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O que e fenomenologia-DARTIGUES, Andre

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-"I•on-„ 
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tA4) 
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• 
Capítulo I 
UM POSMVISMO SUPERIOR 
‘Pgi' 
tr,-P 
_Qcfi" 
àPz 
a 
O pensamento de Fririund_Flussrl _U859-1938), sem dúvida 
não usurpou a reputação de dificuldade criada sobre ele. Filósofo 
escrupuloso, por demais 
 escrupuloso, Husserl sem cessar retomou 
os resultados de um labor infatigável. Escrevendo muito, publi-
cando pouc_o__,_ a tarefa imensa que se propusera não lhe parecia 
jamais estar senão esboçado e, portanto, sempre a ser retomada 
em sua inteireza, como se a filosofia jamais pudesse sair de seu 
começo. "Se a idade de Nlatusalém me fosse concebida, quase 
que ousaria entrever a possibilidade de vir ainda a ser filósofo", 
escreve sobre si próprio aos 70 anos. Talvez a filosofia não seja, 
com efeito, senão a basca de seu fundamento, do "terreno absolu-
to" sobre o qual ela poderia enfim "seriamente" começar. 
Não seguiremos -m detalhe o andamento sinuoso que conduz 
Husserl em direção a esse começo. Esboçaremos apenas as gran-
des etapas através dos quais veremos nascer o que se tornará, 
além de Husserl e sob formas imprevistas, o movimento fenorne-
nolóco. 
HUSSERL E A NECESSIDADE DE UM RECONIEÇO 
Se desde as suas origens a filosofia ainda não começou se-
riamente, não pode ser por falta de tentativas, pois ela já tem, ao 
1. "Postface à mes idées directrices" ("Posfácio às minhas idéias diretrizes") em 
Revue mitaphpique et de morale, 1951, p. 397. 
QUE É A FENO ENOLOGIA? 
9. 
3 
3 
1 
g 
_ 
nascer Husserli,_,nrna longa_ tradição.4,Mas é verdade que ela sem 
cessar se recolocou em questão e que há uma secreta esperança 
do filósofo, ao recapitular a tradição que o engendrou, de ser 6 
filósofo definitivo ou, se é possível c1i7:€1,-1o, ao mesmo tempo o 
primeiro e o tiltin;6., Sem dúvida, ele não começará no sentido 
próprio do termo, mas ele temo recurso de recomeçar a tarefa que 
seus predecessores haviam empreendido mal.-Trabalho de Sísifo? 
Husseri acavessará efetivamente uma crise de ceticismo pouco 
antes de 1907, época das Cinco lições sobre-a fenomenologia; 
mas ele a superará. Mesmo se a conjuntura é má no mundo da 
cultura e precisamente porque o é, é urgente fundar a "filosofia 
verdadeira" 
O sentimento de uma crise 
Pode-se dizer que toda a vida filosófica de Husserl, 
às conferências sobre a Crise das 
ciências européias (1935), é dominada pelo sentimento
- 
 de uma 
\ crise da cultura'. É, portanto, possível afirmar corrrMtTle 
	 
,k-que a fenomenologia nasceu de uma crise e sem dúvi 
 -a também 
Aue essa crise é ainda a nossa. "A fenomenologia se apresentou 
' »desde o seu início como uma tentativa para resolver um problema 
que não é o de urna seita: ele se colocava desde 1900 a todo o 
mundo, ele se coloca ainda hoje. O esforço filosófico de Husserl 
é, com efeito, destinado em seu espírito a resolver simultahea-
't mente uma crise dá filosofia, urna crise das ciências do homem e 
urna crise das ciências pura e simplesmente, da qual ainda não 
saímos2". 
oei,d2, /trabalhos de Husserl, se caracterizam na Alemanha pela derrocada 
Os dez últimos anos do século XIX, período dos primeiros 
dos grandes sistem2s filosóficos tradicionais. Hegel, que ilumina-
va todo o pensamento alemão quarenta anos antes, voltou à som- 
bra e a influência de Schopenhauer entra em declínio. Sem dúvi- 
,5'1/‘ 	
, da, pensadores poderosos como Marx, Freud e Nietzsche estão a 
2. M. Merleau-Ponty, Les sciences de thcrn,ne et ia phénornénologie, Cours de l'Université, Paris, p. 1. 
produzi-rAinas não interessara ainda senão círculps, restritos :::e s6 
despontarão verdadeiramente no século seguintOt a Ciência que
, 
doravante preenche o espaço deixado vazio pelafilosofia especu-
lativa eobre o seu fundamento, o positivismo,-Pára o qual o co-
nhecimento objetivo parece estar definitivamente ao abrigo das 
construções subjetivas da metafísica. 
No domínio das ciências, duas dentre elas são particularmente 
nOtáveis: as matemáticas e a psicologia. As primeiras, afastando-
se cada vez mais dos, dados da intuição, procuram construir siste-
mas formais que permitiriam unificar numa s6 suas diversas disci ---
Plinas, realizando assim o velho sonho dos Pi óricos. Essas in-
vestigações, que conduzirão G. Cantor à constituição da teoria 
dos conjuntos, são conhecidas do jovem Husserl, que se formou 
nas matemáticas sob a direção de Weierstrass e para 1TM2 
 tese 
sobre o cálculo das variações. Quanto k
—sicõl 
	 ela busca, de 
acordo com a tendência positivista e/11—Y-0,ga—constituir-,se corno, \\.. 
ciência exata conforme o modelo das ciências da natureza, elimi
- 
nando assim os aspectos subjetivos e, portanto, aparentemente 
não científicos, que ouso da introspecção comporta. 
- 
Mas, a-partir de 
	 bela segurança do pensamento posi- 
.. 	
tivista_corneça a ser abalada, pois cada vez mais os fun
' damentos-e—._ 
	
\)i o alcance da ciência tornam-se objeto de interrogação: terão as 
	 "-- 
e06‘ leis que ela descobre uma validez universal? Qual é o sentido de orA 
tr,)° 	 sua objetividade? Não serão elas somente convenções e não de- 
penderão do psiquismo, cujas le's a 
.psicolaálpor sua vez desco-
bre? A essas questões, os últimos ramos do pensamento kantiano 
ou neokantismos, tentam responder concebendo um "sujeito pu-
ro" que asseguraria a objetividade e a coerência dos diferentes 
domínios do conhecimento objetivo. Mas outras questões come-
çam também a se colocar: O que di7er do sujeito concreto, era sua 
vida psíquica imediata e em seu engajamento histórico, que o 
 
pensamento objetivo não consegue explicar? A esse respeito, 
sujeito puro dos neokantianos parece bem abstrato e "exangue", 
segundo o termo de...--nnIt lev--
..‘gste último, com efeito, pensa que é 
preciso voltar ao "sentirnen-ta da _v_ida.",_mais-fundamert.al 
dados da ciïnci-a; tendência que compartilhamW. 
	
n\os Es- 
tados Unidos e Bergson na França, que analisam a
—ir-c-arrente de 
Consciência" ou os "dados imediatos da consciência". 
Ot• 
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O QUE É •.11, ENOMENOLOGIA7,à,;::: 
:•:•••• 
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.......„:„„ 
ue jan; 'scoti- 
 matemáticas
.suas preocu-- saCrifi - li ' 
 
2 
	 i osóficas- , 
se 	
abandotÈen 
	 postodi assistente d ., . 	
.. 
.Yeiertnass sue acabava de obter e decide consagrar-se à solução - 	 = ._. 
desses problemas. Nessa época, entra em contato com „Franz 
1~ue, em sua Psicologia. 
	 do_ponto -yz,sta empírico, ---. 
' 	
_. 	
propõe__um n_y_o_método,
"--ile—~~erattow:lo_psiqgismoà 
 A gran- 
ihuição de rentano nsiste de início em disfinguir
. 
 fun-
/ (tamentA!mente,..os en menos_psíquicosr_que-comporWm-uma-:inr
, 
1--, 
 ________,tencionalidade a visada de um objeto, dos.f,pnômenos físicos; em 
seguiciaem afirmar que esses fenômenos podem ser percebidos e - -----ra 
i 
 que o modo de Isèrgoisvtt original que deles temos constitui o seu 
; conhecimenfirindarnontal De onde a fórmula: ,``Nirigugrp_pode 
ysrdadeiramenie-dumidar-,que-o,estado_ psíquico.~_tem.si-reesino* 
'• percebe não existe _não uisteaal tcebe" _fórmula que 
R-J-sse.t.tnfte,q149cgá, ir- 
 Eis .aí, com efeito, uma posição estratégica forte, já que 
.a, 
lidescrição do fenômeno tal como ele é obedece. às, exigências do 
'il posiuvismo reinante, que exclui todo conhecimento que não 
I 	
ve- 
I à vida que a ciência tini-ia tendência a esquecer. A exploração do 
/ nha da experiência e permite, por outro lado, aceder ao concreto e 
'campo de consciência e dos modos de relação ao objeto, que a 
escola 'cle Brentano persegue com Stumpf e von Meinong, delimi-
ta o que se tornará o campo de análise da fenomenologia de Hus-
serl. Mas essa escola fica na descrição dos fenômenos psíquicos, 
e não res sonde às uestões fundamentais •ue Husserl se coloca: 
poderáum conceito lógico ou inatemático, como um número, se 
reduzir à operação mental que o constitui, por exemplo à nume-
ração? E se ele não reduz a isto, não será o estudo da operação 
K, 5°J 
 somental mais que uma simples descrição do psiquismo? lira ultra-
passamento da psicologia descritiva de Brentano e verifica ne- 
erm 	 ‘0(4)c—E-STrrio e- é este ultrapassamento que Husserl realizará sob o no- 
me de fenomenolegia. 
Um duplo escolho: o empirismo e a filosofia especulativa 
O contato com Brentano terá pelo menos despertado Husserl 
para as insuficiências das ciências humanas ou "ciências mo- 
UM'••POS.ITiVI—S244- 
 0- 
 SUP- latu :•;--.~.(w.,-.• :, 
..; 
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Itk-;•• • . 
. 	 ... 	 . 	 . 
r4s-r-r tais. 
 Como elat- 
 Sedesenvolvem sob 
--áéiis-Olhos ir 3
..rOlta dos 
aiib 1900. 9..sue ele censura a essas ciências e4totadamente;à """.\ • 
psicololi • L..ter tomado Os seus --métodos das ciências •.-: 
e; ap- 
 licÀ-los sem 
 .diSCernir 	 épj.e seu objetilib-6difereatNEssa crf 
ca já se encontra em Dilthey, cujas Idffias:concernenses a 
psieologia descritiva e analftica (1894) Husserl leu. Ao passo que 
a'. natureza s6 é acessível indiretamente, a partir dos fatos esparsos 
cuja unidade e coerência não são jamais senão hipotéticas,iávida pji.09,,al 4 
 aç)
. c_egitrafió um_dado_imediato_iii.ie_não_exiges~ 
reconstrução, mas, somente uma descrição.
---Donde a fa."Mosa' 
 dis-2 
Unção proposta por li:iiilthey: 
	
. 
	 -a 
-'" 
"Não existe um conjunto coerente da natureza nas 
; 
njos nat.-reza, compreendemos avido pstquicg
.7'. 
parte um dado primitivo e fundamental. /45s,e_xpiica • 
combinação de hipóteses; nas ciências morais, ao con-
trário, o e.:onjunto da vida psíquica constitui por toda 
ciências físicas e naturais senão graças aos raciocínios 
que completam os dados da experiência unas a uma 
Se nesse ponto a crítica de Husserl encontra-se com a de Dil- 
they, não é que ele swcure de rec os 
	 tados sue .uderam 
obter as ciências experimentais (e notadamente a psicologia ewe-
rimental). Mas essas =mas não determinaram exatamente seu, 
objeto e não sabem, pois, a que se referem os resultados obtidos. 
Pensamos aqui nas p avras e met que, à questão: "O que é a 
inteligência?" respondia: "A inteligência é o que os meus testes 
medem". Como admitir que se possa calcular sobre a ser snção, a 
percepção, a memória, etc., sem ter previamente elucidado o que 
quer_ dizer sensação, percepção, memória?. §_e- a psicologia con:- 
. o (te, 
 mporânea quer_ser-anr-ia-dos-fenômenospsfquicosré preciso 
',que ela possa descrever e determinar esses fenômenos com um ri- 
jgor conceptual. É preciso que ela adapte a si própria, através de 
um trabalho metódico, os conceitos rigorosos necessários4". 
W. Dihhey, "Ides" em Le monde de I esprá, trad. Remy, Paris, Aubier. 1947,1. 1, p. 150. 
E. Husserl, La philosophie comme science rigoureuse (A filosofia como ciência 
de rigor), trad. Q. Lauer, Paris, P.U.F., 1955, p. 77. 
4-- 
PW PI r 
 
 
_ 
 
b: ("..?UE É • A FENOMENOÉ,QÇIAT 
sociólogo-pote-til explicar. Mas amplamente, que os princípios 
diretores do conhettriento não são.. senão a resultante de leis 
biológicas, psicológicas ou sociolócas. _ Essa tendência, que 
Husserl combate sob o nome de-risicoloãiirrn,-3; tem por resultado 
minar a basZrdessas próprias ciências, já que relativizam seu pró-
prio fundamento: que crédito, por exemplo, conceder ao psicólo-
go que pretende explicar pela psicologia, os princípios da lógica, 
- quando ele próprio se urili7a desses princípios para trizer a expli-
juis-c701-s-cação deles? H. usserl não tem dificuldade em mostrar que as ma.: (- 
temáticas ou a lógica, cujas leis têm uma exatidão :bsoluta e po-! (yi) ci 	 dem ser conhecidas c.' priori, isto é, sem recurso à experiência,. 
sa 
_ 
,5-0„ o irredutíveis às ciência empíricas cujas leis são ainda impreci- ; 
1,,:ifuczit, .a.s e não podem jamais ser definitivamente,atPguadas por de-
penderem elas de uma experiência sempre imperfeita. 
.. 
O ue constitui o interesse das ciências humanas - a saber o 
ko.f.C.9qau,e sstudainTaS. 	 es.,:tdo:iiprml" --in_le,,,ndt'a-'arn_e_ntê esta 
:" rrV2_C-1 	 lcgiada que é 9. 
 conhêcimeLlto Co_nstituLtambéra sua 
gr..._nne.z.a. 
 guando essas atiyidades_são_.:extu7idas_a_simp_lesfenõ-
menos naturais: nes_te c_aso elas_aniquilam não somente seus pró-
prios, pressupostos, mas també_mAsde_todáputraforma de conhe-
cimento, quer se trate da filosofia ou da ciência. 
_a 
I.sso nãO significa, todavia, que se deva voltar às concepções 
filosóficas do passado. Pois, tendo saldo já inteiramente armartRs 
como Minerva da cabeça de seu criador, essas filosofias "prontas 
e acabadas" vão por seu turno reunir-se a "outras semelhantes 
Minervas no museu tranqüilo da História5". Se, com efeito, a ló-
gica e com ela a atividade de pensamento devem ser salvas do ce-
ticismo ao qual as entrega a redução empirista, não é para lhes 
permitir tecer ainda outros sistemas filosóficos 'que, à sua manei- 
;.• 
-4121"V4. 
• 
. 	 - • 
:
U
U
M
 
;cliier-sobreudoejeitoitur.a1smodes-q-q s 
; ciencias 
	 não tendo destacado_a_f_tspecfficiaã~seu_objetoaa 
'e tra do-o como,..se sejratassede-um-objeto-físico,co~in,a‘ 
causas__epgiore, s-de--timzfenômenoscom-a,naturez% Ài`rsttriulg.s44.noperiq.-- 	 As conseqüencias de tal atitude são gra- , 	 . 
ves: será dito, por exemplo, que uma: afirmação, que crê ter 
razões, é determinada na realidade por Causas que o psicólogo ou 
_ 
um PpsTrwasIOÀPRERioR 
ra, fariam tanta violência à realidade como pode lhe fazer,um mau 
uso das ciências ern íricas. 
• 0,:éaminho de Husser_pusca.e que comandará até enisuas 
timas catifãã a sua concepção da fenomenologia é uma 'a tnédiai 
entre esses dois escolhos': como pensar 'segundo a sua natureza e 
entr-t-adá -,uma de suas nuanças - e portanto, sem jamais ultra-
passá-los - os dados da experiência em sua totalidade? Todo o j 
fenômeno e nada mnis que o fenômeno, se poderia dizer. O postu-/ 
lado' que funda tal empresa é que o fenômeno está penetrado no: 
pensamPnto, de logos e que por sua vezo logos se exix5e e s6 
- 
__- 
expõe no fenômeno. Apenas sob essa condição é possível uina fe-
omenologi4- 
Mas se o fenômeno_não_é_nada. de construído; 
 -se é portanto._ 
-- 
acessível a todos, o pensamento racional, _o lqgos _deve sê-lo 
também a Husserl acaba então por conceber uma filoso'ffa
-nOva 
.quecrealizaria enfim o, sonho de toda filosofia:, tornar-se uma _ 
ciência rigorosa. A realização de tal projeto supõe que, em vez de 
se prender as tradições filosóficas divergentes que lhe transmitem 
indefinidamente seu desacordo, o pensamento filosófico retorne
. 
ps suas origens dando-se como ponto de partida, não mais às opi-
niões dos filósofos, mas à própria realidades, "Não convém que; 
impulsão filosófica surja das i'ilosofias, mas das coisas e dos pror. 
blernas6". Assim, a filosofia, nascendo sobe o solo de uma expe
-iência
,. 
Comum, poderiam enfim começar verdadeiramente como 
um assunto que diz respeito a todos, em vez de ser, somo o são 
ainda as "visões do mundo", a expressão acabada, mas apenas 
singular e, portanto contestável, de uma individualidade genial. 
RECOMEÇO E "RETORNO ÀS COISAS MESMAS" 
Entre o discurso especulativo da Metafísica e o raciocínio das 
ciênars-13blitiVaS-deVe,---pdis,--existit uma terceira-via; 	 ( e_ 
ant-e-s-de-rodo raciocínio, nos coldcaria no mesmo plano da reah-
Cl....="fte ou, corno-difts-erl,-das--"dois-as=rtIesmas"-G-sa-Vial ! 
--.4 
te nada por Descartes que busca dai-Wsifã-fll-õs-õfi-ã um fundamento 
• 
	
-_ • -•-_•• • 
 
5. Id., p. 55. 6. Id., p. 124. 9 10 ela (1 	 o-d.o_ , Do.5 	 sas roi"
, mc;,.. 
POS44- ocIn 
 
$41.kaal,s"c£2_14 	 O QUE É A - FENOMENOLOCIA? UM POSITIVISMO SUPERIOR. - 
mito para o conhecimento", Husserl o chama c(princfpio dos -, 
, ! 
	
	 que não fossem vivificad2s senão por 
‘„intuições longinqüas e imprecias, inautênticas - se é que isso 
1 , 
	
	 'acontece atravéft de intuições quaisquer - não poderiam nos satis- 
fazer.i.Nós 
 queremos v_o_11,dr. 
 eis-coisas-ime-sznas
_47" • • 
; - 
	
	 uer 	 ue se a reciso se Limitar às 
ssões sensíveis o que,seria afundar-se num cetieisma
-do-ti-
o de .P.ume. Pois se é verdade_qusfenômer 
 nos se clã-O:a:n-64s' 
_ 	
- por intermédi„o_dcs sentidos, eles-se
-dão_semp_re_c_ono 	 a 
 dôfTd(:de 
um sentido _11 de uma 
	 sê 	 Fia 	 que,-1-Wr--a além dos da- 
dos dp,,_,seritidos, a mr,ucao 
	 ser_á_uma-intuicao da essência ou_ do- 
. 
se ntidt2,-, 
	
•ftk 
inabalável; que é, como todoS' sabem, o "eu penso", como qual 
se dá inseparavelmente o "eu sou". Eis aí o que Husserl_eharna 
uma intuição 
	 a'ári . Infelizmente Descartes procede de tal 
maneira que todas as outras intuições se dão a ele como duvido-
sas e ele tem que recorrer a Deus para garantir sua verdade. Mas 
não será isso então chocar-se contra um dos escolhos a evitar, 
voltar à especulação metafísica que cumpre definitivamente banir 
da filosofia? 
‘.° De fato, 9-discurso fic5 
	
_sempre_permane=_em 
contato com a natuição_se_não-quiser se dissolver em especulações 
; -~,sse retorno incessante à_intuição orieiná. "fonte de di-
- 
- 
'..x¡;•re..r.st• 
I 
e. intuição das essências 
É como dissemos, um postulado da fenornenoloa que o 
lastrado de pensamento, que seja jogas_ap.4:14esmo 
temo° ue e inpno .1:\lão se pode pois conceber o fenômeno.. 
çomo urna película de impressões ou unia cortina atrás da qual se ... 
abrigaria o mistério das "coisas em si". Hegel já dizia que atrás 
lia cortina não há nada a ver-43. Falar de un.14-•-••-e_ 
- 
não sinificará pois devotar-se a uma contern.plão niís-fica que 
_rmitircguns iniaado_s_v_er_o_que_o_comu.-5-_dos mortais nasi 
Recherche.s logiques (Investigações lógicas). Tomo 2, 3 
 parte. Trad. H. Elie. 
Paris, P.U.F., 1961, p. 3. 
Cf. Phénoménologie de tesprir. Trad. Hippolyte, Paris, Aubier, 1947, p. 140. 
ve.ê, mas ao c_ontrário,essaltar_que_isi__________sentido de um fenômeno lhe 
imanente_e_po_de_ser_percebido,_de_al 
ap.2:_i_ênc 
Tridicionalmente, 
\ que é? Esta questão pode ser colocada a prOpósito de qualquer 
1 fenômeno e, se não a colocamos, é porque já estamos assegurados 
de sua essência ou porque ao menos acreditamos estar. Não 
	 exis- 
te, com efeito, nenhum fenômeno do qual_possamos_clizere 
não é nada, pois o que nao na_dk.não é. Se-cedo fenômeno tem 
uma essêírcia, o que se traduzia pelãTpossibilidade de designá-lo, 
nomeá-lo, isso significa que não se pode reduzi-lo à sua única 
dimensão de fato, ao simples fato que ele tenha se produzido. 
Husserl gosta de 
evocar a esse respeito o exemplo da "IX
-Sinfonia". Esta pode se 
traduzir pelas impressões que experimento ao scutar este ou 
aquele concerto, pela escritura desta ou daquela partitura, pela 
atividade do regente de orquestra ou dos músicos, etc. Em cada 
cw;° poderei dizer que se tratada "IX Sinfonia" e,_contuao, esta 
;ião se reduz a nenhum desses casos, se. bem que ela possa a cada- . . 
vez se das neles inteiramente. A essência da "IX Sinfonia" per-
sistiria mesmo se as partituras, orquestras e ouvintes viessem ar.; 
?desaparecer para sempre. Ela persistiria,..não...como.urna_realidade' 
,-) 	 mas_Qprna-u~ura-possib:ilitigaP 1.-Ião obstante, j 
 
essa pura possibilidade que me permite distingui-1a de imediato 
de toda- 
 outra sinfonia, mesmo se o disco no qual eu a escuto está. p • 
r iscado ou se a orquestra é rubi} Da mesma maneira, um menino 
trabalhando sem compasso dirá que .a.fonna vagamente oval qu6, 
traçou em seu caderno é um círculo. Vemo_s ern_que_a_intui -d.aj 
ue é o 
._essência_se rüstingue.44.42~.o_do_fato• 
	
~o-sei:4A 
	
irirrros-an fAra materialmentercebido_e_qiie 
	 • 
nos permite _ 	 ide-n 	 - A _ 
e .a_e_w~t.e,a.clçjj,,j&,A. um 
 fenôrne_no, é:porque ela4. 
_ sem_pre iclên c 
	
 •não inicortas 
	 unstâncias. 
coutte-c-entes-de-sia.realuaçao....Por numerosos que sejam os tem-
pos e os ugares em que se faia do triângulo, por numen:sas que 
sejam as inscrições de triângulos sobre os quadro-negros de todas 
as escolas do mundo, é sempre do mesmo triângulo que se :rata. 
Esta identidade da e.ssência consizo_própzia,,portadto-eáaimpos- 
sibilidadezde,ser outra_coisa_qne.o.que é, se,traduz.por-seu-caiátere, 
de 	 - 
fato aleatório Alesua-manifestação.--Ademais -se-cada-essência é 
única em seu_gêxiero,L,pode,se_eoncebeir,nina'mfinidade de essên-
cias novas das quais cada qual será irredutível ás outras. 0:;? Fine 
n2k_conduz a mgüntar:_rnas;de_queTentão_likes~ias2 • 
Sem dúvida, há uma essência de cada objeto que percebemos; 
árvore' , mesa, casa, etc. e das qualidades que atribuímos a es. 
 tei 
abjetos: verde, rugoso, Confortável, etc. Mas se a essência não 61 
coisa ou a qualidade, se ela é somente :3 er da coisonda 
dade, isto é, um puro possível para cuja definição a existência 
não entrá em conta, pocrerà haver tantas essências quantas signifi,: 
cações' nosso espirito é capaz de produzir; isto é, tantas quantos 
objetos nossa percepção, nossa memória, possa imaginação, nosso 
pensamento podem se dar. Independentes da experiência sensível,, 
muito embora se dando atfavés dela, as essências constituem 
.mo que a armadura inteligível do ser, tendo sua estrutura e suatia, 
leis próprias. Elas são a racionalidade imanente do ser, o sentido -*5 
a priori nocrua' deve entrar todo mundo real ou possível e fora 
do. 
 qual nada pode se produzir, já que a idéia mesma de produção 
ou de acontecimento é uma essência e cai, pois, nessa estrutura a 
: priori do pensável. 
Será, pois, uma primeira tarefa da fenomenologia elucidar 
se "puro reino das essências", segundo os diversos dorninioS on 
"regiões:: que elas permitem pensar independentemente da pró-i 
pria existência dessas regiões: seja a região "natureza", compre-
endendo os fenômenos reais ou possíveis de que tratam as• ciên-. 
cias da natureza; kregião "espírito:, compreendendo os fenôme-
nos que tratam as ciências humanas; a ..região "consciência"; 
compreendendo todos os atos de consciência sem os quais, 'corno
_ _ 	 _ 
teremos a cli7er, nenhum acesso nos seria dado às outras regi$5es". 
Mas previamente - e é essa a tarefa à qual se dedica Husserj 
.na.; 
Investigações lógicas - será elucidado a essência das formai pu-
ras do pensamento, as categorias lógicas e gramaticais que noa 
permitem' pensar um "objeto em geral" e que são, pois, i con-
dição de inteligibilidade das outras regiões. Essas categorias for-
mais podem, com efeito, ser elas também objeto de uma intuição 
que Husserl chama "intuição categorial".
- 
 • • 
• 
É possível assim alcançar uma compreensão a priori do ser, 
portanto uma compreensão independente da experiência efetiva, 
sem por isso abandonar g intuição, já que a intuição das essências 
é intuição de possibilidades puras. É ao mesmo tempo possível ter 
um conhecimento 4 priori dos diferentes domínios aos quais se 
aplicam as ciências experimentais, portanto saber de antemão o 
que é o objeto de que vão tratar. Pode-se assim conceber que elas 
sejam precedidas e acompanhadas em seu trabalho por ciências de 
essências ou "ciências eidéticas". 
A análise intencional 
Más dizer que, através da experiência sensível, nós alcança-
Mos a intuição da essência e que esta condiciona o sentido do 
sensível não é novo, Platão já chamava eidos esse gênero de in-
tuição .CondicionadO à Visão sensata do sensível: "se há muitas 
Camas' à Muitas mesas, as "idéias" dessas coisas são, no entanto,apenas • duas: uma para a cama, uma para a mna9".' Permanece, 
então, a questão de saber se é preciso situar essas idéias, como o 
fai(inaW)num mundo inteligível do qual o mundo sensível não 
seria senão um derivado: Ora, Pensa Husserl, não seria manter-se 
fiel ao Princípio da "volta às coisas mesmas" imaginar um lugar 
celeste onde as idéias teriam sua residência. Seria, ainda uma vez, 
cair na especulação metafísica. 
O de elas então 	 erão residir? Muito sim lesmente na 
ponsciência„,já_qi.ie_é_,Como vivências de consciência sne,elas se4 
dão a nós. Mas então surgemina..nov.a difiruf4de'ae,elas'es'ailiall uxème~swe 
COnSC tência ns5s_vamoireduzi-las-a-simples-fenômenospsíquicos, 
tilbtillsrics- por sua- vez dii_psicologia_e recaireMos nessepsicolj 
gism-o-giiie=i-li&keittão_vi.gorosamente-refutou. C—umpre, poi, que 
eiii=tiefam---aC-es-sfveis somente na consciência, mas que elas não se "Tço 
confundam jamais com os fenômenos de consciência que compe-
tem Á psicologia. É aqui que Husserl vai recorrer à noção funda- 
9, Repablica, 595 c. 	 : • 	 I 
16 	 O QUE É À FENOMENOLOGIA? 
, . 
4 
UM POSITIVISMO SUPERIOR 
. 	 , 
17 
 
.18 
	 O QUE É A FENOMENOLOGIA? . 	 •.; 
UM POSITIVISMO SUPERIOR 19 
\ 
mental de intencionalidade da qual já se servia Brentano, que a . tomara ele próprio à filosofia medieval. 
. 	 O princf io_claintencionalidade_é_qiie.a.consciência-6,seinpre. 
"consciência de alguma coisa," _que ele,s6.4.cOnsciêncieestandCs 
dirigidaa,umiebjere(~,5-de intendo). Por- 
 sua vez '12 .objetd s::Lppde„serclefinidaern-sua-zel
conaciência,,ele,64
_____f_mpLe olykoT
_pcu:
_a,,u/nsujeito 
 Pederernos,_p_ois,„falar,..seguindo_Brentai--
_ nck__de unia existência.inLcrorial-do-objetd-na-Co-ns
-Cieiiaa. LIO não queí dizer q-ue o objeto está contido na consciência como que dentro de urna caixa, mas que s6 tem seu sentido de objeto 'para 
uma consciência, que sua essência é sempre o termo de urna' visa-, 
.da de significação e que sem essa visada não Se poderia falar de: objeto, nem portanto de urna essência de objeto. Dito de 
.toittre maneira, a questão "O que é o que és?", que visa o sentido obje4 tivo ou essência, remete por sua vez à questão: 
"O que se quer dizer?",dizer?", dirigida à consciência. Isso significa que as essenCiaS 
não têm existência alguma fora do ato de consciência_q yi _ue.as e`Trgo_clo sob o ,,:p1RW--s a reende na 
	 ipl~is_por_ jb
_a fenomenologia.„_em. 
 yez de ser contemplação deurri.universu eStá- tico de 
	 essências eterris,,,vai„se-tomar_aranálise.do-dinamisma.do 
erfizito ue dá aos obetos4o,rninido_sementido Deste sentido, 
-e-se dizer que ao mesmo tempo ele depende da liberdade do 
espírito, que poderia não produzi-lo e não obstante ultrapassa
' g 
contingência dos atos de consciência por sua universalidade ,e sua 
necessidade. 
• Assim, se retomannos_ton exemplo caro_a,flusserl, diremos_ que os seres matemáticos não têm existência alguma fora das'O 
rações_do_matemáticp que os_conduz,mas_quesu.a exisiencia,Iam- 
pouco se confunde com a dessas o rações. Para dizer a verdade, 
enxienshtzciaaedxi_epestênndceiai;ion—emmodno 
 sob 
o e 	
a consciência nem fora; .se 
	
qual a conselén- 
_cia os visa, lhes dá um sentido, no caso, como puras idealidade& 
cuja natureza é de serem construídas lo espírito, se bem que o ,espírito.nacuossaconstruir nao import
_a_L.) que, já °que ele deve se 
_clob ,a regras_u_ni
_le_rsai_ _ 
Mas, se perguntará, o que dizer dos objetos da percepção 
sensível? Retomemos para este fim um exemplo concreto que 
Husserl propõe: "Nosso olhar, suponhamoã,'Volta-se com um sen- 
timento de prazer para uma macieira em flor num jarclimw...". Pa-
re o . Senso Comum, tal percepção consiste de início em colocar a 
eiistencia da macieira" no jardim, depois em colocar em relação a 
essa nlaCieira real a
-Cónsciência do sujeito pensante, et que produ-
zirá ria . aiiátiência lima Macieira representada *correspondente à 
Macieira real. Con'seqiiéticia: . haveriam duas Macieiras, uma no 
jardim e outra na coniciência. Mas surge a dificuldade: como po-
dertt-04a duas macieiras Constituirem apenas urna só? Será preci-so, c9111 Platão, imaginar 'urna. 
 terceira macieira que Permita con-
ceber g 'Identidade das dulia outras e assim nó infinito? 
f: . É que assim não atingimos a essência mesma da percepção da Macieira. Se recorrermos, ao contrário, à análise intencional, não 
partiremos da macieira em si da qual nada sabemos, nem da pre-)((i teníarcieira ,:epresentada, da qual não sabemos mais que da 
outra, Partiremos dás "coisas mesmas", isto é, da macieira en-
qtitinto percebida, de ato. 
 de percepção da macieira no jardim que 
,..
. 
é 4 vivência diigin4 a Partir da qual regamos a conceber uma 
macieira ou urna Macieira representada 
Se O fp.bets, jsern re_Ob'etoznara-uma consciênci ele não 
„___.._. ___i _ peser4 rimais objeto em si,_mas_objeto- rce -iiiobieto= nsa- do 	 ádo • ----a-d- ré A a--1-------áige huenciarial vai-nos ,t_ , remernor _, _rniuwx: o, e 4 
°litigar assim a conceber a relação entre a consciência e o objeto 
sob' tuna forma que poderá parecer estranha ao senso comum. 
Conaciência e objeto não são, com efeito, ditas entidades separa-. 
clas-na-natureza=- 
 ue-se-trataria -em -seg~ em relaçãci 
masCenidiêriCia eCibjefcTS:e_aefihem-reártectiv_ainente:a.-
-partir-ds;A ta .-7------corre'láç-ao---- 
 que .1/tes é, de alguma— 
 _man- 
 eu' a„---co-originali Se g - -dg 
ct--oi-i-siênCia-Ã---sempi..-.e_1`,.c
- onsCiência.de_al uma çoisa..._" e se o ort-_ e o sti.o...pn re "obje_to:para__a£onsciência 
.41ama ssa-
ir mos sair dessa ,o_áLquerre 
 consCièrici.a.J1eM.obÁstc22#Assim 
 se encoiitra delimitidO-o-c.am-ffée-de- 94e--rsk--- 	
- 	 c-- . 	 - - -4 análise dafe.nomenologia; e a deve elucidar a essência
-dessacn relãk-a-Ci 
 -itã qual não
_somente_ap.arece_taLou_q-Uãllbbjeto, ma-s-:se 
estende eiriiinda.inteiraTrorno essa ariliSeTeeób á -re-tOda-i-eifera t.- 	 . 	 - dinâmica do esp- ín-7-41to, do no. 
 us, Husserl batizará com o nome de 
to. Idées directrices pour une phénotnénologie (Idéias diretrizes para unta feno-
ntenologia), trad. P. Ricoeur, Paris, Gallimard, 1950,i). 306. 
A REDUÇÃO FENOMENOLÓGICA E SEU RESÍDUO 
É assim que a análise intencional conduz à edução fenome. nolOgica ou co ora ao entre e 	 orno a er,.............4_,_aentémente de todo ato de cowerai,.....
_,_
conce o senso comurinsto_é,_Corno 
arenteses_da_reali 
. • . 20 	 O QUE É A FENOMENOLOGIA7 
, 	
• - ‘ 
	
.. 	
. 
nóese a atividade da Consciência e com o nome de nóema o obje- . — ... 
	
. 	
. 
to constituído por essa atividade, estendendo-se que se trata do 
	
, _ 
	 . 
esrpo 'campo de análise no qual rt consciência aparece corno Se 
projetando para fora de si própria em direção a seu objeto e o ob-
jeto Como se referindo sempre aos atos da' consciência; "No sujei-
to há mais que o sujeito, entendamos: mais que a cogiiátio:oti 
nóese; há o objeto mesmo enquanto visado, o cogitatum enqUanto é puramente para o sujeito, isto é, constituído por sua referência 
ao fluxo subjetivo da vivência". 
Se, com efeito, a correlação sujeito-objeto s6 se dá na in; ft uição originária da vivência (Erlebnis) de consciência,, o estudo dessa correlação consistirÁnuma análise descritiva do campo
-de 
consciência, o que conduzirá Hu5sfrl_a_definir_a_fenoroenológiA. 
como "a ciênciá descritiva_dars_essências da consciência e de
.seu 'd \ atos Mas não se trata mais aqui4e_uma_p-SicCdogi.a_descritiva tal, • 
como a ,pratida—y43ititianorpois,a_conscrência_conFém_muitoÃuarsx 
9ue a si própria: nela percebemos a essência_daquilo_que_ela-nã% é—o—
, sentido rre_smOdt&náltdo-edireção adiqual_tla_não_cessade . 
"explodéciater),,comodirá,Sartie 
O que, então, vem a ser, para voltarmost,o mrsso exemplo,a 
macieira em si e sua miniatura representada? Como ninguém ja=. 
mais soube o que fossem _seria melhor não levá-las em conta ou; 
como diz Husserl, reduzi-las" 
Uma mudança de atitude 
r Essa concepção do senso comum, Husserl a denomina atitude natural. A atitude natural, que é tanto a do cientista como a do 
t. 1. Idées dh-ectrices, op. cit. Comentário de P. Ricoeur, p. 300. 
_ 
UM POSITIVISMO SUPERIOR" 
 . 
	 21 
homem na rua, consiste em pensar que o sujeito está no mundo 
Como em algo que à contém ou como uma coisa entre outras Coi-
sas, perdido sobre uma terra, sob um céu, entre objetos e outros 
seres vivos ou conscientes e, até mesmo entre idéias, que encon-
trou "já ar independentemente de si próprio. Em conseqüência 
ele considera á vida psíquica como urna realidade do mundo entre 
outras e, para ele, a psieologia não é para a consciência senão o 
que a astronomia é para as estrelas: cada qual estuda um fragmen-
to da mesma realidade, urna região diferente do mesmo mundo. 
Quanto ao que pode constituir a unidade degsas regiões díspares 
do mundo, é um enigma que ele não percebe. Não será, contudo, 
o enigma que Pageql enunciava: "Pelo espaço, o universo me 
compreende e me traga como um ponto; pelo pensamento, eu o 
Compreendol2"? 
' 	 Ora, a análise intencional conduz, nós o vimos, a distinguir' 
entreSujeito e objeto oti consciência e mundo, uma correlação 
Mala original que a dualidade sujeito-objeto e sua tradução em in-
terior-eZtorior, já que" é no próprio interior dá correlação que se 
Opera a separação entre interior e exterior. Mas o acesso a essa 
dirdenaão primordial só á possível se a consciência efetua uma 
ierdadeira conversão. 
 , isto é, se ela suspende sua crença na reali-
dade do mundo exterior para se colocar, ela mesma, como cons-
ciência transcendental, condição de aparição desse mundo e doa-
dora de seu sentido. Está aí uma nova atitude que Husserl cha-
mará atitude fehomenológica. 
s . 	 A consciência não é mais, conseqüentemente, uma parte do 
mundo, mas o lugar de 
	
 esdobrarnento no campo original da 
Intencionalidade. Isto significa que o mundo não é em primeiro 
lugar e em si mesmo O que explicam as filosofias especulativas ou 
as ciências da natureza, já que essas explicações são posteriores à 
abertura' do Campo primordial, mas sim que ele é em primeiro lu-
gar o' que aparece à Consciência e a ela se dá na evidência irre-
cusável de sua vivência. O mundo não é assim nada mais que o 
que 
	 ele 
 é 
 para 	 a consciênàic "O -mundo, na atitude feriorrieno16- 
gia-,-Flãb—é-uma-existência, mas um simples fenômeno13". 
Pensées, Fragmentos 348, edit. Brun.schvicg. E. Husserl, Méditations cartésiennes (Meditações cartesianas). Trad. Pfeiffer 
e Lévinas, Paris, Vrin, 1953, p. 27. 
a. 	 1 
111 
22 	 O QUE É A FENOMENOLOGIA? 
UM POSITIVISMO SUPERIOR 
	 23 
Esta posição do mundo como fenômeno, isto é, como só ten-
do sentido em sua manifestação na vivência, está na linha reta da 
atitude de Descartes, que era também, à sua maneira, unia 
.rej, driçãO, Para Husserl, assim como _para Desçartes, o eu pà„19_,4A 
primeira certeza a partir da qual devem ser_oblida.s..as outras
-der 
te7". Mas o erro de Descartes é ter concebido o er.
_±~,do c • 
como Uma alma-substância, por consegu uma_ço~ 
pendente, da qual restava saber~oderiamitrar em re- 
às outras coisas, colo_s_p_Quadas 
	 eftniçÃo_e nt Tnres: 
então , • • 
	 aaa~ç_L_ 
 ural que descrevemps: 
Graças à intencionalidade, o resultado da redução fenomenológi- 
ca difere totalmente do resultado da dúvida cartesiana: o que resta 
ao termo da redução, seu "resíduo", não é s6 o eu penso, mas .4 
conexão ou correlação entre o eu penso e seu objeto de Pensa-
mento, não o ego cogito, mas o ego cogito cogitaturn. 
,,,pós a redução fenomenológica, o mundo nan se tornou como 
para Descartes, duvidoso; ele permanece_tal-eorue-era.~ 
vando nus valores e suas significações antigas. Mas esses_Valprea 
essas significações - e entre elas seu sentido de.existência—são. 
"fenomenaliz-Idoã% isto é, desembaraçados da atitude ingênua or 
sue nos levava a colocá-los como sendo "em si" e assizmearre- 
.tava 
	 metaffsicas que eátoryam-AM conheci- 4Rer
_igoroso. Referida à vivência da consciência, inconcebível 
sem essa vivência, a questão de seu ser não pode mais se disso-
ciar da questão da origem do _sentido que se enraiza na vivência 
de consciência, na qual encontramos então, segundo a fórmula 
que Husserl retoma de Empédocles, os rhizomata panton, as raí-zes de todas as coisas. 
A fenomenologia constitutiva 
tarefa efetiva da fenomeno1oj 
	 nalisar as 
....._vivências intencionais da consciê c
.a ara rceber como aí se 
seiltido dos fenômenos, o sentido desse fenômeno ggaeol 
une se chama_mundo. Trata-se, para empregar uma metáfora 
aproximativa, de distender o tecido da consciência e do mundo 
para fazer aparecer os seus fios, que são de uma extraordinária 
complexidade e de uma arânea fineza. Tão finos que não apare-
ciam na atitude natural, a qual se contentava em conceber a cons-
ciência como contida no mundo'- caso do realismo ingênuo - a 
menos. que concebesse o mundo como contido na consciência - 
caso do idealismo. " 
A título de indicação sumária, evoquemos a análise de um 
fenômeno corno a percepção de uma árvore, digamos, a macieira 
de que se tratou. A constatação paradoxal de Husserl, mas que 
decorre do princípio da intencionalidade, é que a estrutura dessa 
vivência comporta elementos reais, que podemos pois encontrar aí 
e de elementos irreais, que não encontraremos aí. Um primeiro 
elemento real será a abertura da consciência para o objeto, no ca-
so a percepção (da árvore), mas que poderia ser um de outro mo-
do: imaginação, ideação, lembrança, etc. Essa abertura é concebi-
da'por Husserl como um raio (Strahl) que parte do lado-sujeito da 
consciência para se dirigir para seu lado-objeto, com o risco aliás 
de não ser "preenchido", de só atingir o vazio, caso, por exem-
plo, a árvore que eu esperava perceber tenha desaparecido. Um 
outro componente real será a matéria (hylé), isto é, a seqüência 
dai sensações' de pardo, verde, rugoso, ete, que se compõem em 
forma que perceberei como pardo do tronco, verde da folhagem, 
etc. Mas do lado-objeto da consciência, isso que Husserl chama 
seu n6ema ou correlato, vou descobrir um elemento "irreal" pois, 
com efeito, a árvore, cujos componentes de ser-percebido estão 
todos -na consciência, não está ela própria na consciência. O pró-
prio da estrutura intencional ou noético-noemdtica, é precisamen-
te de fazer-me descobrir na consciência ou no sujeito e somente 
aí, pois não poderia encontrá-lo alhures, um objeto que o sujeito. 
não pode evidentemente conter. Onde, pois, estáto objeto, onde, 
pois, está a árvore? Essas questões ,s6 se colocam porque não 
abandonamos a atitude natural e porque ainda concebemos uma 
árvore que existiria em si, seja fora da consciência, seja dentro 
dela a título de representação, independentemente da atividade 
perceptiva da consciência. 
Na realidade, a árvore percebida não existe senão enquanto 
percebida, isto é, como pólo sintético dessa atividade perceptiva 
cuja estrutura isolamos. A árvore não é outra coisa senão a uni- 
jiMpOSITIVISMO SUPERIOR 
dade ideal de todos esses "momentos sensíveis" que são o rugo-
so, o pardo, o verde, todos esses "esboços" que se modificam à 
medida que me aproximo
. 
 da árvore ou ando em volta 44, 'que se 
encadeiam e convergem na certeza que aí no jardim há uma árvo-
re. Esta certeza ou "crença", como dirá Husserl, não é. urna qua-
lidade da árvore, mas uni caráter do 
"Pu:Semi' " da percePçãe. A 
realidade 
 a exterioridade, a existência do objeto percebida! 
-seu-préprio-caráter-de_obj to de ndem das estruturas 
	 cons- 
ciência intencional, estruturas graças àsquais a consci 
 nua vê o objeto como o vê - portanto aqui como real, 
 ex_teriary existente - 
 mas s_e_mTgra_sibe 
	 as_aessamstnnuras 
 que• 
 ela o vê assim.
— 
_ 
• 
. O fato que o objeto e finalmente o próprio mundo dependam 
assim dessas estruturas conduzirá Hussed a dizer que _eles são 
constituídos. A fenomenologia se tornará conseqüenternente o 
estudo da constituiçiio do mundo na consciência ou finotuenoit \(1 	 gia constitutiva. Constituir não quer dizer criar, no sentido em 
que Deus criou o mundo, mas remontar pela intuição até a
. 
 origem na, consciência do sentido de tudo que é, origem absoluta já que 
nenhuma outra origem que tenha um sentido pode anteceder a 
origem do sentido: "É preciso aprender a unir conceitos que es-
tamos habituados a opor: a fenomenologia é uma filosOfitt da 
'in-tuição criadora. A visão intelectual cria realmente seu objeto, 
não o simulacro, a cdpia, a imagem do objeto, mas o pr6Prio, ob-
jeto. É a evidência, .essa forma acabada da intencionalidade, que é 
cOnstituidoral4". 	 • 
, Vê-se assim também o alcance da fenomenologia, que não é 
somente, à maneira kantiana, uma crítica do conhecimento, mas 
como o declarava. E. Fink num artigo célebre, "uma interrogação • 
sobre a origem do mundo, um projeto visando tornar o mundo 
compreensível a partir dos últimos fundamentos de seu ser, em 
todas suas 
.determinações reais e ideais15". issán a fenome
. 
 nolo; 
_
gia abarca tudo 
 que abarcam as me_taffsicas tradicionais,..maasem 
•• 
100. 14. G. Berger, Le cogito dans Ia philosophie de Husserf. Paris, Aubier, 1941, p. 
15. E. Fink, Die pluInornenologirche philosophie Edmund Husseris in der ge-genminigen Krirzk. Kantstudien, Bd. XXXVIII, Heh 3-4; p. 339. 
jams!is_abandonar o solo da eneriência,já_que_a_referência-à 
 hl; 
t*ãoperreariente, á-sini,rode.-se falar a seu respeito de um 
positivismo superior, sendo o fenomen6logo, segundo Hussed, o 
único verdadeiro positivista: • 
"Se por `positivismo' se entende o esforço, abso-
lut2mente livre de preconceito, para fundar todas as 
ciencias, sobre o que é 'positivo', isto é, suscetível de 
ser captado de "maneira originária, somos nas que so-
mos os verdadeiros positivistas16". 
Idealismo ou existencialismo? ' 
- 	 .. 
c. 	 Entretanto, nem tudo está.resolvido com isso. Se a redução 
fenonienol6gica faz aparecer o mundo como fenômeno e se a gê- 
nese de seu sentido é perceptfyel na vivência da consciência, nem 
tudo está dito sobrç. 
 o sentido dessa vivência, sobre o sentido das 
estriituras nas quais se constitui o sentido do mundo. 
O campo da aliãlise intencional pode, com efeito, ser conside-
rado sob dois enfoques diferentes. A primeira caracteriza o perío- 
do idealista de Husserl que se abre com o primeiro tomo das 
Idéias diretrizes (1913) e culmina nas Meditações cartesianos 
(1929). Nesse período, no curso do qual Husserl será levado a 
qualificar a fenomenologia de idealismo transcendental, o acento 
é colocado sobre o sujeito ao qual é preciso ligar a consciência na 
qual todo sentido se constitui. 
A redução fenomenológica fez, com efeito, aparecer como 
resíduo, que não pode ser reduzido, a vivência de consciência. 
Mas esta vivência é vivida por um sujeito, ao qual se referem os 
objetos do mundo e de onde vêm as significações. A análise da 
consciência, voltando-se para seu lado-sujeito ou noético, se tor-
na então análise da vida do sujeito no qual e para o qual se cons-
titui o sentido do mundo. Esse sujeito, "que se constitui conti-
nuamente a si próprio como sendo", pode ser considerado, à ma-
neira leibniziana, como unia "naônada", urna totalidade fechada 
16. idées directrices, op, cit., p, 69. 
24 ' 
	 O QUE É À PENOMENOLOGIA? 
UM POSITIVISMO SUPERIOR 27 
tar a esse mundo_antes_do conhecimento, do qual_o_conhecimento 
_fala-~re_e_com relação ao qual toda determinação científica é. 
—abstrata,—signitiva e dependente, como a geografia.com 
 relação à 
paisu_ern onde_aprendenxis pela primeira vez o que é uma flores-
ta, uma campina ou um riO18". 
• 
18. M. Merleau-Ponty, Phénomirtologie de ia perception. Prefácio, Paris, Gal-
limard, 1945, p. 111. 
a 
e 
o e 
26 O QUE É A FENOMENOLOGIA 
sobre si mesma e da qual não poderíamos sair. A fenomenologia 
se torna assim 
"exegese de si próprio" (Selbstauslegung), ciên- 
cia do Eu ou Egologia. 
Mas, se perguntará, de qual eu se trata? Se tal análise não 
quer se reduzir a uma simples psicologia, mas conservar a di-
mensão absoluta à qual pretende Husserl, esse eu não pôde ser o 
"eu psíquico" ou "mundano" que é, com efeito, com suas vivén. 
cias concretas particulares, uma região ou uma parte do mundo. 
Ele não pode ser senão a essência geral do Eu, distinguindo-se 
do eu psíquico como a essência de um fenômeno se distingue de 
suas manifestações contingentes. Esse eu, Husserl chamará Sujei-to ou Eu transcendental. Mas, se este Sujeito transcendental é a 
essência do eu concreto e, portanto, só se distingue dele como 
aquilo que condiciona a 
"ego-idade" (Ichheit) do eu concreto, o 
fato que, em sua multiplicidade, as vivências que fluem na cons, 
ciência se referem 
sempre à mesma fonte, é óbvio que ele não po. 
deria ser acessível senão no eu concreto. "Na reflexão renome. 
nológica eu me distingo, na medida em que já me compreendi 
sempre como tal ou qual homem, do Eu enquanto Ego cujos atos 
de consciência são a fonte e o fundamento da possibilidade de tal 
compreensão de si; eu me distingo de meu Ego transcendeutal17". 
Que uma tal distinção possa trazer dificuldades, é o que ressal- 
tarão as análises de Sartre e de Heidegger. 
Mas um outro enfoque do Problema é possível. Em seus inti-
mas escritos e, como já foi dito, sob a influência de Heidegger, 
Husseri acentua ao contrário a própria correlação 
consciéneici•; nutrido, que será bastante fácil de traduzir por 
ser-no-mundo. Se 
verdadeiro resíduo da redução fenomenológica é essa 'corre-
lação e não o Sujeito transcendental ou "sujeito puro" que apró-. . 
ximava Husserl dos neokantianos, a fenomenologia poderá então 
se tomar o estímulo das novas filosofias da existência. A primeira 
evidência, o terreno absoluto para o qual cumpre voliar não será 
mais o sujeito, mas o própria mundo tal 
como a consciência 'o vi-ve 
antes de toda elaboração conceptual. Tal será, notadamente, a 
interpretação de Merleau-Ponty: "ypliarls_coisas 'mesmas 6 
	
_ 
17. L. Landgrebc, "Husserl, Heidegger, Same. Trais aspecis de la phénoineno-logie" ent Revue de méraphydque et de morale, 1964, n° 4, p. 375, 
Capitulo 2 
UMA PRÁTICA CIENTÍFICA 
rJ• 
Nascida de uma reflexão sobre a crise das ciências e apare-
cendo com um nOvo método de conhecimento positivo, a fenome-
nologia conheceu muito rapidamente um vivo sucesso junto aos 
filósofos ou pesquisadores que se haviam agrupado em torno de 
Husserl. Cansados da estreiteza das perspectivas do positivismo, 
desconfiados das sistematizações metafísicas, desejavam ardente-
mente aplicar o novo método a todos os domínios da alçada das 
"ciências do espírito”. Assim se acumularam muito rapidamente 
as Mais diversas descrições fenomenológicas e nasceram notada-
mente fenomenologias da vida afetiva e da religião (Scheler), da 
arte (Geiger, Ingarden), do direito, dos fatos sociais, etc. 
Sem dtivida, a meta de Husserl não era somente renovar a 
prática das ciências humanas, mas fundar seu sentido; eis por que 
essas investigações particulares ou "regionais" não deviam, a 
Seus olhos, deixar perder de vista o kroieto fundamental de uma 
filosofia 
	 terià a 	 lidão_da_metafeica.ri or_da.TEiarin 
Potinfeliaaade poucos de seus discípulos aceitaram segui-lo na-
quilo que era, para ele, fundamental. Mas esses próprios desacor-
dos não fizeram senão sublinhar a fecundidade de um método 
que, muito embora separadodo projeto inicial e por vezes trans-
posto em formas nas quais Husserl não reconhecia urna fenome-
nologia autêntica, renovou o modo de abordagem dos fenômenos 
humanos, em ligação, é verdade, com outros métodos iguidmente 
novos, como a psicologia freudiana. 
e 
fe3P1' 
O QUE É A FENOMENOLOGIA? 
É de início a propósito dos fenômenos humanos que cumpre, 
com efeito, examinar a contribuição da fenomenologia, pois etarn 
as ciências humanas que, em razão da complexidade de seu obje-
to, tinham a mais urgente necessidade de urna renovação ‘je tné-
todo, Mas devemos ainda mostrar como a fenomenologia, enquan- 
to reflexão sobre a atividade e o conhecimento humanos concerne à ciência em seu conjunto. 
OS RECURSOS DO MÉTODO 
Nós nos aplicaremos de início a precisar a natureza dessas 
"Ciências eidéticas" cujo projeto é formado por Husserl ao MCS- 
mo tempo que ele elabora sua doutrina da intuição das essêndias; 
mas, se essas ciências têm o mesmo objeto que as ciências empf- 
ricas, cumprirá também se perguntar em que elas interferem e que esclarecimento miltuo podem trazer. 
A variação eidéfica 
As essências, às quais se referem pois as ciências eidéticasi. não Podem se concluídas a partir dos fatos, já que elas são, por 
definição, o objeto de uma intuição. Para alcançar a essência, 
.11ãO SC trata de comparar e de concluir, mas de reduzir, isto é, de puri-ficar .o fenômeno de tudo o que comporta de inessencial, de Voe; 
tico". para fazer aparecer o que lhe é essencial, O que Husserl 
chama "redução eidética" não se obtém, pois, através de manipu-
lações, mas de um esforço de pensamento que se exerce sobre o 
fenômeno cujo sentido se busca, qualquer que seja por outro lado 
a maneira pela qual dele tratam as ciências empfricas. Assim, é 
por um esforço mental que eu conseguirei descobrir a essência, 
o ser fundamental, de fenômenos tais como percepção, sensação, 
imagem, consciência, fato psíquico, etc, que são tratados por seu 
lado - e com outros métodos - pela psicologia empírica. Ainda 
assim é preciso que a análise mental que conduz à intuição da 
. essência não se exerça de qualquer maneira. Eis por que Husserl 
/ concebeu uma técnica que dá ao pensamento a certeza de reter só 
L__o essencial do fenômeno em questão. 
Esta técnica de análise inspira-me numa observação de Ber-
keley em sua controvérsia com Locke sobre a relação de um todo 
com suas paztes não separáveis'. Existem todos cujas partes posso 
me representar separadamente, diz Berkeley, como uma cabeça 
sem o corpo ou um busto de homem adaptado a um corpo de ca-
valo: Ao contrário., não posso me representar uma cor sem ex-
tensão ou um movimento sem um corpo que se mova. BerkeleY 
conclui daí um movimento que não se pode separar pelo pensa-
mento as partes de um todo, nem combiná-las pela imaginação em 
totalidades novas e imprevistas, senão quando essas partes são 
'efetivamente separáveis na realidade. O que não é separável 
realmente, isto é, no sentido de Berkeley, para a percepção, não 
pode tampouco sê-lo para o pensamento puro. Foi nessa obser-
vação que Husserl encontrou o princípio que permite isolar o es-
senda' de um fenômeno, aquilo que pertence como pá:do à sua 
Ocia. Se uma cor -sue não pode ser percebida sem extensão 
- tampouco pode ser pensada sem uma certa-atTensão, é que—per- ‘P 
tenos à essência da_cor de s6 se (Ear C-011 a-a-tensão. A essência 
se definirá então corno uma "consciência de impossibilidade". is-
to_g. et:1=4U° queiS impossível à consciência pensar de outro 
naW21, "(:_."ai).E...atajg,jeda..suprir 	 próprio ob- 
letc_LLnajd_gato&dca.de.âen ser. pertence à_sua essên_le. 
0_2rocesso pelo qual podemos chegar a essa consciência con-
siste em ima,dnar, a propósito de um objeto Wmadpor modelo, 
todas as variações que ele é suscetível de sofrer:. "Revela-se," 
então, que a liberdade não poderia ser absoluta, que há condições 
sem as quais as 'variantes' não seriam mais variantes desse mode-
lo, 'exemplos' da mesma espécie. Este Invariante' identificado 
através das diferenças define precisamente a essência dos objetos 
dessa espécie, isto sem o que seriam inimagináveis, no sentido de 
impensáveis3".Ecli_esse_prwsso_one HusserL chamou de va- 
Cf. Recherches logiques. Op. cit.. tomo 2,2' parte, pp. 10-11. 
Tran-Due-Thao. Phértoménologie et matérialisme dialectique,Paria, edit. MI-
n11-11n, 1951, p. 26. 
Id., p.27. 
/9 
- 
UMA PRÁTICA CIENTIFICA 31 . 
, 
riação eidética. 
 Deve-se observar que nele não se apela senão ao 
essência como os limites que ela deve fixar para a variação livre, 
r se quiser pensar sempre a mesma coisa. 
.A descoberta da essência, 
princípio, não invoca de nenhum modos experiência, senão 
sxerçerá suas variações. 
32 	 O QUE É A FENOMENOLOGIA 
funcionamento, consegue descobrir as leis e a estrutura de urna 
poder e à liberdade da consciência que através de seu' prõprio 
enquanto_ esta fornece_ os exemplos sobre os queis_a irnegingção
. 
Visão das essências e indução 
. 	 A descoberta do invarianm ou_ptcência de inn fenAnnw~ 
ruiação_umagua4ca_estar‘patsr_nalmaga_da_constitui' • - • 	 • 	 ção_das i O'Nu-ipc pid4tie,p-c 
, Mas serão essas tão distintas das ciências et1114-• 
I ricas que a descoberta das essências, que as define, nada tenha 
a ver com a indução tal como a praticam as ciências empíricas? 
	 • 
Husserl sempre ncimitiu que esses dois tipos de ciências, por 
serem distintos, nem por isso são absolutamente separados, como 
se pudéssemos desenvolver as ciências eidéticas sem jamais nos 
referirmos às ciências empíricas e como se essas tiltimas não re- 
(
corressem jamais, ainda que o ignorassem, a uma intuição das 
essências. De resto, não estará urna "eidética" já implicada "na 
própria investigação das ciências empíricas, como o testemunha, 
por exemplo, a física de Galileu? Galileu não era, certamente, fe-
nornenólogo, nem mesmo pretendia o título de filósofo. Contudo, 
no fundo de suas experiências e cálculos, tinha a intuiçãO (4 i essência do objeto físico tal como o físico deve apreendêrlo, a sa-_ ber, que ele consiste em seu ser-medid."9. 
 tinha a intuição que a 
característica essencial do objeto físico, tal como está implicada 
por suas pesquisas sobre a queda dos corpos, é a determinação 
espacial. É sobre o fundo dessa intuição não explicitada da essên-
cia do físico que se constituiu toda a física moderna. Se, por Seu 
lado, o fenomen6logo se interrogar sobre a essência do fato físico 
na ciência moderna, deverá evidentemente se referir à prática dos 
físicos. 
Poder-se-á, contudo, observar que Husserl sempre distinguju 
nitidamente a redução eidética do método indutivo praticado 
nas 
UMA PRÁTICA CIENTfFICA 
.ç ciências- da natureza, sobretudo sob a forma proposta per J.S. 
No .4 Mili, para quem ele consistia em extrair. por abstraçkz de uma 
\Z ,..ks' pluralidade de fatos, o caráter comum desses fatos ou enuriklos 
‘rea, 	 a flrg de descobrirentre os fatos antecedentes aqueles que pode- ,,..... 
dr-ce 	 riam ser a causa dos -conseqüentes. Mas tem-se também ressaltado ' ! 1. que o método indutivo empirista não corresponde à prática real do ,.• $ 
e 	 cientista, pelo menos no momento das grandes descobertas. Por 
isso :Merleau-Ponty se pergunta se não há uma convergência 
maior que a imaginada por Husserl entre a visão das essências e a 
indução tal como os cientistas de fato a têm praticad04. Não ob-
servou o próprio Husserl que as grandes descobertas não foram 
jamais o resultado de uma simples observação e que não basta 
acumular fatos para que deles se extraia uma lei? As novas con-
cepções da física foram, ao contrário, construções ideais com re-
lação às quais C.3 fatos comportam sempre um coeficiente de im-
perfeição. Assim, Galileu concebe o caso da queda perfeitamente 
livre de um corpo, caso que ainda não se realizou em nenhumlu-
gar e mostra em suas experiências que os fatos, levados em conta 
os fatores de atrito, resistência, etc. tendem a reali7ar esse modelo 
ideal previamente construído. Da mesma maneira, o princípio de 
Newton não se pronuncia sobre a existência das massas em gravi-
tação, mas enuncia idealmente que leis devem lhes convir se elas 
existem: 
"É assim que todas as leis das ciências exatas re-
ferentes ais fatos são, sem &Wide, verdadeiras leis, 
mas do ponto de vista da teoria do conhecimento são 
apenas ficções idealizantes — se bem que ficções cum 
fundamento in re. Elas têm por tarefa tornar possíveis 
as ciências teóricas como os ideais mais adequados à 
realidade5" 
Pode- 	 er tar 
£10 uma ciência indutiva: . simplesmente, pensa Merleau-Ponty, 
Cf. tes sciences de t homme et la phétrombkologie, op. cit., p. 29 sq.' 
E. Hussed, Prolégornènes a la logique pure. Recherche, logiques.Tomol, 
tad. pile, KeIkel, Scherer, Paris, P.U.F., 1969, p. 80, 	 I, ti 	 .8 
enipregada de maneirTi.:0':6----iarre 1.3". iik....-„_.,._.-_-- 	 • 	
-• Uma dificuldade . subsiste contudo. Os exemplos que propuse-
- 
	
. 	 . 	
. 	 , 
ram concernem à física, domínio no qual os modelos ideais têm 
ei 
i
exatidão das matern.ática.S. Mas pode-se dar in mesmo na psicol o- gia, na sociologia e 
. nas ciências hu 
	 as em geral? Pois. 
 ,--io-r m--":1-14 4ii; Cã -e-idê-Rile- 
 a-percepç. 
 ãó_ptiio seniciinernio,iiiio_s;
-. 
 chega á 
nenhum modelo maternatizável e, mesmo se chegásserhos_a um. tal 
... 
modelo, poderíamos peíguntarse ainda estamos a falar 
.de uma _. - percepção ou de um sentimento. 
	 . 
Eis por que Husser 
	
s• 
	 s_de 
s_____________ _ _2.7 . iratemátiCas-e-das cax~m..sena041~4.. latão. Me riêr onl a vi`j"ê7la .á 	 - 
u
_ : _m.w.................___, 
 j_ge elas-iiãO iérã=we_exp
- 
 riaN 
Les sciences de t hontrne et Ia phénotnénologie, op.cit., p. 30. 
can, 1922, p. 56. 
Cf. L. Brtinschvicg, L'e.,:périence hunnine et Ia ccitUalité physique, Paris, AI-. 
E. Husser1, Idées directrices, op. cit., p. 269. • . - 
,:e,4 , 
-•'-' '. , .:-`,a,ii.,lic_a ..aw
,,,p,,Ç , jos, 	 1.1. '' 	 emp 	 um focesso,de_v_ariaçãaa • - ,. 4:''''')-•::13fW- 
 •110Ã3asso_que t-- 	 • 3-14a 	 çede_por vanaçoes efetivas,conside,-, :. 
,....
.- - - - - 
	
------ 
rando_casos 
	 mültiplos.,.que-verdad
_*en
-Tte..srarn. , 
verdade que, às vezes, mesmo nas ciências experimentais, tuna &dell experiência basta para estabelecer unia lei, corno 13hinich. 
vicg o mostra a propósito de Davy, que estabelece a existêtiáá
-4 "base de potássio" ou potassiurn, em conseqüência de trihti drtieá 
. 	
"segundó Ugi 
(experiência de eletrólise7
. Mas, ao termo dos doia tipOS da is
.ri, fiação; seja ela imaginária ou efetiva, nós chegamos a )a pnast-
bilidade ideal, o que é precisamente a definição que litisaell dá 4a 
essência. Não se deve, com efeito, cOnceber as leis 
modelo energéti(o-, Gemo se elas fossem forças reais dissimuladas 
Por detrás das aparências sensíveis, mas Como concepçõea
. 
 ideais, 
)
puis possibilidades graças 'as quais nosso espírito tenta "se ápro.; 
ximar da realidade. Mas, se o próprio de urna possibilidade £o de 
não ser um fato real, ela tem também por Característica ser rea-
lizável, ter portanto uma vocação para o:real e o conhecjmentP 
\gesta pode nos conduzir ao conhecimento dó real: "A
, _antiga.dou i trina ontológica, 
se~ a qual_o_conheeiment~pátiliWr 
`Wr-7-'-d-
-"éèee-cic:Onhecimeruo 
cia.read_perManece-li-rnalreu-,-V-e_rUma _____. _ 
•• _____,.,- - - - ---•-:.
____ ______.. 
gra.nde_verdade a,iêe ue seja entendida Correta. 
	
 ire 
O QUE È A F
. ENOMENOLOGIA? 
UMA PRÁTICA CIENTtPICA 
essa vivência como tal e as essências morfoWicas cuinextitasp; 
4ue devem, ao contrário, exprimir a vivência em todas suas nuria-:. 
çai 
 à sem traí-la. iko ;íman que as primeiras podw¡er 
~......0-AS12ao da4p,jiIstamentDm n caráter 
 flu~ 
gt ostw lbe inerente. Em virtude disso ato hAumatometria 
da vivência". isto 1 nma_riênrilt na qual as_fe1iknennwlyid9q 
na ser ~vidos de um •••• 	 e. 	 :P. .8 .• 	 • 
tri" 
definidos de antemão. 
"A mais perfeita geometria e seu mais perfeito 
domínio prático não podem de modo algum ajudar o 
dentista que quer descrever a natureza a exprimir em 
conceitóa de geometria exata aquilo mesmo que expri-
me de uma maneira tão simples, tão compreensível, tão 
inteiramente apropriada, através de palavras como den-
teado, entalhado, lenticular, umbeliforme, etc.; esses 
conceitos simples são inexatos por essência e não por 
acaso; por essa razão igualmente eles são não ma-
ternítticos9". 
Vale dizer que os_conc_eitos_das-ciênciásimpnast que são 
pelo menos tão inexatos e nuançados como "denteado" ou "um-
beliforme" g:poderão,aer.o.objeto-deuma-fenomenologja~. 
Vale também dizer que pssa-s ciências não têm necessidade 
...ser.exatasucomo o é a geometria' , para-serem ngorosas, 
gor provindo ao_contgrio„dc_uroa..ausend&de_c~,..1Z4- 
c- già...3~p.~2.141i7j,nt -dadet, 
Visão das essências e introspecção 
Mas tal descrição da vivência parecerá certamente suspeita aos 
psicólogos devotados ao método experimental. Não será voltar à 
introspecção, tão explicitamente rejeitada por Auguste C.omte? 
9. Id., p. 236. 
O QUE é A FENOMENOLOGIA? 
Sabemos que .2__N:_rigo~speãO é d_e_fg_zer passar por 
o_t21~Çscriçãofle um estado psíquico_ pelo urOpiiujeltO Que a 
vive. Ora, além desses dados internos serem vagos e cam-
biantes, eles não são suscetíveis de nenhum controle objetivo, não 
comportam nenhum critério que pudesse preinunir o sujeito contra 
a ilusão. Por isso "a observação interior engendrasnase_ tantas 
.2p_iniões divergentes quantos indivíduos haja que creiarn_
se ent.re-gar a ela175."..L 
Mas cair nesse 
erro é precisamente não realizar a redução 
eidética ou, como Husserl o diz, "interpretar psicologicamente o 
eidéticon". É a situação do mau fenomenólogo que confunde á 
essência do fenômene-eern-seu estado de consciência atual, com o 
_fato psíquico através do qual sua essência se dá. É tratar a Cons-
ciência como se ela não fosse intencional, como se ela ficasse 
sempre fechada sobre si própria, prisioneira de sua particularida-
de empirica, da imediatidade de sua vivência, e não tivease, p.a?' 
essência, 
o poder de visar através de seus Conteúdos particulares 
uma wrdade universal, por definição comum a todos e 
a todos acessível: "Torta,s_as _vezes...Alie, Se. trata 
	 idéias,-.~61daa integrar_sz...atilluico_da_k~ur 915.21._tftjgc_LLie.~ente-
,reala.Q....qUe 
	 4-Por-.prinçÍp,j.Q..tCeU,a.- cendente12
". O que Husserl diz aqui a propósito da percepção ex. 
terna vale do mesmo Modo para à percepção dos fenônienos in-
ternos, como uma sensação ou unia imagem, que correspondem a 
uma essência tão objetiva quanto a
. 
 Cor ou a forma de um objeto: 
'Urna análise fenomenoló "ca autêntica haverá, ois, Uma 
essência transcendente do próprio psiquismo e de seus atos e leni 
aopq_ssfve c tai."---•,vatra és da expeiiência de ineari. a esszncia do
_5
-71fás, unicamente sob essa condição, ril -is -P:esquisas' -experimentais poderão se referir a noções bem definidas, pois como saber o que significa uma Ima-
gem 'ou uma percepção se não se pode defini-las a partir de Urna - 
experiência de imagem ou de uma experiência de percepção? 
A. Comte, Cours de philosophie positive, primeira lição, Paris, Hatier, p. 30. Idées directrices, op. cit., p. 199. Id., p.200. 
UMA PRÁTICA CIENTWICA 	 37 
"Enquanto não tivermos_ através de urna refluÃo 
pobre nossa exeerietwi& da imagews...s.dize.tiasaxagee 
riência da percepção, dado um sentido coerente e váli- 
42-.11 
 essas Slifewlites 	 neeQe.§.-não .saber mets.-0 
oesem dizer e_o que_provanumsas 
percepç49 ou sobre a ipiazem13".Desse modo descobrimos também mais claramente que em-
prego se faz do termo experiência nas ciências experimentais e na 
análise fenomenológica: a experiência do experimentalista, que 
melhor se chamaria experimentação é urna experiência sobre o 
fenômeno. Ao contriárl2Lli experiência do 
	 o é • 
experiência do fenômeno. Mostra-se assim que, se a primeira 
forma de experienW7fier ter um sentido, ela deve se fundar 
bre a segunda, o que equivale a dizer com Husserl que as ciências 
eidéticas constituem o fundamento das ciências empíricas. 
	
--t 
FENOMENOLOGIA E OBJETIVISMO: 
A TEORIA DA FORMA 
Que a fen io~ia não deva necessariamente cair no in-
.trospeccionismo e no subjetivismo, ninguém poderia melhor tes-
temunhá-lo que os psicólogos da "Teoria da Forma" 
 (Gestalt-
-Theorie), escola que agrupou antigos discípulos de Husserl ou pe-
lo menos pesquisadores que ficaram durante um certo tempo sob 
o seu. 
 domfnio e que não esqueceram os pontos fundamentais de 
seu ensinamento. Essencialmente devotados a pesquisas experi-
mentais, g§ psicólogos sla Forma estabeceramiiames iujto.gre, • 
.treitos 	 o loranitulasaperimentacão e o ja experiência 
sentido feriomenolOgIco, Esses liames são mesmo tão estreitos 
s 
 que, levado ao limite, o primeiro acaba por absorver o segundo, o 
que certamente não podia satisfazer Husserl, mas demonstra como 
a inspiração fenomenológica pode ser fecunda mesmo fora dos 
quadros que Husserl havia estabelecido para ela. 
Mer1eau-Ponty, op. cit., p. 18. 
.„ 
O QUE É A FENOMENOLOGIA? 
ncia, forma e estrutura 
Se a essência pode ser designada como o invariante que per-
siste a despeito de todas as variações a que a imaginação álibmete 
o exemplo que serve de modelo, não será uma aberração .aproxt• 
mar a noção de essência da de forma_ e. de
. 
 estruturaLqqe conhece-
ram, é verdade, uma melhor sorte nas ciências, sohretiiclOdeSde 
	
arecimento do estruturalismo 
	 . • • ; 
cletj
Como a essência,..a.fonna,é.uma otalida iestruturada—u_e,SO. 
e _ . 
	 • 	 sma e ão a artir dos elementos que a coirt 
Oiniciador_da teoria a Formase_Ehrenfels. _ - 
	 dá como exemplo do-t z 
	
naro____LE.41 .z= a 1ivotyrja 	 ariabilidade_de uma_melodia.trans sta era 
uni_outra_tonn'Ela permanece para nós a mesma melodia, tão f 
til de reconhecer que, às vezes, não notámos a mudança. No
.eW 
tanto, todos seus elementos estão alterados, seja porque toados
. 
 OS 
sons são novos, seja porque alguns deles ocupam outros lugares 
'com outras funções14,,...2 te exem lo oderia aliás servir
- 
 ara 
_ tilustrar a nocão de estruru";;—tic-forde-fiiiiaa como " na odo 
outros e só pode ser otte De g
formado tenô
rrii" 
mees1 
 "otii=15, Drevemerite-"tuwar --- e atmno ependêiiciasdad 
,zel'ir 
 Observemos também que o exemplo da melodia que não 
muda apesar das transposições, que é pois constituída pela inva-
riabilidade da proporção entre elementos e não pela natureza de 
cada elemento tomado à parte, não deixa de evocar o exemplo da 
sinfonia' com o qual Husserl ilustra a essência. Mais ainda, 
_o p* ELioilusserl_chama forma, _como 
.já..o..aásinalamos,a_midade 
tencionai pela qual,. atraVés_do fluxo das sensações
. 
 internas (sen-
sação de verde, de rugoso, etc.) que constituem a_~rie_sensf
.:: 
velou "sensual" da percepção, eu viso o mesmo objeto distinto 
de mim e exterior a mim (a árvore que está à minha frente). A i 
forma 
	 • 	 prs5 *o Husserl tunjnyariante,,o invariW 
14. Cf. Paul Guillaume, La psychologie de la forme, Paris, Flammarion, 1937, p. 
A. Lalande, Vocaindafre technique er enrique de ks philosophie. 
A. Hjelmslev; cf. Retive/Liste: Problèmes de kg:drague générak, Paris, Gal- 
	
limard, 1966, p. 97, 
	
• 
IMA PRÁTICA CIENTfFICA 
9.11.9,_na,xliversidade_e_mudança_das _um h-
, 
1 
jeta.fflÁl.Lpar...a,,Z__ir5.A.___~.ç_{W.a.r. 	 eallx"e24 
portanto, graças à forma que a consciência 
pode sair de sua vivência imanente e perceber, através do fluxo 
ternpOral dessa vivência, a 'essência que, ela própria, não é afeta-
da peló tempo. 
f
família, entre a noLit2s.fenomeuológie. aàe,,essemnale,aznoçãLodut 
for.sp....a".."..1 =sta última nos_p_er_~._j_. _ás_co statar tareWm 
ue a form=ão étima 	 es retomada da oção usserliana cla 
essên a. v.~.~. Para os psicólogos da Gataigheorie, a forma tal como a ha-
via definido Ehrenfels tOrnou-se a chave de todos os fenômenos 
psíquicos que acontecieserem todos definíveis como formas: "Os 
fátos nigglii • s -sio-forrOa-L-1 -.--unS14/..t 	 dades or ânicas ue se in- 
dividuali 	 tain_no_c.ain espacial e tem ral de er- c-:_-,:---- 
ce..,. , ci. ge _.- _p se ta ao ". Entre os princípios que clirigem as 
pesquisas ZV Gestalttheo e, assinalarei-1'1os pelo menos a_lei da 
pregnância 	 das formas ou da boa orma, enunc 	 W 
mer"Aniar=ei.cjacoI......_:t2°.(.Í...._...........%)msa_, 	 condiçõe.4...413,1 
ta leiira.va. -se ali enItim... a01e 	 ão ffsieg;rv 	 certas ...,, 	 n 
,\.!--ef,InitRr 	 tendem estáveis, Idem incantemente a retomar sua forma mi- \ . 
	
c'al.-4na".="..."-"Id - deformadas.--- 	 actaao 	 Assim, uma gota de óleo ping num 
quilo não miscível toma um forma esférica; se a fragmentamos 
ao mexê-la, cada um dos fragmentos retoma logo essa forma esfé-
rica. Aplicada aos fenômenosp,stquiços, ela pgryMtia çpmpre9id.er 
fatos que a psicologia assoctaziou.Ásta ou intelectualistauão expli-
cavam claramente,' em especial, a, atividade seletiva da percepção. 
flor_qw, por wteff:), percebeu-se no céu as mesmas figuras _de- 
senha 	 los a........,..i.a 1---ia----.4‘U1- "das 	 tros, como os carros as uas 	 rsas . Se essas, 
formas são espontaneamente perceffiaas, é porque sua percepção 
na=mer lere..~~~..._~.0,mium meno cffltw_ ,umPw uto da,W„.4.,edu ao mas re ou-
sa na.43.r14 forma quekstaa do fundo e, s...,..:.4:4....w.martanto, a 
"rc," el----rTer' virtude de sua 5-d-ff.êt-t.-131ura ma orma será- 
tu mais De/rept ye . man Qis_p~_____!-/ri,gan ela for uer dizer 
q- nan al.:".~... - -EÈSIornais mo ênea sua estmtura a tomar e 
17. P. Guillaume, op. cit., p. 21. 
UMA PRÁTICA CIENTÍFICA 	 41 
do primeiro cuja ordem não depende de nenhuma gênese, repre-
estruturalista: "A Gesta it rSa_esenta um üps;Lslg_12ss;Uà.9. 
senta Urna antecipação, senão uma primeira etapa, da psicologia 
rar como 'puras', poryle_gles as desejariam sem históri2.9212c-
agrada a um certo niimero de estruturalistas cujo ideal. implícitO 
ou 	 coxisiste em 	 que possam conside- 
tiori sem g -rie', sim funções e sem relações com o sujeitou". 
: .• • . 
CainpO e intencionalidade 
Se, não obstante, a forma conserva, ao transpô-los, certos ca-
racteres da essência, a teoria da Forma se prende à fenomenologia 
sobretudo pelo 1,„s9_;Águalrknatfizansp_osto,...qtye_f_az da noção de 
intencionalidade. É"...-{de_que a.essealltimo-tenno.p 	 e-refer 	 or 
- 
ds_o_Lorpo_que,Kqi_kk!qjiaviarecebido_umulormação.de.fish 
co, e_stirnalia talvez maià científico. Mas os_fenornenólogos falam 
--:-N1 
do cam o enomenoló zoo a ue corres nde 	 o cp, 
occ3" êgteitp-objeto ou conscién 
.p. _.¡jy_a_que o sujeito ou o objeto, que s6 s.e..definem_nessa cor- 
...W.140Q._ 9 ampo erá, pois, _concebido como um espaça4rgaordi21. 
no_q___ -ap-írecern.261qa_que_irf,ão lhedar spa_configuração, diy.:17 
dindeco_. 	 0.13t0 . eu . e não .p14:. `...4 .d.ig.i.N. 9.49 çll.,.:e..00.!Pui.K19 .eTee: 
rior é unk,fato de oiganização do campo totaln". Essa anteriori-
dade .do campo sobre sua organização é revelada, segundo Koff-
ka, pela luz Vaga que acompanha a volta à consciência de Len al-
pinista vítima de uma qiieda: "Há a princípio 'alguma coisa..., 
tuna Claridade confusa', mas não um sujeito que a perceba; mais 
tarde estabelecem-;Se uma dissociação e uma oposição; agora o 
campo está polarizádo2"..._gssa_bipolarização_em_torno_doeu e_do. 
pltin.dg exterior, na qual á corpo desempenha um papel fundamen-
tal, já que é função dele que os fenômenos serão ditos externos 
ou internos, não depetide_sle. unia_prpni72ção diferente ria (pie 
i• 
J. Piaget, Le structuralisme, Paris, P.U.F., col. Que sais-je?, 1968,p. 48. 
Cl". P. Guillaume, op. cit., p. 116. 
12. !d. 
. 	 . 
O QUE É A FENOMENOLOGIA? 
. 	 . 	 . 	 . 	 . . 	 . 
. 	 . , 	 . , 	 . 	 . 
como uma totalidadC.independente. !Anteriormente à reflexão e 
anferiorrnente à própria linguagem, os objetos são percebidos de 
imediato como formas; assim 0..omp9. 
 _P_e
_i_Wptiva-aão_d_uti caos 
no qual o pensamento viria p_or ordem com o_aulligida..lingUat 
,sem, mas ele é pré-ordenado ÇIXI fognas distintas.,que,n14..esperanj 
o_neitsarneato p.ara.nsaltar aos_olhos",..comá o confunkl,.‘aa 
.0.: 
servações feitas com as crianças
. 
 eu com os. aninigik184 
 É óbvio que a psicologia da Forma não se limitava à análise 
das formas do campo físico, nem da atividade perceptiva apenaSLA 
noção de.forma.permitia a renovação:dateoria SI(LOtantizilá-L•c-Iii 
seu funcionamento'? :e também trazer pontos de yista novoa_sotre 
o,exercício da inteligên,c
-la,da memória, da expressão, ete,Ade, 
.Mais, seu rigoroso procedimento científico permitia-lhe intc
.g0 
numa compreensão nova os dados da páicologia experimenta]. :.., 
ci . ;_entab.airelação tálit:Wforma .ç.,.a essêhérAtal 
 corno, 
 a 
concebia Husserl? Se o caráter de eStruturA..241e414/giars4jhr:444 comum,_no entRrito:Uhaard ianielital,gp' arece:_ençforoll ii essênciapermanece„em_Husserla_o sentitlb.~-do,obieto,- 
	 . 	 ._ 4:~ti.' W0d9 
	 cl11eja1gn:Lol psiè.-61ogos gestaltistas tensle_cada. vez mais a se tornar uma realli'r 
pile; 
 --ÉCOffSle à?..., OU mesmo unTa—rênlidadefSica.que_a eonsciên-
. 
.- .,=- ,- 	 _ 
cia não eonstitillase 	 .que a ela sp i.^i,Ipõeiemo‘.preexistentealo- da__""atiVida-d-é-de síntese. A
—distincão entre 
	 matéria e forma, què --____----..- 	
- Husserl ainda fazia, será ela própri_a_refeat, ada_pois,_segundo..o0 — :11 
teóncos da Forma, umainat'éria senalouna,s&pode_ser tuna_idgua --- .9 
goqófica contrária aos_dados da experiência:_Ao 
 idealismo hzor 
erliarto das essênclas se_contra õe a Gestahtheo "e u 	
- 
	 9 
157710_ finSjOn7.2aSib 	 ---------""----T::''-7---,-a
. . , 
Eis por que, ao inverso da análise das essências, a análise das .• formas se apóia sobre um abundante material experimental e, 
Principalmente, não parece mais animada pela preocupações fi-
losóficas que caracterizavam a reflexão husserliana. Observemos 
enfim que a idéia de totalidade estruturada, ao constituir um da- 
Notadamente as experiências de W. Kóhler sobre as galinhas e os chim-panzé...s. 
Cf. Kurt Goldstein, La structure de torgarni:vme, trad. Burckhardt e I< untz, Paris, Gauimard, 1951. 
	
• 
42 	 O QUE É A FENOMENOI..OGIA? 	 UMA PRÁTICA CIENTIFICA 	 43 
nos faz perceber os objetos como exteriores uns a05._Q11~ "à 
exterioridade recíproca doeu e...das _coisas 4 dainesMaprsierlique 
a_exterio#4.g.4.9. ;.P.Ç.rPrób_a_de
.dgiI.Objeletsma_wree
_____126 um caso 
-~1- 	 ar deste modo c
_ J.9_.Í)i&r_ • -- fenomenal que f. moer 
urna dualidade numa fi~m_p_kaiuml_ 
exemplo num grupo de pontos ou de linhas, 
. Que a consciência de si não seja o pólo de organização origi-
na!, surpreenderá sem dúvida 'alguma o leitor de Husserl, Esses 
objetos, que percebemos como exteriores a nós ou exteriores uns 
aos outros, não serão assim percebidos pela atividade da cons- 
í
ciência constitutiva da "objetividade" ei da exterioridade? Mas 
acontece que, comojijussaitarnoS, a tecida da Formarejelta-loda Idéia de constituição que _supusesse uma gênese das fairnas..A 
forma não deve Sua estrutura senão a si própria e, se a conseiên-
.ciaaparece como Unielemento'na organização do campo, 61a não 
é de modo algum sua origem; "Não esqueçamos que a teoria da 
Forma não liga a organização nem à censciênãia, nem mesmo .à. 
.vida24". 	 e _ 
. 	 , 	 .. 
'Não conviria, contudo, deduzir que essa organização é ilrp 
• , 
espécie de arquitettja estática:: A própria idéia de campo evOca 
um dinamismo, já que ele designa em física um espaço de con-junções e de oposições de forças. Esse dinamismo pode, aliás, ser 
ilustrado a partir do campo de comportamento ou do campo psi4 
cológico tais como K. Koffkie K. Lewin os estudaram. 
O comportamento já havia sido definido graças aos trabalhos 
experimentais de Watson, nos Estados Unidos, como a relação eti. 
tre um conjunto de estímulos, provenientes do ambiente natural 
ou cultural, e as respostas do organismo ao ambiente, respostas 
pelas quais o organismo se adapta incessantemente às condições . 
i
criadas pelo meio. Mas, se,gundO os,teóricos_da.F_orma,..o..erra,de Miatson.loi
_o_J.Q.PIPQM4r...a_Causa das, respostas_unicamentana-fir 
siologia neryosaisso, sob ainfluência dos .trabalbos célebres de 
,Pavloy.e deAetchereV.sobre,os refiexos...condiciergtdosQri~ 
,implicava isolar o. corpo de sett
.ambiente, concebê-lo, sob pretex-sto de_objetividade, como um mecanismo fechado sobrç..sipróprio 
Id. 
Id., p. 144. 
• 
_enlyeAsie perceb..coraoirm p.413..nnul-catnPQ..9.J.R.Q-ultUllasW 
,e_poriçlação ao qual ele_se,defuw, Estudados como simples me-
caniSmos, os circuitos sensório-motores s6 apresentam cadeias de 
reflexos e não um ato dotado de uma significação.Q.COMPOrli-
.mento_só será compreendido, isto é, aprendido mn sua migue. 
ato_finalizado, se for considerado como tirnafonna„que..Se deWl1-
. volve no tempo e que recobre simultaneamente o organismo...0._o 
Meio- ao. qual o:organismo deve se_glaptar. 
Assim Koffka compara a construção do ninho por um pássaro 
a urna melodia que, uma vez começada, tende a seu Arnbarnento, 
integrando as diferentes seqüências que a compõem. O pássaro 
não executa uma série de movimentos sem ligações, mas uma ta-
refa cuja unidade dá um sentido a cada movimento que concorre 
para soa realização. O campo do comportamento é assim ao mes-
pio tempo campó de ação e campo de percepção, játqper: 
cepção é função das pecessklades do organismo 	 suas visadas 
tfii idas ao ambiente e já que a ação, por seu lado, é fun ãç_o_Lla 
.percepção que propõe esse ambiente como uma pyigianrisi perma-
nente de adaptação, A esse respeito, Koffka distingue o meio 
primordial de percepção e de adaptação, que denomina meio de 
comportamento, do -meio geográfico, que seria o meio considera-
db-Wependentemente de toda intenção de adaptação, tal como, 
por exemplo, a ciência no-lo representa. P. Guillaume ilustra essa 
distinção pelo caso do viajante perdido que chega a um albergue 
após ter atravessado, diz ele, a planície coberta de neve (meio de 
comportamento), quandO de fato atravessara o lago de Constança 
congelado (meio geográfico25). A percepção aparente da planície 
regulou o seu ato - alcançar o albergue - e o próprio ato determi- 
nou omeio aparente como planície, isto é, como o que podia ser 
. 	 . 
atravessado.cap.._ r j_w_cil 	 o...comportamento..como e.qtrutura,On mti-' 
.
•
. tua da perce L. 7. - .• ,.•. • _ 	-.. 	 a :4 - e 	 .- a j.. 'gata. 
se tiypsse clasip contR flue..a,planfee~ . 
taie_es,w_campo....não_Ljarfflis um 4atin-absit1at2,...9144Lskfing. 
s_o_Mitc_RelaestadcLatuaLda.adaptar)IN. F1P-4,..paisrsas~t. 
msgificações-clesde_que-ilmniPnsã..o..nava-apareça-entre..£1..wga 
setweio- 
25. Cf. op. cit., p. 129. 
P Oug É A PENOMENOLÓGIM 
jau£1...) A4,§,i
__LPSZÚa_dg Forma .pe______rmite estabelecer uma 
reIaão entrej o ià, que tem psit objeto a estrunira—d-opriit 
njsmo, e a ontogênese,_ que tem por objeto a e olu ão cio
. 
 orga-. nismo e de seu c2mp9rtamento,tese mecanisb s.L
ende 
	 ue 
a fun ão a artir da 	 g 	 o
strutura do (Sr ão, não ex lica a evo- 
lução do ~o. Se este, ao contrn ndido o

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