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Universidade Federal do Ceará – UFC Rafael Ferreira de Oliveira Ciências econômicas 2018.2 – Noite Disciplina: economia brasileira contemporânea Professor Doutor Jair do Amaral A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana 1889–1989. Rio de Janeiro: Campos, 1990. Capítulo XI – Crise e esperança: 1974–1980 1. Introdução No período imediatamente anterior ao primeiro choque do petróleo, a economia mundial experimentava um pujante crescimento econômico, puxado pela intensificação do comércio internacional, sendo este último financiado principalmente pelo mercado de eurodólares. Tal crescimento também era ancorado numa convivência complacente das economias com a inflação. A economia brasileira ia pelo mesmo caminho, abarrotada de capitais estrangeiros, que alimentou em pleno 1973 a primeira valorização nominal do cruzeiro. Tal cenário reforçava o superaquecimento da economia brasileira, que foi herdado do Governo anterior. As consequências do choque de 1973 foram subestimadas pelas autoridades brasileiras, propositadamente ou não. Esse fato denotou o último suspiro de uma conjuntura festiva de bonança econômica, que se encaminharia para o encerramento da Ditadura Militar no Brasil, em meados dos anos 1980. 2. Condicionantes externos e internos da política econômica A condução da política econômica foi marcada pela conjuntura de abertura política, que deveria ser conduzida com excessiva minúcia. A política econômica de Geisel pode ser dividida em duas frentes, o ajuste de curto prazo e a política de crescimento de longo prazo. O ajuste de estabilização era de difícil conciliação com uma política de crescimento, na medida em que implicaria restrições a esse, que deveria ser possibilitado impreterivelmente, como uma forma de legitimação à abertura política. Outro fato marcante foi o desconhecimento do processo de ruptura que ocorria no plano mundial, decorrente da crise do petróleo, que levaria a dificuldades no financiamento do crescimento econômico. Tal crescimento se sobrepôs à política de estabilização de curto prazo, muito em função da aceitação de taxas elevadas de inflação como reflexo do otimismo associado à indexação, e também por conta da confiança na contratação de financiamento externo, devido à liquidez internacional elevada nos anos imediatamente anteriores ao choque externo. 3. Opções para o ajuste de curto prazo e as causas do fracasso A condução da política econômica de curto prazo em 1974 foi marcada por quatro episódios: o afrouxamento do controle de preços, a oficialização de uma regra para a correção monetária, a intervenção no grupo financeiro Halles e a revisão da Lei Salarial. A retirada dos controles de preços provocou um forte aumento das taxas mensais de inflação, o que aumentou a incerteza em relação às expectativas de inflação. Para conter essa incerteza, foi oficializada uma regra de correção monetária, o que deu mais clareza aos agentes. Impossibilitada de combater a inflação através do controle de preços relativos, foi mais comumente utilizado um controle da liquidez real. Porém, com as taxas de juros sob controle, foi possível ao Ministério da Fazenda apenas regular a oferta de crédito. Com isso, apesar de a perda de reservas internacionais (decorrente do encarecimento da importação e do reflexo disso no balanço de pagamentos) favorecer uma restrição monetária, isso não ocorreu devido ao aumento de liquidez aos bancos comerciais pelo Banco Central, a fim de evitar efeitos em cadeia decorrentes da quebra do Banco Halles, quarto maior banco comercial do país na época. Por último, um outro complicador político foi a nova lei de correção salarial, aprovada em outubro de 1974, que garantia uma correção maior do salário nominal do assalariado, o que acarretava uma pressão inflacionária extra. Além dos fatores falados, ocorria também, no interior do Governo, forte insatisfação de alguns órgãos quanta a políticas de estabilização mais contundentes, que implicariam inevitavelmente em alguma recessão. Já em 1975, a política de curto prazo foi marcada por três fatos: a crise financeira, a queda das exportações e a aprovação do II PND. A visão de que a contração monetária foi a causa da desaceleração econômica de 1974, fez com que a pressão sobre o Governo para um afrouxamento na política monetária aumentasse. Somado a isso, o governo teve de socorrer certas instituições financeiras, devido à corrida destas como reação à uma correção monetária abaixo da expectativa do mercado. Além disso, a deterioração das contas externas fez com que o endividamento externo crescesse substancialmente. Ficou assim praticamente selada a dominação da política de crescimento sobre o ajuste de curto prazo, o que significava na prática uma tolerância a taxas mais altas de inflação. A aprovação do II PND consolidou a subordinação dos objetivos de estabilização às metas de crescimento de longo prazo. O ano 1976 se iniciou novamente com insatisfação da presidência com as elevadas taxas de inflação. Porém, na prática, ocorreu novamente expansão dos meios de pagamento, através principalmente da relevante expansão dos empréstimos concedidos ao setor privado. A repressão dos preços públicos também contribuiu na transferência de renda ao setor privado. Sem dúvida isso levou à um crescimento muito forte da demanda, que estava em parte reprimida, devido às políticas recessivas de 1974. Nesse cenário, o crescimento foi recuperado vigorosamente nesse ano, alcançando a marca de 9,8%. Já para 1977, as autoridades econômicas viam a necessidade de desacelerar a economia. Nesse ano, adotou-se uma política monetária restritiva, com desaceleração dos meios de pagamento e dos empréstimos ao setor privado, além da fixação de uma taxa de juros básica positiva em termos reais pela primeira vez desde 1971. Passou a ocupar o centro do meio político a sucessão presidencial. Em função disso, encurtava-se o espaço político para mais uma dose de política anti-inflacionária. A política econômica de curto prazo de 1978, à serviço do processo de distensão, privilegia a acumulação de reservas em decorrência de um saldo de US$ 3,9 bilhões. Entretanto, a necessidade de importação de alimentos no valor de US$ 1 bilhão, decorrente de uma seca no Centro-sul, prejudicou o custo de vida urbano e deteriorou a balança comercial. Apesar da restrição aos preços públicos, a inflação recrudesceu, o que condicionou um novo round de política econômica restritiva ao próximo Governo. Já em 1979, com a posse do presidente Figueiredo, foi feita nova tentativa de ajuste fiscal, com base no corte de investimentos não prioritários, visando a melhoria do balanço de pagamentos e o controle do processo de endividamento externo. Essa tentativa, baseada num forte corte dos investimentos públicos e maior coerência entre políticas fiscal e monetária, era vista de maneira otimista devido à reunião numa só pasta (Seplan) de todos os instrumentos de políticas econômica. Entretanto, a realidade se impôs mais uma vez. Pressões de outros setores no seio do Governo fizeram com que essa tentativa durasse apenas até agosto, a partir do qual inicia-se uma última tentativa de retomada de um pujante crescimento econômico ignorando as dificuldades externas, decorrentes do segundo choque do petróleo. Tal iniciativa durou até outubro de 1980, e teve as seguintes medidas: controle dos juros, maior indexação dos salários, depois disso desvalorização cambial com correção monetária pré-fixada e a tentativa de manipular as expectativas inflacionárias durante a maior parte de 1980. A incapacidade de fazer com que os banqueiros internacionais financiassemesse experimento causou uma rápida perda de reservas, enquanto o rápido crescimento do consumo alimentou a explosão do balanço de pagamentos e acarretou a reversão da política macroeconômica no final dos anos 1980. 4. A natureza do ajuste de longo prazo: o crescimento com endividamento O forte crescimento observado nesse período se apoiou fortemente no endividamento externo, agravado pela alta das taxas de juros internacionais. Para ajustar a estrutura econômica à escassez do petróleo, investiu-se mais pesadamente nas indústrias básicas, com destaque para os bens de capital, e em eletrônica pesada, assim como em insumos básicos, para substituir importações e, se possível, aumentar as exportações desses insumos. No setor energético, acelerou-se os investimentos na prospecção de petróleo e buscou-se elevar a capacidade de geração de energia hidrelétrica. A utilização da elevação de tarifas às importações ao invés de desvalorização cambial se deveu ao fato desta última ser mais dirigida, e também porque assim, poder- se-ia retirar seletivamente as barreiras com fins específicos de política econômica. Rapidamente, essas medidas obtiveram êxito, ao reduzir fortemente o coeficiente de importações da economia. Entretanto, mesmo com esse relativo sucesso, a melhora da balança comercial não foi suficiente para fazer cair o déficit em conta corrente com a rapidez que era esperada. Ainda que a taxa de juros tivesse se elevado fortemente nesse período, essa só vai adquirir importância elevada a partir de 1979, sendo então a desaceleração do comércio mundial o principal fator de deterioração do balanço de pagamentos. Os principais instrumentos da política industrial no Governo Geisel (direcionada para os setores já referidos) foram: o crédito do IPI sobre a compra de equipamentos, a depreciação acelerada para equipamentos nacionais, as isenções do imposto de importação, o crédito subsidiado e formas razoavelmente explícitas de reserva de mercado para os novos empreendimentos, bem como garantia de política de preços compatível com as prioridades da política industrial. Seus órgãos de implementação eram o CDI, o BNDE, o CPA, a Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil e o Conselho Interministerial de Preços. Os resultados dessa política são, de modo geral, considerados favoráveis. A reestruturação da oferta foi alcançada, reduzindo substancialmente o peso das importações no produto, principalmente naqueles setores que receberam o foco da política. A diferença fundamental dessa política para as experiências anteriores de processo de substituição de importações é que foi possível manter também o crescimento das exportações, inclusive daqueles produtos que receberam os incentivos. 5. Resultados e suas consequências Realizou-se nos meses iniciais do período Figueiredo a tentativa de completar as medidas de estabilização e de compatibilização do programa de investimentos do II PND com as dificuldades de refinanciamento da dívida externa, tendo em vista a elevação das taxas de juros internacionais. Os esforços iniciais se concentraram na redução do déficit público. Entretanto, anos de repressão de preços e de tarifas públicas, concessão excessiva de incentivos fiscais, entre outros condicionantes não poderiam ser contornados facilmente. Outra consequência foi a intensificação do processo de desmonetização da economia, na esteira das inovações financeiras iniciadas na década de 1960. Esse processo contribuiu para o aumento da dívida pública interna durante a década 1970, e também ajuda a explicar porque há relativa estabilização da base monetária relativa durante esse período. A deterioração das finanças públicas se deu em duas frentes: por um lado o Governo utilizava excessivamente de renúncias fiscais como estímulo econômico, por outro aumentava seus gastos com investimentos, o que reduzia sua poupança e/ou piorava sua posição internacional como devedor. Outro fracasso de extrema relevância de tal política foi a não racionalização do consumo de energia, haja vista que havia exacerbado estímulo ao consumo além das necessidades do país. Os erros de avaliação determinantes foram o tempo estimado para a reestruturação da oferta e a não consideração da elevação das taxas de juros internacionais, que passaram a onerar fortemente o serviço da dívida externa brasileira. Além disso, as isenções exageradas foram financiadas pelo aumento da dívida interna, deteriorando ainda mais fortemente as contas públicas.
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