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413Rev Bras Med Esporte – Vol. 24, No 6 – Nov/Dez, 2018 RESUMO Introdução: Apesar de o processo de perda ponderal rápida ser realizado por atletas de esporte de combate com muita frequência, os impactos dessa prática sobre a saúde cardiovascular não estão totalmente esclare- cidos. Objetivo: Verificar os efeitos do processo de perda ponderal rápida realizado pelos atletas de esportes de combate sobre parâmetros hemodinâmicos, modulação autonômica cardiovascular e estado de humor. Métodos: Foram avaliados oito lutadores do sexo masculino (21,62 ± 1,49 anos, 71,25 ± 3,54 kg, 1,74±0,03 cm) na cidade de São Paulo. Os sujeitos tinham 5,37 ± 0,77 anos de prática, treinavam 5,75 ± 0,45 dias por semana, durante 3,05 ± 0,69 horas por dia. Os atletas foram avaliados em duas oportunidades: 14 dias e 1 dia antes da pesagem. Foram realizadas avaliações de massa corporal, altura e bioimpedância para análise da composição corporal. O estado de humor foi avaliado pela da escala de humor de Brums. A pressão arterial foi aferida em repouso com medidor digital. A modulação autonômica cardiovascular foi obtida pela análise de variabilidade da frequência cardíaca gravada durante 25 minutos em repouso. Para a comparação entre os momentos, foi utilizado teste t de Student para amostras dependentes. Os valores de p < 0,05 foram considerados significativos. Resultados: Não foram observadas diferenças na composição corporal entre os momentos avaliados. Após a estratégia de perda ponderal, foram observados aumentos dos parâmetros de humor relacionados às categorias raiva, vigor e fadiga. A pressão arterial não se alterou entre os momentos avaliados. Entretanto, verificou-se aumento da frequência cardíaca associado à maior modulação simpática após a estratégia de perda ponderal. Os parâmetros de modulação autonômica representativos de atividade parassimpática não apresentaram diferenças. Conclusões: Houve maior risco cardiovascular nos atletas em decorrência dessa prática de perda ponderal rápida, o que é muito preocupante, tendo em vista que os atletas de esportes de combate repetem esse processo várias vezes durante a vida. Nível de Evidência IV; Tipo de estudo: Série de casos. Descritores: Perda de peso; Sistema nervoso simpático; Artes marciais. ABSTRACT Introduction: Although the rapid weight loss process is undertaken by combat sports athletes very often, the impact of this practice on cardiovascular health is not fully understood. Objective: To verify the effects of the rapid weight loss process undertaken by combat sports athletes on hemodynamic parameters, cardiovascular autonomic modulation and mood state. Methods: Eight male fighters (21.62±1.49 years, 71.25±3.54 kg, 1.74±0.03 cm) were assessed in the city of São Paulo. The subjects had 5.37±0.77 years of practice and were training 5.75±0.45 days per week, for 3.05±0.69 hours per day. The athletes were assessed on 2 occasions: 14 days before and 1 day before official weigh-in. Weight, height and bioimpedance were used for body composition analysis. Mood state was assessed using the Brums Mood Scale. Blood pressure was measured at rest with a digital meter. Cardiovascular autonomic modulation was obtained through an analysis of heart rate variability recorded for 25 minutes at rest. The Student’s t-test for dependent samples was used for comparison between time points. Values of p<0.05 were considered significant. Results: No differences in body composition were observed between the time points evaluated. After the weight loss strategy, increases in mood state parameters related to anger, vigor and fatigue categories were observed. Blood pressure did not change between the time points evaluated. However, an increase in heart rate associated with greater sympathetic modulation was observed after the weight loss strategy. There were no differences in autonomic modulation parameters representing parasympathetic activity. Conclusions: The study provided evidence of a higher cardiovascular risk in athletes as a result of this rapid weight loss practice, which is very concerning since combat sports athletes repeat this process several times during their lives. Level of Evidence IV; Study type: Case series. Keywords: Weight loss; Sympathetic nervous system; Martial arts. RESUMEN Introducción: A pesar de que el proceso de pérdida ponderal rápida sea realizado por atletas de deporte de combate con mucha frecuencia, los impactos de esta práctica sobre la salud cardiovascular no están totalmente aclarados. Objetivo: Verificar los efectos del proceso de pérdida ponderal rápida realizado por los atletas de deportes de combate AUMENTO DA MODULAÇÃO CARDÍACA SIMPÁTICA DEPOIS DE PERDA PONDERAL EM ATLETAS DE COMBATE CARDIAC SYMPATHETIC MODULATION INCREASE AFTER WEIGHT LOSS IN COMBAT SPORTS ATHLETES AUMENTO DE LA MODULACIÓN CARDÍACA SIMPÁTICADESPUÉS DE LA PÉRDIDA PONDERAL EN ATLETAS DE COMBATE Bruno do Nascimento-Carvalho1 (Profissional de Educação Física) Miguel Angel Condori Mayta1 (Profissional de Educação Física) João Eduardo Izaias1 (Graduando em Educação Física) Marcio Roberto Doro1 (Profissional de Educação Física) Katia Scapini1 (Fisioterapeuta) Erico Caperuto1 (Profissional de Educação Física) Juliana Valente Francica Grilletti1 (Fisioterapeuta) Iris Callado Sanches1 (Profissional de Educação Física) 1. Universidade São Judas Tadeu, Laboratório de Movimento Humano, São Paulo, SP, Brasil. Correspondência: Iris Callado Sanches. Universidade São Judas Tadeu. Rua Taquari, 546, São Paulo/SP, Brasil. 03166-000. prof.icsanches@usjt.br Artigo originAl Original article artículO Original 414 Rev Bras Med Esporte – Vol. 24, No 6 – Nov/Dez, 2018 sobre parámetros hemodinámicos, modulación autonómica cardiovascular y el estado de humor. Métodos: Se eva- luaron 8 luchadores del sexo masculino (21,62±1,49 años, 71,25±3,54 kg, 1,74±0,03 cm) en la ciudad de São Paulo. Los sujetos tenían 5,37±0,77 años de práctica, entrenaban 5,75±0,45 días a la semana, durante 3,05±0,69 horas al día. Los atletas fueron evaluados en dos oportunidades: 14 días y 1 día antes del pesaje. Se realizaron evaluaciones de masa corporal, altura y bioimpedancia para análisis de la composición corporal. El estado de humor fue evaluado a través de la escala de humor de Brums. La presión arterial se midió en reposo con medidor digital. La modulación autonómica cardiovascular fue obtenida a través del análisis de variabilidad de la frecuencia cardíaca grabada du- rante 25 minutos en reposo. Para la comparación entre los momentos, se utilizó la prueba t de Student para muestras dependientes. Los valores de p <0,05 se consideraron significativos. Resultados: No se observaron diferencias en la composición corporal entre los momentos evaluados. Después de la estrategia de pérdida ponderal, se observaron aumentos en los parámetros de humor relacionados con las categorías rabia, vigor y fatiga. La presión arterial no se alteró entre los momentos evaluados. Sin embargo, se observó un aumento en la frecuencia cardíaca asociado a la mayor modulación simpática después de la estrategia de pérdida ponderal. Los parámetros de modulación autonómica representativos de actividad parasimpática no presentaron diferencias. Conclusiones: Hubo mayor riesgo cardiovascular en los atletas como consecuencia de esta práctica de pérdida ponderal rápida, lo que es muy preocupante, teniendo en cuenta que los atletas de deportes de combate repiten este proceso varias veces durante su vida. Nivel de Evidencia: IV. Tipo de estudio: Serie de casos. Descriptores: Pérdida de peso; Sistema nervioso simpático; Artes marciales. Artigo recebido em 30/06/2017 aprovado em 04/04/2018DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1517-869220182406182057 INTRODUÇÃO As modalidades esportivas de combate são consideradas formas “esportivas” das lutas e artes marciais.1Os atletas destas modalidades são divididos nas categorias com base no peso corporal. Desta forma, antes dos combates, os atletas se submetem a pesagem para confirmar que se enquadram nas categorias anteriormente inscritas. Muitos com- petidores decidem adotar a estratégia de perda ponderal rápida nos dias que antecedem a competição para obter vantagens em enfrentar oponentes teoricamente mais leves e mais fracos.2 Para conseguir uma grande perda ponderal na semana pré-com- petitiva, os atletas utilizam diferentes métodos, como saunas, roupas térmicas e uso de dietas restritivas de líquidos e carboidratos. Alguns estudos sugerem que a repetição destes métodos pode causar desiquilí- brio hormonal, hidroelétrico, desbalanço do estado de humor e mental, variações nas funções renais e cardiovasculares e déficit no torque.2,3 As estratégias de perda ponderal rápida afetam o funcionamento do sistema cardiovascular, provocando diminuição do volume plasmá- tico sanguíneo, aumento da frequência cardíaca de repouso, menor volume de ejeção sanguínea, resultando em menor capacidade de sustentar o trabalho em uma taxa constante.4,5 Desta forma, a análise da variabilidade da frequência cardíaca permite avaliar a modulação do sistema nervoso autônomo, sob diferentes condições fisiológicas, e pode demonstrar as oscilações entre o intervalo entre pulsos cardíacos consecutivos, que se relacionam com a influência do sistema nervoso autônomo sobre o nodo sinusal. Essa análise é um método não invasivo capaz de identificar fenômenos cardíacos em indivíduos saudáveis, atletas e populações de risco.6 Com base nestas informações, o objetivo deste estudo foi verificar os efeitos do processo de perda ponderal rápida utilizada por atletas de modalidades esportivas de combate nos parâmetros hemodinâmicos, modulação autonômica cardiovascular e estado de humor. MATERIAL E MÉTODOS A amostra foi não-probabilística intencional composta por 8 atletas de modalidades esportivas de combate (62.5% lutadores de MMA, 25% lutadores de Jiu-Jitsu e 12.55% competidores de Muay Thai) que foram recrutados por e-mail, celular ou divulgação por mídias sociais. Os critérios de inclusão foram praticar alguma modalidade esportiva de combate em nível amador ou professional há, no mínimo, 1 ano; concordar com os testes propostos no presente estudo e assinar o termo de consenti- mento. Os atletas que não seguiram as orientações prévias no teste de bioimpedância foram excluídos. Para atingirmos os objetivos propostos, os lutadores foram ava- liados em duas oportunidades: 14 dias e 1 dia antes da pesagem. Os dados foram coletados com os atletas nos locais onde eles realizavam o treinamento e, posteriormente, foram analisados no Laboratório do Movimento Humano, na Universidade São Judas Tadeu. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética, no parecer 1.671.569. Para caracterização da amostra, foi utilizada uma anamnese que abordou o tempo de prática, frequência semanal, duração de treina- mento e histórico de competições dos atletas. Além disso, os atletas foram instruídos a reportar o uso de esteroides anabolizantes e/ou agentes farmacológicos. Após a aplicação da anamnese, a Escala de Humor de Brums foi preenchida. A escala contém 24 indicadores simples de humor, como sensações de raiva, disposição, nervosismo e insatisfação. Os sujeitos avaliam como se sentem em relação a tais situações, de 0 (nada) a 4 (extremamente). O formulário foi preenchido pelos participantes. As sensações listadas na escala correspondem a categorias que apontam os estados: tensão, depressão, raiva, vigor, fadiga e confusão mental. O índice de massa corporal (IMC) foi calculado através das medidas de peso e altura, de acordo com a seguinte fórmula: Índice de massa corporal = A composição corporal foi analisada através do método de bioim- pedância elétrica (marca Biodynamics, modelo BIA450). Para realizar esta análise, os sujeitos foram avaliados em decúbito dorsal, permaneceram em jejum por 4 horas e foram aconselhados a abster-se de cafeína, álcool e exercício físico nas 24 horas anteriores aos procedimentos. A bioimpedância forneceu percentual de massa gorda, massa magra e quantidade de fluídos corporais através da passagem de uma corrente elétrica de baixa intensidade (500 a 800 μA) e alta frequência (50 kHz) pelo corpo, sendo imperceptível, e consequentemente, indolor. Em seguida, a pressão arterial foi mensurada 3 vezes (com o intervalo de 2 minutos entre cada medida) com um medidor digital de pressão peso (altura)2 415Rev Bras Med Esporte – Vol. 24, No 6 – Nov/Dez, 2018 arterial (marca Omron, modelo HEM-705CPINT), seguindo as diretrizes da Sociedade Brasileira de Hipertensão. O registro do intervalo R-R (IP, ms) foi realizado com o frequencímetro (marca Polar, modelo RS800) nos locais de treinamento. O registro durou 25 minutos com os sujeitos em repouso e, posteriormente, os dados foram transferidos para o Polar Precision Performance Software através da Interface Infrared, ou IrDA, para posterior análise da variabilidade dos intervalos cardíacos. Após esses procedimentos, os dados foram transferidos e salvos em arquivo TXT, usando o software Kubius para análise da variabilidade da frequência cardíaca no domínio do tempo e da frequência (Transformada Rápida de Fourier). Análise estatística Os resultados são reportados em média±erro padrão da média. A homogeneidade dos dados foi testada através do teste de Kolmogorov- -Smirnov. A comparação dos resultados foi realizada pelo teste t de Student para amostras independentes. O nível de significância adotado foi de 5%. RESULTADOS A caracterização da amostra é representada na Tabela 1. Os atletas reportaram não fazer uso de anabolizantes. Dentre as estratégias de perda ponderal utilizadas pelos atletas, a que apresentou maior frequência foi a restrição de carboidratos (34%), seguida por restrição de lipídios (20%) e líquidos (20%). Vale ressaltar que todos os praticantes que realizaram restrição de líquidos reportaram o uso de substâncias diuréticas. Uma menor parte dos atletas (13%) elevou a quantidade de treinamentos para, consequentemente, promover balanço energético negativo associado a perda de líquidos na forma de suor. Os dados de peso corporal, IMC, massa magra, massa gorda, e fluidos corporais totais são reportados na Tabela 2. A Tabela 3 apresenta os dados coletados através da Escala de Humor de Brums. Após a estratégia de perda ponderal, foi observado aumento dos parâmetros raiva, vigor e fadiga. As avaliações hemodinâmicas são apresentadas na Tabela 4. Não houve diferença na pressão arterial. Entretanto, a frequência cardíaca foi maior após estratégia de perda ponderal em relação a medida inicial. A análise da modulação autonômica cardiovascular no domínio do tempo fornece os seguintes parâmetros: desvio padrão do intervalo R-R (DP-RR), média da raiz quadrada da diferença de intervalos cardíacos (RMSSD), percentual do número total dos batimentos cardíacos em 50 milissegundos (pNN50). Para fins de interpretação, estes parâmetros são indicadores de modulação parassimpática, que é um indicador de proteção cardiovascular para o indivíduo. Não foram observadas diferenças após a estratégia de perda ponderal (Tabela 4). Em relação a análise da modulação autonômica cardiovascular no domínio do tempo, foram observadas banda de baixa frequência do intervalo de pulso (BF-IP), banda de alta frequência do intervalo de pulso (AF-IP), relação entre BF-IP e AF-IP (BF/AF). Para fins de interpretação, a BF-IP é considerada um indicador de modulação simpática, a banda AF-IP é considerada um indicador de modulação parassimpática e a relação BF/AF representa o balanço simpato-vagal. Os resultados demonstram aumento da modulação simpática (BF-IP) após o processode perda ponderal, evidenciando maior risco cardiovas- cular nestes atletas. Não foram observadas modificações na modulação parassimpática (AF-IP) e no balanço simpato-vagal (BF/AF) (Tabela 4). Tabela 1. Caracterização da amostra dos atletas utilizados neste estudo. Parâmetros Características Idade (anos) 21,62±1,49 Peso corporal inicial (kg) 71,25±3,54 Altura (cm) 174±003 Tempo de prática (anos) 5,37±0,77 Frequência de treinamento semanal (dias) 5,75±0,45 Duração das sessões de treinamento (horas) 3,05±0,69 Histórico de competições 13,37±5,78 Dados apresentados em média±EPM. Tabela 2. Avaliação da composição corporal dos atletas 14 dias antes da pesagem e 1 dia antes da pesagem. Parâmetros 14 dias antes da pesagem 1 dia antes da pesagem Delta p Peso corporal (kg) 71,25±3,54 69,33±4,08 -3,83±0,42 0,71 Índice de massa corporal 23,37±0,51 22,45±0,47 -6,53±3,47 0,21 Massa Magra (kg) 68,86±3,83 66,62±4,45 -3,12±0,80 0,71 Massa Gorda (kg) 5,94±1,13 5,37±0,84 -1,12±0,61 0,70 Fluídos corporais to-tais (kg) 51,84±3,51 49,82±4,06 -2,77±0,83 0,58 Dados são apresentados em média±EPM. Tabela 3. Resultados da Escala de Humor de Brums nos atletas 14 dias antes da pesagem e 1 dia antes da pesagem. Parâmetros 14 dias antes da pesagem 1 dia antes da pesagem Delta p Tensão 6,50±1,22 6,83±1,60 1,00±0,36 >0,99 Depressão 2,12±0,81 3,83±1,62 2,00±1,18 0,46 Raiva 5,50±1,42 11,33±1,89 * 6,50±1,23 0,01 Vigor 11,25±1,27 7,16±1,77 * -5,66±2,04 0,02 Confusão 1,75±0,70 3,66±1,22 2,16±0,83 0,17 Fadiga 5,37±1,51 11,83±2,05 * 7,66±2,33 0,02 Dados são apresentados em média ±EPM. * p<0.05 vs. 14 days before weighing. Tabela 4. Parâmetros hemodinâmicos e modulação autonômica cardiovascular avaliados 14 dias antes da pesagem e 1 dia antes da pesagem. Parâmetros 14 dias antes da pesagem 1 dia antes da pesagem p Pressão arterial sistólica (mmHg) 126.18±2.65 127.00±3.00 0.79 Pressão arterial diastólica (mmHg) 69.81±1.96 70.91±2.31 0.72 Frequência cardíaca (bpm) 54.91±2.54 65.43±3.40 * 0.01 DP-RR (ms) 79.49±10.14 77.43±8.82 0.88 RMSSD (ms) 77.81±35.05 72.56±11.24 0.65 pNN50 (ms) 46.38±6.82 38.67±8.12 0.47 BF-IP (%) 1312±333 2841±470 * 0.01 AF-IP (%) 2785±393 2067±280 0.15 BF/AF 0.94±0.13 1.10±0.03 0.24 Dados são apresentados por média±EPM. * p<0.05 vs. 14 dias ante da pesagem. DISCUSSÃO Para atingir os objetivos propostos, foram comparados os parâmetros hemodinâmicos, antropométricos e o estado de humor, 14 dias vs. 1 dia antes da pesagem em atletas de modalidades esportivas de combate. O resultado mais relevante deste estudo foi o aumento da frequência cardíaca após a estratégia de perda ponderal rápida, associada ao aumento de modulação simpática cardíaca. Tais achados evidenciam maior risco cardiovascular nos atletas em decorrência desta prática, o que é bastante preocupante, tendo em vista a repetição deste processo durante suas vidas competitivas. Os métodos para perda ponderal rápida relatados pelos atletas foram dietas com restrição de carboidratos (34%), lipídios (20%) e líquidos (20%) e aumento do volume de treinamento (13%). Em outro estudo, os autores reportaram que entre os métodos mais utilizados para reduzir o peso, os atletas utilizam salas de vapor/roupas térmicas (90%), restrição de carboidratos (80%) e líquidos (40%) (7). No presente estudo, diferente do artigo citado, os atletas afirmaram aumentar o volume de treinamento como uma estratégia para perda ponderal rápida. De fato, o aumento 416 Rev Bras Med Esporte – Vol. 24, No 6 – Nov/Dez, 2018 de treinamento pode potencializar o balanço energético negativo, as- sociado a restrição de carboidratos e lipídios, além de promover maior perda hídrica, por transpiração. Uma variável que também deve ser levada em consideração é a frequên- cia em que os atletas se submetem ao processo de perda ponderal rápida. Alguns estudos indicam que o ciclo “ganhar-perder” é chamado de ciclagem de peso, e aqueles que o praticam possuem menor taxa de metabolismo basal. É possível que, por causa deste hábito, os atletas possuam maior dificuldade em manter o peso.2 Outra consequência desta estratégia são grandes alterações hormonais e cognitivas, além de uma série de alterações no processo de crescimento e desenvolvimento de atletas adolescentes. A perda ponderal rápida foi considerada negativa em alguns estudos devido aos seus potenciais efeitos maléficos para saúde e performance.2 Ainda existem inúmeras alterações fisiológicas e psicológicas causadas por tal processo, considerando que, em esportes de elite, uma queda mínima de performance pode ser crucial para a decisão do combate.5 A perda de líquido corporal (desidratação) pode causar sérias altera- ções no funcionamento do organismo que vão desde do desequilíbrio hidroelétrico, a dificuldade da ação termorregulatória, até mesmo ao risco a saúde, prejudicando o desempenho esportivo.8 Outros fatores de risco associados a abstenção de água e o reestabe- lecimento dos eletrólitos são perda de torque, cãibras e hipernatremia.9 Há estudos que evidenciam alterações no volume intra/extracelular, que indicam grandes alterações nas funções orgânicas, afetando o sistema cardiovascular, excretório, endócrino e nervoso, metabolismo e termorregulação, podendo prejudicar as capacidades físicas e psicológicas durante o exercício.10 Uma das variáveis relacionadas à diminuição de peso no período pré-competitivo são as questões relacionadas ao estado de humor, pois nos esportes competitivos o estresse elevado desencadeia várias adaptações, que vão desde do desiquilíbrio fisiológico e biomecânico até as alterações psicológicas, que comprovadamente interferem no resultado esperado pelo atleta.3 No presente estudo, o estado de humor dos atletas nas categorias raiva, vigor e fadiga foram alteradas em comparação às respostas obtidas 14 dias antes da pesagem. Os fatores emocionais inerentes a proximidade com a competição certamente interferem na interpretação destes resultados. Entretanto, o desconforto causado pela restrição de carboidratos e lipídios durantes os dias que precederam essa avaliação não podem ser descartados. Em outra pesquisa quantitativa realizada com atletas olímpicos, 60% citaram que sentiam-se mais nervosos por causa da rápida perda ponderal antes da competição, 45% afirmaram que também se sentiam cansados, 35% sentiam-se fracos, 32,5% sentiam-se irritados e exaustos e somente 30% dos participantes reportaram que sentiam-se normais com a perda ponderal.11 Um estudo com boxeadores descreveu que pós perda ponderal, no burpee teste, a consciência dos movimentos ficou distorcida, com sensação diminuída de vigor físico e, consequentemente, com os atletas não atingindo a meta proposta no teste5. Outro estudo realizado com judocas que utilizaram Profile of Mood States (POMS), após 7 dias de restrição alimentar, teve como resultados o aumento dos estados de confusão, raiva, fadiga, tensão e diminuição der vigor.2 Em relação ao sistema cardiovascular, se considerarmos apenas a prática de artes márcias sem o processo de perda ponderal, pode- ríamos definir como benéfica para fatores como a pressão arterial e outras respostas cardiovasculares, pois apresenta no período de recuperação pós-exercício a redução da pressão arterial sistólica (PAS) e da frequência cardíaca.12 Entretanto, existem autores que descrevem que a desidratação que ocorre no processo de perda ponderal afeta negativamente o sistema cardiovascular.4 Há autores que definem que as alterações causadas pela hipohidratação são diminuição do volume plasmático, prejuízo no rendimento cardíaco, na termorregulação e na pressão arterial.5 Apesar disso, no presente estudo, não foram observadas diferenças na pressão arterial sistólica e diastólica após o processo de perda ponderal.O Colégio Americano de Medicina Esportiva (ACSM) demonstrou modificações resultantes da perda ponderal rápida em testes ergomé- tricos, que incluíram a diminuição do volume plasmático sanguíneo, aumento da frequência cardíaca e diminuição do volume de ejeção, causando menor capacidade de sustentar trabalho a uma taxa constante.4 Um outro estudo apresentou uma série de alterações fisiológicas quando a perda ponderal ocorreu em uma semana, como menor eficiência miocárdica e do consumo de oxigênio, além de danos aos processos ter- morregulatórios.13 Tais alterações indicam que há aumento da frequência cardíaca, possivelmente para compensar a diminuição do débito cardíaco.14 Considerando a importância da modulação autonômica no controle da frequência cardíaca, e que alterações nestes parâmetros podem preceder o aparecimento de distúrbios cardiovasculares, avaliou-se a modulação autonômica cardiovascular.15 Uma das formas mais utilizadas para avaliar a modulação autonômica cardíaca é através da análise da variabilidade da frequência cardíaca. A variabilidade da frequência cardíaca pode ser analisada no domínio do tempo e da frequência. No presente estudo, não foram observas diferenças nas variáveis no domínio do tempo. Entretanto, no domínio da frequência, a banda de BF, indicativa de modulação simpática, foi maior após a perda ponderal rápida. Vale ressaltar que o intervalo entre as duas avaliações foi de apenas duas semanas, ou seja, em um período tão curto, devido a mudanças na ingestão hídrica e alimentar, bem como no volume de treinamento, prejuízos na modulação autonômica cardiovascular já foram observados. A hiperosmolaridade plasmática causada pela desidratação pode ser apontada como a causa do aumento da atividade simpática em pessoas desidratadas. Assim, o estado hídrico, juntamente com a temperatura corporal do indivíduo, podem ter afetado o controle autonômico sobre a frequência cardíaca.16 CONCLUSÕES O resultado mais importante deste estudo foi o aumento da fre- quência cardíaca após a estratégia de perda ponderal rápida, associada ao aumento da modulação simpática nos atletas avaliados. Além disso, o estado de humor dos atletas foi afetado negativamente após a perda ponderal. Tais achados evidenciam maior risco cardiovascular nos par- ticipantes desta amostra, o que é muito preocupante tendo em vista que é comum repetição deste processo durante a vida competitiva. Resultados mais conclusivos podem ser obtidos estabelecendo critérios de inclusão mais rígidos, como uma maior amostra de atletas, focando em apenas atletas profissionais, ou selecionando uma amostra por mo- dalidades ou categorias. Além disso, ampliar as análises de composição corporal, associando a bioimpedância a avaliação de dobras cutâneas, pode oferecer indicadores mais sólidos com relação as modificações corporais nos atletas que realizam o processo de perda ponderal rápida. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a colaboração da Diana Madureira Santos e Jeferson Santana pela inestimável contribuição em relação ao funcio- namento do frequencímetro, bem como do software para a análise da modulação autonômica cardiovascular. Todos os autores declararam não haver qualquer potencial conflito de interesses referente a este artigo. 417Rev Bras Med Esporte – Vol. 24, No 6 – Nov/Dez, 2018 REFERÊNCIAS 1. Franchini E, Del Vecchio FB. Studies in combat sports: state of the art. Rev Bras Educ Física e Esporte. 2011;25(SPE):67–81. 2. Artioli GG. Perda de peso em esportes de combate de dominio: Revisão e recomendações aplicadas. Rev Bras Cineantropometria e Desempenho Hum. 2006;8(2):92–101. 3. Rocha CA. 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CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES: BNC (0000-0002-0283-7432)*: concepção e desenho da pesquisa, realização do experimento, análise dos dados, interpretação dos resultados do experimento, elaboração do manuscrito, edição e revisão do manuscrito; MACM (0000-0002-6811-4173)*: concepção e desenho da pesquisa, realização do experimento, elaboração do manuscrito; JEI (0000-0002-3312-489X)*: preparação das figuras, edição e revisão do manuscrito; MRD (0000-0002-4515-5570)*: edição e revisão do manuscrito; KS (0000-0003-4935- 3221)*: edição e revisão do manuscrito; EC (0000-0001-7766-7506)*: edição e revisão do manuscrito; JVFG (0000-0003-4408-2952)*: concepção e desenho da pesquisa, elaboração do manuscrito; ICS (0000-0001-6195-4340)*: concepção e desenho da pesquisa, realização do experimento, análise dos dados, interpretação dos resultados do experimento, preparação das figuras, elaboração do manuscrito, edição e revisão do manuscrito. *ORCID (Open Researcher and Contributor ID).
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