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Marx: trabalho, criação e dominação Para a concepção materialista da história de Marx, o trabalho é a base central da sociedade e do homem. O que distingue o homem dos animais é a sua capacidade de produzir seu próprio estilo de vida; do modo como os homens produzem depende o que eles são. Tudo aquilo que se dá ao conhecimento por meio dos sentidos, do mais simples objeto ao mais complexo, “da cerejeira trazida de outros lugares às fábricas que agora ocupam lugares antes vazios”, as transformações da ordem econômica, também as da ordem social, as do próprio indivíduo, tudo é resultado da atividade do homem, do seu trabalho; tudo se constrói, ao longo do tempo, através das gerações; o mundo é histórico e o trabalho é a base dessa história do homem. Portanto, o modo como o trabalho dos homens se organiza na sociedade, isto é, o modo de produção, é o conceito central do materialismo histórico e, por isso, o curso da evolução social é pensado por Marx como uma sucessão ordenada de modos de produção (MARX; ENGELS, 1984). Um modo de produção se caracteriza: pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas, que compreendem a força de trabalho (produtores), o conhecimento técnico (propicia novos meios de trabalho que aumentam a produtividade) e organizativo (propicia a mobilização, a qualificação e a coordenação da força de trabalho) e em correspondência; pelas relações de produção, significando “as instituições e os mecanismos” que determinam de que forma a força de trabalho é combinada aos meios de produção. No caso da sociedade capitalista, por exemplo, em que o capitalista tem a propriedade dos meios de produção, estando, portanto, o trabalhador deles separados, o acesso aos meios de trabalho se dá pelo trabalho assalariado. Têm-se aí as duas classes fundamentais: burguesia e trabalhador. No caso das sociedades antigas, as relações eram de escravidão e, na sociedade feudal, de servidão. Pode-se dizer que as relações de produção são a expressão da distribuição do poder social (HABERNAS, 1981). Você notou que o trabalho é atividade produtora do homem, da sua vida e da sua história e, ao mesmo tempo, trabalho alienado, organizado segundo uma divisão de trabalho que subordina o próprio homem, regulado segundo relações de produção desiguais e excludentes? Ou seja, que é, ao mesmo tempo, práxis criadora e práxis de dominação, fonte de riqueza, mas também de exploração e dominação? A mesma divisão do trabalho que permite um modo de cooperação dos indivíduos e os fortalece – os indivíduos se relacionam e sempre cooperam uns com os outros no processo produtivo – condiciona também a divisão desigual de riqueza, estabelece uma contradição entre o interesse particular e o interesse geral. Esta relação cria uma “consolidação” da estrutura organizativa do trabalho, “uma força objetiva”, acima de todos, que os subordina e se lhes configura como alheia, e não se deixa ver por eles como a força resultante do processo de cooperação de que cada um é parte (MARX; ENGELS, 1984). Isso ocorre em todas as sociedades. No caso das sociedades capitalistas, a base dessa organização é a mercadoria, “célula econômica da sociedade burguesa” (MARX, 1980a), que permite a ocultação das verdadeiras relações estabelecidas entre os homens na sua atividade produtiva, que então passam a ser percebidas apenas como relações entre coisas. A mercadoria disfarça o fato de que seu valor no mercado corresponde ao trabalho necessário para ser produzida, assim como a relação estabelecida entre os produtores – com ela fica oculta a expropriação de trabalho excedente, necessário para formar o capital. A isso se dá o nome fetichismo da mercadoria, que é uma forma de dominação ideológica, cuja base é material e sustentada na própria esfera econômica. O desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção se relacionam dialeticamente: num determinado nível do seu desenvolvimento, as forças produtivas entram em contradição com as relações de produção – e entram em contradição pelo fato de, com a divisão de trabalho em vigência, a produção e a distribuição da riqueza caberem a indivíduos ou grupos sociais diferentes. As relações de produção deixam de ser a expressão do estágio tecnológico e organizativo em que se encontram as forças produtivas e passam antes a aprisioná-las e impedir seu avanço: as “relações de produção se transformam em seus grilhões” (MARX, 1978a). A única forma de superar a contradição entre desenvolvimento das forças produtivas e relações de produção passa pela superação da divisão desigual do trabalho e a consequente revolução das relações de produção. “Sobrevém, então, uma época de revolução social” (MARX, 1978a). A contradição entre trabalho como práxis criadora e práxis de dominação se resolve como práxis emancipatória, como revolução! As classes sociais se constituem pela sua inserção na produção material e representam as relações de produção vigentes. Com o desenvolvimento das forças produtivas e o consequente desenvolvimento da consciência, a classe trabalhadora que incorpora o papel de produtora da riqueza, sendo dela excluída – e que suporta “todos os fardos da sociedade sem gozar das vantagens” – constitui-se como sujeito da transformação social, portanto, da emancipação, unicamente possível pela revolução, que derruba a classe dominante e ensina a classe revolucionária a construir uma sociedade nova. “As classes sociais são o motor da história”, e a história é sempre “a história das lutas de classes” – foi assim com a burguesia, responsável pela superação do feudalismo; é assim com o proletariado, responsável pela superação do capitalismo: é a sociabilidade própria do trabalho, geradora das relações intersubjetivas, por consequência, da vontade coletiva capaz de transformar o mundo (MARX, 1978b; 1980b, 1984). No âmbito da saúde, uma atuação condizente com o materialismo histórico implicaria a necessidade de se extrapolarem os limites biomédicos para alcançar atuação mais ampla sobre os determinantes sociais de saúde e produzir sua transformação. Não por acaso, a abordagem da violência pelo setor saúde, nos dias atuais, passa principalmente pelas orientações da Política Nacional de Promoção de Saúde, promulgada no país, em 2006, e revista em 2014.
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