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05 Gramatica Gerativa um Modelo Simples

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tambémpara a discussãodos mais complexosmodelosde
gramáticaque serãoabordadosnos dois capítulosseguintes.
Ao. longo destestrês capítulos,admitiremosconhecimento
intuitivode pelo menosalgumasdassentençasdo inglêsque
desejamosdefinitivamenteencararcomobem formadas,ou
gramaticais,e de pelo menos algumasdas seqüênciasde
palavrasque desejamosconsiderardefinitivamentecomonão
gramaticais,ou mal formadas.Comochegamosa esseconhe-
cimentoe comopoderíamossubmetê-Ioa testesão pontos
de importância,masirrelevantesparaa formalizaçãoda des-
criçãolingüística,objetode nossaatualpreocupação.
Poderemosprincipiardefinindoa linguagemdescritapor
uma gramáticaparticularcomoo conjuntode todasas sen-
tençasque gera. O conjuntode sentençaspode,em princí-
pio, ser do númerofinito ou infinito. Todavia,o inglês (e
tantoquantosabemos,todasasoutraslínguasnaturais)com-
preendenúmero infinito (isto é, indefinidamenteextenso)
de sentenças,pois que na línguaexistemsentençase frases
que podemser indefinidamenteestendidase, não obstante.
aceitascomoperfeitamentenormaispelosque têm a língua
comonativa. ExemplosóbviossãosentençascomoEsseé o
homemque se casoucom a moçaque (...) e frasescomo
chapéugrandepretode trêsbicos ( ...) que admitem qual-
quer expansãoatravésde inserçõesapropriadasno lugar das
reticências.Claro está que pesamcertaslimitaçõespráticas
sobre a extensãode qualquersentençaque já tenha sido
ou quevenhaa ser construídapelosque têm domíniosobre
a línguaem cansa. Importanteé, porém,que nãohá limite
definidoque possaser postoao comprimentodassentenças.
Devemos,portanto,admitir que, em teoria, o númerode
sentençasgramaticaisda línguaé infinito.
O númerode palavrasno vocabuláriode uma língua
comoo inglês(ou o português)é, entretanto.admitiremos.
finito. Há considerávelvariaçãoentreaspalavrasconheC'ic1as
por diferentespessoasque dominama línguae podc havf>r
algumadiferençaentreo vocabulário"ativo"e o vocahulário
"passivo"de todasas pessoas(isto é, entreaspalavrasque
ela própriausaquandofala e as palavrasquereconheccráe
compreenderáquandousadapor outros). Em verdade,nem
GRAMÁTICA GERATIVA:
UM MODELO SIMPLES
o exameda partemaistécnicada obrade Chomsky
serárelativamenteinformal,nãopressupondoqualquerpre-
paroespecialemmatemáticanemaptidãoparaela. Será,
contudo,introduzidoúmnúmerosuficientedetermose con-
ceitosparaproporcionarao~eitoralgumaidéiadoscontornos
da gramáticagerativa,tornando-lhepossívela apreciação
deseusignificado.Cabeassinalarqueé tambéminformalo
tratamentoda gramáticagerativaem SyntacticStructures
e na maioriade trabalhosmaisdivulgadosde Chomsky.
O tratamentoseapóia,entretanto,emconsiderávelcópiade
pesquisaaltamentetécnicalevadaa cabonosanosquepre-
cederama publicaçãodeSyntacticStructure.s.Grandeparte
do resultadodessaspesquisasjamaisfoi dadaa público
emsuatotalidade,emboradescritaem1955,numaextensa
monografiamimeografadae intituladaTheLogicalStructure
of LinguisticTheory,distribuídaa estudiososinteressados
e a bibliotecasuniversitárias. ,
No presentecapítulo,ocupar-nos-emosde um sistema
formalmuitosimples.o primeirodos "trêsmodelospara
descriçãoda linguagem"examinadospor Chomsky.emSyn-
facticStructurese em outraspublicações- modeloque ele
rapidamentedemonstrouser insuficientementepoderosopara
.. análisesintáticado inglês e de outraslínguasnaturais.
Iniciaremos,introduzindocerto númerode termose con-
ceitosquesefarãonecessáriosnãoapenasa estaaltura,mas
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o vocabulário"ativo", nemo vocabulário"passivo"de qual-
quer'pessoaque temo inglês(ou o português)comolíngua
nativaé fixo e estático,nem mesmopor períodosde tempo
relativamentecurtos. Não obstante,em nosso exame da
gramáticado inglês,poremosde parteessesfatose admitire-
mos,por amorà simplicidade,queo vocabulárioda línguaé
determinado,invariávele, naturalmente,finito.
Admitiremos,ainda,que o númerodasdiferentesopera-
ções que entram em pa:utapara a geraçãode sentenças
inglesasé finito. Não há motivopara acreditarque essas
presunçõessejamimplausÍveis;supor diferentementesignifi-
caria que as sentençasdo inglêsnão poderiamser geradas
por meiode um conjuntode regraspassíveldeespecificação.
Ora, sea gramáticaconsistede um conjuntofinito de regras,
operandosobreumvocabuláriofinito,e deverevelar-secapaz
de gerarum infinito conjuntode sentenças,decorredaí que
pelo menosalgumasdas regrashão de ser aplicáveismais
de uma vez na geraçãoda mesma.sentença.Essas regras
e as estruturasa que dão lugar são chamadasrecursivas.
Ainda umavez, cabea afirmação'de nadaexistirde implau-
sÍvelna sugestãode que a gramáticado inglêsdeva incluir
certo númerode regrasrecursivas.f; intuitivamenteclaro
que,aoalongara sentençaEsteé o homemquesecasoucom
a moça,adicionando-lhea cláusulaque escreveuo livro,
essaadiçãoé de tipo similar a que se casoucom a moça,
cláusulajá acrescentadaà sentençaoriginal.
As sentenças,tal comovimosno capítulo2, podemser
representadasem dois níveis:.ao nível sintáticoaparecem
comoseqüênciasde palavrase ao nível fonológico,aparecem
como seqüênciasde fonemas.Seria possível,em princípio,
considerara estruturasintáticadas sentençascomo alguma
coisatotalou parcialmenteindependenteda ordemrecíproca
em queas palavrasocorrem;e certaslínguasdotadasdaquilo
que é descritocomo"livre ordemde palavras"têm sido tra-
dicionalmenteexaminadasdessepontodevista. Não obstante,
seguindoChomsky,admitiremoscomodefiniçãoquetodadife-
renteseqüênciade palavras(se bemformada) é uma sen-
tençadiferente.De acordocom essadefinição,não apenas
O cão mordeuj) homeme O homemmordeu o cão são
sentençasdiferentes;mas são tambémsentençasdiferentes
Tive uma idéia quandoia paracasae Quandoia paracasa,
tive uma idéia.
Do pontode vistapuramentesintático,a estruturafono-
lógicadaspalavrasé irrelevantee poderíamosrepresentá-Ia
sob qualquer'de umavariedadede formas.Poderíamos,por
exemplo,relacionartodas as palavrasdo vocabulário,colo-
cando-asnuma ordem arbitrária,numerando-asde acordo
com o lugar ocupadona lista e passandoa utilizar esses
númerospara indicarpalavrasparticularesna descriçãosin-
táticade sentenças.f; usual,entretanto,representaras pala-
vras como seqüênciasde fonemas(ou de letras), mesmo
quandose permaneceno nível sintático;e seguiremosessa
prática. Com efeito,citaremospalavrase unidadessintáticas
em sua formaortográficanormal,maso leitor deveter em
menteque a formade soletrarou de pronpnciaras palavras
é independente,em princípio,da identidadeque tenham
comounidadessintáticas.Aceita-se,de modogeral,queduas
palavrasdiferentespossamser escritasOU pronunciadasde
maneiraidênticae que possamexistirmaneirasalternativas
de soletrarou de pronunciara mesmapalavra.
Apresentaremosagora uma distinçãoentre elementos
"terminais" e elementos"auxiliares". Elementosterminais
sãoos que efetivamenteocorremnassentenças:palavras,ao
nível sintático,e fonemas,ao nível fonológico.Todos os
demaistermosou símbolosempregadosna formulaçãode
regrasgramaticaispodemserconsideradoselementosauxilia-
res. De modoparticular,deveser acentuadoque os teimos
ou símbolosempregadosparadenotaras"paltesdo discurso"
são, nas gramáticasgerativasdo tipo que nos preocupa,
elementosauxiliares.Utilizaremostermostradicionais,fami-
liares, para designaras classesde palavrasou "partesdo
discurso",tal comofaz Chomsky,e os abreviaremossimbo-
licamente:N =Substantivo,V =v€rbo,etc.Outroselemen-
tos auxiliaresserãoposteriormenteintroduzidos.Ponto que
deve ser aqui acentuadoé o de que, na gramáticagera-
tiva, o fato de umapalavraparticularpertencera umapar-
ticular classe- ser elemento,digamos,da classeN - deve
ser tomado perfeitamenteexplícitono contextointernoda
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estado"queaparecenafigura1 (deliberadamenterecorrin I
umexemploalgomaiscomplexodoqueo dadoporChomsky
na p. 19de SyntacticStructures).
gramática. Significa isso, nas gramáticasformalizadasde
Chomsky,quetodapalavrado vocabuláriodevesercolocada
na classeou classessintáticasa que pertencer:não serásuficienteelaborarum conjunto de definiçõescomo "Um
substantivoé o nomede qualquerpessoa,lugar ou coisa",
deixandoa critérioda pessoa,quesereferea essagramática,
decidirse determinadapalavrasatisfazou deixade satisfazer
aqueladefinição.As gramáticasmaissimples,estudadaspor
Chomskye capazesde gerar infinito conjuntode sentenças,
por meiodeum númerofinito de regrasrecursivas,operando
sobreum vocabuláriofinito, constituemo que ele denomina
gramáticade estadofiníto. Baseiam-setais gramáticasna
concepçãode que as sentençassãogeradasa partir de uma
sériede escolhasfeitas"da esquerdaparaa direita",equiva-
lendoissoa dizerque,apóso primeiroelemento,ou elemen-
to mais à esquerda,haver sido selecionado,toda escolha
subseqüentese vê determinadapelos elementosimediata-
menteprecedentes.De acordocomessaconcepçãode estru-
turasintática,umasentençacomoEssehomemtrouxealgum
pão poderiasergeradaatravésdo seguinteprocesso.A pa-
lavraEsseseriaescolhidaparaa primeiraposição,dentrea
relaçãode todasas palavrassuscetíveisde ocorrerao início
de sentençasportuguesas(inglesas). Em seguida,homem
seriaselecionadacomoumadaspalavraspossíveisde colocar
apósesse;trouxe, comouma das palavraspassíveisde
colocaçãoapósessee homem;e assimpor diante. Se hou-
véssemosescolhidoaquele,em vez de esse,paraa primeira
posição,asescolhassubseqüentesnãoseriamafetadas:aquele
homemtrouxealgumpão é uma sentençaigualmenteacei-
tável. De outra parte, se houvéssemosselecionadopara
ocupar a primeiraposiçãoessesou aqueles,teríamos,em
seguida,de escolherpalavrascomohomens,para a segunda
posição,seguidasdepalavrascomotrouxeram.paraaterceira
posição- permanecendoiguaisàsanterioresaspossibilidades
de preenchimentoda quartae da quintaposições.(A escolha.
em inglês,do artigo the, facultariaque a segundaposição
fosseocupadapor um substantivono singularou no plural e,
portanto,no singularou no plural, se colocasseo verbo.)
Uma formade representargraficamenteo que acabou
de serdito por meio de palavrasé recorrerao "diagramade
trazido
visto
comido
têm estes
aqueles
os
alguns
estes
aqueles
os
alguns
Ihomens~
ivros
FIGURA 1
homens
livros
o diagramapodeserinterpretadoda maneiraseguinte.
Cabeconcebera gramáticaemtermosde máquinaou ins-
trumento(no sentidoabstratoa quealudimosno capítulo
anterior)que se moveao longede um númerofinitode
"estados"internos,na medidaemquepassado estadoini-
cial ("princípio")parao estadofinal ("fim"), com o fito de
gerarsentenças.Depoisdehaverproduzido(digamos"im-
presso"ou"emitido")umapalavra(doconjuntodepalavras
admitidascomopossíveisparaaquele"estado"),a gramá-
tica"passaa" novoestado,segundoa indicaçãodassetas.
Qualquerseqüênciad~palavrasquepossasergeradadessa
formaé. por isso mesmo,definidacomogramatical(nos
termosda gramáticarepresentadapelodiagrama).
A gramáticailustradapelafigura1 só gerará,natural-
mente,númerofinitode sentenças.Podeserampliada,en-
SI
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H'-mtt:JI HhomaD
aquele pão
quele o
o r
algum IVro . . . algum livro
um . um
tretanto,casosepermitaqueo instrumento"volte"aomesmo
ou a algumestadoanterior,em particularespontosde
escolha.Por exemplo,poderíamosacrescentar"laços"entre
~esse,aquele,o,alguns,um,...}e~homem,pão,livro,..,},
chegando,assim,a geração'de sentençasprincipiandopor
aquelehorrívelhomem,aquelegrandehomem,aquelegrande
e gordohomem,etc, A gramáticapoderiatambémseram-
pliadademaneira6bviaparapermitira geraçãode.senten-
çascompostas,comoaquelehomemtrouxepão,e estabela
moçacomeuo queijo.Essassentençascontinuama serde
estruturamuitosimples;porcertoqueseriacomplexo,ainda
quefossepossível,construirumagramáticade estadofinito
capazdegeraramostraamplae representativadassentenças
do inglês(português)..
Observe-sequeeminglêsserianecessá.riocolocaro adje-
tivo(queé invariávelemnúmero)tantodiantedesubstan-
tivos no singularcomodiantede substantivosno plural
[mantendo-se,atéestaaltura,umasimplicidadequeo por-
tuguêsjá nãoadmite,porexigirqueosadjetivosconcordem
comossubstantivosemnúmeroe gênero).Problemasdessa
ordemsemultiplicariammuitorapidamentesenospreocupás-
semoscomelaborarumagramáticade estadoíinitoparao
inglês;e a concepçãodeestruturasintática,postacomobase
destemodelode descrição,tema recomendá-Ia.poucomais
quesuasimplicidadeformal.Chomskydemonstrou,contudo,
quenossarejeiçãoda gramáticadeestadofinito comoum
modelosatisfatórioparaa descriçãoda linguagemnatural,
estámaissolidamentefundamentadado que estariase se
apoiasseapenasem consideraçõesde complexidadeprática
e emnossasintuiçõesacercade comodevemserdescritos
certosfenômenosgramaticais.Demonstroueleo caráterinsa-
tisfat6riodasgramáticasde estadofinito,assinalandoque
há certosprocessosregularesde formaçãode sentençasem
inglêsquenãopodemabsolutamenteserexplicadosno con-
textodagramáticadéestadofinito,pormenosrigorosae por
maiscontra-intuitivaque fossea análisequeestivéssemos
dispostosa admitir.
A demonstraçãode quea gramáticade estadofinitoé
inadequadapodeserencontradaemSyntacticStrúcturesde
Chomsky(p.21-24).Ap6ia-seno fatodequepodemexistir
dependênciasligandopalavrasnão adjacentese queessas
palavrasinterdependentespodemachar-seseparadasporuma
fraseou umacláusulaem que se contenhaoutropar de
palavrasinterdependentese não adjacentes.Por exemplo,
numasentençacomoQuemquerquedigaissoestámentindo,
há dependênciaentrea palavraqueme estámentindo;a
palavrae a locuçãoestãoseparadaspelacláusulasimples
que diga isso (na qualhá umadependênciaentreque e
diga). Podemosfacilmenteelaborarexemplosde maior
complexidade:Quemquer que digaque a.~pessoasque
negamisso(...)estãoerradas,é tolo.. Aqui,temosdepen-
dênciasentrequemquerquee é toloe entrepessoase estão
erradas;e poderíamosir adiante,inserindoentrequee estão,
umacláusulaquecontivessepalavrasinterdependentese não
adjacentes.O resultadoé uma sentençacom "proprieda-
desde imagemespecular",istoé, uma.sentençada forma
a+b+c ...x+y -1-z, ondehá uma relaçãode compa-
tibilidadeoudependênciaentreoselementosextremos(aez)',
entreos elementosa elesimediatos(b e y) e assimpor
diante.Qualquerlinguagemondese contenhaum número
indefinidamentegrandedesentençascom"propriedadesde
imagemespecular",tal comoessa,coloca-separaalémdo
escopodeumagramáticadeestadofinito,
Comojáacentueiantes,ageraçãodesentençaspormeio
deumasériedeescolhas,feitas"daesquerdaparaa direita",
tempoucoa recomendá-Iaalémda simplicidadeformaldo
modelo.A razãopor queChomskydedicouatençãoà gra-
máticadeestadofinitofoi a dequea linguagemtinhasido
estudadadestepontodevista,dentrodo objetivodeplane-
jareficientescanaisdecomunicaçãoduranteasegundaguerra
mundial;a teoriamatemáticada comunicação,teoriaalta-
mentesofisticadadaí resultante("teoriada informação"),
estendeu-se,ap6sa guerra,a muitoscampos,inclusivepsi-
cologiaelingüística.Chomskynãodemonstrounemafirmou
terdemonstradoquea "teoriada informação"comotal era
irrelevanteparaainvestigaçãodalinguagem,mastão-somente
que,sefosseelaaplicada,combasenapresunçãodegeração
de "palavrapor palavra"e "esquerdaparaa direita",Dia
poderiaexplicaralgumasconstruçõesdo inglês.
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