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CENTRO DE CIÊNCIAS RURAIS CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA Anatomia Animal TOPOGRÁFICA APLICADA PROF. DR. MED. VET. MALCON ANDREI MARTINEZ PEREIRA CURITIBANOS 2018 SUMÁRIO 1. REVISANDO CONCEITOS ................................................................................................................................ 1 CONCEITOS BÁSICOS & MÉTODOS DE ESTUDO ...................................................................................... 1 TERMINOLOGIA ANATÔMICA GERAL & ESPECIAL................................................................................... 2 PLANOS & EIXOS DE CONSTRUÇÃO, DELIMITAÇÃO & SECÇÃO ................................................................. 3 TERMOS DE SITUAÇÃO, POSIÇÃO & DIREÇÃO ....................................................................................... 4 PRINCÍPIOS GERAIS DE CONSTRUÇÃO DO CORPO DOS VERTEBRADOS ........................................................ 5 FATORES DE VARIAÇÃO ANATÔMICA ................................................................................................... 7 2. ANATOMIA ANIMAL APLICADA ..................................................................................................................... 9 CONTEXTO ANATOMIA ANIMAL APLICADA ........................................................................................... 9 ASPECTOS APLICADOS DA CONSTRUÇÃO DO COPRPO DOS VERTEBRADOS ................................................ 10 3. GENERALIDADES CONSTITUINTES REGIÕES CORPORAIS ............................................................................. 17 CAMADAS & REGIÕES SUPERFICIAIS .................................................................................................. 17 SINTOPIA GERAL DOS ÓRGÃOS ......................................................................................................... 20 FATORES DE ESTÁTICA VISCERAL ....................................................................................................... 29 ESQUELETOPIA E TOPOLOGIA VISCERAL ............................................................................................. 34 4. TIPOS CONSTITUCIONAIS EM MEDICINA VETERINÁRIA ................................................................................ 39 GENERALIDADES E CONCEITOS ......................................................................................................... 39 CLASSIFICAÇÃO TIPOS CONSTITUCIONAIS ........................................................................................... 45 HARMONIA DE CONFORMAÇÃO OU CONSTRUÇÃO ............................................................................... 46 5. TÓPICOS EM BIOMECÂNICA ........................................................................................................................ 49 GENERALIDADES E CONCEITOS ......................................................................................................... 49 ALINHAMENTOS ANATÔMICOS ......................................................................................................... 50 MECÂNICA DA COLUNA VERTEBRAL .................................................................................................. 59 MECÂNICA DO TÓRAX .................................................................................................................... 63 MECÂNICA DOS MEMBROS TOORÁCICO E PÉLVICO .............................................................................. 68 PELVILOGIA & PELVIMETRIA ............................................................................................................ 77 CINEMÁTICA DO MOVIMENTO ......................................................................................................... 85 6. REGIÕES INTERESSE CLÍNICO-CIRÚRGICO .................................................................................................... 94 REGIÕES CORPORAIS ...................................................................................................................... 94 APLICAÇÕES PRÁTICAS DOS MÉTODOS DE ESTUDO .............................................................................. 95 DISSECAÇÃO DA CABEÇA: REGIÕES FACIAL, PARÓTIDO-AURICULAR & INTERMANDIBULAR ........................ 97 DISSECAÇÃO DA REGIÃO CERVICAL VISTAS VENTRAL E LATERAL ............................................................. 99 DISSECAÇÃO DA PAREDE TORÁCICA & SIMULAÇÃO DE AMPUTAÇÃO DO MEMBRO TORÁCICO .................. 101 DISSECAÇÃO DA CAVIDADE TORÁCICA & MEDIASTINOS CRANIAL, MÉDIO E CAUDAL ............................... 103 DISSECAÇÃO DA BAINHA DO MÚSCULO RETO DO ABDOME, CAVIDADES ABDOMINAL E PÉLVICA .............. 105 DISSECAÇÃO DO MEMBRO TORÁCICO ............................................................................................. 107 DISSECAÇÃO DO MEMBRO PÉLVICO: REGIÕES GLÚTEA, PERINEO-INGUINAL, FEMORAL & CRURAL ............ 109 DISSECAÇÃO DO MEMBRO PÉLVICO: REGIÕES INGUINAL, FEMORAL & CRURAL MEDIAIS ......................... 112 7. TÓPICOS EM ANATOMIA DAS AVES .......................................................................................................... 113 8. REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 140 1. Revisando Conceitos CONCEITOS BÁSICOS & MÉTODOS DE ESTUDO A anatomia é o ramo das Ciências Biológicas que versa sobre o estudo das partes ou componentes que formam o ser vivo. Desta forma considera-se como ser vivo, não somente os animais, mas também os vegetais que constituem o objeto de estudo da anatomia vegetal. Em se tratando de um espectro mais restrito ao âmbito das Ciências Veterinárias, pode-se afirmar que a anatomia é uma das disciplinas responsáveis pelo alicerce do futuro Médico Veterinário, exercendo influência direta e indireta sob os diversos ramos profissionais que cercam o acadêmico. Neste contexto, podem ser distinguidas várias anatomias ou várias vertentes no estudo da anatomia animal. O estudo dos componentes do corpo de um indivíduo sadio é o pilar inicial da iniciação de um futuro profissional. Esta vertente constitui-se como o objeto de estudo da anatomia, dita, normal, que pode ser subdividida contemplando os aspectos macro ou microscópicos da construção do corpo dos vertebrados. Dentro deste contexto, também, tem grande relevância a anatomia do desenvolvimento ou embriológica. Considerando-se somente a divisão macroscópica da anatomia, destacam-se: Anatomia organológica: que estuda cada órgão que compõem o indivíduo, considerando os aspectos únicos de cada um destes, (i.e. a identificação entre as diferentes porções do intestino delgado); Anatomia sistêmica: que compreende o estudo dos sistemas orgânicos considerados separadamente (i.e. o estudo da organização do sistema digestório); Anatomia comparada: que permite tecer parâmetros entre uma ou mais espécies, e/ou entre indivíduos de uma mesma espécie, raça ou de sexos diferentes (i.e as variações na organização do sistema digestório observadas em herbívoros e carnívoros); Anatomia aplicada: são estudos voltados diretamente à uma área correlata de conhecimento ou que forneça um subsídio direto para outra área, através dos chamados parâmetros da anatomia normal (i.e. o estudo da anatomia voltado à clínica ou cirurgia Veterinária); Anatomia por imagens: estuda o corpo dos indivíduos através da utilização de técnicas de diagnóstico por imagem, inicialmente por meio de radiografias e atualmente através de ultrassonografias, tomografias computadorizadas ou ressonâncias magnéticas (i.e. a visualização de órgãos e a confirmação de gestação por ultrassonografia) Ainda, poderiamser descritas inúmeras outras formas para a aplicação do estudo da anatomia. Nestas estariam incluídas as anatomias: patológica, artística, antropológica e constitucional. Em um segundo momento possam, e devem, ser contempladas as miscigenações entre os tipos de anatomia já anteriormente descritos. Esta abordagem garante uma visão holística dos conteúdos contemplados nesta área do conhecimento, facilitando o entendimento sobre a organização do corpo dos indivíduos. Com base neste contexto, propõem-se o estudo de uma anatomia que englobe aspectos microscópicos, Revisnado Conceitos 2 organológicos, sistêmicos e topográficos com o intuito de propiciar aos estudantes o melhor entendimento sobre a construção do organismo dos animais domésticos. Para melhor compreensão do conteúdo, visando a sua aplicabilidade, foram desenvolvidos métodos de abordagem prática, que auxiliam a aguçar tanto a motricidade quanto a sensibilidade tátil, visual ou auditiva dos estudantes. O método mais utilizado em anatomia chama-se dissecação e consiste no estudo em cadáveres frescos ou conservados por fixação, com o auxílio de instrumental cirúrgico, na qual o acadêmico tem a possibilidade de retirar ou separar partes ou porções dos cadáveres. Dentro da dissecação são enumerados alguns meios para a sua realização, que são: incisão (corte nos tecidos moles, realizado por instrumento de lâmina cortante – bisturi, bisturi elétrico, faca, escalpelo e cefalótomo); secção (corte com tesouras, retas ou curvas, bistuir elétrico, costótomo ou serra); divulsão (ato de separar estruturas anatômicas através do uso de pinças, tesouras, tentacânulas e afastadores) e punção (ato de perfurar com agulha ou trocater). A observação visual, que permite reconhecer aspectos da morfologia externa do animal, constitui a inspeção, enquanto que a exploração tátil das estruturas superficiais e profundas que permitem identificar forma, consistência e tamanho são constatadas através da palpação. Já a variação sonora produzida pelo funcionamento normal ou não de um órgão é localizada através da auscultação. Outro método que considera a emissão de sons é a percussão, que caracteriza-se pela variação do som produzido a partir do batimento dos dígitos ou de um instrumento, sobre a superfície corpórea, onde localiza-se um determinado órgão. A coleta de dados numéricos ou não, que visam estabelecer parâmetros e/ou proporções corpóreas constituem a mensuração. Por fim, mas não menos importantes estão os métodos de imagem, que são meios que auxiliam no estudo em animais vivos e com isso permitir a interação entre a anatomia e o diagnóstico clínico-cirurgico. TERMINOLOGIA ANATÔMICA GERAL & ESPECIAL Este capítulo da anatomia destina-se ao embasamento da linguagem técnica aplicada durante o estudo dos conteúdos contemplados. Diferente do homem, a maioria dos animais domésticos encontra-se apoiado sobre quatro colunas de sustentação (membros torácico e pélvico). Isto faz com que estes assumam uma posição quadrupedal ou, também chamada de estação ou, ainda, posição anatômica. A perfeita posição anatômica é aquela na qual a face solear dos quatro membros encontra-se apoiada sob uma superfície plana ou no solo. Os membros devem estar dispostos paralelamente aos pares, ou seja, ambos os membros torácicos paralelos entre si, bem como os pélvicos, na qual ainda possa ser observada uma distância igualitária entre o membro torácico e pélvico homólogos (Fig. 1). A terminologia anatômica geral refere-se aos termos que designam regiões ou partes do corpo do animal, planos e eixos, que delimitam ou que podem auxiliar na sua secção durante o estudo. Já a terminologia anatômica especial refere-se às milhares de designações atribuídas a cada uma das estruturas anatômicas encontradas, bem como a cada uma de suas partes (i.e. no pulmão são observados os lobos pulmonares cranial e caudal). Revisnado Conceitos 3 PLANOS & EIXOS DE CONSTRUÇÃO, DELIMITAÇÃO & SECÇÃO Didaticamente quando se observa o animal na sua posição anatômica, este pode ser imaginado como se estivesse no interior de um paralelepípedo (figura geométrica que possui paralelogramos constituindo sua forma prismática, Fig. 1). Cada uma destas irá constituir um plano de delimitação, que correspondem a: a face adjacente à cabeça fornece o plano cranial, enquanto o que tangencia a cauda constitui o plano caudal. A base do paralelepípedo corresponde ao plano ventral e a sua face oposta, que mantém contato com a linha dorsal do animal o plano dorsal. As faces restantes delimitam os planos laterais, sendo um direito e outro esquerdo. Demarcando o ponto central de dois planos opostos e procedendo-se com a união destes, têm-se a formação de uma reta, que anatomicamente é denominada de eixo. Assim, a união entre os pontos médios dos planos cranial e caudal constituirá o eixo crânio-caudal, realizando o mesmo processo obtêm-se os eixos dorso- ventral e látero-lateral (Fig. 2). A constituição dos planos e eixos permite que sejam inferidos planos de secção, que configuram cortes convencionais do corpo, facilitando sua divisão didática. Considerando o eixo crânio-caudal, o corpo dos animais pode ser dividido em duas metades iguais, uma direita e outra esquerda, por uma linha imaginária denominada de plano longitudinal mediano, por passar exatamente no meio do corpo dos animais. Os planos traçados paralelamente ao anterior recebem a designação de planos paramedianos. O corte verticalizado sobre o eixo crânio-caudal constituirá o plano transversal que dividirá o corpo do animal em duas metades, uma cranial e outra caudal. Entretanto, para os membros este plano deverá ser deslocado de forma a cortar o eixo maior (vertical) destes, configurando uma extremidade mais próxima e outra mais distante do tronco do animal. Um terceiro plano dispõe-se paralelamente ao eixo dorso-ventral sendo chamado de plano horizontal, enquanto que os cortes que correm paralelamente, porém distantes, ao plano mediano são denominados sagitais. Fig. 1 Posição anatômica e planos de delimitação. Revisnado Conceitos 4 Fig. 2 Planos e eixos de construção, delimitação e secção. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. TERMOS DE SITUAÇÃO, POSIÇÃO & DIREÇÃO Os supracitados planos e eixos constituem referências ou coordenadas que possibilitam indicar a situação (sede ou localização), posição (determinando referências) e direção (orientação nos dois sentidos do eixo maior) das estruturas do corpo do animal, através da aplicação dos seguintes termos (Fig. 3): cranial (para uma estrutura que se encontra mais próximo ou em direção a cabeça, sendo mais utilizado para o tronco; enquanto que estruturas localizadas na cabeça são designadas através dos termos rostral – direcionada ou próximo ao nariz; oral – direcionada ou próximo da boca); caudal (direcionado para a cauda, sendo mais aplicado a estruturas do tronco e cabeça); dorsal (em direção a linha do dorso para estruturas localizadas no tronco, para aquelas localizadas nos membros a partir das regiões cárpica e társica em substituição ao termo cranial, e na cabeça é trocado pelo termo superior); ventral (para as estruturas que encontram-se próximas ao abdômen, sendo que na cabeça é substituído pelo termo inferior); medial (quando localizadas próximas ao plano mediano); lateral (quando distanciadas do plano mediano) e intermédio (quando localizada entre estruturas dispostas lateral e medialmente). Algumas regiões apresentam uma terminologia um pouco diferenciada, como é o caso da face caudal dos membros torácico e pélvico, que a partir das regiões cárpica e társica, passaa ser designado pelos termos palmar e plantar, respectivamente. Também nos membros são descritas estruturas localizadas mais próximas ou mais distantes do tronco, sendo atribuídas a estas os termos proximal e distal, respectivamente. E, ainda nos membros, na região Revisnado Conceitos 5 digital têm-se os termos axial (direcionada ao eixo do dígito) e abaxial (afastada do eixo do dígito). Para os segmentos corpóreos e os órgãos cavitários aplicam-se os termos superficial, profundo, externo e interno. Fig.3 Termos de situação, posição e direção. FONTE: Dyce K M, Sack WO, Wensing CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Saunders-Elsevier, Rio de Janeiro, 4 ed, 2010. A aplicação dos termos, descritos nesta unidade, permite que sejam utilizadas unidades de referência entre estruturas. Estas são aplicadas quando da necessidade de se inferir a relação: de cada órgão com o corpo como um todo (holotopia); de um órgão com seus vizinhos imediatos (sintopia); de cada órgão com o esqueleto (esqueletopia), facilitando a determinação de sua localização em um animal vivo; de partes de um órgão com o seu todo (idiotopia) ou entre os diversos tecidos que compõem um órgão (histiotopia). PRINCÍPIOS GERAIS DE CONSTRUÇÃO DO CORPO DOS VERTEBRADOS Em qualquer nível de organização macroscópica e/ou microscópica, observa-se que a composição de um órgão ou tecido está intimamente relacionada às funções que estes exercem no organismo. Contudo, é inerente ressaltar que a forma adapta-se aos diversos estágios fisiológicos, o que permite observar o aspecto dinâmico desta relação. Com isso, a análise do corpo dos vertebrados permite inferir que estes são constituídos de diversas estruturas de natureza distintas, que se unem para formar as unidades morfológicas. A separação destas unidades ocorre à custa dos eixos de construção, através da sobreposição Revisnado Conceitos 6 de um sobre o outro. O corpo dos animais obedece a princípios de construção, que constituem-se através da repetição de estruturas sobrepostas ou dispostas seqüencialmente na qual podem ser descritos os seguintes princípios: ANTIMERIA Originados a partir do deslocamento do eixo dorso-ventral ao longo do eixo crânio-caudal, constituindo duas unidades morfológicas de construção que são homólogas, denominadas de antímeros e que aparentemente são iguais (Fig. 4). Contudo, esta simetria tende a ser menos acentuada conforme a progressão filogenética (modificações evolutivas ou história ancestral) e ontogenética (desenvolvimento total do indivíduo). Isto permite observar, nos vertebrados, a existência de uma simetria externa ou de massa, que se revela de forma aparente, e uma simetria interna ou de construção, que na verdade configura uma assimetria interna. Entretanto, o organismo tenta compensar esta discordância fazendo com que à medida que aumenta a assimetria interna ocorre a acentuação da simetria externa. Este mecanismo compensatório é melhor observado no aparelho locomotor, onde faz-se necessário o equilíbrio entre a constituição e a locomoção do animal, todavia sempre persistirá a assimetria externa. Fig. 4 Antímeros direito e esquerdo. METAMERIA Estas unidades morfológicas de construção homólogas são originadas da sobreposição do eixo dorso-ventral ao longo do eixo látero- lateral, que se sucedem acompanhando o eixo maior do animal, sendo separadas individualmente por planos transversais paralelos e consecutivos, denominados metâmeros. Em animais primitivos, como os Annelidae, os segmentos são quase todos semelhantes. Nos animais domésticos é melhor identificável na região cervical e tronco, contudo durante as fases iniciais do desenvolvimento embrionário são mais evidentes, caracterizando a imperfeição destas unidades. Nos vertebrados a metameria não significa uma sucessão longitudinal de segmentos morfológicos equivalentes, mas a disposição serial de partes dos sistemas orgânicos. Fig.5 Sequencia de metâmeros. Revisnado Conceitos 7 PAQUIMERIA Unidades morfológicas heterólogas, que dividem o corpo dos animais em duas metades desiguais chamadas de paquímeros (Fig. 6). Estas originam-se através da sobreposição do eixo látero- lateral sobre o eixo crânio- caudal, traçando, assim, um plano horizontal. Outra denominação sugerida a paquimeria é de princípio da tubulação, que se justifica devido à porção axial do corpo apresentar dois tubos longitudinais, que correspondem a: tubo dorsal ou neural, pois aloja o neuroeixo e apresenta maior amplitude na extremidade cranial; e o tubo ventral ou esplâncnico, que abriga a massa visceral e sua maior amplitude encontra-se na extremidade caudal. ESTRATIGRAFIA Refere-se ao tipo de construção do corpo e de suas partes, desde o nível macroscópico até o celular, onde as estruturas se dispõem de forma concêntrica constituindo camadas, estratos, telas ou túnicas de um mesmo ou de diferentes tipos teciduais, que ao se unirem compõem os órgãos, sistemas e aparelhos. POLARIDADE Permite que sejam identificados dois pólos contrastantes na construção dos vertebrados, um polo cranial, que aloja a região cefálica, portanto mais desenvolvido, e outro polo caudal, que corresponde as vértebras coccígenas, menos desenvolvido. SEGMENTAÇÃO Baseia-se na distribuição dos elementos vásculo-nervosos, e quando presentes, os ductos, canalículos e túbulos relacionados a funcionalidade dos órgãos. Em suma, significa o arranjo do corpo dos vertebrados sob a forma de segmentos ou partes, que correspondem a territórios independentes no parênquima dos órgãos, que por esta razão podem ser separados das demais porções destes. Fig.6 Paquímeros dorsal ou neural (amarelo) e ventral ou esplâncnico. Revisnado Conceitos 8 FATORES DE VARIAÇÃO ANATÔMICA Em anatomia o conceito de normalidade pode ser diferenciado sob alguns aspectos: uma estrutura mais freqüente estatisticamente ou aquela mais adequada para uma determinada atividade fisiológica ou, ainda, o indicativo de uma seleção natural. O normal constitui um conceito de regularidade, enquanto que os desvios do padrão morfológico são considerados como variações, que podem se apresentar sob a forma de um aumento ou diminuição ou, ainda, redução de partes ou uma modificação no formato. Entretanto, deve- se distinguir entre a modificação de uma forma (normal) e a alteração desta (patológica). A variabilidade dentro das espécies é o parâmetro principal para o estudo de anatomia, apresentando uma grande diferenciação entre os indivíduos, exercendo influência direta sobre a holotopia, sintopia, idiotopia e histiotopia, mas mantendo as estruturas normais de forma constante. Dentro deste grupo devem ser citados o destarte (ocasião em que se tem dificuldade em determinar o padrão típico) e a raridade (quando um padrão ocorre em uma pequena parcela da população sem apresentar significância). Um grande desvio do padrão normal é chamado de anomalia, geralmente ocasionada por uma alteração ou depreciação da função. Uma anomalia grave incompatível com a vida é denominada monstruosidade, sendo estudadas na teratologia. Os fatores gerais de variação incluem a idade, sexo, raça, biótipo, evolução, fatores nutricionais, estado e adaptação funcional. A idade constitui, não somente, as diferenças entre um animal recém-nascido e um adulto, mas também as modificações que um organismo sofre durante toda a sua vida. Algumas variações decorrentes da idade são bem conhecidas e muito evidentes. O dimorfismo sexual é reconhecível em todas as espécies, onde caracteres e diferençassexuais secundárias estão presentes em outros órgãos, além das observadas no aparelho urogenital. Genericamente, raça é o conjunto de indivíduos com caracteres semelhantes, tanto morfológica quanto fisiologicamente. Todavia, é necessário salientar que dentro deste parâmetro não são consideradas as variações individuais, mas o conjunto onde são agrupadas a maior parte dos caracteres considerados. O biótipo refere-se às características pertinentes aos atributos físicos do corpo, considerando sua proporcionalidade e as tendências do indivíduo. A construção física do corpo é determinada pela herança genética (genótipo) e através da influência exercida pelo meio ambiente sobre este, o que irá constituir o fenótipo. Contudo, as espécies passaram por muitas modificações durante séculos de existência. A necessidade de adaptação frente à oferta de alimento, as influências exercidas pelas variações geoclimatológicas, a necessidade de defesa ou de demarcação do território, a presença do homem e a domesticação determinaram a modificação gradual e, em muitos casos, permanente de muitas características. 2. Anatomia Animal Aplicada CONTEXTO DA ANATOMIA APLICADA No estudo da Anatomia Animal Aplicada são consideradas as relações gerais dos órgãos que constituem cada região do corpo dos vertebrados, com especial atenção aos vertebrados domésticos. Neste sentido, difere-se das Anatomias Sistêmica e Descritiva por considerar as peculiaridades presentes nas relações entre as partes ou porções dos sistemas orgânicos que constituem cada região do corpo. Nesta modalidade de estudo, destaca-se o caráter aplicativo dos conhecimentos anatômicos por permitir relacionar a constituição normal do indivíduo com alterações observadas na patologia ou na clínica médica. Desta forma ela oferece subsídios importantes para que o Médico Veterinário possa estudar os métodos de exame clínico e pesquisar os sintomas que permitem estabelecer o diagnóstico e o prognóstico de uma doença (Semiologia), bem como na prática de uma perfeita intervenção cirúrgica. Com isso, torna-se mais pertinente denominá-la Anatomia Aplicada e não somente Anatomia Topográfica, pois esta modalidade fornece informações que extrapolam o cunho puramente topográfico, mas também dados anatômicos que possuam aplicação prática na Medicina Veterinária. Apesar de possuir um cunho essencialmente prático, a Anatomia Aplicada não pode deixar de considerar alguns fatores que interferem no estudo das regiões corporais do animal, tais como: sexo (a distribuição de tecido adiposo é diferenciada entre o macho e a fêmea em determinadas regiões); faixa etária (a transcorrência da idade nos animais determina modificações que passam pelo grande volume hepático no neonato e a involução do timo, que no animal adulto pode ser vestigial); espécie e raça (as espécies domésticas apresentam peculiaridades que ultrapassam as diferenças externas, onde pode-se observar a topografia da medula espinal cujo ápice se encontra no nível de L6-7 no cão, S1 nos ruminantes, S1-2 no suíno; S2 no equino e L7 ou S3 no gato); tipo morfológico (manifestação da constituição feno-genotípica do animal, maiores considerações serão abordadas em capítulo específico) e variações e anomalias anatômicas (são observadas em decorrência de distúrbios hereditários e/ou embriológicos que imprimem modificações no arranjo das estruturas anatômicas de uma região e que podem culminar em alterações funcionais e topográficas). Ainda, é importante considerar fatores inerentes à individualidade de cada ser vivo, bem como outros que estão vinculados aos estados fisiológico (diferenças entre uma fêmea nulípara e uma multípara) e nutricional ou as modificações impostas na adaptação funcional (um equino esportista frente um de passeio) ou nos estados patológicos (aumento de volume de um órgão, como o que ocorre no baço na esplenomegalia). Assim, pode-se verificar que seu estudo está embasado no conhecimento prévio das relações de holotopia, sintopia, esqueletopia, idiotopia e histiotopia que norteiam a construção do corpo dos vertebrados. Contudo, estes obedecem, essencialmente, aos planos de construção do corpo dos vertebrados, que são a antimeria, a metameria, a Anatomia Animal Aplicada 10 paquimeria e estratigrafia. Estas relações podem ser determinadas por meio da dissecação, contudo outros métodos para a exploração ou estudo da anatomia podem ser utilizados, tais como a inspeção (que pode ser externa, também denominada ectoscopia, ou interna, também chamada endoscopia); palpação; percussão e auscultação (que considera as áreas de projeção topográfica dos órgãos nas paredes corpóreas); mensuração e imaginologia (utilizando os métodos de diagnóstico por imagem para determinar alterações ou o posicionamento dos órgãos). ASPECTOS APLICADOS DA CONSTRUÇÃO DO CORPO DOS VERTEBRADOS A antimeria revela variações sutis (mais observadas externamente) ou acentuadas (predominância no interior do corpo), que traduzem assimetrias normais (externas e internas: tamanho (dimensões do ovário e testículo direito são ligeiramente maiores que no lado esquerdo; forma (forma diferente do pulmão direito e esquerdo); posição (os rins direito e esquerdo estão em posição diferentes) e forma e posição (rins direito e esquerdo do equino). Nos órgãos ímpares observam-se sempre as assimetrias normais de posição e tamanho associadas. Estas assimetrias são determinadas por crescimento desigual ou independência entre órgãos pares, e por deslocamentos ou interdependências entre órgãos ímpares) e assimetrias anormais (quando se observa uma perturbação na assimetria normal, principalmente relativo à forma e posição, podendo ser uma inversão morfológica (alteração da forma) ou uma distopia (alterações de posição, que são transposição (parada no deslocamento normal do órgão, i.e. alça intestinal), inversão (deslocamento no sentido inverso, i.e. alça intestinal) e assimetria interna total (onde o órgão desloca-se para o antímero oposto, formando uma imagem especular ou situs viscerum inversus)). As assimetrias mais marcantes são aquelas observadas na face (a linha que passa entre as fendas palpebrais não é paralela a que passa pelas comissuras labiais, no entanto elas são mais divergentes no lado direito da face, por este ser ligeiramente maior que o esquerdo); nos membros (a assimetria é cruzada, o membro torácico direito é mais desenvolvido, enquanto que no pélvico o esquerdo é mais desenvolvido); tronco (quando visto cranialmente predomina o antímero direito, no entanto dorsalmente predomina o direito); cornos (estão inseridos em linhas diferentes); cavidades orbitárias e biomecânicas (ocorrem deslocamentos diferentes entre os membros de um lado em relação com o outro e contralateralmente). Como resultado, pode-se observar a predominância de um antímero sobre o outro no desempenho de atividades cotidianas, como a locomoção. A metameria na construção do corpo dos vertebrados não representa uma sucessão longitudinal de segmentos morfológicos equivalentes, mas somente a disposição seriada dos diferentes sistemas orgânicos. Os metâmeros são unidades homólogas, que estruturalmente são denominadas hemodinamias e que traduzem a semelhança de origem entre dois órgãos de seres vivos de espécies diferentes (a cauda de um macaco e de um cão). Entretanto, estas estruturas supracitadas não podem ser contextualizadas como análogas, pois desempenham funções diferentes. Assim, órgãos ou estruturas anatômicas análogas são aqueles que desempenham a mesma função em indivíduos de espécies Anatomia Animal Aplicada 11 diferentes (asas de uma ave, um morcego e um inseto). Com isso,define-se que uma estrutura pode ser homóloga sem ser análoga. Contudo, possuem similaridades na sua estrutura óssea, muscular e vásculo-nervosa. A complexidade que caracteriza a evolução das espécies animais fez com que os segmentos metaméricos homólogos se diferenciassem em segmentos heterólogos imperfeitos. A perfeita metameria na construção do corpo dos vertebrados pode ser observada durante o desenvolvimento embriológico inicial, permitindo desta forma recuperar a filogênese (para maiores detalhes consultar bibliografia sobre filogenia e embriologia). Considerando a filogênese e a ontogênese dos vertebrados, observa-se nas primeiras fases do desenvolvimento a disposição segmentar principalmente no segmento dorsal do folheto dorsal mesodérmico (somitos). Nestes, forma-se uma cavidade central transitória, cuja proliferação celular diferencia-se no mesênquima, onde uma parte formará o esclerótomo, que origina o esqueleto axial e as porções remanescentes formarão duas lâminas que correspondem ao miótomo (lâmina interna muscular) e dermátomo (lâmina externa cutânea). Entretanto, no indivíduo adulto a segmentação observada na coluna vertebral é secundária, pois, devido a necessidades mecânicas, cada vértebra é formada pela união de um segmento caudal com um segmento cranial do esclerótomo primitivo. No sistema vascular a metameria é observada apenas nas artérias intercostais e lombares do tronco, enquanto que as artérias viscerais perdem este padrão por desaparecimento ou atrofia de muitos vasos em decorrência do desenvolvimento visceral. A segmentação metamérica do sistema nervoso parece existir na disposição segmentar transitória que se manifesta por dilatações sucessivas da parede do tubo neural (neurômeros), dorsalmente ao sulco limitante (lâmina alar), contudo é mais evidente na medula espinal (Fig. 7), bem como nas raízes dos nervos espinais (Fig. 8). No tocante às vísceras, algumas destas, perdem o padrão segmentar durante o seu desenvolvimento, ficando impossível a sua identificação no órgão maduro (i.e. cérebro, rins e pulmões). Porém, devido ao desenvolvimento orgânico e a concentração de funções associadas, os segmentos corporais tornaram-se desiguais e a sua delimitação em unidades fundamentais foi eliminada em vários locais. Fig. 7 Segmentação metamérica observada na medula espinhal. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Anatomia Animal Aplicada 12 Fig. 8 Segmentação metamérica observada nos nervos espinais torácicos em indivíduos adultos. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. No organismo adulto pode-se determinar a segmentação primária por meio da dissecação do sistema nervoso periférico, que evidenciará a segmentação orgânica considerando que a distribuição da raiz de cada nervo (neurótomo) corresponde a um determinado segmento corpóreo (miótomo, esclerótomo, dermátomo e visceral). Na pele a metameria é oculta, podendo ser observada pela distribuição das raízes nervosas que formam territórios (dermatômeros, Fig. 9) que recebem fibras de uma determinada raiz e que se distribuem no tronco em faixas transversas ou horizontais paralelamente ao eixo longitudinal do tronco (coluna vertebral). A distribuição dos dermatômeros não é perfeita, pois sobre a linha mediana (dorsal e ventral e craniocaudalmente) ocorre sobreposição de territórios, ficando apenas o centro do dermatômero como exclusivo de uma única raiz. Nos membros estes territórios estão distribuídos em faixas longitudinais ou levemente espiraladas, porém, devido ao alongamento dos membros, alguns dos dermatômeros perdem o contato com o seu correspondente no tronco. É possível identificar as áreas cutâneas de inervação radicular por meio de exame clínico ou experimental por meio da estimulação da sensibilidade Fig. 9 Distribuição dos dermatômeros no homem. Anatomia Animal Aplicada 13 cutânea. Anatomicamente, no animal vivo, pode-se determinar apenas o território subcutâneo de uma raiz, contudo há grande concordância entre a inervação subcutânea e o dermatômero, principalmente no tronco. Já nos membros a identificação dos dermatômeros é prejudicada pelo entrelaçamento das raízes nervosas, que formam o plexo braquial e lombossacral, responsáveis pela inervação dos mesmos, constituindo territórios mistos de inervação. No sistema muscular, a segmentação metamérica é observada nos músculos profundos do dorso, nos intercostais e no músculo reto abdominal que conservam sua relação metamérica com apenas uma raiz nervosa, enquanto que os demais músculos do corpo, por resultarem da fusão de vários miótomos, possuem inervação mista formada por diferentes raízes, resultando em uma metameria oculta que pode ser identificável pelo estudo da inervação radicular (para maiores informações consulte bibliografia referente à marcação retrógrada e anterógrada de raízes nervosas). Todavia, as fibras de uma raiz nervosa se distribuem e se espalham entre as fibras musculares, não ocupando uma área delimitada do músculo, mas considerando o miótomo de origem daquela porção. Este fato explica como uma lesão nervosa radicular pode comprometer músculos localizados próximos ou distantes ou apenas resultar em uma paralisia parcial de um músculo por lesões de células radiculares específicas. A segmentação muscular com base na inervação considera o campo radicular motor (território inervado por uma única raiz ventral, Fig. 10) de cada músculo, permitindo identificar músculos unirradiculares (i.e. músculo subescapular inervado pelo nervo de mesmo nome que se origina na sexta raiz cervical, C6) e plurirradiculares (músculos extensores da articulação cúbita, carpo e dígito todos inervados pelo nervo radial que surge da confluência de C7-8 e T1-2). Fig. 10 Campo radicular motor do reflexo patelar. FONTE: Lent R. Cem Bilhões de Neurônios. Atheneu, Rio de Janeiro, 2 ed, 2010. Anatomia Animal Aplicada 14 O sistema nervoso autônomo permite estabelecer uma segmentação visceral (Fig. 11), apesar da complexidade de organização deste sistema. Na inervação visceral, fibras eferentes procedem de centros vegetativos do neuro-eixo por meio dos nervos cérebro- espinais e realizam sinapse com neurônios localizados em gânglios viscerais dispostos em três níveis (pára- vertebrais (cadeia simpática), pré-vertebrais (gânglios celíaco, mesentéricos cranial e caudal e pélvico) e intramurais (plexos mientérico e submucoso)). Todavia, esta complexidade de interconexões dificulta a exata identificação de cada segmento visceral (enterômeros). Apesar da imperfeição, a metameria facilita a compreensão topográfica definitiva e as relações dos órgãos e sistemas através de seus deslocamentos longitudinais, observado especialmente no desenvolvimento dos tubos neural e esplâncnico. Ainda, permite interpretar vários aspectos clínicos e cirúrgicos importantes na prática veterinária. A topografia da medula espinal varia no feto e no indivíduo maduro, seu crescimento, inicialmente, é contínuo com o da coluna vertebral, ficando mais lento e abandonando a sintopia com os segmentos mais caudais da coluna (Fig. 12). Com isto, infere-se que a medula termina ao nível de L6 ou L7 no cão, S1 nos ruminantes, S2 no equino, L7 ou S2 no gato, considerando o tipo morfológico e o sexo, e que os nervos espinais oriundos destes segmentos percorrem um determinado trajeto no interior do canal vertebral antes de emergirem no seu forame intervertebral de correspondência,à exceção dos nervos espinais cervi cais cujo trajeto é curto. Outro ponto derivado desta dis topia é a correlação entre os centros de controle medu lar viscerais estar, muitas vezes, localizados cranialmen te ao seu alvo visceral (o centro nervoso de controle da musculatura abdominal ventral está localizado entre T3 e T10). Ambos os fatores permitem a interpretação e a determinação perfeita localização topográfica de lesões medulares ou de raízes nervosas. A disposição dos dermatômeros é uma importante ferramenta na interpretação de perturbações de sensibilidade por lesões em raízes ou troncos nervosos (i.e. na retículo- Fig. 11 Segmentação visceral. Fig. 12 Secção mediana do canal vertebral e medula espinhal felino doméstico (A), canino (B), suíno (C), bovino (D), equino (E). O espaço interarqueado lombosacro é indicado pela seta. Observe a diferença na estensão caudal da medula espinhal entre as diferentes espécies. A extensão delgada da medula espinhal é o filamento terminal, que termina nas vértebras coccígeas. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Anatomia Animal Aplicada 15 pericardite-traumática bovina, onde corpos estranhos perfuram o retículo, diafragma e o coração). Ainda, a sensibilidade visceral (reflexo víscero-cutâneo) é conduzida por fibras nervosas aferentes que se relacionam com fibras de nervos somáticos, explicando o fenômeno da dor referida na zona cutânea inervada pelo mesmo tronco ou nervo (i.e. as estruturas perfuradas na doença acima citada provoca hipersensibilidade na região cervical dorsal (cernelha)). A observação destas alterações de sensibilidade cutânea relacionadas a moléstias viscerais ou internas podem conduzir a um diagnóstico mais preciso e assertivo na rotina clínica. Contudo, é importante ressaltar que, geralmente, a sensibilidade cutânea é observada em uma região mais dorsal do que o posicionamento do órgão lesionado, devido à posição mais ventral das vísceras. A dor referida também pode ser determinada pela relação entre a inervação visceral e muscular, ambas as estruturas são inervadas pelas raízes motoras dos nervos espinais que pode transmitir, via o arco reflexo medular (Fig. 10), a sensibilidade de um órgão e desta forma provocar a contratura muscular. Na paquimeria observa-se a divisão do corpo dos animais em dois tubos distintos e desiguais: dorsal ou neural e o ventral ou esplâncnico, ambos possuem um eixo esquelético comum que envia prolongamentos ósseos que entram na construção da parede de cada tubo. Assim, o tronco se apresenta constituído pela justaposição de dois tubos (neural e esplâncnico), um diante do outro e que se encontram envolvidos por um terceiro tubo comum, representado pelos planos superficiais do corpo (pele e tela subcutânea). O tubo ventral emite os quatro apêndices corporais, os membros torácicos e pélvicos, que são inervados pelos ramos colaterais e terminais dos plexos nervosos constituídos pelo entrelaçamento dos ramos ventrais dos nervos espinais. O corpo dos vertebrados é construído estratigraficamente, ou seja, pela sobreposição de camadas do mesmo tecido ou de tecidos diferentes. A estratigrafia pode ser observada em segmentos corporais ou em órgãos distintos, correspondendo a histiotopia na organização das vísceras corporais. A estratigrafia é mais bem compreendida quando estudada em órgãos cavitários ou tubulares (i.e. esôfago, estômago ou vaso sanguíneo). Nestes órgãos são observadas uma série de túnicas que se dispõem concentricamente, a saber: mucosa (mais interna, voltada para luz do órgão, sendo composta por uma lâmina epitelial, lâmina própria de tecido conjuntivo frouxo e uma muscular da mucosa, de caráter facultativo); submucosa (tecido conjuntivo denso irregular que pode alojar glândulas, vasos sanguíneos e linfáticos além de nervos e estruturas do sistema imune); muscular (constituída de músculo liso ou estriado esquelético, que pode apresentar-se dispostas em camadas circular, oblíqua e/ou longitudinal) e serosa ou adventícia (para maiores detalhes consultar sobre organologia em bibliografia de Histologia). A estratigrafia apesar de pouco evidente também pode ser observada em órgãos parenquimatosos, como o pâncreas e o fígado, no indivíduo adulto, porém é mais evidente durante o desenvolvimento embriológico. A estratigrafia na construção do corpo dos animais pode ser identificada na construção das diferentes regiões corpóreas, como a observada na parede ventral do abdômen (região da bainha do músculo reto abdominal, Fig. 13) na qual estão presentes: pele ou cútis (composta pela epiderme e dermes papilar e reticular), tela subcutânea ou Anatomia Animal Aplicada 16 hipoderme (constituída pelos estratos areolar ou superficial, fáscia subcutânea ou fascia superficialis e lamelar), fáscia muscular, a muscular (composta pelos músculos abdominais: oblíquo abdominal externo e interno e transverso abdominal, cujas aponeuroses revestem o músculo reto abdominal), a fáscia transversa, a fáscia profunda do tronco e o peritônio parietal. Entretanto, em outras regiões esta estratigrafia não se apresenta de forma tão evidente, como a que ocorre no tubo dorsal do tronco, onde as sucessivas camadas musculares se alternam com outras estruturas anatômicas. Nesta região é possível visualizar, por meio de uma dissecação cuidadosa: a pele, a tela subcutânea, a fáscia muscular, a musculatura esquelética (disposta em várias camadas), o plano ósteo-articular (constituído pelos arcos vertebrais e ligamentos que fecham o canal vertebral), a dura-máter e a leptomeninge (aracnóide e pia-máter). Se considerarmos a medula espinal como integrante deste plano estratigráfico, esta apresenta a substância branca externamente, a substância cinzenta e o canal central revestido pelo epitélio ependimário. Assim, pode-se observar que a construção estratigráfica está presente em todo o organismo, embora muitas vezes sua organização possa ser pouco evidente devido à ausência de uma camada ou pelo grande desenvolvimento de outra em certos órgãos ou regiões. Esta premissa é de grande importância no estudo anátomo-topográfico ou da anatomia aplicada por permitir a identificação das camadas presentes em uma região ou órgão e, desta forma, contribuir amplamente com as abordagens clínicas ou cirúrgicas a serem utilizadas no cotidiano profissional. Fig. 13 Representação esquemática da estratigrafia da parede abdominal ventral em corte transversal. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Túnica serosa Fáscia transversa Fáscia profunda do tronco Fáscia superficial do tronco Pele Linha alba M. intercostal interno M. intercostal externo Costela M. transveso abdome M. oblíquo abdominal interno M. oblíquo abdominal externo M. reto abdominal 3. Generalidades Constituintes Regiões Corporais CAMADAS E REGIÕES SUPERFICIAIS PELE E ANEXOS CUTÂNEOS As camadas superficiais do corpo são constituídas pela pele (cútis), anexos cutâneos (pelos, glândulas cutâneas e mamária, órgão digital (coxins digitais, unha, garra e cápsula da úngula) e corno ou chifre), tela subcutânea e bolsas sinoviais, que conjuntamente constituem o sistema tegumentar. Sua função primordial é proteger o organismo contra agentes físicos (radiação, calor e frio), químicos (água e agentes corrosivos) e biológicos (ectoparasitas, bactérias e fungos), além de atuar na termorregulação por constituir um importante meio de dispersão calórica e de evaporação do suor. A pele é composta da epiderme (camada superficialconstituída por um epitélio estratificado pavimentoso queratinizado) e da derme (camada formada por tecido conjuntivo frouxo e denso irregular, dispostos em dois estratos o papilar, junto ao epitélio, e reticular, mais profundo e amplamente vascularizado e inervado). A organização da epiderme permite que sejam identificados dois tipos de pele recobrindo o corpo, a pele fina e a espessa, além do chamado complexo orgânico da epiderme, constituído por pelos, glândulas sebáceas e sudoríparas (para maiores detalhes consulte bibliografia de histologia veterinária). Em locais em que um estresse mecânico é exercido sobre a pele pode-se observar a presença de cristas epidérmicas associadas a papilas dérmicas muito altas, esta união entre as duas camadas é reforçada pela presença de hemidesmossomos e junções de aderência focal, que constituem o mecanismo de coesão derme-epidérmico (Fig. 14). Fig. 14 Mecanismo de coesão derme-epidérmico. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011 & Nickel R, Schummer A, Seiferle E. Anatomy of the domestic animals. Parey, Berlin, 1977. Generalidades Constituintes Regiões Corporais 18 Outra característica importante da pele é a sua elasticidade (Fig. 15), que permite os movimentos do corpo estando distendida na sua capacidade máxima, tanto que se retrai quando em processo de cicatrização por continuidade. Esta capacidade é de importância cirúrgica, pois interfere na sua ressecção. Ao se realizar a secção de pele deve-se considerar que ocorre uma retração de 1/3 imediatamente e que se tem de fazer um retalho três vezes maior que a área da incisão. A elasticidade é determinada pela disposição das fibras conjuntivas e elásticas da derme, que apresentam um padrão de distribuição em cada região do corpo, indicando a direção de menor distensibilidade (de maior resistência da pele à tração), isto faz com que uma secção circular da pele resulte em uma fenda. No animal jovem estas linhas de fenda são orientadas circularmente ou em espiral, enquanto que no adulto podem ser transversais no tronco e longitudinal nos membros, com algumas modificações sobre as articulações. Na prática cirúrgica deve ser lembrado que a direção da elasticidade da pele é o primeiro fator a ser considerado no momento da incisão, salvo exceções quando outros fatores técnicos interfiram neste processo. É importante ter em mente que uma incisão perpendicular às linhas de elasticidade dificultarão o processo cicatricial, por provocar o afastamento das bordas, enquanto que a incisão paralela aos feixes conjuntivo- elásticos facilita a cicatrização por ter tendência a aproximar as bordas. Além da organização dos feixes conjuntivo-elásticos, devem ser consideradas a vascularização (sanguínea e linfática) e a inervação da pele. A epiderme é avascular, recebendo vascularização das redes arteriais dérmica (subpapilar e cutânea) e subcutânea que drenam para os plexos venosos coriais, subpapilares (superficial e profundo) e profundo da derme. A drenagem linfática inicia nos seios linfáticos, rede linfocapilar profunda da pele que direcionam a linfa aos linfonodos tributários. A inervação da pele inclui fibras simpáticas e sensoriais (plexo nervoso subcutâneo da derme e da tela subcutânea, corpúsculos nervosos: pressão, tato e vibração, temperatura e dor). Tela subcutânea (Hipoderme) Abaixo da pele encontra-se a hipoderme ou tela subcutânea, representada por tecido conjuntivo fibrilar frouxo, trabeculado (aréolas) e com depósitos de tecido adiposo. A espessura varia com o grau de infiltração adiposa, sendo muito fina nas pálpebras e muito espessa nas áreas de grandes depósitos adiposos, contudo sua espessura é dependente do estado nutricional, idade, indivíduos mais velhos à tendência de aumentar, Fig. 15 Distribuição das fibras elásticas nas regiões corpóreas. FONTE: Nickel R, Schummer A, Seiferle E. Anatomy of the domestic animals. Parey, Berlin, 1977. Generalidades Constituintes Regiões Corporais 19 e sexo. Algumas regiões sempre apresentam uma tela espessa, independente do emagrecimento ou estado fisiológico, como por exemplo, na região glútea. Nestas regiões a tela, além da ação protetora contra a dispersão calórica, atua protegendo as formações profundas contra pressão ou abrasão mecânica, por esta razão, quando estas áreas são incididas, ocorre herniação do tecido adiposo por perda da pressão. A tela está organizada em três camadas (Fig. 16): superficial ou areolar ou panículo adiposo (rica em tecido adiposo, sendo o último depósito de gordura a ser queimado, com adipócitos acompanhando as linhas de fenda, aloja a musculatura sexual (por exemplo, o músculo dartus), dificultando a propagação de líquidos (formação de acúmulos tencionando as terminações nervosas: dor); média: fáscia superficial ou subcutânea, duas lâminas de tecido fibroso, variável conforme a região: espessa ou delgada, músculo cutâneo (entre as duas lâminas); e profunda: lamelar, pode conter tecido adiposo; permite a mobilidade da pele, na ausência a pele é fixa (face palmar e plantar dos membros), permite a propagação de líquidos (medicamentos)). BOLSAS SINOVIAIS Constituem lacunas presentes na tela subcutânea que se orientam paralelamente à superfície cutânea. Estas bolsas são delimitadas por uma cápsula de tecido conjuntivo, de aspecto liso e uniforme, cuja cavidade pode ser atravessada por trabéculas conjuntivas que permitem a travessia de feixes vásculo-nervosos de pequeno calibre. A presença das trabéculas pode ser devido ao desgaste imposto pelo atrito a que estão constantemente expostas. No interior das bolsas está presente um líquido semelhante à sinóvia. As bolsas (Fig. 17) estão localizadas junto às saliências ósseas ou cartilaginosas, representando estruturas anatômicas normais do indivíduo ou ocasionadas pela utilização ou, ainda, em decorrência de lesões ósseas (calo ósseo) e amputações. Em Fig. 16 Organização da tela subcutânea. FONTE: DONE SH. Atlas colorido de anatomia do cão e gato. Manole, São Paulo, 2002. Fig. 17 Bolsa (1) e bainha (2) sinoviais. FONTE: Banks WJ. Histologia Veterinária Aplicada. Manole, São Paulo, 2 ed, 1998. 1 2 Generalidades Constituintes Regiões Corporais 20 locais submetidos a grandes atritos ou forças mecânicas, as bolsas podem envolver estruturas anatômicas constituindo uma bainha sinovial, tal qual as observadas junto aos tendões flexores dos dígitos. Quando inflamadas constituem as bursites e o excesso de líquido no seu interior constituem os higromas. SINTOPIA GERAL DOS ÓRGÃOS Como referido anteriormente, os órgãos que constituem o corpo mantém uma relação estreita com os seus vizinhos próximos (sintopia). Este conceito de construção pode ser observado, mais atentamente, em cada sistema ou aparelho com as suas devidas peculiaridades, ou víscera a víscera individualmente. SINTOPIA ÓSSEA No sistema esquelético devem ser observadas, primeiramente, as relações que se estabelecem entre cada peça óssea, pontuando as diferentes formas de articulações que as comunicam. Em uma visão simplista podemos observar que cada osso apresenta peculiaridades articulares geradas a partir de sua forma anatômica, assim: ossos longos tendem a se articularem por suas extremidades, enquanto ossos planos ligam-se por suas margens e os ossos curtos por suas faces. Contudo, há de se pontuar exceções a essa regra, tal qual acontece entre o osso coxal que se articula por sua face lateral com o fêmur oua articulação entre os processos articulares das vértebras. Morfologicamente, existem dois tipos básicos de articulações: por continuidade e por contiguidade. O primeiro tipo congrega as articulações na qual os ossos se encontram unido por um tecido que varia entre conjuntivo fibroso ou cartilagem hialina ou fibrocartilagíneo que se interpõe entre eles. As articulações fibrosas podem ser sindesmoses (união por tecido fibroso entre ossos localizados a certa distância, como a que ocorre entre os processos espinhosos das vértebras pelo ligamento interespinhoso ou a que ocorre entre o corpo do rádio e a ulna pela membrana interóssea antebraquial) ou suturas (união que lembra os pontos realizados por uma máquina de costura). Estas duas formas de articulação fibrosa podem ser acometidos por um processo fisiológico de ossificação, denominado sinostose. As suturas (Fig. 18) incluem um grupo de junturas que se diferenciam conforme o encaixe das peças ósseas, sendo classificadas como: serrata ou serreada (margens ósseas constituem dentículos que se encaixam em zig-zag, como a que ocorre entre os ossos Fig. 18 Esquematização de uma sutura. FONTE: Sobotta J. Atlas de Anatomia Humana. Guanabara Koogan, Rio de janeiro, 23 ed, 2013. Generalidades Constituintes Regiões Corporais 21 lacrimal e zigomático); escamada ou escamosa (margens ósseas em forma de bisel, como a que ocorre entre o osso parietal e a porção escamosa do osso temporal); plana (margens lisas entre os ossos, como o observado entre os processos palatinos do osso maxilar); foleada ou folhosa (margens ósseas que se articulam como folhas de dois livros entremeadas, como a encontrada entre o osso frontal e nasal do suíno); esquindilese (um osso forma um canal onde outro osso se encaixa, sendo observada na união entre o osso etmoide, o septo nasal e a calha do vômer) e a gonfose (um osso se implanta em cunha sobre outro osso, como a implantação dos dentes nos alvéolos dentários dos ossos maxilar e mandíbula). As articulações cartilaginosas ou cartilagíneas ocorrem de duas formas: sincondrose (a cartilagem é do tipo hialina que se dispõe de maneira intraóssea, como observado entre o osso basoesfenóide e o pré-esfenóide, ou de maneira interóssea, como a encontrada entre as esternébras e as cartilagens costais das costelas esternais) e sínfise (o tecido interposto é do tipo fibrocartilagíneo, como a união entre as esternébras do esterno, as sínfises pélvica ou mentoniana). Nas articulações por contiguidade (Fig. 19) as superfícies articulares dos ossos são recobertas por cartilagem hialina (cartilagem articular) e encontram-se justapostas, permitindo que se estabeleça uma fenda ou cavidade articular. A cavidade articular é delimitada por uma cápsula de tecido conjuntivo denso externamente e pelo estrato sinovial internamente, que produz um líquido lubrificante e nutridor da articulação chamada sinóvia. Além da cápsula, existem cintas de tecido conjuntivo fibroelástico, que auxiliam na ligação dos ossos e na estabilização da articulação, que são os ligamentos, que podem ser capsulares (fazendo parte da parede externa da cápsula, como os ligamentos gleno-umerais da articulação do úmero), extracapsulares (externamente à parede da cápsula, ligamentos colaterais társicos longo e breve) e intracapsulares (interiormente à parede da cápsula e nem sempre ligados à ela, como os ligamentos cruzados da articulação fêmoro-tibial). Existem várias categorias de articulações por contiguidade ou sinoviais, estas podem ser simples (quando constituídas por dois ossos, por exemplo, articulação do úmero, deste osso com a escápula) ou compostas (mais de dois ossos, como a que ocorre entre o úmero, rádio e ulna na articulação cúbita); e congruentes (quando o encaixe entre as superfícies articulares é Fig. 19 Representação de uma articulação sinovial. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Epífise distal Cápsula articular: membrana sinovial Cápsula articular: membrana fibrosa Cavidade articular Sinovia Cartilagem articular Epífise proximal Ligamento extra-capsular Ligamento extra-capsular Generalidades Constituintes Regiões Corporais 22 perfeito) ou incongruentes (quando estruturas acessórias (lábio, orla, disco e menisco) estão presentes com a finalidade de permitir o encaixe perfeito entre as superfícies articulares). A forma da superfície articular permite que as articulações sejam classificadas como (Fig. 20): esferóide (segmentos menores que meia esfera, como o observado na articulação entre a cavidade glenóide da escápula e a cabeça do úmero ou segmentos maiores que meia esfera como a encontrada na articulação entre o acetábulo e seu lábio acetabular (cartilagem) do coxal e a cabeça do fêmur);condilar (segmento em forma de cilindro, como o observado na articulação entre os côndilos do fêmur e da tíbia); selar (superfície côncava se encaixa em outra convexa e vice-versa, como a que ocorre entre as falanges proximal e média); troclear (superfície representada por um segmento de cilindro escavado por sulco que se encaixa em uma crista, como na articulação entre a tróclea do úmero e a superfície articular do rádio ou a articulação entre o tálus com a extremidade distal da tíbia); trocóide (superfície em formato de pivô que se aloja em outro segmento escavado, articulação do processo odontóide do atlas com a cavidade articular do atlas); plana (superfícies lisas ou planas, como a articulação entre os processos articulares das vértebras) e elipsoide (superfície convexa e ovoide que se encaixa em outra côncava, como a articulação entre os côndilos do occipital e a cavidade articular do atlas). As articulações sinoviais permitem a realização de movimentos (Fig. 21) que podem ser realizados com o deslocamento dos ossos sobre seus eixos anatômicos, podendo ser: monoaxial (articulações que realizam deslocamento em um só eixo, como a articulação cúbita que permite apenas os movimentos de flexão e extensão) ou multiaxial (permitindo movimentos em todos os eixos, como a articulação coxal, que permite movimentos de flexão e extensão, abdução e adução e rotação). Fig. 20 Representação da classificação das articulações por contiguidade conforme a superfície articular. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Articulação plana Articulações condilares Articulações trocleares Articulação trocóide Articulação selar Articulação esferóide Articulação elipsóide Generalidades Constituintes Regiões Corporais 23 Fig. 21 A Movimentos dos membros ilustrado por fêmures caninos, 1 adução, 2 abdução, 3 circundação, 4 rotação medial, 5 rotação lateral. B Extremidade distal do membro torácico do equino, articulação cárpica flexionada (1) e extendida (2), articulação metacarpofalangeana flexionada (3) e extendida (4) e hiperestendida (5). FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Para que os ossos sejam utilizados na geração de movimentos, faz-se necessária uma relação sintópica com os músculos, que podem estar envolvendo quase totalmente os ossos, gerando uma situação axial em um segmento corpóreo (observada nos membros torácico e pélvico) ou de forma entremeada entre ambas às estruturas, como ocorre na parede do tórax. No corpo dos vertebrados há somente uma situação de músculo localizado de forma intraóssea, o músculo estapédio na orelha interna.Na geração de movimento, os músculos possuem pontos de fixação nos ossos, que são a origem (ponto fixo do músculo) e a inserção (ponto que permite o deslocamento da peça óssea), além de cruzarem sobre o eixo de movimento de uma ou mais de uma articulação, permitindo a variação de movimentos nas articulações. Contudo, alguns músculos se relacionam apenas com uma das extremidades ósseas (músculos cutâneos que se originam em ossos, mas inserem-se na pele). A camada de revestimento externo dos ossos (periósteo) serve de ancoradouro e como meio de relação destes com várias mucosas, como o observado nas cavidades oral e nasal ou nos seios paranasais. Ainda, vasos e nervos profundos deixam na superfície óssea impressões de sua passagem sobre os ossos (os sulcos vasculares dos vasos e nervos obturatórios na face pélvica do ílio), além de percorrerem sua intimidade formando canais ou túneis, como a artéria maxilar interna no canal alar ou o nervo mandibular no canal mandibular. Muitas das vísceras possuem uma relação de vizinhança com o esqueleto, em qualquer segmento do tubo esplâncnico, estando separados por camadas de diferentes tecidos que variam em número e espessura. Além disso, podem-se utilizar os ossos do corpo para determinar a localização de uma víscera aplicando o conceito da esqueletopia. Saliências ósseas são observadas na pele em diversas regiões do corpo, sendo interpostas de forma indireta por incluir a fáscia muscular e a tela subcutânea. Todas as relações entre os ossos e os demais componentes do corpo, que ocorrem de forma mediata ou imediata, servem de subsídios para o entendimento da propagação de alguns processos patológicos dos ossos para os tecidos circunjascentes e explicam as lesões observadas em decorrência de fraturas ósseas em vasos, nervos e outros órgãos. A B Generalidades Constituintes Regiões Corporais 24 SINTOPIA MUSCULAR Os músculos desempenham múltiplas funções no organismo, gerando movimento e locomoção, mantendo a postura corporal, auxiliando na mecânica respiratória e protegendo os órgãos internos. Funcionalmente e histológicamente são observados três tipos musculares: estriado esquelético, estriado cardíaco e liso (para maiores detalhes consulte bibliografia de histologia veterinária). Funcionalmente, os músculos esqueléticos são voluntários, enquanto que os músculos liso e cardíaco são involuntários. Os músculos esqueléticos são responsáveis pela maior parte das funções supracitadas, apresentando macroscopicamente as seguintes porções: ventre (responsável pela contratilidade, sendo também chamado de porção carnosa), tendão (constituído de tecido conjuntivo denso modelado, possuindo um formato cilíndrico ou de cordão, responsável pela transmissão de força no movimento), aponeurose (também constituído de tecido conjuntivo, porém fibroso e com formato de fita ou lâmina) e fáscia (tecido conjuntivo que individualiza cada músculo, mantém a organização e permite o deslizamento sem atrito entre os ventres muscula res, Fig. 22). No interior do ventre encontram-se o epi mísio (camada de tecido conjuntivo que divide o ventre em fascículos), perimísio (divide os fascículos em feixes de fibras) e endomísio (recobre cada fibra muscular). O ventre muscular é constituído por células denominadas fibras musculares que possuem proteínas contráteis (actina, miosina, troponina e tropomiosina) que são ativadas por terminações nervosas constituindo a placa motora, cuja força de contração é variável entre os diferentes tipos de músculos (para maiores detalhes consulte bibliografia de histologia e fisiologia veterinária). Os músculos esqueléticos são classificados e nomeados conforme a disposição das fibras musculares (paralelos: fusiformes, largos e longos; ou oblíquos: penados, bipenados e multipenados), o número de origens (bíceps, tríceps e quadríceps) ou ventres (gástrico e digástrico), quanto à função (flexor, extensor, adutor, abdutor, supinador, pronador, constritor, esfintérico e cutâneo) ou pelo papel desempenhado na geração de um movimento (agonista, antagonista e sinergista), Fig. 23. A relação dos músculos com os ossos ocorre por meio dos pontos de fixação (origem e inserção), no entanto a maioria dos músculos encontra-se, apenas, justaposto às articulações, cobrindo-as em maior ou menor extensão. Entretanto, alguns músculos fixam- se a superfície externa de uma articulação (músculo semimembranoso) ou penetram em uma articulação por meio de seu tendão, sendo revestido pela cápsula articular, mas mantendo-se externamente à cavidade articular (músculo bíceps braquial na articulação do úmero). Os músculos realizam relações recíprocas entre eles, relacionando-se por sobreposição de camadas constituídas por um único músculo largo ou por vários músculos longos justapostos. Na disposição em camadas, os músculos longos localizam-se mais Fig. 22 Representação das porções de um músculo esquelético Generalidades Constituintes Regiões Corporais 25 superficialmente e, muitas vezes, não realizam contato com o esqueleto e recobrem um segmento corporal inteiro como um músculo livre (músculos bíceps braquial e sartório). Fig. 23 Representação da classificação dos músculos esqueléticos conforme o arranjo das fibras musculares. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Os músculos organizam-se em grupos que desempenham funções próprias sinérgicas ou antagônicas (flexores e extensores), fazendo com que a posição de repouso de um músculo ou grupo seja dada quando seu antagonista está alongado além do estado de equilíbrio. Nos casos de paralisia de um grupo muscular, o grupo antagônico faz uma ação compensatória retraindo até a sua posição de repouso, sendo fixado por seu tecido conjuntivo e resultando em uma atitude viciosa e permanente do segmento afetado. Ainda, os músculos podem estar alojados em compartimentos (ou lojas) oriundos da subdivisão do espaço subfascial, que podem ser fechados por septos intermusculares que se estendem do esqueleto à face profunda da fáscia muscular. Esta relação entre os compartimentos e as fáscias musculares forma espaços, algumas vezes virtuais, entre os músculos que são preenchidos por tecido conjuntivo frouxo, permitindo o deslizamento de um músculo sobre o outro sem atrito durante sua contração. A ausência deste tecido intermuscular resulta em distúrbios mecânicos relacionados a processos patológicos. Alguns músculos relacionam-se intimamente com mucosas (músculo bucinador) ou com serosas (diafragma). Os interstícios musculares constituem vias vásculo-nervosas profundas, fazendo com que os músculos próximos sirvam de referência para estas estruturas (músculo extensor radial do carpo acompanha a artéria radial, servindo de guia para a pesquisa deste vaso). Ainda, esta íntima relação faz com que a atividade muscular influencie a hemodinâmica vascular, visto que o epimísio e o perimísio emitem expansões fibrosas ou carnosas que penetram a adventícia das artérias e veias próximas. Assim, no momento da contração muscular, os músculos exercem tração sobre os vasos favorecendo a vasodilatação e a circulação regional. Algumas regiões corporais apresentam túneis Músculo reto com múltiplos ventres Músculo largo com aponeurose Músculo esfinctérico Músculo orbicular Músculo digástrico Músculo biceps Músculo uma cabeça Músculo multipenado Músculo bipenado Músculos fusiformes Generalidades Constituintes Regiões Corporais 26 fibrosos formados por expansões das fáscias musculares que permitem a passagem de vasos, fazendo com que no momento da contração oudo movimento ocorra o deslocamento do túnel e dos vasos. Este mecanismo promove a acomodação dos vasos às condições topográficas regionais, protegendo contra pressões desfavoráveis ou rompimento por abrasão. Estes túneis também protegem os nervos contra abrasão ou de lesões ocasionadas por contrações repetidas durante o exercício ou locomoção. Certos vasos sanguíneos podem sofrer compressão na travessia de alguns músculos, como por exemplo, a passagem da veia cava caudal pelo diafragma. O forame para esta veia localiza-se no centro tendinoso do diafragma, sendo comprimido durante cada ciclo de contração deste músculo. Isto é propiciado pelo arranjo das fibras musculares que formam um conjunto de feixes digástricos no ventre do músculo, que culminan no centro frênico ou tendíneo. Ao se contraírem as fibras musculares promovem o estreitamento do forame da veia cava caudal comprimindo a veia. Na sintopia dos músculos com as vísceras são observados músculos esqueléticos que participam da constituição de certas vísceras (musculatura extrínseca da laringe) e músculos que servem de passagem para vísceras (diafragma que é transpassado pelo esôfago e os músculos esfíncter anal externo e coccígeo que permitem a passagem do canal anal e vias urinárias e genitais, constituindo o diafragma pélvico). Outros músculos esqueléticos possuem relação direta com a pele (musculatura cutânea), prendendo-se profundamente na derme que é movimentada durante sua contração. SINTOPIA VÁSCULO-NERVOSA Artérias e veias apresentam um padrão básico de construção, constiutídas por uma túnicas íntima (endotélio e camada subendotelial), média (músculo liso e fibras elásticas) e adventícia (tecido conjuntivo frouxo) (Fig. 24). Estes elementos variam conforme o calibre ou a funcionalidade dos vasos (para maiores detalhes consulte bibliografia de histologia veterinária). Anatomicamente, podem-se distinguir as artérias por apresentarem coloração esbranqui çada, formato cilíndrico regular e atividade pulsátil, enquanto que as veias possuem paredes mais delgadas e semitrans parentes e fluxo passivo. Ainda, as artérias distribuem-se no corpo dividindo-se e diminuindo seu calibre até atingirem o nível microscópico, enquanto que as veias partem do nível microscópico e unem-se constituindo tributárias até atingirem grandes calibres. As junções entre artérias ou entre veias constituem as anastomoses. Fig. 24 Representação da constituição da parede dos vasos sanguíneos. Generalidades Constituintes Regiões Corporais 27 Os nervos são cordões esbranquiçados constituídos por feixes de fibras nervosas reforçadas por tecido conjuntivo (epineuro: mantém os fascículos unidos por tecido conjuntivo frouxo, permitindo certa mobilidade ao nervo; perineuro: membrana fina mais densa, bastante vascularizada, rígida e forte, de tecido conjuntivo que rodeia cada fascículo; e endoneuro: camada mais interna e delicada de tecido conjuntivo, distensível, vascularizada e com função protetora às alterações pressóricas) que unem o sistema nervoso central (SNC) aos órgãos periféricos (Fig. 25). Os nervos podem ser espinhais ou cranianos, conforme sua conexão com o SNC, possuindo fibras nervosas sensoriais, motoras e autonômicas, as quais cada feixe nervoso contém tanto componentes aferentes quanto eferentes. Os nervos formam anastomoses constituindo plexos, cujas lesões resultam em danos parciais ou permanentes ocasionando perda de flexão ou extensão voluntária de uma ou mais articulações; incapacidade de sustentar o peso; perda de reflexos espinhais do membro; atrofia de músculos e perda de propriocepção consciente no membro (para maiores detalhes consulte bibliografia de histologia e neurologia veterinária). Fig 25 Representação esquemática da estrutura do nervo. Geralmente, os troncos arteriais profundos relacionam-se com as faces flexoras das articulações e sofrem modificações na sua topografia inerentes aos movimentos articulares. Já os troncos nervosos podem relacionar-se com qualquer face de uma articulação, facilitando o afrouxamento do nervo após uma neurorrafia (o nervo mediano passa sobre a face flexora da articulação cúbita, sendo necessário manter esta flexionada para afrouxar o nervo, enquanto que a posição extensionada é necessária para o afrouxamento do nervo ulnar). O tronco arterial principal está localizado no tecido subseroso do tubo esplâncnico, onde divide-se em artérias profundas que deslocam-se pelo tecido frouxo até alcançarem o espaço intermuscular deste e do tubo neural, bem como das extremidades. No seu trajeto cada artéria, geralmente, é acompanhada por duas veias, com algumas exceções (no pênis ocorrem duas artérias para uma veia). As veias são acompanhadas de grandes coletores linfáticos, que por sua vez são interpostos por linfonodos ou por nódulos hematolinfáticos e hemais (ponto de formação da veia cava caudal em ruminantes). Os nervos profundos acompanham os vasos, sendo todos envoltos Endoneuro Fascículo nervoso Epineuro Fibra nervosa Generalidades Constituintes Regiões Corporais 28 por uma bainha comum constituindo um feixe vásculo-nervoso (por exemplo, a bainha carotídea formada pela artéria carótida comum, veia jugular interna e nervo vago). No entanto, alguns nervos profundos possuem trajeto independente dos vasos. Os nervos simpáticos relacionam-se com os vasos constituindo plexos periarteriais que acompanham a divisão arterial. Os nervos e vasos localizados no crânio e região cervical partem diretamente do canal vertebral ou forames cranianos para o espaço intermuscular. Todos os vasos e nervos ao penetrarem nos espaços intermusculares ramificam-se intensamente em ramos colaterais para músculos, ossos e articulações e em ramos do plexo subcutâneo, onde os nervos são mais superficiais que os vasos por constituírem as terminações nervosas sensoriais (para maiores detalhes consulte bibliografia de histologia e neurologia veterinária). Os feixes vásculo-nervosos acompanham o tecido subseroso que envolve as vísceras até alcançá-las, enquanto que nas vísceras envoltas por serosa (pleura ou peritônio) estes deslocam-se acompanhando as pregas (omentos, mesos e ligamentos) que se formam nestas membranas. Os feixes vásculo-nervosos penetram nas vísceras por meio do hilo (fissura ou depressão numa víscera, especialmente no baço, pulmão, rim ou ovário, pela qual entram e saem os elementos vasculares, nervosos e linfáticos) ou por toda superfície do órgão (útero, coração e glândula tireóide). A presença de hilo é um facilitador na realização de algumas abordagens cirúrgicas. Já os feixes vásculo-nervosos destinados ao neuro-eixo penetram o tubo dorsal por meio dos forames intervertebrais ou dos orifícios da base do crânio, cruzando as meninges e os espaços meníngeos para atingirem a pia- máter, onde formam redes mais ou menos densas que originam ramos que se aprofundam no tecido nervoso. SINTOPIA DO NEURO-EIXO O neuro-eixo (encéfalo: cérebro, cerebelo e tronco encefálico (mesencéfalo, ponte e bulbo ou medula oblonga); e medula espinal) encontra-se no tubo dorsal do tronco (paquímero dorsal ou neural, Fig. 6), preenchendo-o incompletamente. Este é separado das demais estruturas do tubo por lâminas de tecido conjuntivo denso, que iniciam no periósteo do canal vertebral ou craniano e continuam-se na paqui meninge (dura-máter) e leptome ninge (aracnoide e pia-máter). Fig. 26 Organização das meninges e espaços meníngeos na medula espinal. FONTE: Drake RL, Vogl AW, Mitchell AWM. Gray's Anatomy for Students: With STUDENT CONSULT Online Access. Elsevier, NewYork, 2 ed, 2009. Generalidades Constituintes Regiões Corporais 29 No segmento vertebral, a superfície interna do canal é revestida pelo periósteo, sob o qual existe um espaço (espaço epidural ou extradural) ocupado por tecido adiposo semifluido e veias calibrosas (plexo venoso vertebral interno). O espaço epidural é limitado pela presença da dura-máter, que constitui um estojo fibroso resistente, preso ao canal vertebral por uma série de ligamentos meningo-vertebrais e que separa-se da aracnoide por um espaço virtual preenchido pelo líquido céfalo-raquidiano (LCR), o espaço subdural (Fig. 26). Na leptomeninge distinguem-se a camada superficial (aracnoide) e a profunda (pia- máter). A aracnóide comunica-se com a pia-máter por meio de traves conjuntivas que formam espaços (espaço subaracnoideo) repletos de LCR, enquanto que a pia-máter distribui-se acompanhando as depressões e saliências da superfície da substância nervosa. Já no segmento craniano ou cefálico desaparece o espaço epidural devido à fusão do periósteo com a dura-máter, que apresenta uma série de seios de drenagem do líquido céfalo-raquidiano, que confluem para a cisterna magna e espessamentos para acomodação do encéfalo (foice cerebral e tenda do cerebelo). As demais meninges apresentam-se da mesma forma que a observada no segmento medular. FATORES DE ESTÁTICA VISCERAL No início da gestação o embrião em forma de placa fecha-se em um tubo, composto inicialmente de endoderma, mesoderma e ectoderma. Este tubo ou arquêntero (arqui = antigo; entero = intestino), origina o trato digestório primitivo. Com o crescimento fetal, forma-se a cavidade celomática (mamíferos desenvolvem o diafragma, que separa o celoma em cavidades torácica e abdominal) aonde os órgãos vão se acomodando (para maiores detalhes consulte bibliografia de embriologia). Surgem os folhetos de revestimento, denominados de serosas, que evitam o atrito de um órgão com o outro, impedem as aderências, mantém os órgãos umidificados, promovem separações de cavidades (mediastino) e mantém a estática visceral. Entretanto, alguns órgãos, por não se encontrarem em cavidades, são desprovidos de serosas, mas apresentam um tecido conjuntivo frouxo, chamado de adventícia, que não libera secreção alguma, simplesmente mantém a estática do órgão em meio a outros, evitando atrito, estiramentos, compressões, torções e deslocamentos. Assim, para que, tanto as vísceras extra-serosas como as intra- serosas sejam mantidas em suas posições originais, várias estruturas colaboram neste processo, constituindo os fatores de estática visceral. VÍSCERAS EXTRA-SEROSAS As vísceras cefálicas e cervicais, os órgãos localizados no mediastino (considerando- se o saco pericárdico e coração um único órgão), os órgãos extra-peritoniais do abdome e pelve não encontram-se no interior de uma cavidade serosa ou envoltos na sua totalidade por uma serosa, mas sim embebidos em um tecido conjuntivo frouxo, mais ou menos abundante conforme a região. Este tecido conjuntivo constitui o primeiro fator para manutenção da estática destes órgãos, podendo ser observado ao redor, constituindo Generalidades Constituintes Regiões Corporais 30 cápsulas, bainhas e ligamentos que, às vezes, podem ser reforçados por músculo liso. Além de fixar diretamente o órgão à parede do tubo esplâncnico, o tecido conjuntivo e suas diferenciações interligam vísceras, estabelecendo uma continuidade entre elas, caracterizando um eficiente meio de contensão (fixação da glândula tireoide ao tubo laringotraqueal por tecido conjuntivo, que em muitas espécies forma ligamentos resistentes). O segundo fator é representado pelos vasos sanguíneos, especialmente as artérias, que além de conduzirem o sangue funcionam como amarras ou tirantes e quando repletas de sangue sob pressão são capazes de suportar parte do peso do órgão a que se destinam, por tornarem-se parcialmente rígidas (a artéria renal suporta um peso de até 10 g). Outros vasos, que perdem a sua função após o nascimento (ducto arterioso que torna-se o ligamento arterioso, ligamento redondo hepático oriundo da veia umbilical esquerda, os ligamentos redondos vesicais que são resquícios das artérias umbilicais) obliteram-se e sofrem o processo de fibrosamento constituindo resistentes cordões de fixação. O último fator é representado pelos músculos esqueléticos que exercem fixação por suspensão (músculos supra-hióideos que fixam o parelho hioideo e por consequência o conduto laringotraqueal ou o músculo elevador do ânus na qual está preso o reto). VÍSCERAS INTRASEROSAS A membrana serosa reveste as cavidades peritoneal, pleural e pericardíaca, que são geralmente descritas como cavidades fechadas do corpo, embora na fêmea, a cavidade peritoneal se comunique com o exterior através das tubas uterinas. Estruturalmente, a serosa é constituída por um epitélio de revestimento (mesotélio), por um tecido conjuntivo de sustentação, por uma lâmina basal entre os dois, não apresenta glândulas e o líquido presente em sua superfície é aquoso (liberado por vesículas do citoplasma das células mesoteliais). A reabsorção desse líquido é feito pelas mesmas células, independente de estarem no paquímero dorsal ou ventral. Assim, a manutenção da estática visceral neste caso obedece a fatores mais complexos que aqueles observados no item anterior, carecendo de descrição pormenorizada. Estática do coração Garantida exclusivamente pelas conexões vasculares do órgão (Fig. 27), onde as duas veias cavas (cranial e caudal) exercem o papel de cordas horizontais fixas ao coração por sua base, enquanto que a aorta atua como um meio de suspensão poderoso, por tornar-se rígida pela pressão sanguínea em seu lúmen, e como principal fator do choque de ponta cardíaco (o aumento da pres Fig. 27 Fatores de estática do coração. FONTE: Popesko P. Atlas de Anatomia Topográfica dos Animais Domésticos. Manole, São Paulo, 1985. Aorta (12), veias cavas cranial (36) e caudal (24), veias pulmonares (25) e o círculo verde indica o tronco pulmonar. Generalidades Constituintes Regiões Corporais 31 são arterial na aorta após a sístole ventricular, tende a abrir a curvatura do arco aórtico e deslocar cranialmente o ramo ascendente, permitindo a aproximação do coração da parede torácica). A maior abertura do arco é limitada pelo ligamento arterioso, que realiza sua fixação ao ramo esquerdo do tronco pulmonar, que assim como a aorta torna-se rígido pela pressão sanguínea. O papel das veias pulmonares na estática do coração é de impedir deslocamentos látero-laterais do coração. Por fim, os ligamentos frênico-pericárdico (carnívoro e suíno) e esternopericárdico (equino e ruminante), atuam na fixação do coração pelo seu ápice. Estática do pulmão Os pulmões ocupam as partes laterais da cavidade torácica, estando quase completamente envoltos pela pleura e em contato íntimo com a parede torácica, deslizando sobre elas em cada ciclo respiratório. Um fino filme líquido faz com que as pleuras parietal e visceral estejam unidas como duas lâminas de vidro molhadas, onde a tensão superficial gerada permite o deslizamento pulmonar sem atrito (Fig. 28). O pulmão é insuflado pela pressão atmosférica que atua por meio da árvore traqueobrônquica (Fig. 29), sempre em contato com a parede torácica, contudo quando instalada a pressão subatmosférica, resultante retração elástica pulmonar, o espaço pleural, antes virtual, torna-se real. A retração pulmonar, pela introdução de ar no espaço pleural, é maior no cadáver que no vivente, pois os vasos sanguíneos funcionam como uma armação que impede a retração total do órgão. Assim, os vasos (tronco pulmonar e veias pulmonares) repletos de sangue sob pressão, assim como os demais elementos do pedículo pulmonar (brônquios, nervos, vasos linfáticos e ligamento pulmonar), também chamado de hilo ou raiz pulmonar, atuam como estruturas para a manutenção da posição pulmonar, contudo cabe ao vazio pleural o principal papel na estática pulmonar. Fig. 28 Fatores de estática dos pulmões, em verde a organização das pleuras parietal, visceral e mediastínica. FONTE: Popesko P. Atlas de Anatomia Topográfica dos Animais Domésticos. Manole, São Paulo, 1985. Generalidades Constituintes Regiões Corporais 32 Fig. 29 A: Molde em corrosão da árvore traqueobrônquica no canino. B: Detalhe dos brônquios principais e traqueal no suíno. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. (Tradução do espanhol: Lóbulo significa lobo na língua portuguesa). Estática das vísceras abdominais Diferentes fatores contribuem para a estática das vísceras abdominais, como os efeitos de vizinhança (sintopia visceral), a ação da parede e a pressão abdominal, que são intimamente relacionados. A massa visceral exerce uma pressão, semelhante à pressão hidrostática, sobre a parede abdominal, que é flácida, resultando em um estímulo à tonicidade da musculatura abdominal que gera uma força contrária que tende a comprimir e apoiar o conteúdo visceral abdominal. Este binômio morfológico e funcional (peso da massa visceral e parede abdominal) gera uma pressão intra-abdominal, que devido à posição quadrupedal dos animais, torna-se maior quanto mais ventralmente estiver localizada a víscera na cavidade abdominal. Assim, a perda do tônus abdominal favorece o abaixamento geral dos órgãos abdominais associada à perda da topografia padrão. Ainda, deve-se salientar o papel exercido pela coluna vertebral, principalmente da região lombar, na sustentação dos órgãos abdominais (este tópico será discutido na sessão sobre mecânica da coluna vertebral). Outros fatores importantes são as conexões anatômicas diretas, que são intimamente relacionadas à membrana serosa abdominal (peritônio) (Fig. 30). As conexões peritoniais são importantes por limitarem o deslocamento visceral no momento da perda da pressão intra-abdominal (por uma incisão cirúrgica ou por um rompimento acidental da parede), mantendo, desta forma, o deslocamento dentro das suas conexões diretas e permitindo o retorno à sua posição inicial quando recuperada a pressão abdominal. Existem dois tipos de conexões peritoniais diretas: primárias (realizadas pelos ligamentos, mesos e omentos ou epíplons, sendo observadas em animais quadrúpedes, semi-eretos e eretos) e secundárias (coalescências, que são adquiridas durante a organogênese, representando um aperfeiçoamento na fixação visceral). As conexões Generalidades Constituintes Regiões Corporais 33 peritoneais devem a sua capacidade de fixação à camada fibroelástica da sua túnica própria. Finalizando, ressalta-se o importante papel desempenhado pela vasculatura visceral, quer diretamente pela sua repleção por sangue sob pressão ou pelo sua obliteração e fibrosamento (já discutido em conjunto das visceras extra-serosas). Fig. 30 Representação esquemática da disposição do peritônio nas cavidades abdominal e pélvica no felino doméstico em secção mediana. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. (Tradução do espanhol: Lóbulo significa lobo na língua portuguesa). Estática das vísceras pélvicas Os órgãos contidos na cavidade pélvica diferenciam-se dos abdominais por alguns apresentarem-se envoltos pelo tecido conjuntivo subperitoneal (próstata) ou alguns estarem relacionados a este tecido e, em parte, conectados ao peritônio (útero, reto e bexiga), exigindo maior grau de fixação por estarem no final do tubo esplâncnico e devido à proximidade com as aberturas perineais, o que permitiria seu deslocamento e formação de hérnias. Com isto, observa-se que, os órgãos em contato com o peritônio pélvico possuem nesta serosa um elemento de fixação que, ao partir da parede do coxal, forma ligamentos que aderem em maior ou menor extensão na parede da víscera, limitando seu deslocamento e constituindo um aparelho de tração craniocaudal ou de limitação da movimentação dos órgãos pélvicos. Abaixo do conjuntivo subseroso, revestido por sua fáscia, encontra-se o plano músculo-tendíneo do períneo, que oferece sólido apoio às vísceras pélvicas, constituindo o fundo da pelve. Esta região denominada de diafragma pélvico compreende uma porção fáscio-muscular (fáscias pélvica, perineal profunda e superficial, e músculos superficiais e profundos do períneo, principalmente elevador do ânus e esfíncter anal externo) e pelo diafragma urogenital (disposto abaixo do hiato genital, sendo formado no macho: músculos bulbo-esponjoso, isquicavernoso, isquiouretral, esfinctérico da uretra, transverso superficial do períneo, profundo do períneo, retrator do pênis, retrator do ânus, fáscia perineal e aponeuroses do períneo; e na fêmea: músculos constritor da vulva, constritor do vestíbulo, isquicavernoso, isquiouretral, retrator do clitóris, transversos superficial e profundo do períneo, esfinctérico da uretra, aponeuroses superficial e profunda do períneo e fáscia perineal). Generalidades Constituintes Regiões Corporais 34 O diafragma pélvico é incompleto, visto que o músculo elevador do ânus apresenta o hiato genital (fenda mediana entre seus feixes púbicos), que permite a passagem ao reto e uretra e, na fêmea, à vagina, cuja contração muscular diminui o diâmetro e o comprimento desta abertura. Esta relação é de maior importância na fêmea, pois com o aumento da pressão intra-abdominal (como ocorre no parto), o diafragma pélvico oferece resistência ao útero (mais móvel e deslocável víscera pélvica), sendo necessário restabelecer sua integridade quando comprometida. Reforçando a estática dos órgãos pélvicos encontra-se o aparelho de fechamento do períneo, constituído pela justaposição oblíqua das pare des dos condutos intestinal (reto), uri nário (uretra) e genital (vagina), que se dispõem como ripas de uma veneziana entre as fibras do músculo elevador do ânus (Fig. 31). Durante a contração deste músculo, principalmente nos momentos de maior pressão intra-abdominal, estes órgãos são tracionados dorsalmente, fazendo com que um pressione o outro e o lúmen de cada um é obliterado. Outros fatores importantes na estática dos órgãos pélvicos são o aparelho de contenção elástica visceral, formado pelo tecido conjuntivo frouxo embebido de tecido adiposo, e o tecido conjuntivo pélvico, que em certas direções apresenta-se condensado e organizado em ligamentos. ESQUELETOPIA E TOPOLOGIA VISCERAL Sendo a esqueletopia compreendida em um sentido amplo (relação dos ossos entre si e com outros sistemas), pode-se aplicar este conceito em um sentido mais restrito, considerando-se a projeção dos órgãos sobre o esqueleto e a distância que os separa deste. Com isso, é possível determinar a área de projeção de cada órgão sobre o esqueleto próximo, estabelecendo correspondências entre as várias partes de cada órgão e as peças ósseas (topologia). Fig. 31 Representação esquemática dos recessos perironiais na fêmea (A) e no macho (B). FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. A B Generalidades Constituintes Regiões Corporais 35 ESQUELETOPIA E TOPOLOGIA DO DIAFRAGMA ESPÉCIE FASE CICLO RESPIRATÓRIO INSPIRAÇÃOEXPIRAÇÃO REPOUSO CANINO Linha ligeiramente convexa 7ª. costela – L3 Linha convexidade cranial 7ª. – 13ª. costela Linha retilínea 7ª. – 13ª. costela EQUINO Linha convexidade caudal 7º. EIC – L3-4 Linha convexidade cranial 17º. – 7º. EIC (superfície dorsal cartilagem xifoide) Linha retilínea 7º. EIC (superfície dorsal cartilagem xifoide) – 17º. EIC BOVINO Linha convexidade caudal 6º. – 12º. EIC Linha convexidade cranial 5º. – 12º. EIC Linha retilínea 5º. – 12º. EIC SUÍNO Linha convexidade caudal 6º. EIC – L3 Linha convexidade cranial 6º. – 12º. EIC Linha retilínea 6º. EIC – 13ª. costela PEQ. RUM. Linha convexidade caudal 7ª. costela – L3 Linha convexidade cranial 7ª. – 12ª. costela Linha retilínea esterno na 7ª. costela – L1 ESQUELETOPIA E TOPOLOGIA CARDÍACA ESPÉCIE ANTÍMERO DIREITO ANTÍMERO ESQUERDO CRANIAL CAUDAL DORSAL VENTRAL CRANIAL CAUDAL DORSAL VENTRAL CANINO 2º. EIC 6º. EIC Linha tangencia articulações úmero e coxal 2ª. – 5ª. costela acompanhando esterno MESMOS LIMITES Bulha pulmonar: 3º. EIC Bulha aórtica: 4º. EIC Bulha mitral: 5º. EIC Bulha tricúspide: 4º. EIC EQÜINO 2º. EIC linha vertical tangencia tuberosidade da espinha da escápula 6º. EIC linha vertical tangencia cartilagem escápula Linha entre articulações do úmero e coxal Linha horizontal tangencia olécrano MESMOS LIMITES Bulha pulmonar: 3º. EIC Bulha aórtica: 4º. EIC Bulha mitral: 5º. EIC Bulha tricúspide: 3º. EIC sob 4ª. costela BOVINO 3ª. costela Ápice 6º. EIC linha tangencia bordo caudal cartilagem escápula Linha horizontal acompanha articulação úmero Linha acompanha esterno 3ª. costela até 6ª. EIC MESMOS LIMITES Bulha tricúspide: 3º. EIC sob 4ª. costela SUÍNO 2ª. costela 5ª. costela Linha entre articulações úmero até coxal. 2ª. – 5ª costela MESMOS LIMITES Bulha pulmonar: 2º. EIC Bulha aórtica: 3º. EIC Bulha mitral: 4º. EIC Bulha tricúspide: 3º. EIC PEQ. RUM. 2ª. costela 5º. EIC Linha entre articulações do úmero e coxal Esterno MESMOS LIMITES Bulha pulmonar: 3º. EIC Bulha aórtica e mitral: 4º. EIC Bulha tricúspide: 3º. EIC Generalidades Constituintes Regiões Corporais 36 ESQUELETOPIA E TOPOLOGIA PULMONAR ESPÉCIE PULMÃO DIREITO PULMÃO ESQUERDO CRANIAL CAUDAL DORSAL VENTRAL CRANIAL CAUDAL DORSAL VENTRAL CANINO 1ª. costela 12º. EIC 1ª. costela – 12º. EIC 1ª. – 5ª. costela 1ª. costela 6ª. costela – 12º. EIC 1ª. costela – 12º. EIC 1ª. – 6ª. costela Incisura cardíaca: 5ª. costela EQUINO Metade diáfise do úmero até rebordo caudal cartilagem escapular 17º. – 6º. EIC Cartilagem da escápula até 17º. EIC 4º. – 6º. EIC diáfise do úmero MESMA TOPOGRAFIA BOVINO 1ª. costela 11º. – 6º. EIC 1ª. – 12ª. costela 6º EIC – 1ª. costela MESMA TOPOGRAFIA Incisura cardíaca: 3ª. costela SUÍNO MESMA TOPOGRAFIA Diáfise do úmero 1ª. costela 12º. – 4º. EIC Espinha da escápula 12º. EIC Metade diáfise úmero 4º. EIC Incisura cardíaca: 3ª. costela PEQ. RUM. 1º. EIC Linha convexa 12º. – 5º. EIC Linha paralela processo transversos 12º. – 5º. EIC Linha côncava 1o. – 5º. EIC MESMA TOPOGRAFIA Incisura cardíaca: 4ª. costela ESQUELETOPIA E TOPOLOGIA HEPÁTICA ESPÉCIE ANTÍMERO DIREITO ANTÍMERO ESQUERDO CRANIAL CAUDAL DORSAL VENTRAL CRANIAL CAUDAL VENTRAL CANINO 1/3 inferior 6ª. costela Linha dorsoventral 12º. – 9º. EIC Linha retilínea 12º. EIC – 6ª. costela Linha convexa 6ª. costela – 10º. EIC 11ª. costela – 7º. EIC Linha dorsoventral 11ª. – 12ª. costela ultrapassa gradil costal Acompanha assoalho abdominal 7º. EIC – 12ª. costela Vesícula biliar: 1/3 ventral 9ª. costela EQUINO Linha convexa 8º. – 15º. EIC Linha convexa 15º. – 11º. EIC Linha convexa 11º. – 8º. EIC Linha convexa 6º. – 13º. EIC Linha convexa 8º. – 13º. EIC Linha convexa 6º. – 8º. EIC BOVINO 5º. EIC 12º. EIC Vesícula biliar 10º. EIC SUÍNO 14ª. costela – 5º. EIC 14ª. costela 5º. EIC – 13ª. costela 5º. – 8º. EIC 8º. EIC – 12ª. costela 5º. EIC – 12ª. costela PEQ. RUM. 5º. EIC 13ª. costela Vesícula biliar 9º. EIC Generalidades Constituintes Regiões Corporais 37 ESQUELETOPIA E TOPOLOGIA DO BAÇO ESPÉCIE ANTÍMERO ESQUERDO CANINO Alongado e semitriangular 11º. EIC – L2 EQUINO Cranial: linha côncava 14º. – 12º. EIC Caudal: linha convexa 12º. EIC – L3 Dorsal: linha retilínea 14º. EIC – L3 BOVINO Alongado 7º. – 12º. EIC SUÍNO Triangular e alongado dorsoventralmente 12º. EIC – L2 PEQ. RUM. Arredondado 10º. EIC – L3 ESQUELETOPIA E TOPOLOGIA GÁSTRICA ESPÉCIE ANTÍMERO DIREITO ANTÍMERO ESQUERDO CANINO Arredondado 9º. EIC – 13ª. costela Ventralmente ultrapassa rebordo costal EQÜINO Projeção ligeiramente circular 10º. – 16º. EIC BOVINO Três projeções circulares 5º. EIC – 11ª. costela Rúmen: 7º. EIC – L5 Saco dorsal: até promontório sacral Saco ventral: projeta-se sobre fêmur e assoalho abdominal Retículo: cranialmente do 5º. – 7º. EIC Omaso: dorsalmente do 7º. – 10º. EIC Abomaso: caudoventralmente do 7º. – 11º. EIC Retículo: projeta-se cranialmente até 5º. EIC SUÍNO Projeção amêndoa ultrapassa gradil costal 10º. EIC – 13ª. costela Ligeiramente ovalado acompanha linha vertebral 8ª. – 13ª. costela PEQ. RUM. Três projeções circulares 5º. EIC – 10ª. costela Rúmen: 7º. EIC – L5 Saco dorsal: até promontório sacral Saco ventral: acompanha assoalho abdominal Retículo: cranialmente do 6º. – 5º. EIC Omaso: dorsalmente do 6º. – 9ª. costela Abomaso: ventralmente do 6º. EIC – 10ª. costela Retículo: projeta-se cranialmente até 6ª. costela ESQUELETOPIA E TOPOLOGIA INTESTINAL ESPÉCIE ANTÍMERO DIREITO ANTÍMERO ESQUERDO CANINO Intestino delgado Cólon esquerdo faixa até 11ª. costela Cólon direito abaixo esquerdo Ceco projeção circular entre ID e Cólon esquerdo Intestino delgado Cólon esquerdo faixa central estreita Ceco cranialmente Cólon esquerdo EQUINO 4 faixas: cranialmente: Cólon dorsal direito – 7º. EIC ventralmente: Cólon ventral direito centralmente: Ceco (maior área) caudalmente: Intestino delgado 4 faixas dentro gradil costal, mais cranialmente Cólon dorsal esquerdo Fora gradil costal dorsoventralmente: Cólon terminal Intestino delgado Cólon ventral esquerdo BOVINO dorsocranialmente: Duodeno centro: Cólon espiral ventralmente: Jejuno SUÍNO Intestino delgado faixa dorsal: Intestino grosso faixa ventral: ceco centralmente: intestino grosso dorso-caudo-cranialmente: Intestino delgado PEQ. RUM. dorsalmente: Ceco, cólon e reto, entremeados pelo duodeno ventralmente: Jejuno Generalidades Constituintes Regiões Corporais 38 ESQUELETOPIA E TOPOLOGIA RENAL ESPÉCIE ANTÍMERO DIREITO ANTÍMEROESQUERDO CANINO 12ª. costela – L1 13ª. costela – L2 EQUINO 14º. – 17º. EIC 16º. EIC – L3 BOVINO Direito: 11º.EIC – L2 Esquerdo: L2-L5 SUÍNO 13º. EIC – L4 13º. EIC – L4 PEQ. RUM. Direito: 11º. EIC – L2 Esquerdo: L2-L5 ESQUELETOPIA E TOPOLOGIA OVARIANA ESPÉCIE ANTÍMERO DIREITO ANTÍMERO ESQUERDO CANINO Caudalmente respectivo rim, dorsal ou dorsolateralmente cólon ascendente. Caudalmente respectivo rim, extremidade dorsal baço e dorsolateralmente cólon descendente. EQUINO Dorsalmente abdome, cranioventralmente a cada asa do ílio em L5 BOVINO Parte ventral do corpo do íleo respectivo, junto a entrada da pelve SUÍNO Ventrolateralmente à entrada da pelve, encontrados entre os intestinos PEQ. RUM. Parte ventral do corpo do íleo respectivo, junto a entrada da pelve 4. Tipos Constitucionais em Medicina Veterinária GENERALIDADES E CONCEITOS Em sentido amplo o tipo constitucional refere-se à característica de estrutura anatômica que, em linhas gerais, são comuns a várias raças que desempenham trabalhos similares e, em sentido estrito, está relacionado a cada padrão racial. Com isso, o tipo constitucional ou biótipo ou zootipo, pode ser definido como: o esquema arquitetônico ao qual correspodem animais que, mesmo de diferentes origens, apresentam as mesmas aptidões funcionais. Nesse sentido o conhecimento da função específica de uma raça facilita a compreensão de seu padrão racial, no que diz respeito às exigências estruturais. Desta forma entende-se que o tipo constitucional possui uma íntima associação com a aptidão funcional, sendo que o primeiro aspecto a ser observado ao examinar-se um animal é o tipo: típico ou atípico. O tipo constitucional resulta do desenvolvimento do genótipo que é a carga de elementos hereditários que o animal traz em potencial, sobre o qual atuam fatores não genéticos, chamados de parátipo ou condição, como por exemplo, clima, tipo de solo, alimentação, nutrição, espaço disponível, controle parasitário, vacinas, que permitem, ou não, o desenvolvimento dessa potencialidade genética. Sob esse enfoque o tipo constitucional confunde-se com o fenótipo que é o conjunto de características apresentadas por um indivíduo, sejam elas morfológicas ou fisiológicas ou comportamentais que, por indução, reporta-se à sua característica genética. Também fazem parte do fenótipo características microscópicas e de natureza bioquímica, que necessitam de testes especiais para a sua identificação. Para a determinação do tipo constitucional são utilizados vários fatores morfológicos e morfométricos, que buscam estabelecer o padrão racial ou pedigree, que é um certificado de registro de um animal doméstico, indicando as características básicas do animal padronizadas de acordo com a raça, variedade e pelagem (tipo e cor) mostrando os ascendentes do animal obrigatoriamente até a terceira geração. As características a serem avaliadas são: RAÇA A raça é um conceito que obedece a diversos parâmetros para classificar diferentes populações de uma mesma espécie biológica de acordo com suas características genéticas ou fenotípicas; é comum falar-se das raças de cães ou de outros animais. Os zoólogos geralmente consideram a raça um sinônimo das subespécies, caracterizada pela comprovada existência de linhagens distintas dentro das espécies, portanto, para a delimitação de subespécies ou raças a diferenciação genética é uma condição essencial, ainda que não suficiente. Para alguns biólogos, a raça é um grupo distinto constituindo toda ou parte de uma espécie. Uma espécie monotípica não tem raças ou a raça é representada por toda a espécie. A variação dentro de uma espécie é evidente e segue um padrão, mas Tipos Constitucionais em Medicina Veterinária 40 não há divisões claras entre os diferentes grupos, mas apenas um gradiente de tamanhos, formas ou cores. Este tipo de variação clinal significa que existe um fluxo de genes substancial entre os grupos aparentemente separados que formam a(s) população(ões) e é normal nas espécies monotípicas (espécie humana). Uma espécie politípica tem raças distintas, que são grupos separados que normalmente não se cruzam geneticamente (embora possa haver zonas relativamente estreitas de hibridização), mas que poderiam cruzar-se e produzir descendentes com características mistas (ou iguais a cada um dos progenitores) se as condições ambientais o permitissem, normalmente isto se passa entre populações geograficamente isoladas da mesma espécie, que podem ser consideradas subespécies ou variedades. É importante notar que os grupos que normalmente não se cruzam, apesar de viverem na mesma área geográfica, não são raças, mas sim espécies diferentes. Os verdadeiros híbridos de espécies diferentes, como por exemplo, da égua com o jumento, dão sempre descendentes estéreis, como o são, os machos e as mulas. ALOIDISMO E PERFIL Na análise de um animal durante a inspeção visual o primeiro fator a ser observado é conjunto de linhas de contorno que delimitam o corpo do animal ou perfil, considerando as variações pertinentes a uma espécie ou raça. O perfil, de modo geral, é mais bem apreciado na cabeça por ser o segmento que nos animais, menos alterações sofrem com fatores externos como obesidade, gestações, etc. O estudo do perfil (aloidismo) possibilita a identificação de três tipos básicos: Perfil Retilíneo ou Ortóide Caracterizado por linhas retas e ângulos agudos nas junções entre as linhas, predominando a linha longitudinal que se prolonga sem sinuosidades, cabeça alongada, região cervical e membros longos e pouco musculosos (Fig. 32). Neste perfil encontram-se os equinos das raças Andaluz e Puro Sangue Inglês, e cães das raças Greyhound e Afghan Hound. Perfil Concavilíneo ou Selóide Caracterizado por uma linha longitudinal côncava, com ângulos mediamente proeminentes entre as junções das linhas das demais porções do corpo, cabeça mediana, região cervical e membros medianamente musculosos e curtos, no entanto o tórax é alargado. Este perfil é observado nos bovinos Jersey e Holandês. Perfil Convexilíneo ou Certóide Caracterizado por linhas convexas unidas por ângulos obtusos, cabeça mais larga que longa, região cervical e membros mais curtos e musculosos, predominando a largura do tronco sobre o comprimento (Fig. 32). Este perfil é encontrado nos equinos Percherón e Bretão, bovinos Charolês e Normanda e cães Rottweiler e Staffordshire Terrier. Fig. 32 Perfil retilíneo. Fig. 33 Perfil convexilíneo. Tipos Constitucionais em Medicina Veterinária 41 HETEROMETRIA E FORMATO Após analisado o perfil do animal deve-se observar o formato, que exprime a massa corpórea do animal adulto, considerando as dimensões, peso, volume e forma. O formato exprime mais diretamente a aptidão funcional do animal e revela as variações ou alterações do genótipo-fenótipo realizadas pela seleção artificial. Os formatos podem ser: Eumétrico Animal apresenta proporção entre altura, massa corporal, volume, peso e forma, estando nesta categoria os equinos Crioulo e Mangalarga, os cães Beagle e Pointer. Hipométrico Animais com proporções reduzidas em relação ao padrão original da espécie. São exemplos de animias hipométricos os Pôneis e os cães Pinscher, Pequinês e Yorkshire Terrier. Hipermétrico Neste perfil observa-se um aumento em todas as características morfológicas que definem o tamanho do animal, estando geralmente associado ao perfil convexilíneo ou certóide. São exemplos de animais hipermétricos os equinos Bretão e Percherón, os cães Fila Brasileiro, Mastin Napoitano e São Bernardo, os bovinosHereford, Simental, Limousin e Brahma e os suínos Duroc e Large White. ÍNDICES ZOOMÉTRICOS Os índices zoométricos são, em termos anatômicos, os parâmetros que definem matematicamente e geométricamente o tipo constitucional. Compreendem a relação entre duas medidas corporais, ou entre uma destas e o peso vivo do animal, pondo em evidência as proporções, definindo seu tipo constitucional, indicando, com relativa precisão, a sua morfologia e permitindo o estudo de raças e indivíduos. No entanto, apesar de fornecerem indicações valiosas sobre a morfologia e funcionalidade dos animais, ao utilizarmos os índices corporais deve-se considerar que estes não oferecem juízo final sobre os méritos de um indivíduo, devendo estes serem complementados com dados genealógicos da espécie ou raça. Medidas de comprimento As principais medidas incluem: comprimento occipito-isquiático (distância entre a protuberância occipital até a tuberosidade isquiática); comprimento do corpo (distância entre a extremidade cranial da escápula e a ponta ou extremidade caudal da nádega); comprimento do peito (distância entre a ponta cranial da escápula até o ponto mais saliente da última costela) e comprimento da pelve (distância entre a borda cranial da tuberosidade ilíaca até a extremidade tuberosidade isquiática). Tipos Constitucionais em Medicina Veterinária 42 Medidas de Altura Incluem a altura da cernelha (distância vertical entre a cartilagem da escápula e o solo, sendo que nos zebuínos esta medida deve ser tomada imediatamente atrás do cupim); altura ou profundidade peitoral ou profundidade do tórax (distância entre a cartilagem da escápula em sua porção mediana ao esterno, caudalmente à articulação cúbita até a linha de dorso); altura ilíaca ou da anca (distância da tuberosidade ilíaca ao solo); altura do dorso (distância do centro dorso ao solo); altura ou profundidade do corpo (distância da tuberosidade ilíaca até a região inguinal). Medidas de Largura São medidas: largura peitoral (distância em linha reta entre os pontos atrás das escápulas ou na metade da profundidade do tórax); largura ilíaca (distância de uma tuberosidade ilíaca à outra ou entre os ângulos externos dos ílios); largura nas articulações coxais (distância entre os ângulos externos das articulações coxais); largura isquiática (entre as bordas externas das duas tuberosidades isquiáticas); largura do tórax (distância entre as duas linhas laterais que passam pelos ângulos dorsais das escápulas); largura costal (distância entre dois pontos situados no meio do gradil costal); perímetro torácico (linha que sai sobre a espinha da escápula de um antímero ao outro); perímetro metacárpico (medido no meio do metacarpo, na sua parte mais fina). Índices e Proporções Com as medidas sugeridas anteriormente é possível estabelecer índices ou proporções, em geral pegando-se uma medida padrão como denominador (b) e a medida que se deseja relacionar no numerador (a) da fração e multipli cando por 100 como no exemplo (Fig. 34). Assim, o índice pode ser definido como a proporção entre duas ou várias mensurações de regiões do corpo que apresentam correlações fisiológica, anatômica ou mecânica e podem ser divididos em quatro: Índices de formato ou corporais: Índice corporal é mensurado considerando o perfil, permitindo classificar o animal como longilíneo, mediolíneo ou brevilíneo, indicativos de maturidade fisiológica. IC = comprimento do corpo x 100 perímetro torácico Índice corporal lateral é mensurado considerando o perfil, permitindo classificar o animal como longilíneo, mediolíneo ou brevilíneo, indicativos de maturidade fisiológica. ICL = altura ecápula linha do dorso x 100 comprimento do corpo Fig. 34 Fórmula geral de cálculo dos índices corporais Tipos Constitucionais em Medicina Veterinária 43 Índice corporal transversal quanto maior o valor, mais a caixa torácica do animal é larga, observado pela frente ou por trás. As variações deste índice são muito grandes em conformidade com a tipologia. IT = largura peitoral x 100 altura ecápula linha do dorso Índice de formato tronco indica a profundidade do corpo em relação ao comprimento, consequentemente, a precocidade do animal. Se o animal for também brevilineo (Índice corporal), mais precoce o animal será. IP = profundidade peitoral x 100 comprimento do corpo Índice corporal transversal que quanto maior este índice, mais convexo será o tórax; quanto menor o índice, mais o tórax será achatado em corte transversal. ICT = largura peitoral x 100 profundidade peitoral Índice superfície corporal que quanto menor for, menor será o quadrado da base, indicando o tipo brevelíneo.é mensurado considerando o perfil, permitindo classificar o animal como longilíneo, mediolíneo ou brevilíneo, indicativos de maturidade fisiológica. ILP = largura peitoral x 100 comprimento do corpo Índice profundidade torácica indica em quanto a altura de um paralelepípedo correspondente ao tronco é superior à altura dos membros. IRP = profundidade peitoral x 100 altura ecápula linha do dorso Índices de construção ou mecânicos Índice de posição cúbital indica quanto o tórax desce entre os membros, sendo que quanto maior o índice, mais o tronco desceu entre os membros torácico e mais inclinada é a escápula. IPC = posição articulação cúbita x 100 profundidade peitoral Índice de elevação quanto maior este valor, mais o animal tem o formato descendente. IP = altura no sacro ou altura ecápula linha do dorso x 100 altura trocanter maior Tipos Constitucionais em Medicina Veterinária 44 Índice metatarsiano quanto maior for, mais a articulação femoro-tíbio-patelar é baixa, deixando o fêmur mais inclinado e mais alongado.quanto maior este valor, mais o animal tem o formato descendente. IP = altura cubital x 100 altura fêmur Índices orgânicos Índice de elevação quanto maior este valor, mais o animal tem o formato descendente. ICT = comprimento torácico x 100 comprimento corporal + comprimento da pelve Índice cefálico ICf = largura entre processos zigomáticos x 100 comprimento da cabeça Índice torácico transversal quanto maior este valor, mais o animal tem o formato descendente. ITT = largura torácica x 100 altura torácica Índice dátilo-torácico IP = perímetro do metacarpo x 100 perímetro torácico Índices de volume Índice solidez óssea ISO = perímetro metacarpo x 100 perímetro torácico Índice de compacidade de Rohrer quanto maior este valor, mais pesado o animal em proporção à sua altura. ICR = peso corporal x 100 (altura escápula dorso)3 Índice de volume quanto maior este valor, mais o animal tem o formato descendente. IV = comprimento do corpo x 100 profundidade peitoral Índice de elevação quanto maior este valor, mais o animal tem o formato descendente. IP = altura no sacro ou altura ecápula linha do dorso x 100 altura trocanter maior Tipos Constitucionais em Medicina Veterinária 45 Índice de crescimento quanto maior este valor, maior o crescimento do animal Ic = (comprimento do corpo x profundidade peitoral) x 100 comprimento do corpo Compacidade medida é vinculada a tipologia. Comp = peso corporal x 100 altura escápula dorso CLASSIFICAÇÃO DOS TIPOS CONSTITUCIONAIS Quando observamos um grupo de animais evidenciamos diferenças morfológicas entre os elementos que compõem o grupo, chamado de variação constitucional, quepodem se apresentar mais externamente do que internamente, sem prejuízo funcional para o indivíduo. Estas mudanças no formato do animal (anamorfose) podem ser graduais constituem-se de processo de evolução contínua, sem descontinuidades ou saltos. Um grande exemplo de variação anatômica está na somatotipologia, onde a estrutura física de um indivíduo é classificada em quatro condições diferentes: LONGILÍNEO OU DOLICOMORFO Nos longilíneos o perfil é retilíneo ou ortóide, com predomínio acentuado dos eixos longitudinais sobre os transversais: o crânio é longo e estreito, a região cervical e tronco são longos, o tórax é relativamente estreito, os membros são longos, delgados e pouco musculosos. O aspecto geral é de beleza e aerodinamismo: este tipo engloba os cães de grande velocidade, como os Borzóis, Whippets, equinos Puro Sangue Inglês e Árabe, os bovinos Gir e Guzerá e o suíno Landrace. MEDIOLÍNEO OU MESOMORFO Os animais mediolíneos possuem perfil selóide tendendo à convexilíneo, possuem proporções equilibradas, em que nenhum dos segmentos corpóreos apresentam extremos de relação entre os eixos de medida. Também no aspecto funcional equilibram força e velocidade moderadamente, entretanto, não são dotados de grande resistência física para toda uma jornada de trabalho, como acontece com cães pastores, cães de caça e tiro, equino Crioulo e Quarto de milha e bovino Jersey e Guernsey. BREVELÍNEO OU BRAQUIMORFO Nos brevilíneos o perfil é marcadamente convexilíneo ou certóide, onde os eixos transversais ultrapassam os longitudinais, o corpo é curto e o tórax largo, membros curtos, grossos e musculosos, como também a região cervical que é curta e musculosa, sendo a cabeça também curta e larga. A idéia geral é de compacticidade, robustez e estabilidade. São animais de grande força física, como por exemplo, os Bulldogues, o Mastim Napolitano, os equinos Percherón e Bretão e os bovinos Charolês, Aberdeen Angus e Brahma e os suínos Duroc e Large White. Tipos Constitucionais em Medicina Veterinária 46 ANACOLIMORFO Os anacolimorfos apresentam a cabeça, o pescoço e o tronco em proporções normais, porém alguns possuem os membros extremamente encurtados facilitando o trabalho junto ao solo como o cão Basset-hound, ou sob o solo como os cães Dachshund, Scottish Terrier e o Pônei. HARMONIA DE CONFORMAÇÃO OU CONSTRUÇÃO A ezoognósia propicia a observação da harmonia entre as partes, os defeitos e a beleza, bem como a relação entre a conformação e a produtividade do animal, facilitando o reconhecimento dos atributos morfológicos associados às funções econômicas. A harmonia de construção diz respeito ao equlíbrio de proporções dos diferentes segmentos corpóreos. Varia de raça para raça e está intimamente ligada ao conceito de beleza zootécnica (funcional) que nada tem a ver com o conceito de beleza subjetiva (pessoal) que, sob hipótese alguma, deve pesar no julgamento. A beleza de um animal reside no conjunto e nos detalhes, na relação adequada entre as regiões do corpo e na harmonia da conformação. O animal não pode ser desproporcional, embora a observação esteja limitada à apreciação visual sem a tomada direta das medidas no animal. Em bovinos, há entre machos, fêmeas e castrados, de uma mesma raça, diferenças mais evidentes do que nos equinos, por exemplo. Essas medidas ficam mais acentuadas à medida que o animal fica mais velho e sua aptidão mais nítida. ANIMAIS DE TRABALHO Esta categoria visa classificar os animais cujo tipo físico e aptidões funcionais foram selecionadas para auxiliar o homem no desempenho de inúmeras atividades laborais ou apenas para compania. Em Medicina Veterinária, os animais de trabalho incluem caninos e equinos, sendo que os primeiros permitem mais amplamente a aplicação da tipologia constitucional devido à diversidade de raças. Caninos Sabe-se que existem diferentes raças de cães com características morfológicas próprias, definindo-se os respectivos tipos morfológicos ou tipos constitucionais. Estes tipos são representados pelo esquema arquitetônico ao qual correspondem indivíduos dotados das mesmas aptidões funcionais, sendo observados cães longilíneos ou dolicomorfos (cujas maiores características são a velocidade e a leveza de movimentos, sendo utilizados para caça viva, como o Afeghan Hound); mediolíneos ou mediomorfos (equilíbrio entre força, resistência e velocidade. São pastores ou especializados em apontar e recolher a caça, como o Pastor Alemão e Pointer); e brevelíneos ou braquimorfo (possuem grande força, sendo utilizados para guarda e defesa, Boxer e Cão de Fila Brasileiro). Particularmente nos cães é evidenciada a associação entre os tipos constitucionais e as variações no formato do crânio. Os caninos apresentam crânios do tipo: braquicéfalo (grandes diâmetros transversais, como observado no Boxer e/ ou grau extremo de braquicefalia observado no Pequinês e Bulldog Inglês); mesaticéfalo (equilíbrio entre os diâmetros transversais e longitudinais com a altura, como observado no Beagle e Labrador) Tipos Constitucionais em Medicina Veterinária 47 e dolicocéfalo (grandes diâmetros longitudinais como apresentado pelo Borzoi e Whippet). Estes tipos de crânio associam-se diretamente aos tipos constitucionais braquimorfo, mediomorfo e dolicomorfo, respectivemente. No entanto, uma segunda classificação dos crânios que considera a cabeça em conjunto, gerando os tipos: graióides (cabeça cônica estando mais relacionadas aos dolicocéfalos e dolicomorfos, por exemplo, Collie); lupóides (cabeça piramidal estando mais associado aos mesatimorfos e mesaticéfalos, contudo podem tender a dolicocefalia, por exemplo, o Pastor Alemão); bracóides (cabeça inscrita em paralelepípedo estando relacionados aos tipos mesaticéfalos e mesatilíneos, como no Cocker Spaniel Inglês e Dog Alemão); e molossóide (cabeça cúbica com região nasal curta ou ultra-curta associado aos tipos braquicéfalo e braquimorfo, como no Bulldog Inglês e Francês e Rotweiller). Equinos Nos equinos, ainda, é possível observar com certa facilidade os três tipos constitucionais básicos, associando-se fundalmentamente às funções ou aptidões de trabalho a que estes animais se destinam. Assim, caracterizam-se animais brevelíneos (animais de grande massa corpórea que apresentam a região cervical e o tronco curtos e musculosos associada a linhas da cabeça convexílineas, mais utilizados para tração pesada ou meio pesada: Bretão e Percherón); mediolíneos (animais que apresentam proporções harmoniosas entre os diâmetros associado a um perfil retilíneo ou convexo, sendo aptos para tração leve e trabalho de campo: Crioulo, Campolina e Mangalarga); e longilíneos (animais que apresentam perfil retilíneo tendendo a côncavo, com linhas leves e membros longos, sendo grandes velocistas, Árabe, Puro Sangue Inglês e Brasileiro de Hipismo). ANIMAIS DE PRODUÇÃO Em animais cujo maior interesse econômico é a produção (alimentos ou outros produtos derivados), melhor se caracterizam os tipos constitucionais associando-se à aptidão funcional para cumprir as finalidades desejadas. Assim, acentua-se a ideia, que estes expressam e representam características raciais selecionadas e aprimoradas genéticamente para melhor desempenhar uma função. As relações com os tipos morfológicos básicos são possíveis em alguns casos, contudo são muito limitadas. Bovinos As avaliações morfológicas em bovinos são ferramentas que fornecem informações complementares que são úteis para determinar tendências e promover seleção ao longo dos anos, permitindo identificar animais com o biótipo adequado para o tipo de produção: leite ou corte (carne). Produção de leite: Animaiscom perfil côncavo, tendendo a longilíneo, associado a cabeça leve, região cervical longa e ossatura fina e que apresentam os membros pélvicos e o úbere desenvolvidos: Holandês, Guernsey e Gir-holanda. Produção de carne: Animais de perfil convexo, apresentando um conjunto compacto com poucas saliências e depressões no corpo associados à cabeça média ou curta, região cervical, tronco e membros curtos e musculosos. Podem apresentar tendência brevelínea (Charolês) ou longilínea (Nelore). Tipos Constitucionais em Medicina Veterinária 48 Dupla produção: Tendência mediolínea (Devon, Normanda e Red-polled e Sin- polled). Suínos O suíno sofreu grandes transformações desde seu aparecimento, tendo inicialmente o corpo ajustado como um animal caçador e lutador, apresentando 70 % de massa anterior e 30 % de posterior; com o advento da domesticação passou a ter 50 % de anterior e 50 % de posterior, que com o auxílio da seleção morfológica e genética produziu-se o suíno atual que é um animal mais muscular e menos gorduroso, passando a ter 70 % de posterior e 30 % de anterior. O perfil do suíno produtor de carne varia entre retilíneo (Landrace e Pietrain), côncavo (Large White e Duroc) ou convexilíneo (Hampshire), enquanto que o produtor de banha caracteriza-se apenas pelo perfil convexilíneo (Canastra e Piau). Produção de carne: Animais com cabeça, tórax e membros alongados, cujos membros pélvicos são bem desenvolvidos apresentando tendência longilínea. Algumas raças tiveram sua anatomia modificada por seleção genética privilegiando linhagens com 14 ou 15 pares de costelas: Landrace, Large White e Duroc. Produção de banha: Apresenta tendência brevelínea com cabeça e região cervical curtas, determinando pouco limite entre este e o tórax que se mostra largo e compacto, contudo os membros são curtos: Piau, Nilo e Canastra. Dupla produção: São resultados de cruzamentos entre raças, sendo necessário examinar cada resultado para determinação do tipo constitucional, no entanto em muitos casos predominam os de aptidão para produção de carne. Pequenos Ruminantes Ovinos Produção de leite: Apresentam tendência longilínea, cabeça alongada, região cervical e membros alongados com ossatura delgada, Lacaune. Produção de carne: Apresentam tendência brevelínea ou longilínea, com cabeça levemente braquicefálica, região cervical e membros curtos e musculosos, Ile de France e Texel. Produção de lã: Animais de tendência longilínea, Merino. Dupla produção: Nesta categoria faz-se necessário examinar cada raça para determinação do tipo constitucional, Corriedale, Ideal e Morada nova. Caprinos: Diferentemente dos ovinos, nos caprinos faz-se necessário examinar cada raça para determinação do tipo constitucional, pois muitas características que determinam a tipologia constitucional não se aplicam ou se expressam claramente nestes animais. Produção de Leite: Animais de tendência longilínea, Toggenburg, Parda alemã ou suíça e Saanen. Produção de leite e carne: Os animais selecionados para dupla produção possuem tendência brevelínea, Bhuj, Anglo nubiana e Jamnapari. Produção de lã: Tendência mesolínea, Angorá. Rusticidade: As raças nacionais Moxotó, Canindé e Marota. 5. Tópicos em Biomecânica GENERLIDADES E CONCEITOS As referências iniciais relativas à análise dos aspectos biomecânicos dos movimentos corporais (humanos e animais) remontam à antiguidade clássica e pertencem a Aristóteles, que registrou as primeiras observações sobre o ato de caminhar do homem e dos animais, como consequência da ação dos membros contra o solo. Estas observações que permitiram explicar o gesto de deambulação dos animais que foram ratificadas quase dois mil anos depois pela terceira lei de Newton, fazendo com que surgisse a biomecânica. A biomecânica é o estudo da mecânica (forças e acelerações) dos organismos vivos, sendo baseada na observação da estrutura e da função dos sistemas biológicos utilizando métodos da mecânica. A biomecânica inclui a biodinâmica (biocinemática (análise dos movimentos desconsiderando as forças que o determinam) e biocinética (alterações do movimento ocasionadas pelas forças necessárias para gerar este movimento)) e biostática (estuda o equilíbrio das forças que atuam durante o repouso). A biomecânica externa estuda as forças físicas que agem sobre os corpos enquanto a biomecânica interna estuda a mecânica e os aspectos físicos e biofísicos das articulações, dos ossos e dos demais tecidos do corpo. Alguns objetivos da biomecânica incluem o entendimento de como o sistema locomotor opera, a otimização do desempenho: esportivo e patológico; e a redução de lesão: prevenção e reabilitação. Para o estudo da biomecânica foram desenvolvidas várias metodologias de estudo como a cinemetria, que propicia o congelamento dos movimentos, o registro e, consequentemente, a quantificação geométrica por meio dos instantâneos ou fotogramas, possibilitando sua precisa descrição. No entanto, os conceitos e a determinação das variáveis inerentes à biomecânica são calcados no conhecimento básico da física, incluindo o entendimento sobre vetoriais. Assim, observa-se que a biomecânica é uma importante ferramenta para a análise dos movimentos e características estruturais dos animais, contudo não consegue explicar a variabilidade observada na construção das várias espécies animais. Como estudado nos capítulos anteriores, os animais se adptaram ou foram selecionados para o desempenho de determinadas funções ou para sobreviverem em um determinado meio. Um exemplo clássico é a relação predador-presa em animais de vida selvagem, onde o predador desenvolveu uma série de adaptações morfológicas e funcionais que lhe permitem ter o perfeito desempenho durante a caça. Neste sentido, observa-se um limitante para a interpretação mecânica representada pela constituição harmônica de um animal, que muitas vezes desafiam as leis da física. Em Medicina Veterinária, a biomecânica é uma ferramenta importante e muito utilizada na prática profissional. Há uma biomecânica intuitiva ou empírica (como aquela relacionada com ferrageamento de equinos realizada por leigos) e uma experimental (que considera a constituição anatômica e a fisiologia do corpo do animal, que permitem, por exemplo, selecionar um equino para hipismo ou para provas de velocidades). Ainda, muitas Tópicos em Biomecânica 50 afecções ou traumatismos, bem como seu tratamento e recuperação plena do animal dependem, muitas vezes, do conhecimento morfológico (anatomia e histologia) e fisiológico, associados ao embasamento teórico-prático da biomecânica, por exemplo, o conhecimento sobre a ação de vetores no remodelamento ósseo após uma fratura ou no crescimento normal de um animal, conhecida como lei de Wolf (para maiores detalhes consulte bibliografia sobre osteologia). Neste capítulo serão abordados conceitos básicos e considerações importantes da aplicabilidade da biomecânica em Medicina Veterinária, contudo salienta-se que para o pleno entendimento deste segmento da anatomia animal seria necessária uma disciplina em separado, como o observado em outros cursos da área da saúde. ALINHAMENTOS ANATÔMICOS O crescimento populacional e a utilização dos animais como meio de trabalho (tração, caça, esporte ou terapêutico) ocasionaram um incremento na casuística de patologias locomotoras, visto que as estruturas ósteo-articulares-esqueléticas encontram- se permanentemente submetidas às sobrecargas pelas atividades que desenvolvem, estando o aparelho locomotor suscetível às lesões, particularmente se a distribuição de peso corporal nas extremidades não for igualitária, o que podeocorrer por defeitos no alinhamento das estruturas anatômicas. Neste caso a gravidade das lesões dependerá do grau de desalinhamento entre as estruturas anatômicas, principalmente as ósseas, devido à genética, tipo constitucional e atividade do indivíduo. Na avaliação dos alinhamentos anatômicos uma das principais ferramentas é a inspeção, que necessita que o animal seja colocado em posição anatômica em estação, com os quatro membros tocando o solo e alinhados os torácicos paralelamente entre si, assim como os pélvicos que, ainda, devem estar a uma linha eqüidistante do seu torácico homólogo. Observar as faces: cranial, caudal e lateral, direita e esquerda. ALINHAMENTO DA COLUNA VERTEBRAL O eixo do corpo dos vertebrados consiste de vários tecidos (ossos, cartilagens e músculos) com uma larga variedade de características físicas, que se encontram alinhados sobre o eixo mediano ou crânio-caudal do animal. Os ossos ou vértebras se dispõem em uma cadeia mediana ímpar de ossos irregulares que possuem como características comuns a presença de um corpo, um arco e uma série de processos (espinhoso, transverso e articulares). Os corpos das vértebras são interpostos por discos intervertebrais, enquanto as demais porções são unidas por ligamentos. Outra característica adicional é a presença de um sistema muscular simétrico. Além de sustentar o peso corporal, o eixo do corpo deve transmitir a potência de locomoção gerada nos membros pélvicos. Neste sentido, o pleno alinhamento das estruturas anatômicas que constituem a coluna é um importante fator na manutenção da postura corporal, bem como na realização da deambulação. O comprimento e as proporções da região cervical variam conforme a espécie e raça, assim como a região do Tópicos em Biomecânica 51 dorso inclina-se ligeiramente ventralmente em direção à cauda. Surpreendentemente, apenas uma porção da coluna é palpável, mesmo em animais esguios, e o contorno da coluna não reproduz o perfil dorsal do animal em estação. Desvios Posturais Uma boa postura é a atitude que um indivíduo assume utilizando a menor quantidade de esforço muscular e, ao mesmo tempo, protegendo as estruturas de suporte contra traumas. Os desvios posturais tais como a lordose, cifose e escoliose podem levar ao uso incorreto de outras articulações, tais como as dos membros e temporo-mandibular. Manter posturas erradas por tempo prolongado pode acarretar alterações posturais ocasionando enrijecimento das articulações vertebrais e encurtamento dos músculos. Esses defeitos estruturais causam alterações das curvaturas normais da coluna vertebral, tornando-a mais vulnerável as tensões mecânicas e traumas. Lordose: É o aumento anormal da curva lombar levando a uma acentuação da lordose lombar normal (hiperlordose) (Fig. 35). Os músculos abdominais fracos e um abdome flácido são fatores de risco. Caracteristicamente, a dor acompanha o aumento da lordose lombar e ocorre durante as atividades que envolvem a extensão da coluna lombar, tal como o ficar em pé por muito tempo (que tende a acentuar a lordose). A flexão do tronco usualmente alivia a dor, de modo que o animal frequentemente prefere sentar ou deitar. Cifose: É definida como um aumento anormal da concavidade caudal da coluna vertebral, sendo as causas mais importantes dessa deformidade, a má postura e o condicionamento físico insuficiente. Escoliose: É a curvatura lateral da coluna vertebral, podendo ser estrutural ou não estrutural. A progressão da curvatura na escoliose depende, em grande parte, da idade que ela inicia e da magnitude do ângulo da curvatura durante o período de crescimento, onde a progressão do aumento da curvatura ocorre numa velocidade maior. O tratamento fisioterápico usando alongamentos e respiração são essenciais para a melhora do quadro. ALINHAMENTOS DOS MEMBROS Entende-se por alinhamento dos membros, ou aprumos, a exata direção que têm os membros, com relação ao solo, de modo que o peso corporal do animal seja regularmente distribuido sobre cada um dos membros. Anatomicamente, é a direção fornecida pelos eixos ósseos e pelas angulações articulares, que os membros do animal formam relação ao plano médio de seu corpo e o solo, sendo normal quando a direção do membro é a mais conveniente para cumprir com a função mecânica à qual foi designada. Quando os membros são irregularmente aprumados, as cápsulas da úngula sofrem ruína prematura e, prejudicam os andamentos e diminuem a resistência do animal. Fig 35 Esquematização de canino em posição de lordose. Tópicos em Biomecânica 52 Para se avaliar corretamente o aprumo, o animal deve estar em estação, sobre um terreno plano e horizontal e com o apoio completo dos membros formando um paralelogramo retangular. O equilibrio é verificado sempre que uma vertical baixada de seu centro de gravidade cai dentro da base de sustentação, espaço este limitado pelas linhas que ligam as extremidades distais dos membros. Nesta posição devem ser observadas linhas retas que se posicionam sobre o eixo próximo-distal dos membros nas faces cranial e lateral. Assim, no membro torácico são observados os eixos: cranial (traçado a partir da articulação do úmero, percorrendo o eixo próximo-distal do membro, dividindo o membro em duas metades iguais, estando as superfícies articulares alinhadas perpendicularmente à linha vertical, desde a articulação do úmero até a margem solear da cápsula da úngula, Fig. 36), e lateral (traçado a partir da tuberosidade da espinha da escápula até a articulação metacarpo- falangeana, dividindo o membro igualitariamente e passando caudalmente aos ossos sesamóides, chegando ao solo, Fig. 38). Já no membro pélvico os eixos são: caudal (traçado a partir da tuberosidade isquiática, percorrendo o eixo próximo-distal do membro, dividindo o membro em duas metades iguais, estando as superfícies articulares alinhadas perpendicularmente à linha vertical a margem plantar da cúnea córnea da cápsula da úngula, Fig. 37); e lateral (traçado a partir da tuberosidade isquiática, coincidindo com a tuberosidade calcânea, caudal e paralelamente ao metatarso III e passando caudalmente aos ossos sesamóides chegando ao solo, Fig. 38). Na extremidade distal dos membros, tanto no torácico quanto no pélvico, observa-se que a superfície da cápsula da úngula que entra em contato com o solo deve estar centralizada sob um eixo formado entre o rádio e matacarpo ou tíbia e metatarso, sendo observado o eixo podo-falangeano (traçado de perfil e em um plano horizontal, medianamente inclinado, que prolonga-se da articulação metacarpo ou metatarso-falangeana até o solo, dividindo a cápsula da úngula em duas metades iguais). Fig. 37 Eixo caudal. Fig. 38 Eixos laterais cranial (c-d) e lateral caudal (i-j), também estão evidenciados os eixos laterais secundários: cubital- falangeano (e-f), patelar-falangeano (m-o) e trocantérico- falângico (k-l), e o eixo cranial (d-b). Fig. 36 Eixo cranial. Tópicos em Biomecânica 53 Desvios de Alinhamentos Os devios de alinhamento refletem o desequilíbrio da distribuição de forças e do peso para cada um dos membros do animal, desestabilizando a sustentação e propulsão, não permitindo a realização de movimentos com perfeição, elegância e segurança. As irregularidades de aprumos são defeitos de conformação, de origem variada, com base em fatores que atuam de forma independente ou integrada: fatores genéticos, deficiência nutricional do feto, sistema intensivo de criação, casqueamento mal conduzido no caso de equinos e bovinos, excesso de esforço físico e tipo inadequado de terreno no qual o animal é exercitado.Infelizmente, a pressão de seleção para aprumos ainda é muito fraca entre os animais, principalmente nos de grande porte. A correção de aprumos significa uma mudança permanente de conformação que deve ser feita em animais jovens e quando feita em adultos pode resultar em manqueira imediata ou defeitos incorrigíveis a longo prazo. Contudo, muitas vezes animais que nascem com bons membros podem se tornar desalinhados por uma correção realizada de forma incorreta. Desvios de membro torácico: Os desvios de membro torácico incluem aqueles que afetam o eixo cranial (desalinhamentos das articulações no membro torácico ocasionam desequilíbrios mediolaterais que podem gerar instabilidades podendo comprometer o apoio e os movimentos, ocasionando lesões agudas ou crônicas) ou o eixo lateral (desequilíbrios craniocaudais em relação ao eixo traçado entre a tuberosidade da espinha da escápula e solo). Os desvios craniais incluem o eixo cranial aberto (distância maior entre as faces mediais das cápsulas das úngulas contralaterais em relação à distância entre as articulações do úmero, determinando um desvio dos membros lateralmente ao eixo cranial, modificando a distribuição nas forças de apoio, que se torna maior na face medial da extremidade distal do membro, principalmente na parede medial da cápsula da úngula e cartilagem alar medial da falange distal, que além de sofrer uma elevada pressão e sobrecarga, ainda está sujeita a força de resistência exercida pelo solo, Fig. 39A) e o eixo cranial fechado (distância me nor entre as faces mediais das cápsulas das úngulas contralaterais em relação à distância entre as articulações do úmero, determinando um desvio dos membros medialmente ao eixo cranial, modificando a distribuição nas forças de apoio, que se torna maior na face lateral da extremidade distal do membro, principalmente sobre as articulações metacarpofalangeana e interfalangeana (cartilagem alar lateral da falange distal), Fig. 39B). A B Fig. 39 Esquematização da face cranial do membro torácico do equino. A Eixo cranial aberto. B Eixo cranial fechado. Tópicos em Biomecânica 54 Na porção média do membro, os desvios craniais se refletem sobre a articulação cárpica gerando o carpo varo (observa-se um desvio medial da extremidade distal do membro enquanto o carpo está deslocado lateralmente, ocasionando lesões ósseas nos ossos do carpo e extremidade distal do rádio medialmente, Fig 40A); e valgo (desvio lateral da extremidade do membro e medial do carpo, ocasionando lesões ósseas por sobrecarga na extremidade lateral da porção distal do rádio e lesões dos ossos do carpo e lesões nos ligamentos colaterais cárpicos mediais, Fig. 40B). Estas deformidades angulares refletem um desvio do membro no plano sagital, com alterações na posição da extremidade distal a esta, podendo ser: neonatal (corrigidos naturalmente), congênita (persistem por toda vida quando não corrigidas) ou adquirida (maior causa de problemas ortopédicos) e que ocasionam sobrecarga desigual de peso sobre os membros afetados. Fig. 40 Bovinos de corte (Bos indicus) evidenciando os desvios craniais carpo varo (A) e carpo valgo (B). Não obstante, os desvios laterais refletem aumento ou diminuição nos ângulos das articulações do úmero e cúbita (Fig. 41), resultando em desvio da articulação do úmero caudalmente (diminuição do ângulo) e cúbita cranialmente (compensatório) ao eixo vertical lateral, que ocasiona falta de tensão sobre os ligamentos e tendões das articulações, resultando distensão dos mesmos e permitindo a instalação de laminite e rotação da falange distal (síndrome do navicular) ou desvio da articulação do úmero cranialmente (aumento do ângulo) e cúbita caudalmente (compensatório) ao eixo lateral, fazendo com que esta fique próxima do centro de gravidade, acarretando maior pressão sobre a articulação metacarpofalangeana e tendões dos músculos flexores cárpicos e do dígito. O resultado é um encurtamento da elevação do membro em tempo e distância, permitindo a aproximação dos membros pélvicos. O eixo podofalangico tende a ser vertical, aumentando a possibilidade de lesões da falange distal. A B Tópicos em Biomecânica 55 Fig. 41 Esquematização dos desvios laterais das articulações do úmero e cúbita. A alinhamento correto, B desvios moderados da articulação do úmero caudalmente e cúbita cranialmente, C desvios acentuados da articulação do úmero caudalmente e cúbita cranialmente, D desvios moderados da articulação do úmero cranialmente e cúbita caudalmente, E desvios acentuados da articulação do úmero cranialmente e cúbita caudalmente. Desvios do membro pélvico: Também apresentam defeitos de conformação podendo ocasionar claudicação, entretanto em proporção menor do que as observadas no torácico, devido os membros pélvicos suportarem menor parcela do peso corporal e apresentar uma ampla capacidade de angulação das articulações, distribuindo melhor as forças geradas durante a fase de apoio. Os desvios podem ser agrupados nos que afetam o eixo caudal e o lateral. O eixo caudal (Fig. 42) pode se apresentar aberto (maior distância entre as faces mediais das cápsulas das úngulas contralaterais em relação à distância do ponto de origem do eixo no membro (tuberosidade isquiática), comumente associada ao desvio medial do tarso) ou fechado (distância menor entre as faces mediais das cápsulas das úngulas contralaterais em relação à distância do ponto de origem do eixo no membro (tuberosidade isquiática), comumente associada ao desvio lateral do tarso). Nestes defeitos, as regiões submetidas à sobrecarga de pressão e tensão são as mesmas observadas no membro torácico, podendo ser acompanhadas por cápsulas convergentes e divergentes, descritas adiante. Assim como descrito para o torácico, no pélvico ocorrem desvios compen satórios nas articulações mais distais, principalmen te na articulação társica, ocasionando desvios mediolaterais das articulações do tarso e tarso-metatársico, vistos caudalmente comprometem o alinhamento angular das articulações do tarso. A B C D E Fig. 42 Eixo caudal aberto em bovinos leiteiros. Tópicos em Biomecânica 56 No tarso valgo (Fig. 43A) ocorre o desvio medial do tarso e os ossos metatársicos apontam lateralmente, podendo ocasionar um varo compensatório da articulação metatarsofalangeana, o que comprime as superfícies articulares do tarso lateral e medialmente e tensiona os ligamentos colaterais társicos mediais, longo e breve. No varo (Fig. 43B), observa-se um desvio lateral do tarso com compressão das superfícies articu lares laterais e hipertensão sobre os ligamentos colaterais laterais, sendo acompanhado por cápsula convergente, sendo considerado o pior desvio devido o esforço enorme a que a superfície medial do tarso é submetida. Os desvios do eixo lateral (Fig. 44) estão relacionados a uma maior ou menor mobilidade do eixo de extensão da articulação do tarso, podendo ser desvio cranial (os membros pélvicos encontram- se em toda sua exten são desviado cranial mente em relação ao eixo lateral, incluindo a tuberosidade calcânea, acompanhado de concomitante diminuição do ângulo articular entre a tíbia, tarso e metatarso, lesões das superfícies articulares da fileira distal do tarso e no ligamento plantar longo. Além disso, ocorre aproximação do membro pélvico com o centro de gravidade, o que gera alterações biomecânicas do passo, durante a fase de propulsão e excessivo esforço na região distal do membro. Este defeito é mais comum em animais de troncolongo, Fig 44B); desvio caudal ou tarso reto (ângulo do tarso está aumentado e os ossos sesamóides proximais estão deslocados caudal Fig. 43 Esquematização da face caudal do equino apresentando tarso valgo (A) e tarso varo (B). Fig. 44 Esquematização dos desvios laterais do membro pélvico. A alinhamento correto, B desvio cranial, C desvio caudal. A B C Fig. 45 Esquematização dos desvios laterais do tarso. A tarso reto, B tarso em foice. A B Tópicos em Biomecânica 57 mente em relação ao eixo lateral, ocasionando falha no mecanismo de absorção do impacto recebido pelas articulações do tarso, em decorrência de sua verticalidade. Este defeito está relacionado à formação de um ângulo obtuso entre o fêmur e a tíbia, resultando em distensão crônica da articulação fêmoro-tíbio-patelar e fixação dorsal da patela e lesão do músculo interósseo, Fig. 44B); e excesso de flexão ou angulação da articulação do tarso ou tarso em foice (desviando a articulação tarsometatársica cranialmente, enquanto o calcâneo é desviado caudalmente em relação ao eixo lateral, ocasionando um esforço excessivo sobre as estruturas plantares do tarso, incluindo o ligamento plantar longo e o tendão do músculo flexor digital superficial, além de promover uma forte pressão sobre as estruturas dorsais do tarso, comprimindo a fileira distal, Fig. 45B). Desvios das extremidades distais dos membros: Estes desvios acometem as extremidades distais de ambos os membros torácico ou pélvico. Os defeitos da cápsula da úngula no eixo cranial incluem alterações angulares que aumentam ou diminuem o ângulo formado entre a parede e a margem da sola em relação ao solo. Estes resultam: (i) cápsula da úngula divergente, (iii) cápsula da úngula convergente e (iii) quebra do eixo podo- falângico. Fig. 46 Desvios das extremidades distais dos membros em equinos. A cápsula da úngula divergente, B cápsula da úngula convergente, C alinhamento correto. Na cápsula da úngula divergente o ângulo parieto-solear é mais aberto (Fig. 46A), apontando lateralmente ao eixo cranial, acarretando maior concussão na superfície medial da cápsula da úngula, já que esta é a primeira porção a entrar em contato com o solo, durante a fase de apoio. Na fase de elevação ao invés de realizar uma linha reta, evitando o contato entre os dois membros, a extremidade distal dos membros é deslocada medialmente, fazendo com que a extremidade raspe no membro oposto. Neste tipo de desvio a ação da gravidade possibilita o surgimento de lesões na coroa da cápsula, osso sesamóide proximal e metacárpicos II e III medialmente, além de lesões por abrasão na região cárpica. Este deslocamento lateral do ângulo parieto-solear ocasiona maior Tópicos em Biomecânica 58 sobrecarga medial, predispondo a lesões dos ossos metatársicos e sesamóides proximais e na coroa da cápsula da úngula, fazendo com que o membro descreva uma curva medial, podendo atingir o membro contralateral. No desvio da cápsula convergente o ângulo parieto-solear é deslocado medialmente (Fig. 46B), sobrecarregando a face lateral da cápsula da úngula, tanto pelo desequilíbrio quanto por ser a primeira região a realizar o apoio. Na elevação pode haver deslocamento lateral da extremidade distal do membro, no entanto alguns animais apresentam uma andadura quase normal, ou seja, em linha reta. Já na quebra do eixo podofalangeano (Fig. 47) ocorre desalinhamento da articulação interfalangeana em relação à cápsula da úngula, podendo ser cranial (decorrente de uma parede da cápsula da úngula curta e uma articulação metacarpo ou metatarsofalangeana alta, ocasionando um excesso de tensão sobre o tendão do músculo flexor digital superficial e sobre o músculo interósseo) ou caudal (decorrente de uma parede da cápsula da úngula mais longa e articulação metacarpo ou metatarsofalangeana baixa, submetendo-as a uma leve flexão da articulação metacarpo ou metatarsofalangeana acompanhada pela hiperextensão das articulações interfalangeanas proximal e distal). Associação de desvios: Como se pode perceber, os desvios dos alinhamentos acarretam modificações angulares ao longo do membro afetado, ocasionando mais de um defeito observado durante a inspeção. A presença de cápsula convergente pode estar associado aos dois tipos de desvios do eixo cranial (aberto ou fechado), que intensificam as forças mecânicas depositadas sobre a extremidade do membro, aumentando a tensão sobre as estruturas que atuam na dissipação das ondas de choque, comprometendo a biomecânica do movimento. Ainda, os defeitos fechados e divergentes são considerados indesejáveis, por aumentar o contato entre os membros; enquanto que os defeitos abertos e divergentes provocam alterações na fase de apoio e elevação, onde a saída do apoio e o início da elevação se produzem a partir da parede medial da cápsula da úngula. Em um animal normal, observa-se um alinhamento das articulações metacarpo ou metatarsofalangeanas e interfalangeanas, sendo observados dois tipos de desalinhamento: vertical ou inclinado (Fig. 48). No desalinhamento vertical, as articulações e a cápsula apresentam-se verticalizados, sendo chamadas de altas e podendo ser divididas em: curtas (provocam maior concussão entre na região das articulações metacarpo ou metatarsofalangeana, interfalangeanas e osso sesamóide distal, estando associada a membros curtos com grande desenvolvimento muscular e a desvios fechado cranial e divergente) e longas (produzem falha no mecanismo de absorção das ondas de choque, Fig. 47 Desalinhamentos resultantes da quebra do eixo podo-falangeano. A alinhamento correto, B quebra cranial, C quebra caudal. Tópicos em Biomecânica 59 dando lugar a lesões na articulação metacarpo ou metatarsofalangeana e no sesamóide distal, permitindo a fácil instalação de tendinite dos flexores). Por outro lado, no desalinhamento inclinado as articulações apresentam inclinação palmar ou plantar, sendo chamadas de baixas e anatomicamente são lon gas, permitindo que as sobrecargas se localizem nas faces palmar/plantar da extremidade distal do membro, particularmente nos ossos sesamóides proximais, músculo interósseo, e tendões dos músculos flexores digitais e do extensor digital comum ou longo. MECÂNICA DA COLUNA VERTEBRAL Como referido no item sobre alinhamento da coluna vertebral, esta é contruída considerando o compromisso entre as direções vetoriais das forças gravitacional (sustentação do peso corporal) e propulsora, sendo capaz de resistir às cargas deformantes absorvendo os impactos na direção da linha de trabalho. Assim, inicialmente a construção do eixo do corpo dos vertebrados era considerada semelhante à estrutura de algumas pontes, contudo esta teoria não resistiu à aplicação de conceitos de física. Atualmente, o modelo de construção da coluna vertebral é representado pela Teoria do arco e corda (Fig. 49), que estabelece que o eixo do corpo (arco) é estabilizado pela ação de três séries de cordas (grupos musculares) com tensão ajustável. Neste sentido, o eixo corporal é representado pelas vértebras (série de elementos rígidos) que em conjunto aos discos intervertebrais formam um arco de curvatura variável (espécie, idade e sexo), que é momentaneamente estabilizada pelos ligamentos intrínsecos da coluna vertebral e sofre variações decorrentes da ação dos grupos musculares intrínsecos e extrínsecos. Fig. 49 Diagrama representativo da teoria do arco e corda. 1 arco vertebral, 2 corda muscular intrínseca, 3-5 corda muscular extrínseca, W centro de gravidade, w vetores distribuição de força sobre os membros, F vetor de força depropulsão (ação do membro pélvico). FONTE: Getty R. Sisson & Grossman: Anatomia dos Animais Domésticos. Rio de Janeiro: Interamericana, 5 ed, 1981. Fig. 48 Desalinhamentos das articulações metacarpo ou metatarsofalangeanas. A alinhamento correto, B desvio vertical ou caudal, C desvio inclinado ou cranial. Tópicos em Biomecânica 60 CONSTITUIÇÃO DO ARCO Vértebras (Fig. 50) As diáfises e epífises dos corpos vertebrais adquirem sua forma definitiva no período pós-natal, que no nascimento são representados por um grupo de elementos rígidos (diáfises) e um grupo correspondente de zonas apropriadas intercalantes (epífises, anéis fibrosos e núcleos pulposos). A forma definitiva destas regiões é determinada pela intensidade de ossificação e da distribuição do esforço sobre as zonas epifisiáras, criando uma relação entre a forma dos corpos vertebrais e a tensão imposta sobre eles pelas forças musculares intrínsecas e extrínsecas. Disco intervertebral O centro de rotação entre duas vértebras adjacentes está no núcleo pulposo e o equilíbrio requer que a força resultante passe por aquele centro, demonstrando que em condições normais os corpos vertebrais estão sob compressão central. Assim, existe uma excentricidade na posição do núcleo pulposo durante a flexão e extensão da coluna, que é limitada pela resistência do anel fibroso do disco intervertebral. CONSTITUIÇÃO DAS CORDAS As cordas são representadas pela musculatura simetricamente disposta junto ao eixo corporal, sendo representadas pela corda dorsal (musculatura epaxial, que revestem as faces dorsal e dorso lateral do arco e tendem a endireitá-lo, estando dispostos em três colunas paralelas: íliocostal (coluna lateral, extensão da coluna vertebral e adução e abdução do tronco), sistema longuíssimo (coluna média, segue da coluna até a cabeça, alguns músculos ou fascículos parecem ser independentes entre si,) e esplênio que em conjunto promovem a extensão da coluna vertebral, e sistema transversoespinal (coluna medial), (Figs. 50 e 51)); e pela corda ventral (que ocorre em dois níveis: corda interrompida (musculatura hipaxial, situada contra a face ventral das vértebras cervicais e torácicas craniais (incluindo os músculos: longo cervical, reto ventral da cabeça, longo da cabeça e escaleno), bem como nas regiões torácica caudal e lombar (grupo do psoas: psoas maior e menor, ilíaco ou íliopsoas)); e corda ininterrupta (musculatura abdominal: oblíquo abdominal interno e externo, transverso e reto do abdome, indiretamente inserida no arco pela interposição do esqueleto do membro pélvico), Fig. 53). Fig. 50 Estrutura geral de uma vértebra. 1 arco, 2 corpo e epífise cranial, 3 processo espinhoso, 4 processo transverso, 5 processo articular. 1 2 3 4 5 Fig. 50 Região cervical do canino, vista lateral. Músculos da corda dorsal: músculo esplênio (4). 1 m. longo da cabeça, 2 traqueia, 3 esôfago Tópicos em Biomecânica 61 Fig. 51 Musculatura profunda do dorso do canino, vista lateral. Músculos da corda dorsal: 15 sistema transverso espinhal (15’ m. semiespinhal da cabeça, 15’’ m. espinhal e semiespinal), 16 sistema longuíssimo (16’ m. longuíssimo da cabeça e cervical, 16’’ m. longuíssimo torácico), 17 m. íliocostal. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Os músculos da corda dorsal são extensores do arco, enquanto que os presentes na parte cranial da corda interrompida flexionam as regiões do arco ventralmente revestidas por eles, contudo quando atuam com a corda dorsal promovem a estabilização do arco. Já os localizados caudalmente na corda interrompida atuam flexionando a coluna na região toracolombar (curvatura da coluna do gato quando sentado) e participam da elasticidade da coluna durante o galope. A musculatura abdominal (corda ininterrupta) atua em conjunto com a corda interrompida, além de estabilizarem a curvatura do arco quando em descanso, aumentando a tensão elástica na corda ventral. Com isso, a ação das forças musculares produz um ou mais dos seguintes movimentos: flexão longitudinal em um plano vertical que tende a flexionar ou estender a região lombar do animal; flexão transversal em um plano horizontal que tende a encurvar o tronco para a esquerda ou direita; torção ao redor do eixo longitudinal por rotacionar vértebras adjacentes; vertical cortante; transversal cortante; compressão ou tensão longitudinal do esqueleto axial. Os três últimos movimentos são mais ou menos passivamente opostos entre si, enquanto que na flexão e torção o movimento é neutralizado pelos ligamentos e ativamente controlado pelos músculos intrínsecos (epaxiais e hipaxiais) e extrínsecos. Os músculos extrínsecos podem ser representados pelos músculos do membro Fig. 53 Músculos profundos do tronco canino. 1 músculo longo da cabeça, 2 sistema transverso espinhal (2’ multífido, 2’’ espinhal cervical, 2’’’ espinhal e semiespinhal), 3 quadrado lombar, 8 reto ventral da cabeça, 9 longo cervical, 10 psoas menor, 11 íliopsoas (psoas maior e ilíaco). FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Tópicos em Biomecânica 62 pélvico, que ao exercerem uma força contra a musculatura da articulação coxal (quadril) alivia a pressão sobre a musculatura abdominal. No entanto, a pressão aumenta quando os membros estão distendidos, deslocados para fora do centro de gravidade, fazendo com que o animal tende a flexionar a região lombar. VANTAGENS DA TEORIA 1. O tronco encontra-se estaticamente estabilizado em si, de modo que não exerce tensão no sentido craniocaudal nos pontos de sustentação (cíngulos torácico e pélvico); 2. Esta construção permite a adaptação às variações de carga (lombo do cavalo não se curva sob o peso do cavaleiro, mas tende a se curvar quando aumenta a pressão sobre a corda ventral); 3. A elasticidade intrínseca dos discos vertebrais e ligamentos mantêm a coluna vertebral em um estado de equilíbrio instável, fazendo com que uma ligeira atividade muscular seja necessária para manter a postura (facilidade do quadrúpede em se levantar); 4. A mais leve soma de contração muscular produzindo uma força que supere o equilíbrio é necessária para vencer o equilíbrio e desta forma produzir a extensão ou flexão da coluna. DESVANTAGENS DA TEORIA Do ponto de vista mecânico a região cervical e cabeça funcionam como uma viga pesada fixada na sua porção final, representando um arco e corda invertidos, o arco é representado pelas vértebras cervicais, ligamentos e musculatura hipaxial e a corda pela musculatura epaxial e ligamento da nuca. O ligamento da nuca (canino e grandes animais, Fig. 54) atua estabilizando e reforçando o trabalho muscular em animais que apresentam uma região cervical longa associada à cabeça pesada, no entanto existe uma relação entre o grau de desenvolvimento do ligamento ao tamanho absoluto do animal. Ainda, a transmissão da tensão do tórax para coluna vertebral é desfavorável, pois as articulações envolvidas (costovertebral e costoesternal) são muito móveis, ficando a delimitação dos movimentos restritos ao primeiro par de costelas, que associado a posição do múscu lo escaleno (fixador da porção cranial do tórax às vértebras cervicais) estabilizam a região, no entanto a morfologia dos órgãos torácicos associada aos movimentos respiratórios são os determinantes deste tipo de construção. Fig. 54 Representação esquemática do ligamento da nuca, vista lateral. 1 parte funicular, 2 parte laminar. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomiados Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. 1 2 1 1 2 Tópicos em Biomecânica 63 MECÂNICA DO TÓRAX O conhecimento detalhado do tórax como elemento ativo é importante na determinação do potencial respiratório do animal e no diagnóstico do comprometimento de órgãos ou estruturas torácicas e abdominais frente uma enfermidade. Ainda, é imprescindível a plena visão dos elementos que o constituem, pois o papel funcional interfere diretamente no desempenho do animal, como o observado nos caninos, onde a conformação torácica é fator relevante para o desempenho dentro de sua especialidade. CONSTITUIÇÃO ANÁTOMO-FUNCIONAL DO TÓRAX O tórax constitui-se de uma caixa osteocartilagínea com formato de cone, cuja base está voltada caudalmente para o abdome e o ápice cranialmente, sendo interrompido pela abertura cranial do tórax (junto ao primeiro par de costelas). Nos quadrúpedes apresenta um achatamento laterolateral, fazendo com que sejam observadas 4 faces: 2 laterais (costelas, musculatura intercostal e fáscia endotorácica), dorsal (processos espinhosos das vértebras torácicas e musculatura epaxial) e ventral (esterno e cartilagens costais); e duas cavidades torácica, pleural e porção intra-toráx da cavidade abdominal). O tórax contém a cavidade torácica e a porção intra-tórax da cavidade abdominal. Os constituintes ósseos do tórax são representados pelas vértebras torácicas, costelas e esterno, sendo complementado pelas cartilagens costais e arco costal (Fig. 55). As peças osteocartilagíneas são unidas por diferentes tipos de articulações, que inc luem: sínfise intervertebral (entre os cor pos intervertebrais, fibrocartilagíneas), costovertebral (entre as vértebras e as costelas, sendo dividida em articulação da cabeça da costela e do tubérculo costal, sinovial, com ligamentos do tubérculo cos tal, costotransverso, intercapital e radiado da cabeça da costela e cápsula articular), cos tocondral (entre as costelas e sua cartilagem costal, sincondrose), esternocostal (entre o esterno e as cartilagens costais, sinovial), interesternebral (entre as esternébras do esterno, sínfise), entre as costelas (pelos músculos intercostais, sinsarcoses), arco costal (entre as costelas asternais por suas cartilagens até as costelas esternais, tecido conjuntivo elástico, sindesmose). Os principais músculos da respiração (Fig. 56) são o diafragma e os músculos intercostais externo (origem bordo caudal costela e inserção borda cranial costela imediatamente caudal, fibras ventrocranialmente) e interno (borda cranial costela e borda caudal costela imediatamente cranial, fibras ventrocranialmente). No assoalho da cavidade encontra-se o músculo transverso torácico, recobrindo parcialmente a artéria e veia Fig. 55 Elementos ósteo-cartilaginosos do tórax do cão, vista lateral. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Tópicos em Biomecânica 64 torácica interna, enquanto que a parede lateral apresenta uma pouco visualizável camada muscular, que localiza-se profundamente aos músculos intercostais internos e recobre as artérias, veias e nervos intercostais. Abaixo desta encontra-se a fáscia endotorácica, que passa pela parede lateral até o músculo transverso torácico e dispõem-se subjacente à pleura parietal. Estas camadas musculares são homólogas aos quatro músculos da parede abdominal, possuindo correspondência na disposição entre suas fibras musculares. Fig. 56 A Representação esquemática do diafragma do cão. FONTE: Popesko P. Atlas de Anatomia Topográfica dos Animais Domésticos. Manole, São Paulo, 1985. B e C Esquematização da parede torácica do canino evidenciando o músculo intercostal interno (6) e o músculo intercostal externo (7). FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Cavidades do tórax Cavidade Torácica: Delimitada pela caixa torácica (cranialmente a entrada do tórax, dorsalmente pela vértebra T1, lateralmente pelo primeiro par de costelas e ventralmente pelo manúbrio do esterno) e diafragma (caudalmente), comportando o coração e grandes vasos, traqueia, brônquios e pulmões, esôfago, timo, linfonodos, vasos e nervos. A sintopia dos órgãos em relação ao esqueleto do tórax foi apresentada no capítulo 3. No entanto, cabe salientar que devido à curvatura do diafragma algumas vísceras abdominais encontram-se no limite da caixa torácica, sem situarem-se na cavidade torácica. Tal fato pode ser avaliado por meio da auscultação, porém os ruídos inerentes aos órgãos estritamente torácicos podem ser avaliados em uma área restrita da parede do tórax, devido à inserção do membro torácico por meio da sinssarcose. A cavidade torácica apresenta uma série de diâmetros que aumentam durante a inspiração, pe lo movimento das costelas e diafragma, resultando em aumento do volume do tórax e permitindo a expansão pulmonar. São ob servados os diâmetros: (i) dorsoventral (aumenta durante a inspi ração pelo movimento cranial das extremidades distais das coste Fig. 57 Representação esquemática dos diâmetros da cavidade torácica. A diâmetro dorso ventral, B diâmetro transverso. Adaptado de Popesko P. Atlas de Anatomia Topográfica dos Animais Domésticos. Manole, São Paulo, 1985. Tópicos em Biomecânica 65 las, Fig. 57A); (ii) transverso (movimento craniolateral das costelas durante a inspiração aumenta o eixo laterolateral do tórax, enquanto que o deslocamento caudo-lateral resulta em repouso expiratório, Fig. 57B) e (iii) craniocaudal (durante a inspiração o diafragma torna-se plano, aumentando o recesso costodiafragmático, que é ocupado pelos lobos caudais dos pulmões, Fig. 58). Cavidade Pleural: A face cranial ou torácica do diafragma e face interna do tórax (face costal e intercostal da parede) são recobertas pela pleura parietal (membrana serosa), enquanto os pulmões são revestidos pela pleura visceral, entre as duas camadas existe um espaço virtual denominado cavidade pleural, que possui uma película líquida. A pressão nesta cavidade durante a pausa respiratória, ao final da expiração, é ligeiramente mais baixa que a atmosférica, cerca de 4mmHg, sendo resultante das forças elásticas e de tensão superficial que estimulam a expansão pulmonar. Algumas espécies apresentam a cúpula pleural, representada por uma projeção da cavidade pelural para região cervical. A cavidade apresenta uma série de recessos, sendo mais proeminente o recesso costo- diafragmático que permite a expansão do pulmão durante a inspiração e apresenta-se como uma projeção caudo-lateral da cavidade pleural até o diafragma. Durante o repouso respiratório este recesso encontra-se em contato com a parede torácica, entretanto na inspiração torna-se responsável pelo considerável aumento do volume da cavidade. Mediastinos: Espaço virtual entre as regiões pleuropulmonares direita e esquerda (Fig. 59) que se estende no sentido crânio-caudal da abertura torácica cranial ao diafragma, sendo individualizada em grandes animais e única em pequenos animais, estando relacionados aos estados de pneumotórax uni e bilateral quando do rompimento da membrana ou pleura mediastinal. São observados três mediastinos: cranial (tronco braquiocefálico, artérias subclávia direita e esquerda, troncos costocervicais direito e esquerdo, segmento inicial das artérias vertebrais, tronco bicarotídeo, artérias torácica interna direita e esquerda, veia cava cranial, troncos simpáticos direito e esquerdo, gânglios cervicotorácicos direito e esquerdo, nervos vago direito e esquerdo,nervos frênicos direito e esquerdo, nervos laríngeos recorrentes direito e esquerdo e ducto torácico), médio (coração e saco pericárdico, aorta ascendente e arco aórtico, tronco pulmonar, veias pulmonares, veia ázigo direita, veias cava cranial e caudal, artéria broncoesofágica, artérias torácica interna direita e esquerda, ducto torácico, nervos vago direito e esquerdo, nervos frênicos direito e esquerdo, nervos laríngeos recorrentes direito e esquerdo, esôfago, traquéia (brônquio traqueal) e brônquios); e caudal (aorta torácica, veia ázigo direita, troncos simpáticos direito e esquerdo, nervos esplâncnicos, maior e menor direito e esquerdo, ducto Fig. 58 Representação esquemática do diâmetro craniocaudal. Adaptado de Popesko P. Atlas de Anatomia Topográfica dos Animais Domésticos. Manole, São Paulo, 1985. Tópicos em Biomecânica 66 torácico, ramos vagais dorsal e ventral, nervo frênico esquerdo, artéria torácicas internas direita e esquerda; esôfago, ligamento pulmonar, veia cava caudal e prega: nervo frênico direito e recesso mediastinal (lobo acessório do pulmão direito); linfonodos mediastinais: centros linfáticos mediastínico e brônquico, linfonodos mediastinais craniais, médios e caudais e traqueobrônquicos direito, médio e esquerdo). Fig. 59 Cavidade pleural direita e mediastino do gato em vista látero-ventral. 1 veia cava cranial, 2 veia torácica interna, 3 artéria torácica interna, 4 veia cava caudal, 5 diafragma, 6 pulmão (6’ lobo cranial direito, 6’’ lobo médio, 6’’’ lobo caudal direito, 6’’’’ lobo acessório). FONTE: De Iuliis G, Pulerà D. The Dissection of Vertebrates: A laboratory manual. Elsevier, Burlington, MA, 2007. TIPOS ANÁTOMO-FISIOLÓGICOS DE TÓRAX Ao observarmos a constituição anatômica do tórax devemos atentar para a mobilidade dos constituintes ósseos por meio das articulações, bem como para a curvatura das costelas. No entanto, a eficácia da dinâmica respiratória deve-se principalmente a ação dos músculos intercostais. A ação simultânea dos músculos intercostais externos dirige as costelas laterocranialmente e dorsalmente, fazendo com que o esterno seja deslocado ventrocranialmente durante a inspiração, além da contração do diafragma que torna-se plano nesta fase da respiração. Em contrapartida, a ação dos músculos intercostais internos associada à energia estática acumulada sobre as estruturas elásticas do tórax na inspiração, promove o retorno das costelas ocasionando a expiração. Também atuam nesta fase a pressão negativa intrapleural, a pressão das vísceras abdominais sobre o diafragma e a tensão superficial dos alvéolos pulmonares. Porém, dentre as espécies animais o tórax Tópicos em Biomecânica 67 apresenta ligeiras variações anátomo-funcionais relacionadas às aptidões ou tipologia constitucional de cada espécie e raça. Tórax resistente Caracterizado por ter costelas largas, longas e pouco arqueadas com cartilagens costais curtas, largas e pouco flexíveis, angulação costocondral pouco pronunciada, músculos intercostais pouco carnosos, fazendo com que os músculos diafragma e abdominais sejam os maiores responsáveis pelas modificações de amplitude torácica, resultando em uma respiração predominantemente abdominal (Fig. 60). Este é o tórax encontrado nos ruminantes (bo vino, ovino, caprino e bubalino). Tórax elástico Caracterizado por possuir costelas finas, curtas e arqueadas com cartilagens costais mais longas, delgadas e menos rígidas e angulação costocondral bem pronunciada e músculos intercostais carnosos, portanto com respiração tóraco- abdominal (Fig. 61). Este tórax é observado no equino, asinino e muares. Tórax flácido Caracterizado por possuir costelas delgadas, curtas e muito arqueadas com cartilagens costais longas, finas e pouco resistentes, presença de mais de um segmento cartilaginoso na junção costocondral, propiciando um ângulo costocondral maior e músculos intercostais carnosos, gerando uma respiração torácica (Fig. 62). Este é o tórax dos carnívoros domésticos. Fig. 60 Representação esquemática do tórax rígido. Angulação costocondral (círculo vermelho), 2, 9 costelas largas, 3 cartilagem costal curta. FONTE: Popesko P. Atlas de Anatomia Topográfica dos Animais Domésticos. Manole, São Paulo, 1985. Fig. 61 Representação esquemática do tórax elástico. Angulação costocondral (círculo vermelho), 3, 11 costelas finas, curtas e arqueadas, 3 cartilagem costal longa. FONTE: Popesko P. Atlas de Anatomia Topográfica dos Animais Domésticos. Manole, São Paulo, 1985. Fig. 62 Representação esquemática do tórax flácido. Angulação costocondral (círculo vermelho), linha tracejada representa a posição do diafragma. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Tópicos em Biomecânica 68 MECÂNICA DOS MEMBROS TORÁCICOS E PÉLVICOS Os animais que usualmente correm sobre o solo e são estruturalmente modificados para aprimorar a velocidade ou a resistência são chamados de cursoriais. A maioria dos cursoriais são predadores ou herbívoros de médio à grande porte. Uma análise adaptativa dos animais corredores diz que para correr bem o animal deve: superar a inércia do seu corpo para ganhar velocidade; superar o movimento e a inércia dos membros e de quaisquer outras partes oscilatórias; sustentar o corpo sem o auxilio de uma força propulsora; compensar as forças de desaceleração, incluindo a ação do substrato contra os membros quando estão abaixados; controlar seu curso e manter essas funções durante todo o tempo necessário. Para que o animal possa desenvolver uma corrida ou saltar bem, seu corpo precisa ser estruturalmente preparado. Os cursores possuem os membros bem desenvolvidos, geralmente há grande diferença entre as massas musculares dos membros desses animais. Estes apresentam extremidades distais delgadas e a maior parte da massa muscular está próximo ao tronco. No caso dos grandes felinos, tanto os membros torácicos quanto os pélvicos possuem músculos potentes (o que lhe dá uma grande força propulsora para correr e pular). Os membros pélvicos ainda precisam ser mais longos que as demais partes do corpo, para que se possam desenvolver grandes velocidades, pois quanto mais longo o membro, mais longo será o passo. Analisando em conjunto as propriedades mecânicas dos membros torácicos e pélvicos pode-se observar que estes são construídos para oferecer uma estrutura forte e resistente, com uma coordenação neuromuscular aprimorada, excepcional potência e um tipo especial de suporte energético (Fig. 63). Considerando apenas os aspectos anatômicos, uma estrutura forte e resistente significa ossos, tendões, ligamentos e cartilagem espessos e fortificados para exercer força contra o solo e suportar os requerimentos que vai encontrar num exercício de alta velocidade ou numa corrida (impacto, vibração, tensão e deformação). Outro aspecto importante é a harmonização mecânica dos músculos do aparelho locomotor, sendo observados músculos que são direta mente responsáveis pelo movimento de avançar e cor rer, os agonistas, e há os músculos que limitam a disten são dos agonistas visando a sua integridade e do organis mo, os chamados antagonistas. Na mecânica dos membros deve ser considerado o mecanismo de suspensão dos membros torácico e pélvico, representados pela sinsarcose e pela articulção sacro-ilíaca que é quase imóvel, respectivamente. Além disso, a distribuição de cargas sobre os membros está relacionada com a localização do centro de gravidade (virtualmente Fig. 63 Esquematização da construção do membrotorácico, considerando a relação ósteo-muscular. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Tópicos em Biomecânica 69 apontado em uma linha que parte do dorso até o solo plano, passando junto à cartilagem xifóidea do esterno). O deslocamento do centro de gravidade tem relação direta com o tipo de sustentação, esta permite que um animal afaste um membro pélvico da sustentação sem perder o equilíbrio, enquanto levanta um membro torácico, transferindo o centro de gravidade para os pélvicos. Os ossos longos dos membros dos mamíferos estão mais ou menos em um mesmo plano e tão próximo quanto possível do tronco, permitindo que sejam interpretados como um sistema de alavanca elástica. Os mecanismos básicos de transmissões e modificações de forças comuns em sistemas vivos são: alavanca e plano inclinado. Desses, o mais importante nos sistemas biológicos é a alavanca. Embora os princípios da alavanca sejam bem conhecidos, suas implicações biológicas são freqüentemente subestimadas. Todo organismo vivo ou uma de suas partes ou projeção, particularmente uma extensão rígida como os membros, em repouso ou em movimento em uma superfície, está sujeito a forças que agem sobre ele que atuariam como uma alavanca simples. De acordo com a posição do fulcro (ponto fixo ou de apoio), das forças aplicadas e da resistência, as alavancas podem ser divididas em três classes (Fig. 65): interfixa (ponto de apoio no meio ge rando resistência, por exemplo, o ligamento nucal; in terresistente (resistência no meio do ponto de apoio resultando em resistência e potência, por exemplo, nos músculos gastrocnêmio, sóleo e flexor digital su perficial) e interpotente (potência no meio e resistência no ponto de apoio, por exemplo, músculo bíceps braquial). A falange distal em ambos os membros constitui um ponto delicado, por representar o ponto de fulcro nos membros e, ao mesmo tempo, constituir o ponto fixo da alavanca, sendo submetido à forças de apoio (transmitida pela sola e parede da cápsula da úngula) e tensão (pelo tendão do músculo flexor digital profundo em contato com a falange média). Ainda, em alguns casos, o equilíbrio da função de suspensão ou de alavanca do membro envolve a presença de um osso sesamóide, cuja função é aumentar a potência de ação do músculo, estabilizando a articulação com pouco consumo de energia A B C Fig. 65 Esquematização dos tipos de alavancas biológicas. A interfixa, B interpotente, C interressitente. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Fig. 64 Suspensão muscular do tórax entre os membros torácicos no canino. 1 escápula, 2 úmero, 3 rádio e ulna, 4 esterno, 5 músculo peitoral profundo, 6 músculo serrátil ventral, 7 músculo trapézio, 8 músculo romboide. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Tópicos em Biomecânica 70 muscular. Assim, quando a função estática das reuniões dos membros e cinturas é envolvida, duas situações tornam-se possíveis: (i) os membros atuam como colunas verticais, fazendo com que o ponto de suporte na extremidade distal esteja verticalmente abaixo do ponto de aplicação do peso nas articulações do úmero e coxal; e (ii) os membros atuam como suportes inclinados de modo que ambos os pontos se colocam em linha reta sob uma inclinação com a vertical. MEMBROS TORÁCICOS Os membros torácicos são considerados membros de sustentação e que apresentam elementos fibrosos (tendões e ligamentos) que atuam passivamente e de forma eficaz, realizando a fixação dos ângulos articulares na posição para o apoio em estação, tanto que no eqüino permite que estes durmam em pé, dispendendo um baixo gasto de energia. Associado aos elementos fibrosos e recebendo grande parte da carga corporal, tanto no repouso quanto na locomoção está a escápula (Fig. 66), cuja espinha representa uma viga em T que encontra-se rodeada por um arranjo simétrico de músculos, reduzindo a tendência fletora do membro e suportando o peso corporal. Fig. 66 Estabilização e fixação do conjunto tórax e membro torácico pela sustentação escapular, binário do trapézio (T) e peitoral (P) que pode ser auxiliado pelas fibras do músculo grande dorsal (L), H ponto de maior resistência da espinha da escápula e centro do eixo rotacional da escápula, N ponto de reação normal ou de equlíbrio. FONTE: Getty R. Sisson & Grossman: Anatomia dos Animais Domésticos. Rio de Janeiro: Interamericana, 5 ed, 1981. Elementos fibrosos Corda biceptal (Fig. 67): Tendão de origem do músculo bíceps braquial que se encontra no interior do ventre muscular, que na articulação cúbita (úmero-rádio-ulnar) divide-se em porção medial (tendão terminal do músculo, que insere-se na tuberosidade radial e Fig. 67 Representação da corda biceptal, 1 origem, 2 lacerto fibroso. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. 1 2 Tópicos em Biomecânica 71 medial da extremidade proximal do rádio) e porção lateral (ou lacerto fibroso, mais longa, que se continua com o tendão do músculo extensor carporadial e se une em parte com a fáscia antebraquial, inserindo-se na altura da tuberosidade do osso metacárpico III. Aparelho suspensor metacárpico-falangeano (Fig. 68): Constituído pelos tendões dos músculos flexores digitais, superficial e profundo, ligamentos sesamóideo proximal ou músculo interósseo e sesamóideos distais (sesamóideo reto ou superficial, oblíquos ou médios e cruzado ou profundo). Na dinâmica dos elementos fibrosos assume grande importância o aparelho suspensor metacárpico-falangeano (Fig. 68A) que entrando em tensão na primeira fase do apoio no solo acumula energia que é liberada na segunda fase sobre a articulação metacarpo- falangeana coadjuvando, passivamente, a abertura do ângulo metacárpico- falangeano. Entretanto, nem todos os elementos do aparelho suspensor entram em distensão máxima ao mesmo tempo na primeira fase, assim temos inicialmente ligeira flexão da falange média sobre a proximal e da distal sobre a média quando ocorre o abaixamento da articulação metacarpo-falangeana, ao mesmo instante ocorre o relaxamento dos músculos flexores, fazendo com que toda a tensão seja exercida sobre o ligamento sesmóideo proximal, que em movimentos exagerados poderá sofrer distensão ou dilaceração. Na inclinação cranial do metacarpo, o ligamento sesamóideo proximal, afrouxa e toda a pressão faz-se sobre os tendões flexores que podem vir a sofrer lesão. A B Fig. 68 A Detalhe do dígito vista lateral e aparelho suspensor metacárpico- falangeano. B Aparelho de sustentação do membro torácico e dinâmica dos elementos fibrosos e musculares. 1 peso do tronco, 2 corda biceptal, 3 tríceps braquial, 4 cleido braquial do braquicefálico, 5 eixo de rotação cubital e lig. colateral lateral, 6 lacerto fibroso, 7 ulnar lateral, 8 flexor ulnar carpo, 9 flexor digital superficial, 10 extensor radial carpo, 11 flexor digital profundo e ligamento acessório, 12 extensor digital comum, 13 músculo interósseo, 14 sesamóides proximais, 15 ramo extensor interósseo, 16, 17 e 18 ligamentos sesamóides cruzado, oblíquo e reto, 19 sesamóide distal. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Tópicos em Biomecânica 72 Do ponto de vista da dinâmica muscular, merece atenção especial aos músculos ancôneo e tríceps braquial (músculos extensoresda região antebraquial), que na deambulação, com o membro torácico erguido, atuam como uma alavanca de potência de primeira ordem sobre o olécrano, cujo ponto de apoio é a própria articulação, enquanto que a resistência é oferecida pelo peso do corpo, representado pela extremidade livre do membro. Uma vez superado o ponto de equilíbrio (efeito mola ou fenômeno do automatismo dos gínglimos angulares perfeitos) mantém a angulação da articulação. No apoio, os músculos atuam como potência de uma alavanca de segunda ordem, onde o ponto de apoio está no solo e a resistência é representada pela articulação cúbita, que conjuntamente aos tendões dos músculos flexores e a tendência especial da articulação cúbita a manter-se aberta. MEMBROS PÉLVICOS Os membros pélvicos apresentam elementos fibrosos (tendões e ligamentos) que atuam passivamente e de forma eficaz realizando a fixação dos ângulos articulares na posição para o apoio em estação. No entanto, devido à posição do eixo de gravidade, deslocado cranialmente, o par pélvico apresenta menor participação na sustentação do peso corporal. Ainda, o efeito de mola está mais bem representado pela articulação társica. Elementos ósteo-articulares A conexão entre o eixo da pelve e do corpo é estabelecida na articulação sacroilíaca (sindesmose nos jovens e sinostose nos adultos), o que dificulta identificar em que extensão a estabilidade da articulação é afetada pelas propriedades dos elementos intra-articulares e/ou circunvizinhos (músculos ou ligamentos). Esta articulação é perfeitamente móvel e estável, sendo garantida pela sinartroidia lombar, angulação da articulação coxal e esforço da sínfise pélvica em um plano transverso (Fig. 69). Quando a articula ção coxal se movimenta, provoca uma tentativa de rotacionar à direita o eixo sacroilíaco, impe dido pelo músculo reto abdominal, contrabalan ceada pela característica semi-imóvel da articula ção lombar, que provoca uma tentativa de rotação contralateral, tornando os elementos intra e peri-articulares sacroilíacos sinostóticos, reduzindo ou suprimindo o esforço nesta articulação. Como a pelve está fixa ao sacro, a posição mútua das articulações sacroilíacas e coxais determinam uma tensão e esforço sobre a sínfise pélvica (Fig. 70), dependente da largura do sacro. Esta relação determina um binário, originado pelo peso corporal sobre o acetábulo medialmente, que tende a rotacionar a pelve ventrolateralmente. Quando a Fig. 69 Equlíbrio da articulação sacroilíaca. Os músculos abdominais (F) equlibram a ação do peso (W) e permitem a estabilização da articulação sacroilíaca (N), auxiliado pelos ligamentos pélvicos (c). FONTE: Getty R. Sisson & Grossman: Anatomia dos Animais Domésticos. Rio de Janeiro: Interamericana, 5 ed, 1981. Tópicos em Biomecânica 73 articulação sacroilíaca e o acetábulo encontram-se no mesmo eixo vertical, anula-se o esforço e a tensão sobre a sínfise pélvica. Contudo, na maior parte do tempo a sínfise pélvica está sob esforço de tensão. A região pélvica mostra uma construção claramente compromissada, onde no animal em estação a posição mais favorável é representada pelo eixo ilíaco disposto em ângulos retos com o eixo longitudinal da coluna vertebral (Fig. 71). Na deambulação, é necessário que o ílio esteja no mesmo nível da coluna, impedindo a distorção da articulação. Assim, os ângulos pélvicos variam entre 70 a 75o nos grandes ungulados, 10 a 15o nos pequenos ungulados e carnívoros, e menor que 10o em pequenos mamíferos. Fig. 71 Se o eixo do ílio (il) está em ângulo reto (90o) com a coluna vertebral (vc), o esforço do acetábulo é zero e o diâmetro real (td) da saída da pelve tem sua dimensão máxima. Na figura da direita o ílio é concorrente com a coluna vertebral e o momento da força de propulsão (F) sob a articulação sacro ilíaca é zero, mas é potente sobre o acetábulo. FONTE: Getty R. Sisson & Grossman: Anatomia dos Animais Domésticos. Rio de Janeiro: Interamericana, 5 ed, 1981. Elementos fibrosos No par pélvico os elementos fibrosos não são capazes de garantir a sustentação do peso corporal, sendo necessária participação muscular ativa, o que resulta em cansaço muscular, sendo necessária a alternância do apoio entre os membros durante o descanso ou na estação, fazendo com que um membro seja posicionado em pinça. Corda fêmoro-metatársica: Representada pelo tendão do músculo fibular terceiro que se encontra recoberto pelos músculos extensor digital longo e tibial cranial cruzando a articulação társica, inserindo-se na altura da tuberosidade do osso metatársico III (Fig. 72B). Fig. 70 Esforço na sínfise pélvica, secção transversal. A distância entre as articulações coxais é maior que a observada entre as sacroilíacas, assim a ação do peso corporal sobre o acetábulo (N) faz com que a sínfise pélvica esteja sob constante esforço de tensão. FONTE: Getty R. Sisson & Grossman: Anatomia dos Animais Domésticos. Rio de Janeiro: Interamericana, 5 ed, 1981. Tópicos em Biomecânica 74 Músculos flexor digital superficial (constituído essencialmente por tecido tendíneo) e gastrocnêmio. Aparelho suspensor metacárpico-falangeano: Constituído pelos tendões dos músculos flexores, digitais superficial e profundo, músculo interósseo e ligamentos sesamóideos distais (sesamóideo reto ou superficial, oblíquos ou médios e cruzado ou profundo). Na dinâmica dos elementos fibrosos, observa-se a presença do paralelogramo fibroso (Fig. 72A), conjunto formado pela corda fêmoro-metatársica e o músculo flexor digital superficial, sendo responsável pelos movimentos sincrônicos e solidários das articulações do membro pélvico. O paralelogramo constitui o mais importante obstáculo para realização do recuo pelos animais. No recuo, o centro de gravidade deve ser deslocado caudalmente, originando o desequilíbrio entre as linhas de força do paralelogramo, desprezando sua ação. O apoio é inseguro e obtido por ação muscular, gerando uma contração muscular imediata com dificuldade no deslocamento do membro para trás. Fig. 72 Dinâmica dos elementos fibrosos e paralelograma fibroso. A Representação esquemática do aparelho recíproco no equino. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. B Aparelho recíproco do membro pélvico do equino, 1 fibular terceiro, 2 flexor digital superficial, 3 gastrocnêmio, 4 tibial cranial. FONTE: Getty R. Sisson & Grossman: Anatomia dos Animais Domésticos. Rio de Janeiro: Interamericana, 5 ed, 1981. Elementos musculares Diferente do membro torácico, onde os elementos musculares exercem menor efeito na sua dinâmica, no membro pélvico a dinâmica é garantida por estes elementos, tornando o membro pélvico responsável pela propulsão. Os músculos são funcionalmente enquadrados em quatro grupos musculares: grupo dos glúteos (principalmente o glúteo médio); grupo femoral caudo-lateral ou ísquio-tibiais (semitendinoso, semimembranoso e Músculo quadríceps femoral Músculo biceps femoral Ligamento patelar intermédio Músculo interósseo Tendão músculo fibular terceiro Tendão músculo flexor digital profundo e ligamanto acessório Tendão músculo flexor digital superficial A B Tópicos em Biomecânica 75 bíceps femoral); grupo dos extensores do tarso (gastrocnêmio); e flexores do tarso (tibial cranial), sendo o papel de cada grupo discutido a seguir: Grupo dos glúteos (Fig. 73): Os músculos glúteos atuam no mecanismo de escoicear, podendo projetar bruscamente a porção livre do membro pélvico para trás. Contudo, durante o apoio atuam sobre o fêmur (especialmenteo músculo glúteo médio) deslocando-o cranialmente e medialmente, determinando a extensão e ab dução do fêmur, constituindo a fase de apoio na andadura normal, uma alavanca de segun do gênero cujo ponto de apoio é o solo e o ponto de resistência a articulação coxal. Já na basculação (membro erguido) promovem a abertura do ângulo coxal, lançando o tronco para frente por atuarem com o uma alavanca de primeiro gênero, cujo ponto de apoio é a articulação coxal e a resistência é dada pelo peso do membro. Grupo femoral caudo-lateral: Atuam sobre as articulações fêmoro-tíbio-patelar e társica (indiretamente), promovendo o efeito de mola resultante da flexão da primeira, que provoca a extensão na segunda que no apoio no solo gera uma força propulsora secundária ou auxiliar ao grupo dos glúteos. Grupo dos extensores do tarso: Atua em conjunto com o grupo femoral caudo- lateral estabilizando e potencializando o efeito de alavanca e no mecanismo de escoicear. Grupo dos flexores do tarso: Atua no mecanismo recíproco conjuntamente com o músculo gastrocnêmio, realizando um efeito de mola entre as articulações femoro-tíbio- patelar e társica. A relação entre os elementos ósteo-articulares, fibrosos e musculares no membro pélvico constitui um eixo verticalizado que passa caudal à articulação fêmoro-tíbio patelar e cranial às articulações társica, metatarso-falangeana e interfalangeana proximal, antes de atingir a cápsula da úngula, permitindo que o peso sobre a coluna óssea não desestabilize o membro durante a flexão fêmoro-tíbio-patelar e társica ou na hiperextensão metatarso-falangeana e interfalangeana proximal. Os tendões e ligamentos do aparelho suspensor metacárpico-falangeano também atuam para evitar o colapso no membro pélvico, principalmente no equino (Fig. 74). Na extremidade distal, os elementos de sustentação são semelhantes aos observados no membro torácico (Fig. 68A), no entanto o ligamento acessório do tendão do flexor digital profundo é muito fraco ou muitas vezes ausente, sendo compensado pelo reforço no tendão do flexor digital superficial, que torna- se mais tensionado na sua inserção, auxiliando o músculo interósseo, quando o peso corporal atua sobre o membro. Ainda, em equinos, o mecanismo de sutentação, é Fig. 73 Os músculos gúteos atuam no reforço das articulações sacroilíaca e coxal na sustentação do peso (W) em consonância com os pontos de sustentação (a, b e c), além de flexionarem a articulação coxal na geração da propulsão. FONTE: Getty R. Sisson & Grossman: Anatomia dos Animais Domésticos. Rio de Janeiro: Interamericana, 5 ed, 1981. Tópicos em Biomecânica 76 reforçado pelo travamento patelar (Fig. 75), que caracteriza-se pela rotação medial de 15o da patela, fixando firmemente a cartilagem patelar sobre a protuberância da crista medial da tróclea do fêmur, acompanhado do deslocamento caudal do ligamento patelar medial em cerca de 2cm, que pode ser confirmado por palpação. Nesta posição, a patela trava a articulção fêmoro-tíbio-patelar, permitindo que o peso corporal seja transferido para o membro travado e o descanço do membro contralateral, que posiciona-se em pinça. A saída do travamento é brusca provocando o som de estalo, entretanto deve-se destacar que embora o travamento permita sustentar o peso, ainda ocorre consumo de energia muscular. Em alguns casos de desordem neuromuscular, o travamenro patelar torna-se difícli ou impossível de ocorrer, fazendo com que o mecanismo desligue-se espontâneamente, desestabilizando o animal, ou não destrave, exigindo a secção cirúrgica do ligamento patelar medial. Fig. 74 Aparelho recíproco de sustentação do membro pélvico do equino. 1 ligamentos patelares (1’ medial, 1’’ intermédio e 1’’’ lateral), 2 patela, 3 fibrocartilagem parapatelar, 4 faixa fibrosa associada ao gastrocnêmio, 5 tendão társico do semitendinoso, 6 tendão társico do bíceps, 7 fibular tereceiro, 8 flexor digital profundo, 9 flexor digital superficial, 10 ligamento plantar longo, 11 músculo interósseo, 12 extensor digital longo, 13 ligamentos sesamóides, 14 fíbula, 15 crista troclear lateral, 16 tíbia, 17 tubérculo da crista troclear medial, 18 auperfície de repouso extremidade proximal da tróclea, 19 côndilo lateral do fêmur, 20 côndilo medial do fêmur. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Apesar da semelhança funcional, são observadas diferenças significativas entre as espécies domésticas. Nos ruminantes e suíno os elementos responsáveis pela mecânica dos membros torácicos e pélvicos são menos fibrosos e substituídos por músculos, no entanto o músculo interósseo nos ruminantes é mais fibroso do que no suíno. Já nos carnívoros, os elementos fibrosos são essencialmente ou totalmente musculares, inclusive o músculo interósseo. Assim, funcionalmente os ruminantes e suínos apresentam maior facilidade para deitar e menor resistência em se manter fixos quando em estação, necessitando de maior número de trocas entre os membros de apoio no solo, enquanto que os carnívoros apresentam maior amplitude de movimentos (deitar, rolar e sentar), assim como pronação e supinação durante o galope, mas possuem menor resistência na manutenção da estação, realizando períodos de descanço em decúbito por maior período de tempo. Tópicos em Biomecânica 77 Fig 75 Representação do travamento patelar equino. A articulação fêmoro-tíbio-patelar esquerda, B extremidade distal fêmur esquerdo, C posição anatômica da patela, D articulação travada. 1 ligamentos patelares (1’ medial, 1’’ intermédio e 1’’’ lateral), 2 patela, 3 fibrocartilagem parapatelar, 14 fíbula, 15 crista troclear lateral, 16 tíbia, 17 tubérculo da crista troclear medial, 18 auperfície de repouso extremidade proximal da tróclea, 19 côndilo lateral do fêmur, 20 côndilo medial do fêmur. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. PELVILOGIA E PELVIMETRIA A pelvilogia é o estudo dos constituintes anatômicos e funcionais da pelve, determinando fatores que poderão influenciar na seleção de animais para reprodução. Enquanto que a pelvimetria consiste na determinação das dimensões da pelve, sendo utilizada na reprodução, como medida profilática a problemas no parto ou para seleção de matrizes. A palavra pelve é derivada do latim pélvis que significa bacia, considerada um complexo osteoligamentoso constituído pelo ílio, ísquio e púbis, unidos entre si pelo sacro e as três primeiras vértebras coccígeas e o ligamento sacroisquiático ou sacrotuberoso de funções múltiplas. No sentido obstétrico mostra-se como o cinturão ósseo, que rodeia parcialmente a cavidade pélvica, formado pelos ossos ílio, ísquio e púbis unidos entre si, cujo teto é constituído pelo sacro e as primeiras vértebras coccígeas. A pelve possui funções de locomoção e sustentação do peso nos membros pélvicos, serve como via de passagem do feto, e contribui, por meio de vários elementos, com a estática dos intestinos, órgãos reprodutivos e urinários. Constitui um elemento de integração na transmissão e difusão de forças para os membros pélvicos. A D C B 1’ 1’ 3 Tópicos em Biomecânica 78 PELVILOGIA A pelve possui o formato de um tronco de cone, situado na porção caudal do tronco, cuja base maior encontra-se voltada para a cavidade abdominal enquanto que a menor está voltada caudalmente. A relação entre o eixo do tronco de cone e o da cavidade abdominal forma um ângulo ventral obtuso, no entanto podem ocorrer variações entre as espécies e os indivíduos. Sua porção ventral (face cranial) atua como pontode ancoragem e tração da aponeurose do músculo reto abdominal (tendão pré-púbico), e também como estojo protetor das vísceras contidas nessa região. Ainda, o anel pélvico constitui a parte menos flexível da cavidade pélvica, contudo durante o parto pode aumentar a amplitude de seus diâmetros transversal e vertical ampliando a cavidade pélvica, isto é possível devido ao relaxamento e embebição dos ligamentos, que desviam o sacro dorsalmente e separam os ângulos internos do ílio notavelmente. O parto é tanto mais fácil quanto mais curto for o sacro, pois torna mais móvel suas conexões articulares. CONSTITUIÇÃO ANÁTOMO-FUNCIONAL DA PELVE A pelve é formada por partes duras e moles. Constituem as partes duras os ossos (coxal (ílio, ísquio e púbis), sacro e vértebras coccígeas, Fig. 76) e as articulações, que podem ser classificadas em dois grupos: intrínsecas (sacroilíaca (articulação sinovial plana, podendo evoluir para uma sinostose, fixada pelos ligamentos sacroilíacos vertebral: sacroisquiático dorsal, porções funicular (ligamento sacotuberoso) e laminar, e sacroisquiático ventral); sacrococcígea (sínfise, disco intervertebral); isquiopúbica (sinostose, união entre os três ossos); e extrínsecas (lombosacra (sínfise, disco intervertebral) e coxal (esferóide ou cotílica, cápsula articular, lábio articular, ligamen to redondo e ligamento da cabeça do fêmur)). As vértebras coccígeas estão relacionadas com a am pliação do diâmetro caudal da pelve. O acetábulo transmite as forças do peso corpóreo aos membros pélvicos e absorve a tração desses para o corpo. A articulação isquiopúbica atua como dissipadora de forças da pelve, além de ser ponto de equilíbrio da tração exercida pelos membros pélvicos. As partes moles são representadas pelo ligamento sacroisquiático (Fig. 77) e pelo diafragma pélvico (Fig. 78). O ligamento sacroisquiático completa a pelve óssea, formando um conduto, cuja porção ventral entre a borda lateral do sacro e incisuras isquiáticas, constitui uma lâmina pouco elástica e forma a abertura para passagem da artéria e veia ilíaca externa e do plexo isquiático, enquanto que a porção caudal, em forma de funículo, Fig. 76 Partes duras da pelve do equino. 1 osso coxal (1’ ílio, 1’’ ísquio e 1’’’ púbis), 2 sacro, 3 vértebras coccígeas, 4 acetábulo e cabeça do fêmur. FONTE: Popesko P. Atlas de Anatomia Topográfica dos Animais Domésticos. Manole, São Paulo, 1985. 1’ 1’’ 1’’’ 2 3 4 Tópicos em Biomecânica 79 forma o ligamento sacrotuberoso, desde a extremidade do sacro até a borda superior da tuberosidade isquiática, sendo coberta apenas por pele nos ruminantes, permitindo a palpação (seu relaxamento é um indício do final da gestação). Entretanto, no equino não é palpável, devido ao acúmulo de gordura na região, enquanto que o canino apresenta somente o ligamento sacrotuberoso, que se constitui de um tecido tendinoso muito elástico. Fig. 77 A Ligamento sacrotuberal do canino, B ligamento sacroisquiático do bovino. 1 ílio, 2 sacro, 3 vértebras coccígeas, 4 ligamento sacrotuberal, 5 espinha isquiática, 6 acetábulo, 7 túber isquiático, 8 túber coxal, 9 túber sacral, 10 forame isquiático maior, 11 trocanter naior do fêmur, 12 forame obturado, 13 forame isquiático menor. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. O diafragma pélvico fecha o estreito caudal, sendo formado pela fáscia pélvica, fáscia perineal profunda e os músculos superficiais e profundos do períneo, dividindo a cavidade pélvica em uma porção intraperitoneal (ventral) e retroperitoneal (dorsal), a vagina cruza o espaço formado pelas porções intra e retroperitoneal, unindo-se ao vestíbulo. Fig. 78 A Vista caudal do períneo no felino doméstico, B diafragma pélvico do canino, vista lateral. 1 cauda erguida, 2 glúteofemoral, 3 ânus, 4 coccígeo, 5 obturador interno, 6 isquiocavernoso, 7 fáscia ilíaca recobrindo o ilíopsoas, 8 retrator do pênis, 9 coccígeo, 10 levantador do ânus. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. * A B Tópicos em Biomecânica 80 Diferenças sexuais Apesar de serem reconhecidas as diferenças anatômicas da pelve entre machos e fêmeas, as modernas técnicas de melhoramento animal tem preconizado o uso de machos com características maternais, por apresentarem progênie com maior precocidade produtiva e menor índice de distocias (dificuldades encontradas na evolução de um trabalho de parto, tornando uma função difícil, impossivel ou perigosa para a mãe e para o feto). Nas fêmeas a pelve óssea é mais ampla em todas as direções, principalmente no eixo transversal; a abertura cranial é mais circular, enquanto que a caudal apresenta a arcada isquiática mais larga e menos profunda; o forame obturado é quase circular; as margens, tubérculos e saliências são mais planas; a obliqüidade do orifício de entrada e a inclinação da pelve são maiores, o orifício de saída é maior e a porção púbica é côncava e está situada abaixo da porção isquiática que é quase plana. Já nos machos a pelve óssea é mais estreita com abertura cranial mais elíptica, o forame obturado é elíptico; os tubérculos, margens e saliências são mais destacados; a incisura isquiática maior é mais curta e mais profunda; o púbis é espesso na linha média e con vexo; porção isquiática é estreita e côncava transver salmente; contudo no equino quando a castração é pre coce, antecedendo a puberdade, as características da pelve são semelhantes às observadas na fêmea. Diferenças nas espécies Como observado nos tipos constitucionais, onde a conformação do corpo varia entre espécies e raças, permitindo que o corpo do animal tenha sido construído para uma determinada aptidão, dentre as espécies domésticas observam-se características anátomo- funcionais inerentes a cada espécie. Por exemplo, o tendão pré-púbico se insere mais ventralmente na vaca do que na égua, na qual a inserção é mais cranial, de modo que na vaca forma um degrau entre assoalho e tendão. Características como estas determinam procedimentos diferenciados a serem adotados ao utilizar-se de manobras obstétricas. Por exemplo, ao se tracionar um feto num parto de uma vaca é necessário fazê-lo no sentido dorso-caudal, dirigindo-se ventralmente para que possa se vencer a barreira criada pelo degrau formado entre o tendão pré-púbico e a pelve. Fig. 79 Vista cranial da pelve equina, A fêmea, B macho. Linha enfatiza as diferenças na entrada da pelve. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Tópicos em Biomecânica 81 Equino (Fig. 80): A face dorsal é caracterizada pelo sacro e primeiras vértebras coccígeas articulados entre si, ligeiramente côncava no eixo ventrodorsal e separada dos órgãos genitais pelo reto. Já a face ventral, formada pelos dois ísquios e púbis, é côncava no eixo transversal e ligeiramente no longitudinal, especialmente na porção onde está assentada a bexiga, medindo na égua 16 a 20 cm de comprimento. A linha longitudinal mediana é caracterizada pela sínfise púbica, onde de cada lado está o forame obturado. As faces late rais são constituídas pelas faces mediais dos ílios e ligamentos sacroisquiáticos, de forma quadrilateral unindo o sacro e o ílio correspondentes. O orifício cranial posiciona-se dirigido obliquamente crânio-ventralmente, sendo chamado de estreito cranial ou entrada da pelve, possui forma oval, quase fixo por ser quase que completamente ósseo. O orifício caudalforma a base menor do tronco de cone, chamado de estreito caudal ou saída da pelve, é formado pelo sacro, primeiras vértebras coccígeas, e pelo bordo dorsal do ligamento sacroisquiático, ventralmente pela arcada dos ísquios, podendo ser constituído em parte por uma membrana elástica, o ligamento sacroisquiático, suscetível de se dilatar sensivelmente durante a passagem do feto. Bovino (Fig. 81): A pelve apresenta-se mais óssea que na égua, sendo mais longa e achatada lateralmente e possuindo o sacro maior e mais côncavo no eixo longitudinal. O assoalho é mais côncavo em todos os eixos com o estreito cranial mais elíptico, enquanto que o caudal é mais cilíndrico e a arcada isquiática apresenta-se em ângulo mais agudo. Fig. 80 Vista cranial da pelve do equino macho. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Fig. 81 Vista lareal da pelve do bovino macho. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Tópicos em Biomecânica 82 Caprinos e ovinos: Possui a pelve semelhante aos bovinos, contudo é mais longa, estreita, baixa e espessa na cabra que na ovelha. O púbis é delgado na cabra e espesso na ovelha, porém o forame obturado é amplo na ovelha e estreito na cabra. Em ambas as espécies a sinostose é tardia e o sacro possui quatro vértebras na ovelha e 4 a 5 na cabra. Suíno (Fig. 82): Apresenta a pelve mais longa e inclinada ventrocaudalmente, o sacro possui 4 a 5 vértebras sacrais. O estreito ventral é dilatável, porém estreita-se no nível do acetábulo e a incisura isquiática maior é desenvolvida e inclinada para dentro. Canino (Fig. 83): Possui o coxal quase horizontal com perfil retilíneo, sendo que a incisura isquiática maior é pouco saliente constituindo a porção mais estreita da pelve e a tuberosidade isquiática possui uma cúspide. Este arranjo torna a cavidade pélvica quase cilíndrica. PELVIMETRIA Pode ser realizada de forma indireta ou direta. A pelvimetria indireta é baseada na relação entre as medidas corporais e pélvicas externas versus medidas internas da pelve, enquanto que a forma direta pode ser realizada, em pequenos animais, pelo estudo radiográfico de medidas pélvico, também aplicado em primatas não humanos, cães e gatos. Ainda, a pelvimetria direta pode ser realizada pela medida direta da pelve através do toque retal, que permite ainda realizar a avaliação da qualidade da pelve, observando a presença de fraturas entre outras alterações que possam impossibilitar o parto. As medidas da pelve podem ser tomadas utilizando a própria mão ou um aparelho denominado pelvímetro. DIÂMETROS PÉLVICOS As dimensões pélvicas são mais importantes em animais que geram um único feto grande de cada vez (monotocas), do que em fêmeas polítocas cujos fetos a termo são pequenos. Vários diâmetros da pelve podem ser mensurados, com base em referências ósseas. Fig. 82 Vista cranial da pelve do suíno. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Fig. 83 Vista medial da pelve do canino. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Tópicos em Biomecânica 83 Diâmetro verticais Diâmetro conjugado verdadeiro (Fig. 84): Diâmetro vertical da abertura cranial da pelve, diâmetro dorsoventral ou estreito cranial que é medido da extremidade cranial da sínfise púbica até o promontório sacral. Diâmetro vertical da entrada da pelve (Fig. 85): Diâmetro vertical pectíneo ou diâmetro pélvico vertical cranial mensurado a partir da extremidade cranial da sínfise púbica até a face ventral do sacro (3º. par de forames sacrais ventrais na fêmea e 1º. nos machos) ou articulação sacrococcígea nos pequenos mamíferos. Este se refere ao diâmetro da cavidade pélvica, com grande importância prática para ruminantes, equino e suíno por se prolongar entre a sínfise pélvica e o sacro, impedindo a expansão da pelve. Contudo, nos carnívoros, como o sacro é curto, este diâmetro se prolonga até as vertebras coccígeas, permitindo que em cães jovens, assim como em suínos jovens, o canal do parto aumente significativamente, devido o não fusionamenro das vértebras sacrais. Diâmetro conjugado diagonal: Linha diagonal que vai do promontório sacral à extremidade caudal da sínfise pélvica. Diâmetro vertical da saída da pelve: Mensurado entre a margem caudal da sínfise isquiopúbica a extremidade caudal do sacro ou primeiras vértebras coccígeas. Diâmetros transversais (Fig. 86) Diâmetro bi-ilíaco ou médio: Determinado da tuberosidade do psoas no corpo do íleo até a do lado oposto. Diâmetro transversal dorsal ou superior: Linha traçada entre as facetas auriculares do íleo. Diâmetro transversal ventral ou inferior: Linha traçada entre as eminências iliopectíneas de cada lado. Diâmetro transversal da cavidade pélvica: Mensurado a partir da metade da crista isquiática de um lado a do lado oposto. Fig. 84 Vista medial da pelve do equino, em vermelho o diâmetro conjugado. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Fig. 85 Vista lateral da pelve do bovino, 14 diâmetro conjugado, 15 diêmtro vertical entrada pelve. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Tópicos em Biomecânica 84 Diâmetro da saída da pelve: Medida tomada entre as duas tuberosidades isquiáticas. Diâmetro oblíquo ou sacro-ilíaco: Mensurado da articulação sacro-ilíaca até a eminência iliopectínea do lado oposto. Fig. 86 Esquematização dos diâmetros transversais da pelve no bovino. Diâmetro bi-ilíaco (rosa), diâmetro transversal dorsal (verde), diâmetro transversal ventral (roxo) e diâmetro oblíquo (laranja). FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Um recurso utilizado na pelvimetria externa são coeficientes que permitem estimar as medidas internas, alguns destes são apresentados na tabela abaixo. DIÂMETRO MEDIDA EXTERNA COEFICIENTE ESPÉCIE BOVINO EQUINO CONJUGADO Medida da cernelha X 0,18 X 0,143 BI-ILÍACO Largura da Garupa X 0,36 X 0,40 DIÂMETRO TRANSVERSAL VENTRAL Diâmetro bi-ilíaco -20mm - 48mm TIPOS ANÁTOMO-FISIOLÓGICOS DE PELVE O formato da pelve materna correlaciona-se às características de seus produtos. De acordo com o formato que possui, pode-se classificar as pelves nos animais considerando os diâmetros conjugado verdadeiro e o bi-ilíaco. Dolicopélvicos Caracterizam-se por apresentar a entrada da pelve oval, achatada lateralmente, o ísquio é sensivelmente escavado e arqueado para baixo em sua extremidade caudal, os diâmetros conjugado verdadeiro e o bi-ilíaco apresentam 22 – 24 cm e 16 – 18 cm, respectivamente, estão neste grupo: ruminantes e suíno, além das raças de caninas Pastor Alemão e Dogue Alemão. Mesatipélvicos Entrada da pelve quase circular, um pouco estreito na sua parte inferior com diâmetros conjugado e o bi-ilíaco medindo aproximadamente 21 a 24 cm no equino, sendo também observado em algumas raças caninas, como o Cocker Spaniel Inglês e Americano, Pointer, Dálmata e Pinscher. Platipélvicos O diâmetro bi-ilíaco é maior que o diâmetro conjugado, fazendo com que se apresentem achatadas dorsoventralmente assumindo o formato de um prato. Raças de cães como pequinês e basset apresentam a pelve neste formato. Este tipo é característico de caninos das raças quepossuem membros curtos como o Pequinês, Basset Hound e Daschund. Tópicos em Biomecânica 85 CINEMÁTICA DO MOVIMENTO Os animais realizam diferentes tipos de movimentos que não somente a locomoção, dentre eles: rolar, deitar-se e sentar, no entanto a cinemática apresenta particularidades inerentes a cada espécie. Considerando que os carnívoros, essencialmente predarores, necessitam desenvolver grandes velocidades em distâncias curtas, apresentam pouco peso corporal e cuja alimentação é de fácil digestibilidade, os mecanismos de estabilidade, descritos na mecânica dos membros, são pouco desenvolvidos. Em contrapartida, os herbívoros possuem uma construção especializada na sustentação de grandes quantidades de alimento de difícil digestibilidade, sem que isso prejudique sua mobilidade. Em comum, a execução de um movimento exige o ajustamento de numerosas funções orgânicas, cuja solicitação depende da intensidade, duração e freqüência e das características específicas da atividade praticada, como no exercício ou na corrida de velocidade. O treinamento tem por objetivo a adaptação dos aparelhos e sistemas solicitados por um exercício, afetando somente aqueles solicitados. Um ciclo completo de deslocamento de um animal, correndo ou andando, é chamado de passo. Do ponto de vista da locomoção os animais podem ser cursoriais (usualmente correm sobre o solo, maioria dos quadrúpedes) ou saltadores (freqüentemente são bípedes e seus membros pélvicos são utilizados simultaneamente, em uma serie de saltos, seu passo é denominado ricochete, sendo geralmente excelentes escaladores). Os saltadores e cursoriais bípedes tendem a ser mais especializados que os cursoriais quadrúpedes. O passo também pode ser aumentado de acordo com a postura da face solear do órgão digital do animal. O pé humano contribui pouco para o comprimento do passo, pois o calcanhar fica no solo quando paramos e é o primeiro a tocá-lo a cada passo. A postura que esse pé assume é chamada de plantigrada (solo + pé) e a maioria dos vertebrados, como por exemplo, o urso em que o pé assume essa postura, anda muito bem, mas dificilmente são bons corredores. Outros animais, como o canino, aumentam o tamanho efetivo do membro apoiando-se sobre os órgãos digitais diretamente, sendo sua postura chamada de digitígrados (dígito + andar). Os ungulígrados (úngula + andar) que dá nome aos ungulados, como o veado, bovino e equino, correm apoiando-se na face solear da cápsula da úngula. Além disso, a extremidade distal dos membros, principalmente o torácico, é mais alongada nos ungulígrados que nos digitígrados, permitindo que percorram uma distância maior de caminhada. Fig. 87 Membros pélvicos de urso, canino e equino (esquerda para direita), ilustrando as posições plantígrada, digitígrada e ungulígrada. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Tópicos em Biomecânica 86 Esse efeito evidencia o fato de que os tendões de inserção se fixam tipicamente ao esqueleto em áreas próximas às articulações, como observado na inserção dos músculos bíceps e tríceps braquial que se fixam próximo à articulação cúbita. Deste modo, a força de alavanca na região braquial tem curto alcance, porque um deles se projeta do eixo de rotação pelo côndilo do úmero até a tuberosidade radial, enquanto o outro chega à tuberosidade do olecrano. Contudo, a parte funcional é mais longa, pois inclui toda a extremidade distal livre do membro. Considerando que um ventre muscular pode contrair apenas 30% de seu comprimento, esta disposição anatômica amplia a força de alavanca da parte distal do membro, movendo mais rápido e com maior alcance esta porção do membro. O alongamento dos membros é facilitado pela disposição dos ventres na metade proximal do membro, assim a parte distal do membro é mais leve e move-se mais rapidamente durante a basculação. Contudo, a solidez do membro e a ampliação do movimento exigem forças extremas nos músculos entre as faces articulares e no interior dos ossos. TIPOS DE MOVIMENTOS Movimentos de corpo inteiro de um animal são resultados do deslocamento coordenado de partes corporais individuais, o que pode resultar em movimentos para frente, para os lados ou para trás ou movimentos sem alterações de localização, como o empinamento e o escoiceamanto. É pertinente ressaltar, que devido a posição do eixo ou centro de gravidade, deslocado cranialmente, e ao aparelho recíproco do membro pélvico, os deslocamentos para trás são dificultosos e, em muitos casos, resultam em desequilíbrio do animal. Escoiceamento No equino e no bovino, o escoiceamento tem finalidade de defesa e apresenta-se claramente definido, enquanto que nos carnívoros o movimento é realizado com menor amplitude, contudo envolve a mesma dinâmica. É observado o escoiceamento com um membro, onde o peso corporal é desviado para o membro de apoio deixando a outra extremidade livre para realizar o movimento de defesa, o membro livre é flexionado e extensionado rapidamente e com muita força; ou com os dois membros, onde a cabeça é inclinada em direção ao solo, deslocando o centro de gravidade cranialmente, concomitantemente ocorre a extensão dos músculos do dorso, concomitantemente a flexão da musculatura abdominal e a retirada de ambos os membros pélvicos do solo, que são projetados fortemente para trás. Fig. 88 Posição do centro de gravidade (W) no apoio durante a estação (A) e no deslocamento para trás e no descanso (B). FONTE: Getty R. Sisson & Grossman: Anatomia dos Animais Domésticos. Rio de Janeiro: Interamericana, 5 ed, 1981. Tópicos em Biomecânica 87 Empinamento Inicia com a elevação da cabeça, o que desloca o centro de gravidade caudalmente, facilitando a retirada de ambos os membros torácicos do solo e ocasionando a enérgica contração dos músculos largos do dorso que extensionam o arco, jogando o peso do corpo sobre os membros pélvicos e fazendo com que os membros torácicos sejam lançados livres e fortemente contra o solo ou oponente. Cães e gatos podem saltar a partir da posição de estação. Deambulação Na deambulação se observa uma repetição de esquemas cíclicos que se caracterizam pela ativação e inativação alternadas de grupos musculares específicos. Cada passada é dividida em três fases: apoio ou propulsão (contato da extremidade distal do membro com o solo e deslizamento da articulação interfalangeana distal), suspensão (movimento de basculação, o membro é elevado e deslocado cranialmente) e alcance (extensão do membro no ar, permitindo a aproximação entre os homólogos), que são características para os membros torácico ou pélvico. Membro torácico: Possui a função de amortecer o impulso gerado pelos membros pélvicos e carregar consigo o tronco cranialmente, permitindo o apoio do corpo, para logo a seguir iniciar a sua elevação e deslocamento. Na fase de apoio a escápula é girada em sentido inverso, por ação dos músculos grande dorsal, peitoral profundo e rombóide, o que resulta no deslocamento caudoventral da extremidade distal e craniodorsal da extremidade proximal do osso. Concomitantemente os músculos flexor digital superficial e interósseo são liberados da tensão a que se encontram submetidos, no entanto a articulação interfalangeana distal é hiperextensionada, ativando o músculo flexor digital profundo que hiperflexiona o dígito ao afastá-lo do solo, iniciando a fase de basculação. Esta fase inicia com a ação dos músculos da sinsarcose e é seguida pela flexão de todos os músculos flexores e articulações do membrotorácico. Neste momento o membro é deslocado cranialmente por ação do músculo bráquiocefálico, que conta com a ação dos músculos trapézio e omotransverso na rotação da escápula a partir do seu ponto de apoio (espinha da escápula), resultando no deslocamento craniodorsal da extremidade distal e caudoventral da extremidade caudal da escápula. Ao final da basculação, os músculos extensores (tríceps braquial, extensor radial do carpo e digital comum e lateral) e as articulações voltam a suas posições anatômicas, iniciando a fase de apoio. Nesta fase o corpo desliza novamente sobre a articulação intefalangeana, como um pendulo invertido, devido a extensão das Fig. 89 Esquematização do movimento de empinamento. As linhas escuras representam as estruturas envolvidas (arco e corda, grupo dos glúteos e braquiocefálico. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Tópicos em Biomecânica 88 articulações do úmero (m. bíceps braquial), cúbita (músculo tríceps braquial) e cárpica (também por ação do bíceps braquial), que são sobrextendidas quando o impulso é gerado pelo membro pélvico). Membro pélvico: A cinemática do membro pélvico é semelhante a do torácico, entretanto deve-se ressaltar que uma musculatura mais desenvolvida é encontrada no bípede pélvico devido este ser responsável pela propulsão. Assim, a propulsão tem início na fase de apoio com a ativação e enérgica contração dos extensores das articulações coxal (principalmente do m. glúteo médio), femoro-tíbio-patelar (m. quadríceps femoral) e társica (m. gastrocnêmio), fazendo com que o dígito seja pressionado contra o solo pela ação dos flexores digitais. O reforço para geração do impulso é dado pelos músculos da nádega (bíceps femoral, semitendinoso e semimembranoso), que deslocam a articulação femoro- tíbio-patelar caudalmente. No entanto, este movimento é relativo, pois se a extremidade do membro encontra-se fixado em um solo antideslizante, o tronco é deslizado cranialmente, porém sua ação concomitante sobre a articulação társica (extensão), que se dá por meio do tendão calcâneo comum, permite que o movimento seja efetivo e o deslocamento do tronco ocorra em conjunto com o membro, principalmente na locomoção rápida. A basculação ocorre por ação dos músculos flexores do dígito que é deslocado do solo, concomitantemente a flexão de todas as articulações do membro, que é direcionado cranialmente pela ação dos músculos tensor da fáscia lata, glúteo superficial, sartório e ilíopsoas (este músculo juntamente com os pequenos músculos da pelve elevam o membro e o abduzem, sendo antagonizados pelos músculos femorais mediais: grácilis, pectíneo e sartório, fazendo com que o ponto de apoio do membro em extensão seja localizado medialmente), preparando a extremidade do membro para o início do apoio, em que são ativados os músculos extensores do membro, com especial atenção na fixação da articulação femoro-tíbio-patelar pelo músculo quadríceps femoral. Fig. 90 Fases da deambulação no equino. 1 membro torácico direito no apoio, 2 membro torácico esquerdo basculando, 3 membro pélvico direito basculando e iniciando o alcance e 4 membro pélvico esquerdo em propulsão. RITMOS DE MOVIMENTAÇÃO Tópicos em Biomecânica 89 Os andamentos naturais incluem o passo, trote e galope, contudo algumas espécies e raças apresentam outros tipos como a marcha picada, batida e/ou lenta. O desenvolvimento das fases descritas se encontra combinado em uma seqüência de etapas durante a locomoção, onde dependendo do tipo de movimento pode-se observar que um a três membros estão suportando o peso do corpo, gerando os chamados apoios em um, dois ou três membros. Genericamente codificou-se que cada um dos membros encontra-se em uma fase cinemática distinta. Esta observação permite identificar três situações, que são: bípede sagital (membros do mesmo antímero), bípede diagonal (torácico e pélvico de lados opostos) e triplo anterior ou posterior. Na transição entre os movimentos, são observadas variações de tempo entre cada fase, que são encurtadas conforme maior a velocidade adquirida pelo animal. A maior velocidade é obtida pelo aumento no tamanho do passo, com mudanças paulatinas na duração do passo (efeito da caixa de três marchas) com freqüências de oscilação próprias que buscam o menor gasto energético. A Teoria do pêndulo remete que biomecanicamente os membros são considerados como pêndulos durante a locomoção, que quando apoiados no solo geram grande força de impulsão em uma oscilação própria e com igual distribuição de massa, permitindo poupar energia, pois a oscilação para frente (basculação) exige pouco trabalho muscular. Além disso, o mecanismo de mola da coluna vertebral (torácica e lombar) produz flexões e extensões rítmicas na coluna, que além das articulações intervertebrais, dependem da musculatura do dorso e abdome. Já no apoio os músculos flexores digitais do bípede diagonal sofrem uma distensão elástica, devido ao pico de carga, que ao retirar o membro do solo é transformada em energia mecânica, atuando como molas, que durante o trote promovem o fenômeno do sincronismo diagonal (duas das molas agindo simultaneamente, uma torácica e outra pélvica). As seqüências de marcas deixadas pela movimentação do animal são denominadas rastros, podendo ser simples (marcas sobre a linha mediana); duplos ou paralelos (linhas paralelas à linha mediana, marcando os antímeros direito e esquerdo) e mistos (característico de animais de tórax largo e pélvico estreito, deixando rastros duplos do membro torácico e simples do pélvico). O fenômeno de paralelismo de movimentação é observado em animais cuja largura do tórax e do membro pélvico são iguais, onde os membros homólogos obedecem ao mesmo plano de movimentação, sendo característico de rastros simples. A observação dos rastros constitui uma ferramenta importante para avaliação da qualidade da deambulação do animal. Fig. 91 Representação da teoria do pêndulo e mecanismo de mola da coluna vertebral. Tópicos em Biomecânica 90 Fig. 92 Esquematização gráfica de rastros do equino, A rastro duplo na deambulação normal, B rastro duplo e cápsula da úngula divergente, C rastro duplo e cápsula da úngula convergente. Passo O passo é uma seqüência regular de quatro batidas com apoios bípedes ou trípedes, onde o avanço do membro pélvico depende do avanço do torácico homolateral. Diz-se também de uma seqüência 3:1 (3 membros em apoio e um em basculação), iniciando pelo pélvico esquerdo, seguido pelo torácico esquerdo, pélvico direito e torácico direito, mantendo sempre um bípede em contato com o solo. A marcha pode ser considerada uma variação do passo, contudo com peculiaridades. A marcha lenta é a mais semelhante ao passo, contudo um membro propulsiona ou alcança de forma homóloga, sendo marcada a propulsão e o alcance em cadência, enquanto que na marcha paralela, também chamada passo de camelo, ocorre o deslocamento simultâneo dos membros pélvico e torácico homolaterais, que propulsionam e alcançam ao mesmo tempo, jogando o centro de gravidade lateralmente, podendo ocorrer após ritmos acelerados com a finalidade de repousar a musculatura. Fig. 93 Representação esquemática das fases cinemáticas do passo. A sequência inicia com a propulsão pelo pélvico esquerdo que incita a basculação do torácico contralateral. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Tópicos em Biomecânica 91 O passo dos carnívoros é semelhante ao observado no equino, contudo as transições develocidade ocorrem com maior frequência do passo ao trote, especialmente em cães. Ainda, os felinos domésticos escalam em um padrão semelhante ao passo. Fig. 94 Representação da marcha em canino husky siberiano e marcha paralela em Bulldog inglês. Trote A seqüência é representada por uma alternância contínua entre bípedes diagonais (esquerda à frente e direita atrás ou vive-versa) ou sincronia diagonal (na retirada de um membro do solo e antes da troca do apoio o tronco é deslocado cranialmente e dorsalmente), resultando em um ritmo acelerado. À medida que a velocidade de locomoção aumenta, os tempos entre as oscilações diminuem, aumentando o gasto energético devido a maior freqüência de oscilações e o maior trabalho muscular. São observadas variações do trote, que incluem: hackney (variação do trote na qual o animal apresenta flexão e extensão exagerada dos membros no alcance e na propulsão) e o trote ligeiro com suspensão (flying, com propulsão e alcance simultâneos e cruzados, onde o corpo fica suspenso no ar, pois os quatro membros são removidos do solo). Os cães preferem o trote como andamento rápido, caracterizando um apoio em bípede diagonal com o membro torácico atingindo o solo pouco antes do pélvico, deixando um rastro onde o membro pélvico ipsilateral deixa uma impressão no solo abaixo do membro torácico basculado. Fig. 95 Representação esquemática das fases cinemáticas do trote, a propulsão pelo pélvico esquerdo incita a basculação do torácico contralateral, permitindo que um bípede contralateral esteja em basculação. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Tópicos em Biomecânica 92 Fig. 96 Representação esquemática do hackney em canino e trote ligeiro com suspensão (flying) em equino. Galope A propulsão sempre provém de um dos membros pélvicos em direção diagonal a um torácico, fazendo com que o eixo do corpo seja deslocado ligeiramente em diagonal, conforme a direção do movimento. No entanto, em alguns casos, o galope pode ser conduzido pelo membro torácico esquerdo ou direito, sendo alternado periodicamente. Visualmente, nota-se que o membro pélvico deslocado mais lateralmente empurra o corpo sobre o seu correspondente diagonal torácico, mediante a combinação de apoios bípedes e trípedes, gerando o apoio na extremidade distal de um membro. Este movimento provoca a tensão da coluna vertebral torácica e lombar (corda) e da cabeça e região cervical (pêndulo invertido) cranialmente. Também depende em maior grau do aproveitamento da elasticidade, bastando apenas às três extremidades estar apoiadas no solo para aturarem como molas, que, no entanto apresentam oscilações mais curtas e mais rígidas. São descritas variações do galope que incluem o galope de dupla suspensão (dupla propulsão simultânea, fazendo com que os membros fiquem suspensos no ar seguido de duplo alcance) e o canter ou lope (misto de galope e trote, o ritmo é marcado por uma propulsão, seguido de uma propulsão com alcance e de um alcance isolado, dando a impressão de realização de um meio galope). Fig. 97 Representação esquemática das fases cinemáticas do galope, o apoio é assegurado pelo pélvico esquerdo enquanto os demais encontram-se em basculação, em uma fase os quatro membros não tocam so solo. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Tópicos em Biomecânica 93 Em cães e outros animais de pequeno porte, por apresentarem a coluna muito flexível, ocorre um tipo especial de galope, chamado de rotativo ou de salto. Neste movimento, a coluna vertebral e os músculos epiaxiais são responsáveis pelo deslocamento para frente, que se inicia com um salto realizado pelos membros pélvicos (propulsão), seguido de extensão da coluna vertebral e membros torácicos (suspensão) e apoio dos torácicos, fazendo com que a coluna se dobre em até 90o e os membros pélvicos bascula e alcança, ultrapassando os torácicos para só então atingirem o solo. Fig. 98 Representação esquemática do galope rotativo, na direita o impulso inicial é proporcionado por ambos membros pélvicos que se segue da hiperextensão da coluna e membros torácicos, na sequência da esquerda mostra a hiperflexão da coluna e a basculação simultâneo dos membros torácicos e a basculação e alcance dos pélvicos. 6. Regiões de Interesse Clínico-Cirúrgico Para as finalidades, da prática da Medicina Veterinária é indispensável o conhecimento do arranjo dos órgãos nas diferentes regiões do corpo, naquelas precisamente nas quais o clínico-cirurgião fixa a sua atenção na pesquisa de um dado semiótico ou na realização de uma intervenção cirúrgica. É necessário então o estudo do corpo, não dividido em sistemas ou aparelhos, mas em regiões, nas quais serão observados os segmentos de todos os sistemas que aí se apresentam, na sua situação e relações reciprocas. O estudo na Anatomia regional ou topográfica é, pois o que mais satisfaz a esta exigência. REGIÕES CORPORAIS Anteriormente foi referenciado que a terminologia anatômica geral designa nomes às regiões do corpo, nesta unidade serão listadas as referidas regiões, bem como suas subdivisões. REGIÕES DA CABEÇA Compreendem as regiões do crânio (região frontal, região parietal, região occipital, região temporal, região supraorbitária, região auricular e região cornual – exclusiva dos ruminantes) e as regiões da face (região nasal, que subdivide-se em região nasal dorsal, região nasal lateral e região do nariz; região oral, que apresenta as seguintes subdivisões: região labial superior, região labial inferior; região mentoniana; região orbitária, que possui as seguintes sub-regiões: região palpebral superior e região palpebral inferior; região zigomática; região infraorbitária; região temporo-mandibular, região massetérica; região bucal; região maxilar; região mandibular; região intermandibular e região sub-hioidéa). REGIÃO CERVICAL Englobando as seguintes regiões: região cervical dorsal (margem cervical dorsal); região parotídea; região retro-auricular; região da fossa retro-mandibular; região faríngea; região cervical lateral (região braquiocefálica, sulco e fossa jugular, região esternocefálica, região pré-escapular); região cervical ventral (região laríngea e região traqueal). REGIÃO PEITORAL Reunindo as regiões: região pré-esternal (que possui os sulcos peitorais: mediano e lateral); região esternal; região mamária torácica; região escapular (região da cartilagem da escápula; região supraespinhal; região infraespinhal e região acromial); região costal e região cardíaca. REGIÃO DO DORSO Compreende as regiões: região vertebral torácica; região interescapular e região lombar. Regiões de interesse Clínico-Cirúrgico 95 REGIÃO PÉLVICA Constituída pela região sacral; região glútea (região do túber coxal; região coxal lateral e região do túber isquiático); região coccígena (região da raiz da cauda); região perineal; região anal; região urogenital; região supramamária (fêmeas) e região escrotal (machos). REGIÕES ABDOMINAIS Formada pelas regiões: região abdominal cranial (região xifóidea e região hipocondríca direita e esquerda, incluindo o arco costal); região abdominal média (região abdominal lateral direita e esquerda, incluindo a fossa paralombar e a prega lateral; e a região umbilical) e a região abdominal caudal (região inguinal; região púbica, com a sub- região prepucial presente nos machos; região mamária abdominal; região mamária inguinal e região do úbere). REGIÕES DO MEMBRO TORÁCICO Iniciando na região da articulação do úmero; regiãoaxilar (prega axilar); região braquial; região triciptal; região cúbita (região do olécrano; região antebraquial; região cárpica; região metacárpica; região metacarpo-falangeana; região falangeana e região intrfalangeana proximal; região compodal (em ungulados); região falangeana média; região coronária; e em algumas epécies o espaço interdigital. REGIÕES DO MEMBRO PÉLVICO A partir da região da articulação coxal; região femoral (região trocantérica; região femoro-tíbio-patelar (cranial; medial e lateral); região patelar; região poplítea; região crural; região do tendão calcâneo comum; região társica (região calcânea); região metatársica e região metatárso-falangeana, a partir deste ponto as regiões recebem a mesma denominação que as descritas para o membro torácico. APLICAÇÕES PRÁTICAS DOS MÉTODOS DE ESTUDO Os métodos de estudo da anatomia aplicada, descritos no capítulo inicial, podem ser aplicados no exame semiológico dos animais. Na cabeça são mais comumentes utilizadas a inspeção e a palpação, no entanto a percussão pode ser usada na pesquisa dos seios paranasais, por exemplo. Já na região cervical procede-se a inspeção, a palpação (laringe, traqueia (reflexo da tosse), esôfago e tireoide, verifica-se o pulso na artéria carótida e o pulso jugular positivo decorrente de insuficiências cardíaca) e auscultação (ruído laringotraqueal ou sopro glótico). O tórax pode ser explorado por intermédio da inspeção (observação dos movimentos respiratórios e aumentos de volume localizados), enquanto que a palpação permite explorar a sensibilidade e a consistência quando presentes alterações (creptação do enfisema subcutâneo devido à perfuração do tórax, ocasionando os frêmitos ou ruídos palpáveis). A auscultação permite identificar os ruídos respiratórios, bem como as bulhas cardíacas, já Regiões de interesse Clínico-Cirúrgico 96 com o auxílio da percussão observa-se as variações na massa dos pulmões que apresenta som claro quando sadio e na massa do coração que gera um som submaciço quando normal. A região abdominal pode ser inspecionada, palpada, auscultada e percutida. Na palpação são perceptíveis as alças intestinais, sendo menos palpável nos ruminantes e suínos, eventualmente o rim esquerdo nos carnívoros e pequenos ruminantes, a bexiga quando repleta nos carnívoros e o fígado no felino doméstico e em bezerro com cerca de um mês pós-parto. Em condições patológicas como hepatomegalia, esplenomegalia ou fisiológicas como gestação, o fígado, baço e os cornos uterinos são palpáveis em carnívoros, ainda, dependendo do grau de repleção, pode-se palpar o estômago do canino. O estômago, ovários e cornos uterinos são palpáveis por via retal no equino, bovino e bubalino. A auscultação permite identificar os ruídos hidro-aéreos nas alças intestinais e a creptação e rolamento do rúmen. Na percussão são evidentes as condições patológicas de ascite (líquido cavidade peritoneal), gases no estômago e intestinos delgado e grosso, a dilatação ou deslocamento do abomaso, rúmen e ceco, além da hepatomegalia em equino e ruminante. No exame geral do animal, os linfonodos são as estruturas mais facilmente identificáveis durante a palpação, assim no canino são palpáveis os linfonodos mandibular, parotídeo, retrofaríngeos, cervical superficial ou pré-escapular, poplíteo, inguinal ou supramamário, ainda, em situações especiais, o axilar e o axilar acessório. No equino é possível palpar os mesmos do canino, com excessão dos axilares, mas inclui-se o sub-ilíaco ou pré-crural. Já no bovino palpam-se os linfonodos mandibular, parotídeo, retrofaríngeos mediais, cervical superficial ou pré-escapular, sub-ilíaco ou pré-crural ou pré-femoral e inguinal ou supramamário. Os linfonodos incisados na rotina de inspeção “post-mortem” são representados pelos seguintes símbolos: apical (A), cervical profundo (atloidiano, At), costo-cervical (C), esofageano (E), hepáticos (H), ilíacos (I), inguinais (In), isquiático (Is), mediastianais (M), mesentéricos (Me), parotídeo (P), poplíteos (Pp), pré-crural (Pc), cervical superficial (pré- escapulares Pe), mediastínicos craniais (pré-peitoriais, Pt), retrofaringeanos (R), retromamários (Rm), axilares (subescapulares, S), sublinguais (Sl), supra-esternal (Se), traqueo-brônquicos (Tb). Regiões de interesse Clínico-Cirúrgico 97 AULA PRÁTICA 1 DISSECAÇÃO DA CABEÇA: REGIÕES FACIAL, PARÓTIDO-AURICULAR & INTERMANDIBULAR Muitos processos inflamatórios, traumáticos ou tumorais (por exemplo, os adenomas das glândulas salivares) localizam-se nestas regiões da cabeça. Em cães registram-se os processos patológicos nos ductos das glândulas salivares por obstruções, ocasionando os cistos salivares (sialocele e rânula), que muitas vezes exigem intervenção cirúrgica, resultando em sialoadenectomia (retirada da glândula), principalmente a mandibular e a sublingual. Em bovinos tem especial importância a identificação do nervo cornual (ramo zigomático-temporal do nervo trigêmeo) para realização de bloqueio anestésico, principalmente na descorna. Em todas as espécies podem ser realizadas cirurgias palpebrais ou oculares, além de serem identificados processos que resultem em paralisia facial. Em algumas espécies, a veia marginal da orelha pode ser utilizada para venopunção e coleta de sangue, com especial atenção aos caninos da raça Daschund, devido a pouca extensão da veia cefálica e a acentuada torção do úmero, e aos suínos devido a grande cobertura adiposa torna difícil o acesso a outras veias. Ainda, os músculos masseter e peterigóideo são inspecionados na linha de abate, buscando-se a presença de actinomicose e cistos de Taenia saginata e T. solium, em bovinos e suínos, respectivamente. PROCEDIMENTO Incisão da pele sobre a linha mediana desde a região do mento até proeminência laríngea, subindo transversalmente até a linha do dorso na região cervical. Circundar a orelha externa, a região orbitária e a região oral. 1- Identificar os pelos tácteis e o plano tegumentar (nasal, rostral e nasolabial) 2- Identificar as pálpebras (superior, inferior e terceira), conjuntiva e carúncula lacrimal, córnea e esclera) 3- Identificar as estruturas da orelha externa (hélice, trago com pelos, anti-trago, escafa, meato acústico externo, A. e V. marginal da orelha) 4- Rebater a pele e a tela subcutânea (m.cutâneo da face) ESTRUTURAS 5- M. parótido-auricular 6- Glândula parótida e ducto parotídeo 7- Linfonodo parotídeo 8- N. facial: nn. aurículotemporal (ramo transverso da face), aurículo-palpebral (ramos palpebral e auricular), e ramos bucal dorsal e bucal ventral 9- A. transversa da face 10- M. masseter 11- A. e V. facial 12- A. e V. temporal superficial Regiões de interesse Clínico-Cirúrgico 98 13- Glândula mandibular 14– Linfonodo mandibular 15- Vv. Maxilar e línguo-facial: V. jugular externa 16- Linfonodos retro-faríngeos 17- M. zigomático 18-Vv. nasal dorsal e angular do olho 19- Glândula bucal dorsal 20–M. orbicular da boca 21- M. elevador nasolabial 22- M. elevador do lábio superior 23-M. depressor do lábio superior 24-M. canino 25-M. bucinador 26– M. depressor do labio inferior 27–Aa. labial superior e inferior 28– A. e N. mentonianos 29– M. digástrico- ventre occiptomandibular 30– N. e M. miloioideo 31- Ducto glandular mandibular 32- Arco hioideo Regiões de interesse Clínico-Cirúrgico 99 AULA PRÁTICA 2 DISSECAÇÃO DA REGIÃO CERVICAL VISTAS VENTRAL E LATERAL Além dos processos patológicos gerais,como esofagites, traumatismos e tumorais (neoplasias de tireoide), devemos salientar a realização das traqueostomias, bem como a retirada de corpos estranhos ao longo do trajeto do esôfago. Nos casos de esofagostomias o acesso ideal é pelo antímero esquerdo, embora no início de seu trajeto o esôfago esteja cranialmente a traqueia, na região cervical este localiza-se à esquerda. A dissecação ventro- lateral também permite o fácil acesso às vértebras cervicais e discos intervertebrais, quando necessárias cirurgias para correção de patologias como a espondilose cervical. Em equinos, deve-se atentar para a cirúrgia por lesão do nervo laríngeo recorrente esquerdo que ocasiona paralisia das cartilagens aritenóides, sendo necessária a remoção da mucosa dos ventrículos laríngeos para que se proceda a retração e elevação das aritenóides. PROCEDIMENTO 1- Rebater a pele, tela subcutânea e m. cutâneo cervical ESTRUTRAS I Camada 2- M. braquiocefálico: Cleido cefálico (cleidos cervical, occipital e mastoide) 3- M. Trapézio (parte cervical) 4- M. esternocefalico (partes occipital, mastoide e mandibular) 5- Sulco jugular e V. jugular externa 6- M. esternotireoideo 7- Timo (lobo cervical) 8- Glândula tireoide 9- Linfonodo cervical superficial II Camada 10- M. romboide 11- M. omotransverso e ramo superficial do nervo acessório 12- M. serrátil ventral (parte cervical) 13- M. longo dorsal 14- M. íleocostal cervical 15- M. escaleno III Camada 17- M. esplênio 18- M. longuíssimo da cabeça 19- M. longuíssimo do atlas 20- M. esternoioideo 21- M. omoioideo Regiões de interesse Clínico-Cirúrgico 100 22- M. cricotireoideo 23- M. tireideo 24- Bainha carotídea (V. jugular interna, A. carótida comum e Tronco vagossimpático) 25- Esôfago 26- Traqueia e N. laríngeo recorrente IV Camada 27- M. semiespinhal da cabeça: músculos biventre cervical e complexo 28- Ligamento nucal (partes funicular e laminar) 29- M. multífido 30- M. longo cervical 31- M. longuíssimo cervical 32- Vértebra cervical e disco intervertebral Regiões de interesse Clínico-Cirúrgico 101 AULA PRÁTICA 3 DISSECAÇÃO DA PAREDE TORÁCICA & SIMULAÇÃO DE AMPUTAÇÃO DO MEMBRO TORÁCICO O conhecimento da organização da parede da cavidade torácica apresenta importância na prática clínica, já descrito na esqueletopia geral dos órgãos. Contudo, a parede torácica pode ser acometida de processos inflamatórios, traumáticos (polifraturas de costelas ou arcos costais, lacerações musculares e lacerações penetrantes que podem resultar em pneumotórax) e tumorais (osteocondromas e osteosarcomas). Em caninos, existe certa frequência de esofagostomias transtorácicas motivadas pela presença de corpos estranhos ou para retirada de granulomas parasitários ocasionados pela Spirocerca lupi e a ocorrência de neoplasias dos órgãos torácicos e mediastínicos. Em todas as espécies pode ocorrer a persistência do quarto arco aórtico direito, uma anomalia congênita, traduzida pela origem da aorta por este, ao invés do arco esquerdo, resultando em constrição do eôfago na região da base do coração. Relativamente aos processos esofágicos, justifica-se a abrodagem pelo antímero esquerdo, junto do sexto ao oitavo espaço intercostal. Relativo às amputações de membro torácico em cães, as principais causas são osteosarcomas (preferencialmente localizados no rádio e ulna), fraturas expostas com perda de tecido ósseo ou acompanhadas de osteomilelite crônica, automutilações por denervação (perda da inervação por avulsões no plexo braquial). As amputações podem ser totais, quando ocorre a retirada de todo o membro, desde a escápula, ou parciais, quando da retirada da porção distal junto a região afetada. Na realização das amputações, cada vez mais, o Médico Veterinário tem buscado além da resolução clínica, a conformação visual ou estética como resultado final do procedimento. Na secção dos músculos intercostais deve-se obedecer a linha que margeia a borda cranial da costela, dada a topografia da veia, artéria e nervo intercostais nos terços proximal e médio na borda caudal da costela, enquanto que no terço distal do bordo cranial observa- se os ramos arteriais e venosos intercostais oriundos dos vasos torácicos internos. PROCEDIMENTO Incisão em T da pele sobre a linha mediana desde a ponta do esterno até a cartilagem xifóidea, subindo sobre o eixo maior do membro e circundando o membro na altura da articulação cúbita. OBSERVAR SE SEU GRUPO ESTÁ DISSECANDO O ANTÍMERO DIREITO OU ESQUERDO. 1- Rebater a pele e a tela subcutânea ESTRUTURAS Simulação de amputação do membro torácico 2- M. peitoral superficial (descendente e transverso) 3- M. peitoral profundo (ascendente e e m. subclávio) Regiões de interesse Clínico-Cirúrgico 102 4- A. e V. cervical superficial 5- A. e V. axilar 6- Nn. torácico longo, toracodorsal e torácico lateral 7- I Tronco comum: Nn. supraescapular e subescapular cranial 8- II Tronco comum: Nn. axilar, radial, subescapular (caudal), toracodorsal, torácico longo e torácico lateral 9- III Tronco comum: Nn. músculo-cutâneo, mediano e ulnar 10- Nn. peitoral cranial e caudal 11– Linfonodos: axilar e axilar acessório 12- Mm. omotransverso e grande dorsal 13- M. braquiocefálico (cleido cefálico: cleidos cervical, occipital e mastóide) 14- M. trapézio (partes cervical e escapular) 15- M. serrátil ventral (partes cervical e torácica) Dissecação da parede torácica 16- M. peitoral superficial (descendente e transverso) 17- M. reto torácico 18- Aponeurose e m. oblíquo abdominal externo 19- Aponeurose e m. reto abdominal 20- M. serrátil ventral (partes cervical e torácica) 21- Nn. intercostais 22- M. serrátil dorsal (partes cranial e caudal) 23- M. intercostal externo 24- M. intercostal interno 25- Fáscia endotorácica 26– Fáscia toraco-lombar 27- N. intercostobraquial Regiões de interesse Clínico-Cirúrgico 103 AULA PRÁTICA 4 DISSECAÇÃO DA CAVIDADE TORÁCICA & MEDIASTINOS CRANIAL, MÉDIO E CAUDAL Como referido na aula anterior, os órgãos localizados na cavidade torácica são acometidos por várias patologias, em especial a persistência do arco aórtico direito, hérnias de hiato esofágico e os tumores de mediastino e dos órgãos situados nesta região. PROCEDIMENTOS Abertura cavidade torácica entre o 2º. EIC e a antepenúltima costela (OBSERVAR SE SEU GRUPO ESTÁ DISSECANDO O ANTÍMERO DIREITO OU ESQUERDO). Identificação dos órgãos situados nos mediastinos cranial, médio e caudal. ESTRUTURAS 1- Pulmão e pleuras: 1.1- Esquerdo: lobo cranial (parte cranial e caudal) e lobo caudal; 1.2- Direito: lobo cranial (parte cranial e caudal), lobo médio, lobo caudal e lobo acessório 2- Brônquios principais e Traqueia torácica (brônquio traqueal) 3- Tronco pulmonar e veias pulmonares 4- Timo (lobo torácico) 5- Linfonodos mediastínicos craniais, médios e caudais 6- Esôfago torácico 7- Tronco vagossimpático e Nervo vago dorsal e ventral 8- Gânglios: cervical médio, cervicotorácico e tronco simpático, e alça subclávia 9- Aorta torácica 9.1- Arco aórtico e ducto ou ligamento arterioso 9.2- Tronco braquiocefálico 9.2- A. subclávia esquerda ou direita 9.3- Tronco bicarotídeo: artéria carótida comum direita ou esquerda 9.4- Tronco costocervical: A. e V. vertebral e A. e V. costocervical 9.5- A. e V. Torácica interna 10- Veias cavascranial e caudal 11- Veia ázigo direita e/ou esquerda 12- Ducto torácico 13- Saco pericárdico (ligamento frênico-pericárdico) 14- Coração (átrios e ventrículos) 14.1- Átrio direito: aurículas cardíacas e Mm. pectinados e óstio átrio-ventricular 14.2- Artéria coronária direita e/ou esquerda (ramos interventriculares paraconal e subsinuoso) e V. cardíaca magna Regiões de interesse Clínico-Cirúrgico 104 14.3- Ventrículo direito: cone arterioso, óstio e valva atrioventricular direita (tricúspide), Mm. papilares e cordas tendíneas, trabéculas septo marginais, valva do tronco pulmonar 14.4- Átrio esquerdo: veias pulmonares e óstio átrio-ventricular 14.5- Ventrículo esquerdo: óstio e válvula atrioventricular esquerda (bicúspide), óstio aórtico e valva aórtica 15- N. frênico 16- Diafragma (hiato esofágico, forames da veia cava e aórtico, centro tendíneo e pilares musculares Regiões de interesse Clínico-Cirúrgico 105 AULA PRÁTICA 5 DISSECAÇÃO DA BAINHA DO MÚSCULO RETO DO ABDOME, PAREDE & CAVIDADES ABDOMINAL E PÉLVICA A integridade da parede abdominal consiste em um dos importantes fatores da manutenção da estática das vísceras corporais, como já discutido. Além disso, o conhecimento da organização da parede abdominal é essencial na realização de laparotomias (manobra cirúrgica que envolve uma incisão através da parede abdominal para ascender à cavidade abdominal. É também conhecida como celiotomia, podendo ser com finalidade diagnóstica ou terapêutica.). A incisão mais comum para a laparotomia é a incisão mediana, uma incisão vertical que segue a linha alba, entretanto em bovinos e equinos preconiza-se a incisão para-lombar ou de flanco. A parede pode ser acometida de processos inflamatórios e traumáticos, como as eventrações e lacerações perfurantes e herniações. Em bovinos as laparotomias são realizadas com finalidade de realizar-se ruminotomias, fístulas ruminais, cesareanas, ovariectomias e enterotomias, além de outras intervenções como o deslocamento de abomaso e retículo-pericardite traumática. Nestes casos justifica-se a abordagem das vísceras de interesse pela esquerda, devido a posição do rúmen e por este servir de antepara às alças intestinais. No equino, a laparotomia é indicada na resolução da cólica, compactação intestinal e torção intestinal, além de cesareanas, ovariectomias e compactação gástrica. PROCEDIMENTO Incisão da pele sobre a linha alba desde a cartilagem xifóidea do osso esterno até ao tendão pré-púbico ou início da sínfese pélvica, subindo transversalmente até a linha do dorso na região lombar. Bainha do M. reto do abdome (Identificar a constituição da bainha nas regiões abdominal cranial, média e caudal: aponeuroses dos Mm. oblíquos abdominais e transverso abdominal, fáscias profunda do tronco e transversa e linha alba) ESTRUTURAS 1- Peritônio parietal e visceral (omento maior e menor (ligamentos hepatogástrico, falciforme e hepatoduodenal), ligamentos: gastroesplênico e frênicorrenal) 2- Esôfago abdominal 3- Estômago 3.1- Monocavitário (curvaturas menor e maior, antro e canal pilórico, piloro e toro pilórico) 3.2- Pluricavitário (Rúmen, retículo, omaso e abomaso) 4- Fígado e vesícula biliar (lobo hepático direito (lateral e medial), lobo hepático caudado (processos papilar e caudado), lobo hepático quadrado e lobo hepático esquerdo (lateral e medial); artéria hepática e veias porta e cava caudal; ducto biliar; ligamentos: falciforme; redondo hepático; hepatoduodenal e gastrohepático; triangulares direito e esquerdo e coronário) Regiões de interesse Clínico-Cirúrgico 106 5- Intestino Delgado 5.1- Duodeno (cranial (ligamento hepatoduodenal e flexura duodenal cranial), descendente (flexura duodenal caudal), transverso e ascendente (flexura duodenojejunal, prega duodenocólica)) 5.2- Jejuno (AMARRAR E RETIRAR PARTE DAS ALÇAS, mesojejuno, artéria, veia e linfonodos) 5.3- Íleo (prega ileocecal) 6- Pâncreas 7- Intestino grosso 7.1- Ceco 7.2- Cólon (ascendente, transverso e descendente, pregaduodeno cólica, flexura cranial e caudal, continuando no cólon espiral ou em disco (fixado por mesentério), giros centrípetos e centrífugos, alça distal do cólon) 7.3- Reto 8- Aorta abdominal 8.1- A. celíaca (artérias gástrica esquerda, hepática e esplênica) 8.2- A. mesentérica cranial 8.3- A. renal 8.4- A. gonadal (A. testicular ou ovárica) 8.5- A. mesentérica caudal (Artérias cólica esquerda e retal cranial) 8.6- Aa. Ilíacas interna (Artérias obturatória e íliolombar) e externa (Artérias circunflexa ilíaca profunda) e sacral mediana 9- Veias cava caudal 10- Veia porta hepática 10.1- Veia esplênica 10.2- Veia mesentérica cranial 10.3- Veia mesentérica caudal 11- Rins e adrenais 12- Ovários (ligamento próprio, suspensor do ovário, mesovário e bolsa ovárica), tuba uterina (infundíbulo, ampola e istmo, mesossalpinge) útero (cornos, cérvix, mesométrio e ligamentos amplo do útero), vagina e vulva 13– Ureteres, bexiga (ápice; corpo; colo; trígono vesical; úraco, ligamentos: vesical mediano; vesicais laterais e redondos vesicais) e uretra (pré-prostática, prostática e pelvica) 14- Ducto deferente, glândulas ampular, próstata, vesicular e bulbo-uretral 15- Nódulos hemais e hematolonfáticos 16- Gânglios celíaco, mesentérico cranial e caudal 17- Nervos ilíohipogástrico, ílioinguinal, genitofemoral, femoral, obturatório, pudendo e retal caudal Regiões de interesse Clínico-Cirúrgico 107 AULA PRÁTICA 6 DISSECAÇÃO DO MEMBRO TORÁCICO: REGIÕES ESCAPULAR & AXILAR, BRAQUIAL & ANTEBRAQUIAL, CÁRPICA & METACARPOFALANGEANA Além dos processos patológicos de ordem geral, que podem ser inflamatórios, traumáticos (lacerações superficiais e profundas) e tumorais (osteosarcoma e miossarcomas), que podem atingir estas regiões, destaca-se a amputação, anteriormente mencionada e as lesões dos nervos radial, mediano e ulnar por fraturas. Algumas fraturas necessitam de resolução por osteosíntese e, em muitos casos, colocação de hastes cirúrgicas (pinos) ou cercalagem com fio de aço inoxidável. Ainda, a veia cefálica é utilizada na venopunção e na aplicação de medicamentos e fluidoterapia. Ainda, a região axilar apresenta importância no canino e no gato devido a ocorrência de neoplasias da cadeia mamária, que afetam os linfonodos axilares, além do mencionado sobre amputações do membro torácico. A região metacarpofalangeana apresenta particularidades a serem consideradas, tais como: sobre-osso, periostite, tendosinovites, artrites, fraturas ou arrancamento dos ossos sesamóides proximais, rupturas de tendão, calcificação de fibrocartilagem alar e osteíte difusa da falange distal. Para fins semiológicos interessa a verificação do pulso da artéria digital palmar comum, e, as anestesias seletivas regionais com finalidade de identificação da sede das manqueiras. A abordagem clínico-cirúrgica depende das estruturas de interesse. PROCEDIMENTO Incisão em T invertido da pele iniciando sobre a linha média ventral, deslocando sobre o eixo maior do membro torácico até a extremidade distal e circundando o membro na altura da articulação metacarpo-falangeana. Mensurar 04 dedos dos bordos cranial e caudalda escápula e incidir no sentido dorso ventral. 1- Rebater a pele e a tela subcutânea ESTRUTURAS FACE LATERAL 2- M. trapézio (partes cervical e torácica) 3- M. braquiocefálico (cleido braquial, intersecção clavicular e cleido cefálico) 4- M. grande dorsal5- M. omotransverso 6- Mm. supraespinhal e subclávio (Nervo supraescapular) 7- M. infraespinhal 8- M. deltóide (partes escapular e acromial) 9- Mm. bíceps braquial e braquial 10- Mm. tríceps braquial (cabeças lateral, longa e acessória) e ancôneo 11- M. redondo menor 12- N. radial (ramos superficial e profundo) Regiões de interesse Clínico-Cirúrgico 108 13- Articulação do úmero (cápsula) 14- M. pronador redondo 15- Rádio e ulna (membrana interóssea antebraquial) 16- Articulação cúbita (ligamento colateral cubital lateral, fossa do olécrano e processo ancôneo) 17- M. extensor radial do carpo 18- M. extensor digital comum 19- M. extensor digital lateral 20- M. extensor ulnar do carpo 21- M. abdutor longo do dígito I ou extensor oblíquo do carpo 22- Tendões dos músculos extensores digital comum e lateral 23- Nervos digital palmar lateral e medial, A. e V. digital palmar medial e lateral e V. metacárpica lateral 24- Ligamento sesamóideo proximal e ossos sesamóides 25- Articulação metacárpico falangeana 27- Ramos cranial, médio e palmar do N. digital ESTRUTURAS FACE MEDIAL 1- M. peitoral superficial (parte transversa e descendente) 2- M. subescapular 3- Mm. tensor da fáscia antebraquial e tríceps braquial (cabeça longa e medial) 4- M. redondo maior 5- Mm. bíceps braquial e coracobraquial 6- Artérias axilar (subescapular (circunflexa umeral caudal e circunflexa da escápula)), braquial (circunflexa umeral cranial, braquial profunda, transversa cubital, colateral ulnar e interóssea comum), mediana (radial, rede palmar e dorsal do carpo) e palmar medial (digital palmar medial e lateral) 7- Veias digitais palmares mediais e laterais, metacárpicas, mediana, cefálica e cefálica acessória, braquial, transversa cubital, axilar 8- Linfonodos axilares 9- Nervos peitoral cranial e caudal e intercostobraquial 10- Nervos subescapular, musculocutâneo (ramo proximal e distal e alça axilar), axilar, radial (cutâneo antebraquial lateral), mediano (palmar medial e lateral) e ulnar 11- Articulação cúbita (ligamento colateral cubital medial, fossa do olécrano e processo ancôneo) 12- M. flexor radial do carpo 13- M. flexor ulnar do carpo (cabeça ulnar e umeral) e M. extensor ulnar do carpo 14- M. flexor digital superficial e M. flexor digital profundo (cabeça umeral, ulnar e radial) 15- Tendões dos músculos flexor digital superficial e profundo 16- Alça anastomótica entre os nervos palmares medial e lateral 17- A. digital palmar comum e V. metacárpica medial 18- M. interósseo e ligamentos sesamóideos reto e oblíquos Regiões de interesse Clínico-Cirúrgico 109 AULA PRÁTICA 7 DISSECAÇÃO DO MEMBRO PÉLVICO: REGIÕES GLÚTEA, PERINEAL, INGUINAL, FEMORAL & CRURAL LATERAIS & METATARSICOFALANGEANA Em todas as regiões citam-se os processos inflamatórios, traumáticos e tumorais gerais, entretanto cada região possui particularidades clínico-cirúrgicas que merecem ser consideradas. Na região glútea tem importância o bloqueio anestésico do nervo pudendo no bovino com finalidade de exteriorização do pênis, mediante o relaxamento do músculo retrator do pênis com finalidade semiológica, andrológica e cirúrgica para o tratamento de processos traumato-inflamatórios como a acrobuscite fimose e o hematoma de pênis. Em caninos, destaca-se a displasia coxal ou coxo-femoral que acomete raças de crescimento rápido e de grande porte, como Labrador e Rottweiler, além dos casos de subluxação da articulação coxal. Existe o tratamento conservador, através do uso de esteróides, antiinflamatórios não esteróides, dietas, exercícios, fisioterapia e mais recentemente, a homeopatia, quiropraxia e a acupuntura. A segunda opção é a cirúrgica, onde há dois tipos de conduta cirúrgica: a cirurgia profilática (que visa diminuir a progressão da doença) e a cirurgia corretiva (que visa corrigir ou melhorar articulações que já estejam artríticas). Nestes casos, as opções cirúrgicas corretivas são: substituição total do coxal, osteotomia da cabeça do fêmur e dartrosplastia, sendo o acesso cirúrgico realizado pela região glútea. Ainda, em todas as espécies podem ocorrer os pinçamentos nervosos, principalmente do plexo isquiático, ou as lesões decorrentes da aplicação de medicamentos e vacinas (abcessos). A região perineal é ímpar e compreende uma série de planos anatômicos que fecham caudalmente a pelve, possuindo como limites as tuberosidades isquiáticas e as proximidades do ânus, vulva ou bolsa escrotal. As patologias específicas compreendem: adenomas nas glândulas ad-anais nos cães, hérnias perineais na fossa isquioretal e os prolapsos de reto, uterino e vesical, servindo de acesso, também, para as cirúrgias de próstata. A região femoral lateral destaca-se o implante de hastes intramdedulares para resolução de fraturas, as amputações traumáticas ou por tumores (osteosarcomas e miossarcomas), as resoluções de subluxação, deslocamento e retirada da patela e a necrose assóptica da cabeça do fêmur que podem acometer todas as espécies domésticas. Muitas destas lesões refletem em sinais nervosos secundários a estas, principalmente nos nervos isquiático e seus ramos. A região crural tem importância pelos processos traumáticos (fraturas de tíbia e fíbula), subluxações e luxações da articulação társica e as lesões nervosas decorrentes destes processos. Ainda, a veia safena lateral é utilizada na venopunção e na aplicação de medicamentos e fluidoterapia. Localiza-se nesta região o linfonodo poplíteo de importância semiológica e na inspeção em frigoríficos. A região metatarsofalangeana apresenta particularidades a serem consideradas, tais como: sobre-osso, periostite, tendosinovites, artrites, fraturas ou arrancamento dos ossos sesamóides proximais, rupturas de tendão, calcificação de fibrocartilagem alar e osteíte Regiões de interesse Clínico-Cirúrgico 110 difusa da falange distal e as anestesias seletivas regionais com finalidade de identificação da sede das manqueiras. A abordagem clínico-cirúrgica depende das estruturas de interesse. PROCEDIMENTO Incisão em I da pele iniciando sobre a linha do dorso, deslocando sobre o eixo maior do membro pélvivo até a extremidade distal e circundando o membro, na altura da articulação metatarso-falangeana. 1- Rebater a pele e a tela subcutânea ESTRUTURAS 1- Músculos glúteo superficial e bíceps femoral (m. gluteobíceps) 2- A., V. e N. glúteo cranial 3- A., V. e N. glúteo caudal 4- Músculos glúteos médio, acessório e profundo e piriforme 5- Músculos levantador do ânus e coccígeo 6- Fossa isquioretal 7- Músculos retrator do pênis, bulboesponjoso, isquiocavernoso e contrictor da vulva 8- A., V. e N. perineal 9- Saco anal e glândula e M. esfíncter anal externo 10- Ligamento sacroisquiático (parte funicular) 11- N. pudendo e A. pudenda interna 12- N. dorsal do pênis 13- N. cutâneo femoral caudal 14- M. tensor da fáscia lata 15- M. abdutor crural caudal 16- M. quadríceps femoral (reto femoral, vastos lateral e intermédio) 17- Plexo isquiático (nervos isquiático, tibial, fibular comum (fibular superficial e profundo), cutâneo sural caudal e lateral e cutâneo lateral) 18- Músculos semitendinoso e semimembranoso 19- Articulação femorotíbiopatelar (ligamento colateral lateral, patela, ligamentos patelares (lateral e intermédio) e menisco lateral) 20- M. tibial cranial 21- Músculos fibular longo, breve e terceiro 22- M. extensor digital longo e ramos extensores do músculo interósseo 23- M. extensor digital breve 24- M. extensor digital lateral 25- Músculos gastrocnêmio (cabeça lateral) e sóleo 26- M. poplíteo 27-Linfonodo poplíteo 28- A. e Vv. poplítea 29- A. e V. tibial cranial Regiões de interesse Clínico-Cirúrgico 111 30- Artérias e veias metatársicas dorsais 31- V. safena lateral 32- Tendão calcâneo comum 33- Articulação társica (ossos (calcâneo, talus e central do tarso), ligamento colateral lateral (longo e breve)) 34- Tendão dos músculos flexor digital longo e lateral 35- N. digital plantar lateral, V. metatársica plantar superficial lateral 36- Articulação metatarsicofalangeana 37- Ramos cranial, médio e palmar do N. digital Regiões de interesse Clínico-Cirúrgico 112 AULA PRÁTICA 8 DISSECAÇÃO DO MEMBRO PÉLVICO: REGIÕES INGUINAL, FEMORAL & CRURAL MEDIAIS & METATARSOFALANGEANA O acesso medial restringe-se a processos na região inguinal pelas orquiectomias, hérnias de anel inguinal e mastectomias parciais, principalmente em ruminantes e equinos. Os acessos mediais nas regiões femoral, crural e metatarsofalangeana remetem aos processos descritos na região lateral. Contudo, merecem especial atenção a localização da veia safena medial e o nervo safeno e a aplicação de medicamentos intramusculares no espaço entre os músculos semitendinoso e membranoso em pequenos animais. PROCEDIMENTO Incisão em T invertido da pele iniciando sobre a linha alba, deslocando sobre o eixo maior do membro torácico até a extremidade distal e circundando o membro na altura da articulação metatarso-falangeana. 1- Rebater a pele e a tela subcutânea ESTRUTURAS 2- Músculos sartório (parte cranial e caudal), grácilis e pectíneo 3- M. quadríceps femoral (reto femoral e vasto medial) 4- Músculos adutor, semimembranoso e semitendinoso 5- A. femoral profunda (tronco pudendo epigástrico: A. pudenda externa) 6- Trígono femoral ou lacuna vascular (A. femoral (circunflexa femoral lateral, femoral caudal proximal, safena e genicular descendente), V. e N. femoral) 7- A. safena, V. safena medial e N. safeno 8- M. poplíteo e A. e Vv. poplítea 9- Articulação femorotíbiopatelar (ligamento colateral medial, patela, ligamentos patelares (medial) e menisco medial) 10- A. femoral caudal distal 11- M. gastrocnêmio (cabeça medial) 12- Tendão calcâneo comum 13- Nervos tibial (plantar medial) e fibular superficial 14- Artérias tibial caudal, metatársica plantar, digital plantar comum e digital plantar medial 15- Articulação társica (calcâneo, ligamento colateral medial (longo e breve)) 16- M. flexor digital superficial 17- M. flexor digital profundo (músculos flexor digital lateral e medial e tibial caudal) 18- Músculos interósseo e ligamentos sesamóideos reto e oblíquos 19- Tendões dos músculos flexor digital superficial e profundo 20- A. digital palmar comum e V. metacárpica medial 7. Tópicos em Anatomia das Aves GENERLIDADES A medicina de aves compreende dois grandes segmentos: o controle de doenças na criação de espécies de interesse comercial e o controle de doenças na manutenção de espécies exóticas no seu habitat e no cativeiro. Ainda, deve-se considerar a recuperação e reabilitação de aves marinhas e de rapina, cujos atendimentos são frequentes. Este capítulo descreve a anatomia de galináceos domésticos, apontando algumas diferenças marcantes em outras espécies. As aves evoluíram dos répteis, guardando muitas características como escamas, um côndilo occipital, apenas a columela na orelha média e a complexa construção da mandíbula e maxila. Ainda, possuem eritrócitos nucleados e um sistema porta renal que permite a excreta de ácido úrico. O sucesso evolutivo destes animais deveu-se a aquisição da habilidade de voar, que permitui sua dispersão ubiquamente e a sua adaptação aos diferentes nichos, uma vantagem sobre outras classes de vertebrados. Biomecanicamente, o arranjo anatômico das estruturas relacionadas ao voo não apresentam diferenças entre os grupos de aves, constituindo fatores que diminuem o peso corporal (perda dos dentes e musculatura mastigatória, presença de ossos pneumáticos e sacos aéreos), a resistência ao vento, bem como os arranjos metabólicos que visam suprir energeticamente o organismo durante o voo, assim como garantir a plena troca gasosa e o sistema excitocondutor cardíaco. Somente gansos e patos possuem tecido linfático encapsulado em um linfonodo típico, nas demais espécies este tecido forma um agregado desorganizado que desembocam em vasos linfáticos que circundam os vasos sanguíneos. Em contrapartida, todos os órgãos apresentam nódulos linfáticos isolados ou formando agregados como os observados nos cecos. O sistema digestório das aves difere consideravelmente dos mamíferos, porém difere pouco entre os diferentes grupos de aves, constando de um conduto alimentício relativamente pequeno, que contribui para a diminuição do peso, mas de alta eficiência na liberação de energia proveniente das pequenas e frequentes refeições, e de órgãos acessórios. Os órgãos do aparelho digestório são: orofaringe (cavidade bucal, língua e faringe), esôfago (divertículo esofágico ou inglúvio), estômago (pró-ventrículo e ventrículo gástrico), intestino delgado (duodeno, jejuno e íleo), intestino grosso (dois cecos, reto e cloaca) e os órgãos acessórios: fígado, pâncreas e baço. O sistema respiratório é empregado para vocalização, termorregulação, além das trocas gasosas, diferindo consideravelmente dos mamíferos, por permitir uma clara separação entre a ventilação e as trocas gasosas, aumentando em 10 vezes a capacidade das aves em absorver oxigênio. Este compreende as narinas, cavidades nasais, orofaringe (já descrita no sistema digestório), laringe cranial, traquéia, laringe caudal ou siringe, Tópicos em Anatomia das aves 114 brônquios, pulmões e sacos aéreos. A criação confinada de aves é propensa a infecções respiratórias. Os órgãos urinários compreendem os rins e ureteres, que se abrem na cloaca, enquanto que os órgãos genitais masculinos compreendem o testículo, epidídimo, ducto deferente e falo (corresponde ao pênis dos mamíferos) e os órgãos genitais femininos são compostos por ovário e oviduto. No embrião da galinha em desenvolvimento apresenta dois ovários e dois ovidutos, entretanto logo após a eclosão o ovário e o oviduto direitos atrofiam e os do lado esquerdo iniciam o desenvolvimento. As aves apresentam uma abertura comum aos sistemas digestório, urinário e genital, denominada cloaca (Fig. 100) que se divide em três passagens: coprodeu (chegada do reto), urodeu (onde chegam os ureteres) e proctodeu (onde estão os órgãos genitais). Neste local ocorre a excreta, a fecundação e a postura dos ovos. Na parede dorsal da cloaca encontra-se a bolsa cloacal, um órgão linfático primário para maturação de linfócitos B e que possui grande importância na investigação de doenças infecto-contagiosas de aves, como circovirose e doença infecciosa da bolsa, antigamente denominada doença de Gumboro. Fig. 99 Representação da anatomia interna de uma galinha doméstica. Fig. 100 Secção mediana da cloaca, representação esquemática. 1 cloaca, 2 coprodeu (2’ prega coprourodeal), 3 urodeu (3’ prega uroprocdeal),4 proctodeu, 5 vento, 6 ósteo cloacal, 7 vento, 8 ósteo oviduto, 9 bolsa cloacal (9’ glândula proctodeal dorsal), 10 pele, 11 pena da cauda, 12 glândula uropigeana (12’ papila da glândula), 13 musculatura coccígea. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Tópicos em Anatomia das aves 115 O esqueletodas aves é adaptado ao voo, sendo leve, compacto e forte, possuindo maior quantidade de fostato de cálcio (mobilizado para a casca do ovo) que os ossos dos mamíferos. Caracteriza-se por um esterno proeminente, pelve que se abre ventralmente, membros torácicos modificados e fusão considerável das vértebras lombares, sacrais e coocígeas, que formam o sinsacro. Além disso, os ossos são pneumatizados abrigando extensões dos sacos aéreos pulmonares, que gradativamente diminui a medula óssea, sendo este processo mais desenvolvido naquelas aves que apresentam maior capacidade de voo. Outra característica importante é a hiperostose poliostótica, na qual formam-se ossos trabeculares anteriormente ao período de postura, configurando um importante depósito de cálcio para os ovos e podendo ser confundido com patologias na observação de radiografias. ANATOMIA EXTERNA A pele das aves é pouco aderida ao corpo, apresentando mínima inervação e vascularização, o que faz com que lesões cutâneas provoquem pouca ou nenhuma sensibilização e/ ou sangramento, possui maior pigmentação próxima aos membros pélvicos, contudo em galinhas poedeiras é pouco pigmentada devido à mobilização do pigmento para a gema. São observados três locais para aplicaçãode medicamentos subcutâneos: superfície dorsal da junção cérvico-torácica, a prega cranial à articulação fêmoro-tíbio-patelar e a parede lateral do tórax. Durante o período de incubação surgem as placas de incubação, caracterizadas pela perda das penas, espessamento da pele, edemaciação e aumento da vascularização local, aumentando a eficiência calórica na região peitoral e permitindo a perfeita incubação. A tela subcutânea apresenta grande quantidade de tecido adiposo em aves aquáticas (patos, gansos e cisnes), árticas (pinguins) e migratórias (flamingos e passeiformes). Na pele de algumas aves são encontradas dobras cutâneas características do dimorfismo sexual ou de uma espécie (Fig. 101), sendo estas a crista, barbela, lobo da orelha e monco (perus), que apresentam uma epiderme fina e uma derme espessa e muito vascularizada. Em frangos comerciais e perus a crista e monco são cortados, pois são facilmente lesionáveis, atuando como porta de entrada para enfermidades. A extremidade da barbela é utilizada para aplicação de medicamentos intradérmicos. Fig. 101 Ornamentos cutâneos da cabeça do galo doméstico e peru. a crista e incrustações, b barbela (detalhe das incrustações no peru), c opérculo, d lóbulo e abertura da orelha. FONTE: McLelland J. A colour atlas of avian anatomy. Wolfe Publishing Ltd. 1990. Tópicos em Anatomia das aves 116 A epiderme atua como uma glândula sebácea holócrina que secreta um fino filme lipídico que ajuda na manutenção da plumagem. As aves apresentam apenas três glândulas cutâneas: a glândula uropigeal (glândula de óleo ou limpeza, que se abre em uma papila cutânea no dorso do animal cranial ao pigóstilo, cuja secreção auxilia na higiene e impermeabilização das penas e partes submersas em aves aquáticas, possui ação bacteriostática, o que explica a pouca propensão das aves às doenças de pele (Fig. 102). Esta glândula é proeminente em alguns papagaios e periquitos autralianaos, contudo está ausente em papagaios amazônicos, avestruzes e pombos); a glândula auricular (sebácea ou ceruminosa, localizada ao redor da orelha externa) e a glândula do vento (mucosas, cuja função é desconhecida, mas pode estar associada à fertilização interna), estando ausentes glândulas sudoríparas (permite inferir que as aves percam temperatura pela respiração, uma explicação plausível para a temperatura de 41oC apresentada pelos galináceos). A principal característica que distingue as aves é a presença de penas, que recobrem todo o corpo, auxiliam na transformação dos membros torácicos em asas, tornam as aves mais leves em relação ao seu tamanho, aumentando sua eficiência no ar, proteção contra choque mecânico, radiação, temperatura, agentes químicos e biológicos, termorregulação e comunicação. As penas são estruturas derivadas da epiderme, altamente especializadas que evoluíram das escamas dos répteis, muito leves, mas com uma construção reforçada. As penas encontram-se organizadas em tratos (pteriolise, Fig. 103), contudo são observadas áreas de pele glabra, desprovi da de penas, que constituem locais para realização de intervenções cirúrgicas. Fig. 102 Vista dorsal da glândula uropigeal. 1 glândula uropigeal, 2 papilada glândula, 3 margem da pele, 4 folículo da pena, 5 vértebra e musculatura coccíega. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Fotografia da papila da glândula uropigeal em frango doméstico. Fotografia da glândula uropigeal em pato. FONTE: McLelland J. A colour atlas of avian anatomy. Wolfe Publishing Ltd. 1990. Fig. 103 Pteriolise em galinha. a organização das penas em estratos, b zona desprovida de penas (apteriolise). FONTE: McLelland J. A colour atlas of avian anatomy. Wolfe Publishing Ltd. 1990. Tópicos em Anatomia das aves 117 Existem seis tipos de penas: penas de contorno (penas visíveis externamente e que modificam o contorno do corpo (tectrizes), asas (remiges, compostas de 10 penas primárias e 10 a 20 secundárias ou braquiais) e cauda (retrizes, fixas ao pigóstilo, participando da frenagem e direcionamento durante o voo, constituindo 6 a 10 pares)), plumas (escondidas pelas tectrizes, criando um espaço morto aerado que isola o corpo), semiplumas, filoplumas, pulviplumas e cerdas (Fig. 104). Penas de contorno, plumas e semiplumas possuem uma arquitetura similar (Fig. 105), surgindo de uma papila dérmica no fundo do folículo da pena, esta continua-se no cálamo ou canhão (porção oca contendo restos celulares e ar), de onde deriva a haste (parte exposta da pena). Da haste partem vexilos (ramificações muito próximas constituídas por barbas e bárbulas, com angulação de 45o), que são assimétricos (o lado externo é mais estreito do que o interno) nas penas das asas para permitir o voo aerodinâmico. Nas plumas, as barbas não se interconectam em uma estrutura fechada, fazendo com que estas apresentem um aspecto mais aveludado e macio. Ainda, em pombos e psitacídeos, as barbas de plumas especializadas produzem um fino pó de queratina, que é espalhado sobre a plumagem durante a higiene. Este pó está associado ao acometimento de infecção por circovírus em psitacídeos e a alveolíte alérgica em criadores de pombos. As penas, Fig. 104 A Pena de contorno (remige), B Pena de contorno (retrizes), C Pluma, D Semipluma, E Filopluma, F Pulviplumas e cerdas. FONTE: McLelland J. A colour atlas of avian anatomy. Wolfe Publishing Ltd. 1990. Tópicos em Anatomia das aves 118 semelhantes aos folículos pilosos, possuem um músculo eretor que formam uma extensa rede que eleva ou abaixa grupos de penas específicos. A coloração das penas deriva da melanina (preto, acinzentado e tons de marrom), de pigmentos carotenoides (vermelho, rosáceo, alaranjado e amarelo) adquiridos pela dieta, pela metabolização de produtos nitrogenados como as porfirinas e outros compostos (verde, alguns tons de vermelho e marrom) e pela defleção da luz branca sobre a terminação avermelhada das penas, o chamado efeito Tyndall (azuis). A iridescência é decorrente da quebra da defleção da luz que incide sobre a melanina das bárbulas, fazendo com que a cor mude conforme o ângulo de visão. A coloração variada tem como objetivo auxiliar na camuflagem, atrativo sexual, proteção contra o calor e permitir o dimorfismo sexual, visto que em muitospasseiformes os machos possuem plumagem mais exuberante do que as fêmeas. Em aves que não há diferenciação na plumagem de ambos os sexos a determinação deve ser realizada por meio da análise do DNA ou pela anatomia interna, em casos de necropsia. A troca das penas ou ecdises ocorre desde a fase jovem, apresentando várias plumagens subadultas, na fase adulta as trocas são anuais acontecendo logo após a estação de acasalamento, sendo chamada de plumagem pós-nupcial ou de inverno. Neste processo, as penas velhas são empurradas para fora do folículo pelo crescimento da epiderme e formação da nova pena, que emerege do folículo recoberta por uma bainha, sendo denominada pena de sangue ou não desenvolvida. O mesmo processo acontece quando as penas são arrancadas por predadores ou por interesse comercial. Fig. 105 A Pena de contorno (remige), B Pluma com detalhes. 1 haste, 2 barba combárbulas, 3 bárbulas distais com ganchos microscópicos, 3’ bárbulas proximais, 4 veio formado pelas barbas, 5 cálamo, 5’ cálamo no folículo, 6 papila dérmica, 7 músculo eretor da pena, 8 umbigo proximal, 8’ umbigo distal, 9 pulvipluma. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. C Pena de contorno (tectrize). a cálamo, b haste e barbas, c porção distal da haste com barnas e bárbulas. FONTE: McLelland J. A colour atlas of avian anatomy. Wolfe Publishing Ltd. 1990. Tópicos em Anatomia das aves 119 As trocas são induzidas pelo hormônio tireoidiano, mas também dependem da nutrição, época do ano, temperatura, luminosidade, habitat e se a espécie é migratória. Durante a ecdise, que é um processo lento e gradual, a dieta deve ser rica em cisteína, lisina, arginina, cálcio e ferro, com a finalidade de suprir a alta demanda metabólica e a perda do isolamento térmico, ainda, é necessário evitar o estresse. Aves com problemas de saúde irão formar penas defeituosas. A substituição das penas de contorno ou voo é sequencial e simétrica, sendo substituídas as primárias internas, permitindo que o voo ocorra sempre que possível. Contudo, algumas espécies, como patos e gansos, perdem sua plumagem de uma só vez, o que impede temporariamente o voo. Os membros pélvicos (Fig.106) são recobertos por placas epidérmicas cornificadas, semelhantes às observadas nos répteis e adaptados para permitir o empoleiramento ou a apreensão de presas com três dígitos craniais e um caudal (anisodáctilos, galináceos, passeiformes e rapiniformes) ou com apenas primeiro e o quarto dígito voltados caudalmente (zigodáctilos, psitácideos) que permitem a escalada de galhos ou palmados anisodáctilos, com uma membrana interdigital que permite o deslocamento na água (gansos, patos e marrecos). No metatarso surge o calcar metatarsale ou espora, representado por um processo ósseo envolto por um estojo córneo, que serve para defesa, cujo crescimento de cada anel pode auxiliar na determinação da idade do animal e a remoção da papila inibe seu crescimento. Fig. 106 Extremidade distal do membro pélvico de aves. A galo, B ganso. 1 metatarso, 2 calcar metatarsale, 3 membrana interdigital, I-IV dígitos. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. C Avestruz, D Canário, E Psitacídeo (papagaio da amazônia) FONTE: McLelland J. A colour atlas of avian anatomy. Wolfe Publishing Ltd. 1990. Tópicos em Anatomia das aves 120 ANATOMIA REGIONAL DA CABEÇA CRÂNIO A característica mais marcante são as grandes órbitas que acomodam os olhos, que devido ao seu tamanho fazem com que os demais ossos formem placas ósseas (díploes), dando a impressão de que a cavidade craniana é mais ampla. A articulação entre o osso naso- maxilar e o frontal forma uma dobradiça, fazendo com que quando a mandíbula se afasta ventralmente, o osso nasal desloque-se dorsalmente (movimento melhor observado em psitacídeos). O osso naso-maxilar une-se a articulação mandibular pelo arco jugal. CAVIDADE ORAL Nota-se ausência de lábios, bochechas e dentes (nos patos e gansos observam-se estruturas serrilhadas na borda do bico, tanto na parte superior como inferior). As aves não possuem palato mole, ou seja, não apresentam nenhuma divisão nítida entre a boca e a faringe. Portanto a orofaringe representa a cavidade combinada que se estende do bico até o esôfago. O bico é derivado da pele e representa os dentes e os lábios dos mamíferos, provendo uma cobertura córnea (ranfoteca) para o maxilar (rinoteca) e mandíbula (gnatoteca). Possui formato variado entre as espécies (Fig. 107), conforme o hábito alimentar, uma ampla inervação, sendo passível de debicamento em criações de frangos e perus com a finalidade de prevenir o canibalismo. Na extremidade caudal encontra-se a cera, uma protuberância recoberta por queratina mole, muito proeminente em aves aquáticas (patos), psitacídeos e rapiniformes, que pode ser utilizada na seleção sexual, pois no macho costuma ser mais proeminente e de coloração diferenciada, do que na fêmea. A orofaringe (Fig. 108) apresenta: teto constituído pelo palato duro; assoalho, formado pela mandíbula, língua (estreita, de formato triangular e situa-se no assoalho da boca) e elevação laríngea (laringe cranial). Tem como função coletar alimento e água. No teto da orofaringe encontramos duas fendas: a mais rostral e longa é a fenda Fig. 107 Diferentes formatos dos bicos. Galo a maxilar ou ranfoteca, b mandíbula ou gnatoteca, c margem da ranfoteca. Pombo, seta indica a cera. Canário. Periquito australiano, seta indica a cera, Pato, face dorsal da ranfoteca e face ventral da gnatoteca e bordas laterais serrilhadas. FONTE: McLelland J. A colour atlas of avian anatomy. Wolfe Publishing Ltd. 1990. Tópicos em Anatomia das aves 121 das coanas, sendo a comunicação da orofaringe com a cavidade nasal; e outra mais caudal que é a fenda das tubas auditivas ou infundibular, sendo a comunicação da orofaringe com a orelha média. Caudal a laringe cranial temos a abertura do esôfago e numerosas papilas mecânicas estão espalhadas em fileiras na orofaringe, tendo como função ajudar na apreensão do alimento e deglutição. NARINAS E CAVIDADE NASAL As narinas (Fig. 108) são orifícios ovais e estreitos situados na base da parte superior do bico e são cobertas por uma aba córnea chamada opérculo. As cavidades nasais são curtas e estritas, apresentando três conchas (rostral, médio e caudal) e se comunica com o meio externo através das narinas e com a orofaringe através de uma fenda chamada fenda das coanas. LARINGE Situa-se no inicio da traqueia, é formada por cartilagens, não apresenta pregas vocais, possuindo uma fenda medial chamada glote que não é protegida por uma epiglote. Apesar de muito estreita, a laringe, permite a intubação de aves de grande porte. Fig. 108 A Orofaringe aberta pelo rebatimento da mandíbulaExtremidade distal do membro pélvico de aves. 1 cristas palatinas lateral e mediana, 2 aberturadas glândulas salivares, 3 coana, 4 fissura infundibular, 5 corpo da língua, 6 raiz da língua, 7 papila mecânica, 8 monte laríngeo, 9 glote, 10 corno branquial do aparelho hiobranquial, 11 esôfago, 12 posição da traqueia. B Secção rostral da cabeça. 1 fio na narina, 2, 2’, 2’’ conchas nasais rostral, média e caudal, 3 mandíbula, 4 língua, 5 septo interorbital. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Tópicos em Anatomia das aves 122 ANATOMIA REGIONAL DA REGIÃO CERVICAL (Fig. 109) ESTRUTURA O número de vértebras cervicais éextremamente variável devido às diferenças no comprimento da região, sendo observados 8 em pequenas aves, 14 a 17 em frangos ou 25 em cisnes. Dois grandes músculos cervicais percorrem todo o comprimento da região, acompanhados pelas veias jugulares, artérias carótidas e troncos vago-simpáticos. A veia jugular direita é maior que a esquerda, sendo visível na pele facilitando a punção venosa na maioria das aves, à exceção dos pombos que possui uma pele muito espessa nesta região. ESÔFAGO Consta de um tubo muscular que se estende desde a orofaringe até o pró-ventrículo, no lado direito da região cervical, sendo passível de grande distensão. Na entrada do tórax apresenta o divertículo esofágico ou inglúvio, sendo conhecido popularmente como papo, que tem a função de armazenar alimento (muito importante na ave selvagem, pois nem sempre encontra alimento à disposição), podendo ser utilizado para aplicação de medicamentos por gavagem ou em intervenções cirúrgicas para retirada de corpos estranhos. Algumas aves não apresentam o divertículo esofágico (pinguins, coru jas e gaivotas) ou este não é proeminente (patos e gansos), entretanto em aves piscivoras é possível observar os peixes se movimentanto no esôfago sem causar asfixia ou desconforto. Fig. 109 Vista ventral da região cervical dissecada. 1 barbela, 2 laringe, 3 músculo estrenotireoióideo seccionado, 4 músculos cervicais, 4’ nervo cervical, 5 traqueia, 6 veia jugular e nervo vago, 6’ arérias carótidas internas, 7 esôfago, 8 divertículo esofágico, 9 timo, 10 músculo peitoral. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Tópicos em Anatomia das aves 123 TRAQUEIA É um tubo longo, formado por anéis cartilaginosos completos e conecta a laringe cranial com a laringe caudal ou siringe. Em aves de região cervical longa, como cisnes e garças, forma uma alça que se acomoda em uma escavação do esterno na entrada do tórax e em pinguins é dividida em duas por um septo mediano. TIMO E GLÂNDULAS TIREÓIDE, PARATIREÓIDE E ULTIMOBRANQUIAIS O timo compõe-se de vários lobos que acompanham as veias jugulares, regredindo após a maturidade sexual. Diferente dos mamíferos as glândulas tireoides (Fig. 110) encontram-se na entrada do tórax, caudalmente ao divertículo esofágico e relacionando-se com a artéria carótida comum, veia jugular, tronco vagossimpático e traqueia, tendo grande importância em periquitos australianos que apresentam doença em decorrência da deficiência de iodo na dieta. Difere-se do timo pela sua coloração acastanhada. As glândulas paratireoides (Fig. 110) são representadas por dois ou três pares de coloração castanho- amarela do, localizadas caudalmente às glândulas tireoides. Quando a ave apresenta deficiência de cálcio tornam-se maiores, provocando descalcificação óssea que é fatal em papagaios-cinzentos do Congo, que não conseguem mobilizar o cálcio ósseo, morrendo de hipocalcemia e apresentando as glândulas aumentadas de tamanho. As aves possuem um par assimétrico de glândulas ultimobranquiais (Fig. 110), localizadas posteriormente às parati reoides, que são ricas em calcitonina, sendo sua secreção regulada primaria mente pelo aumento no plasma dos níveis de cálcio. ANATOMIA DA CAVIDADE CORPORAL OU CELOMA ESTRUTURA A cavidade corporal (Fig. 111) é formada pelas vértebras torácicas varia de três a 10, sendo que em frangos sete trazem costelas completas para conexão com o esterno. Ainda, as primeiras três a cinco vértebras estão fusionadas formando o notário (frangos, aves de rapina e pombos), que segue-se de uma vértebra torácica móvel do tronco, podendo ocasionar a espondilolistese ou doença do dorço retorcido em frangos, enquanto que as últimas torácicas se fundem com as lombares, sacrais e coccíegas para formar o sinsacro, Fig. 110 Vasos, nervos e glândulas endócrinas da região cervical da ave. CCa artéria caótida comum, CB corpo carotídeo, ICa artéria carótida interna, JV veia jugular, VN nervo vago, NG gânglio vagal dorsal, T tireóide, P paratireoide, UB corpo ultimobranquial. FONTE: McLelland J. A colour atlas of avian anatomy. Wolfe Publishing Ltd. 1990. Tópicos em Anatomia das aves 124 que junto ao notário formam a parte rígida do tronco, que continua- se pela fusão do sinsacro a pelve óssea. A porção final do sinsacro constitui o pigóstilo, que sustenta as penas da cauda. Como já referido a pelve nas aves é aberta ventralmente para permitir a postura, possuindo um processo antitrocânter que dimui a abdução do membro. No entanto, em avestruzes e emas a pelve apresenta a sínfise pélvica, que pode ser uma adptação para sustentar a pesada massa visceral. Cinco ou seis pares de costelas conectam o esterno às vértebras torácicas, cada costela apresenta uma porção vertebral (óssea) e esternal (cartilagínea), além do processo uncinado que se sobrepõe à costela seguinte, algumas poucas costelas flutuantes estão fixas as vértebras cervicais. O esterno é um osso grande e não segmentado, constituindo grande parte da parede ventral da cavidade, possui um manúbrio que articula-se com o coracóide, longos processos craniais e caudais para as costelas esternais e forames pneumáticos que se abrem no saco aéreo clavicular. Aves que possuem grande capacidade de voo possuem uma quilha muito desenvolvida para os músculos do voo ou um esterno profundo. Avestruzes e emas não possuem quilha, nos frangos é relativamente estreita e longa e galinhas apresentam uma quilha profunda. Por ser subcutânea a quilha pode sofrer deformação decorrente do empoleiramento, clinicamente pode ser utilizada para coleta de medula óssea nos criatórios de aves. Fig. 111 Esqueleto do tronco da ave. a vértebra cervical, b notário, c vértebra T4, d vértebras Co, e pigóstilo, f parte vertebral da costela, g parte esternal da costela, h esterno, i clavícula, j coracóide, k escápula, l úmero, m pelve, n fêmur, o tíbia e fíbula. FONTE: McLelland J. A colour atlas of avian anatomy. Wolfe Publishing Ltd. 1990. Fig. 112 Vistas cranial (A) e ventral (B) dos músculos do voo. 1 m. peitoral, 2 m. supracoracóide, 2’ canal triósseo para o m. supracoracóide, 3 úmero, 4 esterno, 5 clavícula. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Tópicos em Anatomia das aves 125 Os músculos peitorais (músculos do voo, Fig. 112) são desenvolvidos, representando até 20% do peso corporal em algumas espécies, compreendendo os músculos: peitoral (produz o movimento das asas no voo) e supracoracóideo (responsável pela propulsão no início do voo). Estes músculos são palpados durante a verificação das condições físicas da ave, sendo utilizados para injeção intramuscular (exceto em frangos de corte por ser corte nobre ou em aves que necessitam de total eficiência no voo, como aves de rapina e pombos- correio), nesta prática deve-se evitar a porção cranial do músculo, que abriga os grandes vasos, e posicionar-se a agulha paralelamente à quilha do esterno. Em aves não existe diafragma separando os órgãos torácicos dos pélvicos, mas sim dois septos que dividem a cavidade celomática em três compartimentos, sendo estes o septo horizontal (apresenta um pouco de tecido muscular nas extremidades, delimitando um espaço que contém os pulmões) e septo oblíquo (mais desenvolvido, porém possui apenas tecido conjuntivo translúcido, contendo os sacos aéreos torácicos, cervical e clavicular). SIRINGE Antesda bifurcação dos dois brônquios principais, forma-se a siringe ou laringe caudal (Fig. 113), o órgão fonador das aves, ou seja, a variação do canto assim como a fala do papagaio é devido à presença deste órgão. Em patos e cisnes machos observa-se uma bula óssea, que pode funcionar como um ressonador, psitacídeos não possuem o pessulo (pequena barra vertical que separam os brônquios) e nos canários um sistema de cinco músculos associados à siringe tracionam o saco aéreo intraclavicular amplificando a sonorização. C Representação semi-esquemática da siringe aberta (1 traqueia, 1’ timpani, 2, 2’ membranas timpaniformes lateral e medial, 3 pessulo, 4 brônquio principal). FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. A transição entre traqueia e siringe constitui um ponto para obstruções por grãos, corpos estranhos ou granulomas fúngicos. Modificações na sonorização são ocasionadas por pressão do divertículo esofágico ou infecções por Aspergillus no saco aéreo intraclavicular, devendo ser investigada por endoscopia. Fig. 113 A Siringe de pato macho adulto (a traqueia, b siringe, c brônquio esquerdo, d brônquio direito, 1 bula da siringe, 3 tímpano da siringe, 4 ligamento interbronquial). B Trajeto do ar expirado (setas) a partir do brônquio esquerdo (a) para a traqueia (b), 1 bula da siringe, 2 tímpano da siringe, 3 pessulo. FONTE: McLelland J. A colour atlas of avian anatomy. Wolfe Publishing Ltd. 1990. Tópicos em Anatomia das aves 126 CORAÇÃO E GRANDES VASOS O coração das aves localiza-se entre os lobos hepáticos, é relativamente maior e possui uma alta taxa de contração, podendo chegar a 1000 batimentos por minuto em algumas espécies. O átrio direito recebe as duas veias cavas craniais e a única veia cava caudal e as veias pulmonares formam um tronco comum antes de entrar no átrio esquerdo, que possui uma potente válvula para evitar o refluxo. A aorta origina as coronárias e o tronco braquiocefálico que origina as artérias braquiocefálicas direita e esquerda, que emitem as artérias carótidas comuns e subclávias direita e esquerda. As artérias carótidas comuns formam as carótidas interna e externas, enquanto que as subclávias formam o tronco peitoral e os vasos para os membros. Seguindo seu trajeto a aorta emite as artérias: celíaca (estômago, baço, fígado e intestino), mesentérica cranial (intestinos), renal cranial (rins e gônadas), ilíaca externa (região femoral do membro pélvico), isquiática (porção caudal dos rins, oviduto e membros pélvicos) e mesentérica caudal (intestino e cloaca), terminando na irrigação para a extremidade do oviduto, pelve e cauda. A veia cava caudal drena o fígado, rins, gônadas e oviduto. São observadas duas veias porta hepáticas, uma para cada lobo do fígado. O sistema porta renal é formado pelas veias ilíacas e mesentérica caudal. Fig. 114 A Coração e grandes vasos sanguíneos (a coronárias, b tronco braquiocefálico, c artéria carótida comum, d artéria subclávia, e veia jugular, f veia subclávia, g veia cava cranial direita, h veia cava cranial esquerda, 1 traqueia, 2 siringe, 3 músculo esternotraqueal, 4 esôfago, 5 tireóide). B Detalhe do coração e grandes vasos (a coração, b aorta, c tronco braquiocefálico direito, d tronco braquiocefálico esquerdo, e artéria carótida comum, f artéria subclávia, 1 traqueia, 2 siringe). FONTE: McLelland J. A colour atlas of avian anatomy. Wolfe Publishing Ltd. 1990. Tópicos em Anatomia das aves 127 PULMÕES E SACOS AÉREOS Relativamente pequenos e esponjosos, não são lobados, têm coloração rosada e não são expansivos (Fig. 115) como nos mamíferos. São voltados para as costelas e ficam em contato com os órgãos abdominais, pois nas aves o músculo diafragma não é desenvolvido. Com isso as aves não respiram expandindo os pulmões no vôo, mas sim através da entrada de ar forçada pelas narinas, que é regulada pelo opérculo. A traqueia se divide em dois brônquios principais, que chegam até os sacos aéreos abdominais e no caminho se subdividem em brônquios secundários, que penetram nos outros sacos aéreos. Esses brônquios secundários também se subdividem em vários parabrônquios. E nestes observamos a formação dos capilares aéreos, onde ocorre a troca gasosa, sendo homólogos aos alvéolos dos mamíferos. Os sacos aéreos (Fig. 116) são formações peculiares nas aves, de paredes delgadas, constituídos de uma membrana mucosa recoberta externamente por uma serosa, e divertículos destes sacos penetram em vários ossos, podendo chegar até músculos. Nos galináceos são em número de oito, sendo um saco cervical, um clavicular, dois torácicos craniais, dois torácicos caudais e dois abdominais. Os ossos pneumáticos se conectam com o aparelho respiratório através dos sacos aéreos, tornando-se assim mais leves para o vôo, equilíbrio e natação. Os sacos aéreos estão intimamente relacionados com os órgãos internos e funcionam como foles, movimentando o ar através de um pulmão amplamente passivo. Fig. 115 Hilo do pulmão direito. a brônquio principal, b artéria pulmonar, c veia pulmonar, d pulmão, e coração. FONTE: McLelland J. A colour atlas of avian anatomy. Wolfe Publishing Ltd. 1990. Fig. 116 Vista médio-ventral do pulmão direito e sacos aéreos relacionados (1 brônquio principal, 2 vasos pulmonares, 3 brônquio medioventral, 4 brônquio mediodorsal, 5 brônquio lateroventral, 6 alças dos parabrônquios, 7 pulmão, 8 identações costais, 9 saco aéreo cervical, 10, 10’ partes extra e intratorácica saco aéreo clavicular, saco aéreo torácico cranial (11) e caudal (12), 13 saco aéreo abdominal, 14 saco aéreo cranial para paleopulmão, 15 saco aéreo cranial para neopulmão, 16 conexão direta (sacobronquial), 17 conexão indireta (bronquial recorrente). FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Tópicos em Anatomia das aves 128 FÍGADO Órgão bastante desenvolvido, é de coloração vermelho escuro, está dividido em dois lobos (Fig. 117), onde o direito apresenta vesícula biliar (exceção dos pombos, maioria dos papagaios, periquitos australianos e estrutiformes que não possuem vesícula biliar) e o esquerdo é subdividido, sendo recobertos pela cavidade peritoneal hepática e onde cada lobo emite um ducto biliar que desemboca no duodeno. Em seguida da eclosão o fígado é amarelado devido aos pigmentos da gema. Fig. 117 Vista ventral das vísceras após a remoção da parede corporal ventral. 1 esôfago, 2 traqueia, 3 m. peitoral seccionado, 4 divertículo esofágico, 5 m. esternotraqueal, 6 osso coracóide seccionado, 7 veia cava cranial direita, 8 coração, 8’ artéria carótida comum direita, 8’’ artéria subclávia direita, fígado (9 lobo direito, 9’ lobo esquerdo), 10 ventrículo gástrico, 11 alça duodenal e pâncreas, 12 abertura da cloaca (vento), 13 ceco. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Tópicos em Anatomia das aves 129 BAÇO É um órgão arredondado (Fig. 117), coloração arroxeada, situado entre o pró- ventrículo e a ventrículo gástrico e é triangular no pato e ganso, oval no pombo e alongado no periquito australiano. ESTÔMAGO Apresenta variações na sua constituição decorrentes do tipo de dieta, onde aves que se alimentam de peixes e carne atua como um órgão de estocagem apropriado para digestão de alimentos macios, enquanto que em aves herbívoras é adaptado para redução mecânica de alimentos mais resistentes, sendo dotado de grande musculatura. Assim,em aves herbívoras apresenta dois compartimentos chamados pró-ventrí culo ou estômago químico unido por um istmo ao ventrículo gástrico, co mercialmente denominado moela ou estômago mecânico. O pró-ventrículo é um órgão tubular alongado e com paredes grossas, representando a porção glandular do estômago, onde são secretados sucos digestivos por um epitélio glandular oxintopéptico (produzem ácido clorídrico e pepsinogênio) e mucoso, são observadas inúmeras papilas proeminentes que podem ser confundidas com lesões parasitárias. O ventrículo gástrico é a porção muscular do estômago, sendo um disco muscular denso e grosso com dois orifícios pequenos (um se abre na porção pró-ventricular e o outro no piloro para o duodeno). Tem função de triturar os alimentos e digerir as proteínas. Apresenta uma mucosa revestida por uma membrana densa e amarelada, chamada de estrato córneo e no seu interior podem ser encontrados pedras, grãos de areia ou outros materiais que auxiliam na trituração. Em aves granívoras, alguns psitacídeos e canários o ventrículo possui uma musculatura menos desenvolvida. A atividade muscular move os alimentos da moela para o proventrículo e deste para o duodeno, fazendo com que o alimento que não necessita ser triturado não passe pela moela. PÂNCREAS É uma glândula alongada, está situado entre as porções do duodeno, possuindo dois ou três ductos que desembocam no duodeno (Figs. 117 e 119). Fig. 118 Superfície dorsal do estômago (A) e aberto ventralmente (B). 1 esôfago, 2 proventrículo, 3 papilas, 4 gândulas proventriculares, ventrículo gástrico (5 lúmen, 6 saco cego caudal, 7 saco cego cranial, 8 óstio pilorico, 9 massa muscular), 10 duodeno. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Tópicos em Anatomia das aves 130 Fig. 119 Vista ventral do trato gastrointestinal após rebatimento do fígado, estômago e intestino delgado craniolateralmente e à direita. 1 divertículo esofágico, 2 lobo esquerdo do fígado, 3 proventrículo com nervo vago, 4 ventrículo gástrico, 5 baço, 6 alça duodenal e pâncreas, 7 jejuno, 8 divertículo vitelino, 9 íleo, 10 cecos, 11 cólon-reto, 12 cloaca, 13 abertura da cloaca (vento), 14 vasos mesentéricos craniais e nervo intestinal no mesentério, 15 nervo isquiático e artéria isquiática, 16 mm. gácilis e adutor. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. INTESTINO DELGADO Situado mais a direita do plano mediano, é composto de duodeno, jejuno e íleo, indo do duodeno até a inserção dos cecos (Fig. 119). O duodeno tem formato de alça em U e entre essas se encontra o pâncreas. O jejuno é a porção média e nele observam-se resquícios fetais como o divertículo vitelino (Meckel), em patos e gansos forma várias alças em U, em pombos forma uma massa cônica e em aves frugíveras e insetívoras é curto. O íleo é a porção final e termina-se no intestino grosso, no ceco (Fig. 120). Tópicos em Anatomia das aves 131 INTESTINO GROSSO É formado por dois cecos, cólon- reto e cloaca (Fig. 119) Os cecos (Fig. 120) são sacos cegos, com 20 cm de comprimento e colocam-se de cada lado do íleo, sendo relativamente longos em frangos e perus, possuindo uma visível população de tonsilas intestinais. Os pombos apresentam cecos bem curtos e os psitacídeos não apresentam. O final do cólon-reto (Fig. 119) tem a função de reabsorver água e eletrólitos, por esta razão a urina é movida até esta porção, o final do intestino grosso termina-se na cloaca (Fig. 120). íleo aberto, 8 prega íleocecal, 9 cecos, 9’ cecos abertos, 10 tonsila cecal, 11 cólon, 11’ cólon aberto, 12 cloaca, 13 abertura da cloaca. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. RINS & URETERES Os rins das aves são castanhos e alongados, localizam-se contra o sinsacro, podendo ser arbitrariamente divididos em porções cranial, média e caudal pelas artérias ilíaca externa e isquiática, estando os lobos caudais unidos em algumas espécies. Aves que sofrem de gota renal, doença comum em criações comerciais, ou tumores (periquitos) podem demonstrar claudicação como sinal clínico. O córtex e a medula não são distinguíveis e não ocorre a formação de pelve renal. Os lóbulos renais apresentam dois tipos de néfrons: corticais (semelhantes aos observados nos répteis, sem alça do néfron) e medulares (semelhantes aos dos mamíferos com alça do néfron). Um sistema porta renal forma-se por duas veias portas renais, é constituído por um leito capilar que coleta sangue vindo dos membros pélvicos e cavidade corporal e o sangue arterial vindo das artérias renais. Por esta razão tem sido sugerido que medicamentos intramusculares não sejam aplicados nos membros pélvicos, por poderem ser eliminados pelos rins. O ureter se origina cranialmente pela confluência de vários ramos primários, recebendo ramos das porções média e caudal do rim, possuindo uma coloração esbranquiçada e abrem-se no urodeu. As aves são caracterizadas por não possuírem bexiga, assim como os répteis, desta forma quando defecam eliminam a urina junto, sendo a porção branca do excremento. Fig. 120 Intestino de ave isolado com detalhe da junção ileocólica. 1 piloro, pâncreas (2 lobo dorsal, 2’ lobo ventral), 3 alça duodenal, 4 ductos biliar e pancreáticos, 5 jejuno, 6 divertículo vitelino, 7 íleo, 7’ Tópicos em Anatomia das aves 132 Fig. 121 Vista ventral dos rins, vasos e nervos em sintopia. O rim direito apresenta as ramificações que formam o ureter, enquanto que o rim esquerdo apresenta os vasos renais. Os rins nas aves divide-se em partes cranial (A), média (B) e caudal (C). 1 aorta, 2 a. celíaca, 3 a. mesentérica cranial, 4 v. cava caudal, 5 a. renal cranial, 6 anastomose com seio venoso vertebral, 7 v. renal cranial, 8 ramo primário do ureter, 9 ramo secundário do ureter, 10 n. femoral, 11 v. ilíaca externa, 12 a. ilíaca externa, 13 v. ilíaca comum, 14 valva portal, 15 v. renal caudal, 16 v. porta renal caudal, 17 n. isquiático, 18 a. isquiática, 19 v. isquiática, 20 ureter, 21 v. ilíaca interna, 22 v. mesentérica caudal, artérias renais média (23) e caudal (23’). FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. ÓRGÃOS GENITAIS MASCULINOS Os testículos são intracavitários, estão próximos ao lobo cranial de cada rim, com formato semelhante a grãos de feijão e de coloração amarelada. A castração, para induzir a engorda, pode ser feita através de uma incisão junto à última costela. O epidídimo é rudimentar e se relaciona medialmente com o testículo. O ducto deferente é um tubo flexuoso, que se origina no epidídimo e dirige-se caudalmente até a cloaca, onde abre-se lateralmente ao ureter no urodeu. O falo é considerado nos galináceos e perus um falo não protraível (sem exposição), composto por um pequeno corpo fálico medial e por um par de corpos fálicos laterais maiores. Estes corpos aumentam no estado intumescente e, juntos formam um sulco que recebe o ejaculado dos ductos deferentes. Durante a cópula a cloaca é evertida e o falo é pressionado contra a mucosa cloacal da fêmea (ocorre uma justa Tópicos em Anatomia das aves 133 posição de órgãos, chamado “beijo cloacal”), com isso o oócito será fecundado. Nas aves aquáticas como gansos e patos, o falo é protraível e possui capacidade de penetração, com cerca de 5 cm de comprimento. Além disso, tem formato de cone fino e apresentaum sulco espiralado que conduz o sêmem até a extremidade. Pintos de um dia apresentam uma protuberância genital minúscula, com uma diferença, no macho é arredondado e na fêmea tem formato cônico. Com isso, para se realizar a sexagem dos animais, é necessário um bom tempo de treinamento. Fig. 122 A Vista ventral dos órgãos genitais masculinos. B O assoalho da cloaca foi removido e é demonstrado em diagonal. C Vista caudal do falo tumescente de galo. 1 v. cava caudal, 1’ aorta, 2 pulmão, 3 testículo, 3’ glândula adrenal, 4 rim, 5 a. isquiática, 6 cólon, 7 ducto deferente, 8 ureter, 9 cloaca, 10 coprodeu, 11 urodeu, 11’ papila do ducto deferente direito, 12 proctodeu, 13 tubérculo fálico mediano, 14 corpo fálico lateral, 15 pregas linfáticas, 15’ corpo vascular para cloacal, 15’’ a. pudenda. D Cloaca de pato com falo protraído. 1 cólon- reto, 2 coprodeu, 2’ prega corpourodeal, 3 urodeu, 4 óstio do ureter, 5 papila do ducto deferente, 6 proctodeu, 6’ glândulas proctodeais, 7 lábio da abertura da cloaca (vento), 8 sulco espiralado do falo, 8’ início do sulco espiralado. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Tópicos em Anatomia das aves 134 ÓRGÃOS GENITAIS FEMININOS O ovário consiste de uma massa esponjosa que contém oócitos em vários estágios de desenvolvimento, com isso assemelha-se a um cacho de uva. Esses oócitos correspondem às gemas. O oviduto consta de um tubo flexuoso que se estende desde o ovário até a cloaca. Este conduto musculoso se inicia por um funil que capta o oócito amadurecido (gema) e o conduz até a cloaca, passando por várias fases onde são formadas a clara, membrana da casca e casca. É constituído de cinco partes: infundíbulo (porção dilatada do oviduto que recebe o oócito e produz o chalázio, permanecendo neste local por 15 minutos); magno (parte mais longa e espiralada, onde se forma a clara, permanecendo neste por 3 horas); istmo (porção estreita e curta após o magno, onde se forma a membrana da casca, permanecendo por uma hora); útero (homologo ao órgão dos mamíferos, sendo o local em que ocorre a formação da casca, a inserção do pigmento colorido dos ovos, permanecendo aí por 20 horas); e vagina (segmento estreito que desemboca no urodeu, produz um muco que impermeabiliza a casca e que veda as paredes porosas da casca evitando a entrada de agentes contaminantes). Fig. 123 Vista ventral dos órgãos genitais femininos em postura. 1 ovário, 2 estigma no folículo maduro, 3 infundíbulo, 4 magno, 5 istmo, 6 útero (glândula da casca) com ovo, 7 vagina, 8 cólon-reto, 9 cloaca, 10 abertura da cloaca (vento), 11 vestígio oviduto direito, 12 margem livre do ligamento ventral do oviduto, 13 contorno do rim direito, 14 ureter direito. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Tópicos em Anatomia das aves 135 ANATOMIA DA REGIONAL DOS MEMBROS O esqueleto apendicular sofreu grandes modificações devido à transformação dos membros torácicos em asas e pelos membros pélvicos assumirem a responsibilidade da deambulação, empoleiramento e absorção do impacto no pouso. Os ossos são mais frágeis nas aves, possuindo um córtice delgado, o que impede a implantação de pinos em casos de muitas fraturas. MEMBROS TORÁCICOS Os ossos do membro torácicos são apoiados contra o esqueleto axial por um estruturado cíngulo torácico, sendo extremamente modificados na sua extremidade. A escápula é achatada e em forma de haste, dirigindo-se lateralemente até a pelve, estando unida ao desenvolvido osso coracóide (absorve a força do movimento das asas) e às clavículas que se unem para formar a fúrcula. Os três ossos formam o canal triósseo que conduz o tendão de um dos músculos do voo. O úmero apre senta um forame pneumático, a ulna é mais espessa e longa que o rádio e os ossos do carpo são reduzidos ao carpo-radial e carpo-ulnar, enquanto que a fileira distal fusionou-se ao metacarpo, reduzindo o número de dígitos à três. Dos músculos do membro torácico, possui importância clínica-cirúrgica o extensor radial do carpo, cujo tendão pode ser seccionado com a finalidade de evitar que a ave alce voo, que localiza-se subcutaneamente ao propatágio (Fig. 124, prega de pele triangular que conjuntamente às penas é essencial para a aerodinâmica do voo, fazendo com que ferimentos ou lesões incapacitem a ave para o voo, estas lesões são de difícil reparação. A inervação do membro torácico é realizada pelo plexo braquial que se origina dos dois últimos segmentos cervicais e dos três primeiros torácicos para galinha e dos mesmos segmentos cervicais, mas somente os dois primeiros torácicos em patos e gansos. As raízes ventrais se unem e constituem dois cordões nervosos, um cordão dorsal (de onde surgem os nervos axilar e radial, sendo responsável pela inervação da musculatura extensora) e um cordão ventral (onde são formados os nervos medianoulnar e o tronco peitoral que dará origem à inervação dos músculos flexores do membro torácico e do voo) e um plexo secundário ou acessório (responsável pela inervação dos músculos serrátil e rombóide Fig. 124 Superfície ventral da dissecação superficial do membro tprácico esquerdo. 1 m. tríceps braquial, 2 m. bíceps braquial, 3 v. braquial, 4 propatágio, 5 m. extensor radial do carpo e tendão (5’), 6 articulação cárpica, 7 rádio, 8 m. flexor ulnar do carpo, 9 v. ulnar cutânea, 10 pele rebatida. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Tópicos em Anatomia das aves 136 profundo, e emite também ramos cutâneos para o propatágio cervical). Os nervos que se originam a partir do cordão nervoso dorsal não possuem artérias com trajeto satélites a eles, pois as estruturas vasculares do membro torácico das aves estão localizadas ventralmente, nos permitindo inferir que esta posição assumida pelos vasos ocorre como uma maneira de protegê-los contra eventuais lesões, que poderiam levar a uma hemorragia fatal. Fig. 125 Vista ventral do membro torácico direito de pombo. Vc corda ventral, Dc corda dorsal, A n. Axilar, R n. radial, MU n. medianoulnar, PT tronco peitoral, U n. ulnar, M n. mediano, n. cutâneo braquial caudal (ponta de seta), ramo musculocutâneo n. mediano (seta). FONTE: Franceschi RC, Souza DAS, Provenci M, Martinez- Pereira MA. Study of innervation and vascularization of the thoracic limb of Columba livia. Braz J Vet Res Anim Sci 46: 507-514, 2009. Após o surgimento da aorta, no ânulo aórtico do ventrículo esquerdo, forma-se um arco de onde são emitidos dois vasos de calibre maior, que são os troncos braquiocefálico direito e esquerdo que se dividem nas artérias: subclávia, traqueal ascendente, esternoclavicular e carótida comum. A partir da artéria subclávia ocorre a emissão do tronco peitoral (artérias peitorais cranial e caudal e torácica interna); esternoclavicular; traqueal ascendente e axilar; a vascularização do membro torácico inicia na artéria axilar que se continua como artéria braquial, sendo acompanhada pelo nervo medianoulnar no terço proximal do membro torácico e tendo como principal ramo a artéria braquial profunda (artérias colaterais ulnar e radial) e dividindo-se, na região da articulação cúbita, em artérias radial e ulnar; ao nível do terço médio do membro torácico localizam-se as artérias radial e ulnar, bem como os nervos mediano e ulnar; na extremidade distal do Tópicos em Anatomia das aves 137 membro torácico (ou terço distal), encontram-se posicionadas as artérias metacárpica ventral e digital para o dígito II, além deramos das estruturas nervosas localizadas anteriormente a esta região. As veias são satélites das artérias, sendo a veia braquial utilizada para coleta de sangue ou aplicação de medicamentos endovenosos. Fig. 126 Vista ventral da vascularização do membro torácico em pombo. AA ânulo da aorta, TBE tronco braquiocefálico esquerdo, SC a. subclávia, CC a. carótida comum, E esternoclavicular, t traqueal ascendente, TP tronco peitoral, A axilar, P a. peitoral cranial, p a. peitoral caudal, C a. cutânea lateral do tronco, co a. coracóide, s a. subescapular, B a. braquial, Pb a. braquial profunda, R a. radial, U a. ulnar. FONTE: Franceschi RC, Souza DAS, Provenci M, Martinez-Pereira MA. Study of innervation and vascularization of the thoracic limb of Columba livia. Braz J Vet Res Anim Sci 46: 507-514, 2009. MEMBROS PÉLVICOS O membro pélvico das aves tem uma construção semelhante à observada nos mamíferos, sendo o fêmur palpável na extremidade proximal, podendo ser utilizado na coleta de medula óssea e posicionado quase horizontalmente para que a extremidade distal dos membros fiquem colocados abaixo do centro de gravidade da ave. Existe um único osso tibiotarso, resutado da fusão da tíbia e ossos do tarso, associada a uma delgada fíbula. A fileira distal do tarso funde-se ao metatarso, constituindo o tarsometatarso e deste partindo os três ou quatro dígitos (já descritos no início deste capítulo). A face caudal da articulação intertársica abriga uma cartilagem társica que protege os tendões dos músculos flexores Fig. 127 Cartilagem tibial na galinha adulta. 1 tendão m. flexor digital profundo, 2 passagen dos tendões pela cartilagem, a o. tibiotarso, b articulação társica, c cartilagem tibial, d oo. tasso e metatarsopulmão. FONTE: McLelland J. A colour atlas of avian anatomy. Wolfe Publishing Ltd. 1990. Tópicos em Anatomia das aves 138 digitais, sendo palpável o tendão do músculo gastrocnêmio, que em caso de perose (doença relacionada a deficiência nutricional), na qual ocorre desfiguração da cartilagem, os tendões são deslocados ocasinando claudicação severa. Os músculos flexores digitais são arranjados de forma a facilitar o empoleiramento, com menor custo energético. Tendões de aves de grande portem podem sofrer calcificação, sendo visível em radiografias. A inervação da região pélvica, membros pélvicos e cauda é feita pelos nervos mistos que constituem os plexos lombares, sacrais e pudendo. Entre os presentes nervos nestas regiões, o nervo isquiático é muito importante para o diagnóstico da doença de Marek, uma das infecções de aves mais difundidos, esta patologia provoca um inchaço dos nervos periféricos, a perda de massa estriada e letargia. A ligação entre o sinsacro e o osso ilíaco é realizada cranialmente pelos processos transversos vertebrais e do sinsacro, que são fundidos em uma placa óssea e permite a passagem de nervos e vasos sanguíneos. O plexo lombar é formado por L6-7-S1 ligados ao plexo sacral (S1-6) pelo nervo furcado e este ao plexo pudendo (S9-12) pelo nervo bigemino. Os nervos do plexo lombar são: iliohipogastrico e ilioinguinal (para os mús culos ventrais do tronco), obturador (obturador externo e adutores músculos), cutâneo femoral (para os músculos sartório e ramo cutâneo na face lateral da coxa), femoral (o ramo mais grosso do plexo que inerva os músculos ilíaco, quadríceps femoral ou femorotibial, gracilis, e tensor da fáscia lata), gluteo cranial (músculos glúteos médio e profundo) e safeno (inerva a articulação fêmoro-tíbio-patelar). Os nervos do plexo sacral incluem: glúteo caudal (glúteo superficial e bíceps femoral), ramos nervosos para o bíceps femoaral, semitendinoso, semimembranoso, subdivisões femorais e músculos gêmeos, cutâneo femoral caudal (pele da superfície caudal da coxa) e isquático. O nervo isquiático constitui o maior nervo do plexo, originando os nervos: cutâneo crural lateral (pele da face lateral do tibiotársico, mas não é descrita em aves domésticas, presente apenas em avestruz), tibial (ramo terminal maior do isquiático, que se bifurca para formar o nervos surais medial e lateral para os músculos flexores da perna e dos pés, nervo tibial medial (que inerva os músculos gastrocnêmio e poplíteo, em seguida, continua como os parafibular e plantar medial) e do Fig. 128 Nervo isquiático galinha adulta. a musculatura medial da região femoral, b n. isquiático. FONTE: McLelland J. A colour atlas of avian anatomy. Wolfe Publishing Ltd. 1990. Tópicos em Anatomia das aves 139 nervo fibular, que é dividido em fibular superficial (extensor digital breve II, fibular longo, fibular breve, extensor digital III, IV e breve) e fibular profundo (continua como nervo metatarsal dorsal medial e inerva o extensor longo do hálux e abdutor dígito II). O plexo pudendo inerva os músculos ventral da cauda, os músculos da cloaca e da pele em ambas as regiões. A vascularização dos membros pélvicos das aves inicia com as artérias ilíacas externa, não estando presente uma ilíaca comum, que separa os lobos cranial e médio dos rins sem emitir ramos renais, segue-se pelas artérias: púbica (músculos abdominais e peritônio), umbilical própria e femoral (junto a veia femoro-isquiática, que emite as artérias femoral cranial, femoral medial e circunflexa femoral). Outro artéria importante para o membro é a isquiática, que além de emitir ramos para várias visceras, emite as artérias obturadora, trocantérica, femoral caudal, femoral profunda, surais ou crurais, poplítea (que emite a importante artéria tibial medial), tibial cranial e caudal, terminando nas artérias metatarsica- digitais. Fig. 129 Localização da v. tibial caudal em galinha. FONTE: McLelland J. A colour atlas of avian anatomy. Wolfe Publishing Ltd. 1990. 8. Referências Barros Filho TEP, Leivas TP, Rossi JDMBA, Bitar G, Giraud HP, Rosa LMA. Resistência dos complexos ligamentares da coluna vertebral à traçäo: estudo experimental em vértebras caninas. Rev. bras. ortop 25(11/12): 395-398, 1990. Baumel JJ. Coração e vasos sanguíneos das aves. In: Getty R. Sisson & Grossman: anatomia dos animais domésticos. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1975. p. 1842-1880. Baumel JJ. Sistema nervoso das aves. In: Getty R. Sisson & Grossman: anatomia dos animais domésticos. 5. ed. 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