Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CENTRO DE CIÊNCIAS RURAIS CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA Anatomia Animal TOPOGRÁFICA APLICADA PROF. DR. MED. VET. MALCON ANDREI MARTINEZ PEREIRA CURITIBANOS 2018 SUMÁRIO 1. REVISANDO CONCEITOS ................................................................................................................................ 1 CONCEITOS BÁSICOS & MÉTODOS DE ESTUDO ...................................................................................... 1 TERMINOLOGIA ANATÔMICA GERAL & ESPECIAL................................................................................... 2 PLANOS & EIXOS DE CONSTRUÇÃO, DELIMITAÇÃO & SECÇÃO ................................................................. 3 TERMOS DE SITUAÇÃO, POSIÇÃO & DIREÇÃO ....................................................................................... 4 PRINCÍPIOS GERAIS DE CONSTRUÇÃO DO CORPO DOS VERTEBRADOS ........................................................ 5 FATORES DE VARIAÇÃO ANATÔMICA ................................................................................................... 7 2. ANATOMIA ANIMAL APLICADA ..................................................................................................................... 9 CONTEXTO ANATOMIA ANIMAL APLICADA ........................................................................................... 9 ASPECTOS APLICADOS DA CONSTRUÇÃO DO COPRPO DOS VERTEBRADOS ................................................ 10 3. GENERALIDADES CONSTITUINTES REGIÕES CORPORAIS ............................................................................. 17 CAMADAS & REGIÕES SUPERFICIAIS .................................................................................................. 17 SINTOPIA GERAL DOS ÓRGÃOS ......................................................................................................... 20 FATORES DE ESTÁTICA VISCERAL ....................................................................................................... 29 ESQUELETOPIA E TOPOLOGIA VISCERAL ............................................................................................. 34 4. TIPOS CONSTITUCIONAIS EM MEDICINA VETERINÁRIA ................................................................................ 39 GENERALIDADES E CONCEITOS ......................................................................................................... 39 CLASSIFICAÇÃO TIPOS CONSTITUCIONAIS ........................................................................................... 45 HARMONIA DE CONFORMAÇÃO OU CONSTRUÇÃO ............................................................................... 46 5. TÓPICOS EM BIOMECÂNICA ........................................................................................................................ 49 GENERALIDADES E CONCEITOS ......................................................................................................... 49 ALINHAMENTOS ANATÔMICOS ......................................................................................................... 50 MECÂNICA DA COLUNA VERTEBRAL .................................................................................................. 59 MECÂNICA DO TÓRAX .................................................................................................................... 63 MECÂNICA DOS MEMBROS TOORÁCICO E PÉLVICO .............................................................................. 68 PELVILOGIA & PELVIMETRIA ............................................................................................................ 77 CINEMÁTICA DO MOVIMENTO ......................................................................................................... 85 6. REGIÕES INTERESSE CLÍNICO-CIRÚRGICO .................................................................................................... 94 REGIÕES CORPORAIS ...................................................................................................................... 94 APLICAÇÕES PRÁTICAS DOS MÉTODOS DE ESTUDO .............................................................................. 95 DISSECAÇÃO DA CABEÇA: REGIÕES FACIAL, PARÓTIDO-AURICULAR & INTERMANDIBULAR ........................ 97 DISSECAÇÃO DA REGIÃO CERVICAL VISTAS VENTRAL E LATERAL ............................................................. 99 DISSECAÇÃO DA PAREDE TORÁCICA & SIMULAÇÃO DE AMPUTAÇÃO DO MEMBRO TORÁCICO .................. 101 DISSECAÇÃO DA CAVIDADE TORÁCICA & MEDIASTINOS CRANIAL, MÉDIO E CAUDAL ............................... 103 DISSECAÇÃO DA BAINHA DO MÚSCULO RETO DO ABDOME, CAVIDADES ABDOMINAL E PÉLVICA .............. 105 DISSECAÇÃO DO MEMBRO TORÁCICO ............................................................................................. 107 DISSECAÇÃO DO MEMBRO PÉLVICO: REGIÕES GLÚTEA, PERINEO-INGUINAL, FEMORAL & CRURAL ............ 109 DISSECAÇÃO DO MEMBRO PÉLVICO: REGIÕES INGUINAL, FEMORAL & CRURAL MEDIAIS ......................... 112 7. TÓPICOS EM ANATOMIA DAS AVES .......................................................................................................... 113 8. REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 140 1. Revisando Conceitos CONCEITOS BÁSICOS & MÉTODOS DE ESTUDO A anatomia é o ramo das Ciências Biológicas que versa sobre o estudo das partes ou componentes que formam o ser vivo. Desta forma considera-se como ser vivo, não somente os animais, mas também os vegetais que constituem o objeto de estudo da anatomia vegetal. Em se tratando de um espectro mais restrito ao âmbito das Ciências Veterinárias, pode-se afirmar que a anatomia é uma das disciplinas responsáveis pelo alicerce do futuro Médico Veterinário, exercendo influência direta e indireta sob os diversos ramos profissionais que cercam o acadêmico. Neste contexto, podem ser distinguidas várias anatomias ou várias vertentes no estudo da anatomia animal. O estudo dos componentes do corpo de um indivíduo sadio é o pilar inicial da iniciação de um futuro profissional. Esta vertente constitui-se como o objeto de estudo da anatomia, dita, normal, que pode ser subdividida contemplando os aspectos macro ou microscópicos da construção do corpo dos vertebrados. Dentro deste contexto, também, tem grande relevância a anatomia do desenvolvimento ou embriológica. Considerando-se somente a divisão macroscópica da anatomia, destacam-se: Anatomia organológica: que estuda cada órgão que compõem o indivíduo, considerando os aspectos únicos de cada um destes, (i.e. a identificação entre as diferentes porções do intestino delgado); Anatomia sistêmica: que compreende o estudo dos sistemas orgânicos considerados separadamente (i.e. o estudo da organização do sistema digestório); Anatomia comparada: que permite tecer parâmetros entre uma ou mais espécies, e/ou entre indivíduos de uma mesma espécie, raça ou de sexos diferentes (i.e as variações na organização do sistema digestório observadas em herbívoros e carnívoros); Anatomia aplicada: são estudos voltados diretamente à uma área correlata de conhecimento ou que forneça um subsídio direto para outra área, através dos chamados parâmetros da anatomia normal (i.e. o estudo da anatomia voltado à clínica ou cirurgia Veterinária); Anatomia por imagens: estuda o corpo dos indivíduos através da utilização de técnicas de diagnóstico por imagem, inicialmente por meio de radiografias e atualmente através de ultrassonografias, tomografias computadorizadas ou ressonâncias magnéticas (i.e. a visualização de órgãos e a confirmação de gestação por ultrassonografia) Ainda, poderiamser descritas inúmeras outras formas para a aplicação do estudo da anatomia. Nestas estariam incluídas as anatomias: patológica, artística, antropológica e constitucional. Em um segundo momento possam, e devem, ser contempladas as miscigenações entre os tipos de anatomia já anteriormente descritos. Esta abordagem garante uma visão holística dos conteúdos contemplados nesta área do conhecimento, facilitando o entendimento sobre a organização do corpo dos indivíduos. Com base neste contexto, propõem-se o estudo de uma anatomia que englobe aspectos microscópicos, Revisnado Conceitos 2 organológicos, sistêmicos e topográficos com o intuito de propiciar aos estudantes o melhor entendimento sobre a construção do organismo dos animais domésticos. Para melhor compreensão do conteúdo, visando a sua aplicabilidade, foram desenvolvidos métodos de abordagem prática, que auxiliam a aguçar tanto a motricidade quanto a sensibilidade tátil, visual ou auditiva dos estudantes. O método mais utilizado em anatomia chama-se dissecação e consiste no estudo em cadáveres frescos ou conservados por fixação, com o auxílio de instrumental cirúrgico, na qual o acadêmico tem a possibilidade de retirar ou separar partes ou porções dos cadáveres. Dentro da dissecação são enumerados alguns meios para a sua realização, que são: incisão (corte nos tecidos moles, realizado por instrumento de lâmina cortante – bisturi, bisturi elétrico, faca, escalpelo e cefalótomo); secção (corte com tesouras, retas ou curvas, bistuir elétrico, costótomo ou serra); divulsão (ato de separar estruturas anatômicas através do uso de pinças, tesouras, tentacânulas e afastadores) e punção (ato de perfurar com agulha ou trocater). A observação visual, que permite reconhecer aspectos da morfologia externa do animal, constitui a inspeção, enquanto que a exploração tátil das estruturas superficiais e profundas que permitem identificar forma, consistência e tamanho são constatadas através da palpação. Já a variação sonora produzida pelo funcionamento normal ou não de um órgão é localizada através da auscultação. Outro método que considera a emissão de sons é a percussão, que caracteriza-se pela variação do som produzido a partir do batimento dos dígitos ou de um instrumento, sobre a superfície corpórea, onde localiza-se um determinado órgão. A coleta de dados numéricos ou não, que visam estabelecer parâmetros e/ou proporções corpóreas constituem a mensuração. Por fim, mas não menos importantes estão os métodos de imagem, que são meios que auxiliam no estudo em animais vivos e com isso permitir a interação entre a anatomia e o diagnóstico clínico-cirurgico. TERMINOLOGIA ANATÔMICA GERAL & ESPECIAL Este capítulo da anatomia destina-se ao embasamento da linguagem técnica aplicada durante o estudo dos conteúdos contemplados. Diferente do homem, a maioria dos animais domésticos encontra-se apoiado sobre quatro colunas de sustentação (membros torácico e pélvico). Isto faz com que estes assumam uma posição quadrupedal ou, também chamada de estação ou, ainda, posição anatômica. A perfeita posição anatômica é aquela na qual a face solear dos quatro membros encontra-se apoiada sob uma superfície plana ou no solo. Os membros devem estar dispostos paralelamente aos pares, ou seja, ambos os membros torácicos paralelos entre si, bem como os pélvicos, na qual ainda possa ser observada uma distância igualitária entre o membro torácico e pélvico homólogos (Fig. 1). A terminologia anatômica geral refere-se aos termos que designam regiões ou partes do corpo do animal, planos e eixos, que delimitam ou que podem auxiliar na sua secção durante o estudo. Já a terminologia anatômica especial refere-se às milhares de designações atribuídas a cada uma das estruturas anatômicas encontradas, bem como a cada uma de suas partes (i.e. no pulmão são observados os lobos pulmonares cranial e caudal). Revisnado Conceitos 3 PLANOS & EIXOS DE CONSTRUÇÃO, DELIMITAÇÃO & SECÇÃO Didaticamente quando se observa o animal na sua posição anatômica, este pode ser imaginado como se estivesse no interior de um paralelepípedo (figura geométrica que possui paralelogramos constituindo sua forma prismática, Fig. 1). Cada uma destas irá constituir um plano de delimitação, que correspondem a: a face adjacente à cabeça fornece o plano cranial, enquanto o que tangencia a cauda constitui o plano caudal. A base do paralelepípedo corresponde ao plano ventral e a sua face oposta, que mantém contato com a linha dorsal do animal o plano dorsal. As faces restantes delimitam os planos laterais, sendo um direito e outro esquerdo. Demarcando o ponto central de dois planos opostos e procedendo-se com a união destes, têm-se a formação de uma reta, que anatomicamente é denominada de eixo. Assim, a união entre os pontos médios dos planos cranial e caudal constituirá o eixo crânio-caudal, realizando o mesmo processo obtêm-se os eixos dorso- ventral e látero-lateral (Fig. 2). A constituição dos planos e eixos permite que sejam inferidos planos de secção, que configuram cortes convencionais do corpo, facilitando sua divisão didática. Considerando o eixo crânio-caudal, o corpo dos animais pode ser dividido em duas metades iguais, uma direita e outra esquerda, por uma linha imaginária denominada de plano longitudinal mediano, por passar exatamente no meio do corpo dos animais. Os planos traçados paralelamente ao anterior recebem a designação de planos paramedianos. O corte verticalizado sobre o eixo crânio-caudal constituirá o plano transversal que dividirá o corpo do animal em duas metades, uma cranial e outra caudal. Entretanto, para os membros este plano deverá ser deslocado de forma a cortar o eixo maior (vertical) destes, configurando uma extremidade mais próxima e outra mais distante do tronco do animal. Um terceiro plano dispõe-se paralelamente ao eixo dorso-ventral sendo chamado de plano horizontal, enquanto que os cortes que correm paralelamente, porém distantes, ao plano mediano são denominados sagitais. Fig. 1 Posição anatômica e planos de delimitação. Revisnado Conceitos 4 Fig. 2 Planos e eixos de construção, delimitação e secção. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. TERMOS DE SITUAÇÃO, POSIÇÃO & DIREÇÃO Os supracitados planos e eixos constituem referências ou coordenadas que possibilitam indicar a situação (sede ou localização), posição (determinando referências) e direção (orientação nos dois sentidos do eixo maior) das estruturas do corpo do animal, através da aplicação dos seguintes termos (Fig. 3): cranial (para uma estrutura que se encontra mais próximo ou em direção a cabeça, sendo mais utilizado para o tronco; enquanto que estruturas localizadas na cabeça são designadas através dos termos rostral – direcionada ou próximo ao nariz; oral – direcionada ou próximo da boca); caudal (direcionado para a cauda, sendo mais aplicado a estruturas do tronco e cabeça); dorsal (em direção a linha do dorso para estruturas localizadas no tronco, para aquelas localizadas nos membros a partir das regiões cárpica e társica em substituição ao termo cranial, e na cabeça é trocado pelo termo superior); ventral (para as estruturas que encontram-se próximas ao abdômen, sendo que na cabeça é substituído pelo termo inferior); medial (quando localizadas próximas ao plano mediano); lateral (quando distanciadas do plano mediano) e intermédio (quando localizada entre estruturas dispostas lateral e medialmente). Algumas regiões apresentam uma terminologia um pouco diferenciada, como é o caso da face caudal dos membros torácico e pélvico, que a partir das regiões cárpica e társica, passaa ser designado pelos termos palmar e plantar, respectivamente. Também nos membros são descritas estruturas localizadas mais próximas ou mais distantes do tronco, sendo atribuídas a estas os termos proximal e distal, respectivamente. E, ainda nos membros, na região Revisnado Conceitos 5 digital têm-se os termos axial (direcionada ao eixo do dígito) e abaxial (afastada do eixo do dígito). Para os segmentos corpóreos e os órgãos cavitários aplicam-se os termos superficial, profundo, externo e interno. Fig.3 Termos de situação, posição e direção. FONTE: Dyce K M, Sack WO, Wensing CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Saunders-Elsevier, Rio de Janeiro, 4 ed, 2010. A aplicação dos termos, descritos nesta unidade, permite que sejam utilizadas unidades de referência entre estruturas. Estas são aplicadas quando da necessidade de se inferir a relação: de cada órgão com o corpo como um todo (holotopia); de um órgão com seus vizinhos imediatos (sintopia); de cada órgão com o esqueleto (esqueletopia), facilitando a determinação de sua localização em um animal vivo; de partes de um órgão com o seu todo (idiotopia) ou entre os diversos tecidos que compõem um órgão (histiotopia). PRINCÍPIOS GERAIS DE CONSTRUÇÃO DO CORPO DOS VERTEBRADOS Em qualquer nível de organização macroscópica e/ou microscópica, observa-se que a composição de um órgão ou tecido está intimamente relacionada às funções que estes exercem no organismo. Contudo, é inerente ressaltar que a forma adapta-se aos diversos estágios fisiológicos, o que permite observar o aspecto dinâmico desta relação. Com isso, a análise do corpo dos vertebrados permite inferir que estes são constituídos de diversas estruturas de natureza distintas, que se unem para formar as unidades morfológicas. A separação destas unidades ocorre à custa dos eixos de construção, através da sobreposição Revisnado Conceitos 6 de um sobre o outro. O corpo dos animais obedece a princípios de construção, que constituem-se através da repetição de estruturas sobrepostas ou dispostas seqüencialmente na qual podem ser descritos os seguintes princípios: ANTIMERIA Originados a partir do deslocamento do eixo dorso-ventral ao longo do eixo crânio-caudal, constituindo duas unidades morfológicas de construção que são homólogas, denominadas de antímeros e que aparentemente são iguais (Fig. 4). Contudo, esta simetria tende a ser menos acentuada conforme a progressão filogenética (modificações evolutivas ou história ancestral) e ontogenética (desenvolvimento total do indivíduo). Isto permite observar, nos vertebrados, a existência de uma simetria externa ou de massa, que se revela de forma aparente, e uma simetria interna ou de construção, que na verdade configura uma assimetria interna. Entretanto, o organismo tenta compensar esta discordância fazendo com que à medida que aumenta a assimetria interna ocorre a acentuação da simetria externa. Este mecanismo compensatório é melhor observado no aparelho locomotor, onde faz-se necessário o equilíbrio entre a constituição e a locomoção do animal, todavia sempre persistirá a assimetria externa. Fig. 4 Antímeros direito e esquerdo. METAMERIA Estas unidades morfológicas de construção homólogas são originadas da sobreposição do eixo dorso-ventral ao longo do eixo látero- lateral, que se sucedem acompanhando o eixo maior do animal, sendo separadas individualmente por planos transversais paralelos e consecutivos, denominados metâmeros. Em animais primitivos, como os Annelidae, os segmentos são quase todos semelhantes. Nos animais domésticos é melhor identificável na região cervical e tronco, contudo durante as fases iniciais do desenvolvimento embrionário são mais evidentes, caracterizando a imperfeição destas unidades. Nos vertebrados a metameria não significa uma sucessão longitudinal de segmentos morfológicos equivalentes, mas a disposição serial de partes dos sistemas orgânicos. Fig.5 Sequencia de metâmeros. Revisnado Conceitos 7 PAQUIMERIA Unidades morfológicas heterólogas, que dividem o corpo dos animais em duas metades desiguais chamadas de paquímeros (Fig. 6). Estas originam-se através da sobreposição do eixo látero- lateral sobre o eixo crânio- caudal, traçando, assim, um plano horizontal. Outra denominação sugerida a paquimeria é de princípio da tubulação, que se justifica devido à porção axial do corpo apresentar dois tubos longitudinais, que correspondem a: tubo dorsal ou neural, pois aloja o neuroeixo e apresenta maior amplitude na extremidade cranial; e o tubo ventral ou esplâncnico, que abriga a massa visceral e sua maior amplitude encontra-se na extremidade caudal. ESTRATIGRAFIA Refere-se ao tipo de construção do corpo e de suas partes, desde o nível macroscópico até o celular, onde as estruturas se dispõem de forma concêntrica constituindo camadas, estratos, telas ou túnicas de um mesmo ou de diferentes tipos teciduais, que ao se unirem compõem os órgãos, sistemas e aparelhos. POLARIDADE Permite que sejam identificados dois pólos contrastantes na construção dos vertebrados, um polo cranial, que aloja a região cefálica, portanto mais desenvolvido, e outro polo caudal, que corresponde as vértebras coccígenas, menos desenvolvido. SEGMENTAÇÃO Baseia-se na distribuição dos elementos vásculo-nervosos, e quando presentes, os ductos, canalículos e túbulos relacionados a funcionalidade dos órgãos. Em suma, significa o arranjo do corpo dos vertebrados sob a forma de segmentos ou partes, que correspondem a territórios independentes no parênquima dos órgãos, que por esta razão podem ser separados das demais porções destes. Fig.6 Paquímeros dorsal ou neural (amarelo) e ventral ou esplâncnico. Revisnado Conceitos 8 FATORES DE VARIAÇÃO ANATÔMICA Em anatomia o conceito de normalidade pode ser diferenciado sob alguns aspectos: uma estrutura mais freqüente estatisticamente ou aquela mais adequada para uma determinada atividade fisiológica ou, ainda, o indicativo de uma seleção natural. O normal constitui um conceito de regularidade, enquanto que os desvios do padrão morfológico são considerados como variações, que podem se apresentar sob a forma de um aumento ou diminuição ou, ainda, redução de partes ou uma modificação no formato. Entretanto, deve- se distinguir entre a modificação de uma forma (normal) e a alteração desta (patológica). A variabilidade dentro das espécies é o parâmetro principal para o estudo de anatomia, apresentando uma grande diferenciação entre os indivíduos, exercendo influência direta sobre a holotopia, sintopia, idiotopia e histiotopia, mas mantendo as estruturas normais de forma constante. Dentro deste grupo devem ser citados o destarte (ocasião em que se tem dificuldade em determinar o padrão típico) e a raridade (quando um padrão ocorre em uma pequena parcela da população sem apresentar significância). Um grande desvio do padrão normal é chamado de anomalia, geralmente ocasionada por uma alteração ou depreciação da função. Uma anomalia grave incompatível com a vida é denominada monstruosidade, sendo estudadas na teratologia. Os fatores gerais de variação incluem a idade, sexo, raça, biótipo, evolução, fatores nutricionais, estado e adaptação funcional. A idade constitui, não somente, as diferenças entre um animal recém-nascido e um adulto, mas também as modificações que um organismo sofre durante toda a sua vida. Algumas variações decorrentes da idade são bem conhecidas e muito evidentes. O dimorfismo sexual é reconhecível em todas as espécies, onde caracteres e diferençassexuais secundárias estão presentes em outros órgãos, além das observadas no aparelho urogenital. Genericamente, raça é o conjunto de indivíduos com caracteres semelhantes, tanto morfológica quanto fisiologicamente. Todavia, é necessário salientar que dentro deste parâmetro não são consideradas as variações individuais, mas o conjunto onde são agrupadas a maior parte dos caracteres considerados. O biótipo refere-se às características pertinentes aos atributos físicos do corpo, considerando sua proporcionalidade e as tendências do indivíduo. A construção física do corpo é determinada pela herança genética (genótipo) e através da influência exercida pelo meio ambiente sobre este, o que irá constituir o fenótipo. Contudo, as espécies passaram por muitas modificações durante séculos de existência. A necessidade de adaptação frente à oferta de alimento, as influências exercidas pelas variações geoclimatológicas, a necessidade de defesa ou de demarcação do território, a presença do homem e a domesticação determinaram a modificação gradual e, em muitos casos, permanente de muitas características. 2. Anatomia Animal Aplicada CONTEXTO DA ANATOMIA APLICADA No estudo da Anatomia Animal Aplicada são consideradas as relações gerais dos órgãos que constituem cada região do corpo dos vertebrados, com especial atenção aos vertebrados domésticos. Neste sentido, difere-se das Anatomias Sistêmica e Descritiva por considerar as peculiaridades presentes nas relações entre as partes ou porções dos sistemas orgânicos que constituem cada região do corpo. Nesta modalidade de estudo, destaca-se o caráter aplicativo dos conhecimentos anatômicos por permitir relacionar a constituição normal do indivíduo com alterações observadas na patologia ou na clínica médica. Desta forma ela oferece subsídios importantes para que o Médico Veterinário possa estudar os métodos de exame clínico e pesquisar os sintomas que permitem estabelecer o diagnóstico e o prognóstico de uma doença (Semiologia), bem como na prática de uma perfeita intervenção cirúrgica. Com isso, torna-se mais pertinente denominá-la Anatomia Aplicada e não somente Anatomia Topográfica, pois esta modalidade fornece informações que extrapolam o cunho puramente topográfico, mas também dados anatômicos que possuam aplicação prática na Medicina Veterinária. Apesar de possuir um cunho essencialmente prático, a Anatomia Aplicada não pode deixar de considerar alguns fatores que interferem no estudo das regiões corporais do animal, tais como: sexo (a distribuição de tecido adiposo é diferenciada entre o macho e a fêmea em determinadas regiões); faixa etária (a transcorrência da idade nos animais determina modificações que passam pelo grande volume hepático no neonato e a involução do timo, que no animal adulto pode ser vestigial); espécie e raça (as espécies domésticas apresentam peculiaridades que ultrapassam as diferenças externas, onde pode-se observar a topografia da medula espinal cujo ápice se encontra no nível de L6-7 no cão, S1 nos ruminantes, S1-2 no suíno; S2 no equino e L7 ou S3 no gato); tipo morfológico (manifestação da constituição feno-genotípica do animal, maiores considerações serão abordadas em capítulo específico) e variações e anomalias anatômicas (são observadas em decorrência de distúrbios hereditários e/ou embriológicos que imprimem modificações no arranjo das estruturas anatômicas de uma região e que podem culminar em alterações funcionais e topográficas). Ainda, é importante considerar fatores inerentes à individualidade de cada ser vivo, bem como outros que estão vinculados aos estados fisiológico (diferenças entre uma fêmea nulípara e uma multípara) e nutricional ou as modificações impostas na adaptação funcional (um equino esportista frente um de passeio) ou nos estados patológicos (aumento de volume de um órgão, como o que ocorre no baço na esplenomegalia). Assim, pode-se verificar que seu estudo está embasado no conhecimento prévio das relações de holotopia, sintopia, esqueletopia, idiotopia e histiotopia que norteiam a construção do corpo dos vertebrados. Contudo, estes obedecem, essencialmente, aos planos de construção do corpo dos vertebrados, que são a antimeria, a metameria, a Anatomia Animal Aplicada 10 paquimeria e estratigrafia. Estas relações podem ser determinadas por meio da dissecação, contudo outros métodos para a exploração ou estudo da anatomia podem ser utilizados, tais como a inspeção (que pode ser externa, também denominada ectoscopia, ou interna, também chamada endoscopia); palpação; percussão e auscultação (que considera as áreas de projeção topográfica dos órgãos nas paredes corpóreas); mensuração e imaginologia (utilizando os métodos de diagnóstico por imagem para determinar alterações ou o posicionamento dos órgãos). ASPECTOS APLICADOS DA CONSTRUÇÃO DO CORPO DOS VERTEBRADOS A antimeria revela variações sutis (mais observadas externamente) ou acentuadas (predominância no interior do corpo), que traduzem assimetrias normais (externas e internas: tamanho (dimensões do ovário e testículo direito são ligeiramente maiores que no lado esquerdo; forma (forma diferente do pulmão direito e esquerdo); posição (os rins direito e esquerdo estão em posição diferentes) e forma e posição (rins direito e esquerdo do equino). Nos órgãos ímpares observam-se sempre as assimetrias normais de posição e tamanho associadas. Estas assimetrias são determinadas por crescimento desigual ou independência entre órgãos pares, e por deslocamentos ou interdependências entre órgãos ímpares) e assimetrias anormais (quando se observa uma perturbação na assimetria normal, principalmente relativo à forma e posição, podendo ser uma inversão morfológica (alteração da forma) ou uma distopia (alterações de posição, que são transposição (parada no deslocamento normal do órgão, i.e. alça intestinal), inversão (deslocamento no sentido inverso, i.e. alça intestinal) e assimetria interna total (onde o órgão desloca-se para o antímero oposto, formando uma imagem especular ou situs viscerum inversus)). As assimetrias mais marcantes são aquelas observadas na face (a linha que passa entre as fendas palpebrais não é paralela a que passa pelas comissuras labiais, no entanto elas são mais divergentes no lado direito da face, por este ser ligeiramente maior que o esquerdo); nos membros (a assimetria é cruzada, o membro torácico direito é mais desenvolvido, enquanto que no pélvico o esquerdo é mais desenvolvido); tronco (quando visto cranialmente predomina o antímero direito, no entanto dorsalmente predomina o direito); cornos (estão inseridos em linhas diferentes); cavidades orbitárias e biomecânicas (ocorrem deslocamentos diferentes entre os membros de um lado em relação com o outro e contralateralmente). Como resultado, pode-se observar a predominância de um antímero sobre o outro no desempenho de atividades cotidianas, como a locomoção. A metameria na construção do corpo dos vertebrados não representa uma sucessão longitudinal de segmentos morfológicos equivalentes, mas somente a disposição seriada dos diferentes sistemas orgânicos. Os metâmeros são unidades homólogas, que estruturalmente são denominadas hemodinamias e que traduzem a semelhança de origem entre dois órgãos de seres vivos de espécies diferentes (a cauda de um macaco e de um cão). Entretanto, estas estruturas supracitadas não podem ser contextualizadas como análogas, pois desempenham funções diferentes. Assim, órgãos ou estruturas anatômicas análogas são aqueles que desempenham a mesma função em indivíduos de espécies Anatomia Animal Aplicada 11 diferentes (asas de uma ave, um morcego e um inseto). Com isso,define-se que uma estrutura pode ser homóloga sem ser análoga. Contudo, possuem similaridades na sua estrutura óssea, muscular e vásculo-nervosa. A complexidade que caracteriza a evolução das espécies animais fez com que os segmentos metaméricos homólogos se diferenciassem em segmentos heterólogos imperfeitos. A perfeita metameria na construção do corpo dos vertebrados pode ser observada durante o desenvolvimento embriológico inicial, permitindo desta forma recuperar a filogênese (para maiores detalhes consultar bibliografia sobre filogenia e embriologia). Considerando a filogênese e a ontogênese dos vertebrados, observa-se nas primeiras fases do desenvolvimento a disposição segmentar principalmente no segmento dorsal do folheto dorsal mesodérmico (somitos). Nestes, forma-se uma cavidade central transitória, cuja proliferação celular diferencia-se no mesênquima, onde uma parte formará o esclerótomo, que origina o esqueleto axial e as porções remanescentes formarão duas lâminas que correspondem ao miótomo (lâmina interna muscular) e dermátomo (lâmina externa cutânea). Entretanto, no indivíduo adulto a segmentação observada na coluna vertebral é secundária, pois, devido a necessidades mecânicas, cada vértebra é formada pela união de um segmento caudal com um segmento cranial do esclerótomo primitivo. No sistema vascular a metameria é observada apenas nas artérias intercostais e lombares do tronco, enquanto que as artérias viscerais perdem este padrão por desaparecimento ou atrofia de muitos vasos em decorrência do desenvolvimento visceral. A segmentação metamérica do sistema nervoso parece existir na disposição segmentar transitória que se manifesta por dilatações sucessivas da parede do tubo neural (neurômeros), dorsalmente ao sulco limitante (lâmina alar), contudo é mais evidente na medula espinal (Fig. 7), bem como nas raízes dos nervos espinais (Fig. 8). No tocante às vísceras, algumas destas, perdem o padrão segmentar durante o seu desenvolvimento, ficando impossível a sua identificação no órgão maduro (i.e. cérebro, rins e pulmões). Porém, devido ao desenvolvimento orgânico e a concentração de funções associadas, os segmentos corporais tornaram-se desiguais e a sua delimitação em unidades fundamentais foi eliminada em vários locais. Fig. 7 Segmentação metamérica observada na medula espinhal. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Anatomia Animal Aplicada 12 Fig. 8 Segmentação metamérica observada nos nervos espinais torácicos em indivíduos adultos. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. No organismo adulto pode-se determinar a segmentação primária por meio da dissecação do sistema nervoso periférico, que evidenciará a segmentação orgânica considerando que a distribuição da raiz de cada nervo (neurótomo) corresponde a um determinado segmento corpóreo (miótomo, esclerótomo, dermátomo e visceral). Na pele a metameria é oculta, podendo ser observada pela distribuição das raízes nervosas que formam territórios (dermatômeros, Fig. 9) que recebem fibras de uma determinada raiz e que se distribuem no tronco em faixas transversas ou horizontais paralelamente ao eixo longitudinal do tronco (coluna vertebral). A distribuição dos dermatômeros não é perfeita, pois sobre a linha mediana (dorsal e ventral e craniocaudalmente) ocorre sobreposição de territórios, ficando apenas o centro do dermatômero como exclusivo de uma única raiz. Nos membros estes territórios estão distribuídos em faixas longitudinais ou levemente espiraladas, porém, devido ao alongamento dos membros, alguns dos dermatômeros perdem o contato com o seu correspondente no tronco. É possível identificar as áreas cutâneas de inervação radicular por meio de exame clínico ou experimental por meio da estimulação da sensibilidade Fig. 9 Distribuição dos dermatômeros no homem. Anatomia Animal Aplicada 13 cutânea. Anatomicamente, no animal vivo, pode-se determinar apenas o território subcutâneo de uma raiz, contudo há grande concordância entre a inervação subcutânea e o dermatômero, principalmente no tronco. Já nos membros a identificação dos dermatômeros é prejudicada pelo entrelaçamento das raízes nervosas, que formam o plexo braquial e lombossacral, responsáveis pela inervação dos mesmos, constituindo territórios mistos de inervação. No sistema muscular, a segmentação metamérica é observada nos músculos profundos do dorso, nos intercostais e no músculo reto abdominal que conservam sua relação metamérica com apenas uma raiz nervosa, enquanto que os demais músculos do corpo, por resultarem da fusão de vários miótomos, possuem inervação mista formada por diferentes raízes, resultando em uma metameria oculta que pode ser identificável pelo estudo da inervação radicular (para maiores informações consulte bibliografia referente à marcação retrógrada e anterógrada de raízes nervosas). Todavia, as fibras de uma raiz nervosa se distribuem e se espalham entre as fibras musculares, não ocupando uma área delimitada do músculo, mas considerando o miótomo de origem daquela porção. Este fato explica como uma lesão nervosa radicular pode comprometer músculos localizados próximos ou distantes ou apenas resultar em uma paralisia parcial de um músculo por lesões de células radiculares específicas. A segmentação muscular com base na inervação considera o campo radicular motor (território inervado por uma única raiz ventral, Fig. 10) de cada músculo, permitindo identificar músculos unirradiculares (i.e. músculo subescapular inervado pelo nervo de mesmo nome que se origina na sexta raiz cervical, C6) e plurirradiculares (músculos extensores da articulação cúbita, carpo e dígito todos inervados pelo nervo radial que surge da confluência de C7-8 e T1-2). Fig. 10 Campo radicular motor do reflexo patelar. FONTE: Lent R. Cem Bilhões de Neurônios. Atheneu, Rio de Janeiro, 2 ed, 2010. Anatomia Animal Aplicada 14 O sistema nervoso autônomo permite estabelecer uma segmentação visceral (Fig. 11), apesar da complexidade de organização deste sistema. Na inervação visceral, fibras eferentes procedem de centros vegetativos do neuro-eixo por meio dos nervos cérebro- espinais e realizam sinapse com neurônios localizados em gânglios viscerais dispostos em três níveis (pára- vertebrais (cadeia simpática), pré-vertebrais (gânglios celíaco, mesentéricos cranial e caudal e pélvico) e intramurais (plexos mientérico e submucoso)). Todavia, esta complexidade de interconexões dificulta a exata identificação de cada segmento visceral (enterômeros). Apesar da imperfeição, a metameria facilita a compreensão topográfica definitiva e as relações dos órgãos e sistemas através de seus deslocamentos longitudinais, observado especialmente no desenvolvimento dos tubos neural e esplâncnico. Ainda, permite interpretar vários aspectos clínicos e cirúrgicos importantes na prática veterinária. A topografia da medula espinal varia no feto e no indivíduo maduro, seu crescimento, inicialmente, é contínuo com o da coluna vertebral, ficando mais lento e abandonando a sintopia com os segmentos mais caudais da coluna (Fig. 12). Com isto, infere-se que a medula termina ao nível de L6 ou L7 no cão, S1 nos ruminantes, S2 no equino, L7 ou S2 no gato, considerando o tipo morfológico e o sexo, e que os nervos espinais oriundos destes segmentos percorrem um determinado trajeto no interior do canal vertebral antes de emergirem no seu forame intervertebral de correspondência,à exceção dos nervos espinais cervi cais cujo trajeto é curto. Outro ponto derivado desta dis topia é a correlação entre os centros de controle medu lar viscerais estar, muitas vezes, localizados cranialmen te ao seu alvo visceral (o centro nervoso de controle da musculatura abdominal ventral está localizado entre T3 e T10). Ambos os fatores permitem a interpretação e a determinação perfeita localização topográfica de lesões medulares ou de raízes nervosas. A disposição dos dermatômeros é uma importante ferramenta na interpretação de perturbações de sensibilidade por lesões em raízes ou troncos nervosos (i.e. na retículo- Fig. 11 Segmentação visceral. Fig. 12 Secção mediana do canal vertebral e medula espinhal felino doméstico (A), canino (B), suíno (C), bovino (D), equino (E). O espaço interarqueado lombosacro é indicado pela seta. Observe a diferença na estensão caudal da medula espinhal entre as diferentes espécies. A extensão delgada da medula espinhal é o filamento terminal, que termina nas vértebras coccígeas. FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Anatomia Animal Aplicada 15 pericardite-traumática bovina, onde corpos estranhos perfuram o retículo, diafragma e o coração). Ainda, a sensibilidade visceral (reflexo víscero-cutâneo) é conduzida por fibras nervosas aferentes que se relacionam com fibras de nervos somáticos, explicando o fenômeno da dor referida na zona cutânea inervada pelo mesmo tronco ou nervo (i.e. as estruturas perfuradas na doença acima citada provoca hipersensibilidade na região cervical dorsal (cernelha)). A observação destas alterações de sensibilidade cutânea relacionadas a moléstias viscerais ou internas podem conduzir a um diagnóstico mais preciso e assertivo na rotina clínica. Contudo, é importante ressaltar que, geralmente, a sensibilidade cutânea é observada em uma região mais dorsal do que o posicionamento do órgão lesionado, devido à posição mais ventral das vísceras. A dor referida também pode ser determinada pela relação entre a inervação visceral e muscular, ambas as estruturas são inervadas pelas raízes motoras dos nervos espinais que pode transmitir, via o arco reflexo medular (Fig. 10), a sensibilidade de um órgão e desta forma provocar a contratura muscular. Na paquimeria observa-se a divisão do corpo dos animais em dois tubos distintos e desiguais: dorsal ou neural e o ventral ou esplâncnico, ambos possuem um eixo esquelético comum que envia prolongamentos ósseos que entram na construção da parede de cada tubo. Assim, o tronco se apresenta constituído pela justaposição de dois tubos (neural e esplâncnico), um diante do outro e que se encontram envolvidos por um terceiro tubo comum, representado pelos planos superficiais do corpo (pele e tela subcutânea). O tubo ventral emite os quatro apêndices corporais, os membros torácicos e pélvicos, que são inervados pelos ramos colaterais e terminais dos plexos nervosos constituídos pelo entrelaçamento dos ramos ventrais dos nervos espinais. O corpo dos vertebrados é construído estratigraficamente, ou seja, pela sobreposição de camadas do mesmo tecido ou de tecidos diferentes. A estratigrafia pode ser observada em segmentos corporais ou em órgãos distintos, correspondendo a histiotopia na organização das vísceras corporais. A estratigrafia é mais bem compreendida quando estudada em órgãos cavitários ou tubulares (i.e. esôfago, estômago ou vaso sanguíneo). Nestes órgãos são observadas uma série de túnicas que se dispõem concentricamente, a saber: mucosa (mais interna, voltada para luz do órgão, sendo composta por uma lâmina epitelial, lâmina própria de tecido conjuntivo frouxo e uma muscular da mucosa, de caráter facultativo); submucosa (tecido conjuntivo denso irregular que pode alojar glândulas, vasos sanguíneos e linfáticos além de nervos e estruturas do sistema imune); muscular (constituída de músculo liso ou estriado esquelético, que pode apresentar-se dispostas em camadas circular, oblíqua e/ou longitudinal) e serosa ou adventícia (para maiores detalhes consultar sobre organologia em bibliografia de Histologia). A estratigrafia apesar de pouco evidente também pode ser observada em órgãos parenquimatosos, como o pâncreas e o fígado, no indivíduo adulto, porém é mais evidente durante o desenvolvimento embriológico. A estratigrafia na construção do corpo dos animais pode ser identificada na construção das diferentes regiões corpóreas, como a observada na parede ventral do abdômen (região da bainha do músculo reto abdominal, Fig. 13) na qual estão presentes: pele ou cútis (composta pela epiderme e dermes papilar e reticular), tela subcutânea ou Anatomia Animal Aplicada 16 hipoderme (constituída pelos estratos areolar ou superficial, fáscia subcutânea ou fascia superficialis e lamelar), fáscia muscular, a muscular (composta pelos músculos abdominais: oblíquo abdominal externo e interno e transverso abdominal, cujas aponeuroses revestem o músculo reto abdominal), a fáscia transversa, a fáscia profunda do tronco e o peritônio parietal. Entretanto, em outras regiões esta estratigrafia não se apresenta de forma tão evidente, como a que ocorre no tubo dorsal do tronco, onde as sucessivas camadas musculares se alternam com outras estruturas anatômicas. Nesta região é possível visualizar, por meio de uma dissecação cuidadosa: a pele, a tela subcutânea, a fáscia muscular, a musculatura esquelética (disposta em várias camadas), o plano ósteo-articular (constituído pelos arcos vertebrais e ligamentos que fecham o canal vertebral), a dura-máter e a leptomeninge (aracnóide e pia-máter). Se considerarmos a medula espinal como integrante deste plano estratigráfico, esta apresenta a substância branca externamente, a substância cinzenta e o canal central revestido pelo epitélio ependimário. Assim, pode-se observar que a construção estratigráfica está presente em todo o organismo, embora muitas vezes sua organização possa ser pouco evidente devido à ausência de uma camada ou pelo grande desenvolvimento de outra em certos órgãos ou regiões. Esta premissa é de grande importância no estudo anátomo-topográfico ou da anatomia aplicada por permitir a identificação das camadas presentes em uma região ou órgão e, desta forma, contribuir amplamente com as abordagens clínicas ou cirúrgicas a serem utilizadas no cotidiano profissional. Fig. 13 Representação esquemática da estratigrafia da parede abdominal ventral em corte transversal. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Túnica serosa Fáscia transversa Fáscia profunda do tronco Fáscia superficial do tronco Pele Linha alba M. intercostal interno M. intercostal externo Costela M. transveso abdome M. oblíquo abdominal interno M. oblíquo abdominal externo M. reto abdominal 3. Generalidades Constituintes Regiões Corporais CAMADAS E REGIÕES SUPERFICIAIS PELE E ANEXOS CUTÂNEOS As camadas superficiais do corpo são constituídas pela pele (cútis), anexos cutâneos (pelos, glândulas cutâneas e mamária, órgão digital (coxins digitais, unha, garra e cápsula da úngula) e corno ou chifre), tela subcutânea e bolsas sinoviais, que conjuntamente constituem o sistema tegumentar. Sua função primordial é proteger o organismo contra agentes físicos (radiação, calor e frio), químicos (água e agentes corrosivos) e biológicos (ectoparasitas, bactérias e fungos), além de atuar na termorregulação por constituir um importante meio de dispersão calórica e de evaporação do suor. A pele é composta da epiderme (camada superficialconstituída por um epitélio estratificado pavimentoso queratinizado) e da derme (camada formada por tecido conjuntivo frouxo e denso irregular, dispostos em dois estratos o papilar, junto ao epitélio, e reticular, mais profundo e amplamente vascularizado e inervado). A organização da epiderme permite que sejam identificados dois tipos de pele recobrindo o corpo, a pele fina e a espessa, além do chamado complexo orgânico da epiderme, constituído por pelos, glândulas sebáceas e sudoríparas (para maiores detalhes consulte bibliografia de histologia veterinária). Em locais em que um estresse mecânico é exercido sobre a pele pode-se observar a presença de cristas epidérmicas associadas a papilas dérmicas muito altas, esta união entre as duas camadas é reforçada pela presença de hemidesmossomos e junções de aderência focal, que constituem o mecanismo de coesão derme-epidérmico (Fig. 14). Fig. 14 Mecanismo de coesão derme-epidérmico. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011 & Nickel R, Schummer A, Seiferle E. Anatomy of the domestic animals. Parey, Berlin, 1977. Generalidades Constituintes Regiões Corporais 18 Outra característica importante da pele é a sua elasticidade (Fig. 15), que permite os movimentos do corpo estando distendida na sua capacidade máxima, tanto que se retrai quando em processo de cicatrização por continuidade. Esta capacidade é de importância cirúrgica, pois interfere na sua ressecção. Ao se realizar a secção de pele deve-se considerar que ocorre uma retração de 1/3 imediatamente e que se tem de fazer um retalho três vezes maior que a área da incisão. A elasticidade é determinada pela disposição das fibras conjuntivas e elásticas da derme, que apresentam um padrão de distribuição em cada região do corpo, indicando a direção de menor distensibilidade (de maior resistência da pele à tração), isto faz com que uma secção circular da pele resulte em uma fenda. No animal jovem estas linhas de fenda são orientadas circularmente ou em espiral, enquanto que no adulto podem ser transversais no tronco e longitudinal nos membros, com algumas modificações sobre as articulações. Na prática cirúrgica deve ser lembrado que a direção da elasticidade da pele é o primeiro fator a ser considerado no momento da incisão, salvo exceções quando outros fatores técnicos interfiram neste processo. É importante ter em mente que uma incisão perpendicular às linhas de elasticidade dificultarão o processo cicatricial, por provocar o afastamento das bordas, enquanto que a incisão paralela aos feixes conjuntivo- elásticos facilita a cicatrização por ter tendência a aproximar as bordas. Além da organização dos feixes conjuntivo-elásticos, devem ser consideradas a vascularização (sanguínea e linfática) e a inervação da pele. A epiderme é avascular, recebendo vascularização das redes arteriais dérmica (subpapilar e cutânea) e subcutânea que drenam para os plexos venosos coriais, subpapilares (superficial e profundo) e profundo da derme. A drenagem linfática inicia nos seios linfáticos, rede linfocapilar profunda da pele que direcionam a linfa aos linfonodos tributários. A inervação da pele inclui fibras simpáticas e sensoriais (plexo nervoso subcutâneo da derme e da tela subcutânea, corpúsculos nervosos: pressão, tato e vibração, temperatura e dor). Tela subcutânea (Hipoderme) Abaixo da pele encontra-se a hipoderme ou tela subcutânea, representada por tecido conjuntivo fibrilar frouxo, trabeculado (aréolas) e com depósitos de tecido adiposo. A espessura varia com o grau de infiltração adiposa, sendo muito fina nas pálpebras e muito espessa nas áreas de grandes depósitos adiposos, contudo sua espessura é dependente do estado nutricional, idade, indivíduos mais velhos à tendência de aumentar, Fig. 15 Distribuição das fibras elásticas nas regiões corpóreas. FONTE: Nickel R, Schummer A, Seiferle E. Anatomy of the domestic animals. Parey, Berlin, 1977. Generalidades Constituintes Regiões Corporais 19 e sexo. Algumas regiões sempre apresentam uma tela espessa, independente do emagrecimento ou estado fisiológico, como por exemplo, na região glútea. Nestas regiões a tela, além da ação protetora contra a dispersão calórica, atua protegendo as formações profundas contra pressão ou abrasão mecânica, por esta razão, quando estas áreas são incididas, ocorre herniação do tecido adiposo por perda da pressão. A tela está organizada em três camadas (Fig. 16): superficial ou areolar ou panículo adiposo (rica em tecido adiposo, sendo o último depósito de gordura a ser queimado, com adipócitos acompanhando as linhas de fenda, aloja a musculatura sexual (por exemplo, o músculo dartus), dificultando a propagação de líquidos (formação de acúmulos tencionando as terminações nervosas: dor); média: fáscia superficial ou subcutânea, duas lâminas de tecido fibroso, variável conforme a região: espessa ou delgada, músculo cutâneo (entre as duas lâminas); e profunda: lamelar, pode conter tecido adiposo; permite a mobilidade da pele, na ausência a pele é fixa (face palmar e plantar dos membros), permite a propagação de líquidos (medicamentos)). BOLSAS SINOVIAIS Constituem lacunas presentes na tela subcutânea que se orientam paralelamente à superfície cutânea. Estas bolsas são delimitadas por uma cápsula de tecido conjuntivo, de aspecto liso e uniforme, cuja cavidade pode ser atravessada por trabéculas conjuntivas que permitem a travessia de feixes vásculo-nervosos de pequeno calibre. A presença das trabéculas pode ser devido ao desgaste imposto pelo atrito a que estão constantemente expostas. No interior das bolsas está presente um líquido semelhante à sinóvia. As bolsas (Fig. 17) estão localizadas junto às saliências ósseas ou cartilaginosas, representando estruturas anatômicas normais do indivíduo ou ocasionadas pela utilização ou, ainda, em decorrência de lesões ósseas (calo ósseo) e amputações. Em Fig. 16 Organização da tela subcutânea. FONTE: DONE SH. Atlas colorido de anatomia do cão e gato. Manole, São Paulo, 2002. Fig. 17 Bolsa (1) e bainha (2) sinoviais. FONTE: Banks WJ. Histologia Veterinária Aplicada. Manole, São Paulo, 2 ed, 1998. 1 2 Generalidades Constituintes Regiões Corporais 20 locais submetidos a grandes atritos ou forças mecânicas, as bolsas podem envolver estruturas anatômicas constituindo uma bainha sinovial, tal qual as observadas junto aos tendões flexores dos dígitos. Quando inflamadas constituem as bursites e o excesso de líquido no seu interior constituem os higromas. SINTOPIA GERAL DOS ÓRGÃOS Como referido anteriormente, os órgãos que constituem o corpo mantém uma relação estreita com os seus vizinhos próximos (sintopia). Este conceito de construção pode ser observado, mais atentamente, em cada sistema ou aparelho com as suas devidas peculiaridades, ou víscera a víscera individualmente. SINTOPIA ÓSSEA No sistema esquelético devem ser observadas, primeiramente, as relações que se estabelecem entre cada peça óssea, pontuando as diferentes formas de articulações que as comunicam. Em uma visão simplista podemos observar que cada osso apresenta peculiaridades articulares geradas a partir de sua forma anatômica, assim: ossos longos tendem a se articularem por suas extremidades, enquanto ossos planos ligam-se por suas margens e os ossos curtos por suas faces. Contudo, há de se pontuar exceções a essa regra, tal qual acontece entre o osso coxal que se articula por sua face lateral com o fêmur oua articulação entre os processos articulares das vértebras. Morfologicamente, existem dois tipos básicos de articulações: por continuidade e por contiguidade. O primeiro tipo congrega as articulações na qual os ossos se encontram unido por um tecido que varia entre conjuntivo fibroso ou cartilagem hialina ou fibrocartilagíneo que se interpõe entre eles. As articulações fibrosas podem ser sindesmoses (união por tecido fibroso entre ossos localizados a certa distância, como a que ocorre entre os processos espinhosos das vértebras pelo ligamento interespinhoso ou a que ocorre entre o corpo do rádio e a ulna pela membrana interóssea antebraquial) ou suturas (união que lembra os pontos realizados por uma máquina de costura). Estas duas formas de articulação fibrosa podem ser acometidos por um processo fisiológico de ossificação, denominado sinostose. As suturas (Fig. 18) incluem um grupo de junturas que se diferenciam conforme o encaixe das peças ósseas, sendo classificadas como: serrata ou serreada (margens ósseas constituem dentículos que se encaixam em zig-zag, como a que ocorre entre os ossos Fig. 18 Esquematização de uma sutura. FONTE: Sobotta J. Atlas de Anatomia Humana. Guanabara Koogan, Rio de janeiro, 23 ed, 2013. Generalidades Constituintes Regiões Corporais 21 lacrimal e zigomático); escamada ou escamosa (margens ósseas em forma de bisel, como a que ocorre entre o osso parietal e a porção escamosa do osso temporal); plana (margens lisas entre os ossos, como o observado entre os processos palatinos do osso maxilar); foleada ou folhosa (margens ósseas que se articulam como folhas de dois livros entremeadas, como a encontrada entre o osso frontal e nasal do suíno); esquindilese (um osso forma um canal onde outro osso se encaixa, sendo observada na união entre o osso etmoide, o septo nasal e a calha do vômer) e a gonfose (um osso se implanta em cunha sobre outro osso, como a implantação dos dentes nos alvéolos dentários dos ossos maxilar e mandíbula). As articulações cartilaginosas ou cartilagíneas ocorrem de duas formas: sincondrose (a cartilagem é do tipo hialina que se dispõe de maneira intraóssea, como observado entre o osso basoesfenóide e o pré-esfenóide, ou de maneira interóssea, como a encontrada entre as esternébras e as cartilagens costais das costelas esternais) e sínfise (o tecido interposto é do tipo fibrocartilagíneo, como a união entre as esternébras do esterno, as sínfises pélvica ou mentoniana). Nas articulações por contiguidade (Fig. 19) as superfícies articulares dos ossos são recobertas por cartilagem hialina (cartilagem articular) e encontram-se justapostas, permitindo que se estabeleça uma fenda ou cavidade articular. A cavidade articular é delimitada por uma cápsula de tecido conjuntivo denso externamente e pelo estrato sinovial internamente, que produz um líquido lubrificante e nutridor da articulação chamada sinóvia. Além da cápsula, existem cintas de tecido conjuntivo fibroelástico, que auxiliam na ligação dos ossos e na estabilização da articulação, que são os ligamentos, que podem ser capsulares (fazendo parte da parede externa da cápsula, como os ligamentos gleno-umerais da articulação do úmero), extracapsulares (externamente à parede da cápsula, ligamentos colaterais társicos longo e breve) e intracapsulares (interiormente à parede da cápsula e nem sempre ligados à ela, como os ligamentos cruzados da articulação fêmoro-tibial). Existem várias categorias de articulações por contiguidade ou sinoviais, estas podem ser simples (quando constituídas por dois ossos, por exemplo, articulação do úmero, deste osso com a escápula) ou compostas (mais de dois ossos, como a que ocorre entre o úmero, rádio e ulna na articulação cúbita); e congruentes (quando o encaixe entre as superfícies articulares é Fig. 19 Representação de uma articulação sinovial. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Epífise distal Cápsula articular: membrana sinovial Cápsula articular: membrana fibrosa Cavidade articular Sinovia Cartilagem articular Epífise proximal Ligamento extra-capsular Ligamento extra-capsular Generalidades Constituintes Regiões Corporais 22 perfeito) ou incongruentes (quando estruturas acessórias (lábio, orla, disco e menisco) estão presentes com a finalidade de permitir o encaixe perfeito entre as superfícies articulares). A forma da superfície articular permite que as articulações sejam classificadas como (Fig. 20): esferóide (segmentos menores que meia esfera, como o observado na articulação entre a cavidade glenóide da escápula e a cabeça do úmero ou segmentos maiores que meia esfera como a encontrada na articulação entre o acetábulo e seu lábio acetabular (cartilagem) do coxal e a cabeça do fêmur);condilar (segmento em forma de cilindro, como o observado na articulação entre os côndilos do fêmur e da tíbia); selar (superfície côncava se encaixa em outra convexa e vice-versa, como a que ocorre entre as falanges proximal e média); troclear (superfície representada por um segmento de cilindro escavado por sulco que se encaixa em uma crista, como na articulação entre a tróclea do úmero e a superfície articular do rádio ou a articulação entre o tálus com a extremidade distal da tíbia); trocóide (superfície em formato de pivô que se aloja em outro segmento escavado, articulação do processo odontóide do atlas com a cavidade articular do atlas); plana (superfícies lisas ou planas, como a articulação entre os processos articulares das vértebras) e elipsoide (superfície convexa e ovoide que se encaixa em outra côncava, como a articulação entre os côndilos do occipital e a cavidade articular do atlas). As articulações sinoviais permitem a realização de movimentos (Fig. 21) que podem ser realizados com o deslocamento dos ossos sobre seus eixos anatômicos, podendo ser: monoaxial (articulações que realizam deslocamento em um só eixo, como a articulação cúbita que permite apenas os movimentos de flexão e extensão) ou multiaxial (permitindo movimentos em todos os eixos, como a articulação coxal, que permite movimentos de flexão e extensão, abdução e adução e rotação). Fig. 20 Representação da classificação das articulações por contiguidade conforme a superfície articular. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Articulação plana Articulações condilares Articulações trocleares Articulação trocóide Articulação selar Articulação esferóide Articulação elipsóide Generalidades Constituintes Regiões Corporais 23 Fig. 21 A Movimentos dos membros ilustrado por fêmures caninos, 1 adução, 2 abdução, 3 circundação, 4 rotação medial, 5 rotação lateral. B Extremidade distal do membro torácico do equino, articulação cárpica flexionada (1) e extendida (2), articulação metacarpofalangeana flexionada (3) e extendida (4) e hiperestendida (5). FONTE: Dyce KM, Sack WO, WENSING CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Para que os ossos sejam utilizados na geração de movimentos, faz-se necessária uma relação sintópica com os músculos, que podem estar envolvendo quase totalmente os ossos, gerando uma situação axial em um segmento corpóreo (observada nos membros torácico e pélvico) ou de forma entremeada entre ambas às estruturas, como ocorre na parede do tórax. No corpo dos vertebrados há somente uma situação de músculo localizado de forma intraóssea, o músculo estapédio na orelha interna.Na geração de movimento, os músculos possuem pontos de fixação nos ossos, que são a origem (ponto fixo do músculo) e a inserção (ponto que permite o deslocamento da peça óssea), além de cruzarem sobre o eixo de movimento de uma ou mais de uma articulação, permitindo a variação de movimentos nas articulações. Contudo, alguns músculos se relacionam apenas com uma das extremidades ósseas (músculos cutâneos que se originam em ossos, mas inserem-se na pele). A camada de revestimento externo dos ossos (periósteo) serve de ancoradouro e como meio de relação destes com várias mucosas, como o observado nas cavidades oral e nasal ou nos seios paranasais. Ainda, vasos e nervos profundos deixam na superfície óssea impressões de sua passagem sobre os ossos (os sulcos vasculares dos vasos e nervos obturatórios na face pélvica do ílio), além de percorrerem sua intimidade formando canais ou túneis, como a artéria maxilar interna no canal alar ou o nervo mandibular no canal mandibular. Muitas das vísceras possuem uma relação de vizinhança com o esqueleto, em qualquer segmento do tubo esplâncnico, estando separados por camadas de diferentes tecidos que variam em número e espessura. Além disso, podem-se utilizar os ossos do corpo para determinar a localização de uma víscera aplicando o conceito da esqueletopia. Saliências ósseas são observadas na pele em diversas regiões do corpo, sendo interpostas de forma indireta por incluir a fáscia muscular e a tela subcutânea. Todas as relações entre os ossos e os demais componentes do corpo, que ocorrem de forma mediata ou imediata, servem de subsídios para o entendimento da propagação de alguns processos patológicos dos ossos para os tecidos circunjascentes e explicam as lesões observadas em decorrência de fraturas ósseas em vasos, nervos e outros órgãos. A B Generalidades Constituintes Regiões Corporais 24 SINTOPIA MUSCULAR Os músculos desempenham múltiplas funções no organismo, gerando movimento e locomoção, mantendo a postura corporal, auxiliando na mecânica respiratória e protegendo os órgãos internos. Funcionalmente e histológicamente são observados três tipos musculares: estriado esquelético, estriado cardíaco e liso (para maiores detalhes consulte bibliografia de histologia veterinária). Funcionalmente, os músculos esqueléticos são voluntários, enquanto que os músculos liso e cardíaco são involuntários. Os músculos esqueléticos são responsáveis pela maior parte das funções supracitadas, apresentando macroscopicamente as seguintes porções: ventre (responsável pela contratilidade, sendo também chamado de porção carnosa), tendão (constituído de tecido conjuntivo denso modelado, possuindo um formato cilíndrico ou de cordão, responsável pela transmissão de força no movimento), aponeurose (também constituído de tecido conjuntivo, porém fibroso e com formato de fita ou lâmina) e fáscia (tecido conjuntivo que individualiza cada músculo, mantém a organização e permite o deslizamento sem atrito entre os ventres muscula res, Fig. 22). No interior do ventre encontram-se o epi mísio (camada de tecido conjuntivo que divide o ventre em fascículos), perimísio (divide os fascículos em feixes de fibras) e endomísio (recobre cada fibra muscular). O ventre muscular é constituído por células denominadas fibras musculares que possuem proteínas contráteis (actina, miosina, troponina e tropomiosina) que são ativadas por terminações nervosas constituindo a placa motora, cuja força de contração é variável entre os diferentes tipos de músculos (para maiores detalhes consulte bibliografia de histologia e fisiologia veterinária). Os músculos esqueléticos são classificados e nomeados conforme a disposição das fibras musculares (paralelos: fusiformes, largos e longos; ou oblíquos: penados, bipenados e multipenados), o número de origens (bíceps, tríceps e quadríceps) ou ventres (gástrico e digástrico), quanto à função (flexor, extensor, adutor, abdutor, supinador, pronador, constritor, esfintérico e cutâneo) ou pelo papel desempenhado na geração de um movimento (agonista, antagonista e sinergista), Fig. 23. A relação dos músculos com os ossos ocorre por meio dos pontos de fixação (origem e inserção), no entanto a maioria dos músculos encontra-se, apenas, justaposto às articulações, cobrindo-as em maior ou menor extensão. Entretanto, alguns músculos fixam- se a superfície externa de uma articulação (músculo semimembranoso) ou penetram em uma articulação por meio de seu tendão, sendo revestido pela cápsula articular, mas mantendo-se externamente à cavidade articular (músculo bíceps braquial na articulação do úmero). Os músculos realizam relações recíprocas entre eles, relacionando-se por sobreposição de camadas constituídas por um único músculo largo ou por vários músculos longos justapostos. Na disposição em camadas, os músculos longos localizam-se mais Fig. 22 Representação das porções de um músculo esquelético Generalidades Constituintes Regiões Corporais 25 superficialmente e, muitas vezes, não realizam contato com o esqueleto e recobrem um segmento corporal inteiro como um músculo livre (músculos bíceps braquial e sartório). Fig. 23 Representação da classificação dos músculos esqueléticos conforme o arranjo das fibras musculares. FONTE: König HE, Liebich HJ. Anatomia dos Animais Domésticos. Artmed, Porto Alegre, 4 ed, 2011. Os músculos organizam-se em grupos que desempenham funções próprias sinérgicas ou antagônicas (flexores e extensores), fazendo com que a posição de repouso de um músculo ou grupo seja dada quando seu antagonista está alongado além do estado de equilíbrio. Nos casos de paralisia de um grupo muscular, o grupo antagônico faz uma ação compensatória retraindo até a sua posição de repouso, sendo fixado por seu tecido conjuntivo e resultando em uma atitude viciosa e permanente do segmento afetado. Ainda, os músculos podem estar alojados em compartimentos (ou lojas) oriundos da subdivisão do espaço subfascial, que podem ser fechados por septos intermusculares que se estendem do esqueleto à face profunda da fáscia muscular. Esta relação entre os compartimentos e as fáscias musculares forma espaços, algumas vezes virtuais, entre os músculos que são preenchidos por tecido conjuntivo frouxo, permitindo o deslizamento de um músculo sobre o outro sem atrito durante sua contração. A ausência deste tecido intermuscular resulta em distúrbios mecânicos relacionados a processos patológicos. Alguns músculos relacionam-se intimamente com mucosas (músculo bucinador) ou com serosas (diafragma). Os interstícios musculares constituem vias vásculo-nervosas profundas, fazendo com que os músculos próximos sirvam de referência para estas estruturas (músculo extensor radial do carpo acompanha a artéria radial, servindo de guia para a pesquisa deste vaso). Ainda, esta íntima relação faz com que a atividade muscular influencie a hemodinâmica vascular, visto que o epimísio e o perimísio emitem expansões fibrosas ou carnosas que penetram a adventícia das artérias e veias próximas. Assim, no momento da contração muscular, os músculos exercem tração sobre os vasos favorecendo a vasodilatação e a circulação regional. Algumas regiões corporais apresentam túneis Músculo reto com múltiplos ventres Músculo largo com aponeurose Músculo esfinctérico Músculo orbicular Músculo digástrico Músculo biceps Músculo uma cabeça Músculo multipenado Músculo bipenado Músculos fusiformes Generalidades Constituintes Regiões Corporais 26 fibrosos formados por expansões das fáscias musculares que permitem a passagem de vasos, fazendo com que no momento da contração oudo movimento ocorra o deslocamento do túnel e dos vasos. Este mecanismo promove a acomodação dos vasos às condições topográficas regionais, protegendo contra pressões desfavoráveis ou rompimento por abrasão. Estes túneis também protegem os nervos contra abrasão ou de lesões ocasionadas por contrações repetidas durante o exercício ou locomoção. Certos vasos sanguíneos podem sofrer compressão na travessia de alguns músculos, como por exemplo, a passagem da veia cava caudal pelo diafragma. O forame para esta veia localiza-se no centro tendinoso do diafragma, sendo comprimido durante cada ciclo de contração deste músculo. Isto é propiciado pelo arranjo das fibras musculares que formam um conjunto de feixes digástricos no ventre do músculo, que culminan no centro frênico ou tendíneo. Ao se contraírem as fibras musculares promovem o estreitamento do forame da veia cava caudal comprimindo a veia. Na sintopia dos músculos com as vísceras são observados músculos esqueléticos que participam da constituição de certas vísceras (musculatura extrínseca da laringe) e músculos que servem de passagem para vísceras (diafragma que é transpassado pelo esôfago e os músculos esfíncter anal externo e coccígeo que permitem a passagem do canal anal e vias urinárias e genitais, constituindo o diafragma pélvico). Outros músculos esqueléticos possuem relação direta com a pele (musculatura cutânea), prendendo-se profundamente na derme que é movimentada durante sua contração. SINTOPIA VÁSCULO-NERVOSA Artérias e veias apresentam um padrão básico de construção, constiutídas por uma túnicas íntima (endotélio e camada subendotelial), média (músculo liso e fibras elásticas) e adventícia (tecido conjuntivo frouxo) (Fig. 24). Estes elementos variam conforme o calibre ou a funcionalidade dos vasos (para maiores detalhes consulte bibliografia de histologia veterinária). Anatomicamente, podem-se distinguir as artérias por apresentarem coloração esbranqui çada, formato cilíndrico regular e atividade pulsátil, enquanto que as veias possuem paredes mais delgadas e semitrans parentes e fluxo passivo. Ainda, as artérias distribuem-se no corpo dividindo-se e diminuindo seu calibre até atingirem o nível microscópico, enquanto que as veias partem do nível microscópico e unem-se constituindo tributárias até atingirem grandes calibres. As junções entre artérias ou entre veias constituem as anastomoses. Fig. 24 Representação da constituição da parede dos vasos sanguíneos. Generalidades Constituintes Regiões Corporais 27 Os nervos são cordões esbranquiçados constituídos por feixes de fibras nervosas reforçadas por tecido conjuntivo (epineuro: mantém os fascículos unidos por tecido conjuntivo frouxo, permitindo certa mobilidade ao nervo; perineuro: membrana fina mais densa, bastante vascularizada, rígida e forte, de tecido conjuntivo que rodeia cada fascículo; e endoneuro: camada mais interna e delicada de tecido conjuntivo, distensível, vascularizada e com função protetora às alterações pressóricas) que unem o sistema nervoso central (SNC) aos órgãos periféricos (Fig. 25). Os nervos podem ser espinhais ou cranianos, conforme sua conexão com o SNC, possuindo fibras nervosas sensoriais, motoras e autonômicas, as quais cada feixe nervoso contém tanto componentes aferentes quanto eferentes. Os nervos formam anastomoses constituindo plexos, cujas lesões resultam em danos parciais ou permanentes ocasionando perda de flexão ou extensão voluntária de uma ou mais articulações; incapacidade de sustentar o peso; perda de reflexos espinhais do membro; atrofia de músculos e perda de propriocepção consciente no membro (para maiores detalhes consulte bibliografia de histologia e neurologia veterinária). Fig 25 Representação esquemática da estrutura do nervo. Geralmente, os troncos arteriais profundos relacionam-se com as faces flexoras das articulações e sofrem modificações na sua topografia inerentes aos movimentos articulares. Já os troncos nervosos podem relacionar-se com qualquer face de uma articulação, facilitando o afrouxamento do nervo após uma neurorrafia (o nervo mediano passa sobre a face flexora da articulação cúbita, sendo necessário manter esta flexionada para afrouxar o nervo, enquanto que a posição extensionada é necessária para o afrouxamento do nervo ulnar). O tronco arterial principal está localizado no tecido subseroso do tubo esplâncnico, onde divide-se em artérias profundas que deslocam-se pelo tecido frouxo até alcançarem o espaço intermuscular deste e do tubo neural, bem como das extremidades. No seu trajeto cada artéria, geralmente, é acompanhada por duas veias, com algumas exceções (no pênis ocorrem duas artérias para uma veia). As veias são acompanhadas de grandes coletores linfáticos, que por sua vez são interpostos por linfonodos ou por nódulos hematolinfáticos e hemais (ponto de formação da veia cava caudal em ruminantes). Os nervos profundos acompanham os vasos, sendo todos envoltos Endoneuro Fascículo nervoso Epineuro Fibra nervosa Generalidades Constituintes Regiões Corporais 28 por uma bainha comum constituindo um feixe vásculo-nervoso (por exemplo, a bainha carotídea formada pela artéria carótida comum, veia jugular interna e nervo vago). No entanto, alguns nervos profundos possuem trajeto independente dos vasos. Os nervos simpáticos relacionam-se com os vasos constituindo plexos periarteriais que acompanham a divisão arterial. Os nervos e vasos localizados no crânio e região cervical partem diretamente do canal vertebral ou forames cranianos para o espaço intermuscular. Todos os vasos e nervos ao penetrarem nos espaços intermusculares ramificam-se intensamente em ramos colaterais para músculos, ossos e articulações e em ramos do plexo subcutâneo, onde os nervos são mais superficiais que os vasos por constituírem as terminações nervosas sensoriais (para maiores detalhes consulte bibliografia de histologia e neurologia veterinária). Os feixes vásculo-nervosos acompanham o tecido subseroso que envolve as vísceras até alcançá-las, enquanto que nas vísceras envoltas por serosa (pleura ou peritônio) estes deslocam-se acompanhando as pregas (omentos, mesos e ligamentos) que se formam nestas membranas. Os feixes vásculo-nervosos penetram nas vísceras por meio do hilo (fissura ou depressão numa víscera, especialmente no baço, pulmão, rim ou ovário, pela qual entram e saem os elementos vasculares, nervosos e linfáticos) ou por toda superfície do órgão (útero, coração e glândula tireóide). A presença de hilo é um facilitador na realização de algumas abordagens cirúrgicas. Já os feixes vásculo-nervosos destinados ao neuro-eixo penetram o tubo dorsal por meio dos forames intervertebrais ou dos orifícios da base do crânio, cruzando as meninges e os espaços meníngeos para atingirem a pia- máter, onde formam redes mais ou menos densas que originam ramos que se aprofundam no tecido nervoso. SINTOPIA DO NEURO-EIXO O neuro-eixo (encéfalo: cérebro, cerebelo e tronco encefálico (mesencéfalo, ponte e bulbo ou medula oblonga); e medula espinal) encontra-se no tubo dorsal do tronco (paquímero dorsal ou neural, Fig. 6), preenchendo-o incompletamente. Este é separado das demais estruturas do tubo por lâminas de tecido conjuntivo denso, que iniciam no periósteo do canal vertebral ou craniano e continuam-se na paqui meninge (dura-máter) e leptome ninge (aracnoide e pia-máter). Fig. 26 Organização das meninges e espaços meníngeos na medula espinal. FONTE: Drake RL, Vogl AW, Mitchell AWM. Gray's Anatomy for Students: With STUDENT CONSULT Online Access. Elsevier, New
Compartilhar