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WILSON ENGELMANN Mestre em Direito Público e Especialista em Direito Político pela Unisinos. Professor de Introdução ao Direito na Unisinos, São Leopoldo, e na Feevale, Novo Hamburgo. Advogado C R ÍTIC A AO PO S ITIV IS M O JU R ÍD IC O P R IN C ÍP IO S , REG RAS E O CO N C EITO D E D IR E IT O Sergio Antonio Fabris Editor Porto Alegre / 2001 © Wilson Engelmann Diagramação: Formato Artes Gráficas Reservados todos os direitos de publicação, total ou parcial, a SERGIO A N TO N IO FABRIS ED ITO R Rua Riachuelo, 1238 Fones (0xx51)3227-5435 (Geral) - 08000-516118 CEP 90010-273 - Porto Alegre-RS Rua Santo Amaro, 345 - Bela Vista Fones (O x x ll) 3101-5383/3101-7039-0800-7712421 CEP 01315-001 - São Paulo - SP SUMARIO A P R E S E N T A Ç Ã O ........................................................................... 7 IN T R O D U Ç Ã O ................................................................................. 9 P R IM E IR A P A R T E - O P O S IT IV IS M O J U R ÍD IC O ................... 15 1 A contribuição de Thomas Hobbes.............................................. 17 1.1 O estado de natureza: direito natural x lei natural................ 17 1.2 0 Estado c iv il.......................................................................... 23 1.3 A influência do pensamento de Thomas Hobbes para a construção do positivismo ju ríd ic o ....................................... 35 2 A caracterização do Positivismo Jurídico.................................... 41 2.1 Hans Kelsen............................................................................... 42 2.1.1 A concepção de Ciência do D ire ito ............................... 42 2.1.2 A norma ju r íd ic a .......................................................... 50 2.1.3 A norma fundam ental................................................... 52 2.1.4 O D ireito e a sua interpretação.................................. 57 2.2 Herbert H a rt............................................................................. 60 2.2.1 A regra sob os pontos de vista interno e externo....... 62 2.2.2 As regras prim árias e as regras secundárias................. 63 2.2.3 A regra de reconhecimento.......................................... 66 2.2.4 A "zona de penumbra ” e poder discricionário ju d ic ia l........................................................................... 70 2.3 Norberto B o b b io ..................................................................... 72 2.3.1 Algumas idéias sobre a proposta de Norberto Bobbio.... 72 2.3.2 A unidade de ordenamento ju ríd ic o ............................ 75 2.3.3 A coerência e a completude como características do ordenamento ju ríd ic o .............................................. 78 2.4 Considerações sobre o conceito positivista de Direito......... 82 S E G U N D A P A R T E - OS PR IN CÍPIO S E O P O S IT IV IS M O J U R ÍD IC O ..................................................... 85 1 Os Princípios.................................................................................. 87 1.1 Os princípios e o Direito Romano......................................... 87 1.2 Os princípios e a sua caracterização..................................... 91 1.2.1 Considerações gerais................................................... 91 1.2.2 A definição dos princípios............................................ 92 1.2.3 Características dos p rin c íp io s .................................... 96 1.2.4 As categorias de princíp ios .......................................... 97 1.2.4.1 As classificações sugeridas pela doutrina....... 97 1.2.4.2 Uma proposta de classificação dos princípios. 102 1.2.5 Normas, regras e princípios: relações e diferenciações.. 104 1.2.5.1 A proposta de Josef Esser................................ 104 1.2.5.2 A proposta de Ronald D w orkin ....................... 107 1.2.5.3 A proposta de Luis D íez-Picazo...................... 108 1.2.5.4 A proposta de Robert A le x y ............................ 108 1.2.5.5 A proposta de Juan Antonio Martínez Munoz. 110 1.2.5.6 A proposta de Humberto Bergmann Á v ila ..... 112 1.2.5.7 A proposta de Aulis A a m io ............................. 113 1.2.6 As funções dos princípios............................................. 119 1.2.6.1 A função sistematizadora do D ire ito ............... 119 1.2.6.2 A função hermenêutica..................................... 120 1.2.6.3 A função argumentativa dos princípios.......... 124 1.2.7 C onflito de regras e colisões de princíp ios................. 125 1.2.8 C onflito de regras e colisões de princípios: os “casos difíceis” .............................................................. 131 2 A inadequação do Modelo Positivista.......................................... 141 Conclusão.......................................................................................... 161 Bibliografia........................................................................................ 169 APRESENTAÇÃO O trabalho aqui apresentado, originalmente uma dissertação de mestrado elaborada sob minha orientação no Programa de Pós-Gra duação da Unisinos, representa uma contribuição para as discussões em tomo de um problema central da teoria do direito contemporânea, a saber, a questão dos princípios jurídicos. Os princípios passaram a ocupar o centro dos debates jusfilosófi- cos por uma razão de ordem histórica e filosófica. Historicamente, os princípios adquirem relevância no século X X por dois motivos: um retomo da razão prática no direito, propondo-se modelos de raciocínio jurídico que sejam permeáveis à influência da moral, fenômeno que surge como uma reação ao relativismo axio- lógico e o niilism o que precederam (e favoreceram) o advento do tota litarismo. Nesta “revanche da razão prática” , os modelos de raciocínio jurídico (tópica, teoria da argumentação, etc.), reservam-se aos prin cípios um papel central. E m segundo lugar, as constituições do pós- guerra, para acomodar as divergências ideológicas no seio da socie dade, utilizaram a estratégia de configurar as normas constitucionais como princípios, “que, estando acima dos interesses particulares, per mitem a convivência de todos.” 1 De fato, no direito constitucional 1 Gustavo Zagrebelsky. E l derecho dúctil. Madri: Trotta, 1997. 7 contemporâneo, é importante observar que, “se o direito atual está composto de regras e princípios, cabe obervar que as normas legis lativas são prevalentemente regras, enquanto que as normas constitu cionais sobre direitos e sobre a justiça são prevalentemente princípios. Por isso, distinguir os princípios das regras, significa, em geral, dis- tingüir a Constituição da lei.”2 Neste contexto, um modelo de pensamento jurídico que concebe o direito como um sistema de regras, determináveis por meio do con ceito de validade, como é o caso do positivismo, obviamente se mos trará inadequado para dar conta da experiência jurídica. É exatamente a análise minuciosa desta inadequação que forma o ceme do trabalho de W ilson Engelmann. Na primeira parte, histórica, a análise parte de Hobbes e avança até os positivistas contemporâneos como Kelsen, Hart e Bobbio. Na Segunda parte, de caráter sistemático, o autor faz uma revisão das principais teorias sobre os princípios jurídicos, propondo uma classificação dos mesmos, além de investigar as funções dos princí pios como sistematizadores da experiência jurídica, pautas hermenêu ticas da aplicação do direito e a contribuição de Dworkin e Alexy para a questão da “colisão dos princípios” . Luís Fernando Barzotto Professor do PPGD/Unisinos 2Idem, p. 110. 8 INTRODUÇÃO Na estrutura do raciocínio jurídico, mesmo que de forma indireta, estão presentes os princípios gerais do direito. Tomando-se tal aspecto co mo ponto de partida, surge a proposta do presente livro, cuja temática é in vestigar o modo como os princípios ingressam no conceito de Direito, ao lado das regras, desenvolvendo uma crítica ao positivismo jurídico. Busca-se, inicialmente, caracterizar o positivismo jurídico, a par tir das idéias de Thomas Hobbes, Hans Kelsen, Herbert Hart e Nor- berto Bobbio. Entretanto, o trabalho não tem o intuito de estudar esses autores, mas apenas abordar as suas contribuições para o delineamento do modelo positivista. Além disso, o trabalho apresenta uma contextualização dos prin cípios através da ênfase em seus diversos aspectos conceituais, carac terísticas, classificações e a sua relação/distinção com as regras. Com tal demarcação, os princípios e as regras serão catalogados como espé cies do gênero norma. O livro não visa estudar nenhum exemplo específico de princí pio, mas objetiva lançar as bases de uma perspectiva teórica geral so bre os mesmos. Com isso, não será priorizado nenhum autor, sendo objeto de estudo os principais autores contemporâneos que se dedicam ao tema, escolhidos sem a pretensão de exaurir as possibilidades. Através desta linha de idéias, busca-se demonstrar a postura que o positivismo jurídico assume frente aos princípios, bem como su- 9 blinhar a necessidade de sua consideração na construção do conceito de Direito. Haja vista que, para o positivismo jurídico, o Direito é ape nas um sistema de regras que produz um raciocínio jurídico calcado nos modelos subsuntivo e discricionário. O modelo subsuntivo, de cunho eminentemente lógico-dedutivo, busca extrair da regra, através do seu confronto com um fato concreto, as conseqüências jurídicas, quando cabíveis, previamente dadas. Já o modelo discricionário é re conhecido pelo positivismo jurídico, a partir do momento em que a situação da vida não está respaldada pela regra ou, quando permite a escolha da forma de aplicação da mesma, dentre várias possibilidades. Neste caso, o intérprete/aplicador “dimensiona” as conseqüências ju rí dicas que serão aceitas, fundadas, na maioria dos casos, em consta tações subjetivas. Assim, com a introdução do conceito de princípios, o Direito passa a ser visto como um sistema de regras e princípios, aspecto que acaba gerando um novo modelo de raciocínio jurídico. Este modelo dos princípios - que é simultaneamente uma con cepção de Direito e de raciocínio jurídico - precisa ser explorado, em decorrência da rápida transformação das relações sociais que exigirão um novo perfil do Direito. Conseqüentemente, é preciso buscar outras possibilidades jurídicas, situadas um pouco além dos contornos de finidos pela regra jurídica. Desta feita, os princípios apresentam-se co mo uma possibilidade a ser considerada pelo mundo jurídico, nota- damente pelo Poder Judiciário. Haja vista que a subsunção do fato à norma, como preconiza o positivismo jurídico, precisa abrir espaço para os reflexos jurídicos irradiados pelos princípios, para que se possa conhecer o seu caráter normativo. Neste particular, reside a importância do trabalho, uma vez que se busca sublinhar os aspectos gerais dos princípios a serem con trapostos aos postulados do positivismo jurídico. Através deste inter câmbio, mediante a valorização das características peculiares da situa ção concreta, demonstrada por alguns casos práticos, formula-se a necessidade de uma (re)valorização dos princípios, que são um ele mento do raciocínio jurídico, dentro de um novo conceito de Direito. Tal desafio é desenhado como uma possibilidade de conferir ao mes mo a necessária maleabilidade para enfrentar os novos contornos de finidos na sociedade. 10 Para a demonstração do entendimento de “positivism o juríd ico” a ser empregado no presente trabalho, devem ser observadas algumas idéias lançadas por Norberto Bobbio e M a x Weber. Em Norberto Bobbio3 encontram-se sete pontos fundamentais que servem para caracterizar o positivismo jurídico. Assim, inicial mente, o positivismo jurídico é relacionado a uma forma específica de abordagem sobre o direito, que é visto como um conjunto de fatos produzidos pela sociedade. O segundo ponto está circunscrito à “definição do direito” , onde prepondera o elemento coercitivo, ou seja, o direito se faz respeitar através da possibilidade do emprego da força. U m outro aspecto encontra-se vinculado ao estudo das fontes do direito, com grande preponderância à lei. Outro ponto a ser conside rado é a questão relativa à teoria da norma jurídica, catalogada como um comando ou uma ordem, dando margem ao nascimento da cha mada “teoria im perativista do direito". O autor aponta, ainda, a cha mada “teoria do ordenamento ju ríd ico", como uma outra maneira de encarar o estudo do positivismo jurídico. Neste particular, é enfatizada a coerência e a completude do ordenamento jurídico. A lém disso, por outro ângulo, o positivismo jurídico preconiza um método específico para a tarefa interpretativa, onde o viés criativo do ju iz é cerceado, mediante a substituição por uma intervenção meramente declaratória do direito. Por fim , uma sétima forma de verificar as características do positivismo jurídico, encontra-se relacionada à ideologia do direito, enquanto necessidade de obediência à lei. A característica que melhor retrata as diversas possibilidades de definir o positivismo jurídico está “ representada pelo fa to de que as mesmas procuram estabelecer o que é o direito prescindindo de seu conteúdo, vale dizer, da m atéria por este regulada"4. Sob este ângulo, nasce o chamado “formalismo jurídico” que é priorizado pelos autores escolhidos para a especificação do positivismo jurídico (Kelsen, Hart e Bobbio). O “formalismo jurídico” toma por refêrencia apenas o modo “como” o direito se produz, sem considerar o seu conteúdo5, ou, 3 Bobbio, Norberto. O Positivismo Jurídico. Lições de Filosofia do Direito, p. 131-3. 4 Bobbio, Norberto. Op. cit., p. 145. 5 Neste sentido, Ibidem mesma página; E l Problema dei Positivism o Jurídico, p. 18- 9; Giusnaturalism o e Positivism o Giuridico, p. 85-6. 11 como prefere Eros Roberto Grau, “o direito fo rm al” representa “ um modo de aplicação de determinado direito positivo"6. Esta alternativa de formulação do positivismo jurídico encontra-se assentada numa teoria do direito, englobando todas as características antes alinhava das, com exceção da primeira e da última. A par destas idéias e adotando algumas categorias weberianas, pode-se dizer que este formalismo está preocupado exclusivamente com o procedimento jurídico. Assim sendo, “um direito é form al quando o juríd ico-m aterial e o jurídico-processual não tem em conta mais que características gerais, unívocas, dos fa to s ”1. Este tipo de direito produz a combinação da racionalidade com critérios decisórios de cunho eminentemente jurídicos. A referida racionalidade pode manifestar-se através de duas vias: a) “a generalização” : que ocorre através da “redução das razões deter minantes da solução de um caso concreto a um ou vários princípios, isto é, a preceitos juríd icos”8. Neste particular, a partir de um exame casuístico, são identificados alguns elementos chaves da situação con creta que passam a nortear as futuras decisões sobre casos semelhan tes, na medida em que são considerados como elementos juridica mente relevantes de uma ação comunitária9; b) “a sistematização” : consiste em relacionar os preceitos obtidos atravésda generalização, objetivando a construção de “ um conjunto de regras claro, coerente e desprovido de lacunas, exigência que necessariamente im plica que todos os fatos possíveis possam ser subsumidos sob algumas das normas do mesmo sistema"10. A racionalidade, assim concebida, encontra-se assentada em re gras gerais e abstratas que podem ser utilizadas no processo decisório, oferecendo um alto grau de previsibilidade e calculabilidade11. Com tais características, o formalismo racionalista, principal as pecto do positivismo jurídico, busca acercar-se da maior segurança 6 Prefácio da obra de Freitas, Juarez. A Interpretação Sistemática do D ireito, p. 10. 7 Weber, M ax. Econom ia y Sociedad. Esbozo de sociologia comprensi va, p. 511. 8 Ibidem, p. 509. 9 Conforme interpretação de Dulce, María José Farinas. La Sociologia del Derecho de M ax Weber, p. 213-4. 10 Weber, Max. Op. cit., p. 510. 11 Dulce, María José Farinas. Op. cit., p. 214. 12 / possível na identificação do jurídico. Isto acaba reduzindo o direito a um conjunto de regras a serem identificadas por critérios qualitativos rígidos. Tomando-se como referência este conceito de Direito do posi tivismo jurídico, é necessário investigar se nessa estrutura cabem as considerações sobre princípios. Destarte, é oportuno pensar numa al ternativa de substituir a racionalidade formal do direito por uma racio nalidade baseada nos princípios, que são responsáveis pelo conteúdo das formas jurídicas12. O exame destas questões propõe os seguintes problemas: o mo delo positivista tem lugar para a consideração sobre princípios? O positivismo jurídico abre espaços para que se possa tratar de normas como regras e princípios? Qual a importância dos princípios no desenvolvimento do raciocínio jurídico? Para enfrentar estas questões, o trabalho será dividido em duas partes: a primeira visa levantar os contornos mais significativos do positivismo jurídico; a segunda, por sua vez, apresenta a caracteri zação dos princípios, culminando com a demonstração da inadequação do positivismo jurídico frente ao modelo de regras e princípios. A pesquisa utilizará, como método de abordagem, o método in dutivo. N o tocante aos métodos de procedimento, serão empregados os métodos tipológico, histórico e o comparativo. A lém disso, como técnica de pesquisa, será lançada mão da pesquisa bibliográfica atra vés do emprego da documentação indireta. 12 Prefácio de Grau, Eros Roberto, da obra Freitas, Juarez. Op. cit., p. 11. 13 / P R IM E IR A P A R T E O P O S IT IV IS M O J U R ÍD IC O 1. A CONTRIBUIÇÃO DE THOMAS HOBBES 1.1 O estado de natureza: direito natural x lei natural Num estágio anterior à formação do Estado, Hobbes13 considera que os homens eram essencialmente iguais. Esta situação de igualdade apresenta-se em três planos: na igualdade de fato, na escassez de recursos e no direito sobre tudo14. A natureza conferiu condições iguais aos homens, tanto no que diz respeito às faculdades do corpo quanto naquelas concernentes ao espírito, compreendendo quatro poderes: a força corporal, a experiência, a razão e a paixão15. Com relação à força do corpo, mesmo que se encontrem homens com uma força física maior, tal “diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa com base nela reclamar qualquer benefício a que o outro não possa aspirar, tal como ele” 16. Esta variação da força física poderá ser compensada pela 13 Hobbes, Thomas. (1588-1679). Entre suas obras pode-se destacar: Elementos de Lei N atural e P olítica (1640); Sobre o Cidadão (1642); Leviatã ou Matéria, For ma e Poder de uma Comunidade Eclesiástica e C iv il (1651); Sobre o Corpo (1654) e A D ialogue between Philosopher and a Student o f Common Laws o f En gland (1681). 14 Bobbio, Norberte. Thomas Hobbes, p. 34. 15 Hobbes, Thomas. Elementos do D ireito N atural e Político, p. 99. '6 Idem, Leviatã ou m atéria, form a e poder de um Estado Eclesiástico e C ivil, p. 107. 17 utilização de meios inesperados para surpreender o outro, ou através da união de vários homens que almejam o mesmo objetivo. Já no tocante às faculdades do espírito, a igualdade também é o marco fun damental, pois cada homem não reconhece no outro uma inteligência maior do que a sua própria. Tal aspecto é possível na consideração individual que cada homem tem a seu próprio respeito, ou seja, a sua percepção está centrada em si mesmo, ao passo que visualiza o outro a uma certa distância, fazendo com que as diferenças efetivamente exis tentes tomem-se imperceptíveis. A o lado desta faceta da igualdade, surge a esperança, peculiar a cada homem, de atingir os seus objetivos. Na busca destas metas, emerge a escassez de recursos, o que faz nascer a situação de dois homens pretenderem a titularidade da mesma coisa. Como isto é im possível, os pretendentes tomam-se inimigos, passando a idealizar al ternativas para destruir ou subjugar todos aqueles que estiverem no mesmo caminho. Dada a inexistência de regras que permitam separar o “meu” e o “ teu” , delineia-se a inclinação natural de tudo pertencer a todos, ou seja, há uma “potência indiscrim inada de cada um em relação a todas as coisas” 11. Inexiste, neste estado, a noção de propriedade, pois cada um é titular de alguma coisa enquanto expressar condições de conservá-la. Este direito que o homem possui a todas as coisas, pode representar, examinando-o por outro ângulo, um direito a nada. Haja vista que o homem tem pouca probabilidade de usufruir o seu direito a tudo, se um outro, mais forte do que ele, tem direito à mes ma coisa18. A o lado destas características do estado natural, deve ser lem brado que os homens também agem sob o impulso das paixões. Tal configuração faz com que Hobbes19 apresente três fundamentos de discórdia, capazes de gerar a luta entre os homens: [a] a competição: que leva o homem a atacar o outro tendo em vista o lucro ou o ganho; [b] a desconfiança: já que cada homem desconhece qual será a atitude do outro, sendo a antecipação a melhor alternativa para não correr o *7 Hobbes, Thomas. D e Cive - Elementos filosóficos a respeito do cidadão, p. 25. 18 Hobbes, Thomas. Elementos do D ireito N atural e Político, p. 102. 19 Idem, Leviatã ou matéria, form a e poder de um Estado Eclesiástico e Civil, p. 108-9. 18 risco de ser agredido; [c] a glória: que leva o homem à luta a fim de preservar a sua reputação. Estes três fundamentos são permeados pela paixão da vanglória, posto que cada homem imagina uma superio ridade ou poder sobre aquele com o qual está em conflito. Estas carac terísticas levam ao estado de instabilidade gerado pela guerra contínua entre os homens. Assim sendo, a guerra é “aquele tempo em que se manifesta inequivocamente a vontade de lutar com a força, por palavras e atos. Chama-se PA Z o tempo restante”20. Tudo indica que, no estado de natureza, inexista este tempo restante, já que a necessi dade da preservação do conquistado, bem como o interesse por novas aquisições, toma a vontade de lutar permanente. A par deste delineamento, tudo leva a crer que esta “guerra de todos contra todos” , possa ser caracterizada, retirados os exageros da expressão, conforme assevera Norberto Bobbio21, como um estado no qual impera o medo da morte violenta. Com isto, ratifica-se a igual dade abordada anteriormente, pois “os homens são iguais na violên cia. (...) Todos são iguais no ‘medo recíproco’, na ameaça, que paira sobre a cabeça de cada um, da ‘morte violenta ’. Os homens ‘igualam- se ’ neste medo da morte ”22. A par da igualdade assim especificada, e objetivando fazer frenteao temor pela perda da vida, o homem utiliza a racionalidade de que é titular para enfrentar estes desafios. Vale dizer que o homem utiliza a razão para atingir este fim . Para Hobbes, o ato de raciocinar nada mais é do que “conceber uma soma total, a partir da adição de parcelas, ou conceber um resto a partir da subtração de uma soma por outra; o que (se for feito com palavras) é conceber da consequência dos nomes de todas as partes para o nome da totalidade, ou dos nomes da totalidade e de uma parte, para o nome da outra parte. (...) A partir do que podemos definir (isto é, determinar) que coisa é significada pela palavra razão, quando a contamos entre as faculdades do espírito. Pois razão, neste sentido, nada mais é do que cálculo (isto é, adição e subtração) das consequências de nomes gerais estabelecidos para marcar e significar nossos pensamentos. 20 Idem, D e Cive - Elementos filosóficos a respeito do cidadão, p. 55. 21 Bobbio, Norberto. Op. cit., p. 38. 22 Hobbes, Thomas. De Cive - Elementos filosóficos a respeito do cidadão, p. 27. 19 Digo marcar quando calculamos para nós próprios, e significar quando demonstramos ou aprovamos nossos cálculos para os outros homens ”23. Fica claro que, no estado de natureza, o homem não age apenas movido pelas paixões, mas, igualmente, a partir da razão, através da qual calcula os meios necessários para a implementação dos fins dese jados. Esta razão do homem permite o acesso à chamada lei natural, responsável pela indicação dos caminhos a seguir para a implemen tação dos objetivos pretendidos, dentre os quais a busca da paz. Esta lei natural pode ser definida como "um ditame da reta razão sobre as coisas a fazer ou om itir para garantir-se, quanto possível, a preser vação da vida e das partes do corpo’’24. Esta lei estabelece uma espé cie de dever ao homem: fazer tudo aquilo que possa favorecer a manutenção da sua vida, impedindo, na medida do possível, qualquer atitude contrária a este objetivo. Esta noção de lei natural é interes sante, pois Hobbes especificou o direito natural como uma liberdade absoluta que possibilita ao homem o poder de fazer tudo aquilo que quiser, ou seja, a utilização de seu próprio poder, a fim de preservar a sua natureza, vale dizer, a sua vida25. A lei natural contém uma espécie de catálogo de conselhos pru- denciais, desenvolvidos para a própria sobrevivência do homem26. A prudência, neste contexto, indica um saber prático que orienta a ação, procurando indicar uma resposta para a indagação: como agir para atingir o fim visado que é a sobrevivência? A partir de uma definição formal, pode-se dizer que “bem” é tudo aquilo que é buscado como fim da ação. Tal aspecto Hobbes enuncia da seguinte forma: “as p a i xões que fazem os homens tender para a paz são o medo da morte, o desejo daquelas coisas que são necessárias para uma vida confor tável, e a esperança de consegui-las através do trabalho ”27. Por outro 22 Hobbes, Thomas. Leviatã ou matéria, form a e poder de um Estado Eclesiástico e C ivil, p. 51-2. 24 Idem, De Cive - Elementos filosóficos a respeito do cidadão, p. 58-9. Tal defini ção também se encontra na obra Leviatã ou matéria, form a e poder de um Estado Eclesiástico e C ivil, p. 113. 25 Ibidem, mesma página. Esta idéia também aparece em Thomas Hobbes. Diálogo entre un filó so fo y un jurista y escritos autobiográficos, p. 28. 26 Conforme estudo preliminar desenvolvido por Miguel Angel Rodilla, inserido em Hobbes, Thomas. Op. cit., p. X V I. 27 Idem. Leviatã ou matéria, form a e poder de um Estado Eclesiástico e C ivil, p. 111. 20 lado, materialmente definido, “bem” é a soma dos instrumentos que estão à disposição do homem para preservar a sua vida. Estes instru mentos são as normas de paz, sugeridas pela reta razão, que são chamadas de leis naturais28. Thomas Hobbes enumera cerca de vinte leis naturais, que a reta razão, como já referido, sugere ao homem. Deste elenco, a primeira parece receber a característica de “fundam entar da qual são derivadas as demais: “que todo homem deve esforçar-se pela paz, na medida em que tenha esperança de consegui-la, e caso não a consiga pode pro curar e usar todas as ajudas e vantagens da guerra ”29. O principal bem visado pela ação do homem é efetivamente a conservação da vida. Não obstante, as leis naturais, como estão desprovidas de um po der coercitivo, serão observadas se houver conveniência por parte dos homens. Tal perspectiva, entretanto, não oferece nenhuma segurança de que todos os homens, ou pelo menos a maioria, venham a observar este ditame contido ha lei natural. Isto ocorre, porque as leis de natureza possuem força obrigatória “in fo ro interno” , ou seja, existe apenas “o desejo de que sejam cumpridas” , mas em nível de “foro externo, isto é, impondo um desejo de pô-las em prática, nem sempre obrigam ”30. Para que os homens, no estado natural, realmente possam atingir o fim pretendido, a saber, a busca da paz, toma-se imperioso cada um abrir mão do seu direito a todas as coisas: “que um homem concorde, quando outros também o façam, e na medida em que tal considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar a seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relação 28 Mesmo que recebam a denominação de “ leis", Hobbes adverte que esta cataloga ção é imprópria, pois elas são apenas “ditames da razão dos homens". A denomi nação de “ le i” pode apenas ser atribuída à palavra daquele que possui o poder de mando sobre os demais. "No entanto, se considerarmos os mesmos teoremas como transmitidos pela palavra de Deus, que tem direito de mando sobre todas as coi sas, nesse caso serão propriam ente leis". Neste sentido, Hobbes, Thomas. Idem, p. 133 e De Cive - Elementos filosóficos a respeito do cidadão, p. 82. 29 Hobbes, Thomas. Leviatã ou matéria, form a e poder de um Estado Eclesiástico e C ivil, p. 114. 30 Ibidem, p. 131. 21 aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo ”31. Esta segunda lei de natureza estabelece que cada homem esteja convencido de que deve abrir mão do seu direito sobre todas as coisas. Apesar disto, se não houver o cumprimento desta lei por todos, aqueles que a cumprirem, estarão em situação de desvantagem, pois serão alvos fáceis e inofensivos dos demais. Desta feita, nasce uma outra lei de natureza: “que os homens cumpram os pactos que celebrarem’’7,2. Apesar destes enunciados, nenhum homem, no estado de natureza, terá segurança que todos irão cumprir os pactos celebrados, já que a força das palavras é demasia damente fraca. Segundo Hobbes, existem duas maneiras para reforçá- la: “estas são o medo das conseqüencías de fa lta r à palavra dada, ou o orgulho de aparentar não precisar fa lta r a e la ”77. Entretanto, ne nhuma destas duas formas é capaz de conferir a obrigatoriedade do cumprimento aos pactos celebrados entre os homens. O segundo re forço depende de uma generosidade que existe em poucos homens; já com relação ao primeiro, deve ser observado que o medo pode ser desmembrado em dois objetos extremamente gerais: um é o poder da religião, “e o outro é o poder dos homens que dessa maneira se pode ofender”74. O primeiro, depende da crença e acrescenta um juramento ao cumprimento do pacto, o que equivale a uma promessa, ou seja, o promitente abre mão da misericórdia divina caso não venha a cumprir o prometido35; o outro, fundamenta-se na existência de um poder civil, ausente no estado de natureza. Interessante sublinhar, no entanto, que “destes dois, embora o prim eiro seja o m aior poder, mesmo assim o medo do segundo é geralmente o m aior medo ”76.Assim, tudo leva a crer que, antes da formação da sociedade civil, os homens apenas cumpriam o pactuado, motivados pela crença na ira de Deus, como conseqüência ao desrespeito da palavra empenhada. 31 Ibidem, p. 114. 32 Hobbes, Thomas. Op. Cit., p. 123. 33 Ibidem, p. 120. 34 Ibidem, p. 120. 35 Idem. D e Cive - Elementos filosóficos a respeito do cidadão, p. 66. 35 Hobbes, Thomas. Leviatã ou matéria, form a e poder de um Estado Eclesiástico e C ivil, p. 120. 22 Desta forma, o estado de natureza caracteriza-se pela presença de leis que são “válidas, mas não eficazes”. Isto ocorre, pois inexiste um poder organizado, capaz de ser invocado quando as leis de natureza deixarem de ser cumpridas. Assim sendo, o único caminho para con ferir eficácia a estas leis, fazendo com que os homens passem a atuar através da razão e não com fundamento na paixão, “é a instituição de um poder tão irresistível que torne desvantajosa a ação contrária. Esse poder irresistível é o Estado ”37. 1.2 O Estado civil Dos aspectos examinados, emerge uma contradição: o homem, no estado de natureza, através do uso da razão, planeja (calcula) os meios necessários para a obtenção do fim : a preservação da vida. Para tanto, busca reunir os bens necessários para este objetivo, partindo para o acúmulo de poder, que é definido por Hobbes, nos seguintes termos: “o poder de um homem (universalmente considerado) con siste nos meios de que presentemente dispõe para obter qualquer visível bem futuro ”38. Esta mesma trajetória é desenvolvida por cada homem neste estado de natureza, aspecto que acaba provocando a guerra de todos contra todos. Assim, nesta condição, onde o homem espera a preservação da sua vida, acaba colocando a mesma em risco, já que a ameaça da morte é constante. Como o homem é essencialmente igual no estado de natureza, este medo recíproco justifica a necessidade da mudança. O poder de cada homem leva-o a buscar uma elevação dos seus ganhos/bens e uma redução das suas perdas. Tal oposição vai gerar a guerra, pois poderá ocorrer que dois ou mais homens almejem, ao mesmo tempo, a mesma coisa. Disto resulta, por consequência, que apenas o mais forte poderá servir-se do bem; e a decisão sobre quem é o mais forte, somente poderá ser decidida através da luta39. 37 Bobbio, Norberto. Op. cit., p. 40. 38 Hobbes, Thomas. Op. cit., p. 83. 39 Idem. De Cive - Elementos filosóficos a respeito do cidadão, p. 52-3. 23 Esta luta acaba provocando a morte do mais fraco. Desta forma, a morte é o maior mal a ser evitado. Como este medo é comum entre os homens, os mesmos partem em busca de companheiros a fim de sair desta situação. Hobbes destaca que esta busca de companheiros pode ser operacionalizada de duas formas: a união forçada, quando o vencedor do combate subjuga o vencido que permaneceu com a vida; ou através da manifestação de vontade de ambas as partes, sem a violência, mas por intermédio da concordância recíproca40. A forma ção do Estado C iv il, como um resultado da evolução do estado natu ral, está alicerçada na segunda forma. Os homens deverão concordar em formar o Estado, posto que o elemento volitivo, ou seja, o con senso41, é o ingrediente mais importante. Assim, o Estado Civil, como um Estado artificial, aparece sob a forma de “síntese de vontades” , apresentando a conotação propriamente política que tem no consenso o princípio de sua legitimação42. Neste passo, a razão ainda consiste num fundamento importante, que o homem continua em busca da concretização de seu objetivo maior: a preservação da vida. Este consenso deverá partir de um grande número de pessoas, pois, se não tomar como parâmetro um grande número, basta um pequeno aumento, no outro lado, para novamente ser instaurada a insegurança da invasão. Inexiste, outrossim, um número exato que possa definir a multi dão, o que apenas poderá ser aferido “por comparação com o inimigo que tememos, e é suficiente quando a superioridade do inimigo não é de importância tão visível e manifesta que baste para garantir a vitória, incitando-o a tomar a iniciativa da guerra ”43. Esta multidão, motivada pelo mesmo objetivo, deverá elaborar um acordo prévio, onde o elemento volitivo é indispensável a fim de ser processada a saída do estado natural e o ingresso no Estado civil. A necessidade deste acordo é a remoção das causas da insegurança, das quais a mais importante é a falta de um poder central, capaz de obrigar a todos os contratantes. Esta ausência era apontada para a falta 40 Hobbes, Thomas. Op. cit., p. 55-6. 41 Idem, Elementos do D ireito Natural e Político, p. 137. 42 Bobbio, Norberto; Bovero, Michelangelo. Sociedade e Estado na Filosofia P o líti ca Moderna, p.38-9. 43 Hobbes, Thomas. Leviatã ou matéria, form a e poder de um Estado Eclesiástico e C ivil, p. 142. 24 de efetividade das leis naturais. Com este acordo, torna-se possível a instituição do poder de um Estado, ou seja, “aquele composto pelos poderes de vários homens, unidos por consentimento numa só pessoa, natural ou civil, que tem o uso de todos os seus poderes na depen dência de sua vontade ”44. Para que a formação deste poder possa ter êxito, toma-se neces sário que cada integrante da multidão concorde em renunciar45 ao seu próprio direito sobre todas as coisas, bem como a utilização da força individual para a busca e proteção dos seus bens. A lém desta renúncia, a concordância deverá ser obtida na transferência destes direitos a uma pessoa, natural ou civil. Na consolidação deste acordo, a transferência caracteriza-se em algo mais do que simples renúncia, pois cada ho mem pretende beneficiar uma determinada pessoa ou pessoas46. Por intermédio deste acordo, a transferência se dá para um ho mem ou uma assembléia de homens como representante de suas pes soas, na medida em que cada homem passe a considerar-se como ator dos atos que o representante venha a praticar, no tocante àquilo que disser respeito à paz e segurança comuns. Desta forma, haverá uma verdadeira submissão da vontade de todos à vontade daquele que os represente, e das suas decisões à sua decisão. Com tais contornos, o acordo estaria sendo caracterizado como um verdadeiro pacto de união de cada homem com todos os homens, através da enunciação recí proca: “cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações ”47. Através deste compromisso recíproco, os homens pactuaram res peitar uma terceira pessoa. A multidão, com este ato, possibilitou o nascimento do Estado, que recebe a autoridade de cada homem e, 44 Ibidem, p. 83. 45 É interessante observar que a “renúncia” importa na privação da "liberdade de negar ao outro o benefício de seu próprio direito à mesma coisa". Esta renúncia, no entanto, não faz nascer nenhum direito para o outro, pois no estado de natureza todos tem direito a tudo; o renunciante apenas sai do caminho, permitindo que o outro ou qualquer homem tenha condições de usufruir de seu direito original. Con forme Hobbes, Thomas. Idem, p. 114. 46 Hobbes, Thomas. Op. cit., p. 114. 47 Ibidem, p. 144. 25 através do poder e da força, toma-se capaz de conformar a vontade de todos eles, a fim de ser instaurada a paz em seu próprio país, bem como uma ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros. Daí emerge a idéia do “Levíotô”48, como o único centro de autoridade, que, através do poder e da força do terror, é capaz de provocar a passagem da humanidade do estado de guerra de todos contra todos para o estado de paz. Esta é a essência'doEstado49 ou Soberano, que pode ser definida da seguinte forma: "uma pessoa de-cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recí procos uns com os outros, fo i instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar v conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum ”50. O representante desta pessoa, assim caracterizada, é chamada de soberano, exercendo o poder supremo. O Estado formado com estes contornos é chamado de Estado por instituição, ou seja, há uma espé cie de pacto de submissão entre os homens a respeitarem a um homem ou uma assembléia, a fim de buscarem a proteção do mesmo contra todos os demais. Vale observar que Hobbes não distingue o pacto de associação (o responsável pela formação da sociedade) do pacto de submissão (aquele que institui um poder político, um governo). Os dois aparecem reunidos na perspectiva de Hobbes: não existe primeiro a sociedade, e posteriormente o poder (o Estado). O governo existe justamente para possibilitar a convivência pacífica entre os homens51. Hobbes enumera uma série de direitos do soberano: 1. Aqueles que participam da celebração do pacto não estão su jeitos a nenhum pacto anterior capaz de ser oposto ao atual; 2. O soberano não assina o pacto, pois, neste ato da assinatura, o soberano ainda não existe. Desta forma, o soberano não poderá ser acusado de haver quebrado o pacto, estando isento de obrigações. 48 Monstro da mitologia fenícia, conhecido sobretudo através da Bíblia, onde é iden tificado com um animal aquático ou réptil. No livro de Jó, 41.1-34, encontra-se a descrição pormenorizada deste monstro. 49 Esta essência do Estado é caracterizada no De Cive como Cidade, ou sociedade civil, ou ainda pessoa civil. Hobbes, Thomas. De Cive - Elementos filosóficos a respeito do cidadão, p. 99. 50 Idem, Leviatã ou m atéria, form a e poder de um Estado Eclesiástico e C ivil, p. 144. 51 Conforme idéia de Ribeiro, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança, p. 62-3. 26 Com isto, nenhum súdito poderá liberar-se da sujeição, sob o pretexto de infração; 3. A maioria, através do voto de consentimento, poderá escolher o soberano que obrigará a todos, mesmo àqueles discordantes. Desta forma, aos discordantes serão apresentadas duas alternativas: aceitar os atos praticados pelo soberano, ou, então, retomar ao estado anterior de guerra, no qual poderão ser destruídos por qualquer um, sem in justiça; 4. Tomando-se em conta que cada um dos súditos é autor dos atos e decisões do soberano instituído, nenhuma atitude deste pode ser considerada injuriosa para com os súditos, não havendo, igualmente, cabimento para a acusação de injustiça; 5. O titular do poder soberano "não pode justamente ser morto, nem de qualquer outra maneira pode ser punido por seus súditos"52. Tal conseqüência decorre do item anterior, visto cada súdito ser o autor dos atos do soberano. Com isto, cada um estaria castigando o outro por uma atitude própria. Como o fim visado pela instituição é a paz e a defesa de todos, aquele que detém a soberania deve ser o ju iz de todos os meios para a paz e a defesa, “quanto de tudo o que possa perturbar ou d ificultar estas últim as’’55. Este poder engloba a tomada de qualquer decisão para preservar a paz e a segurança, bem como medidas para recuperar a paz e segurança, eventualmente perdidas; 6. O soberano é o ju iz com autoridade para especificar as opi niões e doutrinas necessárias para fomentar a paz, bem como aquelas que deverão ser rechaçadas, por representarem idéias contrárias; 7. Cabe ao soberano o poder de prescrever as regras de disposi ção dos bens de cada homem e os limites das ações de cada um, a fim de não ser molestado por nenhum dos concidadãos; 8. A autoridade judicial pertence exclusivamente ao poder sobe rano que será o único autorizado a ouvir e julgar todas as controvér sias, seja sobre as leis civis ou naturais, ou em relação aos fatos; 9. Cabe ao soberano o direito de fazer a guerra e a paz com ou tras nações e Estados; 52 Hobbes, Thomas. Op. cit., p. 147. 53 Ibidem, p. 147-8. 27 10. O soberano possui competência para a escolha de todos os conselheiros, ministros, magistrados e funcionários, tanto na paz como na guerra; \ ' 1 1 . 0 soberano tem o poder de elaborar leis que lhe confiram o direito de recompensar os atos positivos e punir os atos reprováveis, praticados por qualquer súdito; 12. O soberano tem o direito de conceder títulos de honra, bem como decidir a ordem de lugar e dignidade que cabe a cada um, bem como os sinais de respeito que cada homem deverá expressar em relação aos outros54. Estes direitos do soberano permitem caracterizar o pacto de união com três aspectos distintos: [a] a irrevogabilidade, dado que o pacto de submissão é celebrado entre os homens; [b] o caráter abso luto, pois o poder que cada homem possui, no estado de natureza, resta transferido ao soberano; [c] a indivisibilidade, este poder é con ferido a uma pessoa, que exerce, com exclusividade, o estabele cimento dos direitos e deveres55. Os homens celebraram o pacto de união, favorecendo a passagem do estado de natureza para o estado civil, a fim de atingirem a segu rança, que pode ser entendida como o estado onde é possível a obser vância das leis naturais sem qualquer risco de sofrermos algum pre ju ízo56. Fica evidente que o homem concorda em renunciar ao seu direito de natureza motivado pelo medo. Haja vista que o homem busca uma forma de viver com o maior conforto possível, aspecto que passa a representar a principal obrigação do soberano. Os benefícios que o homem busca atingir podem ser agrupados em quatro cate gorias: a disponibilização de meios com os quais os homens possam defender-se contra os inimigos externos, o homem também quer ter ao seu alcance meios de vida pacífica na parte interna da sociedade, o acesso a alternativas para proporcionar a segurança pública e usufruir da liberdade simples e espontânea57. 54 Hobbes, Thomas. Op. cit., p. 145-50. 55 Tal caracterização é apresentada por Bobbio, Norberto. Op. cit., p. 43. 56 Segundo entendimento de Bobbio, Norberto. Idem, p. 49. 57 Hobbes, Thomas. D e Cive - Elementos filosóficos a respeito do cidadão, p. 168-9. 28 A idéia de Hobbes sobre o homem, como um ser perverso e sempre voltado para a busca de vantagens, não muda com a instituição da sociedade civil. Os homens se juntam e passam a querer a compa nhia dos demais apenas para receber as honras e vantagens da forma ção da sociedade, circunstância que fica evidente a partir da enume ração acima. A partir da conclusão da passagem do estado de natureza para o estado civil, o soberano passa a usufruir os direitos a ele inerentes. Isto equivale dizer que o soberano passa a exercer, com exclusividade, o poder de dizer o que é justo ou injusto, de acordo com os limites criados através das leis civis, de sua autoria. A criação destas leis civis decorre da própria necessidade de estabelecer conceitos comuns sobre temas que acabam provocando divergências entre os homens. Desta forma, o soberano deverá apresentar regras comuns que permitam aos homens distinguir entre aquilo que passa a chamar de “seu” , e o que é o “alheio” ', a noção do justo e do injusto; do honesto e do desonesto; do bom e do mau, a saber, tudo aquilo que o homem deverá fazer ou evitar no seu relacionamento com os demais. Com estes delineamen tos nascem as leis civis, que representam “os mandamentos daquele que está investido no poder soberano da Cidade, para controle das ações futuras dos cidadãos ”58. Estas leis, baixadas pelo soberano, trazem consigoo dever de obediência, posto que são ordens, e não simples conselhos59. Como a celebração do pacto possibilitou o surgimento do poder soberano, a implementação da soberania passa a ser exercida de forma coercitiva, ou seja, sem a participação da vontade dos obrigados, dada a própria necessidade de manutenção do estado civil. Tal característica é subli nhada por Hobbes: “os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar a menor segurança a ninguém ”60. Esta idéia da 58 Hobbes, Thomas. Op. cit., p. 105. 59 A ordem pode ser caracterizada a partir do seguinte enunciado: “ Faze isto” ou “Não faças isto” , sem a necessidade de qualquer outra justificativa, a não ser a vontade de quem emana o comando. Já o conselho, pode ser especificado a partir dos mesmos exemplos, mas a base para o seu cumprimento está nos benefícios que poderão ser auferidos por aquele a quem se dirige. Desta forma, “a ordem é d irig i da para benefício de quem a dá, e o conselho para benefício de outrem". Idem. Leviatã ou m atéria, form a e poder de um Estado Eclesiástico e C ivil, p. 201 -2. 60 Ibidem, p. 141. 29 espada representa a força das decisões tomadas pelo poder soberano, na medida em que se tomam obrigatórias para todos, pelo fato de estarem na sociedade civil61. Ao soberano cabe, assim, usando este poder, legislar com exclusivi dade, sendo considerado o único legislador. Da mesma forma, o soberano é o único que pode revogar a lei. Assim sendo, tudo aquilo que o so berano ordena deve ser considerado “bem", e aquilo que ele proíbe, deve ser considerado “m a r62. Importante ressaltar que nem mesmo as normas da “common law ” são capazes de restringir este poder do soberano, pois, no caso da Inglaterra, o rei é o único competente para editar leis, quan do estiver no exercício da função legislativa. Desta forma, “qualquer outra norma jurídica, inclusive as que constituem o direito comum, recebe validade unicamente da aprovação tácita ou expressa do sobe rano”62. Hobbes se opõe ao direito reconhecido e acolhido pelos juízes, por mais sábios que os mesmos sejam, já “que não é a sabedoria senão a autoridade que fa z uma le i’,(A. Dentro desta linha de idéias, conside ra falsa a premissa de que os juristas sejam capazes de refinar o direito, pois na Inglaterra as leis sempre são elaboradas pelos reis. Assim sendo, o rei é reconhecido como o único legislador, sendo considerado, outrossim, o único ju iz supremo. Tomando como parâmetro estas idéias, Hobbes define a lei como sendo “ um mandato daquele ou daqueles que tem o poder soberano, dado a quem são seus súditos, declarando pública e claramente o que cada um pode fazer e que deve abster-se de fazer"65. Esta definição serve para complementar os contornos da lei civil que foram apresen tados anteriormente. A lei civil é dividida em duas partes: uma proibi tiva ou distributiva - dirigida aos súditos - e a outra punitiva ou vindi- cativa, direcionada aos juízes. Uma lei deve apresentar estas duas partes, sob pena de ser inútil66. Evidencia-se, assim, a total ausência de preocupação com o conteúdo da norma, já que a perspectiva prin- 61 Idem. Elementos do D ireito N atural e Político, p. 148. 62 Hobbes, Thomas. D e Cive - Elementos fdosóficos a respeito do cidadão, p. 156. 63 Bobbio, Norberto. Op. cit., p. 73. 64 Hobbes, Thomas. Diálogo entre un filósofo y un jurista y escritos autobiográficos, p. 6. 65 Ibidem, p.24. 66 Hobbes, Thomas. D e Cive - Elementos filosóficos a respeito do cidadão, p. 182-3. 30 cipal é a autoridade que produz a mesma. Isto revela uma concepção exclusivamente formal67. Estes parâmetros devem nortear o papel do ju iz na aplicação do direito, já que o mesmo precisa respeitar a intenção do legisla- dor/soberano na sua sentença, caso contrário, será uma decisão do juiz, e, portanto, injusta68. O ju iz acaba sendo transformado em uma mera “boca do legislador” , autorizado apenas a repetir o direito estabelecido pelo soberano. Nesta atividade, o ju iz pode se afastar da letra da lei, desde que não perca de vista o sentido e o significado da lei69. Vale dizer, o meio condutor da intenção do autor da lei poderá ser substituído por um considerado mais adequado, mas sem perder de vista o objetivo buscado pelo soberano com a instituição da norma. As leis civis não obrigam o soberano, pois ele detém o poder de criar e revogar as leis. Com tal característica, o próprio soberano pode rá, a qualquer momento, libertar-se da lei que causa algum impe dimento ao mesmo. Isto equivale reconhecer que o soberano sempre foi livre, porque nenhum homem pode dar a si mesmo aquilo que já possuía anteriormente: “sendo a mesma pessoa o ‘obrigado’ e o ‘obri- gante’, e tendo este o poder de liberar aquele, seria um gesto vão l i gar-se enquanto pode desligar-se a seu critério, pois isto mostra que ele já está livre de fa to ”70. Não reconhecendo a limitação do poder do soberano pelas regras da “common la w ” , Hobbes estabelece algumas considerações sobre o costume: a autoridade de lei que este possa vir a receber, não está vinculada ao uso prolongado, mas como decorrência da vontade do soberano expressa por intermédio de seu silêncio. Com isto, o costume somente continua com esta autoridade enquanto o soberano mantiver o seu silêncio71. Desta maneira, o soberano é o detentor do poder de 67 Argüelles, Juan Ramon de Paramo. H. L. A. H art y la Teoria A nalítica dei D e- recho, p. 114. 68 Hobbes, Thomas. Leviatã ou matéria, form a e poder de um Estado Eclesiástico e C ivil, p. 210. 69 Idem. D iálogo entre un filó so fo y un jurista y escritos autobiográficos, p. 8. 70 Hobbes, Thomas. D e Cive - Elementos filosóficos a respeito do cidadão, p. 108. Do mesmo autor, Leviatã ou matéria, form a e poder de um Estado Eclesiástico e C ivil, p. 208. 71 Ibidem, p. 208. 31 favorecer o surgimento do costume - pelo seu silêncio - bem como a sua extinção, quando o soberano rompe o silêncio. A par disto, fica evidenciado que o D ireito encontra-se l i mitado à vontade estatal, pois cabe ao Estado determinar as con dutas a serem observadas pela sociedade. Este monopólio é justi ficado pela necessidade da manutenção da concórdia social que seria ameaçada se houvesse outro poder com as mesmas possibili dades72. Nasce, desta forma, o chamado “ direito do Estado” , que configura um direito de soberania, visualizado sob o ângulo dos su jeitos, como um “dever de todo indivíduo acatar as ordens emana das da instância estatal”73. Deste conjunto de idéias, surge a concepção de que o direito está li mitado à lei, entendida como a vontade do poder soberano, seja manifes tada diretamente no texto legal, ou, de forma indireta, na aprovação tácita do costume, além das manifestações constantes nas decisões judiciais. A lei civil e a lei natural formam uma única lei, já que uma está contida na outra. Tal aspecto se fundamenta no princípio de que as leis de natureza, na realidade, não são verdadeiras leis, mas apenas argu mentos impulsionadores dos homens para a paz e a obediência. Tais postulados apenas recebem o contorno de leis após a instituição do Estado, momento em que se transformam em leis civis, através da interferência do soberano, determinando a sua obediência. Assim, a lei de natureza é parte integrante da lei civil. A recíproca também é verdadeira, porque a lei civil faz parte das regras de natureza. Isto ocorre a partir do momento em que os súditos de um Estado prome teram uns aos outros (o pacto de submissão) cumprir a lei civil. Des tarte, “a le i c iv il e a le i natural não são diferentes espécies, mas dife rentes partes da lei, umadas quais é escrita e se chama civil, e a outra não é escrita e se chama natural”14. A principal finalidade da lei civil é lim itar o direito de natureza, pois, sem algumas destas res trições, a vida em sociedade toma-se impossível. Cabe, assim, ao so berano dizer através das leis civis o que é justo ou injusto, as quais 72 Hobbes, Thomas. De Cive - Elementos filosóficos a respeito do cidadão, p. 32. 73 Ibidem, p. 34. 14 Hobbes, Thomas. Leviatã ou matéria, form a e poder de um Estado Eclesiástico e C ivil, p. 208-9. 32 representam, aceitando-se a relação apresentada por Hobbes, "a exe cução coativa das leis naturais ”75. Para que tal característica tenha sentido, tomam-se necessários dois pressupostos: que os homens tomem conhecimento de quem é o titular do poder de elaborar as leis e, além disso, devem conhecer o conteúdo das leis. O conhecimento do legislador é incumbência do próprio súdito, porque o poder de criar as leis foi conferido pelo próprio cidadão, através da via convencional, seja expressa ou taci tamente. O conhecimento da lei depende do soberano, pois a norma legal, uma vez elaborada, deverá ser publicada a fim de possibilitar a mais ampla divulgação76. Este ato de dar conhecimento da lei, como responsabilidade do Estado, exige que os destinatários da norma te nham condições de entender o seu conteúdo, ou seja, todo aquele que não tiver esta capacidade, deixará de estar sujeito aos preceitos legais. Desta forma, as leis não se aplicam às crianças ou aos portadores de alguma anomalia mental, posto que não participaram da celebração do pacto. Com isso, não tomaram parte da autorização para a aceitação das ações do soberano, circunstância fundamental para a formação do Estado77. Vale observar que uma lei escrita não deve ser contrária à razão, pois não há nada mais razoável que todos obedeçam à lei a que hajam dado a sua concordância. A lei da razão, portanto, determina que todos respeitem a lei a que prestaram o seu consentimento, e obedeçam à pessoa a quem prometeram submissão e fidelidade78. Cabe ao soberano, através da edição das leis civis, tomar obri gatórias as leis naturais, bem como delimitar o seu conteúdo. Dada a existência da lei natural que proíbe violar os pactos, emerge a obrigação de observar todas as leis civis. Tal contexto é enunciado através da seguinte proposição: “quando somos obrigados à obediência antes de saber o que nos será ordenado, temos a obrigação geral de obedecer em todas as coisas”79. Desta forma, nenhuma lei civil, com exceção daquelas que são contrárias à vontade de Deus, pode ser contra a lei natural. Assim 75 Conforme interpretação apresentada por Bobbio, Norberto. Op. cit., p. 49. 76 Hobbes, Thomas. D e Cive - Elementos filosóficos a respeito do cidadão, p. 184-5. 77 Hobbes, Thomas. Leviatã ou matéria, form a e poder de um Estado Eclesiástico e C ivil, p. 210-1. 78 Idem, Diálogo entre un filósofo y un jurista y escritos autobiográficos, p. 61 e 136. 79 Idem, De Cive - Elementos filosóficos a respeito do cidadão, p. 184. 33 sendo, mesmo que a lei natural considere o roubo, o homicídio, o adultério, além de outras figuras injuriosas, como atitudes proibidas, será a lei civil a responsável pela caracterização de tais figuras. A lei civil delimita o campo de ação de cada homem, pois a noção do lícito e do ilícito emerge dos seus contornos. Destarte, a ação de tomar alguma coisa de alguém, apenas será furto, na medida em que a ação for dirigida contra um bem alheio, de acordo com a definição da lei c ivil80. A partir destes aspectos, delineia-se a noção de delito, caracte rizado como uma ofensa de qualquer espécie, em relação a qual a lei do país estabelece uma pena. Por outro lado, tomando-se em conta a relação entre lei civil e lei natural, Hobbes sustenta que todos os delitos são pecados81, mas a recíproca não é verdadeira, pois nem to dos os pecados são delitos, uma vez que podem ser cometidos em pensamento, dificultando a sua prova82. O “gigante Leviatã” , que foi idealizado por Hobbes, encontra um limite na sua atuação: o direito natural à vida é inalienável, já que o direito de defender-se a si mesmo não é abandonado pelo homem através do pacto83. Com isso, nasce um limite ao poder do soberano, ou seja, o súdito tem o direito de resistir às ordens do Estado quando colocam em risco a vida do homem. Haja vista que o poder do Estado é mantido enquanto seja capaz de proporcionar a proteção do homem. Evidencia-se, desse modo, que o rompimento do dever de obedecer ao soberano não está alicerçado no abuso, mas no não-uso, ou seja, não é o excesso, e sim a escassez de poder84. 80 Hobbes, Thomas. Op. cit., p. 109. 81 Isto pode ser explicado, de acordo com Norberto Bobbio, pelo entendimento de Hobbes de igualar as leis naturais e os mandamentos divinos, já que a diferença entre ambos não se relaciona ao conteúdo, mas somente à fonte. Bobbio, Norberto. Op. cit., p. 147. Tal in terpretação é ratificada pela seguinte passagem: “(...) leis naturais, por serem preceitos da remo natural, (...) são também leis divinas, em relação ao seu autor, Deus-Todo- Poderoso; (...)’’. Hobbes, Thomas. Elementos do Direito Natural e Político, p. 129. 82 Idem. D iálogo entre un filósofo y un ju rista y escritos autobiográficos, p. 34-5. 83 Idem, Leviatã ou matéria, form a e poder de um Estado Eclesiástico e C ivil, p. 178. 84 Bobbio, Norberto. Op. cit., p. 51. Interessante observar que José Reinaldo de Lima Lo pes justifica esta postura através da seguinte interpretação: “apenas em nome da paz e da ordem (segurcmça) pode-se contestar a autoridade, ou seja, é quando a autoridade se tom a incapaz de manter um mínimo de ordem que ela deixa de ser autoridade. Em poucas palavras, a perda de eficácia significa perda de legitimidade". Lopes, José Reinaldo de Lima. O Direito na História - Lições Introdutórias, p. 192. 34 1.3 A influência do pensamento de Thom as Hobbes para a construção do positivismo juríd ico A partir destes aspectos, busca-se a caracterização do positivismo jurídico, tomando os postulados hobbesianos como ponto de partida. O pensamento de Thomas Hobbes sugere um paradoxo: por um lado, apresenta-se como um expoente do jusnaturalismo racionalista do século X V I I e, por outro lado, suas idéias permitem catalogá-lo co mo o precursor do positivismo jurídico85. Os homens, no estado de natureza, eram essencialmente iguais. Não obstante, esta igualdade, como visto, representava um dos argu mentos para a instauração da guerra de todos contra todos. A partir do momento em que, através do consenso, os homens firmaram o “pacto de união” , possibilitando o nascimento do estado civil e, com ele, o poder do soberano de ditar as leis, surgiu também a desigualdade entre eles: “a desigualdade que atualmente existe fo i introduzida entre eles pela le i c iv il”*6. A desigualdade aparece, a partir de então, como um dos fundamentos do estado civil, especialmente aquela existente entre o soberano e os súditos, a saber, entre aqueles que possuem o direito de mandar e os que têm o dever de obedecer. Disto resulta que não existem, daqui em diante, outras leis além daquelas impostas e sancio nadas pelo soberano87. A caracterização examinada permite apontar dois pressupostos básicos do positivismo jurídico: [a] a unidade política: todos os orde namentos foram reunidos num único, ou seja, no ordenamento do Estado (Hobbes lançou as bases para a eliminação do dualismo Igreja- Estado e do contraste Rei-Parlamento); [b] a unidade jurídica: a única fonte do direito é a lei, de autoria do soberano que tem o monopólio exclusivo de dizer o que é direito e aquiloque não é, inclusive no tocante às normas consuetudinárias88. Com isso, aceita-se a idéia de que a concepção do justo depende daquilo que os homens convencionaram. Assim, o justo é aquilo que o 85 Argüelles, Juan Ramon de Paramo. Op. cit., p. 107-8. 85 Hobbes, Thomas. De Cive - Elementos filosóficos a respeito do cidadão, p. 52. 87 Bobbio, Norberto. Thomas Hobbes, p. 62 e 70. 88 Ibidem, p. 74. 35 soberano quer, pois o homem singular, não estando mais no estado natural, deixou de ser o titular da determinação do justo e do injusto. O soberano obteve este poder através do consenso, isto faz com que o homem seja obrigado a obedecer às ordens do mesmo. Desta feita, para algo valer como Direito, deve ter tido origem num comando do soberano que sempre se apresenta como justo e isto se verifica, porque “o Estado assume o direito e não restam direitos aos súditos, senão aqueles reconhecidos pelo soberano ”89. Além disso, como o soberano é o único que possui a titularidade de dizer o que é justo e injusto, inexiste qualquer outra ação justa além da determinada pelo soberano e outra ação injusta além daquela que ele proibiu90. Neste ponto, en contra-se uma das raízes do positivismo jurídico, pois o soberano (o Estado/Poder Legislativo) é o único que poderá, através da lei, dizer o que se pode fazer (o justo) e aquilo que está proibido (o injusto). Desta forma, surgem duas características marcantes: “o voluntarismo e a autoridade do direito positivo”91. Partindo-se destes pressupostos, a obra de Thomas Hobbes su gere os contornos da justiça formal, ou seja, é a concepção que consi dera a justiça como o cumprimento das obrigações, qualquer que seja o seu conteúdo, expressa na obediência à ordem contida na lei e ema nada do Estado. Assim, a injustiça apenas poderá ser praticada contra aquele com que se celebrou um pacto; disto segue que justiça é o cumprimento e a injustiça o descumprimento do pacto ou promessa92. As idéias assim concebidas produzem a formulação da concepção le galista da justiça que considera a lei, enquanto uma ordem de quem tem o poder legítimo de comanadar, como o único critério de estabe lecer o justo e o injusto; “é justo o que é ordenado, pelo único fato de ser ordenado p o r quem tem o poder de ordenar; é injusto o que é proibido, pelo único fato de ser proib ido”93. Neste ponto, aparece no vamente a concepção formalista do direito, que será responsável, no âmbito da teoria da justiça, pelo desenvolvimento de uma concepção 89 Lopes, José Reinaldo de Lima. Op. cit., p. 192. 90 Bobbio, Norberte. Op. cit., p. 83-4. 91 Lopes, José Reinaldo de Lima. Op. cit., p. 192. 92 Conforme Hobbes, Thomas. Op. cit., p. 70-1. 93 Bobbio, Norberte. Op. cit., p. 102-3. Do mesmo autor, D a Hobbes a Marx., p. 13-4. 36 legalista da justiça e, no da ciência do Direito, pela formação da dogmática e da jurisprudência conceituai do século X I X 94. , Com esta afirmativa, a teoria de Hobbes transita do jusnatura- lismo para o positivismo jurídico: as leis naturais prescrevem ações boas em relação a um certo fim . Destas leis naturais, a mais impor tante, considerada, portanto, fundamental, é a que busca a conservação da vida, ou seja a paz. Partindo-se dessa premissa, a primeira lei da natureza, derivada da fundamental, prescreve a constituição do Estado, através da renúncia de alguns direitos que o homem é titular, isto é, do direito a tudo. Desta feita, o Estado é o meio mais eficiente para a con cretização do fim supremo definido pela lei natural. Com tal caracte rização, delineia-se a relação entre a lei natural e a lei positiva: o Esta do está alicerçado na própria lei natural, e as leis positivas, que justifi cam a existência do Estado, buscam a sua base na lei natural95. Disto resulta que a lei natural é concomitantemente o fundamento de valida de do Estado e do dever dos súditos obedecerem às leis positivas. A par dos aspectos examinados, pode-se referir que “o direito na tural constitui o fundamento de validade do ordenamento jurídico posi tivo, considerado em seu conjunto”96. Desta passagem podemos concluir que o direito positivo não depende do direito natural para formar o seu conteúdo, mas apenas para sustentar a sua validade. Para o exato dimen sionamento da pretensão de Hobbes, devem ser sopesados os seguintes argumentos: o limite entre o bom e o m im é estabelecido pelo soberano, ou seja, cabe a ele dizer o que é justo (o ordenado) e o injusto (o proi bido); a lei civil deve estar em consonância com a lei natural; o súdito deve sempre obedecer às ordens do soberano, sem considerar o seu conteúdo, a saber, as leis editadas pelo soberano são válidas independen temente da sua conformidade ou não com as leis naturais. 94 Conforme constatação de Argüelles, Juan Ramon de Paramo. Op. c ií., p. 115. 95 Bobbio, Norberto. D a Hobbes a M arx, p. 19-20. 96 Esta passagem é uma das três espécies de sistemas jusnaturalistas, que ainda são integradas pelas seguintes: "direito natural e direito positivo estão entre si numa relação de princípio a conclusão (ou de máximas gerais a aplicações concretas); o direito natural determina o conteúdo das normas jurídicas, enquanto o direito positivo, tom ando-as obrigatórias, garante-lhes a eficácia” . Estas duas teses não estariam relacionadas ao pensamento hobbesiano, conforme entendimento de Bo bbio, Norberto. Thomas Hobbes, p. 140; do mesmo autor, D a Hobbes a M arx, p. 60 e, ainda, Ensaios Escolhidos - História do Pensamento Político, p. 7. 37 Estas considerações demonstram o localização do pensamento hobbesiano dentro dos contornos do jusnaturalismo, quando reconhece a existência do direito natural e em nível superior ao direito positivo; mas as suas idéias também se inserem no positivismo jurídico, toman do em consideração a forma como trabalha aquela superioridade. Haja vista que a função da lei natural é justificar a legitimidade e a obri gatoriedade do ordenamento jurídico positivo em seu conjunto, e não de cada norma individualmente considerada. Desta forma, Hobbes en fatiza que o poder civil, na sua constituição, está baseado numa lei na tural, mas as normas individuais que este poder vai editando poste riormente, não dependem mais das leis naturais particulares, porém apenas da autoridade do soberano97. Os postulados desenvolvidos por Hobbes, que influenciaram o positivismo jurídico, podem ser resumidos da seguinte forma98: 1. Prevalência da lei como fonte do Direito sobre os costumes e as decisões judiciais, ou seja, desencadeia as bases da teoria monista das fontes do direito; 2. Oposição à força obrigatória dos precedentes: o responsável pela elaboração da lei não é a “jurisprudentia ” ou sabedoria dos ju í zes que são subordinados, mas a “ razão deste nosso homem artificial, o Estado, e suas ordens”99', 3. Inabilitação da doutrina como fonte do Direito: as opiniões dos jurisconsultos, ou seja, as “responsa prudentium ” não são considera das leis por causa de sua autoridade, mas apenas porque são permiti das pelo soberano100. Estes dois postulados de Hobbes demonstram claramente a sua concepção voluntarista da lei: “auctoritas non veri- tasfacit legem ” (a autoridade, não a verdade, faz a lei); 4. Os juízes são reconhecidos como intérpretes delegados do so berano: quem julga nos tribunais de justiça é o soberano. Desta forma, 97 Estas idéias são encontradas nas seguintes obras de Bobbio, Norberto. Thomas Hobbes, p. 139-50; Ensaios Escolhidos - História do Pensamento Político, p. 8-16; D a Hobbes a M arx, p. 59-70. 98 Conforme levantamento apresentado por Argüelles, Juan Ramon de Paramo. Op. cit., p. 117-8. 99 Hobbes, Thomas. Leviatãou matéria, form a e poder de um Estado Eclesiástico e C ivil, p. 210. i00Idem. Elementos do D ireito Natural e Político, p. 236-7. 38 “o ju iz subordinado deve levar em conta a razão que levou o soberano a fa z e r determinada le i", pois a sentença deve basear-se nela a fim de ser justa101. Aqui sublinha-se a concepção imperativista do direito, pois não se trata de um conselho do soberano, mas de uma ordem, sem preocupações materiais para a validade do direito, além do caráter puramente formal. Além disso, a noção de justiça é estri tamente convencional, pois depende da definição do soberano, não sendo permitida a utilização de qualquer outro critério; 5. Desta característica decorre a chamada “teoria declarativa da interpretação ju d ic ia l” , já que os juízes não criam a lei, devem li mitar-se apenas à sua aplicação; 6. O costume receberá contornos jurídicos através da aceitação tácita do soberano, demonstrando claramente a sua contribuição para o desenvolvimento da compreensão do Estado como titular do monopó lio da criação do direito. ' 01 Idern. Leviatã ou m atéria, form a e poder de um Estado Eclesiástico e C ivil, p. 210. 39 2. A CARACTERIZAÇÃO DO POSITIVISMO JURÍDICO O desenvolvimento histórico projetado por estes ideais, abstraí dos a partir da obra de Hobbes, são responsáveis, no século X X , por um processo de progressiva tecnicização e formalismo no âmbito jurídico. A fórmula hobbesiana do “auctoritas non veritas fa c it le gem " provoca um esvaziamento dos interrogativos a respeito do senti do e da verdade, posto que o soberano exige uma obediência do tipo formal e externo, aspecto que também caracteriza a produção jurídica do mesmo102. Não há qualquer preocupação com a validade ética da norma jurídica elaborada pelo poder soberano, já que a conduta exigida apre senta contornos externos, sem vinculação com a sua intemalização. Tal caracterização é o ponto de sustentação do desenvolvimento da corrente doutrinária chamada de positivismo jurídico. Desta linha de pensamento jusfilosófica, serão estudados três autores: Hans Kel- sen, Herbert Hart e Norberto Bobbio. A partir de algumas idéias sobre o conceito de direito destes autores, busca-se caracterizar o positi vismo jurídico, a fim de mostrar, num segundo momento, a inade quação deste modelo frente aos princípios. 102Catania, Alfonso. Fondamento dei diritto e prospettiva nonnativistica, 594-5. 2.1 Hans Kelsen 2.1.1 A concepção de Ciência do D ireito O estudo das propostas lançadas por Kelsen103 pode ser abordado de diversos ângulos, dada a sua vastidão e riqueza. Sem dúvida, no entanto, a obra central que domina todo o seu pensamento é a “ Teoria Pura do D ire ito "104. Como transmite o próprio título da obra, Kelsen pretendeu for mular uma teoria (vale dizer uma proposta científica) que pudesse es tudar o seu objeto (o Direito) com uma metodologia pura, ou seja, livre de infiltrações consideradas como não sendo jurídicas. O projeto idealizado por Kelsen estava voltado, dessa forma, ao afastamento de elementos psicológicos, econômicos, políticos e sociológicos, presen tes no estudo do Direito em sua época105. Dentro deste contexto, Luis Alberto Warat enfatiza que o primei ro problema enfrentado por Kelsen estava voltado à determinação dos princípios metodológicos que possibilitassem a construção de um ob jeto teórico, autônomo e sistemático para a Ciência Jurídica. Desta fei ta, a busca da autonomia da Ciência Jurídica dependia da já referida liberação dos elementos estranhos, a fim de remanescer apenas duas questões: “que é" e “como é” o Direito, “sem procurar explicitá-lo, transform á-lo, justificá-lo, nem o desqualificar a partir de pontos de vista que lhe são alheios” 106. 103Kelsen, Hans (1881-1973). Foi professor das Universidades de Viena, Colônia e Berkeley. Entre as suas obras, podemos destacar: Problemas Capitais da Teoria do D ireito Político, desenvolvidos do ponto de vista da proposição juríd ica (Haup tprobleme der Staatsrechtslehre entwickelt aus der Lehre vom Rechtssatz) (1911); O Problem a da soberania e a teoria do direito internacional (Das Problem der Souverinitaet und die - Theorie des Voelkerrechts) (1920); Teoria Pura do D ireito (Reine Rechtslehre) (1934); Teoria G eral do D ireito e do Estado (General Theory o f Law and State) (1945); O que ê Justiça? (W hat is Justice?) (1957) e Teoria Ge ra l das Normas (Allgem eine Theorie der Normen) (1979). 104A primeira edição alemã da obra foi publicada em 1934, sendo que em 1960 ocor reu a publicação da segunda edição. 105Reale, M iguel. Filosofia do D ireito, p. 455. 106Warat, Luis Alberto. Introdução G eral ao D ireito. A Epistemologia Jurídica da Modernidade, p. 149-50. 42 Para empreender este objetivo, Kelsen apresenta um princípio metológico fundamental, que é explicitado da seguinte forma: “quando a si p ró p ria se designa como ‘p u ra ’ teoria do D ireito, isto significa que ela propõe g a ra n tir um conhecim ento apenas d irig id o ao D ire ito e e xc lu ir deste conhecim ento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosam ente, determ inar como D ireito. Q uer isto d ize r que ela pretende lib e rta r a ciência ju ríd ic a de todos os elementos que lhe são estranhos ” 107. Obtido o resultado esperado por Kelsen, resta para a Ciência do D i reito apenas o estudo do Direito que será definido a seguir. Convém assi nalar que o intuito do autor não é purificar o Direito e nem ignorar as rela ções que este estabelece com as áreas antes referidas. Busca-se apenas não perder a essência da Ciência do Direito, bem como esclarecer os limites do seu objeto108. Com isto, tudo leva a crer que a sua proposta é algo mais que uma teoria pura do direito, pois busca uma teoria para uma ciência jurídica pura. Tal perspectiva está centrada na descrição de sis temas jurídicos particulares, “realizada com abstração de considerações axiológicas, por um lado, e sociológicas, pelo outro ” 109. O ponto de partida para a obtenção desta pureza metodológica é a separação proposta por Kelsen entre ciência causal e ciência norma tiva. Segundo o autor, é possível delimitar o Direito em relação à natureza, a saber, a ciência jurídica - como ciência normativa - das demais áreas do conhecimento, através da lei da causalidade. Na natu reza há uma ordem das coisas, que estão interligadas segundo o cha mado princípio da causalidade, ou seja, a relação entre causa e efeito. Esta relação tende a se projetar numa escala infinita: uma causa de sencadeia um efeito; este, por sua vez, a partir da sua concretização, se transforma em causa de um novo efeito, e assim sucessivamente110. Já a ciência do direito, como uma ciência social, parte de um outro prin cípio, que pode ser chamado de imputação. Este princípio, que serve à ciência do direito, pode ser expresso na seguinte fórmula: “sob deter- 107Kelsen, Hans. Teoria Pura do D ireito, p. 1. I08Kelsen, Hans. Op. cit., p. 1-2. l09Nino, Carlos Santiago. Algunos M odelos Metodológicos de “ C iência" Jurídica, p. 22. 1 l0Kelsen, Hans. Op. cit., p. 84-5. 43 minados pressupostos, fixados pela ordem juríd ica, deve efetivar-se um ato de coerção, pela mesma ordem ju ríd ica estabelecido” 111. Tal distinção está fundada na separação apresentada por Kelsen entre o "ser” (sein) e o "dever ser” (sollen). Interessante observar que Kelsen lim ita qualquer especulação maior sobre a separação entre o “ser” e o “dever ser” , ao afirmar que “é um dado imediato da nossa consciência” 112. Segundo ele, ninguém poderá negar a afirmação de que algo é, como uma descrição
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