo no Brasil.
O Brasil pode ser considerado um país de razoável patrimônio fóssil, levando-se em conta que apresenta grandes bacias sedimentares, de grande espessura, com espécies significativas para a Paleontologia, como o Staurikosaurus pricei, dinossauro que viveu no período Triássico, há 220 milhões de anos, descoberto nas vizinhanças de Santa Maria (RS).
Viana e Carvalho (2019) realizaram um levantamento de museus, parques e acervos com clara função de divulgação científica da Paleontologia no Brasil. Com relação aos museus, mapearam 35 na Região Sul; 34 no Sudeste; 29 no Nordeste; 4 no Norte; e 3 no Centro-Oeste. No caso de coleções em Instituições de Ensino Superior (IES), identificaram 9. Mapearam ainda o Instituto Virtual de Paleontologia do Estado do Rio de Janeiro, vinculado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), no endereço: www.ivprj.uerj.br.
Indicaram ainda a existência de seis paleoparques: Geopark Araripe (CE); Sítio Arqueológico do Lajedo de Soledade (RN); Vale dos Dinossauros, em Souza (PB); Geopark Bodoquena- MS (sem o selo Unesco); Parque Paleontológico de São José do Itaboraí (RJ) e o Jardim Paleobotânico de Mata (RS).
Os incentivos do governo federal poderiam estimular a criação de Centros de Turismo Paleontológico perto de museus e áreas de escavação em sítios fossilíferos, respeitando as condições de preservação destes locais, além de reservar fundos para o desenvolvimento desta ciência. Caso isso acontecesse, a Paleontologia brasileira não necessitaria depender apenas de verbas oficiais.
Divulgação e popularização da paleontologia.
A divulgação da Paleontologia no Brasil ainda está muito vinculada aos museus e, sobretudo, às universidades, nas quais se desenvolvem pesquisas apresentadas em encontros científicos e publicadas em revistas da área. Existem ainda muitas dificuldades no ensino desses conhecimentos nas escolas, como a escassez de material didático e paradidático; a deficiência na formação dos alunos e professores; e o distanciamento entre as universidades e a sociedade. Não existem indícios de uma prática continuada ou bem estabelecida no ensino fundamental e médio, pois esta ciência ainda não recebe a devida importância, apesar do grande interesse do público infantojuvenil, especialmente por dinossauros.
Contudo, procurando, existem alguns livros no mercado brasileiro com tramas narrativas encantadoras e bem urdidas, numa linguagem simples e fluente, além de bem ilustrados. Podem ser trabalhados em sala de aula, com muito proveito na aprendizagem, as obras Na Era dos Dinossauros (1994), de Joanna Cole, com ilustrações de Bruce Degen; As Aulas do Professor Dinossaurius (2002), de Valerie Wilding, com desenhos de Kelly Waldek; e Os Dinossauros, de Philip Ardagh (2009), com ilustrações de Mike Gordon. Sobre os fósseis brasileiros, temos 3 obras: Manual da Pré-História do Horácio, Dinossauros do Brasil e Dinos do Brasil, com excelente design gráfico.
É necessário oferecer ainda mais oportunidades de aprendizado da Paleontologia ao público, seja por meio de vídeos, jogos, oficinas e/ou visitas orientadas aos museus, sítios e coleções. Mas para que essas atividades venham a ser mais numerosas, efetivas e eficientes, é preciso formar recursos humanos comprometidos com a valorização do patrimônio natural brasileiro, o conhecimento de técnicas de comunicação e da pedagogia infantojuvenil. Só assim será possível oferecer atividades lúdicas e cientificamente corretas, que conduzam a um futuro promissor no desenvolvimento da Paleontologia e de outras ciências correlatas.
 Para os curiosos.
Que tal passear em bibliotecas, feiras, livrarias, sebos físicos ou virtuais à procura de livros, filmes, jogos ou brinquedos que tenham a Paleontologia em seus títulos? Que atividades você poderia desenvolver com seus amigos ou sua família sobre o tema?
A xilogravura chega ao cordel.
É importante salientar que a xilogravura integrou o mundo das artes visuais brasileiras, no século XX, sendo praticada por Oswaldo Goeldi (1895-1961), natural do Rio de Janeiro, considerado o “pai da xilogravura brasileira”, entretanto, paralelamente ao itinerário da arte oficial, no Nordeste, prestou-se às atividades utilitárias, servindo como rótulo de produtos, como também ilustrações das capas dos folhetos de cordel, sobre o qual discutiremos com mais detalhes posteriormente.
Muitos poetas escreveram e, ao mesmo tempo, ilustraram suas obras com a técnica que passou a ser considerada, de acordo com José M. Luyten, a verdadeira representação do espírito do cordel (apud CASCUDO, 2002, p.752).
Nesse contexto de produção dos versos populares e ilustrações com a técnica, a Tipografia São Francisco, de propriedade de José Bernardo da Silva, em Juazeiro do Norte, Ceará, teve grande destaque,uma vez que assumiu a posição de maior editora de literatura popular do país.
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Com o desenvolvimento de novas tecnologias de impressão e a morte de José Bernardo, a Tipografia São Francisco entrou em decadência. Seu acervo e equipamentos foram adquiridos pelo Governo do Ceará, sob novo nome – Lira Nordestina – sugestão do poeta Patativa do Assaré. Hoje, a Universidade Regional do Cariri (Urca) responde por sua administração, que se tornou um espaço de produção de xilogravura, superando a publicação de cordéis.
A partir dos anos de 1950, a xilogravura popular passou a ser observada por intelectuais em algumas localidades do Nordeste de modo independente dos folhetos. Este novo olhar lhe conferia uma valorização como produção artesanal autônoma, iniciada em Alagoas, pelo folclorista Téo Brandão, em seguida, no estado de Pernambuco, por parte do colecionador de arte Abelardo Rodrigues, e pelo estudioso paraibano Ariano Suassuna, que escreveu artigos sobre elas no Diário de Pernambuco .
Ainda entre os anos 1950-1960, com o impulso da industrialização e dos novos meios de comunicação, como o rádio e a televisão, acreditava-se na morte ao cordel e, consequentemente, junto com ele, a morte das xilogravuras. Na realidade, o cordel adaptou-se aos novos meios comunicacionais, passando a ser difundido amplamente pelos repentistas nas rádios, além de se articularem em feiras, espaços e equipamentos públicos, sendo reconhecidos por editoras de pequeno, médio e grande porte. Embora o estilo discursivo tenha permanecido, continuou a propagação do desaparecimento da xilogravura.
Nesse contexto, reverberava a visão folclorista que percebia a xilogravura como expressão avessa à ideia de modernidade. No Ceará, a mesma ideia de desaparecimento foi abraçada por agentes fundadores do Mauc, inaugurado em 1961.
Nos anos que antecederam à criação do Mauc, esses agentes recolheram os tacos de xilogravuras utilizadas nas capas dos folhetos, livros de orações e rótulos de produtos que pertenciam a algumas gráficas do Nordeste, como em Pernambuco, Paraíba e Ceará. Constituíram, assim, uma coleção do gênero que passou a ser revelada em exposições, guardada e conservada como acervo desse novo museu de arte.
Esta recolha possibilitou a valorização da xilogravura vinculada ao cordel. Nossa cultura prevê como locais específicos onde a arte pode manifestar-se, os museu e galerias, que também conferem estatuto de arte aos objetos enobrecendo-os e garantindo-lhes o rótulo “arte” (COLI, 2006, p.32).
Em 1962, o artista cearense Sérvulo Esmeraldo, também ligado ao Museu e à Universidade Federal do Ceará, residia em Paris. Por motivo de visita ao Juazeiro do Norte, acabou constituindo uma nova modalidade de criação popular para as xilogravuras. Encomendou uma série representativa da “Via Sacra” ao mestre Noza, publicando-as em 1965, na capital francesa, fundando assim a experiência inédita de criação de álbuns temáticos que passaram a ser comercializados dentro da perspectiva do mercado de arte, com numeração de cada gravura e assinatura do artesão/artista.
 Para os curiosos.
Quer saber mais sobre a história do Museu de Arte da UFC (Mauc)? Acesse: mauc.ufc.br/sobre-o-mauc/
 Se liga!
Mestre Noza: Inocêncio Medeiros da Costa ou Inocêncio da Costa Nick, como dizia chamar-se, nasceu em Taquaritinga do Norte-PE, em 1897. Mudou-se para o Juazeiro do Norte em 1912, onde exerceu diversas atividades, entre as quais a de funileiro. A partir da década de 1930, tornou-se conhecido como artista popular, pelas criações de esculturas em madeira. Sua primeira escultura foi um são Sebastião, mas depois resolveu esculpir uma imagem do padre Cícero, levando-a para apreciação do sacerdote, que achou graça e perguntou: “Eu sou assim?”. Desde então fez milhares de imagens do padre (proclamado santo por devotos de diversas localidades do Brasil). Na década de 1950, recebeu encomenda de José Bernardo da Silva para fazer xilogravuras, tornando-se gravador.
As ilustrações em zincogravura.
Um dos pioneiros a introduzir ilustrações nas capas dos folhetos dos cordéis foi João Martins de Athayde, com o intuito de torná-los mais atraentes para o público consumidor. Para tanto, recorreu aos caricaturistas e desenhistas que faziam trabalhos para alguns jornais em Recife. A ideia conquistou o gosto dos leitores e logo passou a ser copiado por outros editores, inclusive os de centros distantes do seu, como em Juazeiro do Norte-CE.
Athayde, para essa inovação, recorreu aos ilustradores que desenhavam cartazes de filmes para cinemas no Recife, aprendendo a reproduzir o rosto dos artistas, como também dos heróis das revistas em quadrinhos. Em meio aos processos criativos, decorreram as ilustrações impressas em zincogravura, que possibilitaram representações das imagens dos astros de Hollywood, o que acabou fazendo com que fossem empregadas, definitivamente, nas impressões das capas dos cordéis (MELO, 2003, p. 113-117).
COSTELLA (1984, p. 65.) define Zincogravura como “uma técnica de gravura que utiliza a placa de zinco como matriz. O trabalho é feito revestindo-se uma chapa metálica, com material fotossensível e, em seguida, a chapa é submetida a uma fonte de luz que atravessa um negativo fotográfico. O processo equivale a fazer uma cópia fotográfica em chapa de metal, em vez de fazê-la em papel. O revestimento fotossensível endurece as partes que recebem luz e essas partes correspondem àquelas em que o negativo é transparente. Leva-se a placa para remover as partes moles do revestimento, isto é, aquelas que correspondem as áreas não iluminadas. Depois, a placa toma um banho de ácido. Este ácido ataca a placa nas áreas nuas e não afeta aquelas que permanecem cobertas pelo revestimento fotossensível endurecido. Logo se tem uma matriz metálica toda produzida fotoquimicamente. O processo citado foi empregado pela primeira vez em 1870, mas aplicadoA introdução da xilogravura nos folhetos.
A Tipografia São Francisco, já citada, ocupou uma posição de destaque no mercado editorial no país. Como dissemos, a editora pertenceu a José Bernardo da Silva, que de vendedor ambulante dos folhetos de cordéis nas feiras regionais, dedicou-se ao universo da poesia popular adquirindo a anterior Folheteria Silva.
Em 1949, esta Tipografia alcançou grande apogeu, a partir da compra dos direitos autorais dos folhetos de João Martins de Athayde. De posse desses direitos, José Bernardo aumentou a produção de cordéis e, consequentemente, suas vendas, ganhando o mercado nacional e tornando-se a maior produtora desse gênero literário no Brasil.
A falta dos clichês de zinco para os folhetos fez com que Bernardo optasse por introduzir a técnica já utilizada nos jornais, a xilogravura, a partir do final dos anos 1940, ciente das dificuldades encontradas para obtenção e elaboração da zincogravura, que se configurava um procedimento mais elaborado de ilustração e de aquisição. Esta técnica só existia nos centros desenvolvidos, sobretudo em Recife. A partir da introdução da xilogravura nos cordéis, esses folhetos passaram a contar com a aplicação dos dois de gravura: a zinco e a xilogravura (RAMOS, 2010).
Os primeiros xilógrafos buscaram imitar os clichês das zincogravuras e fizeram isso com grande maestria. A maioria dos gravadores procurados para confeccionar as ilustrações dos folhetos foram iniciados por José Bernardo da Silva. Alguns exerciam ofícios de ourives, outros eram escultores em madeira, mas a maior parte pertencia às classes menos abastadas e suas criações eram feitas como um meio de sobrevivência.
Contudo, o que esses gravadores faziam era arte, mesmo sem escolaridade artística ou acesso aos círculos dos artistas profissionais. A técnica por eles utilizada “encontrou na ponta da faca sertaneja, no canivete de cortar fumo de rolo e até nas hastes de guarda-chuvas, uma perfeita adequação e tradução de todo um imaginário de princesas, dragões e mitos como Lampião e Padre Cícero” (CARVALHO, 2010, p.10).
Alguns xilógrafos copiavam os clichês de zinco, o que não era problema entreeles. Outros elaboravam seus próprios desenhos a partir da própria criatividade. Um dos gravadores desse período, bastante admirado, foi Walderêdo Gonçalves.
 Para os curiosos.
Nascido no Crato, no ano de 1920, Walderêdo se iniciou nas artes gráficas muito jovem, por meio de uma encomenda feita pelo editor José Bernardo, com a finalidade de compor a capa de um livro de oração. Seu primeiro trabalho foi um Cristo crucificado e, após a encomenda, ele deu continuidade ao ofício de gravador, onde se destacou pelo traço e estilo próprio. Seus desenhos apresentavam formas realistas, muitos detalhes e efeitos únicos de luzes e sombras.
Confira: acordacordel.blogspot.com/2011/06/mestres-da-gravura.html
 comercialmente a partir de 1895.”
Todos nós somos e temos um patrimônio.
Você sabia que além dos bens de natureza material, como os conjuntos arquitetônicos e monumentos tombados como patrimônio, existem outros bens que também são importantes para comunidades e países, porém não são edificados?
Fazem parte do patrimônio de uma sociedade as práticas, os saberes, as formas de expressão, as crenças, as técnicas e as celebrações que formam a sua identidade cultural e que nos são transmitidos através das gerações. Pois é, este conhecimento que não está nas paredes dos monumentos, nem nas bibliotecas ou nas escolas, mas no saber transmitido pelos nossos antepassados e pelos mestres, é o que denominamos de patrimônio cultural imaterial.
Sabia que mesmo que não tenha nenhuma leitura anterior sobre o conceito de patrimônio imaterial, você participa de sua transmissão e preservação? É sim. Quando prepara uma tapioca no café da manhã, quando lê um folheto de cordel, quando faz aquela receita de doce que sua avó ensinou, quando participa de uma cerimônia religiosa ou de uma festa na comunidade em que vive, você está usufruindo e preservando o patrimônio cultural imaterial da sua localidade e, porque não dizer, da humanidade.
Ao manter o costume, mesmo sem refletir sobre essas práticas no dia a dia, as pessoas estão preservando o patrimônio cultural imaterial. Através da vida familiar e da vida em sociedade, aprendemos a degustar os alimentos e nos acostumamos com os sabores das refeições. Aprendemos a cultivar os alimentos e a cozinhar, a rezar e a crer nos deuses, a encenar brincadeiras e a fazer brinquedos, a cantar e fazer instrumentos para o canto, a dançar e fazer tambores, a ler poesia, a ouvir histórias e a imaginar, entre outras tantas coisas.
O patrimônio cultural é uma riqueza e, por isso, precisa ser reconhecido como um bem a ser preservado. Por isso, em nosso módulo, vamos discutir o que é patrimônio cultural imaterial, procurando entender de que maneira os seres humanos adquiriram a capacidade de produzir bens culturais, compreender o acesso ao patrimônio cultural como um direito humano e acompanhar passo a passo como um bem cultural é registrado como patrimônio imaterial no Brasil.
Vamos agora recuar no tempo e analisar o sentido histórico da formação da diversidade cultural do planeta Terra, para compreender como adquirimos a capacidade de produzir bens culturais. Vamos lá?
Pesquisas arqueológicas mostram que os hominídeos tiveram que enfrentar muitas adversidades, como as mudanças climáticas, o deslocamento de continentes, os predadores e a escassez de alimentos. Um exemplo disto ocorreu após o desaparecimento das florestas na África em razão da glaciação, há cerca de 5 milhões de anos. As mudanças no meio ambiente obrigaram esses grupos a buscar alimentos em outros ecossistemas.
Esses desafios exigiram a adaptação dos nossos ancestrais e o desenvolvimento de outras habilidades. O andar bípede e a capacidade de utilizar e manejar as coisas com as mãos foram adaptações que trouxeram novas habilidades, como: lascar pedras, ossos e galhos para coletar alimentos; confeccionar instrumentos para a caça e para construir abrigos contra o frio, a chuva e os predadores.
Para cada tipo de material e para cada finalidade foram produzidas ferramentas e técnicas diferentes. A confecção de potes para guardar água e transportar alimentos significou a sobrevivência em ambientes adversos. O controle do fogo foi, sem dúvida, um enorme passo na evolução humana. O controle do processo de produção de alimentos, que chamamos de agricultura, desenvolvida há cerca de 12 mil anos atrás, foi a descoberta mais importante para a autonomia dos grupos humanos.
Por serem conhecimentos vitais para a perpetuação da espécie, passaram a ser aperfeiçoados e transmitidos de geração a geração. A necessidade de comunicação em grupo estimulou o desenvolvimento da linguagem. Tudo isto representou uma enorme capacidade de adaptação ao ambiente e de sobrevivência.
Escavações arqueológicas comprovaram que nossos antepassados desenvolveram o sentido de proteção ritual dos mortos através do cuidado e da ornamentação dos corpos. A ritualização da morte tem um significado muito importante. O luto demonstra o respeito com os entes próximos, a noção de família e a crença na transcendência da morte, matriz do pensamento religioso.
A confecção de colares, braceletes, a pintura de conchas e as pinturas rupestres revelam a capacidade de atribuição de um valor estético aos objetos, ao próprio corpo e aos lugares em que habitavam. A percepção da beleza, a atribuição de uma qualidade estética ao mundo que nos cerca é a matriz da criação artística.
Os momentos mais importantes da vida, como o nascimento, a alimentação em grupo, a sexualidade, as relações familiares ou a morte passaram a ser revestidos de um significado mais amplo e ritualizado.
A apreciação da beleza, a ideia de transcendência, a capacidade de representar a si mesmos e aos outros – como atestam as pinturas rupestres – significam o desenvolvimento de um traço distintivo da nossa espécie. Ao enfrentarmos adversidades e nos adaptando ao meio ambiente, desenvolvemos a capacidade de representar figuras, de comunicação, de atribuir valor simbólico a pessoas, aos animais e aos objetos. Esta capacidade intelectual, exclusiva da espécie humana, é chamada de cultura.
Ao longo dos milhares de anos da presença humana na Terra, os grupos desenvolveram saberes os mais diversos. As ferramentas para o trabalho, formas de exprimir as emoções, a religiosidade, as práticas agrícolas, os modos de como produzir, transportar e conservar os alimentos, as brincadeiras, a musicalidade, as danças e os jogos com as palavras que deram origem à literatura.
A oralidade, a culinária, a dança, a religiosidade, a literatura, a música, o teatro, o artesanato, os ofícios relacionados ao trabalho e ao lazer são algumas dessas linguagens e formas de expressão. A ação dos mestres – pessoas que preservam o saber coletivo e se tornaram guardiões das tradições – tem sido fundamental para a transmissão deste legado cultural ao longo do tempo. É no convívio entre as pessoas mais experientes, em geral idosas, com as crianças e jovens, que acontece o modo mais eficiente de transmissão das culturas.
As culturas estão sempre em transformação.
Ao longo da história, a vida social se tornou complexa e gerou conflitos em razão das diferenciações sociais, políticas, econômicas e religiosas. As hierarquias, as diferenças de classe social, as desigualdades e conflitos se traduziram em guerras, massacres, genocídios e escravização. Inúmeras formas de opressão, discriminação e exploração acarretaram a destruição e o desaparecimento de povos, línguas, costumes e tradições.
É importante destacar os efeitos do colonialismo na Idade Moderna. Nações europeias ocuparam e exploraram territórios alheios, subjugando populações economicamente e impondo as suas crenças e práticas culturais sobre os povos dominados. As missões católicas e protestantes no continente americano, por exemplo, introduziram crenças desconhecidas até então das populações nativas. O colonialismo europeu no continente americano, a partir do século XVI, trouxe consequências terríveis para as populações indígenas que habitavam este território há pelo menos 12 mil anos. Inúmeras tribose alguns impérios foram dizimados e suas culturas desapareceram.
A destruição do império Inca na região dos Andes, com uma população de 12 milhões de pessoas, ocorreu através do uso da violência pelos colonizadores espanhóis. A morte do líder inca Tupac Amaru, assassinado pelos espanhóis em 1572, representou o fim de uma civilização riquíssima culturalmente. O mesmo ocorreu com o império Asteca, localizado no atual México, com a ocupação da capital Tenochtitlan em 1521.
A escravidão de milhões de africanos representou a criação de um sistema brutal de exploração da força de trabalho humana baseada no racismo. Os africanos trazidos à força como escravos para as Américas trouxeram consigo suas culturas e formaram nesse território sociedades marcadas pelas trocas culturais e por diversas formas de resistência cultural, como o sincretismo religioso.
 Se liga.
Indústria cultural é um conceito criado pelos filósofos alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer no livro Dialética do esclarecimento, publicado em 1944. Para os autores, a produção artística difundida através dos meios de comunicação de massa representava a decadência das culturas e a utilização desses veículos como instrumentos de manipulação e alienação da população. Você concorda com essas afirmativas? Por quê? Fundamente seus argumentos com exemplos do seu cotidiano.
A partir do século XX assistimos também ao surgimento de um fenômeno novo na humanidade: a indústria cultural. Nos países industrializados, especialmente a partir da década de 1930, teve início a produção industrial de bens e produtos em larga escala. Daí o surgimento da fotografia, do cinema e da arte pop. Surgem os veículos de comunicação de massa, como o rádio, o jornal, a televisão e, mais recentemente, a internet. Este fenômeno produziu o aparecimento da chamada cultura de massa, ou seja, o desenvolvimento de bens culturais que são transformados em mercadorias para dar lucro a empresas, indústrias e aos países capitalistas.
O aparecimento da indústria cultural promoveu transformações nas práticas culturais do mundo contemporâneo. Em muitos países, a chegada da cultura de massa interferiu drasticamente na cultura das comunidades. O fenômeno da globalização, que se aprofundou com a queda do Muro de Berlim em 1989, promoveu o comércio de bens culturais em uma escala sem precedentes. Produtos culturais industrializados, como filmes, discos e programas de televisão invadem comunidades, povos e nações, ameaçando uma padronização cultural do mundo.
As regiões menos industrializadas e os países em desenvolvimento foram os espaços mais atingidos pela invasão de produtos culturais industrializados. Fenômenos como o êxodo rural, urbanização, a formação de grandes cidades e a concentração de populações pobres em áreas periféricas produziram inúmeras mudanças culturais.
No entanto, as populações atingidas por esses problemas desenvolveram inúmeras estratégias de resistência cultural aos efeitos do colonialismo, da escravidão e da globalização sobre as culturas tradicionais.
Pressões para a construção de políticas de proteção às comunidades tradicionais obtiveram algumas conquistas, especialmente através da Unesco, órgão das Nações Unidas, responsável pela proteção ao patrimônio histórico, artístico e cultural da humanidade.
A proteção ao patrimônio cultural imaterial: definições e políticas.
Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pelas Nações Unidas em 1948, no seu art. 27 afirma que “todo ser humano tem o direito de participar da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios”.
A introdução de um artigo específico acerca do direito dos povos à proteção de sua vida cultural foi consequência do horror promovido pelo nazismo na Alemanha, sistema político liderado por Adolf Hitler, que motivou a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
 Para os curiosos.
Confira a Declaração Universal dos Direitos Humanos na íntegra em: www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por
Importante entender que o nacional-socialismo era uma ideologia de extrema-direita baseada na perseguição e extermínio daquelas pessoas e de culturas diferentes dos padrões culturais alemães (germânicos), considerados pelos nazistas como “seres superiores”. Ao assumir o poder, o Partido Nazista executou cerca de 11 milhões de pessoas entre judeus, ciganos, maçons, homossexuais, comunistas, testemunhas de Jeová, poloneses, soviéticos, pessoas com deficiências físicas ou mentais.
Para cumprir essa determinação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Unesco aprovou, em 2003, a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Este documento foi ratificado por 175 países e se tornou a principal referência na criação de políticas públicas para garantir a proteção a diversidade cultural como um direito de povos e nações, assim definindo o patrimônio imaterial:
Entende-se por ‘patrimônio cultural imaterial’ as práticas, representações, expressões, conhecimentos e competências – bem como os instrumentos, objetos, artefatos e espaços culturais que lhes são associados – que as comunidades, grupos e, eventualmente, indivíduos reconhecem como parte de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, transmitido de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função do meio em que vivem, de sua interação com a natureza e da sua história e, confere-lhes um sentido de identidade e de continuidade, promovendo assim, o respeito pela diversidade cultural e a criatividade humana. Para fins da presente Convenção, será levado em conta apenas o patrimônio cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos internacionais de direitos humanos existentes e com os imperativos de respeito mútuo entre comunidades, grupos, indivíduos e do desenvolvimento sustentável.
No Brasil, antes mesmo desse documento da Unesco, a Constituição de 1988, no seu artigo 216, conceituou o patrimônio cultural brasileiro como os “bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, ação e a memória dos diferentes grupos que formam a sociedade brasileira”.
 Para os curiosos.
No site do Iphan (portal.iphan.gov.br) você encontra a relação de todos os bens declarados como patrimônio cultural imaterial do Brasil. Além disto, é possível baixar o dossiê de registro (que traz o inventário dos bens registrados) e documentários.
No site do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (www.cnfcp.gov.br) você terá acesso aos documentos da Comissão Nacional de Folclore, que também produziu um inventário minucioso de diversas formas de expressão da cultura brasileira.
No site da Unesco (nacoesunidas.org/agencia/unesco) você terá acesso à relação de bens registrados como patrimônio cultural da humanidade.
O referido artigo define que o patrimônio cultural contempla as formas de expressão, a criação artística e tecnológica, os modos de viver, as obras, objetos, documentos e espaços destinados às manifestações artístico-culturais. Estabelece que cabe ao Estado, em colaboração com a sociedade, proteger o patrimônio cultural através dos mecanismos de inventários, registros, desapropriação e vigilância, bem como através da adoção de ações de cautela.
Em 1997, a proteção ao patrimônio cultural no Brasil ganhou uma direção mais efetiva durante a realização do Seminário Patrimônio Imaterial: estratégias e formas de proteção, realizado no Ceará durante as comemorações os 60 anos do Iphan. Durante o Seminário foi divulgado o documento que ficou conhecido como a Carta de Fortaleza, que defendeu a adoção de uma política nacional de preservação do patrimônio cultural, implementada no Decreto nº 3.551/2000 que criou o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial. Esta lei define que o modo como o patrimônio cultural deve ser identificado é através do registro e não do tombamento, como ocorre com o patrimônio material, pois os bens de natureza cultural são definidos como bens intangíveis.
Parareceber o reconhecimento como patrimônio, as práticas culturais devem ser consideradas referências culturais, ou seja, transmitidas há várias gerações por meio da memória, marcando a identidade de grupos sociais e favorecendo o sentido de pertencimento dos indivíduos às suas comunidades de origem.
Além de ser uma referência cultural, um saber-fazer para receber o título de patrimônio cultural imaterial brasileiro deverá ser aprovado no Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural.
O Iphan é o órgão responsável por receber os pedidos de registro, que devem ser encaminhados por representantes da sociedade civil, instituições públicas ligadas aos poderes públicos de estados, municípios ou da União.
Após acolher o pedido de registro, o Iphan realiza uma pesquisa documental junto aos locais e comunidades, recolhendo depoimentos de mestres, fotografias, registros sonoros, filmes, trabalhos acadêmicos, a fim de reunir o maior número de informações possíveis acerca do bem a ser registrado. Esta fase do processo de registro também é conhecida como inventário. A partir da documentação reunida é redigido um Dossiê de Registro que indicará em qual dos Livros de Registro o bem cultural deverá ser registrado:
· Livro de Registro dos Saberes: onde são inseridos os conhecimentos e os modos de fazer que fazem parte da identidade cultural da sociedade. São técnicas de produção, habilidades próprias na produção de objetos que identificam grupos e comunidades.
· Livro de Registro das Formas de Expressão: se referem às artes e linguagens através das quais as comunidades, grupos e etnias transmitem seus saberes, como a música, artes cênicas, literatura, pintura, dança.
· Livro de Registro das Celebrações: são cerimônias que marcam a vida social de uma comunidade, como festas, procissões, romarias e celebrações rituais do calendário.
· Livro de Registro dos Lugares: são incluídos os espaços que marcam a identidade coletiva, tais como feiras, mercados, lugares de devoção, santuários, praças, referência naturais.
 Se liga.
O estado do Ceará foi um dos primeiros do país a criar uma lei específica de reconhecimento do saber dos mestres. A Lei nº 13.842/06 criou o Livro de Registro dos “Tesouros Vivos da Cultura”. Este livro reconhece o saber e as técnicas de pessoas, grupos e coletividades considerados relevantes para o fortalecimento da identidade cultural de comunidades no Ceará. O reconhecimento é dado por meio de um diploma. Aos mestres e grupos que comprovem estar em situação de vulnerabilidade econômica, o estado concede um auxílio financeiro. Esta Lei foi considerada um marco no reconhecimento do papel dos mestres na transmissão da cultura.
Para ser reconhecido como patrimônio, um bem cultural precisa ser praticado há várias gerações. É necessário haver uma continuidade histórica, quando a comunidade possui um papel de manter o bem cultural vivo ao longo do tempo. Após ser reconhecido, o bem registrado passa a receber a proteção do Estado contra a apropriação indevida. O Estado também passa a ter a obrigação de promover políticas públicas que garantam a sua salvaguarda e divulgação, destinando recursos para esse fim.
Para que as ações de salvaguarda possam ser realmente implantadas é fundamental a participação dos detentores, ou seja, das pessoas que fazem parte da comunidade onde aquele bem cultural é vivido no cotidiano. Esta participação deve se dar por meio da atuação da comunidade e dos mestres. A população precisa ter vez e voz na gestão de seu patrimônio. A salvaguarda do patrimônio cultural deve ser democrática e compartilhada entre os poderes públicos e a sociedade.
No Brasil, instituições como o Iphan e o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, além de diversas associações culturais, organizações da sociedade civil (OSCs), grupos culturais, universidades contribuíram com ações, pesquisas e diversas formas de atuação para o reconhecimento e a proteção do patrimônio cultural brasileiro. E, aliás, no seu bairro ou cidade, você conhece um grupo ou alguém que poderia ser considerado um Tesouro Vivo?
 Para os curiosos.
Quer conhecer a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial na íntegra? Acesse: ich.unesco.org/doc/src/00009-PT-Portugal-PDF.pdf
Reconhecendo e identificando nossos saberes e formas de expressão.
Todos os brasileiros são herdeiros dos costumes e técnicas desenvolvidas pelas comunidades indígenas que ocuparam o continente americano há pelo menos 12 mil anos. Na Amazônia, assim como nos territórios conhecidos atualmente como Nordeste, Sudeste e Sul, achados arqueológicos de diversos povos mostram como os primeiros grupos que habitaram esses lugares desenvolveram técnicas de caça e a produção de artefatos, como esculturas, urnas funerárias e pinturas rupestres.
Além da relação com a sobrevivência, a produção de artefatos possui a função ritual, demonstrando as crenças partilhadas coletivamente.
Os Wajãpi são índios que vivem atualmente nas regiões banhadas pelos rios Oiapoque, Jari e Araguari, no oeste do Amapá, e pertencem à tradição e língua tupi-guarani. Esses povos desenvolveram um complexo sistema artístico através da pintura corporal, confecção de cestos, armas de caça, tecelagem e objetos de madeira. Esses materiais recebem uma técnica de pintura, chamada Kusiva, que se caracteriza por padrões gráficos específicos. Os desenhos e formas geométricas pintados nos objetos e nos corpos dos habitantes das aldeias representam animais, objetos, partes do corpo e crenças a respeito da origem desse povo. A técnica de pintura e padrões gráficos representam um sistema de comunicação, uma linguagem própria daquele grupo e uma forma de expressão.
Em 2002. A arte Kusiva foi registrada como patrimônio cultural imaterial pelo Iphan. No ano seguinte, foi reconhecida pela Unesco como Patrimônio da Humanidade. Você sabia disso? Havia ouvido falar desses índios e/ou da arte Kusiva?
Pois além da arte Kusiva, herdamos dos antepassados indígenas a cestaria, a olaria, diversas técnicas agrícolas, o uso da farinha de mandioca, o hábito de dormir em redes, a sabedoria do uso das plantas medicinais. Todos esses saberes resistiram à destruição da maior parte das comunidades nativas e são preservadas principalmente pelos povos residentes na Amazônia, onde se encontra o maior número de terras tradicionalmente ocupadas e reservas indígenas. Esses grupos, ainda hoje, preservam o saber dos primeiros habitantes do território brasileiro.
Além da herança cultural indígena, a cultura brasileira é formada pela presença de manifestações culturais vindas da África durante a escravidão. Uma diversidade cultural que já existia há milhares de anos no continente africano, o berço da humanidade. Os povos bantos, angola, jejês e yorubás, além dos malês e hauçás (convertidos ao islamismo) trouxeram diversas crenças, costumes, religiões e formas de expressão para o Brasil.
Durante o processo da diáspora negra (imigração forçada de africanos na condição de escravizados), os africanos que vieram para o Brasil conseguiram preservar muitos seus costumes como um modo de resistir à escravidão. Enfrentando as diferentes formas de racismo e o preconceito racial, a identidade africana se afirmou na sociedade brasileira. A diversidade cultural do Brasil é marcada pela cultura afro-brasileira da qual somos todos herdeiros e guardiões.
O candomblé e a umbanda são as mais importantes expressões da religiosidade afro-brasileira. O samba de roda do Recôncavo baiano, o tambor de crioula do Maranhão (mistura de canto, dança circular, percussão, coreografia e umbigada) e o jongo (dança coletiva com tambores e saudações praticadas pelos escravos nas fazendas de café e de cana-de-açúcar do Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo) são formas de expressão que reúnem diversas linguagens, saberes e crenças. Através do preparo do acarajé (bolinho consumido na África Ocidental e que veio para o Brasil por meio dos escravizados), as baianas de Salvador perpetuam um modo de fazer uma iguaria que surgiu como oferenda aos orixás e possui um

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