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Reitor Zaki Akel Sobrinho Vice-Reitor Rogério Andrade Mulinari Diretor da Editora UFPR Gilberto de Castro Vice-Diretora da Editora UFPR Suzete de Paula Bornatto Conselho Editorial Andrea Carla Dore Cleverson Ribas Carneiro Cristina Gonçalves de Mendonça Lauro Brito de Almeida Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Mario Antonio Navarro da Silva Nelson Luis da Costa Dias Paulo de Oliveira Perna Quintino Dalmolin Sergio Luiz Meister Berleze Sergio Said Staut Junior © Carlos Peres, Jos Barlow, Toby Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) Coordenação editorial Daniele Soares Carneiro Revisão Maria Cristina Périgo Revisão final Organizadores Tradução dos capítulos 3, 9, 10, 15, 16, 17, 18 e 20 Paulo Roberto Maciel dos Santos Projeto gráfico, capa e editoração eletrônica Rachel Cristina Pavim Série Pesquisa, n. 220 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ - SISTEMA DE BIBLIOTECAS BIBLIOTECA CENTRAL – COORDENAÇÃO DE PROCESSOS TÉCNICOS Conservação da biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil / Carlos A. Peres... [et al.] (Orgs.) – Curitiba: Ed. UFPR, 2013. 587p. – il. algumas color., mapas, grafs., tabs. – (Pesquisa; n. 220) ISBN 9788565888219 Inclui referências 1. Biodiversidade. 2. Florestas - Brasil. I. Peres, Carlos A. II. Série. CDD 333.95 ISBN 978-85-65888-21-9 Ref. 697 Direitos desta edição reservados à Editora UFPR Rua João Negrão, 280 - Centro Caixa Postal 17309 Tel.: (41) 3360-7489 / Fax: (41) 3360-7486 80010-200 - Curitiba - Paraná - Brasil www.editora.ufpr.br editora@ufpr.br Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza Rua Gonçalves Dias, 225 - Batel 80240-340 - Curitiba - Paraná - Brasil 2013 Carlos Peres é paraense e biólogo da conservação com larga experiência de três décadas de trabalhos em várias áreas da ecologia e conservação neotropical em cerca de 180 paisagens florestais desde o México até o Brasil. É professor de ecologia tropical da University of East Anglia, Inglaterra. Atualmente é Pesquisador Visitante Especial do Museu Paraense Emílio Goeldi/MCTI e credenciado nos Programas de Pós-Graduação em Ecologia da UFRN (Natal) e UFPA-MPEG (Belém). Jos Barlow é um cientista britânico da Universidade de Lancaster e editor sênior do Journal of Applied Ecology. Ele começou a pesquisar a Amazônia brasileira em 1998, e atualmente é docente colaborador dos programas de Pós-Graduação das Universidades Federais do Pará e de Lavras e é Pesquisador Visitante Especial do Museu Paraense Emílio Goeldi. Toby Gardner é britânico e cientista da conservação com experiência de dez anos de trabalho em ecologia aplicada em paisagens antropizadas no Brasil, Tanzânia e recifes corais do Caribe. Atualmente é pesquisador na University of Cambridge, Inglaterra. Ima Célia Guimarães Vieira é pesquisadora titular do Museu Paraense Emílio Goeldi/MCT em Belém do Pará e ex-diretora na gestão 2005-2009. Desenvolve pesquisas sobre ecologia vegetal e dinâmica de usos da terra na Amazônia. É Coordenadora do INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia. Nota sobre os Organizadores Sumário Capítulo 1 Conservação da biodiversidade em paisagens florestais antropizadas / 9 Capítulo 2 Histórico de antropização da paisagem florestal Amazônica por paleoíndios / 21 Capítulo 3 Serviços ambientais provenientes de florestas intactas, degradadas e secundárias na Amazônia brasileira / 29 Capítulo 4 O papel do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA) na redução do desmatamento e mitigação das mudanças climáticas / 63 Capítulo 5 Dinâmica de uso da terra e regeneração de florestas em uma paisagem antrópica do leste do Pará / 83 Capítulo 6 A caminho de uma silvicultura ecologicamente sustentável na Mata Atlântica / 95 Capítulo 7 Qual o valor das monoculturas de eucalipto para a biodiversidade da Mata Atlântica? Um estudo multitáxon no extremo-sul da Bahia / 119 Capítulo 8 Corredores lineares de vegetação em paisagens agrícolas do sul de Minas Gerais: histórico, funções ecológicas e valor de conservação / 135 Capítulo 9 Valor de conservação de corredores remanescentes de qualidade variável de florestas ripárias para as aves e mamíferos amazônicos / 161 Capítulo 10 O desafio de manter a biodiversidade da Mata Atlântica: Uma avaliação multitáxon de conservação de espécies generalistas e especialistas em um mosaico agroflorestal no sul da Bahia / 181 Capítulo 11 Análise da persistência de espécies em paisagens fragmentadas da Mata Atlântica através de uma abordagem espacialmente explícita / 207 Capítulo 12 Padrões e tendências espaço-temporais na estrutura de uma paisagem antropizada no norte do Pantanal / 231 Capítulo 13 Modelagem dos impactos a longo prazo do corte seletivo de árvores sobre a diversidade genética e estrutura demográfica de quatro espécies arbóreas tropicais na Floresta Ama- zônica / 263 Capítulo 14 Biodiversidade do solo em sistemas de uso da terra na Amazônia ocidental / 293 Capítulo 15 Efeitos da extração de madeira de baixo impacto sobre assembleias de peixes na Amazônia Central / 327 Capítulo 16 Uso do solo, integridade de hábitat e agrupamentos de insetos aquáticos em igarapés na Amazônia Central / 343 Capítulo 17 Quantificando o valor de biodiversidade de florestas tropicais primárias, secundárias e de reflorestamento / 373 Capítulo 18 Perspectivas para a conservação da biodiversidade de florestas tropicais em um mundo antropizado / 387 Capítulo 19 Conservação da biodiversidade em paisagens florestais antropizadas na Amazônia / 425 Capítulo 20 Uso de indicadores de desmatamento e dinâmica do uso da terra na definição de estratégias de conservação: um estudo de caso em Rondônia / 465 Capítulo 21 Estratégias para aumentar a eficiência e reduzir custos das áreas prioritárias para a Ama- zônia / 489 Capítulo 22 Áreas de endemismo, corredores de biodiversidade e a conservação da Amazônia / 505 Capítulo 23 Sobre o uso do termo ‘fragmentação’ / 515 Capítulo 24 Degeneração da assembleia de árvores em uma paisagem de Mata Atlântica severamente fragmentada: Implicações para a conservação / 533 Capítulo 25 Paisagens antropizadas e invasão por plantas exóticas / 549 Capítulo 26 Restauração ecológica como estratégia de resgate e conservação da biodiversidade em paisagens antrópicas tropicais / 565 9 Capítulo 1 Conservação da biodiversidade em paisagens florestais antropizadas1 Carlos A. Peres. School of Environmental Sciences, University of East Anglia, Norwich NR4 7TJ, UK C.Peres@uea.ac.uk; Jos Barlow. Lancaster Environment Centre, Lancaster University, Lancaster LA1 4YQ, UK; Toby A. Gardner. Department of Zoology, University of Cambridge, Downing Street, Cambridge CB2 3EJ, UK; Ima Célia Guimarães Vieira. Museu Paraense Emílio Goeldi, Coordenação de Botânica, Caixa Postal 399, Belém-Pará-Brasil Introdução A conversão e degradação implacáveis de hábitats primários representam o principal motor do processo de extinção de espécies nativas, em escalas locais e regionais, e, cumulativamente, em um futuro próximo, em uma escala global (Millennium Ecosystem Assessment, 2005). Apesar desse fenômeno ter crescido lenta e gradativamente desde a invenção da agricultura no Recôncavo Fértil do Oriente Médio, há mais de 13.000 anos, ele só veio a aumentar exponencialmente após a revolução agrícola do século XX. A história das grandes civilizações humanas espelha inúmeros exemplos de economias de boom-and-bust (apogeu e colapso), entretanto, o processo de transformação de paisa- gens naturais em tempos contemporâneos não tem precedentes em todo o Quaternário (Hansen et al., 2008; DeFries et al., 2010). O que é pior, todas as futuras projeções preveem uma expansão ainda maior das grandes fronteiras agrícolas no século XXI, em vista do escalonamento tantoda demanda de alimentos, em função das altas taxas de cresci- mento demográfico, quanto do poder médio aquisitivo per capita da população humana contemporânea. As projeções otimistas baseadas na futura demanda de alimentos e de outros produtos agrícolas, por exemplo, preveem, num cenário de intensificação agrícola intermediário, uma expansão média adicional de 23% da área total de lavoura nas pró- ximas quatro décadas somente nos países em desenvolvimento (Balmford et al., 2005). O Brasil, sendo o país detentor da maior área agregada de florestas tropicais perenifólias e estacionárias do mundo – assim como da maior área de fronteira agrícola potencial- mente ativa – lidera o ranking das nações em que este processo é ainda mais alarmante. O esforço coletivo resultando neste livro surgiu de uma preocupação comum entre todos os seus autores sobre a taxa crescente de conversão e degradação de hábitats florestais primários em grandes mosaicos de uso da terra em paisagens antropizadas2, e suas consequências à biodiversidade dessas paisagens. 1 Adaptação traduzida do artigo “Biodiversity conservation in human-modified Amazonian forest landscapes”, de Carlos Peres, Toby Gardner, Jos Barlow, Jansen Zuanon, Fernanda Michalski, Alexander Lees, Ima Vieira, Fátima Moreira e Kenneth Feeley, publicado na revista Biological Conservation, 2010, 143(10): 2314-2327. 2 Neste livro, o termo ‘paisagem florestal antropizada’ apresenta conotação de grandes mosaicos de uso da terra, na zona rural de regiões previamente florestadas, mas, hoje, contendo áreas heterogêneas com perfil misto (incluindo áreas de lavoura, agroflorestais, pastorais e/ou florestais em diferentes estágios de sucessão e/ou degradação), ao longo de um gradiente de modificação da paisagem biofísica e vegetacional, resultante direta ou indiretamente de atividades humanas. Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 10 Dentre outros assuntos, o livro reflete sobre as perspectivas de persistência ou extinção de espécies florestais em diferentes componentes de paisagens modificadas por vários padrões de perturbação humana, e em circunstâncias geográficas e históricas bastante diversas. Esta obra é pioneira, pois reúne, pela primeira vez, grande parte dos estudos que investigam numa escala de paisagem, e através de uma abordagem multitaxonômi- ca, o impacto ecológico das mudanças no uso da terra sobre a biodiversidade florestal em várias regiões e ecossistemas (Figura 1). O enfoque do livro está restrito a paisagens antrópicas no Brasil, o que é justificável pelas dimensões continentais deste país e pelo volume de trabalhos de pesquisa relevantes a esta temática que vem surgindo nos úl- timos anos. Alguns desses estudos sintetizam os padrões de mudanças na estrutura de comunidade de vários grupos, particularmente em relação à taxa com que a composição de espécies (turnover) varia entre componentes discretos de uma mesma paisagem. Isso revela o crescimento recente dessa área de investigação, principalmente nas três grandes regiões de floresta neotropical, incluindo a Amazônia (e.g. Barlow et al., 2007; Laurance et al., 2011; Peres et al., 2010), a Mata Atlântica (e.g. Fonseca et al., 2009; Pardini et al., 2009; Taberalli et al., 2010; Rocha et al., 2013) e a Mesoamérica (DeClerck et al., 2010). Figura 1 - Localização dos estudos de caso no Brasil, reunidos neste livro, documentando as respostas ecológicas de vários grupos taxonômicos às mudanças no uso da terra e degradação na integridade das paisagens. Esta obra apresenta, assim, uma tentativa de ligação entre a ecologia de paisagem e a ecologia de comunidade, por meio de estudos baseados nas respostas de inúme- ras populações de diversos grupos taxonômicos de animais e plantas às alterações estruturais nos hábitats florestais. Neste capítulo introdutório, apresentamos uma Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 11 justificativa do livro, revisando brevemente o impacto das mudanças na cobertura da terra no trópico úmido sobre a biodiversidade florestal, assim como ressaltamos as principais incógnitas relativas à relação entre os padrões de alteração das fisiono- mias vegetacionais primárias ou secundárias e as suas consequências na retenção da biodiversidade nativa das diversas regiões brasileiras. Conversão e degradação de florestas: o Brasil inserido no contexto global No âmbito internacional, as taxas globais de desmatamento – por mais problemática que ainda seja a sua quantificação (Hansen et al., 2010) – aceleraram abruptamente nas últimas décadas, como revelado recentemente em um levantamento geral sobre o status da cobertura florestal no mundo inteiro. Dados compilados na última ava- liação global sobre os recursos florestais pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO 2010) revelam que uma média de ~13 x 106 ha de florestas de qualquer tipologia foram convertidos anualmente numa escala global entre 2000 e 2010. Isto representa pouco menos que os ~16 x 106 ha/ano convertidos durante a década anterior (1990). A degradação de florestas primárias – em grande parte em consequência de operações mecanizadas de extração de madeira em florestas tropicais e temperadas – foi, em média, de 4.2 x 106 ha/ano desde 2000, um pouco abaixo dos 4.7 x 106 ha/ano degradados principalmente pela atividade madeireira na década de 90. Essas taxas excluem florestas temperadas e boreais no Canadá, que se recusa a divulgar a sua perda de cobertura florestal primária, apesar de ser um grande exportador de madeira. Nos trópicos, a conversão em massa de florestas de dossel fechado e savanas arbóreas tem operado como a principal causa da ameaça à persistência das biotas estritamente florestais (Dirzo e Raven, 2003). De fato, a grande maioria das ameaças às espécies de status vulnerável ou ameaçado, segundo as listas ‘vermelhas’ da IUCN (Organização Internacional para Conservação da Natureza), é atribuível à conversão de hábitats primários para empreendimentos agropastoris, principalmente em grandes países tropicais de economia emergente, como o Brasil (e.g. Green et al., 2005). Com cerca de 35% de toda a cobertura atual de florestas primárias, remanescentes das zonas tropicais, temperadas e boreais (FAO, 2010), o Brasil tem atualmente um papel-chave na retenção da diversidade de organismos florestais no mundo inteiro, assim como na manutenção dos serviços ecossistêmicos prestados por essas florestas. A grande maioria desses serviços deixa de ser quantificada pelas métricas conven- cionais das economias de mercado, passando despercebida individualmente por consumidores urbanos ou rurais. Por exemplo, a maioria das áreas agrícolas e ~68% da matriz energética efetivamente gerada do Brasil (EPE, 2010) são sustentadas por rios abastecidos por nuvens carregadas de chuva. Em grande parte, estas nuvens são recicladas pela evapotranspiração do grande bioma amazônico, que após se chocarem com a parede orográfica dos Andes orientais, se defletem para eventualmente irrigar as lavouras e encher os reservatórios hidrelétricos do centro-sul do país (Werth e Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 12 Avissar, 2002). Entretanto, o Brasil, como grande retentor de florestas, também exibe as maiores taxas de perda absoluta de cobertura florestal, mesmo comparado com fronteiras de desenvolvimento em outros países de domínio florestal. Por exemplo, a taxa anual agregada média de desmatamento no Brasil nas últimas duas décadas (1990-2010: quase 2.8 x 106 ha/ano) é bem acima que o dobro registrado na Indonésia, o segundo país que mais perdeu floresta neste período (Figura 2). Grande parte deste processo de conversão e degradação de florestas se concentra nas regiões mais férteis e mais acessíveis da Amazôniasazonalmente seca (Laurance et al., 2002; Peres et al., 2010), em que a expansão da fronteira agrícola marcha em direção às terras baratas ou facilmente apropriadas pelo empresariado rural. Figura 2 - Taxa anual média de desflorestamento ao longo das últimas duas décadas (1990-2010) nos 13 países que lideram o ranking mundial de maior taxa absoluta de conversão e degradação de florestas tropicais. Dados extraídos do relatório da FAO (2010). A maior parte dessa nova fronteira agrícola foi aberta na Amazônia meridional, re- presentando tanto a maior alavanca do “progresso” quanto a maior tragédia sobre o capital natural. Somente no Mato Grosso, cerca de 175.000 km2 do bioma amazônico e outros 150.000 km2 de cerrado (sensu lato) foram substituídos por empreendimen- tos de sojicultura altamente mecanizados (CMA, 2010). Além disso, 534 dos 8.763 núcleos rurais brasileiros da reforma agrária – que estão no topo da lista dos maiores desmatadores do país – estão no Mato Grosso, poucos dos quais acompanhados de licenças ambientais (Peres e Schneider, 2012). Aliado às grandes áreas de lavouras no setor dos agronegócios, temos ainda o segundo ciclo da pecuarização no processo de expansão de novas fronteiras de crescimento econômico primário. Por exemplo, 80% das áreas desmatadas no Brasil são transfor- madas em pastagens e efetivamente ocupadas pela pecuária intensiva ou extensiva (Smeraldi e May, 2008). Somente na Amazônia, isso corresponde a um crescimento de ~57 milhões de hectares de pastagens cultivadas sustentando um rebanho bovino de ~80 milhões de cabeças de gado (IBGE, 2010). Parte representativa dessa produção Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 13 agropecuária atende à crescente demanda nacional e internacional de alimentos, e ao aumento dos preços dos commodities agrícolas. O grande êxito dos agronegócios – graças à expansão vertiginosa da área de lavoura em função da conversão de florestas e cerrados em terras indígenas ou terras públicas apropriadas ilegalmente – atende constantemente às chamadas teleconexões dos mercados internacionais (Nepstad et al., 2006), dentro da sinuca macroeconômica em que países, como o Brasil, se encontram hoje, com exportação de matéria-prima ou beneficiada sendo praticada a qualquer preço (Ewers et al., 2008). De fato, o crescimento econômico na Ásia tem alterado radicalmente a demanda de produtos agrícolas na América Latina, cujas exportações, somente para a China, aumentaram nove vezes, em termos reais, de ~US$4,6 bilhões em 2000 a ~US$41,3 bilhões em 2009 (Gallagher e Porzecanski, 2010). As exportações de soja do Brasil para a China, por exemplo, quadriplicaram entre 1995 e 2009, na maioria das vezes, às custas de 528.000 km2 de cerrados e florestas primárias conver- tidos na Amazônia Legal. Outra problemática que agrava ainda mais a atual situação refere-se à expansão real ou potencial das lavouras de biocombustíveis nos trópicos. O Brasil de hoje vê-se como uma liderança mundial na produção de combustíveis “limpos”, como o eta- nol, a partir da lavoura sucroalcooleira, resultando em incentivos fiscais e outros subsídios indiretos aos grandes canaviais. Cerca de 95% de toda a área de lavoura de biocombustíveis na América do Sul está implantada no Brasil e, desde 2004, a produção brasileira de cana-de-açúcar aumentou 50%, sendo que a expectativa é que essa cifra dobre novamente até 2018 (Assad e Pinto, 2008; Sparovek, 2009). O Brasil espera ainda que a produção de biodiesel a partir de óleo de palma chegue a crescer vertiginosamente nas próximas décadas. Efetivamente, as reduções nas emissões líquidas de CO2 via queima de biocombus- tíveis, ao invés de combustíveis fósseis, podem ser facilmente neutralizadas por mudanças na política do uso da terra, favorecendo um aumento adicional das emis- sões de carbono via queima de biomassa nativa em áreas convertidas em lavouras de biodiesel e biogás (Lapola et al., 2010). Mesmo que a política de transformação das terras públicas em grandes unidades de conservação, evidenciada principalmente na Amazônia brasileira nas últimas duas décadas, contribua muito para assegurar os estoques de carbono em grandes áreas de florestas protegidas (Soares-Filho et al., 2010), as emissões por conversão de biomassa em propriedades privadas podem facilmente anular este efeito. Isso tende a se agravar ainda mais com o enfraqueci- mento da legislação vigente no Código Florestal brasileiro, que pode diminuir radi- calmente os pré-requisitos legais das propriedades particulares em reter cobertura florestal nas suas Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente, assim como os serviços ecossistêmicos e a biodiversidade florestal associados a esses remanes- centes de floresta (Metzger et al., 2010; Michalski et al., 2010). Este conflito com o chamado setor produtivo é alarmante, já que o “passivo” ambiental acumulado em desobedecimento à legislação vigente já representa a conversão ilegal de mais de 83 Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 14 milhões de hectares de floresta nas propriedades rurais em todo o país (Spavorek et al., 2010). A reforma polêmica do Código Florestal, avançada pela bancada ruralista no Congresso Nacional, é somente um exemplo das profundas contradições entre os interesses ambientais e o crescimento econômico da sociedade brasileira, que, muitas vezes, são representados de formas falsamente polarizadas (Martinelli et al., 2010; Vieira e Becker, 2010). Alterações no uso da terra e retenção de biodiversidade Um processo acelerado e sem precedentes históricos de perda de hábitat florestal tem se manifestado nos trópicos em decorrência das inúmeras transformações na cobertura e uso da terra a partir de hábitats primários ou secundários, dominados por vegetação nativa (Asner et al., 2009; Hansen et al., 2010). Porém, a correspondência entre esse processo e suas consequências nas taxas locais de perda de biodiversidade florestal ainda é mal compreendida (Gardner et al., 2009) e se manifesta de formas extremamente heterogêneas em todas as grandes regiões de florestas paleotropicais (e.g. Sodhi et al., 2010; Anand et al., 2010; Norris et al., 2010) e neotropicais (Ribeiro et al., 2009; Peres et al., 2010; DeClerck et al., 2010). Apesar de ainda mal documentado, esse processo se deflagra diferencialmente em várias escalas de perturbação antrópica: desde interferências não estruturais, como pressão de caça, extração de produtos não madeireiros e proliferação de espécies invasoras, até várias formas de remoção, degradação ou fratura do dossel fechado da mata, incluindo operações de corte raso, extração seletiva de madeira-de-lei e perturbação por meio da penetração de fogo rasteiro (Peres et al., 2010; Gardner et al., 2010). A acurácia no mapeamento em grande escala desses padrões de per- turbação é altamente variável, mesmo porque a extensão espacial de cada padrão e a sua eficiência de detecção via abordagens de sensoriamento remoto não estão associadas (Peres et al., 2006). Muitos desses efeitos de perturbação de hábitat podem operar isoladamente ou interagir em uma mesma área sinergisticamente, inflando, muitas vezes, as taxas de perdas de populações locais (Laurance e Peres, 2006). Podemos, ainda, deduzir que a diversidade de organismos estritamente florestais tende a ser reduzida em consequência destes fatores estressantes e pela perda ou degradação de hábitats florestais, entretanto, a relação de causa e efeito entre os processos de perda de integridade do hábitat em si e a perda de espécies que ocupam este hábitat raramente é linear, tanto no espaço quanto no tempo (Figura 3). Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 15 Figura 3 - Substituição hipotética ao longo de cinco décadas da cobertura de florestaprimária previamente intacta (barras verde escuro: A) em uma determinada paisagem ou região por tipos de hábitats florestais em níveis diferenciais de degradação; barras verde claro: B, C e D), assim como hábitats abertos não florestais (em branco), como áreas de lavoura ou pasto. Este processo de conversão e degradação da paisagem florestal inicialmente leva a um colapso abrupto e não linear da biota florestal na mesma região, seguido de uma trajetória de recuperação parcial desta biodiversidade, que pode ser definida segundo a riqueza e a composição de espécies remanescen- tes em um conjunto de manchas (patches) inseridas em um determinado contexto de paisagem. A seta em vermelho ilustrada aqui mostra uma trajetória hipotética bastante otimista de perda, e subsequentemente, do processo de recuperação para as espécies mais resilientes às alterações na integridade da paisagem. Outro fenômeno aparentemente óbvio, mas que frequentemente passa despercebido, é que, para cada unidade de área de hábitat primário subtraída, existe uma compensação substitutiva por outro(s) tipo(s) de hábitat(s) de hostilidade variável, em relação aos requerimentos ecológicos de cada espécie em uma determinada biota florestal. Logo, a dinâmica de substituição e remontagem dos conjuntos de espécies em uma deter- minada mancha de hábitat antropizado permanece ainda muito mal compreendida, principalmente levando-se em consideração o efeito do contexto de paisagem em que cada mancha se insere. Concomitantemente a isso, vários trabalhos analíticos têm facilitado a integração metodológica de diferentes escalas de pensamento entre a ecologia de comunidade e a ecologia de paisagem (e.g. Jongman et al., 1995; Legendre e Legendre, 1998; Urban et al., 2002). Obviamente, a rota mais direta até chegar à ecologia de paisagem, a partir de métodos de campo em ecologia de comunidade, é bastante simples: refazer a mes- ma abordagem dos estudos de ecologia de comunidade, mas numa área muito maior. Entretanto, essa tradução literal transcendendo escalas ecológicas e disciplinas requer abordagens diferentes de coleta, análise e modelagem dos dados. Este livro oferece de maneira satisfatória vários exemplos de como isso pode ser feito. No próximo parágrafo, apresentamos a estrutura básica do livro, justificando a sua razão diante da conjuntura atual e das expectativas de perda do nosso patrimônio natural, no que diz respeito à biota florestal no Brasil e no mundo. Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 16 Missão do livro Este livro é uma amostra das ideias que foram apresentadas durante o Simpósio “Conservação da Biodiversidade em Paisagens Florestais Antrópicas”, ocorrido em 21 a 23 de novembro de 2007 no Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), em Belém, Pará. O livro, dividido em 26 capítulos, reúne o trabalho de mais de uma centena de autores extremamente gabaritados nas áreas acadêmicas de ecologia de comunidade, ecologia de população, ecologia de restauração, antropologia social, ciências políticas e economia rural. O livro traz uma série de exemplos que ilustram como alterações na cobertura da vegetação acarretam uma série de consequências na reorganização e simplificação na estrutura de comunidades da fauna e flora existentes em paisagens florestais original- mente contínuas e intactas. O livro reúne contribuições provenientes de diferentes biomas do Brasil, incluindo a Amazônia, a Mata Atlântica e o Pantanal. O Simpósio de Belém reuniu não só ecólogos e sistematas trabalhando na esfera acadêmica com biodiversidade numa escala de paisagem, mas também representantes de agências do governo e de organizações não governamentais engajadas em políticas públicas de conservação da biodiversidade no Brasil hoje, assim como agentes do setor privado empreendedor. Além dos capítulos estritamente relacionados às alterações na estrutura de comunidade de plantas, vertebrados e invertebrados em consequência de diferentes padrões de uso da terra, vários outros capítulos tratam de grandes questões debatidas hoje em diversas áreas da ciência e política da conservação, incluindo serviços am- bientais, definição e planejamento de áreas prioritárias para conservação, e desenho de paisagens para maximizar a retenção de biodiversidade. Os debates motivados pelos trabalhos apresentados, muitos deles reunidos neste volume, são diretamente relevantes às mais importantes discussões sobre conser- vação de biodiversidade circuladas hoje no Brasil e América Latina, como as bases científicas da revisão do Código Florestal brasileiro; a otimização agroambiental na compatibilização da produção eficiente de alimentos e retenção de biodiversidade em mosaicos de paisagem; e zoneamentos ecológicos e econômicos de grandes blocos de terras públicas e privadas nas escalas de estados e biomas. A elaboração deste livro ocorre no âmbito do projeto INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia, sediado no Museu Paraense Emílio Goeldi, que se dedica, desde a realização do Simpósio de 2007, a analisar os impactos das atividades antrópicas na biodiversidade da Amazônia e as mudanças socioambientais que ocorrem nesta região. Agradecimentos Este livro e vários dos trabalhos de pesquisa aqui reunidos a partir do Simpósio “Con- servação da Biodiversidade em Paisagens Florestais Antrópicas” não teria sido possível sem o apoio financeiro de várias organizações internacionais e nacionais, incluindo a Darwin Initiative for the Survival of Species (DEFRA-UK), a WWF – Brasil, a Conser- Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 17 vação Internacional – Brasil, a Nature Conservancy (TNC) – Brasil, o British Council, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a Petrobras S.A., The Royal Society, e a Secretaria de Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente do Estado do Pará, por custearam parte do Simpósio, assim como a instituição anfitriã, o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG-MCT). Nossos especiais agradecimentos à University de East Anglia e Lancaster University no Reino Unido, e a todo o pessoal de apoio durante a organização do Simpósio. Em particular, agradecemos também o apoio financeiro concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à CAPES para a realização desse evento. Dedicamos este livro a todos que fazem bom uso da ecologia aplicada e da ciência da conservação em prol do delineamento pragmático e multidisciplinar das políticas e ações de conservação nas grandes fronteiras onde há atrito entre as demandas econô- micas do uso da terra e a integridade biológica de paisagens naturais dentro ou fora de áreas formalmente protegidas. Referências Anand, M. O., J. Krishnaswamy, A. Kumar & A. Bali. 2010. Biodiversity conservation in human-dominated landscapes in the Western Ghats: remnant forests matter. Biological Conservation Doi: 10.1016/j.biocon.2010.01.013. Asner, G. P., T. K. Rudel, T. M. Aide, R. DeFries & R. Emerson. 2009. A contemporary asses- sment of change in humid tropical forest. Conservation Biology 23: 1386-1395. Assad, E. & H. S. Pinto (eds.) 2008. 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Royal Geographical Society of London, 1 Kensington Gore, London SW7 2AR, UK [Texto sem quebras do historiador John Hemming, traduzido de um manuscrito original em inglês, e posteriormente revisado pelos organizadores] Em 1541, Gonzalo Pizarro veio de Quito para as florestas amazônicas em busca da canela de La Canela e do ouro de Eldorado. Ele liderava os melhores soldados do mundo – duros, experientes, impiedosos, bravos e armados com o que havia de mais moderno na época. Em poucas semanas, esses orgulhosos conquistadores estavam perdidos e passando fome, com a intenção única de encontrar as roças ou depósitos de comida dos povos indígenas que pudessem saquear. Os que sobreviveram estavam exaustos, cobertos de picadas e arranhões, suas roupas em frangalhos, seus sapatos carcomidos, suas preciosas espadas enferrujadas sendo usadas como muletas por alguns deles. A expedição de Pizarro resultou na primeira descida de europeus pelo grande rio, por seu tenente Francisco de Orellana. Duas décadas mais tarde, a segunda descida foi feita pelo traidor basco louco, Lopes de Aguirre. Ele escreveu ao Rei Felipe: “Só Deus sabe como escapamos de tão amedrontador lago! Eu o aconselho, Senhor e Rei, não organize e nem permita que qualquer frota tente navegar nesse amaldiçoado rio... Pois não há nada nesse rio senão desespero, especialmente para novatos vindos da Espanha”. Eis aqui uma constante na história da ocupação da Amazônia: os povos indígenas aprenderam a viver sustentavelmente e bem dentro das florestas e à beira dos rios, enquanto que os europeus nunca o conseguiram. Os primeiros exploraram as dezenas de milhares de espécies de plantas e animais no ecossistema mais rico do mundo. Os últimos, obcecados pela importação de suas plantações e do gado de clima temperado, temiam, lutaram contra e tentaram destruir o que chamaram de “selva sanguinolenta”. As questões que quero responder hoje são: o quanto os paleoíndios alteraram a pai- sagem amazônica, e por que as percepções que os europeus tinham da Amazônia estavam tão erradas. Os primeiros humanos aprenderam a suprir suas necessidades recolhendo frutas, caçando e pescando, colhendo alimentos e materiais, e fazendo agricultura itinerante em pequena escala. Quase tudo isso podia ser feito sem alterar – e certamente sem destruir – o meio ambiente. Lembre-se que a maioria da caça endêmica da Amazônia Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 22 – caititus, antas, macacos, roedores e as aves mais saborosas como o mutum, o jacu ou o jaó – habita as florestas. A principal planta de cultivo, a mandioca, não exige muita derrubada de floresta. E a riqueza de peixes, tartarugas, peixes-boi e capivaras que podem ser retiradas dos rios sem danificar aquele hábitat. Portanto, os povos indígenas tinham pouca necessidade de alterar suas florestas tropicais ou rios. As mudanças que eles causaram de fato se encaixam em quatro categorias: derruba- das de florestas para cultivos ou habitações; queimadas; manipulação da vegetação; e grandes obras agrícolas. A derrubada de florestas era, naturalmente, bastante difícil com machados de pedra. Então os primeiros humanos tendiam a criar roças em torno de árvores derrubadas naturalmente ou em trechos de savana e florestas mais rarefeitas. Pesquisas recentes mostram que suas aldeias continuaram a ocupar os mesmos locais, intermitentemente, por séculos ou milênios, enquanto deixavam outros locais apropriados desabitados. Muitos povos que vêm sendo contatados pela primeira vez nos últimos quarenta anos tinham plantações eficientes próximas às suas aldeias – eu vi isso com os Panará, Parakanã, Suruí, Asurini e Yanomami, e foi o caso de muitos povos da floresta. No entanto, essas hortas jamais cobriram mais que alguns hectares. As roças próximas das aldeias são normalmente cuidadas pelas mulheres. Para a tradi- ção agrícola ocidental, essas plantações podem parecer caóticas – um emaranhado de árvores derrubadas, vegetação meio queimada e uma mistura de plantas úteis e ervas selvagens. Há, no entanto, um método considerável nessa “loucura agrícola”. Árvores são cortadas para produzir corredores de plantio entre massas de detritos, solos frágeis são expostos à luz direta do sol pelo menor espaço de tempo possível, a queimada é controlada de forma que ela não destrói plantas em desenvolvimento, e dezenas de espécies de plantas são exploradas. Galhos descartados são empilhados para decompor e atrair escaravelhos e outros besouros cujos ovos se desenvolvem em deliciosas pupas. Clareiras de roçado são abandonadas depois de alguns anos, mas os índios retornam a elas por décadas para continuar a cultivar árvores e plantas mais úteis. Os cacicados observados pela expedição de Orellana possuíam aldeias que se estendiam por quilômetros ao longo das margens do rio Amazonas, e algumas apresentavam trilhas largas levando para o interior, presumivelmente para as hortas. Mas essas sociedades populosas eram alimentadas em grande parte pela pesca, de forma que a quantidade de florestas que elas destruíam era uma pequena fração do total. O influente geógrafo William Denevan sugeriu em 1996 que “a ocupação estava centrada nos bancos areno- sos com vista para os canais navegáveis e áreas de várzea. Isso sugere que a alteração local das paisagens se estendeu por cinco a dez quilômetros em torno das aldeias, mas com vastas áreas interfluviais onde os Homens tinham pouco impacto sobre a biota”. E os primeiros exploradores relataram passarem dias vagando por bancos inabitados, mesmo no rio principal. Algumas sociedades pré-conquista criaram a maravilhosamente fértil Terra Preta do índio (talvez criadas por “biochar” – queima lenta de dejetos humanos sem oxigênio). Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 23 Mas os locais de Terra Preta são pequenos: Nigel Smith relatou que eles têm em média 21 hectares perto dos rios, mas apenas 1,4 hectare sob a terra firme da floresta. Os maiores, como Açutuba e Hatahara, perto de Manaus, e Taperinha, rio abaixo perto de Santarém, ocupam apenas uns poucos quilômetros quadrados. Queimadas. Há camadas de carvão sob as florestas tropicais em toda a Amazônia. A maioria dos incêndios responsáveis por isso foi causada pelo Homem (em vez de raios) – quer seja para ampliar a roça através da queima da vegetação derrubada du- rante o ano; ou por um incêndio na savana que se espalhou para a floresta adjacente. Evidências de incêndios são particularmente fortes no alto Rio Negro, onde períodos de seca durante a paleo-história podem ter feito com que incêndios saíssem de controle (isso ocorreu em Roraima em 1997-98). Os poucos povos indígenas que preferiam viver em campos abertos ou cerrados em vez de florestas – mais notavelmente povos da língua Je, como os Xavantes Je, alguns Kayapós e Timbiras – usavam incêndios em suas caçadas, para cercar a escassa caça de campo. Isso levou à queima regular anual de campos – a coivara copiada pelos colonos modernos. Manipulação das florestas. Os primeiros paleoíndios na Amazônia eram provavel- mente caçadores e coletores antes de terem desenvolvido a agricultura ou a cerâmica. Temos sorte que ainda existam alguns povos que estão vivendo de forma nômade pelas florestas e nunca constroem ocas ou aldeias permanentes. Povos como os do grupo Maku (Nukak e Hupdu), que viajam por rotas familiares nas florestas entre o Brasil e a Colômbia; e os Awá-Guajá nas florestas pré-amazônicas do Maranhão. Quando os Maku abandonam um acampamento, eles sabem que seus detritos vão brotar e se transformar em suas árvores e plantas prediletas. Então, quando eles retornam, meses depois, acampam ao lado, mas não sobre a floresta que manipularam. As palmeiras tinhammuito a oferecer aos primeiros paleoíndios. Algumas escavações arqueológicas, tais como Peña Roja, no Caquetá, apresentaram quantidades de sementes de palmeiras populares juntamente com fragmentos de implementos de pedra. Logo, as grandes concentrações de palmeiras arbóreas vistas em algumas florestas podem ter sido manipuladas por paleoíndios. O antropólogo norte-americano Darrell Posey descobriu que os Kayapó alteram a floresta em torno de suas aldeias. “A vantagem distinta é que as aldeias Kayapó estão no meio da máxima diversidade de espécies, porque cada zona fornece produtos na- turais e atrai espécies de caça diferentes durante estações diferentes do ano”. Quando Posey saiu para caçar com os Kayapó Gorotire, ele observou que eles carregavam pouca comida, mas quando paravam para acampar ou descansar na floresta, sempre tinham os alimentos que necessitavam. Posey compreendeu que isso não era aciden- tal. Eles carregavam consigo sementes úteis, e as fertilizavam com os seus próprios excrementos. Posey aprendeu que os Kayapós “praticam ‘agricultura nômade’ de longo prazo que inclui o manejo de clareiras das florestas, margens de trilhas e dos campos rochosos”. No cerrado, juntamente com as queimadas anuais, os Gorotire afirmaram para Anthony Anderson e Posey que aumentavam ativamente os agrupamentos de Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 24 vegetação através da transferência de fertilizante orgânico e cupins e formigas para eles. Dessa forma, eles obtiveram um impressionante número de 120 espécies de plantas de tais “ilhas jardins” do cerrado. “O gênio da paisagem cultural dos Kayapós está em sua flexibilidade, atendendo às necessidades tribais em tempos de paz e de guerra, de secas e de chuvas”. Outros povos pela Amazônia ajustam suas florestas de modo semelhante. William Balée descobriu que quando os Ka’apor (no Gurupi, entre os estados do Pará e do Maranhão) faziam coleta nas florestas aparentemente virgens, estavam, na verdade, explorando um ecossistema que eles tinham alterado por muitos séculos. Ele chamou seus nichos bióticos de “florestas antropogênicas” e calculou que 12% da Amazônia foram afetadas dessa forma. Porém, devemos considerar que essa manipulação de espécies vegetais não causou nenhum desmatamento; e o rearranjo nas árvores não fez diferença alguma para a fragilidade dos solos subjacentes. O quarto impacto causado pelos povos indígenas sobre a paisagem está relacionado aos trabalhos agrícolas no solo, particularmente com elevações e escavações nos campos. Tais grandes projetos estão comumente associados aos povos Arawak. Os diligentes falantes Arawak eram os mais numerosos e generalizados dos principais “troncos de linguagem” das planícies baixas do Norte da América do Sul. Eles se espalharam pelo Caribe e suas ilhas, nas planícies da Colômbia e das Guianas, até o Rio Negro, na ilha de Marajó, nos grandes afluentes do sul da Amazônia, e sobre os llanos do norte da Bolívia. Suas plataformas, canais e diques são vistos do alto. Mas, uma vez mais, eles causaram pouco desmatamento, já que a maior parte dessas obras foi feita em savanas naturais. Então, eu defendo que, apesar dos povos indígenas terem manipulado ou queimado florestas em talvez um sexto da Amazônia, suas atividades não causaram nenhum grande desmatamento ou mudança na aparência da paisagem. Com a conquista pelos portugueses e espanhóis, a mudança ambiental pode na verdade ter diminuído. Doenças letais importadas, contra as quais os povos indígenas não tinham herdado imunidade alguma, causaram uma catástrofe demográfica. Essa redução na população foi exacerbada pelas “descidas” de índios pelas tropas de resgate que escra- vizavam e pelos missionários preocupados em repopular suas aldeias missionárias. Nunca houve mais que alguns milhares de colonos nas planícies da Amazônia durante toda a era colonial, e suas cidades e plantações eram apenas minúsculas manchas em meio à imensidão de florestas e rios. As culturas agrícolas que os europeus desejavam – açúcar, arroz, algodão, tabaco e café – se desenvolviam melhor em outros locais onde o clima era mais temperado, os solos melhores, e os insetos, pestes e ervas daninhas eram menos destrutivos. A Companhia Geral de Comércio do Grão Pará e Maranhão, estabelecida pelo Marquês de Pombal, derivou seus parcos lucros por meio das drogas do sertão, estaleiros, óleo de tartaruga, cacau e arroz. As drogas da floresta eram todas colhidas sustentavelmente (fora a salsaparrilha, cuja extração envolvia a destruição de seus arbustos), os estaleiros causaram a extração de madeira para mastros e tom- badilhos – mas poucas embarcações foram construídas na Amazônia durante aquele Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 25 século; o óleo de tartaruga destruiu os ovos da espécie, mas não o seu hábitat; plan- tações de cacau se concentraram nos furos em torno da Ilha de Marajó; e o arroz era todo plantado no Maranhão. Quando Alexandre Rodrigues Ferreira e outros navegaram o Amazonas e o Negro rio acima, tomaram nota de cada plantação de cacau, índigo ou outras culturas; mas essas eram bem poucas e seu impacto sobre o meio ambiente era minúsculo. O gado era criado apenas nos campos naturais na Ilha do Marajó, nos llanos da Bolívia e, depois de 1780, em Roraima. Ninguém se preocupou em derrubar florestas para tentar criar mais pastagens. O ciclo da borracha na segunda metade do século 19 e início do século 20 trouxe uma vasta riqueza, mas causou pouco dano ambiental, as seringueiras, Hevea bra- siliensis, eram, naturalmente, exploradas sustentavelmente – árvores individuais de caucho na Amazônia ocidental tinham que ser destruídas para a extração do látex; mas a quantidade dessa borracha inferior era pequena em comparação aos seringais brasileiros e bolivianos. Houve, na verdade, algum desmatamento para suprir lenha para os vapores que navegavam pelos rios, para os barracões dos seringueiros, de áreas para a plantação de mandioca e feijão e para alimentar as populações das cida- des de Manaus, Belém e Iquitos, que estavam em franco crescimento. No entanto, as populações eram pequenas para os padrões atuais – Manaus em seu apogeu contava com apenas setenta mil habitantes, e no máximo cinquenta mil seringueiros se espa- lharam pelos rios Purus e Acre. A maior parte da comida para Manaus era importada, e gado era trazido de Roraima através do Rio Branco. A única estrada importante era a estrada de ferro Madeira-Mamoré, que consumiu muitos dormentes de madeira e criou um talho de 300 quilômetros através de sua floresta. Por volta de 1920, o ciclo da borracha chegou ao seu fim, e a Amazônia voltou à sua tranquilidade ambiental com uma população pequena e em franca redução. Em retrospecto, o coronel George Church (o engenheiro norte-americano que foi o primeiro a tentar construir a ferrovia Madeira-Mamoré) fez uma pergunta altamente relevante: “O que o homem civilizado foi capaz de realizar durante os quatro séculos em que ocupou o vale [do Amazonas]?... Na realidade, com todas as suas vantagens, ele tem uma alimentação pior do que seus predecessores aborígines, já que provavel- mente não há vinte milhas quadradas cultivadas na bacia do Amazonas”. O geógrafo norte-americano Roy Nash observou nos anos 20 do século passado, que a Amazônia praticamente não possuía agricultura ou estradas. A analogia deselegante de Nash foi: “os primeiros 400 anos de ‘cutucadas’ luso-brasileiras não foram capazes de fazer nem mesmo um furo na casca deste queijo verde gigante”. Aqueles séculos de “remadas para cima e para baixo no rio” haviam rendido apenas “a destruição da maior parte da população aborígine e a mutilação de algumas seringueiras”. O “declínio” da Amazônia deixou perplexas as visões dos Darwinistas econômicos que acreditavamno infindável progresso humano. Os forasteiros erradamente igualaram a vegetação tropical luxuriante à agricultura de climas temperados. Eles acharam que os pioneiros e vigorosos europeus podiam transformar a Amazônia da mesma maneira Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 26 que estavam se expandindo na América do Norte. Humboldt ficou desapontado em 1800, por não encontrar nenhum vestígio de civilização às margens do Amazonas. Vinte anos mais tarde, seus compatriotas Spix e Martius fantasiaram: “Que perspec- tivas maravilhosas estão abertas, quando as margens da corrente majestosa estiverem um dia ocupadas por cidades populosas, ... e estradas ligarem... o Oceano Pacífico ao Atlântico, quando as florestas melancólicas vazias do Casiquiare ecoarem os gritos dos marinheiros navegando do Orinoco para o Amazonas... [para] emergir seguramente no movimentado rio da Prata!”. Alguns anos mais tarde, o tenente Henry Lister, da marinha britânica, previu que quando a navegação a vapor fosse introduzida no Amazonas “o país não será mais reconhecível”. Em meados do século 19, os Estados Unidos se tornaram mais ambiciosos. Seu princi- pal hidrógrafo e oceanógrafo, tenente Matthew Fontaine Maury, publicou em 1853 um estudo sobre as águas brasileiras que afirmava, estranhamente, que “a Amazônia não é nada mais que uma continuação do Vale do Rio Mississippi”. Ele estava convencido de que a região podia se tornar um segundo Éden – desde que fosse ocupada não “por um povo imbecil e indolente [mas por] uma raça empreendedora que tenha energia e iniciativa equivalentes para subjugar a floresta e desenvolver... os vastos recursos que estão escondidos lá”. Maury incentivou seu governo a enviar os tenentes William Lewis Herndon e Lardner Gibbon Amazonas abaixo, com instruções sigilosas de fazer um re- latório sobre o seu potencial. O que eles viram os deixou extremamente entusiasmados. “Aqui temos um continente cujas praias produzem, ou talvez sejam forçadas a produzir, tudo o que a terra provê para a manutenção de mais pessoas do que ela contém no momento... Suponhamos agora que as margens desses rios sejam colonizadas por uma população ativa e diligente...; suponhamos que em tal país sejam introduzidos ferrovias e barcos a vapor, o arado, o machado e a enxada; suponhamos que a terra seja dividida em grandes propriedades e cultivada por escravos de forma que produza tudo aquilo que é capaz de produzir; e... devemos concluir que nenhum território na face da terra está localizado tão favoravelmente, e que, uma vez que o comércio ali se instale, o poder, riqueza e grandiosidade da antiga Babilônia e da Londres moderna vão dar lugar àquela do... Orinoco, Amazônia e Rio da Prata”. O livro escrito por Herndon e Gibbon foi um best-seller. Um leitor entusiasmado foi Samuel Clemens (“Mark Twain”) que ficou “com um desejo ardente de subir o Amazonas... para ganhar uma fortuna”. Os oficiais navais não foram os únicos observadores a serem enganados pela fertilidade do Amazonas. O naturalista britânico Alfred Russel Wallace também foi ludibriado por “um país onde não há parada de operações agrícolas durante o inverno... Eu au- daciosamente afirmo, que aqui a floresta primitiva pode ser convertida em pastagens ricas, em campos cultivados, hortas e pomares contendo todos os tipos de vegetais”. Houve também um triste adendo a essa histeria em relação ao potencial da região. Um aventureiro chamado Lansford Warren Hastings recebeu uma enorme concessão do governo do Pará perto de Santarém. Com o fim da Guerra da Secessão Americana, Hastings persuadiu trezentos ansiosos Confederados a tentarem se estabelecer lá. Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 27 Alguns brasileiros ficaram temerosos que isso levasse os Estados Unidos a anexarem a pouco populosa Amazônia, da mesma forma que tomaram a Califórnia do México. Mas, uma vez mais, os problemas de uma floresta tropical foram grandes demais para esses pioneiros de “raça avançada”. A colônia foi um fracasso absoluto, e os norte-a- mericanos sobreviventes voltaram arrasados para o seu país. É irônico que essa área tenha sido o lugar do grande cacicado de Tapajó, de antes dos conquistadores; mas na década de 30 do século passado o fabricante de automóveis Henry Ford sofreu o pior fracasso financeiro de sua carreira lá, quando tentou plantar milhões de seringueiras em Fordlândia e depois em Belterra, apenas para testemunhar essas plantações serem destruídas pelo mal-das-folhas da seringueira. Em 1914, o coronel Cândido Rondon escoltou o ex-presidente Theodore Roosevelt na primeira descida pelo Rio da Dúvida (depois rebatizado de Rio Roosevelt). Teddy Roosevelt frequentemente admirou-se com a beleza desse rio inexplorado. Entretanto, como tantos de seus contemporâneos, ele erroneamente igualou a exuberância tro- pical com os solos ricos de sua terra temperada. Ele imaginou um belo trecho do rio se tornando um cafezal. “Certamente, não se pode permitir que terra tão rica e fértil continue ociosa, permanecer como uma selva sem ocupante”. Ele imaginou que as correntezas poderiam gerar energia hidrelétrica. Isso iria “movimentar carros elétricos ao longo de toda sua extensão... e forneceria energia para usinas e fábricas, e aliviar o trabalho braçal nas fazendas”. Durante o ciclo da borracha, muitos autores desavisados foram enganados pela sua riqueza ao exaltar o potencial da Amazônia. Mas nada aconteceu, a não ser o estouro da bolha financeira. As grandes mudanças na paisagem se iniciaram apenas em me- ados do século 20. Elas foram resultados da invenção da serra elétrica, das máquinas de terraplanagem para construir estradas, e da aviação. Ouviremos mais sobre esses desdobramentos durante o resto deste simpósio. Referências Lope de Aguirre to King Philip II, Barquisimeto, October 1561. In: Jos, E. 1927. La Expedi- ción de Ursúa al Dorado, la Rebelión de Lope de Aguirre y el Itinerario de los “Marañones”. Huesca, 200. Church, C. G. E. The Aborigines of South America. 1912. London: Chapman and Hall, 13. Nash, R. 1926. The Conquest of Brazil. London: Jonathan Cape, 387-8. Spix & Martius. Reise in Brasilien, vol. 3, bk 9, ch. 6, p. 1363. Maw, H. L. 1829. Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic. London: John Murray, 45. Maury, M. F. 1852. “On extending the commerce of the South and West by sea”, (De Bow”s Southern and Western Review, 12, 381-99) 393. Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 28 Matthew Maury letter to William Herndon, Washington, 20 April 1850. In: Dozer, D. M. 1948. “Matthew Fontaine Maury’s letter of instruction to William Lewis Herndon”, Hispanic American Historical Review (28, 212-28) 217. Herndon, W. L. & L. Gibbon. 1854. Exploration of the Valley of the Amazon made under Direction of the Navy Department. 2 vols. Washington DC: Robert Armstrong Public Printer, quoted in Frederico José, Baron de Santa-Anna Néry. Le pays des Amazones (Paris, 1885), trans. George Humphrey. The Land of the Amazons, (London, 1901) 293-4. Twain, M. (ed. A. B. Paine). 1924. Mark Twain’s Autobiography. 2 vols. New York: P F Collier, vol. 2, 289. Wallace, A. R. 1853. A Narrative of Travels on the Amazon and Rio Negro. London: Reeve & Co., 232. Denevan, W. M. 1996. “A bluff model of riverine settlement in prehistoric Amazonia”. Annals of the Association of American Geographers 86: 654-681. Roosevelt, T. 1914. Through the Brazilian Wilderness. London: John Murray, 255. 29 Capítulo 3 Serviços ambientais provenientes de florestas intactas, degradadas e secundárias na Amazônia brasileira1 Philip M. Fearnside. Coordenação de Pesquisas em Dinâmica Ambiental, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Av. André Araújo, 2936, CEP 69.060-000,Manaus, Amazonas, Brasil. pmfearn@inpa.gov.br Biodiversidade A Amazônia é comumente tida como possuindo aproximadamente 20% das espécies vegetais e animais da Terra (por ex., Magrin et al., 2007). Quer essas estimativas gros- seiras estejam ou não corretas, é inegável o fato que a biodiversidade da Amazônia é enorme. A Amazônia se distingue de muitas outras regiões do mundo com alta biodiversidade tais como Madagascar e a Floresta Atlântica brasileira pelo fato que grandes extensões da floresta amazônica ainda estão intocadas. A Amazônia não foi classificada como um “hotspot” por Myers et al. (2000) e recebeu pouca prioridade para conservação do que outras áreas, como o cerrado brasileiro, devido à pouca ame- aça percebida (Dinerstein et al., 1995). Tal “desvalorização” da floresta amazônica em prioridade para conservação ignora a alta variabilidade geográfica dentro da região (Bates e Demos, 2001). A destruição está avançando rapidamente e o tamanho da flo- resta remanescente é enganadora no que diz respeito à manutenção da biodiversidade. Em adição à perda de áreas florestais através de desmatamento, a biodiversidade é ameaçada pelos efeitos da fragmentação e degradação do hábitat pelos efeitos de bor- da, incêndios florestais, extração de madeira, caça, introdução de espécies exóticas e mudanças climáticas (por ex., Laurance e Peres, 2006). As mudanças climáticas representam uma ameaça significativa para a biodiversidade ama- zônica. Sob os cenários climáticos mais catastróficos (aqueles criados pelo Hadley Center do Metereorological Office do Reino Unido, a serem discutidos mais tarde), 43% de uma amostra representativa de 69 espécies de plantas angiospermas tornam-se inviáveis por volta de 2095 devido a mudanças nas localizações das zonas climáticas (Miles et al., 2004). O papel potencial das florestas secundárias na manutenção da diversidade amazônica tem provocado uma controvérsia considerável. Wright e Müller-Landau (2006) sugerem que a crescente urbanização nos trópicos, inclusive na Amazônia, vai atrair pessoas das áreas rurais para as cidades, permitindo que grandes áreas de florestas secundárias cresçam em áreas agrícolas abandonadas com uma consequente manutenção de uma parte substancial da biodiversidade em áreas tropicais. Essa teoria tem sido caloro- samente contestada, tanto em suas pressuposições em relação ao abandono da terra 1 Artigo escrito originalmente em inglês para este livro e traduzido por Paulo Roberto Maciel dos Santos. Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 30 para a floresta secundária como em sua expectativa de manutenção de altos níveis de biodiversidade (Fearnside, 2008a; Laurance, 2006; Sloan, 2007). A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC) está muito à frente da Convenção Sobre a Diversidade Biológica (CDB) em termos de ter grandes quantias de dinheiro disponível. A CBD se concentra em direitos de pro- priedade intelectual para assegurar que os residentes das florestas tropicais recebam royalties de futuras descobertas de produtos farmacêuticos e outros usos comerciais da biodiversidade. O desenvolvimento de remédios e seu licenciamento para uso comercial levam décadas, de forma que fluxos monetários substanciais dessas fontes não podem ser levados em conta para proteger grandes áreas da floresta amazônica (Fearnside, 1999a). A opinião frequentemente emitida na Europa que acabar com o desmatamento nos trópicos é uma questão mais de biodiversidade do que climática, e deve portanto ser tratada sob a égide da CBD em vez da CQNUMC, representaria nada menos que uma sentença de morte para as florestas se levada a sério. Reciclagem da água As florestas tropicais na Amazônia reciclam vastas quantidades de água. Estima-se que a evapotranspiração na Bacia do Amazonas totalize 8,4 × 1012m3 de água anualmente, ou quase metade a mais que os 6,6 × 1012m3 de fluxo anual do Rio Amazonas em sua foz, e mais que o dobro dos 3,8 × 1012m3 de fluxo anual no “Encontro das Águas” nas proximidades de Manaus (Salati, 2001). A porcentagem do índice pluviométrico derivado da água reciclada aumenta da parte oriental da floresta para sua parte oci- dental, e é mais alta na estação seca, quando as florestas são mais suscetíveis à seca (Lean et al., 1996, p. 560-561). Simulações indicam que se a floresta fosse inteiramente desmatada, haveria uma redução substancial na evapotranspiração, e as chuvas da estação seca diminuiriam sobre uma grande área, especialmente na parte ocidental da região (Foley et al., 2007). Se a área desmatada e convertida em pastagem ultrapassar aproximadamente 40% da área de floresta original, a precipitação na estação seca sofre um declínio brusco (Sampaio et al., 2007). A água reciclada pela floresta não apenas contribui para a manutenção do regime de chuvas na Amazônia de uma forma que é necessária para a sobrevivência da floresta, ela também fornece vapor d’água que é transportado pelos ventos para o centro-sul do Brasil e para os países vizinhos, como o Paraguai e a Argentina (por ex., Marengo et al., 2002, 2004; Fearnside, 2004a). A incerteza em relação à quantidade de água transportada é alta, mas os volumes envolvidos são tão grandes que o efeito ainda seria substancial mesmo se a porcentagem transportada para o sul estivesse na parte mais baixa do es- pectro de possibilidade. Correia (2005) produziu uma simulação de transporte de água que indica que, da quantidade anual total de vapor d’água ingressando em um retângulo cobrindo a maior parte da Amazônia brasileira, metade deixa o retângulo em direção ao sul. Os ventos predominantes na Amazônia sopram do leste para o oeste, trazendo uma quantidade estimada de 10 × 1012m3 de água do Oceano Atlântico (Salati, 2001). Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 31 Subtraindo-se os 6,6 × 1012m3 que deságuam na foz do Amazonas, sobram 3,4 × 1012m3 que devem ser transportados para locais fora da Bacia Amazonas/Tocantins. Isso repre- senta quase tanto quanto o fluxo de 3,8 × 1012m3/ano que se vê no Encontro das Águas. Dois tipos de vento movem o vapor d’água para o centro-sul do Brasil: campos de vento derivados dos ventos predominantes do nordeste (Correia et al., 2007) e cor- rentes intermitentes de nível inferior (Marengo, 2006; Marengo et al., 2002, 2004). A quantidade transportada varia sazonalmente, sendo mais importante em Dezembro e Janeiro – pico da estação chuvosa no centro-sul do Brasil. Este é o período crítico para encher os reservatórios das hidrelétricas localizadas na bacia do Paraná/Rio da Prata e na bacia do Rio São Francisco. Essas represas formam a espinha dorsal do for- necimento de energia elétrica do Brasil. Se os reservatórios não ficam cheios durante essas poucas semanas, eles não ficarão durante o resto do ano porque a taxa de uso da água invariavelmente ultrapassa a taxa de recarga. O “apagão” de 2001 demonstra que o suprimento de água já se encontra em um nível crítico. Se a estação chuvosa for enfraquecida pela perda de vapor d’água da Amazônia, as consequências para a maioria da população do Brasil seriam imediatas (Fearnside, 2004a). Estoques de carbono a) Emissões de desmatamento de florestas primárias O estoque de carbono nas florestas primárias na Amazônia brasileira é enorme, e evitar a liberação desse carbono para a atmosfera representa, portanto, um serviço ambiental importante porque evita os impactos correspondentes do aquecimento global. O termo “primárias” é usado aqui para referir-se a florestas que estão presentes desde o contato com europeus. Elas não são “virgens” no sentido de não serem influenciadas pelos povos indígenas que as têm habitado por milênios, nem são necessariamente livres de impactos da extração seletiva de madeira e incêndios resultantes de influência humanarecente. Estimativas variam amplamente quanto à quantidade de biomassa e carbono esto- cada nas florestas primárias amazônicas. No entanto, por causa de erros conhecidos em algumas das estimativas, a variação de incerteza genuína é muito menor que a variação de números que têm sido publicados e mencionados. Parte disso deriva de um valor extremamente baixo para biomassa de florestas calculado por Brown e Lugo (1984), que calcularam que as florestas amazônicas têm uma média de apenas 155,1Mg (megagramas = toneladas) de biomassa viva por hectare, incluindo as raízes. Isso é aproximadamente metade da magnitude das estimativas atuais. Esta estimativa e sua subsequente revisão (para a biomassa acima do solo apenas) para 162 Mg/ha a partir do levantamento de volume florestal feito pelo Projeto RADAMBRASIL e para 268 Mg/ha a partir de levantamentos de volume florestal feitos pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) (Brown e Lugo, 1992a), e então revisados para 227 e 289 Mg/ha, respectivamente (Brown e Lugo, 1992b), foram tema Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 32 de uma discussão calorosa, durante a qual este autor foi acusado de ser “claramente alarmista” (Lugo e Brown, 1986) por defender valores mais altos para a biomassa (ver Brown e Lugo, 1992c; Fearnside, 1985, 1986, 1992, 1993). Enquanto os próprios Brown e Lugo não utilizam mais suas estimativas muito baixas de biomassa daquele período, os fantasmas desses números ainda estão conosco hoje, especialmente a famigerada estimativa de 155,1 Mg/ha. Isso se deve porque muitas discussões sobre a biomassa amazônica ficam restritas ao relato de uma faixa de valores publicados, simplesmente dizendo que estimativas variam de “X” a “Y” (por ex., Houghton, 2003a, b; Houghton et al., 2000, 2001). Leitores não familiarizados com os detalhes das controvérsias normalmente presumem que o valor “real” fique no meio da variação. Esta é a “falá- cia de Cachinhos Dourados”, ou presumir a priori que o valor médio está “certinho”. Infelizmente, se os termos são definidos da mesma forma, pode haver apenas um valor correto para a biomassa média da floresta amazônica. Esse valor vai depender da qualidade e quantidade dos dados subjacentes e da validade da interpretação aplicada a esses números. Não há substituto algum para compreender e avaliar os argumentos envolvidos. A vastidão da área da Amazônia, os diversos tipos de florestas na região e a alta variabilidade de biomassa de um hectare para o outro dentro de qualquer tipo flo- restal significa que um grande número de parcelas de amostragem é necessário para representar adequadamente a biomassa da região. As fontes principais de dados são a pesquisa RADAMBRASIL, com mais de 3.000 parcelas medindo um hectare onde as árvores foram medidas nos anos 1970 e no início dos anos 1980 (Brasil, Projeto RA- DAMBRASIL 1973-1983) e os 1.356 ha de parcelas pesquisadas pela FAO (Heinsdijk, 1957, 1958; Glerum, 1960; Glerum e Smit, 1962). Estimativas baseadas em bancos de dados bem menores vão necessariamente portar incertezas substanciais. Exemplos incluem as estimativas feitas por Saatchi et al. (2007), baseadas em 280 parcelas em florestas primárias (aproximadamente a metade das quais se localizavam no Brasil), e o estudo de Malhi et al. (2006), que interpolou usando Kriging (seguida por ajustes para os efeitos de diversas variáveis ambientais) baseados em 226 parcelas, 81 das quais localizadas no Brasil e que se concentravam pesadamente nas áreas de Manaus, Belém e Santarém. Uma estimativa (Achard et al., 2002) foi baseada na média de dois valores, um dois quais (Brown, 1997, p. 24) se referia a uma única parcela localizada na Floresta Nacional de Tapajós no Pará (FAO, 1978) e não pretendeu representar a Amazônia como um todo (ver Fearnside e Laurance, 2004). Houghton et al. (2000) derivaram uma estimativa interpolada de 56 parcelas, enquanto Houghton et al. (2001) produziram uma estimativa interpolada a partir de 44 amostras, das quais apenas 25 se localizavam em florestas de terra firme brasileira; estes autores então fizeram a média com o valor de 192 MgC/ha com seis outras estimativas regionais para produzir a média de 177 MgC/ha de estoque de Carbono na biomassa utilizada por Ramankutty et al. (2007, p. 64) para calcular emissões. Isso também se aplica aos estudos que têm baseado seus cálculos na estimativa de Houghton et al. (2000), tais como Soares-Filho et al. (2004, 2006) e DeFries et al. (2002). Interpolações a partir Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 33 do número pequeno de amostras utilizadas nas estimativas por Houghton e seus co- legas se tornam ainda mais incertas pelo efeito de um agrupamento pronunciado de localidades de amostra, que tanto exacerba a falta de cobertura para a maior parte da região, como revela a grande incerteza das estimativas baseadas em pequenas áreas de amostragem, as quais apresentam grande variabilidade entre locais próximos. Este estudo utiliza 2.860 parcelas do RADAMBRASIL e inclui as informações dos mapas se vegetação do RADAMBRASIL. As localizações das parcelas do RADAMBRASIL são altamente não aleatórios, com as amostras se concentrando pesadamente ao longo de rios e estradas. A concentração de amostras nas proximidades de rios significa que a vegetação ripária é proporcional- mente mais amostrada do que os interflúvios localizados no interior. Simplesmente converter as estimativas de volume do RADAMBRASIL em biomassa e interpolar entre os locais vai portanto superenfatizar os tipos mais baixos de biomassa de vegetação ripária e tenderá a subestimar a biomassa média na região (ou seja, as estimativas do RADAMBRASIL em Houghton et al., 2001). A facilidade computacional de se utili- zar o aplicativo de Sistema de Informação Geográfica (SIG) para interpolar entre os pontos de amostra usando técnicas de Kriging produz mapas visualmente atraentes mas descarta a tremenda quantidade de trabalho que as equipes do RADAMBRASIL investiram na classificação e mapeamento da vegetação. Outra abordagem é utilizar informações de sensoriamento remoto para fazer estima- tivas de biomassa através da associação de uma variedade de parâmetros detectados a partir do espaço com as biomassas que foram medidos em uma série de pontos de referência no solo. Isso foi feito por Saatchi et al. (2007) usando dados de radar de satélite com resolução de 1 km, dos quais vários caracteres foram extraídos e asso- ciados a dados já publicados ou disponíveis de parcelas pesquisadas desde 1990. Os conjuntos de dados mais antigos, mas muito maiores, das pesquisas realizadas pelo RADAMBRASIL e pela FAO não foram utilizados para calibrar os resultados dos sensores de radar, nem os mapas de vegetação que o projeto RADAMBRASIL derivou dos dados de radar de alta resolução aliados a um conjunto de observações extensivas de campo. O uso do conjunto de dados do RADAMBRASIL requer um esforço considerável devido à confusão em relação aos tipos de vegetação nas legendas dos mapas. Entre os 23 volumes nos quais a cobertura da Amazônia brasileira está dividida, os códigos dos mapas correspondendo a tipos diferentes de vegetação mudam de um volume para o outro. O nível de detalhamento nos códigos não é consistente durante a pesquisa inteira, com alguns volumes utilizando códigos de quatro letras e outros simplificando para três. Na Amazônia brasileira há 145 tipos de vegetação no conjunto de dados do RADAMBRASIL. Esses podem ser traduzidos nos 19 tipos de floresta usados em mapas com escala 1:5.000.000 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e nos mapas com escala 1:2.500.000 do Instituto Brasileiro de Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.)34 Geografia e Estatística (IBGE), usando equivalências que mudam dependendo do volume do RADAMBRASIL. Há muitas inconsistências nas descrições dos tipos de vegetação associados a cada parcela. Todos os volumes são compostos de um tomo principal com capa verde e mais um pacote de mapas em escala 1:1.000.000. Do Volume 8 em diante, também há um tomo com capa branca contendo dados em nível de parcela sobre o volume de madeira por espécie e classe de tamanho. Os capítulos nos tomos verdes até o Volume 18 também contêm muitos mapas pequenos em escala 250.000 mostrando as localizações das parcelas e tipos de vegetação. Aproximadamente a metade das 3.000 parcelas apresenta algum tipo de inconsistência, onde o texto do tomo verde lista uma certa parcela para um tipo de vegetação, o tomo branco lista outra, e/ou o mapa da vegetação em escala 1:1.000.000 ou o mapa de localização em escala 1:250.000 mostra um tipo diferente de vegetação. Fearnside (1997a, 2000b,c) utilizou apenas os 1.500 pontos sem inconsistências para descrever o tipo de vegetação. Um esforço em anda- mento de clarificar essas inconsistências expandiu o número de parcelas utilizáveis. Os dados árvore-por-árvore das parcelas não são reportados nos tomos publicados do RADAMBRASIL. Esses dados foram aparentemente digitalizados duas vezes: uma pela FUNCATE (Fundação de Ciência, Aplicação e Tecnologia Espaciais, uma empresa de São José dos Campos, São Paulo, que prestou serviços para o INPE de preparação dos dados para as estimativas de emissão por desmatamento que foram incluídos no comunicado oficial do Brasil para o CQNUMC). Até onde pode ser determinado, esse conjunto de dados se perdeu. Esforços repetidos por este autor e por Carlos Nobre têm sido mal-sucedidos em obter os dados originais de árvore-por-árvore utilizados no comunicado oficial do Brasil. A estimativa do comunicado oficial das emissões de desmatamento (Brasil, MCT, 2004, p. 148; FUNCATE, 2006, p. 23) está baseada em um “comunicado pessoal” de 2000 que nunca foi tornado público. Em adição a tornar impossível qualquer verificação dos cálculos, esta estimativa oficial ignora todo o trabalho feito durante o período de cinco anos de 2000 a dezembro de 2004. Os dados do RADAMBRASIL foram subsequentemente digitalizados pelo IBGE. Um grande número de erros tipográficos, juntamente com a inclusão de savanas arboriza- das, torna necessários uma extensiva filtragem e escolha de forma a utilizar os dados. Trabalhos nesse sentido estão sendo executados. É provável que erros semelhantes se apliquem à versão do conjunto de dados no comunicado oficial, mas não há maneira de verificar isso. Avanços recentes foram feitos por Nogueira et al. (2007) no ajuste das estimativas de biomassa para o efeito da variação na densidade da madeira entre o arco de desma- tamento e a área no Amazonas central onde quase todos os dados anteriores haviam se originados. Ajustes adicionais fazem correções para diferenças em alturas das árvores entre essas áreas da Amazônia (Nogueira et al., 2008). Árvores da mesma es- pécie no arco de desmatamento são mais baixas para qualquer determinado diâmetro do que aquelas na Amazônia Central, e elas têm madeira com densidade mais leve Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 35 e conteúdo maior de água. Essas correções têm o efeito de diminuir a biomassa em comparação com estimativas anteriores. As correções não resolvem diferenças entre essas estimativas anteriores, entretanto todas elas diminuiriam paralelamente. Para estimativas baseadas em dados árvore-por-árvore (em oposição a estimativas baseadas em cálculos de volume de madeira por parcela publicadas pelo RADAMBRASIL), também é necessário fazer correções para troncos irregulares e ocos (Nogueira et al., 2006). Em alguns casos, correções adicionais são necessárias para o posicionamento de amostras de densidade de madeira dentro do tronco e/ou para a maneira como as amostras de madeira são secadas (Nogueira et al., 2005). b) Absorção de carbono pela floresta A floresta em pé está absorvendo uma grande quantidade de carbono? Esta pergunta há muito tem sido fonte de controvérsias, mas tem havido muito progresso em res- pondê-la. A falsa concepção ainda popular que a Amazônia é o “pulmão do mundo”, significando que ela é responsável pelo suprimento de oxigênio para a atmosfera, implica que uma enorme quantidade de carbono deve estar sendo armazenada na região, presumivelmente no aumento da biomassa da floresta. A impossibilidade de tal mecanismo suprir uma quantidade significativa de oxigênio tem sempre sido bem clara porque para fazer isso implicaria em um aumento tão grande de biomassa que este seria óbvio para os observadores casuais. As árvores das florestas não são mui- tas vezes maiores hoje em dia do que eram um século atrás. Apesar da fotossíntese pelas árvores liberar oxigênio, aproximadamente a mesma quantidade de oxigênio é consumida pela floresta através da respiração de plantas e animais (que acontece 24 horas por dia, diferentemente da fotossíntese, que fica restrita às horas do dia). Para ter uma liberação líquida de oxigênio, o carbono sequestrado pela fotossíntese deve ficar armazenado de tal forma que ele não pode recombinar-se com o oxigênio para produzir dióxido de carbono. Isso ocorre, por exemplo, com material orgânico que cai no fundo do oceano e é enterrado sob sedimentos marinhos. Já que o dióxido de carbono perfaz apenas 3% da atmosfera, em comparação aos aproximadamente 20% para o oxigênio, taxas de emissão ou absorção muito menores seriam necessárias para surtir um efeito apreciável nas concentrações, no caso do di- óxido de carbono. Desequilíbrios na absorção e liberação de carbono poderiam afetar as concentrações atmosféricas de dióxido de carbono numa escala de tempo de alguns anos, apesar de que numa escala de séculos o equilíbrio deva ser aproximadamente zero. Uma série de estimativas de medidas de correlação de correntes do movimento vertical do CO2 passando por sensores implantados em torres acima das copas das árvores produziram valores amplamente diferentes para o fluxo líquido de carbono, frequentemente relatados como uma variação, tais como uma absorção de 1-6 MgC/ ha/ano. Expressando isso dessa forma implica que há um enorme desentendimento na comunidade científica sobre a natureza geral do resultado. Ainda que haja algum desentendimento, ele é muito menor que tal variação implica. Em grande parte, a ampla Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 36 variação de resultados representa uma progressão de revisões dos números devido a problemas com a metodologia inicial de mensuração. As revisões resultaram em uma redução contínua na estimativa da absorção pela floresta, e números no extremo mais alto da variação foram desqualificados porque a maior parte do CO2 medido como se estivesse sendo absorvido pela floresta durante o dia estava, na verdade, vazando colina abaixo nas proximidades do solo à noite, apenas para ser liberado durante a manhã através da camada divisora em algum local longe da torre (Araújo et al., 2002; Kruijt et al., 2004). Estimativas corrigidas extrapoladas para a Amazônia inteira indicam variação substan- cial, com florestas servindo ou como uma fonte ou como sumidouro, a média sendo um sumidouro de 2,3 ± 3,8 MgC/ha/ano (Ometto et al., 2005). Os fluxos noturnos e do início da manhã são especialmente importantes para a enorme incerteza no equilíbrio total. Durante anos de ocorrência do El Niño, a floresta perde carbono, e na área perto de Santarém descobriu-se que a floresta era uma fonte pequena, mesmo em anos sem ocorrência do El Niño (Saleska et al., 2003), um resultado que é consistente com os estoques de carbono estimados a partir do monitoramento da biomassa das árvores e detritosde madeira na mesma floresta (Rice et al., 2004). Esse efeito também é esperado dos resultados da modelagem (Tian et al., 1998, 2000). Ficou evidente no momento das altas estimativas iniciais que algo estava errado com o número porque o cresci- mento da floresta na taxa inferida seria prontamente observável, e isso contradiz os dados de mensuração das árvores da ampla pesquisa do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais, nas proximidades de Manaus (Fearnside, 2000a). Há variação substancial de acordo com a localização na quantidade de absorção cal- culada de carbono. As taxas máximas de absorção foram estimadas a partir de men- surações de crescimento de árvores no Peru e no Equador (Baker et al., 2004; Phillips et al., 1998, 2002, 2004); infelizmente, não há torres nesses locais para mensurações comparáveis com métodos de correlação de vórtices. Um gradiente declinante nas taxas de absorção dos Andes em direção ao Oceano Atlântico tem sido atribuído a um gradiente correspondente na qualidade do solo (Malhi et al., 2006). c) Absorção de carbono por florestas secundárias Pouco antes da Conferência das Partes de Kyoto em 1997, que produziu o Protocolo de Kyoto, o governo brasileiro anunciou que o país produz emissões líquidas zero do desmatamento da Amazônia porque “o carbono é reabsorvido” (IstoÉ, 1997). A afir- mação que “as plantações [ou seja, florestas secundárias] que substituem as florestas reabsorvem o carbono que foi lançado à atmosfera pelas queimadas” ignora os aproxi- madamente dois terços da emissão pelo desmatamento que advém da decomposição ao invés da queimada (Fearnside, 1997a). Mesmo assim, a noção que a paisagem na área que foi desmatada a cada ano absorve essa quantidade de carbono ainda é um exagero grosseiro. Apenas 7,3% das emissões de CO2 em 1990 será futuramente reabsorvida pela paisagem substituta (Fearnside, 2000b, p. 235). Isso está baseado na composição Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 37 de equilíbrio da paisagem sugerida pelas probabilidades de transição entre usos de solo nos anos 1980 e início dos anos 1990 (Fearnside, 1996a; Fearnside e Guimarães, 1996). Estimativas de absorção e estoque de carbono em florestas secundárias variam tremendamente, e muitos dos números mais frequentemente utilizados para esses parâmetros importantes não estão baseados em quaisquer dados. Esse é o caso para as estimativas por Houghton et al. (2000, p. 303) e Ramankutty et al. (2007, p. 65), que presumem que as florestas secundárias vão crescer linearmente para atingir 70% do estoque de carbono da biomassa das florestas primárias originais em 25 anos. Por exemplo, considerando o carbono da biomassa de uma floresta primária de 196 MgC/ ha (acima + abaixo do solo), que é a média de três estimativas por Houghton et al. (2000), essa taxa de crescimento da floresta secundária corresponde a 5,5 MgC/ha/ ano, dadas as suas suposições. Essas taxas presumidas de crescimento são aproxi- madamente o dobro das taxas de crescimento que têm sido mensuradas em florestas secundárias que crescem em pastagens abandonadas na Amazônia brasileira. Para pastagens abandonadas nas proximidades de Brasil Novo, no Pará, mensuradas por Guimarães (1993), o acúmulo médio anual para 20 anos é 2,2 MgC/ha/ano, enquanto que para pastagens abandonadas nas proximidades de Paragominas, Pará, com um histórico de uso “moderado” estudado por Uhl et al. (1988), o acúmulo por volta do ano 20 iria ser em média de 2,6 MgC/ha/ano (ver Fearnside e Guimarães, 1996, p. 41). Esses valores presumem um conteúdo de carbono de 45% para a biomassa da floresta secundária. A taxa de crescimento presumida por Houghton et al. (2000), apesar de não estar fundamentada por quaisquer referências até o momento, tem sido utilizada em tais cálculos de equilíbrio de carbono e em cálculos globais por Achard et al. (2002, 2004), Houghton et al. (2003a) e Persson e Azar (2007). Essa é uma das razões porque esses estudos subestimam as emissões de gases de efeito estufa pelo desmatamento amazônico (Fearnside e Laurance, 2003, 2004; ver também: Eva et al., 2003; Achard et al., 2004). Mais importante de um ponto de vista de políticas é o fato que este valor para o crescimento de florestas secundárias é utilizado no inventário nacional de emissões de gases de efeito estufa (Brasil, MCT, 2004, p. 148-149), levado essa estimativa oficial a incluir uma absorção de 34,9 milhões de MgC/ano pelas flores- tas secundárias na Amazônia, supostamente absorvendo 23% das emissões brutas causadas pelo desmatamento calculado no relatório. A estimativa deste autor para absorção pela paisagem em 1990 é de apenas 7,9 milhões de MgC/ano (Fearnside, 2000b). O valor muito mais alto na estimativa oficial é apenas parcialmente devido ao alto valor utilizado para absorção por hectare nas florestas secundárias; ainda mais importante é a decisão enganadora de contabilizar toda a absorção da paisa- gem amazônica somando 8,23 milhões de hectares de florestas secundárias (uma área 5,4 vezes maior que a taxa de desmatamento anual no período do inventário), mas não contabilizar nenhuma emissão da derrubada em cada ano de uma porção dessas florestas secundárias. Além disso, se a absorção herdada das derrubadas Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 38 mais velozes dos anos 1980 for declarada, então as emissões herdadas desse período também teriam que ser contabilizadas para se ter uma estimativa justa do impacto do desmatamento; essas emissões são bastante substanciais para os anos em questão (Fearnside, 1996b, 2000b). A mistura seletiva de elementos das emissões líquidas comprometidas e os cálculos de balanço anual não produzem um resultado válido (ver Fearnside, 2000b, 2003a). “Emissões líquidas comprometidas” referem-se ao resultado líquido das emissões e absorções que ocorrem na área derrubada em um dado ano, como os 13,8 × 103 km2 de florestas primárias derrubadas na Amazônia brasileira em 1990, se estendendo do momento de desmatamento até o futuro muito distante (teoricamente infinito) (Fearnside, 1997a); “balanço anual”, por outro lado, refere-se às emissões e absorções ocorrendo em um único ano (como 1990) na pai- sagem inteira (como os 415 × 103 km2 desmatados até 1990) (Fearnside, 1996b). Se gases-traço são ignorados, as duas medidas seriam a mesma se (e apenas se) a taxa de desmatamento fosse constante sobre um período extenso de anos precedendo o ano em questão, o que não é o caso do período do inventário. Como uma indicação da magnitude da omissão das emissões da derrubada de florestas secundárias que precisariam ser incluídas de forma que a inclusão da absorção integral de florestas secundárias fosse válida, a liberação desses estoques em 1990 totalizou 25,8 Mg de carbono equivalente a CO2 (Fearnside, 2000b). Um aspecto chave das florestas secundárias na Amazônia brasileira é que a vasta maioria delas está crescendo em pastagens abandonadas – elas não são terras aban- donadas devido à agricultura itinerante. Sob pastagens, o solo se torna compacto e desprovido de nutrientes e biota de solo, com o resultado que florestas secundárias em pastagens abandonadas crescem muito mais lentamente do que aquelas em áreas onde há mudança de cultivo (Fearnside, 1996a; Fearnside e Guimarães, 1996). Pas- tagens abandonadas também não possuem fontes de sementes e outros fatores que favorecem a regeneração (Nepstad et al., 1991). A maioria dos dados publicados sobre florestas secundárias são baseados em áreas agrícolas abandonadas, incluindo todos os estudos que fazem parte da revisão pantropical de florestas secundárias efetuadas por Brown e Lugo (1990). A porcentagem da paisagem desmatada que está sob florestas secundárias na Ama- zônia brasileira varia em resposta às forças econômicas que motivam a manutençãode pastagens. Um valor amplamente utilizado é 30% da área desmatada sob florestas secundárias (Houghton et al., 2000), baseado em uma análise por David Skole, da Michigan State University a partir de imagens em escala 1:500.000 do LANDSAT- -MSS para 1986. Esta é uma estimativa razoável para 1986, um período seguindo um período de crescimento rápido das pastagens amazônicas por motivos “ulteriores” tais como manter direitos sobre a propriedade para lucros especulativos durante períodos de hiperinflação (Fearnside, 1987, 2005a). Isso também se ajusta ao padrão de comportamento indicado por entrevista com fazendeiros (Uhl et al., 1988; ver cálculos em Fearnside, 1996a) e está próximo à percentagem (37%) calculada para o Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 39 ano de 1990 a partir de probabilidades de transição nos 313 × 103 km2 desmatados até aquele momento, excluindo os 5 × 103 km2 de barragens hidrelétricas e 98 × 103 km2 de desmatamentos ocorridos anteriormente a 1970. Em anos recentes, no entanto, a economia pecuária tem se tornado crescentemente impulsionada pelo lucro de se criar gado para abate (por ex., Margulis, 2003). O autor viajou por áreas de pecuária no norte do Mato Grosso em 1986 e em 2006; o contraste foi evidente – em 1986 as grandes áreas estavam em áreas abandonadas de pastagens se revertendo em florestas secundárias, enquanto as mesmas áreas foram mantidas como pastagens produtivas repletas de gado em 2006 (observação pessoal). A intensidade de uso é um fator chave na taxa de crescimento de florestas secun- dárias (por ex., Uhl et al., 1988). Um caso especial é apresentado pelas grandes áreas de florestas secundárias no Distrito de Agropecuária da Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), localizado aproximadamente 80 km ao norte de Manaus. Esta área de fazendas foi pesadamente subsidiada nos anos 1970 e no início dos anos 1980, mas quando os subsídios finalmente cessaram em 1984, grande parte da área desmatada foi abandonada dando lugar a florestas secundá- rias (Fearnside, 2002a). Esperaria-se que as florestas secundárias crescessem mais vigorosamente sob essas circunstâncias do que em pastagens abandonadas típicas porque o solo não havia sido degradado ao ponto onde o crescimento das pastagens ficou reduzido o suficiente para forçar os fazendeiros a suspenderem sua utilização para pastagem. Em uma parte da área, incluindo um desmatamento de 1.200 ha, a terra não havia sido utilizada para pastagem porque a precipitação incomum durante a estação de queimadas em 1983 evitou que o fazendeiro queimasse a área derrubada (Fearnside et al., 1993). Por causa da grande área de florestas secundárias homogêneas com histórico conhecido nessas fazendas, tem havido vários estudos dessas florestas secundárias (por ex., Foody et al., 2006; Lucas et al., 1993, 2002). Entretanto, as taxas de crescimento desta área não podem ser extrapoladas para as vastas áreas de pastagens abandonadas onde o solo está mais degradado sob circunstâncias mais típicas. d) Emissões líquidas do desmatamento amazônico Os valores atuais para as emissões estão resumidos na Tabela 1. Mesmo em anos quando a taxa de desmatamento é mais baixa, a emissão desta fonte é várias vezes maior que os 69 milhões tC/ano que o Brasil estava emitindo a partir da queima de combustíveis fósseis e fabricação de cimento quando essas emissões foram inventa- riadas para 1994 (Brasil, MCT, 2004, p. 87). As emissões por desmatamento na Tabela 1 são muito mais altas que aquelas reportadas pelo comunicado oficial do Brasil para o CQNUMC (ver Tabela 2). A discrepância é devido primariamente a vários compo- nentes omitidos na estimativa oficial da biomassa, incluindo biomassa subterrânea e biomassa morta (necromassa), mais a absorção exagerada por florestas secundárias Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 40 mencionada anteriormente. A discrepância totaliza 115% se valores comparáveis de biomassa são utilizados (Tabela 2). Aproximadamente um terço desta discrepância permanece sem explicação. Tabela 1 - Emissões líquidas do desmatamento amazônico no período de inventário brasileiro 1988-1994(a). (a) Taxa média de desmatamento 15.228 km2/ano. Valores altos e baixos refletem a variação dos fatores de emissão, e não incerteza sobre a biomassa. (b) Convertida usando potenciais de aquecimento global de 100 anos do AR4 do IPCC por Mg de gás CO2=1, CH4=25, N2O=298. Emissões (milhões Mg gás/ano) CO2 CH4 N2O Total Emissões brutas do desmatamento 819.40 1.56 - 2.23 0.04 - 0.05 Absorção comprometida -71.61 Emissões líquidas do desmatamento 747.80 1.56 - 2.23 0.04 - 0.05 CO2 equivalentes em carbono (milhões Mg C) 203.94 10.61 - 15.19 2.90 - 4.25 217.46 - 223.39 Tabela 2 - Comparação dos resultados de emissões por desmatamento com a estimativa oficial brasileira. (a) Brasil, MCT (2004, p. 149). (b) Calculado usando-se o valor de Fearnside sem os ajustes para biomassa para novas estimativas de densidade de madeira e altura das árvores que estão incluídas nos valores na Tabela 1. Ano Taxa de desmatamento (103 km2/ano) Emissões líquidas (milhões toneladas CO2/ano) Fearnside (e.g., Tabela 1) Inventário de C equivalente a nacional brasileiro(a) Discrepância (%) Valor bruto Com Biomassa comparável(b) 1990 13.8 200.0 1988-1994 15.2 220.4 116.9 90 115 2000 18.2 263.8 2004 27.4 396.3 2007 11.2 162.5 As emissões resumidas nas Tabelas 1 e 2 incluem o efeito de dois gases-traço: metano (CH4) e óxido nitroso (N2O). Outros gases-traço, tais como monóxido de carbono (CO), óxidos de nitrogênio (NOx) e outros hidrocarbonetos exceto metano (OHEM) não estão incluídos, em concordância com as práticas correntes do IPCC (Painel Intergoverna- mental sobre Mudanças Climáticas). Particularmente no caso do CO, que é um produto importante da combustão de biomassa, um acordo eventual sobre a magnitude de seus efeitos indiretos aumentaria o impacto do aquecimento global atribuído ao desmata- mento (ver discussão em Fearnside, 2000a). Emissões de CH4 e N2O são convertidas em equivalentes de CO2 utilizando-se os potenciais de aquecimento global em 100 anos (PAGs) do Quarto Relatório de Avaliação (AR4) do IPCC: 25 para CH4 e 298 para N2O Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 41 (Forster et al., 2007, p. 212). O PAG de 100 anos representa a força radiativa cumulativa de uma tonelada de gás relativa a uma tonelada de CO2 sobre um período de 100 anos sem descontos ou outros ajustes dentro desse horizonte de tempo. Quantidades de CO2 podem ser convertidas em carbono pela multiplicação por 12 (o peso atômico do carbono) e dividindo por 44 (o peso molecular do CO2). Uma tonelada de carbono na forma de CH4 tem o impacto de 9,1 toneladas de carbono na forma de CO2. Os valores do IPCC para PAG de 100 anos mudaram: o Segundo Relatório de Avaliação de 1995, que ainda era utilizado para cálculos sob o Protocolo de Kyoto até 2012, adotou valores de 21 para CH4 e 310 para N2O; no Terceiro Relatório de Avaliação, de 2001, o PAG era de 23 para CH4 e 310 para N2O. O desmatamento emite mais gases-traço relativos a CO2 do que a queima de combustíveis fósseis, e esses efeitos devem ser incluídos para haver comparações justas entre essas duas fontes principais de emissões. Emissões de gases-traço aumentam (Tabela 1) o impacto do desmatamento amazônico em 6,6- 9,5% em relação à liberação de CO2 apenas (atualizado de Fearnside, 2000b baseado no potencial de aquecimento global em 100 anos do AR4 do IPCC e fatores de emissão de Andreae e Merlet, 2001). A variação de valores de percentagem reflete a variação de estimativas para fatores de emissão para cada gás-traço associado a cada processo de emissão (combustão porchamas, combustão por brasas, etc.). Em adição ao carbono proveniente de biomassa de florestas primárias e secundárias (a fonte das emissões contidas nas Tabelas 1 e 2), o desmatamento produz emissões provenientes da liberação do carbono contido no solo (Fearnside e Barbosa, 1998). Emissões antropogênicas adicionais se originam em vários outros tipos de uso de solo e mudanças no uso do solo na Amazônia, inclusive por reservatórios de hidrelétri- cas (Fearnside, 2005b; Kemenes et al. 2007), clareiras abertas no cerrado (Fearnside, 2000b), queimadas periódicas no cerrado (Barbosa e Fearnside, 2005), extração de madeira em áreas que não serão desmatadas dentro de um período curto de tempo (aproximadamente três anos) (Asner et al., 2005; Fearnside, 1995), incêndios flores- tais em áreas nas quais não serão abertas clareiras mais tarde (Alencar et al., 2006; Barbosa e Fearnside, 1999) e efeitos de borda da porção da área florestal próximas às bordas na região que representa um aumento líquido anual (Laurance et al., 1997, 2001; ver discussão em Fearnside, 2000a). Incluídas implicitamente nas estimativas de biomassa utilizadas para as estimativas de emissões pelo desmatamento estão as perdas para efeitos de borda que não são aumentos líquidos na área de borda total presente, extração de madeira em áreas que serão derrubadas mais tarde, e efeitos de incêndios florestais nessas mesmas áreas. e) Emissão potencial de carbono por mudanças climáticas Espera-se que as mudanças globais resultem em uma modificação substancial do clima na Amazônia, apesar dos vários modelos climáticos globais variarem amplamente no que diz respeito à quantidade de mudanças indicadas para a região. Vários modelos indicam que a Amazônia vai se tornar significativamente mais quente e seca na se- gunda metade deste século. Esses modelos incluem o HadCM3 do Hadley Center, do Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 42 Reino Unido; o modelo ECHAM4 do Instituto Max Planck, da Alemanha; e o modelo CCSM3, do National Center for Atmospheric Research (NCAR) dos Estados Unidos; o modelo GCM2, do Canadá, e o modelo CCSR/NIE2, do Japão. Dos 21 modelos levados em consideração pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em seu Quarto Relatório de Avaliação (AR-4), alguns, como o modelo CSIRO da Austrália, não mostram mudança alguma e apenas um, o modelo do Geophysical Fluid Dynamics Laboratory (GFDL), dos Estados Unidos, apresentou aumento na precipitação pluvial (Kundzewicz et al., 2007, p. 283). O modelo do Hadley Center é o mais catastrófico em suas previsões para a Amazônia, incluindo a destruição de praticamente toda a floresta na Amazônia brasileira por volta do ano 2080 (Cox et al., 2000, 2004; ver também White et al., 2000). As mudanças, entretanto, não devem ser tão grandes como é indicado no modelo do Hadley porque o modelo subestima substancialmente a precipitação pluvial no clima presente (Cândido et al., 2007). Mas dois fatos sugerem que é provável que a natureza geral das mudanças indicadas iriam conter, ou seja, um clima suficientemente mais quente e seco para causar mortandade maciça de árvores. Primeiramente está o fato que o modelo do Hadley Center era o melhor entre os 21 modelos na representação da conexão entre elevação da temperatura da água da superfície na parte equatorial do Oceano Pacífico e as secas na Amazônia (Cox et al., 2004, p. 153). Altas temperaturas na superfície do mar no Oceano Pacífico é o critério para a criação do que é conhecido como “condições tipo El Niño”. O AR-4 do IPCC concluiu que agora há uma concordância geral entre os modelos de que a continuação do aquecimento global produzirá mais “condições tipo El Niño” (Meehl et al., 2007, p. 779). Entretanto, o relatório observa que ainda não há concordância entre os modelos sobre o próximo passo: a conexão entre con- dições tipo El Niño e a ocorrência modelada do próprio El Niño, significando que o padrão característico de secas e enchentes em locais diferentes ao redor do mundo. Mas este segundo passo não depende dos resultados dos modelos climáticos porque essa conexão é baseada, ao invés disso, em observações diretas: sempre que as águas do Pacífico se aquecem, temos secas e incêndios florestais na Amazônia, especial- mente em sua porção norte. Os incêndios causados pelo El Niño em 2003, 1997/1998 e 1982 são lembrados por muitas pessoas na região. O segundo fato que justifica a preocupação é que o calor e a seca indicados pelo modelo Hadley ultrapassam em muito os níveis de tolerância das árvores amazônicas que a mortandade em larga escala pode ser esperada mesmo se as mudanças forem mais modestas que aquelas indicadas pelo modelo Hadley. Na verdade, a maioria dos 15 modelos estudados por Salazar et al. (2007) indica que a porção oriental da Amazônia apresentaria um clima apropriado para savanas por volta de 2100. Um resultado semelhante é apresentado por uma análise de 23 modelos (Malhi et al., 2008). Em outras palavras, esse não é um resultado que depende do modelo do Hadley Center para que se prove estar correto. Os El Niños provocados pelo aquecimento do Pacífico são apenas uma parte da ame- aça à Amazônia. O aquecimento do Oceano Atlântico, que também é um resultado Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 43 do aquecimento global (Trenberth e Shea, 2006), tem projeções de causar impactos pelo menos tão grandes. Enquanto o El Niño tem seus efeitos concentrados na parte norte da Amazônia (Malhi e Wright, 2004), o aquecimento na parte norte do Atlântico tropical tem impactos na parte sul da Amazônia brasileira, como aconteceu na seca de 2005 (Fearnside, 2006a; Marengo et al., 2008). Precipitações pluviais grandemente reduzidas sobre as cabeceiras dos tributários no lado sul do Rio Amazonas produzi- ram uma queda dramática nos níveis de água, impedindo o tráfego de embarcações e isolando muitas comunidades. Incêndios queimaram grandes áreas de florestas no Acre, um evento virtualmente inédito (Brown et al., 2006; Vasconcelos e Brown, 2007). Resultados recentes de simulações usando o modelo Hadley (Cox et al., 2008) indicam um aumento tremendo na probabilidade de eventos semelhantes à seca de 2005 nas próximas décadas. A mudança chave é um aumento no gradiente de temperatura entre águas quentes na parte norte do Atlântico tropical e as águas mais frias na sua parte sul. O aquecimento global aquece diferencialmente a extremidade norte desse gradiente, e o efeito é grandemente aumentado pela diminuição crescente da poluição de aerossol nos países industrializados na América do Norte e Europa. O gradiente norte-sul mais forte de temperatura da superfície marítima do Atlântico atrai a zona de convergência intertropical mais para o norte, resultando em ar seco da circulação de Hadley descendo em áreas na porção sul da Amazônia. A circulação de Hadley é um fluxo de ar que se eleva perto do equador e então se divide e se move em direção aos polos a uma altitude de aproximadamente 1.800 m (uma altitude na qual o ar contém muito pouca água); o ar então se dirige para o solo em um ponto entre aproximada- mente 15 e 30 graus latitude, dependendo da época do ano, e depois ele retorna para o equador em ventos soprando perto do nível do solo. O ar seco descendente disseca a área onde o fluxo deste ar atinge o solo, como ocorreu no sul e oeste da Amazônia na seca de 2005. Em 2005, a probabilidade anual de um evento desses ocorrer nesta parte da Amazônia era de aproximadamente 5%, significando que ele tinha um in- tervalo esperado de recorrência de um ano a cada 20 anos. A simulação do modelo do Hadley Center com emissões “como de costume” (IS92a) indica esta frequência de recorrência aumentando para um ano a cada dois em 2025, e para nove anos a cada 10 anos em 2060 (Cox etal., 2008). As concentrações atmosféricas de CO2 causando isso seriam de 450 ppmv em 2025 e 610 ppmv em 2060. O aumento dos níveis de CO2 mesmo à mais baixa dessas duas concentrações representaria, portanto, uma ameaça severa à floresta amazônica. Os mecanismos pelos quais a mortandade da floresta poderia ocorrer sob as condições previstas de clima têm sido assunto de vários estudos. A variabilidade climática atual já ameaça grandes áreas da floresta amazônica (Huytra et al., 2005; Nepstad et al., 2004). O microclima nas proximidades das bordas da floresta adjacentes a pastagens é mais quente e seco do que no interior da floresta. Árvores nas proximidades da beira da floresta têm taxas muito mais altas de mortalidade do que aquelas no interior da floresta, e as maiores árvores são as mais passíveis de morrer. Isso é demonstrado pelo Projeto de Dinâmica Biológica dos Fragmentos Florestais (PDBFF) nas proximidades Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 44 de Manaus, onde mais de 65.000 árvores vêm sendo monitoradas por mais de 25 anos (Nascimento e Laurance, 2004). Em uma área de um hectare nas proximidades de Santarém onde painéis plásticos foram instalados para excluir 60% da precipita- ção, o mesmo resultado foi obtido, com as árvores maiores morrendo primeiramente (Nepstad et al., 2007a). Os incêndios florestais ocorrem sob as condições de calor e seca que caracterizam o El Niño e as secas como aquela de 2005 (por ex., Alencar et al., 2006; Barbosa e Fearnside, 1999; Barlow et al., 2003). Esses incêndios têm um relacionamento direto positivo com a mortalidade de árvores, matando árvores pelo aquecimento da casca na base do tronco, e assim deixando grandes quantidades de madeira morta na floresta que serve de combustível para o próximo incêndio (Alencar et al., 2004; Cochrane, 2003; Cochrane et al., 1999; Nepstad et al., 1999, 2001). O efeito dos incêndios não é incluído no modelo do Hadley Center e em outros modelos climáticos globais, significando que a mortalidade da floresta pode acontecer mais rapidamente do que eles indicam. A perda direta de florestas por causa de desmatamento também não está incluída nesses modelos. Muito menos ameaça para a floresta amazônica é indicada por uma nova versão do modelo do Hadley Center, em 2013, que incorpora o efeito do aumento de CO2 no aumento do crescimento das árvores e na redução da perda de água (Cox et al., 2013; Good et al., 2013; Huntingford et al., 2013). Esta boa notícia é temperada pelos possíveis efeitos dos modelos não terem incluído consequências negativas do teor mais elevado de CO2, tais como uma maior estimulação do crescimento de lianas em comparação com árvores (Fearnside, 2013). Os modelos também ainda omitem o problema crítico de aumento da frequência de incêndios florestais em resposta a um clima mais seco e quente. Os autores do Hadley Center alertam que o novo resultado “não invalida a projeção do modelo HadCM3LC de mortandade da floresta. De fato, esta [mortandade] continua a ser um possível cenário de mudanças climáticas perigosas, o que exige uma maior compreensão”(Good et al., 2013). A possibilidade de que a floresta amazônica pode morrer devido às mudanças climá- ticas deveria fazer com que medidas de mitigação para evitar esse grau de mudanças climáticas fossem uma prioridade máxima para o governo brasileiro. Infelizmente, esse não parece ser o caso. Quando o resumo para formuladores de políticas do rela- tório sobre os impactos das mudanças climáticas do IPCC foi finalizado em Bruxelas em 2007, a delegação brasileira tentou retirar a menção do risco de savanização do resumo (FSP, 2007a). O risco de savanização é mencionado em nada menos que quatro capítulos diferentes do relatório, e a tentativa de remover a menção a esse impacto do resumo foi mal-sucedida. O resumo final para os formuladores de políticas inclui a afirmação que “Por volta da metade do século, aumentos na temperatura e uma redução na água do solo são projetados para levar a uma substituição gradual da floresta tropical por savanas na Amazônia oriental” (IPCC, 2007, p. 14). A tentativa de excluir a savanização é preocupante porque quando alguém nega a existência de um problema, não há necessidade de se fazer algo com seriedade para resolvê-lo. O Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 45 paralelo com a postura tradicional do então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, em negar a própria existência do aquecimento global é óbvio. Os diplomatas brasileiros também recusaram a aceitar a definição proposta pela União Europeia de mudança climática “perigosa” como um aumento em 2ºC na temperatura média global sobre a média que prevaleceu antes da revolução industrial (Angelo, 2007). A posição só mudou em julho de 2009, após mais de cem outros países adotarem a proposta de 2ºC. O CQNUMC, assinado na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) ou “Cúpula da Terra” ECO-92 no Rio de Janeiro em 1992, tem como seu objetivo declarado a estabilização de concentrações atmosféricas dos gases de efeito estufa em níveis que evitem “uma interferência perigosa no sistema climático global” (CQNUMC, 1992, Artigo 2). A definição de “perigosa”, agora acordada em termos de uma temperatura média, precisa ser explicitado em termos de uma concentração de equivalentes de CO2, o que está atualmente sob negociações. A decisão que for tomada é o elemento-chave na determinação da magnitude dos im- pactos futuros do aquecimento global e o esforço que os países do mundo vão fazer para a sua mitigação. O fracasso dos diplomatas brasileiros em assumir uma posição, e particularmente a longa recusa em endossar 2ºC como limite, parece implicar que eles prefeririam ter um limite mais alto, de forma que o Brasil possa emitir mais gases de efeito estufa. Já que 2ºC corresponde grosseiramente ao limite de tolerância da floresta amazônica, este autor tem argumentado que a posição diplomática atual do Brasil não está de acordo com os interesses do país (Fearnside, 2010). Serviços ambientais como desenvolvimento Os serviços ambientais prestados pela floresta amazônica precisam receber compensação de alguma forma se o papel da floresta em fornecer esses serviços for traduzido em mu- danças no comportamento de desmatamento. Manter a floresta intacta pode ser feito de duas formas: induzir os proprietários particulares a deixarem partes intactas de florestas em suas terras, e criar reservas em terras públicas. Manter florestas em propriedades privadas pode ser alcançado quer motivando o governo a fazer cumprir rigorosamente a legislação existente, exigindo uma “reserva legal” em cada propriedade, ou através de pagamentos por serviços ambientais (PSA) para o proprietário. A criação de unidades de conservação é viável apenas onde o processo de desmatamento é incipiente e grandes áreas estão ainda sob domínio público. Porque os recursos financeiros são limitados, há uma compensação entre o esforço empenhado na criação de reservas e o esforço empreendido em tentar desacelerar a taxa de desmatamento em áreas fora das reservas. As unidades de conservação representam um dos mais importantes meios de se conservar a biodiversidade, mas os fundos necessários para criar e manter reservas são cronicamente insuficientes. Ao mesmo tempo, o rápido avanço das fronteiras de desmatamento na Amazônia significa que oportunidades para se criar novas reservas estão rapidamente se esgotando. As unidades de conservação têm um papel potencial importante na mitigação do aquecimento global (Fearnsinde, 2008b). Isso poderia Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 46 levar a volumes substancialmente maiores de dinheiro se tornando disponíveis para as reservas atravésdos créditos de carbono, particularmente se eles são válidos para satisfazer os compromissos internacionais para emissões assumidos sob o Protocolo de Kyoto, ou acordos que vieram depois dele. O valor de mitigação do aquecimento global atribuído às reservas depende muito de como a contabilidade é feita, e muitas das decisões a esse respeito ainda estão sendo negociadas. Apenas reservas próximas à fronteira de desmatamento possuem valor apreciável, se a contabilidade for baseada em “adicionalidade”, que significa comparar as emissões observadas depois da implementação de uma reserva ou outras medidas de mitigação com as emissões que teriam ocorrido em um cenário-base hipotético sem essa mitigação. A compensação entre os custos e os créditos de carbono pode significar que as prioridades para o carbono e para a biodiversidade não são as mesmas (Fearnside 1995, 2003a; Fearnside e Ferraz, 1995). O valor atribuído ao tempo nos cálculos, como através de uma taxa de desconto para o carbono, influencia pesadamente a quanti- dade de créditos de carbono que as reservas podem render, baixas taxas de desconto favorecem as reservas em comparação com outras opções de mitigação (Fearnside, 2002b, c, 2008c; Fearnside et al., 2000). Um paradigma alternativo de contabilidade, baseado em estoques em vez de fluxos, dá uma prioridade muito maior às reservas (Fearnside, 1997b). Sob o Protocolo de Kyoto de dezembro de 1997, o carbono foi calculado baseado em mudanças nos fluxos, mas a abordagem baseada em estoques ressurgiu recentemente em propostas para receber créditos na “Iniciativa Amazonas”, lançada pelo governo estadual do Amazonas (Viana e Campos, 2007). Para áreas que estão distantes do estado do Amazonas, uma aborda- gem baseada em estoques é essencial para recompensar o valor climático das florestas e para apoiar a criação e manutenção de unidades de conservação antes que a fronteira em avanço as torne muito mais difíceis de serem criadas – financeira e politicamente. As reservas têm um forte efeito na inibição do desmatamento tanto em unidades de conservação, como os parques nacionais e reservas biológicas e em áreas indígenas (Ferreira et al., 2005; Nepstad et al., 2006; Schwartzman et al., 2000). Um fator po- bremente quantificado é a extensão do “vazamento”, ou o deslocamento do desma- tamento para locais além dos limites de um projeto de mitigação. As pessoas que iriam desmatar uma área de florestas, que foi declarada uma reserva, simplesmente se deslocariam para outro local e continuariam a desmatar da mesma forma? Grande parte do desmatamento tende a vazar dessa forma. Independentemente da quantidade de vazamento que ocorre, as reservas terão um benefício em evitar emissões anos mais tarde, quando a paisagem fora das reservas ou estará completamente desmatada, ou atinge a porcentagem máxima de desmatamento que é permitido na prática (que não é necessariamente o mesmo teoricamente permitido pelo Código Florestal). As ameaças à floresta amazônica estão aumentando e incluem um componente cres- cente que está ligado a commodities comercializáveis, em oposição à especulação imobiliária e outros motivos improdutivos “ulteriores”, que também continuam exer- Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 47 cendo pressões sobre a floresta (Fearnside, 2008d). Isso significa que mais recursos são necessários se o desmatamento for contido e os serviços ambientais de grandes áreas florestais mantidos. E ainda, os custos de oportunidade são relativamente mo- destos: Nepstad et al. (2007b) calculam que os benefícios econômicos para o Brasil da redução do desmatamento compensariam grande parte dos custos de oportunidade do desmatamento já efetuado, e que o Brasil poderia evitar 6 bilhões de toneladas de emissões de carbono sobre um período de 30 anos a um custo líquido de apenas 8 bilhões de dólares, ou 1,33 dólares por tonelada. A contenção do desmatamento amazônico exigirá despesas financeiras e ações go- vernamentais que sejam rápidas o suficiente e tenham magnitude suficiente para ganhar controle. O valor climático da floresta, especialmente seu papel em evitar o aquecimento global, oferece o melhor prospecto de obter fluxos financeiros na escala e no prazo necessários. De maneira a fazer isso, o valor inteiro da redução do desma- tamento deve ser capturado e aplicado na contenção do desmatamento e na criação de meios não destrutivos de sustentar a população rural da região. Meias medidas que descartem o crédito para a maior parte da emissão reduzida, ou que reduzam o valor monetário potencial da redução de emissão que é creditada, não serão suficientes. A captura do valor inteiro dos serviços florestais exigirá que o Brasil assuma um com- promisso de um limite nacional sobre emissões como, por exemplo, aderir ao Anexo I do CQNUMC e o Anexo B do Protocolo de Kyoto. Isso permite créditos para todas as reduções abaixo das emissões no período de referência para o comunicado oficial. Para créditos até 2012, a base é normalmente o ano de 1990, mas no caso do Brasil, a média entre 1988-1994 foi escolhida para o inventário no comunicado nacional. A opção está aberta para se receber créditos dessa forma sem esperar pelo início do segundo período de compromisso do Protocolo de Kyoto, ou por um protocolo poste- rior, em 2013 (Fearnside, 1999b). Durante o período de referência 1988-1994, a taxa média de desmatamento foi de 15.228 km2/ano, ou mais que a taxa de 11.224 km2/ano em 2007 (Brasil, INPE, 2008). Observe, entretanto, que o desmatamento aumentou no final de 2007, presumivelmente devido à valorização do preço da soja e da carne bovina (Fearnside, 2008d). Manter o desmatamento abaixo do nível básico está bem ao alcance da capacidade do país se houver vontade política de fazê-lo (Fearnside, 2003b; Fearnside e Barbosa, 2003). Outras opções vêm sendo propostas para limites de emissões nacionais que podem ser aceitas por alguns países em desenvolvimento, como o Brasil. A proposta de reduções compensadas (Santilli et al., 2005) pede um limite mínimo baseado na média das emissões históricas, por exemplo, para a década de 1990. O fato que as taxas atuais de desmatamento na Amazônia são mais baixas do que elas eram durante esse período levou ao temor da geração de “ar quente tropical” que forneceria créditos sem um benefício climático verdadeiro (Persson e Azar, 2007). Uma forma de evitar isso é de se ter um objetivo baseado em dois limites, como foi proposto por Schlamadinger et al. (2005). Nesta proposta, haveria um limite inferior e um limite superior, entre os Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 48 quais uma escala gradual de créditos seria aplicada variando de uma quantia bastante descontada se a redução observada no desmatamento apenas reduz a taxa do limite mais alto, aumentando até a quantia inteira se o limite mais baixo é alcançado. A vantagem disso é que há pelo menos algum incentivo em se limitar a derrubada de árvores a níveis plausíveis de sucesso na redução do desmatamento. Uma proposta que tem recebido um apoio considerável entre os países tropicais é aque- la da Coalizão das Nações de Florestas Tropicais (Papua Nova Guiné e Costa Rica, 2005; ver também Laurance, 2007). Esse grupo de 41 países, ao qual o Brasil não pertence, propõe créditos em troca de redução no desmatamento baseados em objetivos obriga- tórios. O Brasil apresentou uma proposta concorrente nas conferências da CQNUMC das partes em Nairobi em 2006 e em Bali em 2007 (Brasil, 2006). A proposta brasileira não teria objetivos obrigatórios e em vez deles estimularia contribuições voluntárias para um fundo a ser utilizado para reduzir a velocidade do desmatamento; a proposta recebeu pouco apoio, mas teve o efeito positivo de iniciar um diálogo com os diplomatas brasileiros sobre umassunto que até então havia sido tabu. Porque as contribuições ao fundo proposto não resultariam em créditos de carbono que seria válido em relação aos compromissos de redução de emissões pelos países industrializados, o desejo de contribuir seria muito menor do que se os créditos fossem permitidos. Em contraste, se não houver limites nacionais para as emissões, as opções são de medidas em nível de projetos (como sob o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, ou MDL, previsto pelo Protocolo de Kyoto) a partir de 2013 (uma decisão em 2001 descartou créditos para desmatamento evitado sob o MDL antes de 2013). Medidas em nível de projetos têm um alcance muito menor para receber créditos porque apenas uma redução no desmatamento que pode ser atribuída aos efeitos de um determinado projeto é candidata, e essa causalidade é difícil de ser estabelecida em muitos casos. Os efeitos do vazamento são inerentemente muito maiores ao nível de projeto do que ao nível nacional. O limite mínimo nacional proposto por Santilli et al. (2005) é pro- jetado para minimizar esse efeito, apesar de ainda haverem formas pelas quais algum vazamento possa ocorrer através do deslocamento da demanda por commodities (ver a análise de Sathaye e Andrasko, 2007). A compensação em troca da redução de emissões fora do Protocolo de Kyoto já está disponível através de mercados “voluntários”, como aqueles nas bolsas de valores de Chicago e de Londres. Este carbono não tem validade em relação a compromissos inter- nacionais, mas pode ser utilizado, por exemplo, por companhias que queiram anunciar que seus produtos são “neutros em carbono”. Os mercados para esse carbono são em grande parte não regulados, então há uma grande variedade nos tipos de projetos que são aceitos, a maneira pela qual o carbono é calculado e monitorado, e a realidade dos benefícios climáticos representados em cada tonelada de carbono que é vendida. Está sendo feito progresso na padronização dessas características. O preço de cada tonelada de carbono é inevitavelmente muito mais baixo nesses mercados voluntários do que aquele do carbono que é válido em relação a compromissos nacionais obrigatórios. Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 49 Avanços na inclusão dos créditos de carbono de emissões reduzidas de desmatamento e degradação (REDD) nas negociações são importantes porque tanto a escala quanto o preço por tonelada de carbono são potencialmente muito maiores do que para os mercados voluntários. O preço depende do equilíbrio entre oferta e demanda, como é o caso com qualquer mercadoria. Nas negociações internacionais, um argumento frequentemente utilizado contra a inclusão integral do carbono oriundo das florestas tropicais é que isso iria “inundar” o mercado com carbono barato, baixando o preço ao ponto onde países industrializados iriam parar de investir em eficiência energética e tecnologias de energia limpa para reduzir suas emissões de combustíveis fósseis. No entanto, esse argumento parte do princípio que a demanda por reduções em emissões é fixa, enquanto na verdade os compromissos nacionais que correspondem às deman- das por reduções nas emissões estão atualmente sendo negociadas simultaneamente com o estabelecimento das regras do jogo em questões como crédito para as florestas tropicais. A demanda seria suficiente para manter o carbono em preços convidativos se os países do mundo se comprometessem em reduzir as emissões o suficiente para manter o aquecimento global sob controle. Por exemplo, na conferência de Bali das partes do CQNUMC, mais de 200 cientistas assinaram uma declaração pedindo limites obrigatórios de pelo menos 50% abaixo dos níveis de emissão de 1990 no ano 2050 (Kintisch, 2007). Tais cortes maciços requerem a exploração de todas as opções de mitigação o máximo possível, incluindo tanto a redução de emissões de combustíveis fósseis como aquelas oriundas do desmatamento. A quantidade de carbono de florestas tropicais que é comercializada pode ser limitada através da definição das porcentagens de cada país nos compromissos de mitigação que podem ser satisfeitos dessa forma por cada um deles, ou por outros mecanismos para manter o preço do carbono. Várias propostas incluem limitações desse tipo sobre a quantidade de carbono que pode ser comercializada (por ex., Hare e Macey, 2008; Moutinho et al., 2005). Enquanto essas limitações propostas ajudam a amenizar temores de que os países industrializados vão escapar da necessidade de reformular suas tecnologias energéticas e padrões de consumo, este autor vem argumentando que a ênfase deveria, em vez disso, estar na maximização do compromisso geral de redução de emissões. Ninguém quer que pessoas nos países ricos, e os segmentos mais ricos das populações nos países mais pobres, continuem a dirigir veículos utilitários esportivos e a consumir combustíveis fósseis de outras maneiras que desperdicem a capacidade limitada da Terra de absorver gases de efeito estufa. O desmatamento e a queima de combustíveis fósseis devem ser drasticamente reduzidos, e isso vai acontecer apenas através de compromissos internacionais com objetivos muito mais ambiciosos do que aqueles contemplados no passado. A batalha por esses objetivos está apenas começando, e limitar os créditos de carbono para florestas seria um erro estratégico. Isso significa aceitar a derrota antes mesmo que a batalha tenha começado. A questão de um objetivo nacional para emissão de gases do efeito estufa para o Bra- sil está no centro do esforço de enfrentar o aquecimento global e a transformação da Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 50 economia rural na Amazônia em uma economia baseada em serviços ambientais ao invés da destruição da floresta. Infelizmente, a diplomacia brasileira tornou prioritário atrasar tal compromisso o máximo possível (por ex., FSP, 2007b; OESP, 2007). Foi até mesmo publicamente confessado que a divulgação das emissões tinham o objetivo de se evitar as pressões internacionais para tal compromisso (ver Fearnside, 2004b). Entretanto, mais cedo ou mais tarde o Brasil precisa comprometer-se, e este autor mantém que o risco imposto por mais atrasos para a Amazônia faz com que seja do interesse nacional do Brasil fazer com que isso aconteça mais cedo do que mais tarde. Utilizar os serviços ambientais como um alicerce alternativo para o “desenvolvimento sustentável” na Amazônia exige uma ampla gama de avanços na alteração do siste- ma econômico para recompensar por esses serviços, criando instituições com essa finalidade e para assegurar-se que os fluxos financeiros resultantes têm seus efeitos desejados tanto na manutenção das florestas com seus serviços e na manutenção das populações nas áreas florestais (Fearnside, 1997b). Tem havido um considerável progresso durante o decurso de mais de duas décadas que este autor vem propondo essas transformações, particularmente na área de recompensar o papel das florestas em evitar o aquecimento global (Fearnside, 2006b, 2008e). O termo “serviços ambientais” é agora praticamente uma expressão comum. No entanto, as ameaças às florestas têm crescido mais rapidamente do que o esforço em defendê-las, e a necessidade de uma mudança radical em como os serviços das florestas são avaliados e recompensados é mais urgente do que nunca. Conclusões Florestas primárias fornecem serviços ambientais essenciais para o Brasil e outros países mantendo o ciclo da água, evitando o aquecimento global e mantendo a biodi- versidade. O ciclo da água é importante para manter a precipitação pluvial durante a estação seca na Amazônia em níveis que permitem a sobrevivência da floresta tropical. Ele também é importante para a energia hidrelétrica e outras utilizações da água na região centro-sul do Brasil e nos países vizinhos. O papel dafloresta amazônica em evitar o aquecimento global é primariamente em evitar a liberação dos estoques de carbono na atmosfera, através do desmatamento, em oposição à absorção desse carbono pela própria floresta. A avaliação do impacto líquido do desmatamento depende do estoque de biomassa nas florestas, da dinâmica da paisagem que substitui as florestas, e da taxa de crescimento das florestas secundárias na paisagem. Várias estimativas deste impacto têm subestimado a importância do desmatamento da Amazônia em sua contribuição para o aquecimento global. Isto ocorre subestimando a biomassa da floresta original, superestimando a proporção da paisagem que a substitui que é ocupada por florestas secundárias (ou a área a ser contada em índices de emissões líquidas), e superestimando a taxa de crescimento das florestas secundárias. O valor de se evitar o desmatamento também se aplica a se evitar níveis de mudanças climáticas que poderiam ameaçar as florestas através do aumento de secas e da temperatura e Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 51 através de uma reação positiva com incêndios florestais. Evitar esses danos deve ser a prioridade número um da diplomacia brasileira em negociações internacionais rela- tivas a mudanças climáticas, mas as posições recentes de negociação do País indicam que esse ainda não é o caso. Agradecimentos O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq: Proc. 306031/2004-3, 557152/2005-4, 420199/2005-5, 474548/2006-6; 305880/2007-1), Rede GEOMA e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA: PRJ02.12) contribuíram com apoio financeiro. Agradeço a R. I. Barbosa e P. M. L. A. Graça pelos comentários úteis. Referências Achard, F., H. D. Eva, P. Mayaux, H.-J. Stibig & A. Belward. 2004. Improved estimates of net carbon emissions from land cover change in the tropics for the 1990’s. Global Biogeo- chemical Cycles 18, GB2008. Doi: 10.1029/2003GB002142. Achard, F., H. D. Eva, H. J. Stibig, P. Mayaux, J. Gallego, T. Richards & J.-P. Malingreau. 2002. Determination of deforestation rates of the world’s humid tropical forests. 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Universidade Federal de Minas Gerais; Hermann Rodrigues. Bacharel em Ciências da Computação - Universidade Federal de Minas Gerais; Erika Pinto. Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia; Cláudio C. Maretti. World Wildlife Fund – Brasil; Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza, Dr. Universidade de São Paulo – World Wildlife Fund – Brasil; Anthony Anderson, Dr. World Wildlife Fund – Brasil; Karen Suassuna. World Wildlife Fund – Brasil; Miguel Lanna World Wildlife Fund – Brasil; Fernando Vasconcelos de Araújo, Esp. Universidade de Brasília – World Wildlife Fund – Brasil; Letícia de Barros Viana Hissa. Bacharel em Geografia – Universidade Federal de Minas Gerais Introdução Nos princípios da década de 1970, a floresta amazônica brasileira ocupava uma área total de 4,18 milhões de km2. Atualmente, o desmatamento acumulado já ultrapassa 650 mil km2 − 15% de sua extensão original −, uma área maior que a França e quase o dobro da Alemanha. Grande parte do desmatamento ocorre ao longo do chamado arco do desma- tamento (Figura 1) que se estende do nordeste do estado do Pará ao leste do estado do Acre e abriga a maior fronteira agrícola em expansão no mundo (Morton et al., 2006). Figura 1 - Áreas desmatadas até 2007 na Amazônia brasileira. Fonte: INPE, 2009. Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 64 As taxas anuais de desmatamento situaram-se em torno dos 17 mil km² ao longo da década de 90 (Figura 2), correspondendo a emissões médias anuais na ordem de 200 milhões de toneladas de carbono equivalente (assumindo-se que cada hectare abriga em média 120 toneladas de carbono). No início da década de 2000, houve um período de ascensão vertiginosa do desmatamento, quando a taxa anual alcançou 27 mil km² em 2004. As pastagens, a maioria de baixa produtividade, cobrem atualmente mais de 70% da área desmatada na região (Margulis, 2003; Alencar et al., 2004), sendo a pecuária o principal vetor de desmatamento. Além da pecuária, a expansão do agrone- gócio, profusão de projetos de assentamentos e a abertura e pavimentação de estradas contribuíram para a manutenção de elevadas taxas de desmatamento. A esses vetores, somam-se os mercados ilegais de terras e de madeira e as dificuldades do Estado em controlar ações criminosas, como a grilagem de terra. Figura 2 - Taxas anuais de desmatamento na Amazônia brasileira (1988-2008). Fonte: INPE, 2009. Estudos recentes demonstraram o risco de colapso ambiental caso haja continuidade da tendência de desmatamento observada no início dessa década (Soares-Filho et al., 2006; Nepstad et al., 2008). Usando uma simulação de desmatamento que incorpo- ra a tendência histórica entre 1997-2002 ao efeito do asfaltamento de uma série de estradas, Soares-Filho et al. (2006) apontaram que poderia se esperar para 2050 uma perda de até 40% das florestas remanescentes amazônicas (Soares-Filho et al., 2005; Soares-Filho et al., 2006). O impacto desse desmatamento futuro sobre a biodiversi- dade e outros serviços ambientais da Amazônia poderá ser dramático. Estima-se, por exemplo, que das 382 espécies de mamíferos analisadas por Soares Filho et al. (2006), um quarto perderá mais de 40% da sua área de distribuição geográfica. A confirmação dessa tendência comprometeria totalmente na região o cumprimento das metas da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB, 1992) no tocante à redução do ritmo de perda da diversidade biológica até 2010. Em relação à perda de serviços ambientais, o desmatamento nessa escala provocará a redução do regime de chuvas regionais (Nobre et al., 1991; Sampaio et al., 2007, Silva et al., 2008), alteração no regime dos principais rios amazônicos (Coe et al., Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 65 2009) e grande impacto no clima global (Houghton, 2005). Soma-se a isso o efeito do aquecimento global que poderá induzir na região amazônica estações secas mais pro- longadas (Malhi et al., 2008) e o aumento na frequência e intensidade de fenômenos climáticos como El Niño (Cox et al., 2004; Marengo et al., 2008), os quais favorecem a ocorrência de extensivos incêndios florestais (Nepstad et al., 1999), gerando, portanto, complexas interações que poderão levar as florestas remanescentes na Amazônia a um vicioso ciclo de degradação (Nobre et al., 1996; Nepstad et al., 2008). Em termos das emissões de gás carbônico, o principal gás que contribui para o aquecimento do planeta, a prevalência de um cenário de intenso desmatamento poderá acarretar em cerca de 117±30 bilhões de toneladas de emissão de CO2 para a atmosfera até 2050 (Soares Filho et al., 2006), um volume equivalente a mais de três anos de emissões globais, tendo como base o ano de 20001. Não obstante, há sinais de reversão da tendência histórica. Desde 2004 as taxas de desmatamento vêm declinando, atingindo 11,2 mil km² em 2007, a segunda menor taxa histórica medida pelo programa de observação do desmatamento − PRODES (INPE, 2009) (Figura 2). Essa queda refletiu, em parte, a influência de fatores econômicos como a queda nos preços internacionais da soja e da carne e a valorização do real frente ao dólar, o que dificulta as exportações. Por outro lado, o aumento da governança nas frentes de expansão do desmatamento desde 2004, com a implementação do Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (CASA CIVIL, 2004), ampliando a capacidade de ação fiscalizadora e consolidando políticas de conservação da floresta amazônica2, também tem contribuído de forma significativa para essa redução. Prova desse esforço consiste na criação entre 2003 e 2007 de 148 áreas protegidas cobrindo um total de 640 mil km², grande parte situada ao largo do arco do desmatamento, em regiões sob intenso conflito pela posseda terra. A eficácia das áreas protegidas na contenção do desmatamento, e de outros processos como a estabilidade do regime fluvial (Walker, et al., 2009), tem sido avaliada ao redor do mundo por vários estudos. Os resultados encontrados, em geral, indicam que as taxas de derrubada da floresta no interior destas áreas são significativamente menores quando comparadas às suas áreas adjacentes (Bruner et al., 2001; Naughton-Treves et al., 2005; Ferreira et al., 2005; Soares-Filho et al., 2006; Nepstad et al., 2006). Por outro lado, a comparação interior versus exterior tem sido vista como incompleta no sentido que o estabelecimento de áreas prote- gidas pode redistribuir o desmatamento através de uma região e não diminuí-lo em termos absolutos (Vandermeer, 1995; Cronon, 1995). Nesse aspecto, estudos que quantificam os efeitos de áreas protegidas em escala regional são ainda prati- 1 As emissões globais de CO2 atingiram 33 bilhões de toneladas em 2000, o que equivale aproximadamente a nove bilhões de toneladas de carbono (CAIT-WRI, 2008). 2 Como parte das ações estratégicas do Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, está a melhoria do monitoramento do desmatamento, realização de ações permanentes de fiscali- zação de crimes ambientais, regularização fundiária e combate à apropriação ilegal de terras públicas, criação e consolidação de unidades de conservação, e implementação do novo marco legal para a exploração florestal. Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 66 camente inexistentes. Com essa perspectiva, o presente estudo teve como objetivo avaliar o efeito das áreas protegidas do Bioma Amazônia, com ênfase nas áreas apoiadas pelo programa ARPA, na redução do desmatamento histórico e futuro e, por conseguinte, de suas emissões de carbono. Áreas protegidas e o Programa ARPA Neste estudo foram consideradas como áreas protegidas tanto as unidades de conservação quanto as terras indígenas e áreas militares. As unidades de con- servação brasileiras são atualmente divididas em 12 categorias no Sistema Na- cional de Unidades de Conservação (SNUC). Essas categorias são, inicialmente, subdivididas em dois grandes grupos: áreas protegidas de uso sustentável e de proteção integral. O primeiro grupo visa conciliar a conservação com o uso sustentável dos recursos naturais. Já o segundo busca preponderantemente a conservação da diversidade biológica. Em ambos os casos, estão associados os demais interesses e benefícios da conservação da natureza, como os processos ecológicos e serviços ambientais. Por sua vez, as terras indígenas visam a proteção social e cultural de povos indígenas. Por exercerem efeito positivo na conservação da biodiversidade amazônica (Nepstad et al., 2006), podem ser consideradas como áreas protegidas (Maretti, 2004). À se- melhança das áreas indígenas, as áreas militares também desempenham um papel relevante para a conservação ambiental. Até 1987, as unidades de conservação de proteção integral constituíram a maior parte das áreas protegidas. A partir de 1986, houve um grande esforço do governo com a criação de cerca de 400 mil km² de unidades de conservação de uso sustentável e a homologação de quase um milhão de km2 de terras indígenas (Figura 3). Figura 3 - Trajetória de expansão das unidades de conservação, áreas militares e terras indígenas no bioma amazônico até abril de 2008. Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 67 Atualmente, 43% (1,8 milhões de km²) do bioma amazônico está protegido sob diversas designações, cobrindo 51% da floresta remanescente. Entre essas, 54% são terras indí- genas e 44%, unidades de conservação. Da quantidade de unidades de conservação na Amazônia, 26% são apoiados pelo programa Áreas Protegidas da Amazônia (Tabela 1). Tabela 1 - Categorias, número e extensão das unidades de conservação, terras indígenas e áreas militares no bioma amazônico, suas proporções em relação ao bioma e porcentagem apoiada pelo programa ARPA até o final de 2007. Unidades No Área (km²) Proporção do bioma (%) Proporção de unidades de con- servação apoiada pelo programa ARPA (%) Área militar 6 26.235 0,6 - Terra indígena 282 987.219 23,4 - Proteção integral estadual 44 137.385 3,3 22,5 federal 37 231.072 5,5 80,6 Uso sustentável estadual 72 201.918 4,8 13,2 federal 80 233.523 5,5 26,2 Total 521 1.817.355 43,0 Lançado em 2002 por meio do Decreto Federal no 4.326 e com início operacional em 2003, o programa ARPA objetiva proteger amostras significativas da biodiver- sidade amazônica numa escala inédita, reunindo o estado da arte em biologia da conservação e integração participativa de comunidades locais. As metas do ARPA foram recentemente ampliadas: entre 2003-2016, o programa visa criar um total de 493 mil km2 de novas unidades de conservação, alcançando a proteção de um total de 563 mil km2 de ecossistemas naturais, sobretudo florestas. O ARPA só apoia certas categorias de unidades de conservação3 e não contempla terras indígenas ou áreas militares. As unidades de conservação apoiadas pelo programa estão distribuídas em todos os estados da Amazônia (Figura 4), perfazendo até 2007 um total 334 mil km², sendo 208 mil km² de proteção integral e 126 mil km² de uso sustentável4. Os parceiros do programa ARPA5 já investiram cerca de US$ 105 milhões em doações na primeira fase do programa (2003-2008). Além de apoiar ações executadas a curto prazo, esse montante corresponde a recursos investidos no Fundo de Áreas Protegidas (FAP), 3 Entre as categorias de unidades de conservação apoiadas pelo Programa ARPA constam: (1) Grupo de proteção integral–reserva biológica (Rebio), estação ecológica (Esec), e parque nacional (Parna) ou parque estadual (PE); e (2) Grupo de uso sustentável–reserva de desenvolvimento sustentável (RDS) e reserva extrativista (Resex). 4 Em todos os cálculos foram excluídas as sobreposições dando prioridade às terras indígenas; em seguida, às unidades de conservação de proteção integral; depois, às unidades de conservação de uso sustentável; e por último às áreas militares. 5 Ministério do Meio Ambiente (MMA), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio – antes Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Ibama), governos estaduais e municipais da Amazônia, Fundo para o Meio Ambiente Global (GEF), Banco Mundial, Banco de Cooperação da Alemanha (KfW), Agência de Cooperação Técnica da Alemanha (GTZ), WWF-Brasil, Governo da Itália, setor privado brasileiro, Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio). Entre os parceiros, alguns colaboram com apoio técnico, outros apoio financeiro ou ambos. Organizações da sociedade civil também participam dos mecanismos de gestão, como o Comitê de Programa, que decide sobre a alocação de recursos. Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 68 um instrumento fiduciário de capitalização permanente estabelecido para garantir a sustentabilidade financeira das unidades de conservação criadas e consolidadas com apoio do programa. Figura 4 - Áreas protegidas do bioma amazônico com destaque para as unidades de conservação apoiadas pelo programa ARPA. O papel histórico das áreas protegidas na redução do desmatamento na Amazônia De 2002 até 2007, o desmatamento acumulado no interior das áreas protegidas foi re- lativamente baixo: 9,7 mil km² (0,54% da área total protegida na Amazônia brasileira ou 8% do desmatamento total no período). Distribuído pelas diferentes categorias de áreas protegidas, o desmatamento acumulado naquelas de proteção integral totalizou 1,7 mil km² (0,46% da área dessa categoria). Nas áreas de uso sustentável, o valor atingiu 5,5 mil km² (1,26%), nas áreas militares foi de 109 km² (0,42%) eem terras indígenas o acumulado totalizou 2,46 mil km² (0,25%). Para se avaliar os efeitos das áreas protegidas como um todo e das unidades de conser- vação apoiadas pelo programa ARPA, em particular, sobre o desmatamento no bioma amazônico, foram calculadas as probabilidades de ocorrência do desmatamento no interior de cada uma das áreas protegidas e em suas respectivas zonas de entorno − essas divididas, a partir do limite de cada área, em faixas com largura de 10 km, 20 km e 50 km. As probabilidades de desmatamento foram mensuradas sobrepondo-se Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 69 o mapa das 521 áreas protegidas na região com mapas de desmatamento anual entre 2002 e 2007. A assertiva que as áreas protegidas inibem o desmatamento é apoiada pela compa- ração das probabilidades (Figura 5). A probabilidade de ocorrer desmatamento nas zonas do entorno das áreas protegidas é em até dez vezes superior comparada àquela do interior das mesmas e cresce em direção às zonas mais distantes dos limites das áreas protegidas. Figura 5 - Probabilidade de ocorrência de desmatamento em áreas protegidas, incluindo ARPA, e nas suas respectivas zonas de entorno (10 km, 20 km e 50 km) entre 2002 e 2007. Para efeito de comparação do grau de refração ao desmatamento entre categorias de áreas protegidas, foram analisadas populações de quatros grupos: terras indígenas, proteção integral, uso sustentável e área militar. As unidades de conservação de uso sustentável e de proteção integral foram, por sua vez, separadas em áreas com e sem apoio do ARPA. Como parte dessas áreas foi criada após 2003, foram utiliza- dos somente dados de desmatamento no período 2004-2007. Para análise do grau de refração foi utilizado o método Peso de Evidência (Bonham-Carter, 1994). Neste estudo específico, peso de evidência (W+) consiste numa razão entre as chances de ocorrer desmatamento dentro e fora das áreas protegidas. Áreas altamente refratárias são aquelas, portanto, que possuem baixo desmatamento interno, mas com elevado desmatamento em sua zona de entorno. Foi então calculada a média dos pesos de evidências anuais entre 2004-2007 de cada área protegida para compor os dados das populações analisadas. A Tabela 2 mostra as médias dos pesos de evidências para grupos de áreas protegidas e o resultado do teste estatístico de comparação entre as médias das áreas apoiadas e não apoiadas pelo programa ARPA (ver anexo para mais detalhes). Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 70 Tabela 2 - Média de pesos de evidências com dados de desmatamento entre 2004-2007 para populações de áreas protegidas. Quanto mais negativo a média dos W+, mais refratária ao desmatamento consiste a população de áreas protegidas. Suporte Designação Amostras Média dos W+ 2004-2007 Significância esta- tística ARPA Proteção integral 34 -2,21 significante Proteção integral 47 -1,15 ARPA Uso sustentável 27 -0,77 não significante Uso sustentável 125 -1,12 Terras indígenas 282 -1,64 ND Áreas militares 6 -0,55 Os resultados dessa análise mostram que as áreas protegidas são, de fato, inibidoras do desmatamento, como demonstrado pelos seus valores negativos de peso de evi- dência. Essa análise indica também que as áreas de proteção integral apoiadas pelo ARPA se mostram significativamente6 mais refratárias ao desmatamento do que as não apoiadas pelo ARPA. Contudo, esse último resultado pode evidenciar uma correlação, não indicando casualidade, sendo necessária, portanto, uma análise mais detalhada para identificar quais fatores locais contribuíram para a redução do desmatamento em função do apoio do ARPA. A realização dessa análise será interessante em um estágio avançado do programa, quando seus impactos serão mais evidentes e o tempo percorrido permitirá mensurá-lo mais adequadamente. O papel das unidades de conservação na redução do desmatamento futuro e de suas emissões de carbono Além da análise do papel histórico das áreas protegidas em conter o desmatamento, o presente trabalho analisou os efeitos das unidades de conservação sobre o potencial de desmatamento futuro e suas emissões associadas de carbono. Nessa análise, foi utilizado um modelo espacialmente explícito de simulação do desmatamento de- senvolvido pelo projeto “Cenários para a Amazônia Brasileira”7, sob a liderança do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Universidade Federal de Minas Gerais e The Woods Hole Research Center. Esse modelo, conhecido como SimAmazonia-2, incorpora diversos fatores que influenciam o desmatamento na região, como os flu- xos migratórios regionais, projetos de pavimentação de estradas, taxas da expansão da agricultura e pecuária, bem como o papel inibidor das áreas protegidas tanto em escala local como regional (Soares-Filho et al., 2008) − ver anexo. No caso específico deste estudo, o SimAmazonia-2 foi utilizado para avaliar os efeitos das unidades de conservação − excluindo-se as terras indígenas e áreas militares − 6 Nível de confiança de 90%. Teste Kruskal-Wallis. 7 Disponível em: <http://www.ipam.org.br/web/programas/cenarios/cenarios.php> e <http://www.csr.ufmg. br/simamazonia/>. Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 71 sobre a trajetória futura do desmatamento. Essa trajetória foi simulada sob dois cenários extremos: um cenário pessimista8 de forte expansão da fronteira agrícola associada a intensos fluxos migratórios e extensiva pavimentação de estradas, e um outro cenário otimista de moderada expansão da agricultura e pecuária, baixa mobilidade popula- cional e pavimentação restrita de estradas. Para se avaliar o papel das unidades de conservação sobre o desmatamento futu- ro, inicialmente simulou-se o desmatamento até 2050 sob o cenário pessimista, excluindo-se todas as unidades criadas até 2008. Desse exercício, foi derivado um índice de ameaça de desmatamento9 (Albernaz et al., 2006) que leva em conta não somente a chance do desmatamento futuro em uma determinada localidade, mas também a sua premência, ou seja, o quão cedo esse desmatamento poderá ocorrer (Figura 6). Figura 6 - Nível de ameaça de desmatamento no bioma amazônico acumulado até 2050, em um cenário pessimista e desconsiderando a existência de todas as unidades de conservação já criadas até 2008. Em seguida, utilizou-se um mapa da distribuição da biomassa florestal da Amazônia (Saatchi et al., 2007) para determinar os estoques de carbono contidos nas unidades de conservação apoiadas pelo ARPA (Figura 7). Este mapa de estoque foi então sobre- posto àquele de desmatamento simulado sob o cenário pessimista com exclusão das unidades de conservação, obtendo-se assim o potencial de emissão de carbono oriundo da derrubada da floresta nas unidades caso elas não existissem. Considerou-se para 8 A palavra pessimista refere-se ao maior potencial de desmatamento, enquanto otimista indica o contrário. 9 Índice de ameaça corresponde ao ano que uma parcela da área protegida seria desmatada se ela não fosse criada e implementada: Ameaça = 100*(2051-ano_do_desmatamento)/(2051-ano_inicial). Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 72 esse cálculo que 85% do carbono florestal é liberado para a atmosfera durante e após o desmatamento (Houghton et al., 2000) (Figura 8)10. Figura 7 - Distribuição dos estoques de carbono florestal no bioma amazônico, com destaque para as unidades de conservação apoiadas pelo ARPA. Fonte: Saatchi et al. (2007). Esses resultados demonstram que as unidades de conservação próximas à fronteira ativa do desmatamento são as mais ameaçadas e, portanto, apresentam o maior po- tencial de redução de emissões de carbono, logo representam uma peça chave a uma estratégia regional de conservação dasflorestas amazônicas. O total de 61 unidades já apoiadas pelo ARPA até o final de 2007 possui um estoque de carbono florestal da ordem de 4,6 bilhões de toneladas, o que corresponde a 18% do carbono florestal de todas as áreas protegidas da Amazônia brasileira. Os resultados da modelagem apontam que essas unidades possuem um potencial direto11 de redução de emissões de carbono ao redor de 1,1 bilhão de toneladas até 2050, considerando o desmatamento que poderia ocorrer caso elas não existissem (Figura 8). 10 Para essa análise não foi adotada uma linha de base, portanto, foram consideradas todas as unidades de conservação apoiadas pelo programa ARPA independente do seu ano de criação. 11 Considerando apenas o interior dessas áreas. Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 73 Figura 8 - Estoques e emissões potenciais de carbono até 2050 nas 61 unidades de conservação com apoio do programa ARPA sob um cenário pessimista. Para se avaliar também o efeito total das unidades de conservação, ou seja, direto e indiretamente, na contenção do desmatamento regional foram modeladas quatro trajetórias de desmatamento, sob cenários de aumentos progressivos e cumulativos dessas unidades, usando-se o SimAmazonia-2. Os quatro cenários considerados estão descritos a seguir: Cenário 1 - Linha de base ou referência. Esse cenário considera como ponto de partida a existência somente de unidades de conservação criadas até 2002. Dessa forma, é possível estabelecer comparações do potencial de reduções do desmatamento e emissões à medida que se expande a rede de unidades de conservação; Cenário 2 - Unidades de conservação do cenário de linha de base mais uni- dades criadas entre 2003-2007, excluindo-se aquelas apoiadas pelo ARPA (13 unidades de conservação); Cenário 3 - Unidades de conservação do cenário 2 mais as 13 unidades criadas entre 2003-2007 apoiadas pelo programa ARPA; Cenário 4 - Unidades de conservação do cenário 3 mais as unidades em processo de criação no âmbito do ARPA a partir de 2008. Cada um desses quatro cenários de unidades de conservação foi rodado sob os dois cenários socioeconômicos extremos, a saber: pessimista e otimista, para se gerar uma faixa de incerteza. O efeito de redução na trajetória do desmatamento foi então calcu- Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 74 lado utilizando como referência o cenário de linha de base com apenas as unidades de conservação estabelecidas até 2002 (Figura 9). Figura 9 - Potencial de desmatamento e emissão de carbono obtidos a partir das médias entre os dois cenários socioeconômicos extremos para cada um dos quatro cenários de expansão de unidades de conservação. Potenciais de desmatamento e emissões a serem evitados têm como base o cenário de linha de base das unidades de conservação criadas até 2002. Como resultado, a modelagem de simulação demonstra que apenas a expansão das unidades de conservação ocorrida entre 2003 e 2007 (cenário 3) possibilitará uma redução no desmatamento até 2050 de 272±180 mil km2, correspondendo a uma redução de emissões de 3,3±1,1 bilhões de toneladas de carbono equivalente. Deste total, 35±23 mil km2 de desmatamento evitado ou 0,4±0,1 de emissões de carbono podem ser atribuídos às unidades criadas com apoio do ARPA entre 2002 e 2007. Já uma expansão de 129 mil km2 incluindo todas as unidades em processo de criação a partir de 2008 com apoio do programa ARPA aumentaria essa redução para 347±170 mil km² (cenário 4), o equivalente à redução de emissões em 4,3±1,2 bilhões de toneladas de carbono. Em termos da redução específica a ser atribuída às unidades de conservação apoiadas pelo programa ARPA, a comparação entre os cenários 2 e 4 permite inferir que as unidades criadas ou em processo de criação com apoio direto do programa a partir de 2003 permitirão uma redução do desmatamento esperado até 2050 em 110±73 mil km2, traduzindo-se em uma redução de 1,4±0,5 bilhão de toneladas de carbono ou 5,1 bilhões de toneladas de CO2. A título de ilustração, essa última cifra equivale a aproximadamente 16% das emissões por ano provenientes de todas as fontes globais de emissão, ou a 70% da meta de redução de emissões prevista para o primeiro período de compromisso do Protocolo de Quioto. Em efeito, os resultados da análise histórica em conjunto com os da modelagem de simu- lação de desmatamento demonstram que as áreas protegidas, em particular as do ARPA, possuem um papel fundamental na redução do desmatamento em escala regional, der- rubando a hipótese que o estabelecimento de áreas protegidas simplesmente redistribui o desmatamento sem diminuí-lo em termos absolutos (Vandermeer, 1995; Cronon, 1995). Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 75 Conclusões Este estudo demonstra que, além de exercerem funções críticas na conservação da biodiversidade, preservação dos valores culturais e sociais das populações tradicionais da Amazônia, manutenção dos regimes fluviais, estabilização dos climas regional e continental, as áreas protegidas da Amazônia brasileira e, particularmente, as do pro- grama ARPA exercem efeitos significativos na redução do desmatamento e, portanto, nas suas emissões associadas de carbono. Esses serviços ambientais beneficiam a hu- manidade como um todo, posto que conferem um valor adicional às áreas protegidas pelo seu papel no combate ao aquecimento global. Historicamente, as áreas protegidas são eficazes na contenção do desmatamento con- sistindo, portanto, numa barreira efetiva ao avanço da ocupação ilegal e predatória da floresta amazônica. Ademais, a análise empírica apresentada aqui demonstra que elas não somente inibem o desmatamento em seus limites, como também exercem um efeito redutor no desmatamento regional. Sob esse enfoque, as áreas protegidas que se situam ao largo das frentes de desmata- mento, próximas às fronteiras agrícolas em plena expansão, são as mais ameaçadas e, caso efetivamente consolidadas, apresentarão um maior potencial de redução das emissões de carbono pelo desmatamento. Por essas razões, as áreas que atuam como verdadeiras barreiras verdes merecem especial atenção quanto aos inves- timentos necessários à sua consolidação e manutenção. Apesar dessa inovadora estratégia de conservação apresentar maiores riscos do que abordagens tradicionais − as quais priorizam áreas para proteção em rincões com alta biodiversidade e baixo grau de ameaça antrópica −, ela favorece de modo mais extensivo e a mais longo prazo a conservação da biodiversidade, porquanto assegura a manutenção da funcionalidade ambiental de um arranjo interligado de paisagens florestais. Logo, uma eficaz estratégia de conservação consiste em enfocar as áreas protegidas atualmente mais ameaçadas, mas que ao mesmo tempo assegurem a proteção de amostras representativas da biodiversidade no bioma amazônico como um todo (Albernaz et al., 2006). Além de atender às prioridades da Convenção sobre Diversidade Biológica, apre- sentando resultados positivos no tocante à proteção de amostras ecologicamente representativas da diversidade biológica, o programa ARPA exerce também um papel crucial na redução das emissões associadas ao desmatamento, merecendo, portanto, destaque sob a luz da Convenção do Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. A esse respeito, a quantificação aqui apresentada das reduções histórica e futura do desmatamento e de suas emissões de carbono pelas áreas protegidas como um todo e, em particular, pelas com apoio do programa ARPA, é uma importante contribuição ao debate internacional sobre a mitigação das mudanças climáticas. Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 76 No âmbito dessa convenção, o Plano de Ação de Bali12, acordado na Conferênciadas Partes realizada em 2007 em Bali (COP 13), coloca na agenda das negociações para um acordo de mudanças climáticas pós-2012, a proposta de um mecanismo global de financiamento para reduzir as emissões do desmatamento chamado REDD – Redução das Emissões provenientes do Desmatamento e Degradação Florestal. O Plano refere-se especificamente ao desenvolvimento de políticas públicas e incentivos à redução das emissões do desmatamento em países em desenvolvimento, levando em consideração que reduções sustentáveis dessas emissões requerem a disponibilidade de recursos de forma estável e previsível. Também se reconhece que reduzir emissões advindas do desmatamento pode promover cobenefícios e complementar os objetivos de outras convenções relevantes. Nesse contexto, um aporte substancial de recursos a curto prazo e sua sustentabilidade a longo prazo se tornam imprescindíveis ao sucesso do programa ARPA, tendo em vista a premência de se criar e consolidar áreas protegidas em regiões de alta pressão antrópica que atuem como barreiras verdes ao avanço do desmatamento. Logo, o programa ARPA se viabiliza como um importante instrumento a ser incorporado a mecanismos voluntários ou formais de incentivos às reduções das emissões de carbono pelo desmatamento. Referências Albernaz, A. L. K. M., B. S. Soares-Filho & B. W. Nelson. 2006. Estratégias de Conservação para o Programa ARPA. Brasília: IBAMA. Relatório Interno. Alencar, A. et al. Desmatamento na Amazônia: indo além da emergência crônica. Manaus: IPAM, 2004. 89 p. Bonham-Carter, G. 1994. Geographic information systems for geoscientists: modelling with GIS. New York: Pergamon, 398 p. Bruner, A., R. Gullison, R. Rice & G. Fonseca. 2001. 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Theoretical and Applied Climatology 78:137-156. 12 Report of Conference of Parties on its thirteenth session, held in Bali from 3 to 15 December 2007 – FCCC/ CP/2007/6/Add.1. Disponível em: <http://unfccc.int/resource/docs/2007/cop13/eng/06a01.pdf#page=8>. Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 77 Cronon, W. 1995. The trouble with wilderness; or getting back to the wrong nature. In: Cronon, W. (ed.) Uncommon Ground. p. 69-90. Nova York: W. W. Norton & Co. Ferreira, L. V., E. Venticinque & S. Almeida. 2005. O desmatamento na Amazônia e a im- portância das áreas protegidas. Estudos Avançados 19: 1-10. Gibbons, J. D. 1976. Nonparametric methods for quantitative analysis. Nova York: Holt, Rhinehart, and Winston. Houghton, R. A. et al. 2000. Annual fluxes of carbon from deforestation and regrowth in the Brazilian Amazon. Nature 403: 301-304. Houghton, R. A. 2005. Tropical deforestation as a source of greenhouse gas emissions. In: Moutinho, P. & S. 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Os dados de desmatamento anteriores a 2002 foram desconsiderados nesta análise devido à alteração do método do PRODES a partir de 2001 (INPE, 2008). Para a análise da região de entorno, foram definidas zonas de entorno de 10 km, 20 km e 50 km para, então, estabelecer o efeito proximal das áreas protegidas no desma- tamento.Os dados de desmatamento anual foram empregados para desenvolver uma análise bayesiana de pesos de evidência que calcula probabilidades a posteriori e a razão de chance de ocorrer um evento (o desmatamento) dado um padrão espacial que, nesse caso, corresponde à presença ou ausência de uma área protegida ou suas áreas de entorno (Bonham-Carter, 1994). A probabilidade a posteriori considera a taxa global de desmatamento, espelhando, portanto, o declínio dessa taxa nos valores de probabilidades. Por sua vez, a análise de pesos de evidência (W+) independe desse efeito, posto que W+ corresponde ao logaritmo natural da razão de chance de se achar uma área protegida com desmatamen- to versus o contrário. Valores positivos de W+ favorecem uma associação, enquanto valores negativos indicam refração. Nesse caso, a análise de pesos de evidência mostra o grau de refração das áreas protegidas em relação ao seu entorno independentemente da taxa global de desmatamento. A análise da probabilidade de ocorrência de des- matamento foi aplicada para cada área protegida individualmente, considerando os registros de desmatamento histórico dentro de cada área protegida e sua específica zona de entorno. Desse modo, foi utilizado o entorno de 20 km para assegurar uma melhor amostragem de dados e condições de entorno em média semelhantes as do interior da área protegida, caso a caso. Para o cálculo dos pesos de evidências, foram consideradas somente áreas protegidas com ocorrências de desmatamento tanto dentro do período inicial quanto no final, tendo em vista as falhas de cobertura dos dados PRODES. Assim, analisou-se a contribuição de cada uma delas para a redução relativa do desmatamento, independentemente da trajetória de ascensão ou declínio do desmatamento na Amazônia como um todo. Portanto, a análise de pesos de evi- dência consiste numa razão entre as ocorrências de desmatamento dentro de uma área protegida e sua zona de entorno. Para efeito de comparação, as áreas protegidas foram agrupadas em quatros tipos: terras indígenas, proteção integral, uso sustentável e área militar. As unidades de conservação de uso sustentável e de proteção integral foram, por sua vez, separadas em áreas com e sem apoio do ARPA. Para a compara- ção entre o grau de refração ao desmatamento, como indicado pelos valores de peso de evidências, foram utilizados somente os dados de 2004-2007, tendo em vista que parte dessas áreas foi criada após 2003. Foram então calculadas médias do período Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 80 2004-2007 com os pesos de evidências de dados anuais, as quais constituíram os da- dos das populações analisadas conforme discriminado na Tabela 2. Como boa parte das populações de amostras de áreas protegidas não se ajusta à distribuição normal, foi empregado o teste Kruskal-Wallis para se avaliar se há diferença significativa ou não entre as médias das populações. O teste de Kruskal-Wallis consiste em um teste não paramétrico, robusto, para comparação de duas ou mais populações, podendo substituir a Análise de variância (ANOVA) quando os dados não seguem a distribuição normal (Gibbons, 1976). Os dados obtidos da análise histórica foram utilizados para calibrar o modelo de simula- ção de desmatamento. Além da análise Bayesiana apresentada anteriormente, demons- tra-se que a fração de área protegida em uma dada região é a única variável a apresentar correlação negativa com as taxas de desmatamento. A Tabela A mostra o resultado de uma regressão por defasagem espacial obtida com dados socioeconômicos, infraestrutura, percentagem de área protegida versus taxa de desmatamento entre 1997-2001 de 399 municípios na Amazônia. Das cinco variáveis selecionadas com efeito significativo na taxa de desmatamento, a fração de área protegida é a única que apresenta efeito negativo nas taxas de desmatamento. Portanto, a extensão de áreas protegidas não somente afeta a localização do desmatamento, mas também sua taxa regional. Tabela A - Regressão por defasagem espacial de dados municipais de desmatamento entre 1997- 2001. Técnica Máxima Verossimilhança Múltiplo R 0,8021 R2 0,6434 Observações 399 Modelo OLS MV Coeficientes S.D. z Prob. Constante 0,01703 0,0024 7,1499 0,0000 Proximidade média a rodovias pavimentadas 0,00003 0,0000 -2,4317 0,0150 Aumento no número de cabeças de gado por km2 0,00053 0,0001 7,3599 0,0000 % de aumento nas áreas de culturas 0,09547 0,0456 2,0930 0,0363 Taxa migratória líquida (1995/2000) 0,01412 0,0055 2,5815 0,0098 % de área protegida -0,0002 0,0001 -3,9195 0,0001 Outlier Positivo 0,07978 0,005 15,3247 0,0000 Outlier Negativo -0,0474 0,015 -3,1092 0,0019 Defasagem espacial (r) 0,48948 0,041 11,8227 0,0000 Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 81 Essa relação obtida da regressão por defasagem espacial com dados coletados entre 1997-2001 foi utilizada para calibrar o modelo de projeção de desmatamento a nível municipal. Já o período de 2002 e 2006 foi usado para sua validação (Figura A). Ob- serve que a projeção do desmatamento predito acompanha tanto a ascensão quanto a queda recente do desmatamento (PRODES), devido a flutuações dos mercados agrícolas (negativamente à produção e exportação) e expansão recente das áreas protegidas. Figura A - Validação da predição do desmatamento amazônico pelo SimAmazonia-2. 83 Capítulo 5 Dinâmica de uso da terra e regeneração de florestas em uma paisagem antrópica do leste do Pará Ima Célia Guimarães Vieira. Museu Paraense Emílio Goeldi, Coordenação de Botânica, Caixa Postal 399, Belém-Pará-Brasil, CEP 66040-170, ima@museu-goeldi.br. Arlete Silva de Almeida. Museu Paraense Emílio Goeldi, Unidade de Análises Espaciais – Coordenação de Pesquisa e Pós-Graduação, Caixa Postal 399, Belém-Pará-Brasil, CEP 66077-530 Apresentação Grandes áreas tropicais cobertas de florestas foram e continuarão a ser modificadas pelo homem. Dessas áreas, a Amazônia representa a maior área contínua de floresta tropical úmida da Terra e aquela que sofreu as maiores transformações da paisagem natural. Em poucas décadas, a destruição da floresta primária na Amazônia atingiu níveis alarmantes de cerca de 70 milhões de hectares (INPE, 2006). O Centro de En- demismo Belém, localizado entre os estados do Pará e Maranhão configura-se como a área mais antiga de ocupação humana na Amazônia brasileira e a mais desmatada, com apenas 23% de sua cobertura florestal intacta (Almeida e Vieira et al., 2010). Por outro lado, as áreas de vegetação secundária por regeneração natural aumentaram enormemente nos últimos 30 anos. Estimativas recentes evidenciam a existência de cerca de 130 mil km2 de florestas secundárias (capoeiras) em toda a região amazônica (Almeida, 2008). Uma das primeiras regiões submetidas à queima e corte da vegetação original para fins agrícolas foi a região Bragantina, localizada no Centro de Endemismo Belém. Após 135 anos de colonização com atividades agrícolas, as florestas remanescentes ocupam 10% da cobertura vegetal original e as capoeiras ocupam 43% da paisagem bragantina. Neste capítulo, avalia-se as mudanças ocorridas na região Bragantina, no leste do Pará, a importância ecológica das capoeiras no contexto de uma paisagem antrópica de fronteira antiga na Amazônia Oriental, onde apenas alguns fragmentos de florestas primárias conseguem permanecer na paisagem e examina-se o papel das capoeiras na manutenção da diversidade biológica nesta região. Dinâmica do uso da terra e desmatamento na região Bragantina A paisagem bragantina hoje é composta por um mosaico de florestas em diferentes estágios de sucessão, culturas agrícolas e áreas de pastagem. As florestas frondosas, exuberantes e sempre verdes do bioma amazônico, ocorreram até inícios de 1900 (Du- ckee Black, 1954; Lima, 1954; Ackermann, 1966). Nos primeiros cinquenta anos de Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 84 colonização, essa região esteve sob um forte impacto antrópico, quando se transformou numa ‘paisagem fantasma’ (Camargo, 1948; Egler, 1961; Sioli, 1973). O predomínio da floresta secundária (capoeira) está associada com os primeiros desmatamentos no início do século XVII, com a chegada dos colonizadores franceses (Penteado, 1968). A presença estrangeira teve um forte impacto na paisagem florestal ao serem introduzidas ideias inovadoras de agricultura. O maior impacto florestal na região Bragantina ocorreu ao final do século XIX com a construção da “Estrada de Ferro” (1883-1908) e o avanço da frente de colonização, ambos responsáveis pela destruição da floresta primária (Huber, 1909; Ducke, 1945; Lima, 1954; Ackermann, 1966). Essa ferrovia que ligava Belém e os diferentes polos da região Bragantina facilitou o assentamento de colônias e núcleos agrícolas, assim como o início de uma agricultura extensiva que levou a quase total destruição das florestas exuberantes. Atualmente, as formações vegetais existentes na região Bragan- tina, embora existam em áreas pequenas, ainda representam os tipos de vegetação descritos por Falesi na década de 60 (Egler, 1961): floresta densa, capoeira, várzea, tijuco (manguezais), duna, campina (áreas abertas dominadas por gramíneas) e campos (áreas de solo empobrecido coberto por herbáceas e arbustos). Figura 1 - Abertura da Estrada de Ferro Belém-Bragança, localidade de Sapucaya, município de PeixeBoi, Pará. Fonte: Coleção Fotográfica/Arquivo Guilherme de La Penha/Museu Paraense Emílio Goeldi. Cerca de 30-50% da terra desmatada na Amazônia está em algum estágio de sucessão florestal secundária, que cresce após abandono das atividades agrícolas (Hirsch et al., 2004). Mas não são somente as áreas de fronteira nova que estão sendo derrubadas e Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 85 queimadas na Amazônia. No período de 1984-2008, em 137.835 ha da região Bragan- tina, encontramos redução contínua da cobertura florestal, tanto em pequenas áreas remanescentes de floresta madura (perda de 9.000 ha em 14 anos) quanto nas áreas com florestas secundárias, devido ao aumento da população humana e da intensificação do uso da terra (Tabela 1). A quantidade de pasto foi relativamente estável no período 1984-1999, mas recentemente tem mostrado um aumento constante, atingindo 42% de cobertura em 2008. O número de animais por hectare, uma medida da intensidade de uso da terra, mais do que duplicou, passando de 0,4 por hectare em 1970 para 1,0 por ha em 2006 (IBGE, 2006). Para uma área maior avaliada por Almeida et al. (2010) na mesma região Bragantina, os dados mostram que embora tenha havido um aumento inicial na área de floresta secundária de 1984 a 1994, houve um declínio constante desde então – de 75% de cobertura de floresta secundária em 1994 para 54% em 2002. Estas tendências apontam para o aumento recente na intensificação dos usos da terra e, talvez, para alguma forma de consolidação produtiva à medida que aumenta o tama- nho da propriedade. Assim, percebemos que mudanças no uso da terra continuam a ser importantes na transformação da paisagem em áreas de fronteiras antigas, mesmo após a maior parte da floresta madura ter sido removida, o que demonstra que essa área que vem sendo submetida a um processo histórico de desmatamento, ainda per- dem os únicos remanescentes de florestas que sobraram (Figura 1), biodiversidade e quantidades significativas de carbono da biomassa florestal para a atmosfera (Almeida et al., 2010), devido à compensação e à degradação contínua de remanescentes de florestas maduras e de florestas secundárias. Tabela 1 - Mudanças de cobertura e uso da terra em três municípios do centro da região Bragantina, Pará (Nova Timboteua, Peixe-Boi e Capanema) nos anos de 1984, 1991, 1999 e 2008. Classes 2008 (ha) % 1999 (ha) % 1991 (ha) % 1984 (ha) % Floresta Primária 13689 10 18031 13 21009 15 22765 16 Capoeira Antiga 24660 18 29256 21 32022 23 25430 19 Capoeira Intermediária 19032 14 30847 22 17203 12 27809 20 Capoeira Jovem 14743 11 12815 9 23257 17 18517 13 Agropecuária 57815 42 33443 25 30231 22 29122 21 Água e Áreas Alagadas 5527 4 2512 2 2226 2 2230 2 Campo Natural 2 0 957 1 1254 1 2570 2 Áreas Urbanas e Solo Exposto 1862 1 641 0 459 0 391 0 Nuvem e Sombra 505 0 9333 7 10174 7 9010 7 Total 137835 100 137835 100 137835 100 137835 100 Fonte: Almeida et al. (2010). Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 86 Figura 2 - Evolução da perda de florestas primárias de três municípios da região Bragantina (Peixe-Boi, Nova Timboteua e Capanema) de 1984 a 2008. Mudanças florísticas e regeneração de plantas em cronossequência de florestas Mesmo depois de 135 anos (desde 1875) de agricultura migratória, florestas primárias remanescentes persistem na região Bragantina. Esses fragmentos são os refúgios de mais de 200 espécies de árvores e suportam muitas espécies de plantas e animais. A agricultura itinerante na região Bragantina desenvolvida há 135 anos é reconhecida- mente uma atividade que alterou a composição de espécies da floresta original (Lima 1954; Vieira, 1996). Após mais de 40 anos de sucessão secundária, florestas em rege- neração têm menos espécies e menor diversidade que a floresta primária (Tabela 2). Tabela 2 - Número de indivíduos por hectare, número total de espécies e índice de diversidade de Shannon-Weaner (H’) nas capoeiras de 5, 20, 40 e 70 anos dos municípios da Região Bragantina, Pará. Municípios Idade da floresta No ind > 5 cm DAP/ha No total de espécies Indíce de Diversidade de Shannon São Francisco do Pará1 5 anos 920 25 2.77 20 anos 1920 32 2.94 40 anos 1850 53 3.34 70 anos 1620 54 3.46 Capitão- Poço2 5 anos 622 56 2.81 20 anos 1411 83 3.31 40 anos 1258 120 3.89 Peixe- Boi3 5 anos 1096 41 2,89 20 anos 1552 81 3,73 40 anos 1276 62 3,52 Fontes: (1) Almeida e Vieira (2002). N= 1.000m2, (2) Vieira e Leal (inédito). N= 8.000 m2 (capoeira de 40 anos com 6.000 m2), (3) Vieira (1996). N= 2.500m2. Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 87 De todas as 268 espécies de árvores com DAP igual ou maior que 5 cm encontradas na floresta primária do município de Peixe-Boi, apenas 95 (35,5 %) ocorreram nas florestas secundárias de 5 a 40 anos de idade. Assim, aproximadamente um terço da composição florística arbórea da floresta primária apareceu nas florestas secundárias depois de 40 anos de re-crescimento (Vieira et al., 1996). Em geral, as cronossequências estudadas em três municípios dessa região sugerem que alguns parâmetros como diversidade de espécies, riqueza e densidade (Tabela 2) alcançam valores muito similares entre florestas sucessionais mais antigas (acima de 20 anos). Tais padrões são similares aos observados em sucessões secundárias tropicais (Finegan 1996; Chazdon et al., 2010). A alta riqueza de espécies nas florestas secundárias mais antigas é devido à coexistência de espécies que demandam luz estabelecida cedo na sucessão e espécies tolerantes àsombra estabelecida nesse estágio sucessional. Espécies de famílias como Sapotaceae e Meliaceae, presentes em florestas primárias da região, são inexistentes ou pouco representadas em capoeiras. Por outro lado, os valores de área basal que podem estar associados com acumulação de biomassa e presença de árvores muito grandes são muito mais baixos nas florestas secundárias novas do que nas florestas secundárias antigas (Almeida e Vieira, 2002). O número de espécies vegetais das capoeiras pode se aproximar ao encontrado nas florestas primárias, mas ocorreuma redução no número de espécies nativas da floresta primária. Apesar disso, o ecossistema de capoeira funciona como o melhor sistema de recuperação de espécies vegetais originais da floresta, após a atividade antrópica. O banco de sementes de capoeiras de diferentes idades e de florestas primárias foi avaliado durante um ano inteiro, por meio de amostras de solo na profundidade de 0-5 cm, totalizando 30 m2 amostrados em cada tipo de floresta (Vieira, 1996; Vieira e Proctor, 2007). A chuva de sementes nas florestas secundárias foi analisada através de coletores de pano de 1,0 x 1,0 m (Vieira e Proctor, 2007), somando-se 12 m2 de área amostrada em cada idade da floresta. Na avaliação do banco de sementes ao longo de um ano identificou-se 60 espécies, e uma média de 1.190 sementes.m-2 nas capoeiras de cinco anos. Ao longo da cronosse- quência, houve diminuição gradativa da densidade de sementes e aumento do número de espécies (Tabela 3). Na avaliação da chuva de sementes ao longo de um ano iden- tificou-se 70 espécies e uma média de 883 sementes.m–2 nas capoeiras de cinco anos. Ao longo da cronossequência houve também diminuição da densidade de sementes e aumento da riqueza e diversidade específica. Espécies herbáceas dominaram o banco de sementes nas capoeiras (Vieira, 1996). Já a chuva de sementes apresentou muito mais espécies de porte arbustivo e arbóreo. O aporte de sementes nas áreas em estudo representa a potencialidade de sucessão local através da dispersão alóctone e autóctone de sementes e, consequentemente, o aumento da diversidade genética regional. Porém, Vieira (1996) preconiza que nas capoeiras da região Bragantina esses dois processos de regeneração têm papel secundário na regeneração de espécies arbóreas na paisagem antrópica, tendo a rebrotação de tocos e raízes papel principal. Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 88 Tabela 3 - Número de sementes e número de espécies no banco de sementes e chuva de sementes em capoeiras de diferentes idades e em floresta primária da região Bragantina, estado do Pará. Idade da Floresta 5 anos 10 anos 20 anos Floresta Primária Número de sementes do banco de sementes (30 m2) 1190±284a 547±42b 451±57b 137±19c Número de sementes da chuva de sementes (12 m2) 883±230a 527±122ab 514±169ab 220±80b Número de espécies do banco de sementes (30 m2) 60 63 70 54 Número de espécies da chuva de sementes (12 m2) 70 93 104 134 As médias seguidas por diferentes letras nas linhas são significativamente diferentes de acordo com o teste de Tuckey, p< 0,05. Nas capoeiras de 5-20 anos nos latossolos da região Bragantina os rebrotamentos contribuíram com a maior proporção tanto de caules e espécies de DAP maior ou igual a 5 cm em toda a gama de idades de floresta estudada (Vieira e Proctor, 2007). Parece provável que a dominância de rebrotamentos em florestas secundárias por um período longo nessa região se deva ao fato de que o tempo passado desde o início dos assentamentos foi muito longo (mais de 100 anos). Particularmente quando agricul- tores encurtam o período de pousio, é razoável supor que a produção de sementes in loco pelas várias espécies arbóreas deve ser reduzida ou inexistente em paisagens de agricultura de pousio, tais como as da região Bragantina, simplesmente porque os caules raramente ou sequer atingem uma condição reprodutiva. Devido a esses fatores, possíveis reduções em tamanho e diversidade da chuva de sementes podem ser acentuadas pela perda do hábitat da floresta primária e de sua função como fonte de sementes (Denich, 1991, Vieira et al., 1996). Com base em observações de campo e escavações de árvores em florestas secundárias (Vieira, 1996), observou-se que cerca de 70% a 80% das espécies arbóreas encontradas na floresta secundária seriam capazes de brotar a partir de raízes e tocos e podem haver persistido nas capoeiras por causa dessa característica. Essas espécies de árvores poderiam sobreviver na paisagem de fronteira independentemente dos remanescen- tes de florestas primárias. Por outro lado, as espécies de árvores da floresta primária encontradas na floresta secundária, com pouca ou nenhuma capacidade de brotar após corte e queima, dependeriam de sementes para recolonizar áreas abandonados. Presume-se que o número de tais espécies de árvores dependentes de remanescentes ocorrendo na floresta secundária aumente com o tempo, à medida que outras espécies venham da floresta primária adjacente para colonizar este ecossistema. Provavelmente o transporte de sementes das árvores dos remanescentes de floresta primária para as áreas mais abertas depende principalmente da fauna, uma vez que menos de 16% da flora de árvores da floresta é dispersada pelo vento. Além disso, as Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 89 sementes dessas espécies anemocóricas dificilmente alcançariam distâncias maiores que 100 metros. A paisagem e a flora da região Bragantina A flora das paisagens agrícolas pode ser classificada segundo a resistência das espécies arbóreas às condições vigentes. Para estudar a região Bragantina, definimos três categorias (Vieira et al., 1996): as espécies ‘ameaçadas de extinção’, ‘as favorecidas’ e as ‘adventícias’. Na primeira categoria estão árvores da floresta primária inexistentes nas capoeiras. O nível de ameaça a esse grupo varia segundo a abundância de exemplares jovens e adultos na floresta primária. As espécies favorecidas estão presentes nos dois tipos de florestas e as adventícias, não sendo nativas da floresta primária, só ocorrem nas secundárias. Seguindo-se esses critérios, encontramos 173 espécies arbóreas ameaçadas, ou seja, 64,5% das 268 espécies da floresta primária. Das ‘ameaçadas’ 21,6% (58 espécies) são abundantes e têm boa regeneração na floresta, ou seja, não têm problemas com repro- dução e por isso foram consideradas apenas ‘sensíveis à alteração da vegetação’. Há 55 espécies ‘sob risco’ com baixa densidade ou com pouca regeneração, que representam 20,5% do total de espécies. As ‘muito ameaçadas’, ou seja, com baixa densidade e sem reprodução na floresta, alcançam 22,4% (60 espécies). Algumas espécies ameaçadas, como Allophyllus punctatus, Aniba panurensis (louro- -amarelo), Drypetes variabilis (marapanã) Luheopsis duckeana (açoita-cavalo), Pra- dosia granulosa (abiu casca-doce) Pouteria heterosepala (abiu), Pouteria echinocarpa (abiu-jarani), Prunus myrtifolia (pau-endofórmio), Quiina duchei, Sterculia pilosa e Trichilia quadrijuga (cachuá), e algumas sob risco, como Couepia magnoliifolia (pajurá) e Miconia serialis (tinteiro-vermelho), são encontradas apenas em algumas partes da Amazônia e dificilmente são mencionadas nos levantamentos florísticos da região. Outras espécies muito ameaçadas sofrem pressão madeireira, entre elas Copaifera duchei (copaíba), Enterolobium schomburgkii (orelha-de-negro), Eschweilera ama- zonica (mata-matá jiboia), Ilex parviflora (verdinho), Ocotea rubra (louro-vermelho), Parkia gigantocarpa (coré-grande), Pouteria guianensis (abiu-branco), Radlkoferela macrocarpa (guajará), Tetragastris altissima (breu-manga). Por isso, estão sujeitas a maior risco de extinção do que as distribuídas mais amplamente ou as desprovidas de valor econômico. Espécies que ocorrem em outros ecossistemas, como Stryphnodendron barbadetiman (barbatimão), Simaruba multiflora (marupá-amarelo), Duguetia echinophora (envira- surucucu) e Terminalia argêntea (tanimbuca), encontradas no cerrado; Iriartea exor- riza (paxiúba) e Fícus gomeleira (apuí), encontradas na várzea; ou Sterculia speciosa (caputera) e Carapa guianensis (andiroba), encontradas nos igapós, podem escapar da extinção se esses outros ecossistemas forem preservados. É bom ressaltar que trinta e três espécies arbóreas que predominavam emflorestas primárias contínuas do Centro de Endemismo Belém estão ameaçadas de extinção e Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 90 já constam na lista vermelha do Estado do Pará (Decreto no 802, de fevereiro de 2008), porém apenas 10 espécies das plantas consideradas vulneráveis, seguindo os critérios da IUCN, foram encontradas nos seis fragmentos de florestas primárias nos arredores de Belém avaliados por Amaral et al. (2011), são elas: Aspidosperma desmanthum, Cedrela odorata, Eschweilera piresii, Euxylophora paraensis, Euxylophora paraensis, Hymenolobium excelsum, Manilkara huberi, Mezilaurus itauba, Qualea coerulea e Tabebuia impetiginosa. Assim, pode-se dizer que a paisagem de áreas antrópicas dominada por florestas secundárias e remanescentes florestais primários possui uma mistura de espécies de plantas lenhosas com diferentes graus de resistência à atividade humana. O futuro dessas paisagens depende dos usos da terra a serem implantados, que influenciam diretamente na resiliência da floresta e na resistência das espécies aos impactos cau- sados pelo Homem. Um outro aspecto importante que leva à discussão de cenários para essa região diz respeito às características da matriz da paisagem (área no entorno dos fragmentos de floresta). Para Vieira et al. (2007) as diferenças na estrutura da paisagem influenciam nas estratégias de produção, conservação e recuperação de uma região na amazônia. Assim, paisagens de fronteiras antigas, como a região Bragantina, requerem ações de forma a conservar, e se possível aumentar as manchas de florestas remanescentes com enriquecimento de espécies nativas nos fragmentos, com vistas à conservação da biodiversidade, enquanto ações de restauração ecológica passiva, com condução da regeneração devem ser implementadas para que se potencialize a capacidade natural da capoeira de recuperar a biodiversidade, principalmente em Áreas de Preservação Permanentes (APPs). Enfim, a capacidade regenerativa da floresta amazônica é enorme, entretanto, o tama- nho e a intensidade de transformação da floresta amazônica mudaram substancial- mente desde o início da ocupação da região. As fazendas de gado, plantios de grãos e dendê ocupam hoje áreas muito maiores do que as áreas de agricultura migratória no leste da Amazônia. Essas áreas têm sido submetidas a intenso uso da terra e o fogo acidental domina a paisagem antrópica nessa região. A vigorosa regeneração da floresta pode estar em declínio. Os fragmentos de floresta primárias e secundárias estão sendo queimados e a degradação da paisagem é notória. Com a destruição das florestas remanescentes, mais espécies lenhosas se perderão. O desmatamento contí- nuo, a fragmentação, o fogo e as mudanças climáticas certamente afetarão o processo de sucessão ora em curso e criarão outras possibilidades para que ecossistemas mais simplificados, com predominância de espécies cada vez mais resistentes ao fogo pre- dominem. A única forma de conter o acelerado processo de empobrecimento biótico no leste do Pará é promover o desenvolvimento de territórios sustentáveis (sensu Vieira et al., 2005), baseado no zoneamento econômico-ecológico e manejo de usos da terra que permitam com que os componentes bióticos dos ecossistemas amazônicos persistam na paisagem. Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 91 Conclusões e recomendações • A paisagem agrícola da região Bragantina é muito dinâmica e desmatamentos recentes ainda são observados. O potencial para a conservação da biodiver- sidade é, portanto, transitório; • Certas características ao nível de comunidade – por exemplo, a proporção de plantas que regeneraram a partir de rebrotamentos em relação àquelas que o fazem via sementes – dependem da estrutura e composição da paisagem que circunda a comunidade; • Embora as comunidades de plantas de capoeiras mudem ao longo do tempo, sua riqueza e diversidade de espécies, e a sua representação de espécies dependentes da floresta, permanecem baixas em comparação com a floresta original; • Os bancos e a chuva de sementes não são os principais meios de regeneração de espécies arbóreas na capoeira, exercendo papel importante na sucessão gradual, mas com pouco potencial de recuperação da biodiversidade nativa; • Tendência no sentido de pousios curtos limita ainda mais o potencial de recuperação da biodiversidade na paisagem agrícola; • Comunidades de florestas secundárias são uma etapa na recuperação da floresta original, mas um tipo de vegetação antropogênica inteiramente nova; • Conservação da biodiversidade nesta região dependerá em grande parte das mudanças de uso da terra e do manejo ao nível da paisagem; • Deve-se manter na paisagem toda a diversidade biológica (antropizada e na- tural) possível, deixando os remanescentes florestais primários e secundários, circundando os campos de cultivos agrícolas; • Ações de restauração ecológica devem ser imediatamente implementadas na região, principalmente em áreas de preservação permanente, onde os fragmentos de florestas estão em adiantado estado de degradação; • O manejo de paisagens pode aumentar sua contribuição à conservação biológica, mas certamente terá de enfrentar grandes desafios quanto à sua implementação, a partir do zoneamento econômico-ecológico e a definição clara de uma agenda que busque estabelecer territórios sustentáveis. Agradecimentos Este trabalho teve o apoio financeiro do Programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia-INCT/CNPq e do Museu Paraense Emílio Goeldi. Os autores agradecem às colegas Eliane Leal e Janaina Lameira pelo apoio no campo e imagens de satélite e aos técnicos em botânica Carlos Alberto Silva e Mário Rosa, pelo grande auxílio no reconhecimento dos tipos florísticos. Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 92 Referências Almeida, C. A. de. 2008. Estimativa da área e do tempo de permanência da vegetação se- cundária na Amazônia legal brasileira utilizando imagens Landsat/TM. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, São José dos Campos, SP, 129 p. Almeida, A. S., T. A. Stone, I. C. G. & Vieira, E. A. Davidson. 2010. Nonfrontier Deforestation in the Eastern Amazon. Earth Interactions 14: 1-15, 2010. Almeida, A. S. & I. C. G. Vieira. 2001. 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Ciência e Cultura (SBPC) 59: 27-30. 95 Capítulo 6 A caminho de uma silvicultura ecologicamente sustentável na Mata Atlântica1 Carlos Roberto Fonseca. Departamento de Botânica, Ecologia e Zoologia, Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, 59072-970, Brasil; Gislene Ganade. Departamento de Botânica, Ecologia e Zoologia, Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, 59072-970, Brasil; Ronei Baldissera. Instituto de Biociências, Centro de Ecologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 91501-970, Brasil; Carlos G. Becker. Department of Ecology and Evolutionary Biology, Cornell University, 14853, Ithaca NY, U.S.A; Carlos R. Boelter. Departamento de Botânica. Instituto Nacional de Pesquisas do Amazonas, Manaus, AM, 69011-970, Brasil; Antonio D. Brescovit. Seção de Artrópodes Peçonhentos, Instituto Butantan, São Paulo, SP, 05503-900, Brasil; Lucas M. Campos. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, 93022-970, Brasil; Tomás Fleck. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, 93022-970, Brasil; Vanda S. Fonseca. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, 93022-970, Brasil; Sandra M. Hartz. Instituto de Biociências, Centro de Ecologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 91501-970, Brasil; Fernando Joner. Instituto de Biociências, Centro de Ecologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 91501-970, Brasil; Marcia I. Käffer. Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 90690-000, Brasil; Ana M. Leal-Zanchet. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, 93022-970, Brasil; Marcelo P. Marcelli. Instituto de Botânica, São Paulo, SP, 04301-902, Brasil; Alex S. Mesquita. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, 93022-970, Brasil; Cláudio A. Mondin. Departamento de Biologia, Faculdade de Biociências, Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, RS, 90619-500, Brasil; Claudia P. Paz. Departamento de Ecologia. Instituto Nacional de Pesquisas do Amazonas, Manaus, AM, 69011-970, Brasil; Maria V. Petry. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, 93022-970, Brasil; Fabio N. Piovensan. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, 93022-970, Brasil; Jair Putzke. Departamento de Biologia, Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, RS, 96815- 900, Brasil; Anamaria Stranz. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, 93022-970, Brasil; Micheline Vergara. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, 93022-970, Brasil; Emerson M. Vieira. Departamento de Ecologia, Instituto de Biologia, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 70919-970, Brasil Introdução A Floresta com Araucária, uma floresta subtropical chuvosa que constitui o limite sul da Mata Atlântica, permaneceu relativamente intocada até o início do século XX (Galindo-Leal e Câmara, 2003). Durante a Primeira Guerra Mundial, com a impossi- bilidade da Europa comercializar madeira de pinheiros da região de Riga (Letônia), iniciou-se a exploração do pinheiro brasileiro Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze (1898). De 1915 a 1960, o Brasil exportou mais de 18 milhões de m3 de madeira, principalmente da Mata Atlântica (Koch e Corrêa, 2002; Fonseca, 1985). Uma única companhia britânica, a Lumber and Colonisation Comp. Ltda., extraiu da Floresta com Araucária mais de 15 milhões de árvores de A. angustifolia (Medeiros et al., 2004). Hoje em dia, considerando os 25.379.316 ha previamente ocupados pela Floresta com 1 Este capítulo foi publicado anteriormente como: Fonseca C. R., Ganade G., Baldissera R., Becker C. G., Boelter C. R., Brescovit A. D., Campos L. M., Fleck T., Fonseca V. S., Hartz S. M., Joner F., Käffer M. I., Leal- Zanchet A. M., Marcelli M. P., Mesquita A. S., Mondin C. A., Paz C. P., Petry M. V., Piovensan F. N., Putzke J., Stranz A., Vergara M., Vieira E. M. 2009. Towards an ecologically-sustainable forestry in the Atlantic Forest. Biological Conservation 142: 1209-1219. Reproduzido com permissão da Elsevier. Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 96 Araucária, apenas 12,6% (3.202.134 ha) permanece intacto (Ribeiro et al., 2009; mas veja Guerra et al., 2002). Concomitantemente a esta contração histórica da Floresta com Araucária, em parti- cular, e da Mata Atlântica (Tabarelli et al., 2005), em geral, as monoculturas arbóreas têm se expandido rapidamente nas últimas décadas (Baptista e Rudel, 2006; Bracelpa, 2007). Em 2000, o Brasil se tornou o sexto país em área ocupada por monoculturasarbóreas, principalmente de espécies exóticas de Pinus e Eucalyptus, atingindo um total de 5 milhões de hectares (Bacha e Barros, 2004). Os principais responsáveis por este aumento são as companhias de celulose, aço e produtos madeireiros, além dos governos estaduais e proprietários privados. Em um futuro próximo, espera-se que as monoculturas se expandam acentuadamente devido a um aumento na demanda por madeira e energia (Bracelpa, 2007). A expansão das monoculturas arbóreas tem gerado um tradicional debate polarizado entre os empresários e os ambientalistas brasileiros. De um lado, a indústria madeireira sustenta que para que as monoculturas obtenham retornos satisfatórios as plantações de árvores devem ser intensamente manejadas, com o uso, por exemplo, de espécies exóticas, períodos curtos de rotação, altas densidades de árvores e com o uso de herbi- cidas, inseticidas e adição de nutrientes. As perdas de biodiversidade são justificadas em relação aos benefícios econômicos e sociais produzidos pelas suas iniciativas. Por outro lado, os ambientalistas argumentam que para se manter a biodiversidade local, as monoculturas arbóreas devem ter um manejo pouco intenso, de outra forma elas não seriam nada além de “desertos verdes”. Este debate ocorre em um hotspot de biodiversidade (Mittermeier et al., 2004) com limitações óbvias na rede estabelecida de unidades de conservação (Indrusiak e Mon- teiro, 2009). Hoje, só 0,39% da Floresta com Araucária estão efetivamente protegidos (Ribeiro et al., 2009). Assim sendo, a sobrevivência a longo prazo da biodiversidade associada à floresta depende da qualidade ambiental das terras privadas. A indústria madeireira pode contribuir para este desafio adotando abordagens ecologicamente sustentáveis de manejo que permita (a) a biodiversidade ocorrer em áreas mais inten- samente manejadas e (b) retornos econômicos substanciais serem gerados em regimes de manejo menos intensos. Práticas de manejo ecologicamente sustentáveis envolvem, por exemplo, o uso de espécies nativas, longos períodos de rotação e baixas densidades de árvore de forma a permitir o desenvolvimento de um sub-bosque rico e complexo (Lindenmayer e Franklin, 2002; Hartley, 2002). As evidências empíricas que corroboram a noção de que a indústria madeireira pode ter um papel maior na solução da crise da biodiversidade florestal do que se suspei- tava anteriormente podem ser encontradas principalmente na zona temperada (veja Lindenmayer e Franklin, 2002). Nos trópicos, alguns estudos multitaxa corroboram a noção de que, sob alguns regimes particulares de manejo, as monoculturas arbóreas podem manter uma fração razoável da biodiversidade local. Em Camarões, um levan- tamento de oito taxa animais revelaram que em comparação com a Floresta Primária Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 97 (F), plantações de Terminaria ivorensis (P) abrigaram um número considerável de aves (P: 29 spp, F: 45 spp), borboletas (P: 30, F: 29 e 33), besouros capturados em armadilhas de Malaise (P: 27, F: 26 e 31), besouros de copa (P: 52 e 80, F: 73), formigas de copa (P: 79, F: 55 e 62), cupins (P: 53, F: 46), e nematódios de solo (P: 69, F: 70) (Lawton et al., 1998). Na Amazônia, um estudo multitaxa demonstrou que monoculturas jovens de Eucalyptus, quando rodeadas por floresta primária, podem abrigar uma grande fração da diversidade de espécies da floresta (Barlow et al., 2007). Na Mata Atlântica, mais da metade das espécies classificadas como especialistas de floresta, considerando aves, morcegos, pequenos mamíferos, lagartos, sapos de folhiço, borboletas frugívoras, árvores e pteridófitas pode ser encontrada dentro de plantações sombreadas de cacau (Pardini et al., 2009). O presente trabalho investiga como um amplo conjunto de grupos taxonômicos é capaz de colonizar monoculturas arbóreas ecologicamente manejadas que foram estabelecidas na região sul da Mata Atlântica. Os objetivos específicos foram: (1) testar a efetividade das monoculturas arbóreas ecologicamente manejadas em manter a biodiversidade da Floresta com Araucária, (2) testar como esta efetividade varia entre taxa e (3) discutir os princípios de manejo que podem ser utilizados pela indústria florestal de forma a minimizar o impacto de suas atividades na biodiversidade. O estudo foi realizado em um mosaico ambiental constituído de manchas de Floresta com Araucária e talhões de Pinus, Eucalyptus e Araucaria. Os regimes de manejo destas monoculturas diferem drasticamente dos regimes adotados pelas monoculturas da região que se pautam pelos retornos econômicos. Usando uma abordagem multitaxa, nós comparamos a riqueza de espécies entre hábitats e a percentagem de espécies compartilhadas entre a Floresta com Araucária e as monoculturas arbóreas para 13 grupos taxonômicos, incluindo pequenos mamíferos, aves, sapos de folhiço, borboletas, insetos galhadores, aranhas, opiliões, planárias terrestres, plantas lenhosas, angiospermas epifíticas, pteridófitas epifíticas, líquens e fungos produtores de cogumelos. Métodos Área de estudo O estudo foi desenvolvido na Floresta Nacional de São Francisco de Paula (29º23’–29º 27’S, 50º23’–50º25’W), sul do Brasil (Figura 1). A Floresta Nacional é uma unidade de conservação de uso sustentável, formada por uma paisagem heterogênea em mosaico constituída por remanescentes de Floresta com Araucária junto com monoculturas arbóreas ecologicamente manejadas. No entanto, a Floresta Nacional é circundada por campos naturais usados para a criação de gado. A reserva engloba 1600,77 ha em altitudes que variam de 600 a 950 m acima do nível do mar. O clima é subtropical com temperatura média anual de 18,5ºC e pluviosidade média anual de 2.252 mm (Backes, 1999). Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 98 A paisagem foi originalmente dominada por Floresta com Araucária e campos naturais (Rambo, 2000). Antes que a Floresta Nacional fosse estabelecida, parte da área foi utilizada por corte seletivo de árvores, agricultura e criação de gado. No final de 1940, uma grande porção da área perturbada foi replantada com a espécie nativa A. angustifolia. No final da década de 1960, duas espécies exóticas de Pinus foram introduzidas, o Pinus taeda (Elliott, 1824) e o Pinus elliotti (Engelm, 1880). Plantações de Eucalyptus saligna começaram por volta da década de 1970. Hoje, a Floresta com Araucária é ainda o elemento dominante na paisagem. Plantações ecologicamente manejadas de Araucaria, Pinus e Eucalyptus são também elementos importantes (Figura 1). Outros usos da terra incluem plantações mistas, plantações de Cupressus, além de campos naturais, estradas, lagos, áreas úmidas, clareiras e construções. A Floresta Nacional está inserida em uma matriz dominada por campos usados para criação de gado. Figura 1 - O mosaico da paisagem da Floresta Nacional de São Francisco de Paula (Rio Grande do Sul, sul do Brasil) inclui principalmente plantações de árvores da espécie nativa Araucaria angustifolia e plantações de espécies exóticas de Pinus e Eucalyptus. Outros usos da terra menores incluem plantações mistas, campos naturais, estradas, lagos e construções. O uso da terra foi baseado em imagem LandSat TM7 de 2000. [Legenda do mapa conforme o original] Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 99 Delineamento experimental Em 2002, nós selecionamos três áreas que servem como réplicas para cada um dos quatro hábitats seguintes: Floresta com Araucária (FO) e plantações ecologicamente manejadas de A. angustifolia (PA), Pinus (PP) e Eucalyptus (PE). A seleção das áreas foi baseada na disponibilidade e acessibilidade, mas um esforço foi feito para distribuir as áreas e tratamentos pela paisagem. Em 2002, os talhões de A. angustifolia tinham 43, 55 e 55anos, P. taeda 30 e 34 anos, P. elliotti 37 anos e E. saligna 8, 14 e 30 anos. Estes longos períodos de rotação são muito mais longos que aqueles tradicionalmen- te adotados pelas companhias regionais que se pautam pelos retornos econômicos (tipicamente 7 – 10 anos). Deve-se notar que devido a restrições de campo, o nosso delineamento não permite diferenciar plenamente o efeito da idade do talhão do tipo de hábitat. A densidade de árvores inicial para as plantações de Araucaria (1,5 × 1,5 m) foi ligeiramente maior do que para as plantações de Pinus (2 × 2 m) e Eucalyptus (2,5 × 2 m), mas a maioria dos talhões foi submetida a poda levando a menores den- sidades de árvores. Os talhões estudados eram relativamente pequenos em tamanho, estando em contato próximo aos hábitats adjacentes (Figura 1). A maioria dos talhões tinha um sub-bosque fechado e relativamente complexo devido a práticas sustentáveis de manejo adotadas pela Floresta Nacional. Métodos de amostragem Em cada uma das 12 áreas de estudo, nós estabelecemos uma grade de um hectare (100 × 100 m). De 2002 a 2006, nós coletamos informações sobre a abundância, riqueza e composição de espécies de 13 grupos taxonômicos: pequenos mamíferos, aves, sapos de folhiço, borboletas, insetos galhadores, aranhas, opiliões, planárias terrestres, plantas lenhosas, angiospermas epifíticas, pteridófitas epifíticas, líquens e fungos produtores de cogumelos. A metodologia e o esforço de amostragem variaram amplamente entre grupos taxonômicos, mas foi o mesmo entre hábitats e entre áreas. Quando as amostragens tinham que ser interrompidas por um período de tempo que pudesse influenciar a composição de espécies, as amostragens foram feitas em bloco constituídos de uma área de cada um dos quatro hábitats. Este procedimento controla para possíveis diferenças na riqueza ou composição de espécies que podem ocorrer devido a efeitos temporais e não devido a efeito de hábitat. Quando necessário, es- pécimes testemunhos foram coletados para permitir sua posterior identificação por taxonomistas. Abaixo, nós damos uma breve descrição dos métodos de amostragem de cada táxon. Os pequenos mamíferos e os anfíbios de folhiço foram amostrados bimestralmente, de outubro de 2003 a abril de 2005, por cinco armadilhas de queda (33 cm de diâmetro e 48 cm de altura) localizadas aleatoriamente nas áreas de estudo. Cada armadilha era associada a quatro barreiras de direcionamento ortogonais (3 m de comprimento, 50 cm de altura, 10 cm abaixo do solo). As armadilhas de queda permaneceram abertas Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 100 por 72 horas durante cada censo bimestral (esforço amostral total de 1.800 armadilhas. dia, 450 armadinhas.dia por hábitat). Os indivíduos foram soltos após a identificação. As espécies de aves e suas abundâncias foram registradas para cada área duas vezes por estação, de agosto de 2002 a julho de 2003, em um único ponto por área, utilizando-se o método de contagem por ponto (10 m de raio). A posição dos pontos mudou entre observações, sendo localizado randomicamente ao longo de um transecto de 80 m de comprimento (10 m da borda) que cruzava o meio da área de um hectare. As observa- ções foram feitas de 8 às 11 horas e de 15 às 18 horas com um esforço de 15 minutos em cada área (esforço amostral total: 1.440 min, esforço amostral por hábitat: 360 min). As aranhas foram amostradas seis vezes, entre 2003 e 2004, em duas parcelas de 25 × 2 m aleatoriamente localizadas em cada área. Durante o dia, as aranhas fo- ram capturadas ativamente por batidas de bastão sobre a vegetação, a uma altura entre 1.0 e 2.5 m, e a coleta do material foi feita com uma lona mantida horizon- talmente sob a vegetação (esforço amostral total: 4.800 m2, esforço amostral por hábitat: 1.200 m2). Os opiliões foram coletados em três grupos de cinco armadilhas de queda localizados aleatoriamente em cada área. As armadilhas de queda eram copos plásticos transpa- rentes de 7,5 cm de diâmetro e 10 cm de profundidade que foram enterrados no solo até a sua borda superior. Em cada grupo, as armadilhas de queda foram dispostas em um quadrante de 3 × 3 m sendo um no centro e um em cada quina. As armadilhas de queda foram abertas por oito dias consecutivos durante o verão e o inverno de 2003 (esforço amostral total: 2.880 armadilhas.dias, esforço amostral por hábitat: 720 armadilhas.dias). Os insetos galhadores foram amostrados, de outubro de 2003 a março de 2004, por uma única visita por área. Em cada área, seis parcelas localizadas aleatoriamente (10 × 10 m) foram estabelecidas e todas as plantas até 2 m de altura foram inspecionadas. Para cada parcela, o número de galhas de cada morfotipo foi contado (esforço amostral total: 7.200 m2, esforço amostral por hábitat: 1.800m2). As borboletas foram amostradas de janeiro a abril de 2006, ao longo de 45 dias, com cinco armadilhas Van Someren–Rydon por área. Em cada área, as armadilhas foram instaladas no centro e na esquina de um quadrante de 50 × 50 m, sendo instaladas a um metro do solo. As armadilhas foram iscadas com bananas maduras e permaneciam abertas por 24 horas (esforço amostral total: 2.700 armadilhas.dia, esforço amostral por hábitat: 675 armadilhas.dia) As planárias terrestres foram amostradas no solo da floresta duas vezes por estação, de outubro de 2003 a agosto de 2005, em duas parcelas (100 × 2 m) por área. Para cada parcela, 10 quadrantes (2 × 2 m) aleatoriamente localizados foram inspecionados durante 15 min por quatro pessoas treinadas (esforço amostral total: 7.680 m2, esforço amostral por hábitat: 1.920 m2). Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 101 As plantas lenhosas foram amostradas, de abril de 2003 a março de 2004, em uma única visita por área. Em cada área, seis quadrantes (10 × 10 m) aleatoriamente localizados foram estabelecidos. Para cada quadrante, todas as plantas lenhosas com mais de 15 cm de cap (circunferência a altura do peito) foram registradas. Plantas lenhosas com menos de 15 cm de cap, mas maiores do que 1 m de altura, foram inventariadas em subparcelas de 10 × 5 m localizados dentro dos quadrantes de 10 × 10 m (esforço amostral total: 7.200 m2 e 3.600 m2, respectivamente; esforço amostral por hábitat: 1.800 m2 e 900 m2, respectivamente). As angiospermas e as pteridófitas epifíticas foram inventariadas em uma única visita por área, em 25 árvores, de julho a agosto de 2006. As árvores escolhidas eram as árvores (> 10 cm dbh) mais próximas de 25 pontos homogeneamente distribuídos na área de um hectare. Para cada árvore, o número de indivíduos de cada angiosperma epifítica e o número de frondes de cada pteridófita epifítica foram estimados usando binóculos e técnicas de escalada quando necessário (esforço amostral total: 300 árvores, esforço amostral por hábitat: 75 árvores). Líquens epifíticos foram registrados em 10 árvores (dbh > 8 cm) selecionadas alea- toriamente por área, de março de 2003 a abril de 2004. Somente líquens ocorrendo entre 30 – 150 cm de altura do tronco foram registrados (esforço amostral total: 120 árvores, esforço amostral por hábitat: 30 árvores). Fungos produtores de cogumelos da Ordem Agaricales foram amostrados mensalmen- te, de setembro de 2003 a agosto de 2004, ao longo de duas parcelas (100 × 10 m) localizadas aleatoriamente em cada área. A intensidade de uso de cada área por cada espécie foi medida pelo número de frutificações (esforço amostral total: 288.000 m2, esforço amostral por hábitat: 72.000 m2). Análise de dados As espécies foram classificadas em dois grupos de resposta: (1) Espécies de Floresta com Araucária – espécies que foram registradas em pelo menos uma das áreas de Floresta com Araucária. Dentro deste grupo, nós reconhecemos as espécies exclusivas que foram registradasexclusivamente em áreas de Floresta com Araucária. (2) Espécies das monoculturas arbóreas – espécies que foram re- gistradas em pelo menos uma monocultura arbórea, mas que não foram registradas em Floresta com Araucária. Este último grupo inclui principalmente espécies de campos naturais, mas tem também algumas poucas espécies exóticas e algumas espécies de Floresta com Araucária que não foram registradas nas amostras de Floresta com Araucária. Este artigo se focaliza na conservação da biodiversidade associada à Floresta com Araucária. Todas as análises são feitas ao nível do hábitat (diversidade do hábitat) e não ao nível da área (diversidade alfa). Isto nos permite avaliar o potencial das monoculturas em abrigar espécies de Floresta com Araucária. Assim sendo, nós Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 102 descrevemos o número de espécies e o número de registros ao nível do hábitat, considerando conjuntamente as três áreas (réplicas). Também, nós analisamos a efetividade das monoculturas em abrigar espécies da Floresta com Araucária como o número (ou percentagem) das espécies da Floresta com Araucária que foram encontradas nas monoculturas. Para comparar como a biodiversidade variou entre hábitats, nós utilizamos padrões de distribuição de riqueza e de número de registros entre taxa. Para se testar se o padrão de distribuição de riqueza exibido pelas mo- noculturas foi similar ao padrão exibido pela Floresta com Araucária, nós usamos testes qui-quadrados em que as proporções de espécies encontradas em cada taxa na Floresta com Araucária foram tomadas como os valores esperados. Para testar se o número de registros de cada táxon estava igualmente distribuído entre os quatro hábitats nós usamos testes qui-quadrados. Para se comparar a riqueza de espécies entre os hábitats, levando-se em consideração que o número de registros foi também distribuído heterogeneamente, nós usamos o método de rarefação (Sanders, 1968; Hurlbert, 1971) conforme implementado no programa EcoSim 7.0 (Gotelli e Entsminger, 2001). Resultados Um total de 914 espécies foi registrado na paisagem em mosaico da Floresta Nacional de São Francisco de Paula (N = 119.761 registros). No geral, nós registramos um total de 291 espécies de fungos produtores de cogumelos (N = 42.362), 132 aranhas (N = 1.272), 108 plantas lenhosas (N = 3.380), 81 insetos galhadores (N = 13.363), 78 líquens (N = 330), 59 aves (N = 1.067), 45 angiospermas epifíticas (N = 6.118), 35 planárias (N = 353), 33 borboletas (N = 506), 18 pteridófitas epifíticas (N = 49.765), 16 pequenos mamíferos (N = 784), 11 opiliões (N = 182) e sete anfíbios de folhiço (N = 279). A Floresta com Araucária foi o hábitat mais rico (S = 506, N = 82.185), no en- tanto, a riqueza de espécie foi também substancialmente alta nas plantações de Araucaria (S = 466, N = 22.652), Pinus (S = 397, N = 8.042) e Eucalyptus (S = 318, N = 8.042, Figura 2). Dentre as 506 espécies da Floresta com Araucária, 325 (64,2%) foram capazes de ocupar uma ou mais monoculturas. As plantações de Araucaria tiveram o maior número de espécies de Floresta com Araucária (S = 248, 49%), seguida das plantações de Pinus (S = 211; 41,7%) e Eucalyptus (S = 174; 34,4%). Aproximadamente 50% das espécies em todas as monoculturas não foram registradas na Floresta com Araucária, sendo 218 espécies (47%) em plantações de Araucária, 186 espécies (47%) em plantações de Pinus e 144 espécies (45%) em plantações de Eucalyptus (Figura 2). Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 103 Figura 2 - Riqueza de espécies total encontrada na Floresta com Araucária (FO) e em plantações de Araucaria (PA), Pinus (PP) e Eucalyptus (PE) considerando junto 13 grupos taxonômicos. Barras pretas representam as espécies que foram registradas na Floresta com Araucária enquanto as barras brancas representam espécies que não foram registradas na Floresta com Araucária, mas que foram registradas em pelo menos uma das monoculturas estudadas. A Floresta com Araucária apresentou 181 (36% de 506) espécies exclusivas que foram registradas neste hábitat natural e não foram registradas nas monoculturas arbóreas (Figura 3). Os maiores números de espécies exclusivas foram registrados para fungos produtores de cogumelos (S = 77), angiospermas epifíticas (S = 29) e insetos galhado- res (S = 15). Todos os taxa exceto mamíferos tiveram espécies que foram registradas exclusivamente em Floresta com Araucária. Figura 3 - Número de espécies registradas exclusivamente na Floresta com Araucária para 13 grupos taxonômicos. Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 104 O padrão de distribuição de riqueza de espécies entre taxa exibido pela Floresta com Araucária mostrou seu potencial para conservar a biodiversidade (Figura 4a). A Floresta com Araucária exibiu as maiores riquezas de fungos (S = 142), plantas lenhosas (S = 78), aves (S = 40), angiospermas epifíticas (S = 37), planárias (S = 26), pteridófitas epifíticas (S = 17), opiliões (S = 8) e anfíbios (S = 7, Figura 4a). O padrão de distri- buição exibido pelas plantações antigas de Araucaria foi bastante similar ao observado em Floresta com Araucária, no entanto, elas tiveram um excesso de líquens (S = 50) e pequenos mamíferos (S = 14) e uma falta de angiospermas epifíticas (X2 = 44,39; g.l. = 12; P < 0,001; Fig. 4b). O padrão observado para as plantações de Pinus foi diferente devido a um excesso de aranhas (S = 72) e insetos galhadores (S = 45) e uma falta de fungos, plantas lenhosas, angiospermas epifíticas, planárias e pteridófitas epifíticas (X2 = 58,19; g.l. = 12; P < 0,001; Fig. 4c). As plantações de Eucalyptus mostraram o padrão mais distinto quando comparado com a Floresta com Araucária, mostrando substancialmente menos espécies de fungos, plantas lenhosas, insetos galhadores, aves, angiospermas epifíticas, pteridófitas epifíticas e planárias, mas a comunidade mais rica de borboletas (X2 = 103,48; g.l. = 12; P < 0.001; Fig. 4d). Figura 4 - Número de espécies de 13 grupos taxonômicos registradas na Floresta com Araucária (A) e em plantações de Araucaria (B), Pinus (C) e Eucalyptus (D). Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 105 O grande número de registros de todos os taxa exibido pela Floresta com Araucária mostrou que uma abundante comunidade reside dentro deste hábitat natural (Figura 5a). O padrão para as plantações de Araucaria indicou também um grande número de registros para a maioria dos taxa (Figura 5b). As comunidades nas plantações de Pinus (Figura 5c) e, sobretudo, Eucalyptus (Figura 5d) foram consideravelmente empobrecidas. O número de registros por táxon não foi equitativamente distribuído entre os hábitats, apesar da padronização do esforço amostral (teste X2; P < 0,05 para todos os taxa; Fig. 5). A Floresta com Araucária teve a maior percentagem de registros para pteridófitas epifíticas (95%), planárias (65%), fungos (59%), opiliões (57%), angiospermas epifíticas (51%), aves (43%) e insetos galhadores (30%). A plantação de Araucaria teve a maior per- centagem de registro para líquens (43%), plantas lenhosas (36%) e pequenos mamíferos (33%), enquanto as plantações de Pinus tiveram mais aranhas (39%) e anfíbios (31%). Borboletas foi o único táxon sobre-representado em plantações de Eucalyptus (47%). Figura 5 - Número de registros de 13 grupos taxonômicos observados na Floresta com Araucária (A) e em plantações de Araucaria (B), Pinus (C), e Eucalyptus (D). A unidade do registro é indiví- duo para pequenos mamíferos, aves, anfíbios de folhiço, borboletas, insetos galhadores, opiliões, planárias terrestres, plantas lenhosas e angiospermas epifíticas. As pteridófitas epifíticas foram registradas pelo número de frondes. Os líquens foram registradospelo número de árvores com a sua presença. Os fungos foram registrados pelo número de infrutescências. Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 106 A riqueza rarefeita mostrou que plantações de Araucaria tiveram uma menor rique- za que a Floresta com Araucária somente para anfíbios e angiospermas epifíticas (Tabela 1). A riqueza em plantações de Pinus foi mais baixa que para a Floresta com Araucária para anfíbios, plantas lenhosas, angiospermas epifíticas e borbo- letas, enquanto que em plantações de Eucalyptus a riqueza foi menor que para a Floresta com Araucária para aves, anfíbios, insetos galhadores, plantas lenhosas, angiospermas epifíticas e pteridófitas epifíticas (Tabela 1). A riqueza rarefeita também mostrou que a riqueza de espécies estimada em plantações de Eucalyptus tendeu a ser mais alta do que foi inicialmente registrado para uma variedade de grupos taxonômicos (Tabela 1). Tabela 1 - Riqueza predita por curvas de rarefação executadas para 13 grupos taxonômicos em quatro hábitats: Floresta com Araucária (FO) e plantações de Araucaria (PA), Pinus (PP) e Eucalyptus (PE). N representa a abundância usada para as comparações entre tipos de vegetação. Os números entre parênteses representam os intervalos de confiança. N FO PA PP PE Aves 175 31,5 (28–35) 30,7 (28–32) 37,9 (36–39) 26 (26–26) Pequenos mamíferos 113 7,7 (6–9) 10,3 (8–13) 7,9 (6–9) 10 (10–10) Anfíbios 60 7 (7–7) 3,8 (3–4) 3,6 (3–4) 5 (5–5) Aranhas 181 49,1 (45–53) 46,7 (41–52) 45,9 (40–52) 59 (59–59) Insetos galhadores 2610 40,4 (38–43) 38,4 (36–40) 45 (45–45) 20,6 (19–21) Plantas lenhosas 505 67,1 (62–72) 62,8 (58–68) 52,5 (51–53) 59 (59–59) Líquens 51 25,2 (22–27) 29,9 (25–34) 23,3 (20–26) 30 (30–30) Opiliões 11 3,3 (1–5) 3,4 (2–5) 3,4 (2–5) 7 (7–7) Planárias 17 8,7 (6–11) 9,9 (7–13) 8,6 (6–11) 8 (8–8) Angiospermas epifíticas 28 12,4 (9–16) 3,8 (2–6) 2,4 (1–3) 3 (3–3) Pteridófitas epifíticas 45 5,3 (4–7) 7,1 (5–9) 4,2 (3–5) 3 (3–3) Borboletas 50 16 (16–16) 14,1 (12–17) 12,5 (10–14) 15,8 (12–19) Fungos 1918 53,8 (47–61) 59,2 (52–67) 106 (106–106) 46,1 (40–51) Para a maioria dos taxa estudados, mais de 50% das espécies encontradas na Floresta com Araucária puderam ser encontradas nas monoculturas (Figura 6). Em contraste, somente 24% das angiospermas epifíticas e 46% das espécies de fungos encontrados na Floresta com Araucária foram registrados nas monoculturas. Para a maioria dos taxa, a percentagem de espécies compartilhadas foi mais alta para as plantações de Araucária do que para as plantações de Pinus e Eucalyptus. Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 107 Figura 6 - Percentagem de espécies da Floresta com Araucária que são compartilhadas (barras pretas) com monoculturas em geral (A) e plantações de Araucaria (B), Pinus (C) e Eucalyptus (D) para 13 grupos taxonômicos. Nós encontramos 18 espécies classificadas como em risco de extinção no presente levantamento: quatro espécies de aves, oito espécies de plantas lenhosas e seis angios- permas epifíticas. Dez destas espécies foram encontradas na Floresta com Araucária, seis em plantações de Pinus e seis em plantações de Eucalyptus (Tabela 2). Sete destas espécies ocorreram em maiores abundâncias em monoculturas, principalmente em plantações de Araucária (Tabela 2). Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 108 Tabela 2 - Lista de espécies em risco registradas no levantamento e suas abundâncias nos seguintes hábitats: Floresta com Araucária (FO), Plantações de Araucaria (PA), Plantações de Pinus (PP) e Plantações de Eucalyptus (PE). Táxon Status FO PA PP PE Aves Campephilus robustus Ameaçado 0 0 3 0 Amazona pretrei Vulnerável 0 4 0 0 Procnias nudicollis Ameaçado 7 4 0 0 Triclaria malachitacea Vulnerável 1 0 0 0 Plantas lenhosas Weinmannia paulliniifolia Vulnerável 0 0 0 1 Azara uruguayensis Vulnerável 1 9 0 0 Maytenus aquifolia Vulnerável 0 7 1 0 Rhamnus sphaerosperma Vulnerável 3 3 0 6 Rollinia emarginata Vulnerável 11 10 0 5 Araucaria angustifolia Vulnerável 1 79 8 7 Lippia ramboi Vulnerável 2 110 16 46 Dicksonia sellowiana Vulnerável 1 0 0 0 Angiospermas epifíticas Griselinea ruscifolia Vulnerável 3 0 0 0 Oreopanax fulvum Vulnerável 1 0 0 0 Tillandsia mallemontii Ameaçado 0 0 10 0 Tillandsia tenuefolia Vulnerável 0 13 0 0 Tillandsia usneoides Vulnerável 51 0 0 0 Vriesea reitzii Vulnerável 80 1 10 1 Discussão A Floresta com Araucária é um ecossistema único na América do Sul (Rambo, 2000). A aparente homogeneidade da sua copa contrasta fortemente com a alta biodiversidade encontrada em seu interior. Apesar de alguns grandes mamíferos terem se tornado raros ao longo de sua distribuição, a Floresta com Araucária desempenha um papel pouco apreciado na conservação de numerosos organismos que não podem sobreviver em hábitats criados pelo Homem. Nossos resultados indicam que quase 40% das espé- cies da Floresta com Araucária foram encontradas exclusivamente dentro da floresta primária, apesar do manejo ecologicamente amigável aplicado às monoculturas. Este resultado corrobora a visão de que reservas biológicas de Floresta com Araucária têm um papel insubstituível na conservação da biodiversidade (Indrusiak e Monteiro, 2009). Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 109 O desafio da conservação da biodiversidade, no entanto, não pode ser restrito às unidades de conservação, mas precisa se expandir para os hábitats feitos pelo Ho- mem que agora dominam a maioria das paisagens, um princípio que foi exposto nos Princípios do Ecossistema da Convenção da Diversidade Biológica (Turner et al., 2001; Meffe et al., 2002; Sayer e Maginis, 2005). Algumas espécies associadas a florestas provaram ter plasticidade fisiológica e comportamental suficientes para sobreviver em ambientes abertos, como pastos para gado, campos abandonados e terras agrícolas. No entanto, a maioria das espécies associadas à floresta dependem de ambientes fechados para sobreviver. Para este conjunto de espécies, monocul- turas arbóreas ecologicamente manejadas podem ser de grande relevância para a conservação (Lindenmayer e Franklin, 2002). Na Mata Atlântica, por exemplo, as tradicionais plantações sombreadas de cacau, inseridas em uma paisagem dominada por floresta nativa, sustentam uma grande fração das espécies de aves, morcegos, lagartos, sapos e pteridófitas (Faria et al., 2007). O valor de conservação de monoculturas ecologicamente manejadas Apesar de ser verdade que a maioria das monoculturas arbóreas que são direcio- nadas economicamente abriga uma biodiversidade bastante empobrecida quando comparado a locais preservados próximos, a noção de que monoculturas arbóreas são intrinsicamente “desertos verdes” tem sido frequentemente rejeitada (Lindenmayer e Hobbs, 2004; Barlow et al., 2007; Faria et al., 2007; Pardini et al., 2009). As mono- culturas ecologicamente manejadas da Floresta Nacional de São Francisco de Paula abrigaram 326 das 506 espécies da Floresta com Araucária, contribuindo positiva- mente para a conservação da biodiversidade da Floresta com Araucária. Além disto, as monoculturas arbóreas também abrigaram 407 espécies que não foram registradas na Floresta com Araucária, sendo que uma fração grande destas tem como origem os campos naturais próximos, um bioma que também está seriamente ameaçado (Overbeck et al., 2007). As plantações da espécie nativa A. angustifolia foram as plantações mais efetivas, quando comparadas às plantações das espécies exóticas, no abrigo da biodiversidade da Floresta com Araucária. É preciso ser salientado que as plantações de Araucaria foram também importantes para a conservação de espécies ameaçadas. Alguns argu- mentos biológicos podem ser levantadospara dar apoio a esta afirmação. Por exemplo, a sua contribuição para a conservação de vertebrados é particularmente digno de nota, já que a produção intensa de sementes grandes durante o inverno do hemisfério sul fornece alimento para muitas populações animais (Iob e Vieira, 2008). Além disto, Araucaria é uma boa árvore hospedeira, fornecendo condições adequadas para a fixa- ção de pteridófitas epifíticas, angiospermas epifíticas e líquens. No entanto, é preciso ser levado em conta que o número maior de espécies nas plantações de Araucaria pode ser parcialmente explicado pela idade avançada destas monoculturas quando comparadas às plantações de Pinus e Eucalyptus. Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 110 Como que a efetividade da conservação varia entre taxa Tem sido frequentemente demonstrado que diferentes taxa respondem de diferentes maneiras à alteração de hábitat (Lawton et al., 1998; Barlow et al., 2007; Faria et al., 2007; Pardini et al., 2009). Assim sendo, seria esperado que a efetividade das mono- culturas arbóreas em abrigar a biodiversidade da Floresta com Araucária variasse consideravelmente entre taxa. De fato, enquanto todas as espécies de mamíferos foram registradas nas monoculturas, somente um quarto das angiospermas epifíticas utilizou as monoculturas ecologicamente manejadas. O padrão geral sugere que existe um gradiente de efetividade, de um lado os grupos taxonômicos que apresentam uma maior capacidade de dispersão e menores requerimentos ecológicos específicos e de outro àqueles grupos com limitada capacidade de dispersão e especialização de nicho ou hábitat. A maioria das espécies dos três grupos taxonômicos de vertebrados que são capazes de andar longas distâncias e frequentemente apresentam amplas áreas de vida, nós as registramos nas monoculturas. Entre os invertebrados, a maioria das espécies de borboletas foi também registrada nas monoculturas, em parte devido à sua grande capacidade de dispersão. A maioria das plantas lenhosas da Floresta com Araucária foi também encontrada em regeneração dentro das monoculturas, indicando que elas poderiam em longo prazo retomar o seu terreno perdido. Do outro lado do gradiente nós encontramos as angiospermas e as pteridófitas epifíti- cas e os líquens que apresentam capacidades de dispersão mais limitadas e histórias de vida mais especializadas. Para estes grupos taxonômicos, a dispersão precisa ser direcional de forma a se encontrar um novo forófito para a colonização. Além disto, a qualidade do forófito é importante (Benzing, 1990). Isto parece explicar, por exemplo, porque somente três angiospermas epifíticas e três pteridófitas epifíticas foram encon- tradas nas plantações de Eucalyptus, bem conhecidos por perderem continuamente a casca da parte externa do tronco. Também, as epífitas da Floresta com Araucária são adaptadas aos altos níveis de umidade do ar que predominam na região e podem estar sofrendo com os altos níveis de irradiação que penetram as monoculturas (Padmawate et al., 2004). As planárias foram também bastante sensíveis à substituição da Floresta com Araucária pelas monoculturas, provavelmente devido à sua baixa resistência à seca (Kawaguti, 1932; Carbayo et al., 2001). De novo, diferenças quanto à idade das plantações poderiam explicar parcialmente as diferenças na efetividade de coloniza- ção observadas entre taxa. Alguns destes grupos poderiam ser perfeitamente aptos a sobreviver nas monoculturas uma vez que se permitisse tempo suficiente para a sua colonização. Princípios do manejo ecológico O manejo florestal ecologicamente sustentável nos trópicos está ainda na sua infância. No entanto, nós demonstramos que mudanças nas práticas de manejo podem trazer grandes benefícios insuspeitados em termos de conservação da biodiversidade. O manejo da Flo- resta Nacional de São Francisco de Paula difere substancialmente do manejo praticado Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 111 pela maioria das empresas de direcionamento econômico que são encontradas no Brasil e em outros países tropicais. Nós discutimos abaixo seis princípios chaves que, uma vez seguidos pelos técnicos de manejo e reforçados pelos tomadores de decisão, podem ajudar no estabelecimento de paisagens ecologicamente amigáveis para a biodiversida- de da Mata Atlântica (Tabela 3). A importância relativa destes princípios no aumento da biodiversidade ou na redução dos retornos econômicos permanece desconhecida e deverá ser determinada por práticas de manejo adaptativo (Meffe et al., 2002). Tabela 3 - Resumo de alguns princípios de manejo que influenciam a conservação da biodiversidade em monoculturas arbóreas. Intensidade de Manejo Baixa Alta Adequação biogeográfica Bioma Floresta Campo Planejamento da paisagem Área total Pequena Grande Homogeneidade da paisagem Mosaico Homogêneo Qualidade da matrix Natural Não natural Conectividade Alta Baixa Corredores Presentes Ausentes Qualidade do talhão Tamanho do talhão Pequeno Grande Número de talhões Muitos Poucos Forma do talhão Complexa, linear Redonda, quadrada Idade do talhão Período de rotação Longo Curto Manejo do sub-bosque Poda Baixa frequência Alta frequência Escolha das espécies Origem biogeográfica Espécies nativas Espécies exóticas Adequação biogeográfica No mundo todo, as florestas são encontradas em locais onde a disponibilidade de água é alta e as condições do solo são adequadas (Lomolino et al., 2006). Se estas condições não estão presentes, a produtividade madeireira dependerá de uma grande adição de recursos externos, aumentando os custos econômicos e ambientais do empreendi- mento. Quando as monoculturas arbóreas são estabelecidas em áreas naturalmente ocupadas por campos, por exemplo, uma grande demanda por água é gerada de forma a sustentar árvores de crescimento rápido, com o potencial em longo prazo de exaurir as fontes de água (Bosch e Hewlett, 1982; Le Maitre et al., 2002). A adequação Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 112 biogeográfica é também um bom preditor de como a biodiversidade irá lidar com as monoculturas arbóreas. Por exemplo, pode-se esperar que muitas plantas de campos adaptadas à alta intensidade luminosa (Lambers et al., 2006) sofram consideravelmente sob monoculturas arbóreas, mas espera-se que espécies de plantas da Mata Atlântica lidem relativamente bem com este hábitat antropogênico, como demonstrado pelos resultados desta investigação. Assim sendo, a decisão de se estabelecer monoculturas arbóreas em áreas previamente ocupadas pela Mata Atlântica pode ser considerada mais adequada do que as propostas recentes de expansão das monoculturas arbóreas sobre campos sul-americanos (Overbeck et al., 2007). Planejamento da paisagem A ecologia da paisagem fornece guias importantes de como organizar os elementos de uma paisagem no espaço de forma a aumentar a conectividade entre populações naturais, facilitar a persistência de metapopulações e promover o fluxo gênico (Tur- ner et al., 2001). Na Floresta Nacional de São Francisco de Paula, as monoculturas arbóreas e as manchas de Floresta com Araucária formavam um mosaico complexo, permitindo o fluxo de indivíduos, sementes e outros propágulos através da paisagem. Nós podemos estar certos de que muitos taxa registrados dentro das monoculturas arbóreas estavam realmente vivendo nelas, como plantas, líquens, epífitas, planárias e fungos. Outros taxa, no entanto, como aves, poderiam estar usando somente as mo- noculturas como corredores. Isto é certamente um fator importante para se explicar o grande número de espécies encontrado dentro das monoculturas. Este trabalho indica que o delineamento de novos empreendimentos florestais não pode mais serfeito sem se considerar a conectividade entre os elementos naturais da paisagem com o uso de corredores, trampolins ecológicos (stepping stones) e a qualidade da matrix circundante. Além disto, o planejamento da paisagem pode contribuir positivamente para a conservação da biodiversidade sem custos substanciais para a indústria florestal (Lindenmayer e Franklin, 2002). Qualidade dos talhões As características do talhão são fatores chaves para determinar a granulação da paisa- gem (Turner et al., 2001). Silviculturas baseadas em um número pequeno de talhões grandes produzem um ambiente mais homogêneo quando comparado àquelas com um número grande de talhões pequenos. Quando os talhões são grandes, a razão perímetro-área diminui, aumentando a dificuldade das sementes, por exemplo, alcan- çarem o centro do talhão. Para a maioria das espécies de invertebrados com limitada capacidade de dispersão isto pode levar a menores tamanhos populacionais (Collinge e Palmer, 2002). A forma dos talhões deve também ser projetada para se aumentar a razão perímetro-área. Na Floresta Nacional de São Francisco de Paula, o tamanho do talhão era tipicamente pequeno quando comparado com as monoculturas arbóreas de direcionamento econômico, isto sendo provavelmente um fator importante na definição do sucesso de colonização das espécies nestas áreas. Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 113 Idade dos talhões Em todas as monoculturas arbóreas, o preparo da terra desencadeia um processo de colonização que irá ser encabeçado pelas espécies pioneiras. A colonização e o esta- belecimento das espécies de sucessão tardia, no entanto, serão restritos pelo tempo que se permite que a plantação cresça antes que ocorra o processo de corte. Todas as monoculturas deste estudo mostraram níveis consideráveis de biodiversidade e foram permitidas crescer mais do que 7 – 10 anos que é o período de rotação clássico para monoculturas arbóreas comerciais. Que idade uma plantação deve ter para alcançar a diversidade máxima ainda é desconhecida. No entanto, muitas espécies de plantas lenhosas, insetos galhadores e fungos parecem ser capazes de colonizar plantações jovens. Em contraste, para outros grupos taxonômicos como angiospermas e pteridófitas epifíticas, que dependem de árvores grandes para se estabelecer, períodos de rotação mais longos parecem ser essenciais para permitir o estabelecimento da maioria das espécies. De qualquer modo, os resultados deste trabalho sustentam fortemente a ideia de que períodos de rotação mais longos trazem benefícios para a biodiversidade. Manejo do sub-bosque Quando monoculturas arbóreas são estabelecidas em densidades similares àquelas encontradas em florestas naturais, permite-se o estabelecimento de um sub-bosque diverso e produtivo que oferece recursos para herbívoros, predadores, polinizadores, frugívoros, parasitoides e decompositores (Lindenmayer e Franklin, 2002). De fato, alguns estudos indicam que a diversidade do sub-bosque é a melhor variável preditora da diversidade de animais em monoculturas (López e Moro, 1997; Humphrey et al., 1999). Na Floresta Nacional de São Francisco de Paula, apesar dos talhões terem sido estabelecidos em alta densidade, a aplicação de poda levou progressivamente a uma menor densidade de árvores e a um sub-bosque complexo que foi capaz de manter uma grande fração da biodiversidade da Floresta com Araucária. Em contraste, plan- tações de Eucalyptus relativamente velhas (<30 anos) localizadas no domínio da Mata Atlântica, mas com um sub-bosque esparso, continham apenas oito espécies de aves das 111 espécies registradas em uma reserva biológica próxima (Marsden et al., 2000). Assim sendo, a manutenção de um sub-bosque complexo e diverso em monoculturas pode ser um fator chave para a conservação da biodiversidade. Escolha das espécies A invasão biológica por espécies exóticas é hoje a segunda maior causa de extinção de espécies do mundo (Meffe e Carroll, 1994; Millennium Ecosystem Assessment, 2005). Por escapar espacialmente dos seus inimigos naturais e encontrar recursos adequados, muitas espécies exóticas conseguem alcançar altas taxas de crescimento populacional e expandir rapidamente as suas áreas geográficas, causando efeitos di- retos e indiretos sobre as comunidades naturais (Elton, 1958; Davis et al., 2000; Sax et al., 2005). Infelizmente, a maioria das árvores utilizadas pela indústria madeireira Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 114 no Brasil são espécies exóticas, apesar do fato de que o país possui a flora mais rica do mundo (Giullietti et al., 2005). O Eucalyptus foi introduzido da Austrália enquanto o Pinus veio da Europa e da América do Norte. O potencial invasor de Pinus tem sido verificado nos campos, savanas (cerrado brasileiro), dunas costeiras e outros hábitats abertos de quase todos os países da América do Sul onde ele foi introduzido para uso comercial (Richardson e Higgins, 1998; Ziller e Galvão, 2002; Zalba e Villamil, 2002; GISP, 2006). Assim sendo, em princípio, o uso de espécies exóticas deve ser gradualmente abandonado. O uso de espécies exóticas é frequentemente justificado em termos de produtividade, mas poucos estudos com espécies nativas foram feitos para corroborar a supremacia destas. Existe uma demanda não atendida para os centros de pesquisa e universidades brasileiras alocarem recursos para a criação de novas tecnologias baseadas em espécies nativas. No sul do Brasil, a árvore nativa A. angustifolia é uma alternativa importante ao uso de culturas exóticas. Ela é uma árvore magnífica que produz um tronco reto, uniforme e cilíndrico muito apreciado pela indústria madeireira. Talhões de 20 anos acumulam 254 toneladas/ha de biomassa e necromassa, correspondendo a 108 toneladas/ha de carbono (Sanquetta, 2009). Hoje em dia, plantações de A. angustifolia provavelmente se estendem por mais de 20.000 ha, mas seu uso tem o potencial de se tornar muito mais amplamente distribuído no sul do Brasil (Sanquetta, 2009). Conclusão A indústria florestal brasileira adota práticas de manejo que têm tido sucesso na geração de retornos econômicos excepcionais quando comparada a de outros países (Bracelpa, 2007). Isto é conseguido, no entanto, com um custo relativamente alto em termos de conservação da biodiversidade. Nossos resultados indicam que monoculturas não são intrinsicamente pobres em termos de biodiversidade e que caminhando-se na direção de práticas de manejo ecologicamente sustentáveis, a indústria florestal pode fazer uma grande contribuição para a conservação da Mata Atlântica. Referências Bacha, C. J. C. & A. L. M. B. Barros. 2004. 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Parte dessa erosão deriva de processos populacionais que operam pos- teriormente à fragmentação florestal (Saunders et al. 1991). Extinções locais, por exemplo, podem não ser seguidas por eventos de recolonização caso os ambientes localizados entre os fragmentos imponham dificuldades à dispersão dos organismos da floresta. Espera-se, assim, que na maioria dos casos em que esses ambientes sejam amigáveis aos organismos silvícolas, as extinções sejam tamponadas (Vandermeer e Carvajal, 2001). Portanto, uma preocupação relevante do ponto de vista da gestão da biodiversidade em paisagens contendo remanescentes florestais refere-se à avaliação da qualidade dos ambientes artificiais intervenientes quanto à sua habilidade em permitir a sobrevivência e dispersão das espécies da floresta. Atividades de silvicultura (e.g., plantações de palmeiras, pinheiros, eucalipto, cacau, etc.) têm sofrido uma grande expansão em todo o globo, passando de 130 milhões de hectares em 1996 para 187 milhões de hectares em 2001 (FAO, 2001). Elas produzem ambientes artificiais que, em função de sua fisionomia florestada, poderiam, ao menos temporariamente, aumentar a conectividade funcional entre remanescentes e atenuar os efeitos nocivos da fragmentação, ao menos em comparação com matrizes não flores- tadas como pastos e áreas usadas para a agricultura (Lindenmayer e Hobbs, 2004). As monoculturas de eucalipto, particularmente, representavam, já no início desta década, 10% da área total de silvicultura do globo, incluindo mais de 20 milhões de hectares distribuídos em quase 100 países (FAO, 2001). No Brasil, representam 62% da extensão das plantações florestadas, somando 3,55 milhões de hectares, mais de 1/3 dos quais associados ao segmento de celulose e papel, o qual teve faturamento de R$ 23,3 bilhões em 2006 e representou a maior participação nas exportações brasileiras de produtos florestais desse ano (US$ 4 bilhões, cerca de 3% de todas as exportações do país no ano), fazendo do país o maior exportador mundial de celulose de fibra de eucalipto (SBS, 2007). As maiores produções sustentadas de eucalipto em tora no Brasil ocorrem nas Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 120 regiões Sudeste, Nordeste e Sul (SBS, 2007), muitas vezes associadas a paisagens com remanescentes florestais do Bioma Mata Atlântica. No extremo-sul do estado da Bahia, uma das áreas mais biodiversas do globo (Thomas et al., 1998), os eucaliptais expandiram-se sobremaneira nas décadas de 1990 e 2000 substituindo áreas de pasto criadas na década de 1980, as quais foram implantadas sobre áreas de floresta desmatada principalmente ao longo das três décadas anteriores (Coimbra-Filho e Câmara, 1996, Dean, 1998). A expansão dos eucaliptais nessa região é influenciada, entre outros fatores, por sua alta produtividade (uma das maiores do globo) em função do clima e solo. Atualmente, o estado da Bahia é o terceiro do país em área total plantada com eucalipto (mais de 550 mil hectares, representando 15% da área plantada no país) e há expectativas de ampliação desse valor (ABRAF, 2007). Até o começo da presente década, contudo, não havia investigações formais que ava- liassem a capacidade das monoculturas de eucalipto em abrigar espécies da fauna de florestas tropicais. Se essa capacidade for alta, os eucaliptais poderão contribuir com a conectividade funcional em paisagens com florestas fragmentadas e, nesse sentido, contribuir com a permanência de populações das espécies regionais. Contudo, se a parcela da fauna florestal presente nessas monoculturas for baixa, os eucaliptais, como atualmente manejados, não deveriam ser considerados uma alternativa adequada de uso de solo para garantir a conectividade funcional entre os remanescentes da região. O presente estudo teve por objetivo avaliar tal capacidade com base em uma análise faunística de uma paisagem do extemo-sul da Bahia, onde eucaliptais estão associados a remanescentes da Mata Atlântica. Na primeira etapa, comparamos as faunas de um dos maiores fragmentos florestais da região com a de um eucaliptal contíguo a ele. Na segunda, comparamos a fauna desse grande fragmento e a de fragmentos menores da região com aquela presente em áreas de plantio de eucalipto próximas aos pequenos fragmentos. Materiais e Métodos O estudo foi realizado nas propriedades da empresa Veracel Celulose S.A., no extremo- sul da Bahia, entre os municípios de Eunápolis, Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália. O clima local (tipo Af na classificação de Köeppen) é chuvoso, quente e úmido, carac- terístico do litoral e sem estação seca, com temperaturas elevadas e pouco variáveis e período de máxima precipitação entre julho e outubro. A topografia é caracterizada por platôs amplos entrecortados por vales associados a um denso sistema hidrológico e que, em várias porções, abrigam áreas de floresta em regeneração (Figura 1A). À época do estudo, as plantações de eucalipto da empresa cobriam cerca de 70.000 hectares, quase exclusivamente associadas a platôs (Figura 1B). De acordo com o banco de dados da empresa, a maioria dos remanescentes de Mata Atlântica da região possuía entre 50 e 250 ha e encontrava-se em estágio médio de regeneração (Figura 1C). Encontra-se ainda na região um dos maiores e mais bem conservados remanescentes de Mata Atlântica do Estado, a RPPN Estação Veracel, com 6.069 ha de floresta primária com algumas porções de floresta alterada, mas em estágio avançado de regeneração (Figura 1D). Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 121 A primeira etapa do estudo teve por objetivo comparar a fauna presente na RPPN Estação Veracel, considerada como a melhor referência local do sistema florestal original, com aquela presente em uma área de monocultura de eucalipto contígua a esse grande remanescente (Figura 1E). Nessa situação, caso o eucaliptal represente um ambiente favorável à fauna da floresta, ele seria beneficiado pela proximidade a uma grande área fontee tenderia a suportar boa parte da fauna presente na floresta. A segunda etapa teve por objetivo comparar a fauna presente nos fragmentos do tipo mais comum na região (50 a 250 ha, em estágio médio de regeneração) com aquelas presentes em eucaliptais distantes da principal área fonte, tendo novamente a RPPN como referência. Nessa situação, torna-se possível comparar a capacidade dos peque- nos remanescentes e dos eucaliptais em suportar elementos da fauna florestal local. Em ambas as etapas, escolhemos eucaliptais na situação teoricamente mais favorável para abrigar a fauna da floresta, isto é, imediatamente antes do corte, sete anos após o plantio. Trata-se do estágio de maior crescimento das árvores e de maior desenvolvimento do sub-bosque, que é formado por espécies nativas. Restringimos também a amostragem da fauna às áreas de platôs, visto que eucaliptais não são plantados em vales. Os grupos da fauna estudados incluíram comunidades de artrópodes e de vertebrados. Figura 1 - Fotografias de áreas do extremo-sul da Bahia onde foi realizado o presente estudo. (A) Vista geral, mostrando platôs, com plantações de eucalipto, entrecortados por vales, que podem conter florestas em regeneração; (B) Eucaliptal com cerca de sete anos de plantio, evidenciando crescimento de plantas no sub-bosque; (C) Borda de um dos tipos de fragmento florestal mais co- muns da região: com 50 a 200 ha de extensão e em estágio intermediário de regeneração; (D) Trilha interna à RPPN Estação Veracel, o maior remanescente de Mata Atlântica da região, com 6.069 ha de floresta primária com porções em estágio avançado de regeneração; (E) Faixa de justaposição entre a Estação Veracel e uma área de plantação de eucalipto amostrada no presente estudo. Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 122 Na primeira etapa do estudo, amostramos as comunidades de lagartos, anuros e artró- podes de folhiço (dissertação de MGCC, orientada por PLBR: Costa 2004). Realizamos a amostragem da fauna em out./2001 e em mar./2002 a partir de oito parcelas amostrais: quatro na RPPN e quatro no eucaliptal (Figura 2). Cada parcela era constituída de uma grade de 36 armadilhas de queda com linhas espaçadas de 20,4 m entre si, cada uma com 12 armadilhas espaçadas entre si de 10,2 m. Cada armadilha consistia em um balde plástico com 40 cm de altura e 30 cm de diâmetro associado a duas cercas de direcionamento de 1,5 m de comprimento. Checamos as armadilhas de todas as par- celas diariamente (10 dias em cada uma das 2 excursões), capturando todos os anuros e lagartos de todas as armadilhas, bem como todos os artrópodes de nove armadilhas sorteadas ao acaso na parcela em três dias por excursão. Na segunda etapa do estudo, amostramos as comunidades de anuros e lagartos de folhiço (dissertação de TBD, orientada por PLBR: Dantas 2004), de abelhas Euglossini (disser- tação de AMM, orientada por BFV: Melo, 2005) e de borboletas frugívoras (dissertação de RV, orientada por MZC: Vasconcelos, 2008). Realizamos a amostragem da fauna em fev.-mar./2003, jun.-jul./2003, set.-out./2003 e dez./2003-jan./2004 a partir de 12 parcelas amostrais: quatro na RPPN, quatro em diferentes remanescentes florestais e quatro em eucaliptais (Figura 2). A amostragem dos vertebrados foi baseada em grades idênticas às da primeira etapa, com checagem diária das armadilhas de todas as parcelas por 10 dias consecutivos por excursão, capturando-se todos os anuros e lagartos. A amostragem das abelhas foi baseada em cinco dias de coleta por campanha, utilizando-se 18 armadilhas aromáticas com essências de eucaliptol, baunilha e salicilato de metila (Neves e Viana, 1997) por parcela. A amostragem das borboletas frugívoras consistiu na disposição de cinco armadilhas por parcela (total 60 armadilhas) do tipo Van Someren Rydon (DeVries, 1987), iscadas com fruto fermentado e distando 25 m entre si. Todo o material biológico coletado está depositado nas coleções zoológicas do Depar- tamento de Zoologia da Universidade Federal da Bahia. Os anuros, lagartos, abelhas e borboletas foram identificados até espécie por especialistas. Identificamos os ar- trópodes de folhiço (miriápodes, aracnídeos exceto aranhas, ortópteros, coleópteros e formigas) em morfoespécies. Produzimos matrizes de abundância total (somando as capturas de todos os dias e de todas as excursões) das espécies (ou morfoespécies) por parcela. Para as formigas, a abundância total foi substituída por ocorrência nas armadilhas (valor entre 0 e 36 por parcela). Para cada etapa, testamos a hipótese de que a estrutura de cada comunidade difere entre as unidades da paisagem. Para tanto, usamos o teste de permutação MRPP (multiple response permutation procedure), calculando o tamanho do efeito através da estatística A. Quando A= 0, a estrutura das comunidades não difere entre as unidades da paisagem. Quando A=1, a estrutura da comunidade difere muito entre as unidades da paisagem (McCune e Grace, 2002). Como nosso número amostral é relativamente pequeno (quatro parcelas por unidade da paisagem), a detecção de significância esta- tística tende a indicar significância biológica. Os testes foram baseados nas matrizes Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 123 de abundância relativa (dividindo-se o valor de cada célula pelo total da linha), de modo a que a proporção de abundâncias entre espécies por parcela, e não a abundân- cia total por parcela, influenciasse no resultado do teste. Utilizamos como medida de dissimilaridade entre parcelas a distância de Sorensen. Para visualizar graficamente, em duas dimensões, as diferenças entre parcelas quanto à estrutura das comunida- des, reduzimos a dimensionalidade das matrizes de cada comunidade utilizando a técnica de iteração de escalonamento multidimensional não métrico (NMDS). Nesse procedimento utilizamos também as matrizes de abundâncias relativas e distância de Sorensen. Complementamos o teste MRPP com a análise de espécie indicadora (McCune e Grace, 2002), que detecta quais espécies da comunidade são indicadoras das diferentes unidades da paisagem através de um teste de randomização. Na avaliação dos dois testes de hipótese (MPRR e espécie indicadora), utilizamos 0,05 como nível de significância, mas aceitamos valores um pouco superiores como marginalmente significativos. Isso porque consideramos, no contexto desse trabalho, que o erro do tipo II é mais prejudicial por levar à falsa conclusão de que os eucaliptais têm uma boa capacidade de abrigar espécies da fauna da mata. Como os eucaliptais amostrados encontravam-se nas condições potencialmente mais adequadas para manter a fauna da mata (imediatamente antes do corte), durante os cerca de sete anos de seu crescimento suas condições devem ser mais desfavoráveis que as detectadas no estudo. Figura 2 - Paisagem de Mata Atlântica antropizada onde foi realizado o presente estudo (centro da imagem aproximadamente em 16º20’S e 39º15’O). No canto inferior direito, o grande rema- nescente florestal da RPPN Estação Veracel com a localização de suas quatro parcelas amostrais (M1 a M4). À esquerda da RPPN, as quatro parcelas nos fragmentos florestais menores (F1 a F4) e as parcelas dos eucaliptais contíguos (E1 a E4) e distantes da RPPN (E5 a E8). Imagem produzida a partir do banco de dados da empresa Veracel Celulose S.A. Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 124 Resultados Primeira etapa: Lagartos: Coletamos 97 lagartos de 12 espécies. As abundâncias nas parcelas da mata de referência (M) foram sistematicamente maiores que as do eucaliptal (E). As riquezas também tenderam a ser maiores em M (Tabela 1). Registramos 9 espécies em M, das quais 4 foram também registradas em E (Figura 3). O teste MRPP detectou diferença estatisticamente significativada estrutura da comunidade entre M e E (A= 0,227, p= 0,011) (Figura 4), e duas espécies associadas a M foram consideradas indicadoras (E. catenatus pictus, p= 0,027; L. scincoides, p= 0,058). As demais espécies geraram valores de p maiores que 0,423. Apenas um ou dois indivíduos foram registrados para 8 espécies (4 em M, 3 em E e 1 compartilhada por M e E). Anuros: Coletamos 189 anuros de 12 espécies. As abundâncias nas parcelas de E ten- deram a ser maiores que nas de M, e em uma delas a abundância foi muito superior às demais em função da captura de muitos indivíduos de duas espécies (Stereocyclops incrassatus e Physalemus gr. cuvieri). As riquezas também tenderam a ser maiores em E (Tabela 1). Registramos 7 espécies em M, 4 das quais foram também registradas em E (Figura 3). O teste MRPP detectou diferença marginalmente significativa entre as duas unidades da paisagem (A= 0,077, p= 0,057) (Figura 4). Duas espécies associadas a E foram consideradas indicadoras: B. crucifer (p= 0,030) e Leptodactylus mystacinus (p= 0,030). As demais espécies geraram valores de p maiores que 0,143. Apenas 1 ou 2 indivíduos foram registrados para 3 espécies (2 em M e 1 em E). Miriápodes: Coletamos 111 miriápodes de 10 morfoespécies (8 de diplópodes e 2 de quilópodes). As abundâncias nas parcelas de E foram maiores que nas de M e as riquezas por parcela foram comparáveis, embora a riqueza total tenha sido maior em M (Tabela 1). Todas as 10 morfoespécies amostradas foram registradas em M, e 4 delas também foram registradas em E (Figura 3). O teste MRPP não detectou diferença signi- ficativa entre as unidades da paisagem (A= 0,059, p= 0,137) (Figura 4), e apenas uma morfoespécie de quilópode associada a E foi considerada indicadora (p= 0,055). As demais morfoespécies geraram valores de p maiores que 0,134. Quatro morfoespécies foram representadas por apenas 1 ou 2 indivíduos, todos registrados em M. Aracnídeos (exceto aranhas): Coletamos 43 exemplares de 8 morfoespécies (4 de ácaros, 3 de opiliões e 1 de escorpiões). As riquezas e abundâncias por parcela não foram muito diferentes entre M e E, embora a riqueza total em M tenha sido o dobro da registrada em E (Tabela 1). As 8 morfoespécies amostradas foram registradas em M, e 4 delas em E (Figura 3). O teste MRPP detectou diferença significativa entre as unidades da paisagem, embora com um baixo valor da estatística A (A= 0,092, p= 0,018) (Figura 4). Nenhuma das morfoespécies foi considerada indicadora (valores de p maiores que 0,153). Apenas 1 morfoespécie, presente em M, foi representada por 1 ou 2 indivíduos. Ortópteros: Coletamos 376 exemplares de 14 morfoespécies (8 de grilídeos, 3 de batídeos, 1 de acridídeos, 1 de fasmídeos e 1 de mantídeos). As abundâncias por parcela foram sempre muito maiores em M que em E, embora as riquezas tenham sido semelhantes Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 125 (Tabela 1). Registramos 11 morfoespécies em M, das quais 8 estavam presentes em E (Fi- gura 3). O teste MRPP detectou diferença significativa entre M e E (A= 0,164; p= 0,025), mas nenhuma morfoespécie foi considerada indicadora (valores de p maiores que 0,170). Apenas 3 morfoespécies foram representadas por 1 ou 2 indivíduos, 1 em M e 2 em E. Coleópteros: Coletamos 72 exemplares de 35 morfoespécies. As riquezas e abundâncias por parcela foram, em geral, um pouco superiores em M que em E, ao passo que a riqueza total em M foi bem superior à de E (Tabela 1). Registramos 26 morfoespécies em M, mas apenas 6 delas também foram detectadas em E (Figura 3). O teste MRPP detectou diferença significativa entre M e E, embora com um baixo valor da estatísti- ca A (A= 0,082; p= 0,017). Nenhuma das morfoespécies foi considerada indicadora (valores de p maiores que 0,144). Um total de 20 morfoespécies foi encontrado apenas em M, e 9 foram encontradas apenas em E. Formigas: Obtivemos 271 registros de ocorrência de formigas, que representaram 27 mor- foespécies. As abundâncias e riquezas por parcela foram semelhantes em M e E (Tabela 1). Registramos 22 morfoespécies em M, 16 das quais também ocorreram em E (Figura 3). O teste MRPP detectou diferença significativa entre M e E (A= 0,240, p= 0,006) e 4 morfoespécies foram consideradas indicadoras (valores de p menores que 0,057), duas de M e duas de E. No total, foram encontradas 6 morfoespécies apenas em M e 5 apenas em E. Em síntese, 6 das 7 comunidades amostradas na etapa 1 apresentaram composição significativamente diferente entre M e E, e em metade dessas o tamanho do efeito foi grande. Do total de espécies amostradas na paisagem para uma comunidade, entre 50 a 100% (média= 81%) estavam presentes em M, e, em média, metade desse subconjunto (de 23 a 73%) também foi registrado em E. As espécies amostradas exclusivamente em M variaram de 21 a 57% do total registrado para a paisagem (média= 37%), e as amostradas exclusivamente em E variaram de 0 a 42% (média= 19%) (Figura 3). Tabela 1 - Resultados da amostragem da etapa 1 do estudo: em cada célula, número de indivíduos (acima) e de espécies (abaixo, entre parênteses) de sete comunidades ecológicas coletados em quatro parcelas na RPPN Estação Veracel, um grande remanescente de Mata Atlântica (M1 a M4), e em quatro parcelas de um eucaliptal contíguo ao remanescente (E1 a E4). São apresentados os totais por unidade da paisagem e o total geral. Comunidades Parcelas no grande remanescente de Mata Atlântica Parcelas no eucaliptal contíguo ao grande remanescente Total geral M1 M2 M3 M4 Total E1 E2 E3 E4 Total Lagartos 16 (5) 13 (4) 16 (5) 19 (7) 64 (9) 13 (5) 10 (2) 5 (3) 5 (2) 33 (7) 97 (12) Anuros 8 (3) 13 (4) 10 (4) 11 (3) 42 (7) 12 (4) 83 (7) 19 (6) 33 (7) 147 (9) 189 (12) Miriápodes 2 (2) 12 (6) 2 (2) 9 (4) 25 (10) 8 (4) 16 (5) 15 (2) 47 (5) 86 (6) 111 (10) Aracnídeos* 17 (8) 5 (5) 6 (2) 0 (0) 28 (8) 2 (2) 4 (2) 3 (2) 6 (6) 15 (4) 43 (8) Ortópteros 87 (9) 67 (7) 67 (7) 81 (6) 302 (11) 29 (6) 14 (3) 17 (5) 14 (8) 74 (11) 376 (14) Coleópteros 9 (7) 8 (8) 10 (9) 15 (12) 42 (26) 6 (5) 4 (3) 6 (6) 14 (8) 30 (15) 72 (35) Formigas 27 (8) 48 (15) 15 (10) 39 (12) 129 (22) 31 (14) 26 (11) 43 (14) 42 (12) 142 (21) 271 (27) * Exceto aranhas. Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 126 Figura 3 - Síntese da distribuição de espécies de várias comunidades de vertebrados e artrópodes por unidade da paisagem nas duas etapas do presente estudo. Acima, primeira etapa, onde se comparou a fauna da mata de referência (RPPN Estação Veracel, um grande remanescente de Mata Atlântica – esquerda) com aquela de um eucaliptal contíguo a ela (direita). Abaixo, segunda etapa, onde se comparou a fauna da mata de referência (esquerda) com a de fragmentos menores (centro) e a de um eucaliptal distante da mata de referência (direita). Legenda: t = número total de espécies da comunidade registrado na mata de referência (valor em porcentagem entre parênteses); e = porcentagem de espécies registradas exclusivamente em cada unidade da paisagem; M&F = porcentagem de espécies registradas na mata que foram também registradas nos fragmentos; M&E = porcentagem de espécies registradas na mata que foram também registradas no eucaliptal; número entre parênteses ao lado da comunidade = número total de espécies registradas na paisagem; média = média de cada distribuição de porcentagens em cada etapa; faixas cinzas = indicam se há ou não diferença significativa da estrutura das comunidades entre as unidades da paisagem (quando são interrompidas ou contínuas, respectivamente).Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 127 Figura 4 - Gráfico indicativo da diferença na estrutura das comunidades de vertebrados e ar- trópodes de folhiço amostradas em quatro parcelas em um grande remanescente de Mata de Atlântica (RPPN Estação Veracel – quadrado) e em quatro parcelas de um eucaliptal contíguo à RPPN (xis). Os gráficos representam uma ordenação indireta de cada comunidade através do método NMDS (o estresse associado ao processo de redução de dimensionalidade está indicado no canto inferior esquerdo de cada gráfico). Nas comunidades em que o teste MRPP detectou diferença significativa de estrutura entre as duas unidades de paisagem, adicionamos um traço separando as parcelas das mesmas. Segunda etapa: Lagartos: Coletamos 206 lagartos de 12 espécies. As abundâncias por parcela foram maiores na mata de referência (M) que nos fragmentos (F) e no eucaliptal (E), e as riquezas tenderam a ser semelhantes nas três unidades da paisagem (Tabela 2). Re- gistramos 10 espécies em M, das quais 6 foram encontradas em F e 7 em E (Figura 5). Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 128 O teste MRPP não detectou diferença estatisticamente significativa da estrutura da comunidade entre as três unidades da paisagem (A= 0,013, p= 0,348), e uma espécie associada a M foi considerada indicadora (E. catenatus pictus, p= ,055). As demais espécies geraram valores de p maiores que 0,135. Apenas um ou dois indivíduos foram registrados para 3 espécies, 1 exclusivamente em M e 1 exclusivamente em E. Anuros: Coletamos 523 anuros de 13 espécies. As abundâncias e riquezas por parcela foram muito maiores em M e F do que em E, mas em função de altas abundâncias de uma única espécie (Chiasmoclei schubarti) em apenas uma parcela nessas unidades da paisagem. Registramos 13 espécies em M, das quais 6 foram também encontradas em M e 3 em E (Figura 5). O teste MRPP não detectou diferença significativa entre as três unidades da paisagem (A= -0,012, p= 0,482) e nenhuma espécie foi considerada indicadora (valores de p maiores que 0,180). Cinco espécies foram representadas por 1 ou 2 indivíduos: 1 exclusivamente em M, 1 em F e 2 em E. Abelhas: Coletamos 3.872 indivíduos de 22 espécies. As abundâncias por parcela foram muito altas em M, intermediárias em F e baixas em E e, embora as riquezas por parcela tenham sido maiores em M que e, F e E, as riquezas por unidade de paisagem foram semelhantes (Tabela 2). Registramos 20 espécies em M, das quais 16 também ocorreram em F e 18 em E (Figura 5). O teste MRPP detectou diferença significativa entre M, F e E (A= 0,402, p= 0,001), que reflete a diferença encontrada quando se compara M e F (A= 0,432, p= 0,006) e M e E (A= 0,434, p= 0,006). A diferença entre F e E não foi significativa (A= 0,068, p= 0,071). A análise de espécies indicadoras detectou 13 espécies características de M (p menor que 0,060). Apenas 1 espécie (em F) foi registrada com base em apenas um ou dois indivíduos. Borboletas: Coletamos 6.171 indivíduos de 67 espécies. As abundâncias por parcela foram muito maiores em E do que em M (intermediárias em F), e as riquezas por parcela foram bem maiores que em F que em M (intermediárias em E) (Tabela 2). Registramos 41 espécies em M, 37 das quais foram detectadas em F e 33 em E (Figura 5). O teste MRPP detectou diferença significativa entre as três unidades de paisagem (A= 0,339, p< 0,001), que reflete diferenças entre todos os pares de unidades, embora o tamanho do efeito seja pequeno na comparação MxF (MxF: A= 0,339, p< 0,001; MxE: A= 0,395, p= 0,006; FxE: A= 0,351, p= 0,006). A análise de espécies indicadoras detectou 7 espécies características de F e 13 de E (p menor que 0,066). Apenas um ou dois indi- víduos foram registrados para 18 espécies, 3 exclusivamente em M, 9 em F e 3 em E. Em síntese, 2 das 4 comunidades amostradas na etapa 2 apresentaram composição significativamente diferente entre M e as demais unidades da paisagem, e em ambas o tamanho do efeito foi grande. Do total de espécies amostradas na paisagem para uma comunidade, entre 61 e 91% (média 76%) estavam presentes em M, e, em média, 3/4 desse conjunto estava presente em F (de 60 a 90%) e 2/3 em E (de 33 a 90%). As espécies amostradas exclusivamente em M variaram de 0 a 23% do total registrado para a paisagem (média= 11%), e os valores para F e E foram 0 a 10% (média= 6%) e 0 a 15% (média 9%) respectivamente (Figura 5). Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 129 Tabela 2 - Resultados da amostragem da etapa 2 do estudo: em cada célula, número de indivíduos (acima) e de espécies (abaixo, entre parênteses) de quatro comunidades ecológicas coletados em quatro parcelas na RPPN Estação Veracel, um grande remanescente de Mata Atlântica (M1 a M4), em quatro parcelas localizadas em fragmentos florestais menores (F1 a F4) e em quatro parcelas em eucaliptais distantes da RPPN (E5 a E8). São apresentados os totais por unidade da paisagem e o total geral. Comunidades Parcelas no grande remanescente de Mata Atlântica Parcelas nos pequenos rema- nescentes de Mata Atlântica Parcelas em eucaliptais distan- tes do grande remanescente Total geral M1 M2 M3 M4 Total F1 F2 F3 F4 To- tal E5 E6 E7 E8 To- tal Lagartos 23 (6) 20 (6) 29 (4) 26 (5) 98 (10) 20 (4) 15 (6) 16 (3) 8 (2) 59 (7) 5 (3) 17 (5) 11 (5) 16 (5) 49 (9) 206 (12) Anuros 5 (2) 223 (7) 10 (3) 18 (5) 256 (9) 203 (6) 14 (2) 30 (3) 14 (4) 261 (8) 1 (1) 2 (2) 2 (2) 1 (1) 6 (5) 523 (13) Abelhas 817 (18) 1096 (20) 472 (19) 325 (18) 2710 (20) 213 (16) 146 (14) 231 (13) 129 (10) 719 (18) 68 (12) 140 (14) 110 (11) 125 (12) 443 (19) 3872 (22) Borboletas 53 (12) 32 (15) 112 (27) 108 (29) 305 (41) 641 (45) 326 (35) 185 (42) 199 (41) 1351 (58) 1068 (35) 1125 (37) 792 (34) 1530 (36) 4515 (49) 6171 (67) Figura 5 - Gráfico indicativo da diferença na estrutura das comunidades de vertebrados e artró- podes amostradas em quatro parcelas em um grande remanescente de Mata de Atlântica (RPPN Estação Veracel – quadrado), em quatro parcelas em fragmentos florestais menores (triângulos) e em quatro parcelas de um eucaliptal distantes da RPPN (xis). Os gráficos representam uma orde- nação indireta de cada comunidade através do método NMDS (o estresse associado ao processo de redução de dimensionalidade está indicado no canto inferior esquerdo de cada gráfico). Nas comunidades em que o teste MRPP detectou diferença significativa de estrutura entre as duas unidades de paisagem, adicionamos um traço separando as parcelas das mesmas. Discussão Na primeira etapa de nosso estudo, procuramos avaliar se uma monocultura de eu- calipto localizada proximamente a uma grande área fonte de Mata Atlântica é capaz de abrigar uma proporção considerável da fauna desta. A comparação realizada entre Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 130 essas duas unidades da paisagem detectou diferenças significativas da estrutura de seis das sete comunidades amostradas, com a mata apresentando, em média, 37% de espécies exclusivas e o eucaliptal mantendo, em média, metade das espécies presen- tes na Mata. Na segunda etapa, procuramos avaliar se a monocultura de eucalipto distante de uma grande área fonte é capaz de abrigar uma proporção considerável da fauna desta, comparando seu desempenho com o de pequenos remanescentes florestais da região em estágio médio de regeneração. A comparação realizada entre essas três unidade da paisagem detectou diferenças significativas de estrutura em duas das quatrocomunidades amostradas, com a mata apresentando, em média, 11% de espécies exclusivas, os fragmentos mantendo cerca de 3/4 da fauna presente na mata e os eucaliptais mantendo cerca de 2/3. Nossos resultados são muito similares aos de um estudo que comparou 15 comunidades animais e vegetais presentes em plantações de eucalipto, florestas em regeneração e florestas primárias na Amazônia (Barlow et al., 2007). A média de espécies registradas exclusivamente na mata contínua naquele estudo foi de 25% (valor semelhante ao valor médio de nossas duas etapas: 24%), e os valores para florestas secundárias e eucaliptais foi de 8 e 11% respectivamente (comparáveis com nossos valores de 9% e 12,5%). A proporção média de espécies de mata mantidas pelas florestas secundárias (59%) foi maior que nos eucaliptais (47%), padrão semelhante ao do nosso estudo que, contudo, apresentou valores médios mais altos (74% e 61% respectivamente). A composição das 15 comunidades diferiu significativamente entre os três elementos da paisagem no estudo de Barlow e colaboradores, ao passo que em nosso estudo detectamos diferenças em 8 das 11 comunidades estudadas. Essa comparação, associada ao fato de que a proporção de floresta na paisagem es- tudada na Amazônia era bem maior que no nosso estudo, poderia sugerir que, nos ambientes fragmentados da Mata Atlântica, o valor das monoculturas de eucalipto para a conservação das espécies da floresta poderia ser um pouco superior ao desses tipos de ambiente na Amazônia. Contudo, as áreas de eucalipto do estudo de Barlow e colaboradores foram amostradas entre 4 e 6 anos após o plantio, enquanto em nos- so estudo, a amostragem foi realizada 7 anos após o plantio, havendo maior tempo, portanto, para a colonização por populações da floresta (Lindenmayer e Hobbs, 2004). Além disso, o sistema de manejo do eucaliptal da área estudada na Amazônia inclui o tratamento periódico do sub-bosque com herbicida, ao passo que o sub-bosque não é removido nos eucaliptais da área de Mata Atlântica estudada, contribuindo com o aumento da heterogeneidade e da oferta de recursos para a fauna (Lindenmayer e Hobbs, 2004). Como no estudo na Amazônia, nossos resultados indicam a importância da presença de grandes remanescentes de floresta primária ou em estágio avançado de regeneração para a conservação da biodiversidade de espécies típicas da floresta, visto que cerca de 1/4 de todas as espécies presentes nos estudos foram encontradas apenas nesses ambientes. Outra faceta dessa importância refere-se ao potencial papel das áreas Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 131 contínuas de mata e dos grandes remanescentes no provimento de organismos para a colonização de pequenos remanescentes florestais. Há evidências desse papel tanto em estudos na Amazônia (Gascon et al., 1999) como em paisagens antropizadas de Mata Atlântica no sul da Bahia, contendo plantações de cacau em sistema de cabruca e fragmentos de floresta em regeneração (Pardini et al. 2009). Os pequenos remanescentes em regeneração do presente estudo foram capazes de reter uma grande porção da fauna da floresta, de modo semelhante às florestas secundá- rias do estudo realizado na Amazônia (Barlow et al., 2007). A restauração passiva de áreas degradadas é, frequentemente, o único processo de recuperação utilizado em sistemas tropicais em função de seu baixo custo (Aide et al., 2000), e a capacidade desses ambientes em abrigar boa parte da fauna de floresta reforça sua importância para a conservação da biodiversidade. Contudo, a recuperação da riqueza original de espécies em florestas secundárias em sucessão pode demorar de 20 a 40 anos, e a re- cuperação da composição parece ser um processo ainda mais lento (Aide et al., 2000, Dunn, 2004) e depender da proximidade a áreas-fonte (Redi et al., 2005). Um estudo realizado com lagartos na Mata Atlântica no norte da Bahia, por exemplo, detectou que 28 anos de recuperação passiva de um fragmento secundário de 567 ha não foram suficientes para que a comunidade de lagartos fosse completamente recomposta, apesar da proximidade a uma grande área-fonte (1.390 ha) contendo populações das espécies mais dependentes de floresta (Guerrero e Rocha no prelo). Esse resultado sugere que estratégias ativas de reintrodução de fauna podem ser necessárias para acelerar ou completar o processo de recomposição faunística em florestas secundárias. Em comparação com as áreas de floresta em regeneração, as plantações de eucalipto mantiveram uma proporção mais baixa da fauna presente na floresta, tanto no pre- sente estudo como naquele realizado na Amazônia (Barlow et al., 2007). Ainda assim, sua capacidade em abrigar espécies da fauna da floresta foi mediana, embora com abundâncias relativas bastante distintas. Esse resultado poderia indicar uma opor- tunidade de ampliação da conectividade em paisagens florestadas antropizadas para parte da fauna, particularmente nos casos em que os eucaliptais substituem matrizes menos amigáveis como pastos. Contudo, deve-se lembrar que a habilidade mediana dos eucaliptais ocorreu em seu estágio de maior desenvolvimento, após 7 anos de crescimento e imediatamente antes do corte. Portanto, uma habilidade média é a máxima esperada, e apenas em momentos provavelmente restritos ao longo de ciclos de 7 anos (nos últimos anos de crescimento do eucalipto). Uma revisão recente sobre a conservação da fauna silvestre em extensas plantações de coníferas e eucaliptos foi realizada para a Austrália (Lindenmayer e Hobbs, 2004), onde há muito mais dados acumulados sobre o tema do que no Brasil. A revisão indica que as plantações mantêm comunidades menos diversas de vertebrados e inverte- brados que as vegetações nativas, como detectado em nosso estudo. Conclui ainda que três características influenciam positivamente a presença de espécies silvestres nas plantações: (a) o grau de heterogeneidade no nível da paisagem (e.g., presença Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 132 de remanescentes florestais e vegetação ripária intercaladas ou adjacentes às planta- ções), (b) o padrão espacial e temporal do corte nas monoculturas (e.g., manutenção constante de plantações maduras unindo remanescentes; evitação do corte sincrônico em áreas contínuas extensas), e (c) o aumento da complexidade estrutural no interior das monoculturas (e.g., manutenção de espécies nativas, troncos caídos árvores mais antigas no interior das plantações). Como discutido por Lindenmayer e Hobbs (2004), deve haver tensões entre os obje- tivos de produção e de conservação da biodiversidade associados às monoculturas criadas em paisagens florestadas. As monoculturas de eucalipto presentes no ex- tremo-sul da Bahia estão entre as mais produtivas do globo e representam uma das atividades mais lucrativas do país (SBS, 2007). Por outro lado, estão localizadas em uma das áreas mais importantes para a conservação da biodiversidade do planeta. O desenvolvimento de tecnologias de manejo que compatibilizem o lucro com a maximização da contribuição para a conservação da biodiversidade deveria estar no foco das iterações entre governo, centros de pesquisa e empresas no planejamento do desenvolvimento da região. Agradecimentos As atividades de campo do presente estudo foram apoiadas pela Empresa Veracel Celulose S.A., e agradecemos adicionalmente aos funcionários da Estação Veracel e à equipe de geoprocessamento da empresa. PLBR e BFV receberam bolsa PQ do CNPq durante a produção do manuscrito. AMCM recebeu bolsa de mestrado da FAPESB durante o desenvolvimento do estudo. Agradecemos a Moacir dos Santos Tinoco e Or- lando Bulcão pelo apoio às atividades de campo. Agradecemos ainda aos Drs. Marcelo F. Napoli, Miguel Trefaut Rodrigues e Vanessa K. Verdade pelo auxílio na identificaçãodas espécies de anuros e lagartos, e aos Drs. Keith Spalding Brown Junior, André Victor Lucci Freitas e Jorge Bizarro pela identificação das espécies de borboletas frugívoras. Referências ABRAF. 2008. Anuário Estatístico da ABRAF: ano base 2007. Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas, Brasília. Aide, T. M., J. K. Zimmerman, J. B. Pascarella, L. Rivera & H. Marcano-Vega. 2000. Forest regeneration in a chronosequence of tropical abandoned pastures: Implications for resto- ration ecology. Restoration Ecology 8: 328-338. Barlow, J., T. A. Gardner, I. S. Araujo, T. C. Ávila-Pires, A. B. Bonaldo, J. E. Costa, M. C. Esposito, L. V. Ferreira, J. Hawes, M. I. M. Hernandez, M. S. Hoogmoed, R. N. Leite, N. F. Lo-Man-Hung, J. R. Malcolm, M. B. Martins, L. A. M. Mestre, R. Miranda-Santos, A. L. Nunes-Gutjahr, W. L. Overal, L. Parry, S. L. Peters, M. A. Ribeiro-Junior, M. N. F. da Silva, C. da Silva Motta & C. A. Peres. 2007. Quantifying the biodiversity value of tropical secodary, and plantation forests. PNAS 104(47): 18555-18560. Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 133 Coimbra-Filho, A. F. & I. G. Câmara. 1996. Os milites originais do Bioma Mata Atlântica na região nordeste do Brasil. Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza, Rio de Janeiro. Costa, M. G. C. 2004. Comparação da microfauna de vertebrados e artrópodes cursores de serrapilheira em região de Mata Atlântica e monocultura de eucalipto no sul da Bahia. Dis- sertação de Mestrado, PPG Ecologia e Biomonitoramento, Universidade Federal da Bahia. Dantas, T. B. 2004. 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Departamento de Biologia – Universidade Federal de Lavras. Lavras – MG. 37200-000; Gislene Carvalho de Castro. Departamento de Biologia – Universidade Federal de Lavras. Lavras – MG. 37200-000, União para a Conservação da Natureza. Centro Empresarial Rio Branco, Av Brasil, 303, quinto andar, sala 507. Centro. Rio Branco – AC, 69900-100; Frederico Soares Machado. Departamento de Biologia – Universidade Federal de Lavras. Lavras – MG. 37200-000, Departamento de Ecologia, Universidade Federal de Goiás. Goiânia – GO, 74001-970; Mariana Ferreira Rocha. Departamento de Biologia – Universidade Federal de Lavras. Lavras – MG. 37200- 000, Instituto Federal de Educação Tecnológica do Sul de Minas Gerais – Pouso Alegre – MG. 37576-000; Andréa de Oliveira Mesquita. Departamento de Biologia – Universidade Federal de Lavras. Lavras – MG. 37200-000; Bruno Senna Correa. Departamento de Biologia – Universidade Federal de Lavras. Lavras – MG. 37200-000 Introdução A constante ocupação humana de sistemas naturais, bem como a utilização indiscri- minada dos recursos aliada à expansão agrícola resulta em crescente fragmentação dos ecossistemas naturais e degradação dos solos. Entre as principais consequências da fragmentação estão a perda da diversidade e o aumento expressivo das taxas de extinção das espécies. Fatores como a diminuição das áreas naturais e o aumento do grau de isolamento de po- pulações inviabilizam ou modificam as relações ecológicas entre as espécies, ocasionando um impacto negativo sobre a biodiversidade. Na maioria das paisagens brasileiras, os remanescentes de vegetação encontram-se isolados e inseridos em uma paisagem adversa, quando comparada à original. As barreiras ocasionadas pela fragmentação diminuem a dispersão dos organismos entre os remanescentes de vegetação ocasionando uma ruptura no fluxo gênico entre populações aumentando os níveis de endogamia nas mesmas. Muitas espécies da fauna, responsáveis pelos processos de dispersão e polinização, têm sua movimentação entre fragmentos dificultada, afetando diretamente as comu- nidades vegetais dependentes destes vetores (Brooker et al., 1999). Dessa forma, a interligação dos fragmentos por meio dos corredores de vegetação apresenta-se como alternativa potencialmente importante na conservação destes ambientes, já que se tratade estrutura linear capaz de permitir o movimento de ao menos parte dos organismos entre os remanescentes isolados (Forman, 1997; Haddad et al., 2003). Os corredores de vegetação viabilizam o intercâmbio de polinizadores e dispersores de sementes Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 136 e, consequentemente, a troca de material genético, diminuindo a possibilidade de extinção local devido à endogamia. Neste capítulo focamos em um tipo particular de corredor existente na região sul sudeste do Brasil, provenientes da colonização dos valos escavados como divisores de glebas de terra. Esses valos interligam fragmentos de vegetação de diferentes origens (matas de galeria e de cabeceiras, fragmentos de floresta estacional, de Cerrado, etc.) e formam uma rede de corredores de vegetação que se estende por centenas de quilômetros no sul de Minas Gerais e norte de São Paulo. Estes corre- dores são comuns na paisagem regional e, possivelmente, desempenham um papel importante e pouco conhecido na conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos, podendo ser usados como estratégia de manutenção biológica dos vários pequenos remanescentes florestais existentes na região e de manejo de recursos hídricos e de solo. Os corredores florestais, em termos de ecologia e conservação de populações, estão inseridos dentro de estratégias de preservação e restauração do funcionamento de paisagens altamente degradadas (Brooker et al., 1999; Tewksbury et al., 2002). Porém, pouco se conhece a respeito da composição, estrutura, diversidade e ecologia das espécies vegetais e animais dos valos e a sua relação com os fragmentos a que estão ligados. Conhecer estes ambientes é fundamental para se entender os mecanismos de conservação e renovação dos fragmentos e propor metodologias de conservação e recuperação de áreas (Primack e Rodrigues, 2001). Além disso, os valos representam talvez os elementos lineares introduzidos mais antigos (+ 150 anos) na paisagem brasileira. O funcionamento desses como corredores ecológicos é uma consequência secundária, e não planejada. Corredores de vegetação A importância da conectividade entre hábitats tem sido discutida desde a década de 70, mas nas últimas décadas é que ocorreu um maior desenvolvimento dos estudos nesta área. Atualmente, na América do Norte e Austrália, os corredores de vegetação têm sido o principal foco dos estudos em ecologia da paisagem, sendo a manutenção e a criação dos mesmos usadas para a conservação de ecossistemas fragmentados (Nohlgren e Gustafsson, 1995). No Brasil, os estudos sobre corredores de vegetação ainda são incipientes, apesar do interesse governamental na conexão das maiores fitofisionomias encontradas no país com a implantação do projeto “Corredores Ecológicos” coordenado pelo IBAMA (Ministério do Meio Ambiente, 2002a). Vários resultados provenientes do “Projeto de Conservação e de Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira” (PROBIO) indicam os corredores de vegetação como importante metodologia na conservação da diversidade devido à sua atuação na manutenção do fluxo gênico. Estes resultados indicam que tais corredores, muitas vezes, são as únicas alternativas para a conserva- Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 137 ção da vegetação quando dispersores e polinizadores não atravessam matrizes abertas (Colli et al., 2003). A literatura sobre corredores de vegetação é contraditória devido ao uso ambíguo do termo “corredor”, que frequentemente tem sido usado para descrever os componen- tes da paisagem com funções divergentes (Rosenberg et al., 1997). Dunster e Dunster (1954) definem corredor como um elemento de ligação na paisagem, diferente dos demais ambientes do entorno e capaz de conectar duas áreas de hábitat similares. Bennett (1991) limita o conceito, propondo que sejam considerados como corredores os elementos lineares de 5 a 100 m de largura e 0,5 a 5 km de extensão. Norton e Nix (1991) incluem, em sua definição, a importância dos corredores para a preservação da flora, definindo corredores como: “...porções lineares da paisagem que conectam dois ou mais hábitats similares com função de movimentação de indivíduos e promoção do fluxo gênico da flora e fauna”. Hobbs (1992) amplia a definição, considerando os corredores como faixas de vegetação nativa ou elementos que conectam remanescentes isolados de diferentes estruturas, com diferentes origens e diferentes funções. Noss (1993); Newmark (1993), Tewksbury et al. (2002) e Haddad et al. (2003) evidenciam a importância funcional dos corre- dores, definindo estes elementos da paisagem como uma faixa de hábitat natural em que os organismos podem se mover. Meffe e Carroll (1994) mencionam as diferentes fisionomias, definindo os ambientes que possuem estrutura e composição sob efeito de borda como sendo linhas de vegetação ou cercas-vivas. Alguns autores (Soulé e Gilpin, 1991; Nohlgren e Gustafsson, 1995) incluem a importância temporal e definem corredores como sendo um elemento linear da paisagem que conecta, historicamente, dois ou mais ambientes naturais. Rosenberg et al. (1997) detalham o termo e acrescentam à definição noções da autoecologia das espécies, definindo corredor como porção linear de hábitat de vegetação na- tural que fornece hábitat para fauna, por meio do uso temporário ou permanente da área; porém, esclarecem que nem todas as espécies podem ser encontradas no corredor, devido aos diferentes históricos de vida. Beier e Noss (1998) definem corredores como um hábitat linear para a utilização no manejo de paisagem, com uma matriz diferenciada. Nesta definição, o corredor conecta duas, ou mais, gran- des porções de hábitat e é proposto para a conservação e viabilidade de algumas populações específicas. Neste contexto, os corredores da região do sul de Minas abordados neste estudo podem ser definidos como estruturas lineares de vegetação originários da colonização natural de valos de divisa, de largura reduzida (entre 3 e 6 m), podendo ou não estar conec- tados a fragmentos de diferentes fitofisionomias e de áreas variadas. Tais estruturas são similares em termos de funções nas propriedades e largura ao que na Europa e na América do Norte é conhecido por “hedgerow”, ou cerca-viva. No entanto, a presença de valos dos mesmos os torna uma estrutura única. Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 138 Variações fisionômicas e funções dos corredores Os principais atributos que interferem diretamente nas funções dos corredores são os de desenho (forma, largura e extensão), estruturais (composição específica), de paisagem (conectividade, posição e orientação em relação ao sol, composição da ma- triz circundante) e históricas (frequência de distúrbios naturais e antrópicos, idade e origem do corredor) (Noss, 1987; Saunders et al., 1991; Hobbs, 1992; Lindenmayer, 1994; Nohlgren e Gustafsson, 1995; Forman, 1997; Cameron, 1997; Metzger, 1999). Devido a estas variações, os corredores podem ser agrupados em cinco tipos principais: i) corredores de distúrbio, encontrados paralelamente a estradas, cercas, instalações elétricas e trilhas, estando associados a áreas antropizadas; ii) corredores de remanes- centes de mata que possuem estratificação vertical variada, sendo estes corredores de difícil perpetuação na paisagem, já que são susceptíveis a constantes manejos, tais como poda, desbaste e plantios nas adjacências; iii) corredores ambientais (matas ripárias); iv) corredores introduzidos por meio de plantio, classe em que estão incluídos os cinturões verdes de cidades (Nohlgren e Gustafsson, 1995); e v) corredores de regene- ração (ao longo de cercas e muros), que possuem funções específicas no controle de pragas, fornecimento de produtos vegetais, alémdo valor estético para a região. Neste último caso predominam uma alta densidade de indivíduos e abundância de espécies de borda. Esses últimos são geralmente formados por espécies vegetais tolerantes a condições estressantes e generalistas devido ao grande efeito de borda que sofrem. As cercas-vivas (“hedgerows”) são um típico corredor de regeneração presente em várias localidades do mundo, são estruturas lineares de vegetação que variam em ori- gem, têm funções diferenciadas, conforme o manejo que recebem, e são consideradas importantes para a conservação (Baudry et al., 2000). Estes elementos possuem alguns atributos físicos a serem considerados antes de serem definidos como corredores de biodiversidade, como a extensão e número de pontos de interrupção em seu trajeto. As cercas-vivas podem atuar no controle biológico, fornecendo inimigos naturais para o controle populacional das espécies invasoras de culturas agrícolas. Por essa razão, agricultores locais muitas vezes têm interesse em manter estes elementos em sua propriedade (Baudry et al., 2000). Em países que possuem intensivo uso agrícola, estes elementos lineares contituem um importante refúgio para a fauna. Além disso, os agricultores exercem significativa influência sobre estes elementos, devido às diferentes formas de manejo que adotam nas suas propriedades (Aude et al., 2003). A distribuição das espécies nestes ambientes está diretamente relacionada às condições edáficas e à matriz adjacente. Estes fatores interferem, por exemplo, na distribuição das plantas podendo facilitar ou inibir a invasão de espécies oportunistas e invasoras (Blois et al., 2002). Forman (1983) sugere que de forma geral as plantas, insetos e pequenos mamí- feros utilizam as cercas-vivas eficientemente para dispersão. Porém, Fritz e Merriam (1993) evidenciaram que o ambiente de cerca-viva é comumente inapropriado para a dispersão de plantas lenhosas de paisagens fragmentadas. Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 139 O comportamento da fauna, como é o caso da migração de Carabidae (besouros pre- dadores), depende diretamente da qualidade deste ambiente de corredor. Segundo Heinein e Merriam (1990), as populações deste grupo presentes em fragmentos inter- ligados apenas por corredores de baixa qualidade são mais vulneráveis às extinções locais do que aquelas de fragmentos cujos corredores apresentam estrutura complexa e são mais permeáveis ao fluxo de indivíduos. Estudos com vegetação sugerem que a ocorrência de espécies se correlaciona mais com a qualidade de hábitat do que com a configuração espacial da paisagem e que diferenças nas distribuições das espécies podem ser o resultado dos diferentes requerimentos de hábitats pelas espécies (Dupré e Ehrlén, 2002). Estes autores ressaltam que a distribuição das espécies e a estrutura da comunidade de plantas dependem da dispersão entre as porções de hábitat, das extinções estocásticas e das mudanças ambientais. Com relação a pequenos mamíferos, estudos demonstram que algumas espécies podem ter seus movimentos favorecidos pela largura dos corredores (Andreassen et al., 1996) ou não serem afetadas por esta variável (Ruefenacht e Knight, 1995; La Polla e Barret, 1993). Entretanto, a qualidade da vegetação pode influenciar significativamente os movimentos de algumas espécies de roedores (Ruefenacht e Knight, 1995). A estratificação vertical de corredores é extremamente variável. A densidade das espécies varia muito conforme os atributos de cada tipo de corredor, mas, como pa- drão geral, tem-se que no ambiente de corredor as densidades das espécies presentes são geralmente elevadas e a riqueza tende a aumentar com a idade do mesmo. Além disso, se realmente os corredores facilitam a movimentação de animais entre hábitats fragmentados, eles podem ter efeitos indiretos sobre as populações de plantas que são polinizadas e dispersas pela fauna. Tewksbury et al. (2002), em seus experimentos, concluíram que há um efeito claro dos corredores sobre a dispersão de sementes. Dessa forma, a maximização da diversidade dependerá do aumento das conexões entre os hábitats (Harris, 1984; Tewksbury et al., 2002). Entretanto, deve ser considerado que os diferentes manejos empregados na agricultura possuem relevantes impactos sobre a flora dos corredores, principalmente pela introdução de fertilizantes e outros insumos agrícolas (Marshall e Arnold, 1995). Os corredores, de maneira geral, possuem cinco funções principais, ou seja, podem ser utilizados como: Hábitat de espécies generalistas e de borda, podendo estar presentes espécies exóticas e agressivas. Espécies raras, geralmente ameaçadas, normalmente estão ausentes e, caso ocorram, o corredor normalmente representa remanescente da vegetação nativa da área; Condutor, possibilitando o fluxo de energia, água, sedimentos, nutrientes e matéria orgânica, que se movem por força gravitacional, entre dois remanescentes (Thorne, 1993). Em termos biológicos, os corredores podem possibilitar o movimento de ani- mais em eventos de dispersão, busca de parceiros sexuais e migração. Por meio deste movimento, ocorre fluxo gênico e a flora e fauna são capazes de se movimentarem ao Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 140 longo dos corredores. Porém, muitos atributos do corredor, tais como forma, largura, extensão e complexidade estrutural da vegetação podem afetar o fluxo de espécies; Filtro de espécies; esta função depende das características dos organismos com po- tencial para movimentação em termos de sua predisposição ao uso de corredores e da qualidade dos corredores como canal da movimentação para tais organismos. A qualidade do filtro, porém, pode variar conforme a presença de rupturas em sua ex- tensão, grau de conectividade e largura dos mesmos; Como hábitat para espécies de diversos grupos, podendo ter importante papel na paisagem regional e Receptor biológico das espécies provindas da matriz e dos rema- nescentes próximos. Vários autores evidenciam os efeitos positivos dos corredores sobre os processos de movimentação de organismos e que corredores podem ter consequências demográficas e genéticas na região em que estão inseridos e podem proporcionar benefícios, tanto locais quanto regionais, sobre a diversidade biológica (veja, por exemplo, Rosenberg et al., 1997, Gilbert et al., 1998, Tewksbury et al., 2002 e Haddad et al., 2003). Almei- da e Dário (1995) consideram que as populações faunísticas dos ambientes vizinhos poderão interferir incisivamente na utilização do corredor, já que muitas espécies são territorialistas. Assim, territórios que se encontram nas margens do corredor podem se ampliar para o interior do mesmo, impedindo, muitas vezes, a passagem de animais para outras regiões (Rolstad, 1991; Nohlgren e Gustafsson, 1995). Algumas vezes, as culturas, como matriz, são consideradas como uma fonte extra de alimentos para as espécies, podendo funcionar como área de conexão entre hábitats fragmentados. Neste caso, corredores e matriz possuem função complementar dentro da paisagem, já que as espécies que não conseguem deslocar-se através da matriz utilizam o corredor como principal elemento para sua sobrevivência e vice-versa (Boone e Hunter, 1996). Beier e Noss (1998) concluíram que os corredores, de forma geral, são capazes de se- rem utilizados como ferramenta na conservação de comunidades biológicas. Porém, muitos questionamentos podem ser levantados, tais como a maior facilidade dos corredores para a propagação de fogo, de espécies exóticas e de doenças, aumento da caça predatória devido à maior visualização dos animais nestes ambientes e compro- metimento da estrutura metapopulacional pela integração dos hábitats (Simberloff et al., 1992; Simberloff, 1984). Atualmente, o sucesso dos planosde manejo dos recursos naturais encontra-se funda- mentado no conhecimento da paisagem como um todo e de situações dependentes de contexto. Para isso, torna-se necessário estabelecer políticas que prevejam a interligação entre fragmentos e reservas por meio de corredores ou de uma rede de fragmentos menores (Metzger, 1999; Tewksbury et al., 2002). Devido às evidências de que corredores e fragmentos aumentam a sustentabilidade do ambiente, alternativas de manejo de corredores, tais como a implantação de faixas Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 141 de árvores ao longo de estradas e cercas, o aumento da largura e o estabelecimento de matas ripárias (conforme indicado pela legislação), podem ser usadas como formas de promover os avanços na conservação da biodiversidade gênica e de espécies (Harris, 1984; Forman, 1997). O artigo 11° do Decreto Lei n° 4.340, de 22 de agosto de 2002, descrito no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, estabelece que, na ausência de mosaico, o corredor ecológico que interliga unidades de conser- vação terá o mesmo tratamento da sua zona de amortecimento (Ministério do Meio Ambiente, 2002b). Histórico dos valos na região sul de Minas Gerais Por volta de 1810, já havia, no território brasileiro, trabalhando em lavouras, cerca de 50 mil escravos. Em Lavras, MG, foram contados mais de 200 negros em situação de escravidão, cujo primeiro registro data de 15 de janeiro de 1737. Em 1883, segundo a estatística da Província, em Lavras existia uma população de 6.322 escravos, que representava 2,03% do total de escravos da província. Os ricos senhores de escravos foram os primeiros a se estabelecer em torno das minas de ouro da região e, forçados pelas condições desfavoráveis do rendimento das lavras de ouro, disponibilizavam grande parte da mão de obra escrava para o trabalho da agricultura de subsistência, principalmente os escravos mais velhos (Zemella, 1990). Com o limitado potencial aurífero do sul de Minas Gerais em relação às demais terras da Capitania, no final do século XVIII, as vilas e arraiais próximos à circulação de ouro se viram afetados. Dessa forma, o mineiro se transforma em pequeno agricultor ou criador de gado, ocupando os solos mais férteis de mata. Nesse período, avançava a distribuição de sesmarias aos produtores que se estabeleceram próximo à região das minas. As sesmarias podem ser definidas como lotes de terra, incultos ou abandonados, concedidos por Portugal para aqueles que se dispusessem a cultivá-los. As estradas que ligavam o litoral a Minas Gerais, no século XVIII e XIX, cruzavam a região sul do estado, onde, neste momento histórico, desenvolvia-se a cafeicultura e a pecuária. A ocupação do sul de Minas Gerais pelos escravos vindos do litoral permitiu aos cafeicultores da região a obtenção de mão de obra para suas fazendas (Filetto, 2000). Devida à grande abundância de terras disponíveis, não havia limitações ao aumento das áreas de produção. Todo este histórico de ocupação e relacionamento da população com o ambiente em que está inserida encontra-se refletido na paisagem atual, onde se percebem um número reduzido de remanescentes florestais, extensas áreas de monoculturas e de criação de gado. Em escala global, esta situação se repete, já que cerca da metade da destruição das florestas tropicais resulta no cultivo de pequenas plantações para a subsistência e na conversão de áreas em pastagens permanentes ou de uso para a agricultura itinerante (Primack e Rodrigues, 2001). Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 142 A paisagem agrícola da região do Alto Rio Grande encontra-se extremamente fragmen- tada, o que propiciou, e ainda propicia, a formação de uma extensa malha de corredores de vegetação nativa. Basicamente existem duas origens distintas destes corredores: (i) as faixas estreitas de vegetação deixadas nos limites das propriedades após o corte raso das florestas e (ii) a colonização pela vegetação nativa dos valos, cercas e muros de pedra utilizados como divisórias entre glebas de terra (Figura 1) . Os valos, provavelmente devido à maior umidade do solo, são naturalmente coloni- zados por espécies arbóreas das florestas estacionais e de galeria da região formando corredores de vegetação florestal. Estes valos divisores de glebas de terra são extre- mamente comuns em toda a região sul de Minas Gerais. Segundo as comunidades tradicionais, os valos foram construídos por escravos no período da colonização e possuíam, aproximadamente, dimensões de 3 m de largura com a profundidade de 1,5 – 2 m (Figura 1). Figura 1 - Sistema de corredores e fragmentos de Lavras – Minas Gerais. Estas estruturas eram construídas nas propriedades onde não havia a disponibilidade de pedras para a construção de muros, respeitando-se, assim, as características da região. Depois de abolida a escravidão, os valos continuaram a ser construídos por negros que permaneciam nas propriedades e por colonos, muitas vezes em regime de semiescravidão. Neste período, era comum que as mulheres e filhos de escravos também auxiliassem na construção, mas, com o passar do tempo, a execução de tais obras tornou-se cada vez mais rara. Posteriormente, já no século XX, as relações de trabalho transformaram-se e os trabalhadores que faziam os valos, os “valeiros”, e muros de pedra começaram a ser remunerados pelo trabalho. Apesar de se tornar cada vez mais incomum a construção de “valos” no século XX, as técnicas de construção foram se aprimorando e sua construção continuou até o final da década de 60. Com a popularização das cercas de arame, de custo muito menor, cessou-se definitivamente a construção de valos. A extensão dos valos é bastante variável, encontrou-se desde valos de menos de 100 m até um com cerca de 25 km de comprimento. De acordo com populares, o valo é considerado um divisor de glebas, com função de impedir a passagem do gado entre propriedades, com capacidade de canalização de água e com importante papel de quebra-vento, inerente à estruturação vegetal. Além disso, muitos produtores constroem cercas de arame aproveitando as árvores dos valos como “mourões vivos”. Por outro lado, os valos podem favorecer o aparecimento de voçorocas nas propriedades, por serem um Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 143 canalizador de água, podendo ainda dificultar a passagem de animais, de veículos, de máquinas agrícolas, de linhas de irrigação e construção de curvas de níveis. Em relação às práticas de manejo, os proprietários se referem à necessidade de “controlar a expansão da vegetação fora dos limites do valo, evitando que as espécies arbóreas invadam as áreas de plantio”, o que provoca, em termos históricos, a manutenção dessa estrutura linear florestal. Segundo relatos da população local, na região dos corredores de vegetação florestal e adjacências podem ser encontradas espécies da fauna, como Tupinambis teguixim (teiú), Ameiva ameiva (lagarto verde), Bothrops alternatus (urutu-cruzeiro), Crotalus durissus (cascavel), Chironius carinatus (cobra verde), Dasypus novemcintus (tatu), Didelphis albiventris (gambá), Callithrix penicillata (mico), Sphiggurus villosus (ou- riço), Sylvilagus brasiliensis (coelho), Leopardus pardalis (jaguatirica), Chrysocyon brachyurus (lobo-guará), Cariama cristata (seriema), Ramphastos sp.(tucano), Penelope sp.(jacu) e várias outras espécies de aves de pequeno porte. Entretanto, são inexistentes os estudos científicos sobre a diversidade da fauna e flora e o valor de conservação nessas estruturas lineares. Diversidade da flora e fauna nos valos, fragmentos e matriz Neste capítulo apresentamos a síntese dos resultados obtidos no estudo multitaxa de um sistema corredor-fragmento localizado próximo à cidade de Lavras,sul de Minas Gerais. O sistema corredor-fragmento está compreendido entre as coordenadas 21º17’15.1”S e 21°19’25.2”S, 44°58’59.3”W e 44°59’53.1”W (Figura 2). O clima da re- gião pode ser definido como do tipo Cwa de Köppen, com precipitação média anual de 1.529,7 mm e temperatura média anual de 19,4°C (Brasil, 1992; Ometto, 1981). A altitude mínima na área de estudo é de 920 m e a máxima de 1.180 m. Figura 2 - Localização geográfica do município de Lavras, sul de Minas Gerais, Brasil. Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 144 A área estudada encontra-se a, aproximadamente, 6 km da sede do município de Lavras, na encosta da Serra do Carrapato. Ao todo foram analisados oito fragmentos interligados a um corredor de vegetação composto por um eixo principal e quatro ramificações. A área total dos fragmentos é de 51,1624 ha, variando de 1,0302 ha, o menor, a 12,4011 ha, o maior. A matriz é formada principalmente por áreas de pastagem de Brachiaria sp. e cultivo agrícola de café e culturas anuais (milho, soja, feijão) (Figura 1). Para avaliação da diversidade do sistema e valor de conservação dos corredores foram escolhidos quatro grupos taxonômicos distintos: besouros de esterco, mamíferos, aves, e árvores. A seguir resumimos as estratégias de amostragem para cada grupo. Besouros de esterco: para a captura dos besouros foram utilizadas armadilhas do tipo pitfall iscadas com fezes frescas de suínos. A armadilha foi composta por um reci- piente de 19 cm de diâmetro e 11 cm de profundidade enterrado com a abertura no nível do solo, contendo 250 ml de solução salobra de detergente líquido a 1,5%, e um recipiente de 6 cm de diâmetro e 3,5 cm de profundidade suspenso sobre o recipiente coletor, no qual foi colocada a isca (fezes de suíno). Foram instaladas 30 armadilhas espaçadas 30 m uma da outra nos fragmentos, 15 nas pastagens (matriz) e nos valos foram instaladas um total de 17 armadilhas, espaçadas ao menos por 50 m lineares. As armadilhas permaneceram em campo por 72 horas e o material coletado foi mantido em álcool 70% para triagem no Laboratório de Ecologia – DBI/UFLA. Mamíferos: as amostragens foram realizadas em fragmentos florestais, corredores de vegetação e matriz de pasto. Nestas áreas foram feitos transectos lineares com 100 m de extensão, com uma estação de captura a cada 20 m. Cada estação de captura nos fragmentos e corredores continha 2 armadilhas (uma no solo e outra entre 1 e 2 m de altura) e na matriz somente uma no solo. As armadilhas utilizadas foram do tipo Tomahawk (45,0 x 16,0 x 16,0 cm) e Sherman pequenas (25,0 x 9,0 x 8,0 cm). As iscas foram feitas com uma mistura de banana, óleo de fígado de bacalhau (Emulsão de Scot), pasta de amendoim e fubá e, a cada dois dias, eram trocadas. As armadilhas eram colocadas ao anoitecer e checadas pela manhã, durante 5 noites mensais con- secutivas em 7 meses de amostragem para cada um dos ambientes, de abril de 2007 a março de 2008. O método utilizado foi captura-marcação-recaptura e os animais capturados foram identificados, marcados com brincos numerados (National Band & Tags Co.) e liberados no mesmo ponto de captura. Alguns indivíduos foram carioti- pados, taxidermizados e incorporados à coleção da Universidade Federal de Lavras. Aves: foram realizados dois tipos de levantamentos, o qualitativo e o quantitativo, tendo sido utilizado, neste segundo, o método de amostragem por pontos (Blondel et al., 1970; Vielliard e Silva, 1990). As observações foram realizadas três vezes por semana durante 5 meses do primeiro semestre do ano de 2005, contando com um total de 54 dias (196 horas) de trabalho de campo. Foram utilizados binóculos Nixon Action 8x40 mm e Tasco 8x21 mm entre as 5h – 8h. Adicionalmente, duas vezes por semana eram realizadas visitas no horário crepuscular entre 17h – 19h. A documentação das espécies foi feita através de fotografias e gravações em fitas K7. Nos 8 fragmentos encontrados Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 145 no sistema corredor-fragmento foram estabelecidos 64 pontos de observação (8 pontos em cada fragmento), sendo 4 pontos (equidistantes) nas bordas e 4 pontos (equidistan- tes) no interior de cada fragmento. Foram realizadas paradas de 10 minutos em cada ponto onde foram anotadas as datas das amostragens, horário, família, espécie, tipo de contato estabelecido (visual e/ou auditivo), número de contatos, comportamento (forrageio, voo, corte), local e outras observações gerais sobre a espécie em questão. Em diferentes secções do corredor de vegetação foram feitos caminhamentos, com paradas de 10 minutos em 8 pontos, para registro e fotografia de representantes de avifauna observados. A mesma metodologia foi adotada em 40 pontos da matriz de pastagem adjacente ao sistema fragmento-corredor. Árvores: nos 8 fragmentos encontrados no sistema corredor-fragmento, foi alocado, sistematicamente, um número de parcelas proporcionais ao tamanho da área de cada fragmento, totalizando 27 parcelas de 200 m2 (14,14 m x 14,14 m). As parcelas foram alocadas próximo ao curso d’água existente no interior de cada fragmento, na borda do mesmo e na área intermediária entre as duas situações, procurando abranger a máxima variação ambiental da área. Nas 5 secções de corredores do sistema corredor-fragmen- to, foram alocadas, aleatoriamente, 27 parcelas de 4 m de largura (média encontrada entre as larguras dos corredores) por 50 m de comprimento, correspondendo a uma área de 200 m2 por parcela, sendo respeitada a distância mínima de 10 m entre as parcelas. Todos os indivíduos com DAP (diâmetro a altura do peito = 1,30) ≥ 5 cm foram identificados e medidos quanto ao DAP e altura. Para o levantamento florístico foram utilizadas todas as espécies encontradas nas parcelas, acrescidas daquelas en- contradas por caminhamento aleatório ao longo dos corredores e fragmentos estudados. As espécies foram identificadas em campo, quando possível, ou foram coletadas para posterior identificação. Padrões de riqueza e composição de espécies no sistema Para os quatro grupos analisados o padrão de incremento da riqueza de espécies com o esforço amostral resultou em uma maior riqueza nos fragmentos florestais, seguidos dos corredores e matriz. Entretanto, para árvores o número final de espécies é equivalente nos fragmentos e no corredor. Os grupos aparentemente que mais discriminam entre os três ambientes no que diz respeito à riqueza de espécies foram mamíferos e aves. Em termos relativos, os corredores apresentaram grande diversidade de espécies para todos os grupos analisados, mesmo tendo uma estrutura linear e dimensões relativamente estreitas. Este fato provavelmente reflete uma combinação de efeitos históricos e ecológicos. Em termos históricos, os corredores em valos são estruturas antigas na paisagem agrícola regional (não é incomum encontrar valos com mais de 150 anos de idade) o que poderia contribuir para a colonização, e até mesmo espe- cialização, de espécies do pool regional. Em termos ecológicos, os valos apresentam uma peculiaridade microclimática sui generis associada ao fato de ser uma escavação na paisagem, o que permite a manutenção de um ambiente muito mais úmido que a Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 146 paisagem circundante, com menor incidência luminosa que uma cerca-viva normal e como potencial refúgio para animais com visão periférica de vigília antipredador muito desenvolvida. Figura 3 - Curvas de acumulação de espécies em função do número de indivíduos amostrados/ visualizados no sistema corredor/fragmento/matriz em Lavras – MG. Os padrões observados de riqueza são refletidos também no que diz respeito à com- posição específica das comunidades encontradas em cada componente do sistemaanalisado. Besouros de esterco Foram capturados 692 indivíduos de Scarabaeinae distribuídos em 46 espécies. Deste total, 150 indivíduos, pertencentes a 23 espécies, foram coletados nos corredores. Os fragmentos apresentaram a maior abundância absoluta, com 374 indivíduos e o maior número de espécies (25). Nas pastagens foram coletadas 19 espécies num total de 168 indivíduos. A espécie de Scarabaeinae mais abundante foi Canthidium sp. prox. trinodosum com um total de 70 indivíduos coletados, sendo a maioria capturada em fragmentos e nenhum indivíduo em pastagem, seguida pelo Dichotomius (Dichotomius) mormon, com 65 indivíduos coletados apenas em fragmentos, e por Eurysternus (Eurysternus) Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 147 prox. parallelus com 62 indivíduos, com abundância média maior em corredor (1,69) e ausente nas pastagens. Mamíferos No total foi feito um esforço de captura de 8.940 armadilhas-noite e capturado 317 indivíduos, o que perfaz um sucesso de captura de 8,7%. Foram registradas 11 espé- cies de pequenos mamíferos, sendo Akodon montensis capturado em todas as 3 áreas, Marmosops incanus e Nectomys squamipes exclusivos dos fragmentos e as demais espécies (Didelphis albiventris, Didelphis aurita, Gracilinanus microtarsus, Calomys sp., Cerradomys subflavus, Necromys lasiurus, Oligoryzomys nigripes e Rhipidomys sp.) presentes em pelo menos 2 das áreas. A espécie de pequeno mamífero mais abundante neste estudo foi Gracilinanus mi- crotarsus com um total de 73 indivíduos, sendo a maioria capturada nos fragmentos e corredores e poucos na matriz. Outra espécie abundante foi Calomys sp. com 61 indivíduos, sendo a grande maioria (89%) capturada na matriz. Akodon montensis foi capturado nas 3 áreas num total de 57 indivíduos, sendo somente 2 destes na matriz, e para a espécie Rhipidomys sp foi capturado 55 indivíduos e nenhum deles na matriz. Embora tenha havido certa variação da abundância das espécies de pequenos mamí- feros entre as áreas amostradas neste estudo, houve semelhança entre a estrutura das comunidades nos ambientes de corredor e fragmento e dissimilaridade destes com a matriz, o que pode estar relacionado ao fato de os corredores exercerem efetivamente o papel de “hábitat” para as espécies de pequenos mamíferos florestais e não apenas de local para trânsito. De forma complementar, a alta taxa de capturas e de recapturas nos corredores, bem como o tempo de permanência dos indivíduos (Mesquita, 2009), são bons indicativos de uso de corredores como hábitat pelas espécies de pequenos mamíferos. Bolger et al. (2001), avaliando o uso de faixas remanescentes de arbustos e áreas retilíneas revegetadas que conectam remanescentes florestais na Califórnia (EUA), verificaram que não houve diferença significativa na riqueza de espécies de pequenos mamíferos entre os corredores e os remanescentes florestais. É importante considerar que os “hedgerows” e “fencerows” dos países temperados se assemellham aos corredores de vegetação avaliados neste estudo em estrutura, mas diferem muito em termos de composição florística, sendo formados na maioria das vezes por apenas uma ou poucas espécies arbóreas ao passo que os corredores do sul de Minas Gerais possuem alta diversidade florística (Castro, 2004), o que certamente influi na dispo- nibilidade de recursos e abrigos para a fauna. Aves Foram registradas 179 espécies de aves pertencentes a 44 famílias. Por se tratar de uma região de transição entre biomas (Cerrado e Mata Atlântica) foram observadas espécies residentes e migratórias de ambos os biomas. Os mosaicos vegetacionais presentes na região parecem facilitar o deslocamento das aves, sendo dessa forma possível obser- Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.) 148 vá-las em diferentes frequências nos períodos reprodutivos e não reprodutivos. Do total de espécies registradas, 115 espécies são típicas de áreas abertas (64,10%), 64 espécies são florestais (35,90%), especialistas ou não (podem utilizar outros tipos de ambientes). O predomínio de certas famílias, como Tyrannidae (25 espécies) (14%), Emberezidae (14 espécies) (7,8%), Thraupidae (13 espécies) (7,2%) e Trochilidae (12 espécies) (6,7%), sugere a adaptação destas aos mosaicos vegetacionais. Das 38 espécies essencialmente florestais registradas, 15 (39,5%) utilizaram os corredores ecológicos para deslocamento entre os fragmentos. Representantes da família Trochilidae (Colibri serrirostris, Eupetonema macroura, Amazilia fimbriata e Chlorostilbon aureoventris) foram observados em diversos am- bientes, tendo preferência pelos ambientes de corredores e bordas de mata, locais com disponibilidade de galhadas para descanso e flores para alimentação. Estudos relacionando a importância de corredores ecológicos destacam que, quando estes são estreitos, há o favorecimento da movimentação de espécies de aves agressivas (generalistas), dificultando o deslocamento de espécies especializadas em ambientes florestais (Catterall et al., 1991). Árvores Foram registradas 168 espécies, distribuídas em 120 gêneros e 54 famílias. As famílias que mais contribuíram para o número de espécies foram Myrtaceae (18), Lauraceae (10), Fabaceae/Faboideae (9), Melastomataceae (8), Rubiaceae e Asteraceae (7), Mo- raceae e Annonaceae (6). As demais famílias totalizaram 97 espécies, tendo 19 delas apresentado apenas uma espécie. Em termos de composição florística (famílias e espécies), a área estudada caracterizou- se adequadamente como pertencente às florestas semidecíduas do sudeste (Oliveira- Filho e Fontes, 2000). Isto pode ser evidenciado pela presença de espécies como Cordia sellowiana, Machaerium villosum e Jacaranda macrantha. Algumas espécies típicas de cerrado também foram encontradas neste estudo, tais como Stryphnodendron ads- tringens e Rudgea viburnoides, conforme indicações de Oliveira-Filho e Ratter (2002). A espécie Clethra scabra, considerada representante das florestas Altimontanas, foi também uma das espécies encontradas no presente estudo. Espécies representantes das florestas Baixo-montanas também foram encontradas, tais como Hyeronima alchorneoides, Protium widgreni, Calyptranthes clusiifolia e Vismia brasiliensis. Além disso, foram encontradas espécies associadas à condição ripária, como Magnolia ovata, Calophyllum brasiliense, Endlicheria paniculata e Hyeronima alchorneoides, dentre outras. Estes resultados corroboram a afirmação de Oliveira- Filho et al. (1994) em considerar a região como fisionomia vegetal do tipo mosaico, com representações das mais variadas fitofisionomias. Considerando-se os resultados obtidos por Pereira (2003), em análise de 20 fragmen- tos da região do Alto Rio Grande, Minas Gerais, foram acrescentadas, neste estudo, sete novas espécies que ainda não possuíam referência no registro da flora regional: Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil 149 Geonoma pohliana, Erythroxylum daphnites, Senna rugosa, Rhodostemonodaphne ma- crocalyx, Byrsonima crassifolia, Byrsonima verbascifolia e Ouratea castaneifolia. Estes resultados evidenciam a particularidade deste tipo de ambiente ainda não amostrado e a importância de estudos desta natureza. O trabalho realizado mais próximo da área de estudo (aproximadamente a 7 km) foi o de Dalanesi (2003), na floresta do “Parque Florestal Quedas do Rio Bonito”, onde foram registradas 211 espécies, número este superior ao encontrado neste trabalho. Isto se deve ao esforço amostral diferenciado (2,4 ha, em relação a 1,08 deste estudo) e às variações nos gradientes topográficos ocorrentes no referido estudo de Dalanesi (2003). Do total de espécies encontradas, 21,46% são consideradas raras, conforme a classifi- cação de Martins (1991), ou seja, possuem apenas um indivíduo