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Educação E divErsidadE Profª Ana Cláudia Moser 2017 Copyright © UNIASSELVI 2017 Elaboração: Profª Ana Cláudia Moser Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 370.19 M899e Moser; Ana Cláudia Educação e diversidade / Ana Cláudia Moser: UNIASSELVI, 2017. 173 p. : il ISBN 978-85-515-0053-8 1. Sociologia Educacional. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. Impresso por: III aprEsEntação “Não existe imparcialidade, todos são orientados por uma base ideológica. A questão é: sua base ideológica é includente ou excludente?” (Paulo Freire) Caro acadêmico, a Unidade 1, chamada de Diversidade e Cidadania, propõe o debate conceitual que envolve tais questões no contexto educacional. Para tanto, essa unidade tem como objetivos conhecer os sentidos de diversidade e desigualdade, assim como de alteridade e identidade. A Unidade 1 está dividida em três tópicos. No primeiro, chamado Diversidade como direito: a inclusão como garantia da igualdade e dignidade do indivíduo, você será apresentado ao debate acerca da diversidade e da educação como direitos, da luta pela cidadania e da inclusão como caminho para o respeito à diversidade e garantia da cidadania. No segundo tópico, Diversidade como conceito: concepções e interpretações de diversidade e desigualdade, conheceremos as diversas concepções de diversidade e as formas como a diversidade se apresenta em nossa sociedade e, por conseguinte, na escola. No terceiro tópico, intitulado Diversidade como prática: multiculturalismo, alteridade e gestão democrática, nossa reflexão se volta para as teorias que dão conta do debate sobre diversidade na educação. As reflexões se concentram nos conceitos de alteridade, multiculturalismo e gestão democrática como elementos fundamentais para a cidadania e a prática pedagógica. Um dos maiores desafios da educação é educar para a construção da cidadania. O ato de educar, além de transmitir conhecimento, deve ser construído através da reciprocidade entre os sujeitos e de uma formação crítica e cidadã. Esse desafio se apresenta na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, pois a construção da cidadania é tarefa contínua. Tarefa essa que exige reflexão da teoria e sabedoria na prática. Exige de nós, professores, o reconhecimento do outro, a compreensão do diverso e a gestão da escola na democracia. Mas, afinal, como vencer esses desafios? Como alinhar nosso discurso e nossa prática? Como educar para a cidadania? Como aprender com o outro? Como educar na diversidade? Essa unidade foi escrita para acompanhar você, prezado acadêmico, na busca por essas respostas. Não cabe aqui apresentar um caminho único, uma fórmula ou receita pronta. Nosso desafio é conhecer as teorias para construir nossa prática com excelência enquanto profissionais da educação. “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”. (Nelson Mandela) IV A Unidade 2 é formada pelo conjunto de reflexões a respeito das relações entre legislação, educação, cidadania e diversidade. Nesse espaço será apresentada a trajetória que levou ao reconhecimento dos Direitos da Criança e do Adolescente e suas influências no espaço da escola através da política de inclusão, da educação inclusiva e da gestão democrática. No primeiro tópico serão contempladas as discussões sobre a luta pelos direitos da criança e do adolescente e os marcos históricos que garantiram esses direitos, incluindo o direito à educação como base para a cidadania. Além disso, terá espaço no primeiro tópico o debate que permeou a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente e suas influências na educação. O segundo tópico traz à tona as discussões no campo da inclusão social e da educação inclusiva como fundamentais para a garantia do direito à educação e respeito à diversidade. Nesse tópico serão contempladas reflexões sobre as possibilidades e desafios de transformar a escola em um lugar para todos, considerando a legislação vigente que garante temáticas que contemplam a diversidade no currículo. E, no terceiro tópico, a reflexão é direcionada para os desafios da gestão democrática enquanto ferramenta para a inclusão social e promoção do respeito à diversidade e à cidadania. A gestão democrática será analisada pela perspectiva das fragilidades e potencialidades da transformação da organização escolar para incluir de forma democrática todos os sujeitos que compõem a comunidade escolar. Quem habita esse planeta não é o Homem, mas os homens. A pluralidade é a lei da Terra. (Hannah Arendt) Chegou o momento de conhecer as influências dos debates em teorias educacionais e refletir, diante do papel do professor e da escola em relação ao respeito à diversidade, trazendo para a Unidade 3 o espaço dos conceitos de alteridade e multiculturalismo no campo da educação, bem como tomando ciência dos desafios do professor nesse contexto. O primeiro tópico será dedicado às reflexões de autores que procuraram compreender as relações entre educação, diversidade e as questões de gênero e sexualidade. Buscando contemplar os desafios e as possibilidades do reconhecimento da diversidade de gênero no âmbito da educação. No segundo tópico, dedicaremos nossa atenção à influência das diferentes concepções de cultura e multiculturalismo na educação. Nosso caminho nos leva a compreender os usos do termo e as formas que a cultura toma em relação ao processo de ensino e aprendizagem e a formação social em padrões de inclusão e exclusão. E, por fim, o terceiro tópico encerra nossa jornada tratando dos desafios do professor diante da noção de diversidade e de alteridade colocadas diante de professores, gestores e da comunidade escolar. É o momento de encontrar elementos V que possam nos levar a reflexão sobre a formação e atuação dos professores. O objetivo é proporcionar um espaço de autorreflexão e fontes nas quais podemos buscar inspiração para a construção de uma prática pedagógica inclusiva. Convidamos você, caro acadêmico, a refletir atentamente sobre as questões apresentadas neste caderno de estudos. Realize as atividades de aprendizagem e consulte os materiais de apoio disponíveis na trilha de aprendizagem. Bons estudos! Profª Ana Cláudia Moser VI Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionaissobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! UNI Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI VII VIII IX sumário UNIDADE 1 - DIVERSIDADE E CIDADANIA ............................................................................... 1 TÓPICO 1 - DIVERSIDADE COMO DIREITO: A INCLUSÃO COMO GARANTIA DA IGUALDADE E DIGNIDADE DO INDIVÍDUO ...................................................... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3 2 DIVERSIDADE E CIDADANIA ...................................................................................................... 3 3 DIREITOS E CIDADANIA ................................................................................................................ 8 4 A INCLUSÃO COMO PROMOÇÃO DA CIDADANIA E RESPEITO À DIVERSIDADE ................................................................................................................................ 10 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 11 RESUMO DE TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 15 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 16 TÓPICO 2 - DIVERSIDADE COMO CONCEITO: CONCEPÇÕES E INTERPRETAÇÕES DE DIVERSIDADE E DE DESIGUALDADE ............................................................ 19 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 19 2 DIVERSIDADE: CONCEITOS E ABORDAGENS ....................................................................... 19 3 OS DESAFIOS DA DIVERSIDADE NA ATUALIDADE ............................................................ 23 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 31 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 33 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 34 TÓPICO 3 - DIVERSIDADE COMO PRÁTICA: MULTICULTURALISMO, ALTERIDADE E GESTÃO DEMOCRÁTICA ............................................................ 35 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 35 2 ALTERIDADE E O RECONHECIMENTO DO OUTRO ............................................................. 35 3 O MULTICULTURALISMO COMO DESAFIO PARA A EDUCAÇÃO ................................... 41 4 GESTÃO DEMOCRÁTICA E OS DESAFIOS DA INCLUSÃO ................................................ 45 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 50 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 52 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 53 UNIDADE 2 - ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO ............................................................................ 55 TÓPICO 1 - DIREITOS E CIDADANIA NA LEGISLAÇÃO: O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ........................................................................ 57 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 57 2 DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO: RETRATOS DAS DESIGUALDADES SOCIAIS NO BRASIL ........................................................................................................................ 57 3 BREVE HISTÓRIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ........................ 62 4 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ................................................................ 66 5 O DIREITO À EDUCAÇÃO NO ECA ............................................................................................. 71 6 A DIVERSIDADE NO ECA ............................................................................................................... 75 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 76 X RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 80 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 81 TÓPICO 2 - A INCLUSÃO SOCIAL E A EDUCAÇÃO .................................................................. 83 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 83 2 INCLUSÃO COMO POLÍTICA PÚBLICA ..................................................................................... 83 3 EDUCAÇÃO INCLUSIVA E RESPEITO À DIVERSIDADE ...................................................... 92 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 97 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 99 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 100 TÓPICO 3 - DESAFIOS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA: DIVERSIDADE E INCLUSÃO .................................................................................................................... 103 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 103 2 A GESTÃO DEMOCRÁTICA E O DIREITO À EDUCAÇÃO ................................................... 103 3 DESAFIOS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NA EDUCAÇÃO ................................................. 104 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 110 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 111 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 112 UNIDADE 3 - O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR ......................... 115 TÓPICO 1 - O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE ...................................................... 117 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................117 2 POR QUE TRATAR DA QUESTÃO DE GÊNERO E SEXUALIDADE NA EDUCAÇÃO? ................................................................................................................................ 117 3 GÊNERO E SEXUALIDADE: RESGATANDO CONCEITOS .................................................... 118 4 GÊNERO E EDUCAÇÃO NO BRASIL ............................................................................................ 124 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 127 RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 130 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 131 TÓPICO 2 - AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA ........................................................................................... 133 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 133 2 RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA ....................... 133 3 USOS DO TERMO MULTICULTURALISMO E AS RELAÇÕES ÉTNICAS NA EDUCAÇÃO .................................................................................................................................. 136 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 140 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 143 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 144 TÓPICO 3 - O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA ....................................................................... 147 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 147 2 DIVERSIDADE, ALTERIDADE E EDUCAÇÃO .......................................................................... 147 3 DESAFIOS DO PROFESSOR EM RELAÇÃO À ALTERIDADE ............................................... 150 4 DESAFIOS DO PROFESSOR EM RELAÇÃO AO MULTICULTURALISMO ........................ 154 5 CAMINHOS PARA A DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ............................................... 160 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 162 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 165 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 166 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................ 169 1 UNIDADE 1 DIVERSIDADE E CIDADANIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS Esta unidade tem por objetivos: • compreender o conceito de diversidade e desigualdade social; • pensar como as ações afirmativas podem contribuir para contemplar a di- versidade cultural na sociedade e na educação; • reconhecer a representação de identidade e alteridade. Esta unidade está organizada em três tópicos. Em cada um deles você encontrará dicas, textos complementares, observações e atividades que lhe darão uma maior compreensão dos temas a serem abordados. TÓPICO 1 – DIVERSIDADE COMO DIREITO: A INCLUSÃO COMO GARANTIA DA IGUALDADE E DIGNIDADE DO INDIVÍDUO TÓPICO 2 – DIVERSIDADE COMO CONCEITO: CONCEPÇÕES E INTERPRETAÇÕES DE DIVERSIDADE E DE DESIGUALDADE TÓPICO 3 – DIVERSIDADE COMO PRÁTICA: MULTICULTURALISMO, ALTERIDADE E GESTÃO DEMOCRÁTICA Assista ao vídeo desta unidade. 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 DIVERSIDADE COMO DIREITO: A INCLUSÃO COMO GARANTIA DA IGUALDADE E DIGNIDADE DO INDIVÍDUO 1 INTRODUÇÃO Os direitos humanos foram criados para garantir aos cidadãos uma vida plena, ou seja, os direitos humanos garantem, pelo reconhecimento das leis, dos Estados e do povo, a cidadania através dos direitos civis, políticos e sociais. Dentre os direitos humanos está o direito à diversidade. O reconhecimento da diversidade social, cultural e econômica é uma parcela fundamental na construção da cidadania. Para compreender o direito à diversidade, este tópico será dedicado ao debate sobre a diversidade, as desigualdades e a inclusão no contexto da cidadania e da educação. 2 DIVERSIDADE E CIDADANIA Caro acadêmico, você já se perguntou quais características garantem a um cidadão o acesso aos direitos humanos? Ou ainda, quais são as barreiras que precisamos superar para garantir a todos o acesso aos direitos humanos? Observe a charge a seguir e reflita sobre essas questões. FIGURA 1 - DIREITOS E CIDADANIA FONTE: Disponível em: <https://blogdofialho.files. wordpress.com/2012/02/charge2011-titulo_de_ cidadao.jpg>. Acesso em: 20 ago. 2016. UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 4 A garantia dos direitos humanos requer um movimento de transformação social no sentido da construção de uma postura ética e da promoção da igualdade e respeito às diversidades. A ética emancipatória dos direitos humanos demanda transformação social, a fim de que cada pessoa possa exercer, em sua plenitude, suas potencialidades, sem violência e discriminação. É a ética que vê no outro um ser merecedor de igual consideração e profundo respeito, dotado do direito de desenvolver as potencialidades humanas, de forma livre, autônoma e plena. Enquanto um construído histórico, os direitos humanos não traduzem uma história linear, não compõem uma marcha triunfal, e tampouco uma causa perdida. Mas refletem, a todo tempo, a história de um combate, mediante processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana (PIOVESAN, 2008, p. 887). A igualdade e a postura ética, tão almejadas quando falamos em respeito aos direitos humanos, passam por diferentes níveis que demandam nossa atenção e reconhecimento. Podemos observar, no contexto social, que as diversidades se constituem em diferentes níveis. Dessa forma, a concepção de igualdade pode ser dividida em: igualdade formal; igualdade material em relação à justiça social; e igualdade material em relação ao respeito das diversidades. Destacam-se, assim, três vertentes no que tange à concepção da igualdade: a) a igualdade formal, reduzida à fórmula ‘todos são iguais perante a lei’ (que, ao seu tempo, foi crucial para abolição de privilégios); b) a igualdade material, correspondente ao ideal de justiça social e distributiva (igualdade orientada pelo critério socioeconômico); e c) a igualdade material, correspondente ao ideal de justiça enquanto reconhecimento de identidades (igualdade orientada pelos critérios de gênero, orientação sexual, idade, raça, etnia e demais critérios (PIOVESAN, 2008, p. 888). Caro(a) acadêmico(a), observe a interação dessas noções na figura a seguir. A promoção da igualdade requer atenção aos diferentes níveis, pois ela não se justifica por um único motivo. Especialmente no espaço da educação, os professores vivenciam diariamente em sala de aula experiências com sujeitos diversos – pela cultura, etnia, gênero, religião, classe social. Por essa razão, garantir a igualdade diante de tamanha diversidade é um desafio contínuo. TÓPICO 1 | DIVERSIDADE COMO DIREITO: AINCLUSÃO COMO GARANTIA DA IGUALDADE E DIGNIDADE DO INDIVÍDUO 5 FIGURA 2 - DIMENSÕES DA CONCEPÇÃO DE IGUALDADE FONTE: A autora Para alcançarmos tais ideais é essencial reconhecer a justiça em seu caráter bidimensional, que representa a redistribuição e o reconhecimento. A redistribuição representa a superação de desigualdades econômicas e o reconhecimento representa a superação dos padrões culturais de preconceitos e exclusão social em relação à diversidade (PIOVESAN, 2008). Em um contexto social que promova um movimento em direção à redistribuição e ao reconhecimento, as práticas devem incorporar e naturalizar as diferenças. Esse reconhecimento da diferença deve alimentar a postura igualitária e não reproduzir as desigualdades vigentes na sociedade (PIOVESAN, 2008). Visando as transformações mencionadas acima, se consolida no âmbito dos direitos humanos o universo das ações afirmativas. Essas ações propõem formas de reorganização social tendo como finalidade a promoção da igualdade e da justiça social em áreas em que predominam padrões de exclusão e desigualdade. Os debates e lutas direcionados aos direitos humanos remetem ao século XVII, porém, se consolidaram através da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 6 A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é um documento marco na história dos direitos humanos. Elaborada por representantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo, a Declaração foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948, através da Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral, como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações. Ela estabelece, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos. FONTE: A Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http:// www.dudh.org.br/declaracao/>. Acesso em: 28 ago. 2016. O direito à educação é reconhecido internacionalmente através da Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu vigésimo sexto artigo. Além de garantir o acesso gratuito – pelo menos no Ensino Fundamental –, a declaração prevê como objetivos da educação promover a expansão da personalidade humana, de sua liberdade e da compreensão, tolerância e amizade entre todas as nações. FIGURA 3 - ARTIGO 26º DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS FONTE: Adaptado de <http://www.humanrights.com/pt/what-are-human-rights/ universal-declaration-of-human-rights/articles-21-30.html>. Acesso em: 8 ago. 2016. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 prevê no artigo 205 a educação como direito de todos e dever do Estado; no artigo 206 o direito à inclusão e à educação infantil; e em seu artigo 208 prevê as garantias atribuídas como papel do Estado. IMPORTANT E Toda pessoa tem direita à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado, o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao esforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. Os pais têm um direito preferencial para escolher o tipo de educação que será dadas aos seus filhos. TÓPICO 1 | DIVERSIDADE COMO DIREITO: A INCLUSÃO COMO GARANTIA DA IGUALDADE E DIGNIDADE DO INDIVÍDUO 7 FIGURA 4 - ARTIGOS 205, 206 E 208 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL FONTE: Adaptado de: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_ docman&view=download&alias=430-constituicao-de- 1988&Itemid=30192>. Acesso em: 10 ago. 2016. Como reflexo da legislação vigente e do posicionamento do Estado brasileiro em relação à garantia da cidadania, as políticas educacionais brasileiras preveem o direito à diversidade e à inclusão. Tais direitos são reforçados nos documentos que orientam a elaboração dos currículos e as práticas educacionais no país. Estão presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), nas Diretrizes Nacionais para Educação (DCN) e na Política de Inclusão Social. Os PCN possuem um volume dedicado à pluralidade cultural e à orientação sexual. O volume apresenta a relevância dessas temáticas para a formação da cidadania e inclui a discussão sobre pluralidade cultural e orientação sexual como parte do currículo das escolas brasileiras. O direito à educação pública e de qualidade faz parte do legado das lutas sociais pela garantia dos direitos humanos. No cotidiano das escolas brasileiras, o acesso à educação de qualidade e sem distinção permanece cada vez mais presente nos discursos, avança em muitas práticas, porém está distante de alcançar os parâmetros estabelecidos pela legislação. Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 208. O dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia de: III atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos de idade Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola [...] UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 8 3 DIREITOS E CIDADANIA A garantia dos direitos civis, políticos e sociais na legislação, infelizmente, não reflete a realidade da grande maioria da população. Direitos são, na verdade, privilégios em uma sociedade em que a diversidade se converte em desigualdade e exclusão. Portanto, atualmente é possível afirmar que cidadania formal está distante da real. A cidadania ganhou espaço no debate social com a luta pelos direitos civis nos séculos XVII e XVIII. Os direitos civis estavam ligados à garantia da liberdade de expressão, da liberdade religiosa, de ir e vir, da propriedade privada e escolha de emprego. Os direitos passaram a ser incluídos nas legislações europeias, porém, a noção de cidadania vigente amparava as elites em detrimento do restante da população (MARSHALL, 1967). FIGURA 5 - MARTIN LUTHER KING – LIDERANÇA RECONHECIDA MUNDIALMENTE PELA LUTA PELOS DIREITOS CIVIS NOS ESTADOS UNIDOS FONTE: Disponível em: <https://umapalavra.files.wordpress. com/2008/04/mking.jpg>. Acesso em: 20 ago. 2016. Os direitos políticos foram consolidados ao longo do processo de formação do Estado moderno e a expansão da democracia. Podem ser vistos como desdobramentos da conquista dos direitos civis no século XVII, contudo, chegaram a boa parte dos países apenas no decorrer do século XX (MARSHALL, 1967). TÓPICO 1 | DIVERSIDADE COMO DIREITO: A INCLUSÃO COMO GARANTIA DA IGUALDADE E DIGNIDADE DO INDIVÍDUO 9 FIGURA 6 - MOVIMENTO DIRETAS JÁ! – REPRESENTA LUTA PELAS ELEIÇÕES DIRETAS NO BRASIL FONTE: Disponível em: <http://i0.statig.com.br/ bancodeimagens/bo/y3/65/ boy365zqjzk10prnc80q6kjer.jpg>. Acesso em: 20 ago. 2016. Por fim, apenas no século XX os direitos sociais passam a integrar o universo da cidadania através da garantia do acesso à saúde, educação, habitação, previdência, transporte coletivo, acesso ao Judiciário, lazer, entre outros (MARSHALL, 1967).FIGURA 7 - MOVIMENTO “REMOÇÃO – MEGAEVENTOS E MILITARIZAÇÃO” - LUTA PELO DIREITO À MORADIANO BRASIL FONTE: Disponível em: <https://memorialatinacupula.files. wordpress.com/2013/07/004.jpg?w=470&h=313>. Acesso em: 20 ago. 2016. Caro acadêmico, como mencionado no início do texto, a cidadania real está distante da realidade da grande maioria da população. Bittar (2004) descreve essa realidade ao avaliar a presença da cidadania na América Latina na virada do século XX para o XXI, pois a camada mais pobre da população não tem acesso pleno aos direitos civis e sociais. Em outras palavras: [...] a real identidade da palavra cidadania, com o acento que se quer conferir ao termo, reflete exatamente essas preocupações, significando, portanto, algo mais que simplesmente direitos e deveres políticos, e ganhando a dimensão de sentido segundo a qual é possível identificar nas questões ligadas à cidadania as preocupações em torno do acesso às UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 10 condições dignas de vida. Nessa perspectiva conceitual, o que se quer ver é que não é possível pensar em um povo capaz de exercer a sua cidadania de modo integral (no sentido político-jurídico) em que ela (no conceito aqui assumido) esteja plenamente alcançada e realizada em suas instâncias mais elementares de formação e implementação de estruturas garantidoras de bens, serviços, direitos, instituições e instrumentos de garantia da existência da vida e da dignidade (BITTAR, 2004, p. 18). É preciso, ainda, ressaltar a visão de senso comum da luta pela cidadania como garantia de privilégios àqueles que pela meritocracia não os alcançaram. Essa visão ignora as desigualdades promovidas pela estratificação social e as dívidas históricas, por exemplo, em relação à escravidão e questão dos afrodescendentes no Brasil. 4 A INCLUSÃO COMO PROMOÇÃO DA CIDADANIA E RESPEITO À DIVERSIDADE A diversidade representa muito mais que as múltiplas culturas, diferentes classes sociais e orientações sexuais. O debate sobre diversidade trouxe para as escolas de ensino regular novos sujeitos, até então restritos a outros espaços escolares. A política de inclusão tornou mais desafiador para educadores e gestores levar o discurso do respeito à diversidade para a prática. Contudo, a política de inclusão por si só não garante a inclusão como realidade nas escolas brasileiras. O caminho a ser percorrido coloca diante de nós, educadores, a superação de barreiras construídas ao longo de anos de exclusão e preconceito social. É importante uma parada para reflexão. A charge a seguir mostra que nossa sociedade não está preparada para a plena inclusão social. Quais são os desafios que você observa para a inclusão em nosso país, no seu estado, no município e no seu bairro? FIGURA 8 - INCLUSÃO SOCIAL FONTE: Disponível em: <https://linhaslivres.files. wordpress.com/2013/10/charge-do-rico- inclusc3a3o-social.jpg>. Acesso em: 25 ago. 2016. TÓPICO 1 | DIVERSIDADE COMO DIREITO: A INCLUSÃO COMO GARANTIA DA IGUALDADE E DIGNIDADE DO INDIVÍDUO 11 A inclusão escolar é um tema polêmico, especialmente quando consideramos a responsabilidade delegada ao professor em relação à inclusão. Mesmo que prevista na legislação e garantida na escola através das políticas educacionais, a inclusão permanece uma fonte de constantes discussões. Questionamentos a respeito do tema atravessam diálogos entre professores nos mais diversos momentos: como planejar para uma turma com sujeitos tão diferentes? Como atender tantos alunos ao mesmo tempo e incluir os alunos especiais? Tratar o aluno especial igual aos demais? Ou dar atenção especial a esses alunos? Simplesmente permitir que o aluno frequente a escola é o mesmo que incluir? No Brasil, há uma política de inclusão que norteia esses processos nas escolas, a concepção da política inclusiva aponta para a necessidade de superar a visão excludente do sujeito com necessidades especiais. Para alcançar esse propósito a inclusão é entendida como uma forma de repensar a educação e transformar a sociedade, ou seja, a inclusão é social, não é tarefa apenas para o professor em sala de aula, mas para toda a sociedade. A educação inclusiva deve atender a todos através de uma pedagogia voltada para a criança. O princípio é que as escolas devem acolher a todas as crianças, incluindo crianças com deficiências, superdotadas, de rua, que trabalham, de populações distantes, nômades, pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais, de outros grupos desfavorecidos ou marginalizados. Para isso, sugere que se desenvolva uma pedagogia centrada na relação com a criança, capaz de educar com sucesso a todos, atendendo às necessidades de cada um, considerando as diferenças existentes entre elas (MEC, 2005 apud PAULON; FREITAS; PINHO, 2005, p. 20). Dessa forma, a inclusão é fundamental para compreender a questão da diversidade na educação. Afinal, compreender a diversidade exige reconhecê-la em suas mais variadas expressões e incorporá-la ao cotidiano escolar numa prática pedagógica voltada para a construção da cidadania. LEITURA COMPLEMENTAR Pluralidade Cultural nos PCN Justificativa É sabido que, apresentando heterogeneidade notável em sua composição populacional, o Brasil desconhece a si mesmo. Na relação do país consigo mesmo, é comum prevalecerem vários estereótipos, tanto regionais quanto em relação a grupos étnicos, sociais e culturais. Historicamente, registra-se dificuldade para se lidar com a temática do preconceito e da discriminação racial/étnica. O país evitou o tema por muito tempo, sendo marcado por “mitos” que veicularam uma imagem de um Brasil homogêneo, sem diferenças, ou, em outra hipótese, promotor de uma suposta “democracia racial”. Na escola, muitas vezes, há UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 12 manifestações de racismo, discriminação social e étnica, por parte de professores, de alunos, da equipe escolar, ainda que de maneira involuntária ou inconsciente. Essas atitudes representam violação dos direitos dos alunos, professores e funcionários discriminados, trazendo consigo obstáculos ao processo educacional, pelo sofrimento e constrangimento a que essas pessoas se veem expostas. Movimentos sociais, vinculados a diferentes comunidades étnicas, desenvolveram uma história de resistência a padrões culturais que estabeleciam e sedimentavam injustiças. Gradativamente conquistou-se uma legislação antidiscriminatória, culminando com o estabelecimento, na Constituição Federal de 1988, da discriminação racial como crime. Mais ainda, há mecanismos de proteção e promoção de identidades étnicas, como a garantia, a todos, do pleno exercício dos direitos culturais, assim como apoio e incentivo à valorização e difusão das manifestações [...] Mesmo em regiões onde não se apresente uma diversidade cultural tão acentuada, o conhecimento dessa característica plural do Brasil é extremamente relevante, pois, ao permitir o conhecimento mútuo entre regiões, grupos e indivíduos, consolida o espírito democrático. Da mesma forma, tratar de aspectos referentes à discriminação social mesmo em locais onde as situações de exclusão não se manifestam diretamente ou pelo menos não de maneira dramática, permitirá formar a criança e o adolescente para a responsabilidade social de cidadão que participa dos destinos do país como um todo, direcionando a proposta para a busca de soluções. A demanda social existe há muito tempo, a urgência é inadiável [...]. A criança na escola convive com a diversidade e poderá aprender com ela. Frequentemente, contudo, as escolas acabam repercutindo, sem qualquer reflexão, as contradições que a habitam. A escola no Brasil, durante muito tempo e até hoje, disseminou preconceitode formas diversas. Conteúdos indevidos e até errados, notadamente presentes em livros que têm sofrido críticas fundamentadas, constituem assunto que merece constante atenção. Também contribuía para essa disseminação de preconceitos certa mentalidade que vinha privilegiar certa cultura, apresentada como a única aceitável e correta, como também aquela que hierarquizava culturas entre si, como se isso fosse possível, sem prejuízo da dignidade dos diferentes grupos produtores de cultura. Amparada pelo consenso daquilo que se impôs como se fosse verdadeiro, o chamado, criticamente, “mito da democracia racial”, a escola muitas vezes silencia diante de situações que fazem seus alunos alvo de discriminação, transformando-se facilmente em espaço de consolidação de estigmas [...]. O reconhecimento da complexidade que envolve a problemática social, cultural e étnica é o primeiro passo. Tal reconhecimento aponta a necessidade de a escola instrumentalizar-se para fornecer informações mais precisas para questões que vêm sendo indevidamente respondidas pelo senso comum, quando não ignoradas por um silencioso constrangimento [...] Do ponto de vista educacional, o que se busca é sobretudo a transformação de atitudes, e não a repetição de slogans. Do ponto de vista social, este tema vem TÓPICO 1 | DIVERSIDADE COMO DIREITO: A INCLUSÃO COMO GARANTIA DA IGUALDADE E DIGNIDADE DO INDIVÍDUO 13 das forças sociais e para elas retorna na possibilidade de parceria e recriação da proposta. Espera-se com isso colaborar na consolidação democrática do Brasil, prestando uma homenagem àqueles que constituíram e constituem este país, com suas vidas e seus trabalhos, suas histórias de sofrimentos e lutas, de conquistas e perdas, ressaltando que o patrimônio humano da nação é o bem maior a ser cuidado, protegido e promovido. FONTE: Parâmetros Curriculares Nacionais – vol. 10 Pluralidade Cultural. Disponível em: <http:// portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro101.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2015. Orientação Sexual no PCN Justificativa A discussão sobre a inclusão da temática da sexualidade no currículo das escolas de primeiro e segundo graus tem se intensificado a partir da década de 70 por ser considerada importante na formação global do indivíduo. Com diferentes enfoques e ênfases há registros de discussões e de trabalhos em escolas desde a década de 20. A retomada contemporânea dessa questão deu-se juntamente com os movimentos sociais que se propunham, com a abertura política, a repensar sobre o papel da escola e dos conteúdos por ela trabalhados. Mesmo assim não foram muitas as iniciativas, tanto na rede pública como na rede privada de ensino [...] As manifestações de sexualidade afloram em todas as faixas etárias. Ignorar, ocultar ou reprimir são as respostas mais habituais dadas pelos profissionais da escola. Essas práticas se fundamentam na ideia de que o tema deva ser tratado exclusivamente pela família. De fato, toda família realiza a educação sexual de suas crianças e jovens, mesmo aquelas que nunca falam abertamente sobre isso. O comportamento dos pais entre si, na relação com os filhos, no tipo de “cuidados” recomendados, nas expressões, gestos e proibições que estabelecem são carregados de determinados valores associados à sexualidade que a criança apreende [...] Não é apenas em portas de banheiros, muros e paredes que se inscreve a sexualidade no espaço escolar; ela “invade” a escola por meio das atitudes dos alunos em sala de aula e da convivência social entre eles [...] Sabe-se que as curiosidades das crianças a respeito da sexualidade são questões muito significativas para a subjetividade, na medida em que se relacionam com o conhecimento das origens de cada um e com o desejo de saber. A satisfação dessas curiosidades contribui para que o desejo de saber seja impulsionado ao longo da vida, enquanto a não satisfação gera ansiedade e tensão. A oferta, por parte da escola, de um espaço em que as crianças possam esclarecer suas dúvidas e continuar formulando novas questões contribui para o alívio das ansiedades que muitas vezes interferem no aprendizado dos conteúdos escolares. Se a escola que se deseja deve ter uma visão integrada das experiências vividas pelos alunos, buscando desenvolver o prazer pelo conhecimento, é necessário que ela reconheça que desempenha um papel importante na educação para uma sexualidade ligada à vida, à saúde, ao prazer e ao bem-estar que integra as diversas dimensões do UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 14 ser humano envolvidas nesse aspecto. O trabalho sistemático e sistematizado de Orientação Sexual dentro da escola articula-se, portanto, com a promoção da saúde das crianças e dos adolescentes [...]. O trabalho de Orientação Sexual também contribui para a prevenção de problemas graves, como o abuso sexual e a gravidez indesejada. As informações corretas aliadas ao trabalho de autoconhecimento e de reflexão sobre a própria sexualidade ampliam a consciência sobre os cuidados necessários para a prevenção desses problemas. Finalmente, pode-se afirmar que a implantação de Orientação Sexual nas escolas contribui para o bem-estar das crianças e dos jovens na vivência de sua sexualidade atual e futura. FONTE: Parâmetros Curriculares Nacionais. v. 10 Orientação Sexual. Disponível em: <http://portal. mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro102.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2015. Educação com qualidade social nas DNC Construir a qualidade social pressupõe conhecimento dos interesses sociais da comunidade escolar para que seja possível educar e cuidar mediante interação efetivada entre princípios e finalidades educacionais, objetivos, conhecimentos e concepções curriculares. Isso abarca mais que o exercício político-pedagógico que se viabiliza mediante atuação de todos os sujeitos da comunidade educativa, ou seja, efetiva-se não apenas mediante participação de todos os sujeitos da escola – estudante, professor, técnico, funcionário, coordenador –, mas também, mediante aquisição e utilização adequada dos objetos e espaços (laboratórios, equipamentos, mobiliário, salas-ambiente, biblioteca, videoteca, ateliê, oficina, área para práticas esportivas e culturais, entre outros) requeridos para responder ao projeto político- pedagógico pactuado, vinculados às condições/disponibilidades mínimas para se instaurar a primazia da aquisição e do desenvolvimento de hábitos investigatórios para construção do conhecimento. A escola de qualidade social adota como centralidade o diálogo, a colaboração, os sujeitos e as aprendizagens [...] A qualidade social da educação brasileira é uma conquista a ser construída coletivamente, de forma negociada, pois significa algo que se concretiza a partir da qualidade da relação entre todos os sujeitos que nela atuam direta e indiretamente. Significa compreender que a educação é um processo de produção e socialização da cultura da vida, no qual se constroem, se mantêm e se transformam conhecimentos e valores. Produzir e socializar a cultura inclui garantir a presença dos sujeitos das aprendizagens na escola. Assim, a qualidade social da educação escolar supõe encontrar alternativas políticas, administrativas e pedagógicas que garantam o acesso, a permanência e o sucesso do indivíduo no sistema escolar, não apenas pela redução da evasão, da repetência e da distorção idade-ano/série, mas também pelo aprendizado efetivo. FONTE: Diretrizes Curriculares Nacionais. Educação com qualidade social. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_ docman&view=download&alias=15547-diretrizes-curiculares-nacionais-2013-pdf- 1&Itemid=30192>. Acesso em: 15 ago. 2016. 15 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu que: • A conquista dos direitos humanos é resultado da luta de movimentos sociais que buscaram garantir o acesso de todos à cidadania.• A garantia dos direitos humanos requer o respeito às diversidades. • A igualdade pode ser concebida em três níveis: a igualdade formal, a igualdade material em relação à justiça social e a igualdade material em relação ao reconhecimento das identidades. • O direito à educação é reconhecido internacionalmente através do artigo 26º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. • O direito à educação no Brasil é previsto na Constituição Federal de 1988 como direito do cidadão e dever do Estado. • As políticas educacionais brasileiras preveem o direito à diversidade e à inclusão de todos os cidadãos. • A inclusão social é fundamental para o exercício da cidadania. • A educação inclusiva deve atender a todos através de uma pedagogia centrada no sujeito. 16 AUTOATIVIDADE 1 A política de inclusão é responsável por orientar as práticas pedagógicas voltadas para o respeito da diversidade e o exercício da cidadania. Considerando essa política, analise as afirmações e assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) A política de inclusão manteve o curso das ações pedagógicas existentes no país. b) ( ) A inclusão é uma forma de pensar a educação visando transformar o universo da escola. c) ( ) A inclusão é de responsabilidade do professor e deve ocorrer no espaço da sala de aula. d) ( ) A educação inclusiva supera a visão excludente do sujeito com necessidades especiais. 2 Os direitos humanos são contemplados pela cidadania formal e são garantidos pela legislação, porém, sua conquista foi resultado da luta de diversos movimentos sociais em diferentes momentos da história. Considerando os diferentes tipos de direitos humanos, classifique as afirmações utilizando o código a seguir: I – Direitos civis. II – Direitos políticos. III – Direitos sociais. ( ) Direitos consolidados no século XX, garantem o acesso à saúde, educação, moradia, previdência etc. ( ) Direitos ligados à liberdade de expressão conquistados ao longo dos séculos XVII e XVIII. ( ) Direitos consolidados ao longo da formação do Estado moderno a partir do século XVII, porém, chegaram à maioria dos países no século XX. Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência correta: a) ( ) I – III – II. b) ( ) III – I – II. c) ( ) II – III – I. d) ( ) III – II – I. 3 A igualdade pode ser considerada a partir de três categorias que representam o reconhecimento das diversidades e a superação das desigualdades e da exclusão social. A partir dessas categorias, analise as afirmações e classifique V para verdadeiras e F para falsas: 17 ( ) A igualdade material representa a fórmula todos são iguais perante a lei. ( ) A justiça social e distributiva representa a igualdade formal. ( ) A igualdade formal representou o fim de privilégios sociais. ( ) A igualdade material representa o reconhecimento das identidades. ( ) Os critérios de raça, etnia e gênero dizem respeito à igualdade material. Agora, assinale a alternativa que representa a sequência CORRETA: a) ( ) F – F – V – V – V. b) ( ) F – V – F – F – V. c) ( ) V – F – V – F – F. d) ( ) V – V – F – F – V. Assista ao vídeo de resolução da questão 2 Assista ao vídeo de resolução da questão 3 18 19 TÓPICO 2 DIVERSIDADE COMO CONCEITO: CONCEPÇÕES E INTERPRETAÇÕES DE DIVERSIDADE E DE DESIGUALDADE UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO O termo diversidade ganha espaço em diferentes abordagens e contextos sociais. A multiplicidade das relações sociais se constituiu ao longo do tempo como um campo fértil para debates teóricos e lutas dos movimentos sociais em busca de direitos e reconhecimento de suas identidades. Neste tópico você será apresentado às noções de diversidade e identidade em diversos contextos sociais e às principais categorias de diversidade – cultural, social, política, econômica, étnica, de gênero – que compõem o debate sobre educação e diversidade na atualidade. 2 DIVERSIDADE: CONCEITOS E ABORDAGENS Você já deve ter se deparado e feito uso do termo diversidade inúmeras vezes em seu cotidiano. Contudo, como compreender o conceito de diversidade? Qual o papel da diversidade na sociedade atual? Quais relações sociais são representadas pelos conceitos e abordagens que se referem à diversidade? Variadas são as reflexões que surgem diante de nós quando nos deparamos com a ideia de diversidade. FIGURA 9 - DIVERSIDADE FONTE: Disponível em: <http://semanadabiologiauffs. blogspot.com.br/p/minicursos-diversa.html>. Acesso em: 9 jul. 2016. UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 20 Podemos identificar no campo conceitual abordagens que remetem à diversidade a partir das noções de cultura, gênero, etnia, religião, deficiências, questões econômicas, entre outras. No Dicionário Aurélio o termo diversidade se refere à: “1. qualidade do diverso. 2. variedade (em oposição à identidade); multiplicidade”. Considerando o significado do termo é fundamental reconhecer que a sociedade é formada por indivíduos diversos e cabe à educação reconhecer e respeitar a diversidade, além de formar a cidadania baseada nesse princípio. Inicialmente, é importante destacar que debater a questão da diversidade não é tarefa simples. Nosso contexto social, seja pela legislação vigente, seja pelas consequências da globalização, apresenta-se num universo variado de indivíduos e relações sociais. Para iniciar nossos estudos, vamos observar como o antropólogo Clifford Geertz apresenta o debate da diversidade no cenário das mudanças sociais no âmbito da cultura, reconhecendo que os usos do conceito são desafiadores. Os usos da diversidade cultural, de seu estudo, sua descrição, análise e compreensão dependem menos de separarmos nós mesmos dos outros e os outros de nós para defesa da integridade do grupo e manutenção da lealdade do grupo do que de definir o terreno a ser percorrido pela razão se as suas modestas recompensas tiverem de ser alcançadas e apreciadas. Esse terreno é desigual, cheio de falhas repentinas e passagens perigosas onde acidentes podem acontecer e acontecem, e cruzá-lo, ou tentar, pouco ou nada faz para torná-lo seguro, nivelado e sem barrancos, mas apenas torna visível seus contornos e fissuras (GEERTZ, 1999, p. 29). Partindo da reflexão de Geertz (1999), sobre a cultura, reconhecemos os desafios de adentrar às discussões sobre diversidade e, ao mesmo tempo, a necessidade de seguir esse caminho para reconstruir as relações sociais em uma perspectiva inclusiva. A diversidade se apresenta de diferentes formas, podemos reconhecer elementos da diversidade nas relações sociais que envolvem cultura, identidade, gênero e estratificação social, por exemplo. A cultura é uma das noções mais presentes nas ciências humanas e podemos definir cultura como: As formas de vida dos membros de uma sociedade ou de grupos dentro da sociedade [...] aqueles aspectos da cultura que são antes aprendidos do que herdados. Esses elementos culturais são compartilhados por membros da sociedade e tornam possível a cooperação e a comunicação. Formam um contexto comum em que os indivíduos numa sociedade vivem suas vidas. A cultura de uma sociedade compreende tanto aspectos intangíveis – as crenças, as ideias e os valores que formam o conteúdo da cultura –, como também aspectos tangíveis – como objetos, os símbolos ou a tecnologia que representam esse conteúdo (GIDDENS, 2005, p. 38). A diversidade cultural encontra-se nas variações das práticas e dos comportamentos humanos, ou seja, vai além da variedade de elementos que TÓPICO 2 | DIVERSIDADE COMO CONCEITO: CONCEPÇÕES E INTERPRETAÇÕES DE DIVERSIDADE E DE DESIGUALDADE 21 compõem a cultura de um determinado grupo social. Além disso, é importante ressaltar que a cultura tem simultaneamente o papel de perpetuar os elementos culturais e promovera criatividade e as mudanças desses elementos (GIDDENS, 2005). Meu nome é Khan (2010). Direção de Karan Johar. O filme “My Name is Khan” conta a história de Rizvan Khan, um indiano com síndrome de Asperger, um tipo de autismo. Depois que se muda para os Estados Unidos, Khan se apaixona por Mandira, uma cabeleireira separada que vive com o filho Sameer (Sam). Khan é maometano e Mandira, hindu, mas suas diferenças religiosas não impedem que se casem. Os problemas começam com o 11 de setembro, quando passam a ser atacados por sua origem étnica e devido a generalizações preconceituosas. Depois de sofrer bullying por parte de colegas, Sam é morto em uma briga, e Mandira, revoltada, culpa o marido, e lhe diz que ele só poderia voltar depois que dissesse ao presidente da república que ele não é um terrorista, e que o filho dela também não era. Rizvan interpreta isso literalmente, e empreende uma peregrinação para ter sua esposa de volta. FONTE: Psicologia e cinema. Disponível em: <http://www.psicologiaecinema. com/2012/02/meu-nome-e-khanhtml>.Acesso em: 13 ago. 2016. DICAS UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 22 A boa mentira (2014). Direção de Phillipe Falardeau. Entre 1983 e 2005, durante os terríveis anos da Guerra Civil que assolou o Sudão, estima-se que mais de dois milhões de pessoas tenham perdido a vida. Em busca de abrigo, um sem-número de famílias deixou as suas casas e seguiu em direção a campos de refugiados. Devido à situação caótica em que viviam, perto de 27 mil crianças foram separadas dos pais, fazendo o trajeto sozinhas. Eram estes os "lost boys/girls", crianças de todas as idades que, fugindo aos perigos e, muitas vezes, acompanhadas pelos irmãos, percorriam milhares de quilômetros para alcançar os campos. Alguns anos mais tarde, um esforço humanitário levou para os EUA algumas destas crianças. 1993. Mamere e Theo são filhos do chefe de uma pequena aldeia no Sul do Sudão. Quando um ataque das milícias destrói toda a aldeia e lhes mata os pais, Theo é forçado a liderar um grupo de jovens sobreviventes e levá-los para um lugar seguro. Nesse árduo percurso, vão encontrando outras crianças em fuga. Entre elas está Jeremiah, de 13 anos, um rapaz inteligente e destemido que os ajuda a chegar com vida ao campo de refugiados de Kakuma, no Quênia. Anos mais tarde, Mamere, Theo e Jeremiah têm a oportunidade de deixar o campo e de se estabelecerem na América. Ao chegarem a Kansas City, no Missouri, são recebidos por Carrie Davis, que foi incumbida de os ajudar a retomar as suas vidas. Para ela, esta será uma oportunidade de perceber como a generosidade e o despojamento podem fazer realmente a diferença na vida de alguém. FONTE: Cinecartaz. Disponível em: <http://cinecartaz.publico.pt/Filme/338964_a- boa-mentira>. Acesso em: 13 ago. 2016. As variações culturais remetem à formação de diferentes características que formam as identidades sociais. A identidade social refere-se às características que são atribuídas a um indivíduo pelos outros. Elas podem ser vistas como marcadores que indicam quem, em um sentido básico, essa pessoa é. Ao mesmo tempo, esses marcadores posicionam essa pessoa em relação a outros indivíduos que compartilham dos mesmos atributos (GIDDENS, 2005, p. 44, grifos do original). A identidade social pode ser reconhecida através de várias características do sujeito. São exemplos de identidade social o estudante, a mãe, o advogado, o católico, o sem-teto, o asiático, o disléxico, o casado e assim por diante. Muitos indivíduos têm identidades sociais que compreendem mais do que um atributo. Uma pessoa poderia ser simultaneamente uma mãe, uma engenheira, muçulmana e uma vereadora (GIDDENS, 2005, p. 44). DICAS TÓPICO 2 | DIVERSIDADE COMO CONCEITO: CONCEPÇÕES E INTERPRETAÇÕES DE DIVERSIDADE E DE DESIGUALDADE 23 Diante do exposto, fica claro o desafio que essas relações significam para a educação. E, ao mesmo tempo, como a educação e a produção do conhecimento só podem ser construídas através do diálogo e do contato com o outro, com a dúvida e com as necessidades sociais que promovem as inovações. 3 OS DESAFIOS DA DIVERSIDADE NA ATUALIDADE As características que compõem as identidades sociais refletem as multiplicidades e as pluralidades sociais. Diante dessa pluralidade, grupos com identidades próximas se organizam pelas características comuns. Os movimentos sociais configuram uma poderosa forma de organização capaz de formar significados. Múltiplas identidades sociais refletem as muitas dimensões das vidas das pessoas. [...] As identidades sociais, portanto, envolvem uma dimensão coletiva. Elas marcam as formas pelas quais os indivíduos são ‘o mesmo’ que os outros. As identidades compartilhadas – baseadas em um conjunto de objetivos comuns, de valores ou de experiências – podem formar uma base importante para os movimentos sociais (GIDDENS, 2005, p. 44). Entretanto, a diversidade cultural e o reconhecimento das diversas identidades não significam que as relações sociais sejam harmônicas em nossa sociedade. Muito pelo contrário, diariamente observamos em nosso cotidiano ou nos noticiários situações de desigualdades, violência e conflitos sociais decorrentes do preconceito e da perspectiva etnocêntrica. O que é etnocentrismo? Etnocentrismo é uma visão do mundo em que o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade etc. Perguntar sobre o que é etnocentrismo é, pois, indagar sobre um fenômeno onde se misturam tanto elementos intelectuais e racionais quanto elementos emocionais e afetivos. No etnocentrismo, estes dois planos do espírito humano – sentimento e pensamento – vão juntos compondo um fenômeno não apenas fortemente arraigado na história das sociedades como também facilmente encontrável no dia a dia das nossas vidas. Assim, a colocação central sobre o etnocentrismo pode ser expressa como a procura de sabermos os mecanismos, as formas, os caminhos e razões, enfim, pelos quais tantas e tão profundas distorções se perpetuam nas emoções, pensamentos, imagens e representações que fazemos da vida daqueles que são diferentes de nós. Este problema não é exclusivo de uma determinada época nem de uma única sociedade. Talvez o etnocentrismo seja, dentre os fatos humanos, um daqueles de mais unanimidade. Como NOTA UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 24 uma espécie de pano de fundo da questão etnocêntrica temos a experiência de um choque cultural. De um lado, conhecemos um grupo do “eu”, o “nosso” grupo, que come igual, veste igual, gosta de coisas parecidas, conhece problemas do mesmo tipo, acredita nos mesmos deuses, casa igual, mora no mesmo estilo, distribui o poder da mesma forma, empresta à vida significados em comum e procede, por muitas maneiras, semelhantemente. Aí, então, de repente, nos deparamos com um “outro”, o grupo do “diferente” que, às vezes, nem sequer faz coisas como as nossas ou quando as faz é de forma tal que não reconhecemos como possíveis. E, mais grave ainda, este “outro” também sobrevive à sua maneira, gosta dela, também está no mundo e, ainda que diferente, também existe. FONTE: ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo? Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense: 1988. As desigualdades raciais fazem parte da formação histórica da sociedade brasileira. O modelo de desenvolvimento econômico, aliado à escravidão no período colonial, configuraram um padrão de exclusão social dos negros persistente até os dias de hoje. Podemos observar que tal padrão foi reproduzido mesmo diante da expansão damodernidade e do capitalismo no país (FERNANDES, 1973). Ainda segundo Fernandes (2008), há um mito da democracia racial no Brasil, pois a ideia de uma democracia racial foi utilizada para reafirmar uma idealizada relação harmoniosa entre brancos e não brancos. Esse mito fez com que a crença na meritocracia se consolidasse em relação à questão racial. Seguindo esse pensamento, cabe ao negro superar com seu esforço pessoal as contradições sociais. O contexto apresentado acima pode ser compreendido através da análise dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que demonstram a persistência da desigualdade racial apesar das conquistas sociais das últimas décadas. IBGE: mesmo com conquistas, desigualdade racial é alta Novos dados do Censo Demográfico 2010 divulgados pelo IBGE nesta quarta-feira, dia 17, mostram que a desigualdade racial diminuiu pouco no Brasil no que se refere à educação e renda. Os brancos, assim como no Censo de 2000, seguem recebendo salários mais altos e estudando mais que os negros (pretos e pardos). Essa realidade é mais acentuada na região Sudeste do país, onde os rendimentos recebidos pelos brancos correspondem ao dobro dos pagos aos pretos. A menor diferença é observada na região Sul, onde a população branca ganha 70% mais que aquela que se autodeclarou preta. A pesquisa mostra também que os brancos dominam o Ensino Superior no país e que ainda há diferenças relevantes na taxa de analfabetismo entre as categorias de cor e raça. Enquanto para o total da população a taxa de analfabetismo é de 9,6%, entre os brancos esse índice cai para 5,9%. Já entre pardos e pretos a taxa sobe para 13% e 14,4%, respectivamente. IMPORTANT E TÓPICO 2 | DIVERSIDADE COMO CONCEITO: CONCEPÇÕES E INTERPRETAÇÕES DE DIVERSIDADE E DE DESIGUALDADE 25 Outro dado revelado mostra que cerca de 70% da população brasileira tem relacionamentos amorosos com pessoas do mesmo grupo de cor ou raça. Entre os brancos, grupo mais “fechado”, 69,3% se unem a pessoas da mesma cor. Eles são seguidos pelos pardos, com 68,5%, indígenas (65%) e pretos (45,1%). Quanto à escolha de parceiros relacionada ao grau de escolaridade, a pesquisa revela que a maioria dos homens (82,9%) e das mulheres (85,3%) sem instrução ou com Ensino Fundamental incompleto se relacionam com pessoas com a mesma situação educacional. Em números gerais, 68,2% das pessoas uniram-se a outras de mesmo nível de instrução (em 2000, esse percentual era de 63%), sendo que 47% dos homens com diploma universitário escolhem parceiras com o mesmo grau de escolaridade. No caso das mulheres, o índice sobe para 51,2%. FONTE: Revista Brasileiros. IBGE: mesmo com conquistas, desigualdade racial é alta. Disponível em: <http://brasileiros.com.br/2012/10/ibge-mesmo-com- conquistas-desigualdade-racial-e-alta/>. Acesso em: 20 ago. 2016. A diversidade de gênero também é foco de estudo nas ciências humanas e, atualmente, o debate sobre a presença de tal temática nos currículos escolares vem ganhando espaço e gerando polêmica, em todo o Brasil. Essa temática será retomada na Unidade 3 – O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR – do caderno de estudos. A noção de gênero é socialmente construída e são atribuídos papéis e identidades diferentes para homens e mulheres na sociedade. Contudo, as divisões de gênero são carregadas de intencionalidade, dificilmente são concepções neutras, pois na grande maioria das sociedades representam formas de estratificação social: O gênero é um fator crucial na estruturação dos tipos de oportunidades e de chances de vida enfrentadas pelos indivíduos e por grupos, influenciando fortemente os papéis que eles representam dentro das instituições sociais, desde os serviços domésticos até o Estado. Embora os papéis de homens e mulheres variem de cultura para cultura, não há nenhuma instância conhecida de uma sociedade em que as mulheres são mais poderosas que os homens (GIDDENS, 2005, p. 107). A divisão entre homens e mulheres ainda permanece como característica marcante nos debates sobre diversidade. Observamos avanços consideráveis nas últimas décadas na luta pela igualdade de gênero. Porém, mesmo diante desses avanços, a desigualdade de gênero permanece como base para as desigualdades sociais (GIDDENS, 2005). ESTUDOS FU TUROS UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 26 A reflexão de gênero incorpora a dimensão da sexualidade e das influências sociais nos padrões de sexualidade. A heterossexualidade é o padrão de envolvimento emocional para a maioria das sociedades e configura, nesses casos, o fundamento do casamento e da família. Por outro lado, a homossexualidade faz parte de relações afetivas em todas as culturas (GIDDENS, 2005). Teoria Queer, o que é isso? Queer é uma palavra inglesa, usada por anglófonos há quase 400 anos. Na Inglaterra havia até uma “Queer Street”, onde viviam, em Londres, os vagabundos, os endividados, as prostitutas e todos os tipos de pervertidos e devassos que aquela sociedade poderia permitir. O termo ganhou o sentido de “viadinho, sapatão, mariconha, marimacho” com a prisão de Oscar Wilde, o primeiro ilustre a ser chamado de “queer”. Desde então, o termo passou a ser usado como ofensa, tanto para homossexuais, quanto para travestis, transexuais e todas as pessoas que desviavam da norma cis-heterossexual. Queer era o termo para os “desviantes”. Não há em português um sinônimo claro. Talvez, como propõe a professora Berenice Bento, possamos pensar o queer como “transviado”. Para saber mais sobre a teoria queer e suas implicações nas discussões de gênero, leia a reportagem completa no link abaixo. FONTE: Teoria Queer, o que é isso? Disponível em: <http://www.revistaforum. com.br/osentendidos/2015/06/07/teoria-queer-o-que-e-isso-tensoes-entre- vivencias-e-universidade/>. Acesso em: 12 ago. 2016. Diante desse contexto, observamos atitudes de intolerância em relação à homossexualidade construídas socialmente desde o passado. Somente nos últimos anos podemos observar que tabus vêm sendo desconstruídos: “a homossexualidade não é uma doença e não está distintamente associada com quaisquer formas de distúrbios psiquiátricos. Os homossexuais masculinos não estão limitados a nenhum setor ocupacional específico, como o de cabeleireiro, da decoração de interiores e das artes” (GIDDENS, 2005, p. 122). No entanto, persistem preconceitos em relação à questão de gênero e à sexualidade, por exemplo: “[...] como termos racismo e sexismo, o heterossexismo refere-se ao processo pelo qual as pessoas não heterossexuais são categorizadas e discriminadas em função de sua orientação sexual. A homofobia descreve um temor aos indivíduos homossexuais e também o desdém por eles” (GIDDENS, 2005, p. 122). A luta pela garantia de direitos e pelo reconhecimento legal permitiu uma maior normalização da homossexualidade. Tais lutas garantiram o reconhecimento em vários países da união homoafetiva reconhecida pelo Estado. Contudo, a luta da maior parte dos ativistas é pelo reconhecimento da normalidade, o direito de serem reconhecidos como pessoas normais (GIDDENS, 2005). DICAS TÓPICO 2 | DIVERSIDADE COMO CONCEITO: CONCEPÇÕES E INTERPRETAÇÕES DE DIVERSIDADE E DE DESIGUALDADE 27 Hoje eu quero voltar sozinho (2014). Direção de Daniel Ribeiro. O premiado filme de Daniel Ribeiro poderia ser apenas mais uma obra sobre o despertar da sexualidade na adolescência, se não fosse por duas importantes variantes: Léo, o protagonista, é cego e começa a gostar de Gabriel, um estudante de sua sala, de quem se torna amigo. Claudia Mogadouro selecionou o filme em sua lista de 15 filmes nacionais para crianças e adolescentes verem em cada momento do desenvolvimento. Segundo a especialista, é uma boa obra para passar para estudantes do Ensino Médio. “O tema da homossexualidade pode trazer nervosismoe, com isso, piadas de mau gosto. Sem reprimi-las, sugere-se que as aproveite para discutir a homofobia em nossa cultura. O filme também trata do desejo de autonomia em relação aos pais, o que é comum entre os adolescentes. Mas a deficiência visual de Léo potencializa esse problema, dando a oportunidade de se discutir a relativa e crescente autonomia que os adolescentes vão conquistando à medida que amadurecem”. FONTE: 13 filmes para debater diversidade sexual e de gênero. Disponível em: <http://educacaointegral.org.br/ noticias/filmes-para-debater- diversidade-sexual-de-genero/>. Acesso em: 12 ago. 2016. A estratificação social e, consequentemente a diversidade, podem ser configuradas pela situação econômica de um determinado grupo. As classes sociais são responsáveis pela estratificação econômica em nossa sociedade (GIDDENS, 2005). Podemos definir uma classe como um agrupamento, em larga escala, de pessoas que compartilham recursos econômicos em comum, os quais influenciam profundamente o tipo de estilo de vida que podem levar. A posse de riquezas, juntamente com a profissão, são as bases principais das diferenças de classe (GIDDENS, 2005, p. 234). A divisão da sociedade capitalista em classes, comumente conhecida como classe alta, classe média e classe baixa, conforma uma realidade de exclusão social dos mais pobres. A exclusão social diz respeito às formas pelas quais os indivíduos podem acabar isolados, sem um envolvimento integral na sociedade mais ampla. DICAS UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 28 Mais abrangente que o conceito de classe baixa, tem ainda vantagem de enfatizar os processos – mecanismo de exclusão. Por exemplo, pessoas que moram em um conjunto habitacional dilapidado, com escolas de baixa qualidade e poucas chances de emprego no local, podem não encontrar efetivamente as oportunidades de autoaperfeiçoamento da maioria das pessoas na sociedade (GIDDENS, 2005, p. 265). Além da diferenciação em relação ao termo classe baixa, a noção de exclusão social também contribui para identificar relações além da noção de pobreza: “Também é diferente da pobreza propriamente dita, concentrando sua atenção sobre uma ampla variedade de fatores que impedem que os indivíduos ou os grupos tenham as mesmas oportunidades que estão abertas para a maioria da população” (GIDDENS, 2005, p. 234). A exclusão social pode ser consequência de diferentes relações sociais. As relações de exclusão e inclusão podem ser compreendidas como econômicas, políticas ou sociais. FIGURA 10 - TIPOS DE EXCLUSÃO SOCIAL FONTE: Giddens (2005, p. 265-267) Exclusão econômica: Indivíduos e comunidades podem ser excluídos da economia no que diz respeito à produção e ao consumo. Quanto ao aspecto da produção, o emprego e a participação no mercado de trabalho são centrais para a inclusão. [...] A exclusão da economia também pode se dar em termos de padrões de consumo, ou seja, com relação ao que as pessoas adquirem, consomem e utilizam na sua vida diária. Exclusão política: A participação popular e contínua na política é o alicerce dos estados democráticos liberais. Os cidadãos são estimulados a manterem uma atitude consciente quanto às questões políticas, a levantarem sua voz em apoio ou em protesto, a contarem com seus representantes eleitos para assuntos importantes, e a participarem do processo político em todos os níveis. Porém, uma participação política ativa pode estar fora do alcance dos indivíduos socialmente excluídos, a quem podem faltar informações, as oportunidades e os recursos necessários para o envolvimento no processo político. Exclusão social: A exclusão também pode ser sentida no domínio da vida social e comunitária. Áreas que sofram de um alto grau de exclusão social podem contar com instalações comunitárias limitadas, como parques, quadras de esportes, centros culturais e teatros. Os níveis de participação cívica são muitas vezes baixos. Além disso, famílias e indivíduos excluídos podem ter menos oportunidades de lazer, viagens e atividades fora de casa. A exclusão social também pode significar uma rede social limitada ou frágil, que leva ao isolamento e ao contato mínimo com os outros. TÓPICO 2 | DIVERSIDADE COMO CONCEITO: CONCEPÇÕES E INTERPRETAÇÕES DE DIVERSIDADE E DE DESIGUALDADE 29 A exclusão social no Brasil decorre de um contexto mais amplo que compõe a origem do povo brasileiro, pois nossa formação histórica é resultado de um processo de exclusão social construído pela imigração europeia, pela escravidão e tráfico dos escravos. Essas características tornaram problemática a dimensão da cidadania no país (BITTAR, 2004). Podemos observar que as relações sociais que fomentam as desigualdades descritas até esse momento refletem as formas como diferentes indivíduos se relacionam e como veem o outro. Preste atenção na música a seguir, analise a mensagem que ela transfere. O Homem Que Não Tinha Nada (part. Negra Li) - Projota O homem que não tinha nada acordou bem cedo Com a luz do Sol já que não tem despertador Ele não tinha nada, então também não tinha medo E foi ‘pra’ luta como faz um bom trabalhador O homem que não tinha nada enfrentou o trem lotado Às sete horas da manhã com sorriso no rosto Se despediu de sua mulher com um beijo molhado ‘Pra’ provar do seu amor e pra marcar seu posto O homem que não tinha nada tinha de tudo Artrose, artrite, diabetes e o que mais tiver Mas tinha dentro da sua alma muito conteúdo E mesmo sem ter quase nada ele ainda tinha fé O homem que não tinha nada tinha um trabalho Com um esfregão limpando aquele chão sem fim Mesmo que alguém sujasse de propósito o assoalho Ele sorria alegremente, e dizia assim O ser humano é falho, hoje mesmo eu falhei Ninguém nasce sabendo, então me deixe tentar (me deixe tentar) O ser humano é falho, hoje mesmo eu falhei Ninguém nasce sabendo (ninguém), então me deixe tentar O homem que não tinha nada tinha Marizete Maria Flor, Marina, Mário, que era o seu menor Um tinha nove, uma doze, outra dezessete A de quarenta sempre foi o seu amor maior O homem que não tinha nada tinha um problema Um dia antes mesmo foi cortada a sua luz Subiu no poste experiente, fez o seu esquema Mas à noite reforçou o pedido ‘pra’ Jesus ATENCAO UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 30 O homem que não tinha nada seguiu a sua trilha Mesmo caminho, mesmo horário, mas foi diferente Ligou ‘pra’ casa ‘pra’ dizer que amava sua família Achou que ali já pressentia o que vinha na frente O homem que não tinha nada Encontrou outro homem que não tinha nada Mas este tinha uma faca Queria o pouco que ele tinha, ou seja, nada Na paranoia, ‘noia’ que não ganha te ataca O homem que não tinha nada agora já não tinha vida Deixou ‘pra’ trás três filhos e sua mulher O povo queimou pneu, fechou a avenida E escreveu no asfalto "saudade do Josué" O ser humano é falho, hoje mesmo eu falhei Ninguém nasce sabendo, então me deixe tentar (me deixe tentar) O ser humano é falho, hoje mesmo eu falhei Ninguém nasce sabendo (ninguém), então me deixe tentar Então me deixe tentar Então me deixe tentar Então me deixe tentar Além disso, frequentemente, as ações sociais têm sido marcadas por discursos que formam imperativos antiéticos, como: 1. “você deve concorrer e ser vencedor, preferencialmente o melhor, eliminando os demais”; 2. “você deve agir segundo seus interesses individuais, pois nunca compensa pensar nos interesses alheios”; 3. “você deve tomar cuidado com estranhos, desconhecidos e não identificados”; 4. “você deve lutar muito para se afirmar em sociedade”; 5. “você deve se relacionar somente com gente
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