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Pesquisa Etnográfica - Praça Tamandaré - Rio Grande - RS

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Praça Tamandaré
Entre a Luz e a Escuridão
	Centenária, Arbórea, Esculturas, Monumentos, Zoológico. Reduto para diversão de crianças, distração de idosos, ponto de encontro de enamorados, baldeação de trabalhadores e moradores entre ônibus. Mas não se trata apenas desses desígnios conhecidos pela maioria que quero relatar. Quis realizar este relatório de observação numa perspectiva de um passante local mas que procura parar e ver em sua volta, um andarilho diário que observa o que acontece na luz e na escuridão, no dia e na noite.
	Como muitas praças semelhantes, que tem o seu encanto diurno e/ou noturno, procurei observar as pessoas (em alguns casos conversar com algumas) e o que acontece no local em si, primeiramente por uma visão iluminada pelo sol, e após, por uma visão abrilhantada pela Lua.
	Mesmo sendo um local público, fui em campo a procura de um responsável. Ora, uma praça tão grande, deveria haver uma administração e, de fato havia. Conheci seu Anselmo, administrador local. Muito atencioso, predisposto inclusive a me apresentar a praça em sua totalidade (parte histórica, cultural e etc). Mas não era o meu objetivo em si. Depois de eu ter informado meu nome, o curso acadêmico que faço e qual seria o real objetivo, o mesmo não viu problemas e até indagou: “A Praça é de todos, fique à vontade. Mas tenha cuidado a noite”, seguido de uma risada irônica. Deduzi a li que a noite deveria tomar maior cuidado, mas estava empolgado a fazer este trabalho. Segui em frente.
	Uma vez não havendo problemas, comecei a observar e fotografar (com o meu smartphone) o que achava que era interessante, ou seja, o que as pessoas que ali passavam nem sequer notavam por causa do seu cotidiano ou objetivos (nobres ou não). Achei melhor optar pela observação simples, fotografias da praça e conversar de maneira amistosa e casual com algumas pessoas, para após escrever o relatório. Creio que esta seria a maneira mais natural e mais verdadeira de fazer esta Descrição.
Na Luz do Dia
	O Sol nasce, os primeiros raios solares acariciam crescentemente as copas de cada árvore da Tamandaré. Neto, Viturino, 24 de Maio e Luiz Loreia (ruas que a circundam), criam vida, fluindo crianças indo para suas escolas, acadêmicos indo para suas faculdades, trabalhadores chegando em seus trabalhos ou indo para casa.
	O Radio local é acionado, músicas dos anos 60, 70, 80 e 90 podem ser ouvidas por toda a praça, nem as gospel ficam de fora. Grande movimentação nos pontos de ônibus, fiscais, cobradores e motoristas discutem trajetos, fumam, riem e comem seus biscoitos e bebem suas águas e refrigerantes, na certeza que demoraram para comer algo melhor durante suas labutas.
	Distintos senhores e senhoras, jovens ou não, começam a trafegar por dentro da praça, em passos largos e contínuos, como se estivessem seguindo suas próprias linhas já memorizadas, trajetos cotidianos diários, cada um ou em conjunto, seguindo os seus destinos.
	Em volta do coreto, Lonas abertas, barracas armadas. Sim, o brechó de caridade se abre, peças de roupas e sapatos de diversos tipos, cores e tamanhos. Gastos pelo uso, mas bem cuidados. Todos a venda por um preço amistoso para aqueles que, infelizmente, não teriam de condições de comprar novos, ou apenas para aqueles que gostaram de alguma peça e estão na intenção de dar a sua contribuição para a caridade.
	Por toda a Praça, distintos caminhos onde todos levam a vários pontos específicos. As árvores centenárias, bambuzais, arbustos e trepadeiras dão um toque todo especial a estes mesmos caminhos. Uma visão muito bela de se admirar. Por alguns momentos, nos sentimos em paz, mais perto de Deus, até que sou interrompido por olhares de desaprovação (ou admiração) de outras pessoas passantes… “O que esse homem está fazendo? Deve estar 'ratiando' olhando pro nada!”, ou até mesmo e sem querer ser presunçoso “Uau, olhe só, que baita guapo!!”, deviam pensar.
	Bom, como dizem por aí: “Só Observo!”, e é lógico que, mesmo eles não tendo esta intenção, também passo a ser observado por onde passo. E os passantes, como bons riograndinos que se presam, dão o seu olhar mais fulminante (e etnocêntrico) conhecido como: “Cabeça, sapato, sapato, cabeça”. Esse nunca falha e é o mais utilizado, mesmo!
	Voltando os olhos para ao meu redor, segui para o centro da praça. Eis o monumento mais lembrado mas que não dá nome a praça. Sim, “Os leões brigando”. Esta obra onde representa o Brasil derrotando o Rio Grande do Sul na guerra dos farrapos (marco esse lembrado, em minha opinião, apenas no 20 de setembro), homenagem a Bento Gonçalves, virou o maior ponto de referência e de encontros já visto.
	
	Cercado de bancos, como em toda a praça, de maneira circular, Idosos saudosos de tempos áureos, pedintes dormindo, grupo de adolescentes matadores de aula e fofoqueiras de plantão, compõem a minha visão da imagem.
	Algo me chama a atenção, a casa do artesanato. Em anos nunca entrei lá, aproveitei a oportunidade para conhecer. Lá conheci duas queridas senhoras, Dona Helena e Dona Dolores. Um encontro muito amistoso. Foi com elas que descobri que lá ficava primeiramente o museu oceanográfico (não sabia disso). Artigos dos mais diversos são vendidos: lembranças em conchas, temas gauchescos, tricôs, bordados e crochets também fazem parte. Foram duas senhoras que me diverti muito conversando, falamos sobre nossas famílias e de como era em outras épocas. Foi muito agradável! Pedi até para fotografar a etiqueta que é colocada nos embrulhos quando a venda é realizada.
	Uma coisa pude perceber, faça chuva ou faça sol, a Praça Tamandaré é sempre viva, movimentada. Quer para um simples deslocamento de trajeto, quer para descanso, quer para espera de um ônibus ou para encontros amistosos. Houve casos também de encontros não muito amigáveis, discussões para quem quisesse ouvir foram observadas.
	As estátuas espalhadas também são muitas. Cada uma delas tem o porquê de estar lá, com suas respectivas homenagens. No entanto, e de uma maneira informal, não me aprofundarei neste setor histórico e artístico, e sim, descreverei o que foi visto.
	O que vi foi respectivamente: O Jornaleiro, A samaritana, A camponesa e Napoleão.
	Todos eles entre os animais do minizoológico da praça, como se fossem guardiões do local. Mas duas estátuas me intrigaram, não elas em si, mas por elas estarem juntas num mesmo contexto.
	Jesus Cristo e Vênus ao Banho. Não sei se foi coincidência, mas um está de costas para o outro, mas juntos no mesmo local, próximos. Algo que está inclusive subliminar nas crenças de todos as pessoas da praça, que será mais exemplificado ao decorrer deste trabalho de observação. Pude perceber que sim, as crenças das pessoas são geralmente cristãs, mas se for o caso de recorrer a outra crença para atingir algum fim, recorrem. Ficou fácil notar isso, as pessoas que lá passam, estão tão preocupadas consigo mesmas, que se esquecem que estão em local público, propícia a ouvidos alheios (no caso os meus). Ouvi fatos supracitados e muitos outros que não vem ao caso. E essas estátuas, subliminarmente, faz uma referência a esse paralelo religioso.
	No dia seguinte, quis ir a outros lugares da praça que muitas vezes são ignorados. Alguns monumentos e lugares que lá ficam e, muitas vezes, seja por uma questão de descuido ou costume, não param para ver. Monumento a Tamandaré, que realmente dá o nome a praça é um exemplo. Fica num lugar bem visível, próximo a casa do artesanato e é incrível que ninguém nota!
	Outras estão tanto tempo ali que para quem passa diariamente, elas estarem ali ou não, não faz a menor diferença. Acho um descaso tudo isso, valorizar o que se tem é preciso! Valorizar a nossa cidade é preciso. A quantidade de sujeira que vi, mesmo com os esforços incansáveis dos garis, foi deprimente. Acho que a única Obra, porém não monumental ou artística, que se faz notar, querendo ou não, é a “Torre da Embratel”, como é chamada (usada atualmente
pela operadora de comunicação Oi). Esta sim, dá para se ver de longe!
	Lugares que achei muito legais, e que ninguém tá nem aí, são onde intitulo “a namoradeira” e o “descanso das garças”. A Namoradeira é um banco em volto a uma árvore onde fica uma linda sombra. Felizmente existem ainda pessoas passantes que ainda valorizam o que tem, observei, discretamente, casais de diversos gêneros se encontrando ali. É o tipo de lugar romântico próprio para pedir alguém em casamento. O Descanso das Garças é uma copa de árvore que cobre uma parte do lago de forma parcialmente plana, o próprio nome já diz, fica repleto de garças onde elas descansam, fica parecendo frutos brancos nas árvores (ocorre mais a noite).
	Teve uma hora que fui fazer um lanche, e fui numa parte da praça conhecida como “Abrigolândia”, Lancherias, banheiros públicos, barbearia, chaveiros. Muitos comerciantes ofertando o que é conveniente para o local. Conversando com o seu Sérgio, um dos passantes que conheci na ocasião, já um senhor idoso, o mesmo me falou que ali era a antiga estação do bonde. Máquina esta que ainda se encontra na praça, porém na parte recreativa, usada como brinquedo pelas crianças. Achei muito legal, inclusive seu Anselmo me mostrou uma foto de como era na antiguidade (década de 60).
	Isso me fez observar que a Praça Tamandaré, ao menos ao seu redor, se tornou (ou sempre foi) uma grande estação Arbórea de ônibus. Acho que é por isso que as pessoas que lá passam não se preocupam em parar para admirar, estão todos sempre com pressa. No ritmo casa-trabalho-casa. Pontos enormes circundam as extremidades do local.
	A criançada, como já mencionei, também tem seu espaço garantido. Lembro que era bem diferente da minha época de infância. Minhas observações durante o dia conclui neste local. Ah foi uma ótima experiência, inclusive levei minhas sobrinhas junto comigo. Mães e pais com os seus filhos, todos rindo e brincando, voltavam da escola ou iam para distrair os filhos. Doces e pipocas por toda a parte. Mas também tinha crianças com bocas inchadas de quedas acidentais e seus responsáveis tomando as devidas atitudes. Sinceramente, não mais do que esperado!
Na Escuridão da Noite
Nesta parte da Observação, por precaução, não registrei imagens. Preferi sentir um pouco na pele. Confesso que foi um risco, mas seu Anselmo sugeriu que eu permanecesse próximo aos taxistas caso me sentisse em perigo.
O sol se põe, todos os acontecimentos durante o dia começam a ter o seu efeito reverso. Trabalhadores que vieram durante o dia voltam para suas casas. As ruas vão ficando gradativamente desertas.
Sombrio, isso define a praça a noite. Todas as fotos que tirei, pareciam que não estavam mais ali. Simplesmente não dava mais para ver nada. Porém, começa a aparecer outras pessoas que ainda sim tornam o lugar vivo.
Os olhares passam a serem mais desconfiados. Imagino que, passar por um cara careca, alto, te olhando (ainda que discretamente) em meio as trevas não deve ser nada agradável. Mas eram os ossos do ofício na ocasião.
Senhores e senhoras, jovens ou não, mudam de face. Esconde-se em capuz, toucas de lã. Procuram ficar em lugares ainda mais sombrios. Usam suas drogas discretamente. Um inclusive me perguntou se eu “tinha um bagulho para vender”. Coração na boca, mas com cara séria e neutra, pedi desculpas e disse que não tinha. Segui em frente.
Passava pelos taxistas, coisa que realmente funcionava. Seu Carlos, taxista da Tamandaré a muitos anos, falou diversas histórias do local. Mas realmente eu queria presenciar, observar algo significativo.
Quando estava quase desistindo, encontrei um amigo que ali estava passando. Álvaro me cumprimentou e perguntou o que eu estava fazendo, pois ele sabia que eu não era de estar ali naquele horário. Depois de explicado, ele disse que estava lá para a “pegação”, e se quisesse acompanhá-lo não seria problema. Bom, a essa altura, andar a dois seria bem melhor!
Álvaro me levou até seu amigos que estava na namoradeira (realmente merecia esse nome). Gays e Lésbicas estavam lá, nas trevas, namorando. Quem era eu para julgar? Álvaro ficou lá com o seu escolhido, saí de lá com Lídia e Eduardo (acabara de conhece-los). Estavam indo para abrigolândia
No Caminho, pude até perceber mau encarados, que, ao menor sinal de vulnerabilidade, atacariam. Tive sorte! Eduardo, muito expressivo, falava anedotas e baboseiras sem parar. Me alegrei um pouco. Ele disse que me ajudaria com o trabalho me mostrando pessoas e etc. Claro que vi em seu olhar segundas intenções, mas não estava lá para isso, educadamente dispensei ajuda.
Acho que quando a gente quer muito realizar algo que é importante para nós, parece que o Universo contribui. Neste momento reencontrei um amigo de infância que trabalhava na Viação Noiva do Mar, linha de ônibus urbano local. Roger me deu todo o suporte, saímos para conversar em local seguro.
Durante a conversa, as coisas aconteciam naturalmente. Pedintes que até então não chegavam tão facilmente ou dormiam, faziam jus ao título e pediam dinheiro, cigarro, um lanche, passagem, em fim, o que na ocasião realmente necessitavam.
Mas foi nesta noite que tive a prova do que pensava. Anteriormente citei o caso das estátuas e do que achava. Pois bem, pessoas que vi durante o dia, discretas e aparentemente cristãs, entre os bambuzais estavam lá acendendo suas velas, ofertando algo para seus guias e fazendo seus pedidos.
É algo que define não só os passantes da praça, mas os habitantes locais, de dia uma atitude, a noite é outra, claro que não devo generalizar, mas que é fato é fato. Seja religiosa e até mesmo sexual.
Travestis, mesmo fazendo ponto na Silva Paes, rua perpendicular, muitas vezes fazem seus serviços na Praça, desviando sempre dos guardas municipais.
Apesar de toda a periculosidade, uma coisa pude notar. Tirando as pessoas que notoriamente são perigosas, as pessoas passantes da praça a noite são muito mais abertas, solícitas. Não tem aquela frieza que tem as do dia. É um verdadeiro Paradoxo. A escuridão já estava acabando, o sol já estava surgindo aos poucos no horizonte, o ciclo se repetia. Vi ali que já tinha material o suficiente.
Conclusão
Ainda que tenha sido uma experiência numa praça local, não deixou de ser uma viajem para mim. Segundo a autora Ilka Boaventura Leite, Obras eram produzidas em decorrência das viagens, através de suas descrições, buscando transmitir informações que só poderiam ser obtidas pela experiência da viagem.
Não há dúvidas que ainda faltaria muito para se fazer um relatório etnográfico, porém, tive o benefício de pôr três dias, ter um toque do que seria, do que enfrentaria, do que experimentaria se assim o fizesse mais a fundo. Hoje posso dizer que sei mais um pouco de minha cidade, de minha própria cultura.
Seja na Luz ou na Escuridão, dia ou noite, a praça Tamandaré tem seus encantos, cada um a sua maneira, cada um do seu jeito. Respeito, Paciência e Coragem são as palavras-chave no final de tudo (com um toque de sorte!).

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