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Oliveira JAGP 38 Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2012; 15(1): 38-41 Osteotomia mandibular subapical para correção de mordida cruzada Subapical mandibular osteotomy for correction of crossbite José Augusto gomes PereirA de oliveirA1 RELATO DE CASO RESUMO A osteotomia mandibular subapical é um procedimento de extrema versatilidade, relativa simplicidade e baixa mor- bidade, podendo ser empregada em casos selecionados nos quais a mecânica ortodôntica tem suas limitações, a despeito dos enormes avanços ocorridos nas técnicas e nos materiais utilizados, promovendo estética e função mais satisfatórias. Descritores: Osteotomia. Má oclusão. Cirurgia or- tognática. ABSTRACT The subapical mandibular osteotomy is a procedure of extreme versatility, relative simplicity and low morbidity, and can be used in selected cases in which the orthodontic me- chanics has its limitations, despite the enormous advances in techniques and materials used promoting aesthetics and function more satisfactory. Keywords: Osteotomy. Malocclusion. Orthognathic surgery. Correspondência: José Augusto Gomes Pereira de Oliveira Rua Silvino Lopes, 410 – Bairro Tambau – João Pessoa, PB, Brasil – CEP 58039-190 E-mail: draugustophd@hotmail.com 1. Professor Titular da Disciplina de Traumatologia Maxilofacial da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, PB, Brasil, Postdoctoral Research Fellow em Cirurgia Ortognática na University of Washington, Seattle, USA. Osteotomia mandibular subapical para correção de mordida cruzada 39 Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2012; 15(1): 38-41 INTRODUÇÃO As osteotomias segmentares na mandíbula fornecem o refinamento do contorno labial e a oclusão dentária em alguns casos nos quais somente a mecânica ortodôntica não é suficiente para a obtenção do resultado almejado. As osteotomias anteriores subapicais na mandíbula são indi- cadas para pacientes com acentuada curva reversa da oclusão, com espaço residual, perda de espaço na área de canino ou pré-molar ou, ainda, assimetria alveolar anterior. Por meio dessa técnica, podem-se corrigir os níveis de oclusão acentuados, produzindo mudanças anteroposteriores na posição anterior do alvéolo dental (removendo ou criando espaços), corrigir assi- metrias dentoalveolares anteriores, alterar a inclinação axial dos dentes anteriores, diminuir o tempo de tratamento e promover estabilidade no tratamento dentário1, além de promover movi- mentos de intrusão acima de 2 mm em pacientes adultos2. Segundo Capelozza Filho et al.3, a osteotomia de corpo e a osteotomia subapical pela técnica intrabucal são atualmente utilizadas nos casos em que se necessita de uma pequena redução do prognatismo mandibular, com a extração de dentes (molares ou pré-molares, bilateralmente) ou pelo consumo de um espaço protético existente. O objetivo deste artigo é demonstrar uma das indicações e a aplicabilidade da osteotomia mandibular subapical em um caso de mordida cruzada. RELATO DO CASO Paciente do gênero masculino, melanoderma, portador de desarmonia facial. Ao exame clínico apresentou posiciona- mento inadequado do lábio inferior (Figura 1), mordida cruzada anterior e dos pré-molares, lado esquerdo (Figuras 2 a 4). Na análise de perfil, observou-se um perfil côncavo e, na análise frontal, desvio do segmento afetado para o lado esquerdo. O paciente referiu como queixa principal não o aspecto esté- tico, mas sim a dificuldade mastigatória. Uma vez o tratamento ortodôntico pré-cirúrgico finalizado, foi realizada a cirurgia de modelos, sem, no entanto, realizarmos a confecção de guia cirúrgico, pois a intercuspidação dos elementos dentários demonstrou ser possível o descarte desse recurso. O procedimento cirúrgico constou de: 1) incisão e divulsão em dois planos, inicialmente no plano mucoso e, posteriormente, no periósteo, apro- ximadamente 3 mm abaixo da junção mucogengival, evitando assim estresse e possível deiscência da ferida, entre os segundos molares, bilateralmente (Figura 5), e exodontia do elemento dentário 44; 2) ostectomia vertical no local do elemento avulsionado para a criação de um gap cirúrgico que promovesse a mobilização do segmento osteotomizado para o lado direito, harmonizando a oclusão dentária (Figura 6), osteotomia vertical do lado esquerdo, na distal do elemento dentário 35, e osteotomia subapical interligando as osteotomias verticais; 3) mobilização do segmento osteotomizado e bloqueio maxilomandibular transcirúrgico (Figura 7); 4) fixação interna rígida por meio de miniplacas para a estabilização do bloco segmentado; 5) descarte do bloqueio maxilomandibular e checagem da oclusão cêntrica (Figura 8); 6) síntese do retalho mucoperiósteo; 7) bandagem compressiva mentoniana para minimi- zação do edema pós-operatório. No pós-operatório imediato, notou-se considerável melhora no posicionamento do lábio inferior, em decorrência da dimi- nuição do gap interlabial, acarretando satisfatório resultado cosmético. Figura 1 – Perfil direito do paciente mostrando posicionamento inadequado do lábio inferior. Figura 2 – Vista frontal da oclusão dentária, onde se observa desvio dos dentes anteriores inferiores para o lado esquerdo, bem como do frênulo labial inferior. Figura 3 – Vista da oclusão dentária, lado direito, mostrando o overjet negativo. Oliveira JAGP 40 Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2012; 15(1): 38-41 DISCUSSÃO No caso relatado no presente estudo, algumas mudanças positivas encontradas por nós nos perfis de tecidos moles e duros são similares às encontradas por Speidel et al.4, sendo elas: postura do lábio mais relaxada, como revelado pelo comprimento do vermelhão do lábio inferior diminuído, sulco labial inferior mais côncavo e os vermelhões labiais superior e inferior movidos mais para posterior em relação ao plano facial inferior. Em contrapartida, existem estudos que demonstram que as desvantagens do procedimento mandibular subapical incluem a neuropraxia, a possibilidade de defeito periodontal associado à osteotomia interdental e o fato de que a técnica não é sempre útil em pacientes com incisivos inferiores pró inclinados5. Cheung & Lo6, em um estudo retrospectivo, observaram que 61% dos pacientes relataram recuperação neurosensorial Figura 4 – Vista da oclusão dentária, lado esquerdo, demonstrando a mordida cruzada. Figura 7 – Osteotomias subapical e verticais do segmento já mobilizado e bloqueio transcirúrgico para o correto posicionamento da oclusão dentária. Figura 5 – Divulsão do retalho mucoperiósteo realizada em dois planos para evitar deiscência. Figura 8 – Osteossínteses com miniplacas para estabilização do segmento osteotomizado. Figura 6 – Exodontia do elemento dentário 44 e ostectomia vertical para a criação de um gap cirúrgico. Osteotomia mandibular subapical para correção de mordida cruzada 41 Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2012; 15(1): 38-41 Trabalho realizado na Disciplina de Traumatologia Maxilofacial da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, PB, Brasil. Artigo recebido: 27/11/2011 Artigo aceito: 28/12/2011 dentro de 3 meses. Esses autores confrontaram seus resultados com os de Guernsey & DeChamplain7, que sugeriram que a neuropatia temporária foi resultante da tração sobre o nervo mentual, para a sua proteção durante a cirurgia, mais do que um dano à integridade do nervo. Schultes et al.8 relataram que 51 de 74 pacientes subme- tidos a osteotomias segmentares mandibulares apresentaram defeitos ósseos ou dentes perdidos. Os problemas perio- dontais são provavelmente relacionados ao manejo dos tecidos moles durante a cirurgia. Uma divulsão ampla dos tecidos moles no local da osteotomia interdental é capaz de maximizar a vascularização dos sítios periodontaisenvol- vidos6. No presente caso, não observamos tais alterações. Acreditamos que uma técnica minuciosa, o mais atraumática possível, reduz sobremaneira alterações como a neuropraxia, bem como defeitos periodontais, pela manipulação cuida- dosa dos tecidos duros e moles. Outra complicação das osteotomias segmentares da mandíbula que pode ocorrer é a significativa diminuição do fluxo sanguíneo, especialmente na polpa dental, gerando alguma necrose na maioria dos dentes, além de problemas periodontais, os quais diminuem relativamente quando os cortes verticais são realizados em áreas desdentadas, e possui como vantagem a estabilidade, uma vez que forças mínimas do tecido mole são aplicadas nesta área9. É importante que a osteotomia horizontal seja executada em torno de 5-7 mm abaixo dos ápices dos caninos para evitar desvitalização dos dentes, bem como pequenos ajustes ósseos devem ser aplicados na mandíbula e não no segmento osteotomizado, prevenindo assim lesões às raízes dentárias e problemas periodontais. O significativo potencial de mudanças pulpares degene- rativas e a necessidade de controles radiográficos de rotina após cirurgias mandibulares dentoalveolares, sejam anteriores ou posteriores, são discutidas e devem ser levadas em alta consideração10. CONSIDERAÇÕES FINAIS A osteotomia mandibular subapical é um procedimento de extrema versatilidade, relativa simplicidade e baixa morbi- dade11, podendo ser empregada em casos selecionados nos quais a mecânica ortodôntica tem suas limitações, a despeito dos enormes avanços ocorridos nas técnicas e nos materiais utilizados, promovendo estética e função mais satisfatórias. REFERÊNCIAS 1. Wolford LM, Moenning JE. Diagnosis and treatment planning for mandibular subapical osteotomies with new surgical modifications. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1989;68(5):541-50. 2. Handelman CS. The anterior alveolus: its important in limiting orth- odontic treatment and its influence on the occurrence of iatrogenic sequelae. Angle Orthod. 1996;66(2):95-109. 3. Capelozza Filho L, Suguimoto RM, Mazzottini R. Tratamento ortodôntico-cirúrgico do prognatismo mandibular: comentários através de um caso clínico. Ortodontia. 1990;23(3):48-60. 4. Speidel TM, Marine KM, Worms FW. Soft tissue changes associated with mandibular subapical osteotomy. Angle Orthod. 1979;49(1):56-64. 5. Sarver D. The role of orthodontics in the surgical treatment of ob- structive sleep apnea. Disponível em: http://orthocj.com/1999/12/ orthodontics-surgical-treatment-sleep-apnea/. The Orthodontic CYBERjournal. Postado em 06 de dezembro de 1999. 6. Cheung LK, Lo J. The long-term clinical morbidity of mandibular step osteotomy. Int J Adult Orthod Orthognath Surg. 2002;17(4):283-90. 7. Guernsey L, DeChamplain RW. Sequelae and complications of the intraoral sagittal osteotomy in the mandibular rami. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1971;32(2):176-92. 8. Schultes G, Gaggl A, Kärcher H. Periodontal disease associated with interdental osteotomies after orthognathic surgery. J Oral Maxillofac Surg. 1998;56(4):414-7. 9. Miloro M, Ghali GE, Larsen P, Waite PD. In: Peterson’s principles of oral and maxillofacial surgery. 2nd ed. New York: BC Decker; 2004. 10. Scheideman GB, Kawamura H, Finn RA, Bell WH. Wound healing after anterior and posterior subapical osteotomy. J Oral Maxillofac Surg. 1985;43(6):408-16. 11. Pedersen GW. The versatility of mandibular subapical procedures. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1973;35(4):448-61.