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FACULDADE NACIONAL DE DIREITO JULIA PEÇANHA DE SOUZA DUTRA O PRINCÍPIO DA JURIDICIDADE COMO SUSTENTÁCULO DO DIREITO ADMINISTRATIVO Rio de Janeiro 2017 JULIA PEÇANHA DE SOUZA DUTRA O PRINCÍPIO DA JURIDICIDADE COMO SUSTENTÁCULO DO DIREITO ADMINISTRATIVO Trabalho apresentado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), disciplina Direito Administrativo I. Professora: Ellen Delmas Rio de Janeiro, Dezembro 2017 O presente trabalho tenciona apresentar de forma sucinta o princípio da juridicidade na medida de sua relação com o âmbito administrativo da ciência do Direito, dada sua latente importância. Para compreensão adequada deste, cabe breve apresentação de sua gênese. Na esteira de Moreira Neto, tem-se que a origem do princípio da legalidade administrativa – estritamente vinculada ao princípio da juridicidade, este último considerado como evolução do primeiro – remonta ao período da Revolução Francesa. As raízes do conceito podem ser rastreadas até o Iluminismo e as revoluções de XVIII, quando inaugura-se o Estado de Direito. Na Europa, desenvolveu-se um positivismo legalista, que, assumindo o pensamento de Montesquieu, vinculava a ação jurisdicional e administrativa aos dispositivos legais (BINENBOJM, 2008). O administrador público estava incumbido, à luz dos parâmetros da época, a aplicar a letra da lei no caso concreto; tem-se que toda atividade administrativa, para que seja reputada lícita, deve ser autorizada por lei. Nisto consiste o princípio da legalidade administrativa; na esteira de Hely Lopes Meirelles, enquanto no âmbito privado, pode-se tudo aquilo quanto não é vedado pela lei, na esfera pública opera lógica distinta – pode- se tão somente o que a lei permite. A atividade administrativa só se concebe se subjacente à atividade legislativa, que oferece os parâmetros para sua existência. O conceito da legalidade evoluiu no decurso do tempo. Observou-se uma radicalização do princípio, subsequente ao normativismo de Kelsen, defendida até a atualidade por expoentes doutrinadores do Direito Administrativo. Mais que oferecer parâmetros de existência para a atividade administrativa, os ditames da lei engessam, estreitam as exatas incumbências e prerrogativas do administrador público. De fato, este (o particular) pode fazer tudo que a lei permite e tudo que a lei não proíbe; aquela (a Administração) só pode fazer o que a lei autoriza e, ainda assim, quando e como autoriza. Vale dizer, se lei nada dispuser, não pode a Administração Pública agir, salvo em situações excepcionais (grave perturbação da ordem e guerra quando irrompem inopinadamente). (GASPARINI, 2006) Contudo, com a evolução do Direito Administrativo no decurso histórico, a vinculação positiva à lei prevista pelo princípio da legalidade deu lugar a uma inovação evolutiva – o conceito de juridicidade. A transformação tem seu nascedouro na passagem do Estado Liberal para o Estado Social. A conjuntura deste momento histórico demandava do Estado uma postura mais atuante para a efetivação da isonomia, deixando para trás a postura absenteísta e se agigantando no sentido de comprometimento, obrigação e intervenção; com vistas a promover um equilíbrio jurídico. Subsequentemente, em consonância com as novas demandas do contexto histórico, faz- se necessária a substituição da ideia de subordinação a lei por uma ideia de subordinação ao direito. O conceito de legalidade alarga-se, torna-se mais abrangente para atender às mudanças da configuração social. Princípio da juridicidade da administração, entendido como a subordinação ao direito como um todo, implicando submissão a princípios gerais de direito, à Constituição, a normas internacionais, a disposições de caráter regulamentar, a atos constitutivos de direitos, etc. (…) Em suma, é este hoje o sentido do nosso ordenamento jurídico: o princípio da legalidade deixa assim de ter uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda atuação administrativa. (ESTORNINHO, 1999) O positivismo legalista dá lugar à vinculação a um bloco de legalidade, tendo-se uma nova ótica jurídica com esteio em princípios e regras, não somente em regras. Desta afirmativa, extrai-se que a observância do administrador público deve passar a englobar não somente a estrita letra da lei, mas os princípios gerais do direito previstos explícita ou implicitamente na Constituição Federal e o ordenamento jurídico, os costumes, regulamentos, para nortear sua atuação. A lei não mais é encarada como a única fonte à cuja luz o administrador público deve observar para os parâmetros de sua atuação. No entender de Gustavo Binenbojm, a atividade administrativa passa a realizar-se também baseada diretamente na Constituição, para além da lei e mesmo contra a lei, desde que fulcrada na ponderação da legalidade com os princípios constitucionais de maneira que melhor venha a efetivá-los na realidade fática. Soma-se a concepção do doutrinador Alexandre Mazza, segundo o qual “podemos entender que o princípio da juridicidade compõe-se de um bloco de legalidade e, superando esta proposta, vamos adiante no anotar que o princípio da juridicidade não é só um somatório de legalidade mas e sobretudo reveste-se de legalidade e legitimidade quando denotado como costume ou procedimentos não normatizados.” O novo paradigma da esfera administrativa, do qual o princípio da juridicidade é esteio, está fulcrado no neoconstitucionalismo; na irradiação das propostas da Carta Magna para toda a legislação, com vistas à garantia objetiva dos direitos fundamentais. Os reflexos e desdobramentos da nova concepção no que concerne aos direitos fundamentais são vultosos. Para ilustrar os reflexos desta nova proposta, pode-se trazer o exemplo do nepotismo. Embora não havendo explícita e formal vedação ao favorecimento de parentes por parte do poder público, na esfera administrativa, a observância da Constituição Federal traz para o âmbito do Administrativo o entendimento do artigo 37, segundo o qual “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Reputa-se, assim, vedada a nomeação de parentes a cargo público através das lentes da constitucionalização do Direito Administrativo. Conclui-se que gradativamente o princípio da juridicidade vem fincando raízes no arcabouço jurídico brasileiro; preserva-se a lei como importantíssima fonte de direito administrativo, contudo não mais a única. A lei formal não abarca todos os desafios enfrentados pelo cotidiano da atividade administrativa. Sustentada pelo neoconstitucionalismo, a mudança do paradigma da legalidade para o da juridicidade visa garantir não a crua aplicação da legalidade kelseniana, presa aos ditames explícitos das regras legisladas, mas a obtenção da justiça na realidade fática. BIBLIOGRAFIA DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo – 27ª edição (2014) CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo – 31ª edição (2017) FERNANDES, Francisco Luiz; FERNANDES, Thallita Maria Moreeuw . Princípio da juridicidade. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 118, nov 2013. Disponívelem: <http://ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13405 &revista_caderno=9>. Acesso em Dez 2017. COELHO, Huaman Xavier Pinto. O surgimento do princípio da juridicidade no Direito Administrativo. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3651, 30 jun. 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/24817>. Acesso em: Dez. 2017.
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