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A REPRODUÇÃO DO CAPITAL DO PONTO DE VISTA DA CATEGORIA “CAPITAL SOCIAL TOTAL”1 Wendell Magalhães2 Marx assinala que o ciclo do capital monetário (D-M...P...M’-D’)3, pela sua especificidade de apontar a essência da relação capital como valor que busca sempre sua autovalorização, pode representar o capital social total4. Osorio (2012), por sua vez, nos diz que a perspectiva do capital social deve ser integrada com o estudo dos ciclos do capital. Como, neste estudo, Osorio (2012) aponta que sua principal limitação, no que diz respeito à análise da reprodução do capital, é não incorporar o lucro e os processos que conduzem à queda da taxa de lucro – pois, com isso, consequentemente, não incorporam as crises do modo de produção capitalista e, assim, não podem lidar também com a crise dos padrões de reprodução e suas necessárias substituições pelo capital de tempos em tempos –, a perspectiva do capital social, da feita que supera essas limitações incorporando tais temáticas, não só se mostra alvissareira, mas como imprescindível de se integrar à análise dos ciclos do capital, se quisermos entender a relação capital do ponto de vista da totalidade de sua reprodução. Nesse sentido, a perspectiva do capital social, ao mesmo tempo que desce o nível de abstração e incorpora formas mais concretas que o capital assume, assim como sua diversidade, também nos traz elementos conceituais como lucro, taxa de lucro, taxa de lucro média e lucro extraordinário. O primeiro é visto como forma de expressão concreta do mais-valor e a taxa de lucro como o mais-valor (m) em relação ao capital total adiantado (c+v = C), ou seja, a taxa de lucro é igual a m/c+v, no que se percebe que aí já se oculta a 1 Este escrito está pautado na pesquisa exposta em minha dissertação de mestrado, intitulada Do padrão de reprodução do capital nas economias dependentes: a Teoria Marxista da Dependência e a construção de uma categoria de mediação de análise (2019). 2 Bacharel e Mestre em Economia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). 3 Para Marx, o ciclo do capital monetário “é a forma de manifestação mais unilateral e, por isso, a mais palpável e mais característica do ciclo do capital industrial, cuja finalidade e motivo propulsor – a valorização do valor, o ato de fazer dinheiro e a acumulação – apresentam-se aqui numa forma evidente” (MARX, [1885] 2014, p. 138). 4 O capital social total, em contraste com os capitais individuais que compõem os diferentes ciclos do capital, é o capital concebido em sua totalidade e que terá seu movimento melhor detalhado na seção III do Livro II d’O Capital, sob o título dado por Engels de A Reprodução e a circulação do Capital Social Total. Ali diz Marx que “Cada capital singular, no entanto forma apenas uma fração autonomizada do capital social total – uma fração dotada, por assim dizer, de vida individual –, assim como cada capitalista singular não é mais que um elemento individual da classe capitalista. O movimento do capital social consiste da totalidade dos movimentos de suas frações autonomizadas, das rotações dos capitais individuais.” (MARX, [1985] 2014, p. 449). verdadeira natureza do mais-valor que é o capital variável v, dado que a equação dá a impressão de que o conjunto do capital adiantado é o responsável pelo mais-valor que, ao capitalista, aparece como lucro.5 A taxa de lucro média, por sua vez, se estabelece através da concorrência dos diversos capitais sociais que conformam um ramo de produção particular do capital e que, em competição, tendem a igualar suas taxas de lucro formando uma taxa de lucro média (l’). Esta, somada aos preços de custo das mercadorias (c+v) de cada capital social com diferentes composições orgânicas, resulta em preços de produção diferenciados somente segundo a magnitude de cada capital.6 Através desse mecanismo, os capitais com composições orgânicas maiores ganham vantagem ao se apropriarem de taxas de lucro acima daquelas que lhes corresponderiam efetivamente, a princípio, dado seu gasto maior em capital constante (capital este, segundo Marx, que não gera valor, pois somente o transfere na medida do custo necessário para sua própria produção) em relação ao seu capital variável. Ou seja, capitais que produzem com uma composição orgânica maior, mesmo que isso implique numa produção menor de mais-valor devido ao menor emprego relativo de capital variável, se apropriam de uma maior massa de mais-valor provinda daqueles capitais com composição orgânica menor e que, por isso, produzem uma maior quantidade de mais-valor proporcionalmente. Tal situação se verifica através do lucro médio que nivela a rentabilidade dos capitais segundo sua magnitude e não segundo sua composição orgânica.7 A inversão maior em capital constante também será responsável pelo surgimento do lucro extraordinário da feita que aumenta a produtividade e diminui o preço de mercado das mercadorias abaixo da média ordinária, ou seja, tornam-se capazes de venderem suas mercadorias abaixo do preço de produção e deslocam a concorrência que não for capaz de fazer o mesmo, apropriando-se de um lucro acima do lucro médio, ou seja, de um lucro 5 O desenvolvimento melhor e mais aprofundado desse assunto encontra-se na seção I d’O Capital III, intitulada A transformação do mais-valor em lucro e da taxa de mais-valor em taxa de lucro. 6 Como Marx diz, “quando um capitalista vende sua mercadoria a seu preço de produção, ele retira dinheiro em proporção à grandeza de valor do capital por ele consumido na produção e extrai lucro em proporção ao seu capital adiantado, como mera alíquota do capital social total. Seus preços de custo são específicos. O acréscimo de lucro a esse preço de custo [porém,] independe de sua esfera particular de produção, pois constitui simplesmente a média percentual de capital adiantado.” (MARX, [1894] 2017, p. 193). 7 Todo esse processo e os mecanismos que ele envolve estão melhores detalhados na seção II d’ O Capital III intitulada A transformação do lucro em lucro médio, mais especialmente em seu capítulo 9 denominado Formação de uma taxa geral de lucro (taxa média de lucro) e transformação dos valores das mercadorias em preços de produção. extra ou também chamado extraordinário.8 No que se refere ao desenvolvimento da categoria padrão de reprodução do capital, tais fenômenos e processos que os envolvem devem nos servir como fornecedores de pistas a respeito da força diferenciada entre capitais; e das vantagens em termos de mais-valor garantidas para aqueles capitais que se constituam em eixos da acumulação sob padrões determinados. Sobre o estudo dos ciclos do capital, portanto, se conclui que, dada sua limitação de análise no que diz respeito ao aspecto material da valorização do capital, ou seja, à dimensão espaço-tempo absoluta da produção de valores de uso; e dada a sua não incorporação da categoria lucro e, por conseguinte, do fenômeno de tendência de queda das taxas de lucro no capitalismo, assim como de suas crises, ele não se faz suficiente, apesar de ser uma etapa necessária, para a fundamentação da categoria padrão de reprodução do capital e sua aplicação na análise concreta de um padrão determinado. É preciso, segundo Osorio (2012), que se incorpore elementos a esta análise que, a partir do que já foi já detalhado, nos informem diante de um padrão de reprodução do capital determinado: a procedência do dinheiro que se investe (estatal, privado nacional ou privado estrangeiro); o tipo de máquinas e ferramentas que se empregam; os mercados em que se adquire; o nível de preparação requerido da força de trabalho; as formas de organização da produção (linhas de montagem, círculos de qualidade, trabalho domiciliar etc.); os valores de uso que se produzem; a quais mercados correspondem (bens-salário, bens suntuáriosou bens de capital); as economias a que se dirigem os produtos; o mais-valor, o lucro e sua repartição (quanto regressa às matrizes como lucro, quanto é pago por tecnologias e patentes, quanto fica na economia local etc.); dentre outros pontos relevantes. REFERÊNCIAS MAGALHÃES, W. C. Do padrão de reprodução do capital nas economias dependentes: a Teoria Marxista da Dependência e a construção de uma categoria de mediação de análise. 2019. 182 f. Dissertação (Mestrado em Economia) – Programa de Pós-Graduação em Economia, Universidade Federal do Pará, Belém, 2019. MARX, K. [1867]. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. MARX, K. [1885]. O Capital: crítica da economia política, Livro II: o processo de circulação do capital. São Paulo: Boitempo, 2014. 8 Sobre o lucro extraordinário ou lucro extra (a depender da tradução com que se trabalhe), ver o capítulo 10 d’O capital III de Marx ([1894] 2017), intitulado Equalização da taxa geral de lucro por meio da concorrência. Preços de mercado e valores de mercado. Lucro extra. MARX, K. [1894]. O Capital: crítica da economia política, Livro III: o processo global da produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017. OSORIO, J. Padrão de reprodução do capital: uma proposta teórica. In: FERREIRA, Carla; OSORIO, Jaime; LUCE, Mathias Seibel (Orgs.). Padrão de reprodução do capital: contribuições da Teoria Marxista da Dependência. São Paulo: Boitempo Editorial, 2012.
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