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Iniciais_SS_5oP.indd 3 06 Processo de Trabalho 1 Apostilas Brasil Caixa de texto nullnullnullnullnullnullnullSUMÁRIOnullnullnullnullnullnullnullnull Serviço Social e sua Inserção nos Processos de Trabalho ................................................................. 3null A Prática Institucionalizada ................................................................................................................. 11null Relação Teoria/Prática e a Atitude Investigativa ................................................................................ 19null Cotidiano e Práxis Prfissional ............................................................................................................. 25null Mediação: Singularidade, Universalidade e Particularidade .............................................................. 35null Instrumentalidade ............................................................................................................................... 41null Abordagem em Educação e Organizações Populares ...................................................................... 45null Iniciais_SS_5oP.indd 4 12/16/aaaa 14:07:05 06 S.S. – 5° PERÍODO – 6ª PROVA – 16/12/09 SUMÁRIO Estratégias e técnicas da Açâo Profissional .......................................... * Serviço Social e sua Inserção nos Processos de Trabalho ........... * A Prática Institucionalizada ............................................................... * Relação Teoria/Prática e a Atitude Investigativa ................................ * Cotidiano e Práxis Prfissional ............................................................ * Mediação: Singularidade, Universalidade e Particularidade ............... * Instrumentalidade ................................................................................ * Abordagem em Educação e Organizações Populares ........................ 3 3 11 19 25 35 41 45 2 Apostilas Brasil Caixa de texto Apostilas Brasil Caixa de texto Apostilas Brasil Caixa de texto nullnullnullnullnullnullnullnullnullnullnullnullnullnullnullnullnullnullnullnullnullnullnullnullHá dois tipos de pessoa que vão te dizer que você não pode fazer a diferença neste mundo: as que têm medo de tentar e as que têm medo de que você se dê bem. CAPÍTULO 1 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii Introdução O Serviço Social, desde seu surgimento e ao longo de sua consolidação como profi ssão, sofreu diversas modifi cações. Inicialmente, atuava sob o prisma fi lantrópico da ajuda. Com a evolução das expressões da questão social e as mazelas acirradas com o sistema capitalista, a profi ssão necessitou de sistema- tizar seus conhecimentos, na perspectiva de compreender melhor a realidade social. Assim, o Serviço Social adquiriu bagagem científi ca que permitiu galgar os degraus do profi ssionalismo e o seu fi rmamento como profi ssão especializada inscrita na divisão sócio-técnica do trabalho nas sociedades. Segundo Souza (1982), as demandas sociais que vão se fazendo presentes ao longo da existência do Serviço Social vêm provocando contínuas modifi ca- ções na profi ssão. O Serviço Social, antes da sua reformulação e renovação desencadeadas pelo Movimento de Reconceituação, atuava nos moldes do Serviço Social europeu e americano. Tinha como fi nalidade corrigir as disfunções sociais ou desajustamentos individuais, ou seja, instruir a população e educá-la para se adequar melhor ao trabalho na sociedade capitalista. Na contemporaneidade, de acordo com Guerra (2000), é fundamental para o Serviço Social analisar e entender o conjunto das condições sócio-históricas em que se desenvolve desde sua gênese. É preciso saber como foram surgindo os espaços sócio-ocupacionais de sua atuação, as formas e metodologias de qualifi cação de seus profi ssionais, os projetos profi ssionais e também a corre- lação de forças das sociedades, fatores que enquadram a atuação do Serviço Social. Por esses motivos é que iremos discutir a categoria trabalho e a forma como o Serviço Social se insere nos diferentes espaços de atuação. Para entender a inserção do Serviço Social nos processos de trabalho e conhecer os espaços sócio-ocupacionais em que atuam os assistentes sociais, é necessário que você tenha compreendido a forma de inserção do Serviço Social no processo produtivo e sua consolidação enquanto mão-de-obra especializada. Esses apontamentos foram estudados no capítulo 5 da disciplina de Introdução ao Serviço Social, no primeiro período do curso. Em decorrência da implantação do capitalismo, do aparecimento de suas consequências sociais, do aumento das desigualdades e do crescimento da pobreza, foram surgindo muitas áreas que demandam a intervenção profi ssional do assistente social. Serviço Social e sua inserção nos processos de trabalho 1 S.S._5oP.indb 9 12/2/aaaa 14:41:20 06 S.S – 5° PERÍODO – 4ª PROVA – 02/12/09 – 9 of 460 3 Arquivo disponível gratuitamente no site: www.servicosocialparaconcursos.com Apostilas Brasil Caixa de texto Apostilas Brasil Caixa de texto CAPÍTULO 1 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii 1.1 Categoria trabalho e os conflitos sociais A categoria trabalho possui diversas definições. Vamos, então, relembrar o que é trabalho? Segundo Iamamoto (1998), é fundamental para o Serviço Social compreender a categoria trabalho na sociedade contemporânea. Desde os primórdios, o homem desenvolve trabalho a fim de garantir sua sobrevivência. Para satisfazer as suas necessidades, é necessário que os seres humanos trans- formem a natureza, o homem modifica algo ou a natureza, aperfeiçoa instru- mentos e planeja uma atividade para construir algo útil que atenda prontamente suas necessidades físicas e materiais. Segundo Guerra (2000), o homem, logo após a satisfação das necessidades materiais imediatas, busca novas necessidades e precisa saciá-las. A partir disso, cria modos e novos meios (instrumentos e técnicas) para realizar o trabalho, que fazem com que os homens adquiram conhecimentos. Assim, o homem não só realiza por meio do trabalho atividades que culminam em objetos, mas também, em atividades críticas. “No processo de trabalho a passagem do momento da pré-ideação (projeto) para a ação propriamente dita requer instrumentalidade. Requer a conver- são das coisas em meios para o alcance dos resultados. [...] É essa capaci- dade que, como instância de passagem, possibilita passar das abstrações da vontade para a concreção das finalidades” (GUERRA, 2000, p. 9). O homem, ao longo do desenvolvimento das sociedades, foi aperfeiçoando o trabalho para satisfazer suas necessidades. Essas necessidades, por sua vez, também começaram a extrapolar do campo apenas material das satisfações imediatas, para a necessidade de acumulação dos objetos produzidos pelo trabalho. O sistema capitalista tem como característica central a acumulação. É neces- sária, aos capitalistas, a produção dos bens em grande escala, e isso é conse- guido por meio da venda da força de trabalho humano e da exploração. Essa exploração fez surgir a questão social e suas expressões: a divisão entre classes, os antagonismos e os conflitos na sociedade. “Essa contradição fundamental da sociedade capitalista – entre o trabalho coletivo e a apropriação privada da atividade, das condições e frutos do trabalho – está na origem do fato de que o desenvolvimento nesta socie- dade redunda, de um lado, em uma enorme possibilidade de o homem ter 4 CAPÍTULO 1 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii acesso à natureza, à cultura, à ciência [...]; porém, de outro lado, faz cres- cer a distância entre a concentração/acumulação de capital e a produção crescente da miséria” (IAMAMOTO, 1998, p. 27). O Serviço Socialé uma profissão que surge justamente dessa contradição gestada da necessidade para mediar os conflitos advindos da exploração capi- talista. Essa profissão vai aos poucos deixando de realizar ações caridosas e bondosas, e passa a executar atividades organizadas e sistematizadas, a fim de intervir nos problemas sociais. Mas é necessário que você aprenda que o Serviço Social não evoluiu, como profissão, por si só. Foram necessários fatores externos para suscitar essa mudança. Um dos condicionantes primordiais para que a profissão se firmasse e se tornasse uma prática profissional foi a ampliação do Estado na regulação das relações sociais e também sua intervenção na sociedade. Dessa forma, o Estado passa de Estado mínimo (liberal) para Estado interventor que, sob influên cia keynesiana, busca a estabilidade social. Historicamente, a profissão de Serviço Social veio para colaborar com o Estado, atuando nas expressões de conflito entre capital versus trabalho. Retomemos a discussão da categoria trabalho. Para produzir e reproduzir os meios de vida, os homens se relacionam, criam formas de estabelecer relações sociais e, pelo estabelecimento desses vínculos, constroem os meios necessários para difundir ideias, espalhando que é muito importante e necessário o acúmulo de objetos materiais. Essas ideias são absorvidas pela população, o que pos - sibilita o aumento do consumo e consequentemente, o aumento da produção e do lucro. A produção é realizada pela compra do trabalho humano. “Assim é que o trabalhador trabalha sob o controle do capitalista a que pertence seu trabalho. [...] Ao capitalista e/ou a seus prepostos cabe, por- tanto, a função de direção e vigilância do trabalhador coletivo, seja garan- tindo o emprego racional dos meios de produção para evitar desperdícios, seja garantindo a maior intensidade possível de exploração da força de trabalho” (IAMAMOTO; CARVALHO, 1983, p. 40). Segundo Iamamoto (1998), a produção social não trata somente da produção de objetos materiais, mas também de relação social entre pessoas, entre classes sociais que personificam determinadas categorias econômicas. S.S._5oP.indb 11 06 S.S – 5° PERÍODO – 4ª PROVA – 02/12/09 – 11 of 460 5 CAPÍTULO 1 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii As relações sociais engendradas pelo capital são responsáveis por essa exploração, que é mistificada, ou seja, mascarada, pois não está transparente para a sociedade, e os trabalhadores também não conseguem fazer esta leitura. Eles vendem sua força de trabalho, e o lucro dos bens mais produzidos fica nas mãos dos capitalistas. Esses capitalistas empregam valores muito maiores na venda e determinam o preço das mercadorias produzidas pelos trabalhadores. A diferença entre o valor da venda de mercadoria e o salário pago ao traba- lhador é chamado de mais-valia. 1.2 O Serviço Social e sua inserção como profissão no processo de trabalho As relações construídas pelo capital culminam na exploração e nos conflitos. O Serviço Social se insere nos processos de trabalho como uma profissão que atua no aspecto coletivo. Isso quer dizer que o Serviço Social firma-se como uma especialização do trabalho coletivo, uma vez que o desenvolvimento das relações capital-trabalho exige profissionais qualificados e especializados no atendimento dos conflitos desencadeados pelo processo de trabalho, que visa ao lucro e à expansão das classes sociais: proletariado e burguesia industrial. Essas modificações e transformações constituídas no processo de trabalho geraram, segundo Iamamoto (1998), as “expressões da questão social”. Tais expressões se apresentam no cotidiano da vida social e exigem respostas por parte da sociedade e do Estado. O Serviço Social justifica a sua existência inserindo-se nos espaços institucionais públicos e privados, para atuar nestas expressões da questão social. Sendo assim, o assistente social se configura como um trabalhador que vende sua força de trabalho especializado a serviço do Estado e do capital, intervindo para controlar as massas, apaziguar conflitos e amenizar as sequelas da exploração que afeta as condições de vida do conjunto dos trabalhadores. “O Serviço Social no Brasil afirma-se como profissão, estritamente integra- do ao setor público em especial, face à progressiva ampliação do controle no âmbito da ação do Estado junto à sociedade civil. Vincula-se, também, a organizações patronais privadas, de caráter empresarial, dedicadas às atividades produtivas propriamente ditas à prestação de serviços sociais à população. A profissão se consolida, então, como parte integrante do apa- rato estatal e de empresas privadas, e o profissional, como um assalariado a serviço das mesmas” (IAMAMOTO; CARVALHO, 1983, p. 79-80). Nessa perspectiva, o enraizamento da profissão na sociedade está intrinse- camente ligado ao desenvolvimento do sistema capitalista, ao engendramento S.S._5oP.indb 12 12/2/aaaa 14:41:21 06 S.S – 5° PERÍODO – 4ª PROVA – 02/12/09 – 12 of 460 6 CAPÍTULO 1 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii das relações sociais de exploração, do avanço das relações e dos processos de trabalho assalariado, bem como à ampliação das funções do Estado e imple- mentação de políticas sociais. O Serviço Social se insere nos processos de trabalho como um trabalho social, interferindo nas relações sociais desenvolvidas na sociedade, como uma profissão que tem uma utilidade social. Vamos entender melhor esse processo de inserção do Serviço Social no processo de trabalho, participante do processo de produção e redistribuição de riqueza. Por exemplo: quando trabalha em uma empresa privada, cuja visão é capitalista, o assistente social exerce uma função cujo fim é colaborar para o aumento da produção, uma vez que irá atuar junto aos trabalhadores com políticas sociais para que cumpram melhor suas funções de forma a aumentar o lucro da empresa. “O Serviço Social é socialmente necessário porque ele atua sobre questões que dizem respeito à sobrevivência social e material dos setores majori- tários da população trabalhadora. [...] Então, não resta dúvida de que o Serviço Social tem um papel no processo de reprodução material e social da força de trabalho, entendendo o processo de reprodução como o movi- mento da produção na sua continuidade” (IAMAMOTO, 1998, p. 67). Quando esse mesmo profissional de Serviço Social trabalha em espaço público, atua junto à distribuição de mais-valia, uma vez que distribui a riqueza coletada por meio de impostos. O Estado, via fundo público, por necessidade de legitimação e para reprodução da força de trabalho, implementa as políticas públicas sob a forma de prestação de serviços, desenvolvendo programas e projetos que assimilam a mão-de-obra do assistente social. Então podemos notar que o Serviço Social se insere nos processos de trabalho da sociedade, a priori, como uma profissão que detém um trabalho especiali- zado, que se traduz e se apresenta à sociedade como forma de serviços pres- tados. Esse profissional se especializa para intervir na produção e reprodução da força de trabalho servindo de mediador para a classe burguesa. Tem o obje- tivo de mediar essas relações e abrandar as mazelas produzidas em relação ao conjunto dos trabalhadores pelo capital. Ao longo de sua trajetória histórica, o Serviço Social passou por transforma- ções, e o assistente social inseriu-se nos processos de trabalho não só para inter- ferir nas relações capital-trabalho, mas também com um objetivo social. Nesse S.S._5oP.indb 13 12/2/aaaa 14:41:21 06 S.S – 5° PERÍODO – 4ª PROVA – 02/12/09 – 13 of 460 7 CAPÍTULO 1 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii sentido, produz conhecimentos e valores éticos, desperta criticidade, desvela a exploração com o objetivo de fortalecer a classe trabalhadora na lutapelas conquistas de direitos sociais, visando à melhoria da qualidade de vida das classes subalternizadas da sociedade. 1.3 O Serviço Social e os espaços sócio-ocupacionais de atuação profissional Após o Movimento de Reconceituação e o encontro do Serviço Social com a teoria marxista, a profissão procura romper com as bases teórico-metodoló- gicas fundamentadas no positivismo e ganhar terreno na apreensão de uma mudança de cunho estrutural. Dessa forma, reestrutura sua formação e sua atuação, voltando a atenção para os movimentos de classes, para o Estado e as relações que esses segmentos reproduzem. Apreender melhor o engendra- mento das relações na sociedade e romper com a visão positivista, endógena e focalista, a partir do encontro com o marxismo, tornou-se o foco do Serviço Social. Portanto a profissão sofreu profundas mudanças em seu interior e passou a ter um processo de trabalho bem particular, pois o assistente social é um trabalhador assalariado e inserido nas relações da sociedade capitalista, como mercadoria e força de trabalho. Mediante essas mudanças e percepções apreendidas pelo Serviço Social, a profissão começa a buscar mais competência no fazer profissional. Para tal, passou a buscar atualização teórica e metodológica e habilidades específicas para responder às demandas impostas pelo capital, bem como, para se engajar mais efetivamente na luta pelos direitos sociais da classe trabalhadora. É interessante ressaltar que, na década de 80, no auge do Movimento de Reconceituação, o Serviço Social toma novo direcionamento profissional, mais crítico em relação à contradição capitalista. Nesse período, chegou-se ao extremo revolucionário de alguns negarem os espaços públicos de atuação por acreditarem que estariam somente legitimando a exploração e submissão capi- talista ao aparelho estatal. Depois, com a percepção do movimento dialético nas sociedades capita- listas e a análise da relação capital-trabalho, o Serviço Social se insere na esfera pública e ganha terreno em diversos espaços sócio-ocupacionais. Assim, objetiva possibilitar à população o acesso aos direitos sociais adquiridos por meio das lutas de classes e dos movimentos sociais, materializados em serviços sociais. Nesse sentido, o assistente social, no âmbito da reprodução social, maneja recursos destinados à melhoria das condições de vida da população e objetiva a efetivação dos direitos sociais. Segundo Silva (2005), os espaços sócio-ocupacionais em que o Serviço Social contemporâneo atua são: empresas, hospitais, creches, postos de saúde, pronto-so- 8 CAPÍTULO 1 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii corros, clínicas, construtoras, usinas sucro-alcooleiras, fóruns, entidades assisten- ciais, centros comunitários, escolas, universidades, bancos, ONGs, entre outros. “No âmbito das ONG(s) – Organizações Não Governamentais, há um amplo potencial de ocupação para Assistentes Sociais nos mais diversos programas de combate à pobreza ou em torno de problemas como meio-ambiente e qua- lidade de vida, direitos humanos, cultura popular, movimentos sociais, gestão social, família, relações de gênero, habitação popular, prevenção de DST-AIDS, violência urbana, alternativas de geração de renda etc.” (SILVA, 2005, p. 7). Vamos agora aprender que o exercício profissional do assistente social pode ocorrer em diversas áreas, como: saúde, assistência social, criança, adolescente, empresas, justiça, educação, previdência, habitação, recursos humanos, terceira idade, área ambiental, rural e outras. “O assistente social atua no âmbito dos serviços sociais em geral, desempe- nhando funções de: direção, gerenciamento, chefia, supervisão, assessoria, consultoria, pesquisa, docência, planejamento, gestão de banco de dados em políticas e serviços sociais, monitoramento de convênios e prestação de servi- ços com atendimento direto a usuários” (SILVA, 2005, p. 7). Essas áreas de atuação estão intrinsecamente ligadas às instituições e a espaços sócio-ocupacionais, determinando as funções que o assistente social pode exercer no âmbito público e privado. Vale ressaltar que muitos profissionais, equivocadamente, ao assumirem cargos de gerência, docência, entre outros, consideram não estar no exercício profissional de Serviço Social, por pensaram, erroneamente, que o fazer estaria limitado aos trabalhos de ponta, ligados dire- tamente aos usuários. É importante perceber que o fazer profissional, tanto de quem atua diretamente com os usuários, como de quem atua na docência, no planejamento, na gerência e assim por diante, é atuação do assistente social. Isso nos leva a afirmar que o campo de trabalho é vasto, diversificado, e cabe aos profissionais ocupá-lo e ampliá-lo, conforme a área de interesse. Concluímos nosso capítulo fazendo a seguinte reflexão: o serviço social é uma profissão que possui seu espaço sócio-ocupacional e que surgiu da 06 9 CAPÍTULO 1 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii contradição capital versus trabalho, para atuar nas mazelas sociais advindas do acirramento do sistema capitalista. Como os problemas sociais se eviden- ciam a cada dia, os assistentes sociais são cada vez mais solicitados para atuar em diferentes áreas. No próximo capítulo, você irá aprender como o Serviço Social desenvolve a prática institucionalizada nos processos de trabalho do assistente social, e como as instituições são utilizadas enquanto aparelhos ideológicos do Estado com função de assegurar a reprodução das relações sociais. Você compreenderá que o assistente social trabalha inserido em instituições estatais, órgãos buro- cratizados, em que o usuário dos serviços ou das políticas públicas precisa se encaixar nos critérios e nas normas de atendimento das políticas implementadas e oferecidas por essas instituições. Verá também a necessidade de se fazer uma leitura desse contexto a fim de formular e programar estratégias e técnicas para viabilizar os direitos dos usuários dos serviços sociais. Anotações 10 CAPÍTULO 2 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL iiA prática institucionalizada, as estratégias e as técnicas do fazer prof issional 2 Introdução Para iniciarmos o diálogo sobre as estratégias e técnicas utilizadas pelo assistente social no seu fazer profi ssional, é fundamental retornarmos a alguns conceitos apresentados em outros capítulos. O primeiro deles se refere ao processo histórico da profi ssão, entendendo que as estratégias utilizadas pelo profi ssional são empregadas devido a um mover histórico. As técnicas utilizadas no exercício da profi ssão não se disso- ciam das características contemporâneas do Serviço Social. O segundo é referente ao conceito de práxis como ação refl etida. A prática profi ssional e, por consequência, a utilização de estratégias e técnicas, dá-se em um processo de refl exão, ou seja, toda intervenção do profi ssional de Serviço Social deve ser fundamentada e pautada por objetivos e intencionalidade. Outro conceito relevante é a percepção da natureza dos espaços ocupados pelo assistente social. Espaços esses, em sua maioria, de natureza pública (serviços de saúde, assistência social, previdência social, habitação), reforçando o caráter de intervenção institucionalizada. As estratégias e técnicas são utilizadas em um ambiente institucional e sua aplicação deve considerar as características da insti- tuição empregadora, não havendo, portanto, uma receita rígida para utilização. Se, por um lado, o exercício profi ssional do Serviço Social é instituciona- lizado, por outro, deve estar vinculado ao projeto hegemônico da profi ssão (projeto ético-político) de transformação da sociedade, efetivação dos direitos sociais, trabalho em prol da melhoria da qualidade de vida da população. Contudo quero que você apreenda o que é instituição na defi niçãode alguns autores de relevância na área social e que consiga, assim, perceber a contra- dição do fazer profi ssional do assistente social nesses espaços. Para conhecer a instituição como um espaço em que o assistente social desen- volve sua prática e compreender a aplicação de conhecimentos e a utilização de técnicas e estratégias no processo de trabalho em Serviço Social, é necessário que você tenha entendido a inserção do Serviço Social nos processos de trabalho bem como os espaços sócio-ocupacionais em que atuam os assistentes sociais. Com esse conteúdo, que foi trabalhado no capítulo 1 deste caderno, você terá melhores condições de apreender a complexidade dos espaços sócio-ocupacionais S.S._5oP.indb 17 06 11 Apostilas Brasil Caixa de texto CAPÍTULO 2 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii da profissão, os entraves que existem no cotidiano profissional, bem como o fazer profissional nos espaços institucionalizados, temas do presente capítulo. 2.1 O que são as instituições Serra (1983) nos ensina que “instituição é parte de uma estrutura social que repassa uma ideologia dominante, é um mecanismo de controle social, reproduz valores, é a garantia de um sistema vigente, ela é código, ela é lei, ela é norma.” Logo a instituição é uma instância social orientada para a preservação dos valores instituídos. “Mesmo quando privadas, as instituições são reconhecidas pelo poder pú- blico, ou recusadas por ele. Elas se organizam como aparelhos das classes dominantes para desenvolver e consolidar o consenso social necessário à sua hegemonia e direção sobre os processos sociais. As classes dominan- tes necessitam do consentimento das classes dominadas para exercer sua hegemonia” (FALEIROS, 1985, p. 32). Para Faleiros (1985), “instituições são organizações específicas de políticas sociais, embora se apresentem como organismos autônomos e estruturadas em torno de normas e objetivos manifestos”. Elas ocupam um espaço político nos meandros das relações entre Estado e Sociedade Civil. Fazem parte da rede, do tecido social lançado pelas classes dominantes para amealhar o conjunto da sociedade. Segundo Serra (1983), “as instituições são aparelhos ideológicos do Estado com função de assegurar a reprodução das relações sociais.” E, de acordo com Faleiros (1985), “as instituições se utilizam de uma face humanista para despertar o consentimento da população, bem como moldar, educar e submeter a população aos interesses hegemônicos”. Portanto as instituições, conforme autores da área social, são aparelhos ideológicos que servem aos interesses do Estado e do capital para submeter a classe trabalhadora à dominação ideológica e material. Para tal, utiliza-se de políticas sociais para obter o consentimento, a legitimação diante da população. Sendo assim, como se dá o fazer profissional do assistente social nesses espaços legitimadores? Veremos adiante! 2.2 O Serviço Social e a prática institucionalizada Você percebeu, pelas definições dos autores, que não podemos separar insti- tuição de Estado, uma vez que há um consenso entre esses dois elementos. E é S.S._5oP.indb 18 06 S.S – 5° PERÍODO – 4ª PROVA – 02/12/09 – 18 of 460 12 CAPÍTULO 2 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii justamente dentro dessas instituições que ocorre a prática institucionalizada do Serviço Social. As instituições são espaços de propagação de normas sociais e de disseminação de valores sociais e morais, são órgãos em que se cumprem funções no sentido de responder a problemas ou demandas impostas pela sociedade. O Estado cria as instituições como aparelhos funcionais para atender as necessidades da sociedade na perspectiva do coletivo. É necessário que o assistente social conheça a instituição em que está inse- rido como profissional, suas normas e critérios de trabalho. Daí, poderá, então, realizar a prática ou o exercício profissional, utilizando meios estratégicos e técnicos para viabilizar os direitos sociais. Como as instituições são normalmente elementos ou aparelhos de controle da população, para os assistentes sociais é imprescindível a clareza da necessi- dade de montar estratégias criativas e propositivas para a tomada de decisões, analisando as alternativas que possam ser implementadas na superação das demandas dos usuários das instituições. O assistente social efetua sua atividade mediante uma autonomia relativa. Isso significa que o profissional de Serviço Social (assistente social) decide os meios como realizar a atividade, os instrumentos técnico-operativos e as estraté- gias a serem implementadas. Porém depende do aval das estruturas ou das insti- tuições em que trabalha para a execução do seu trabalho: se o assistente social constrói um projeto, esse projeto só pode ser realizado se a instituição aprovar e destinar recursos financeiros ou verbas para sua execução. Portanto o assistente social atua nas políticas públicas, mas na maioria das vezes, subordinado às chefias das instituições. Dessa forma, o assistente social, segundo Faleiros (1985), deve criar formas horizontais de comunicação com o usuário, informá-lo sobre o que sabe a respeito daquela política, se essa política é possível de ser efetivada ou não, socializando informações para que a classe trabalhadora articule resoluções de seu interesse. Para manter os usuá- rios informados e participantes do processo de decisão nas políticas sociais, é necessária a criação de formas de comunicação em que haja uma horizontali- dade no falar e em que o informar seja tomado como uma tarefa política para colocar a população a par daquilo que o assistente social sabe e faz, pois, no processo de comunicação, há um confronto de saberes que são diferentes, que servem a políticas diferentes e que estão em relação com interesses contradi- tórios. Esse informar implica a mudança das relações de força do saber para que a população tome conhecimento das políticas institucionais de forma clara, simples e articulada com seus interesses, pois nas relações de força estão os limites para a sua mudança (FALEIROS, 1985, p. 113). O assistente social trabalha, muitas vezes (ou na maioria das vezes), inse- rido em instituições estatais e órgãos burocratizados, em que o usuário dos serviços ou das políticas públicas precisa se encaixar nos critérios e nas normas S.S._5oP.indb 19 12/2/aaaa 14:41:21 06 S.S – 5° PERÍODO – 4ª PROVA – 02/12/09 – 19 of 460 13 CAPÍTULO 2 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii de atendimento das políticas implementadas e oferecidas por essas instituições. Esses critérios normalmente exigem um arsenal de papéis que podem consti- tuir, na maioria das vezes, um conjunto de medidas burocrático-administrativas que são um entrave ao exercício profissional. O usuário apresenta demandas urgentes, que precisam ser sanadas rapidamente, independentemente de formu- lários e laudos que demoram a ser confeccionados. Faz-se necessário que sejam decifrados esses entraves institucionais, bem como a ampliação na seletividade dos atendimentos que as instituições impõem ao trabalho e à atuação do assistente social, pois o mesmo é colocado em situações contraditórias: prima pela universalidade do acesso aos bens, aos serviços e às políticas e é colocado diante da seletividade de usuário no exer- cício profissional nas instituições em que, normalmente, trabalha-se com o mínimo de recurso, para o máximo de beneficiados. Diante da complexidade dos problemas sociais que hoje se apresentam ao assistente social, é fundamental o conhecimento de instituições que implementam políticas em áreas, como: saúde, assistência, educação, habitação, agricultura, meio ambiente, justiça etc. Conhecendo as instituições, é possível entender seu funcionamento. Além disso, deve ter ciência que a demanda por esses serviços vem crescendo,em função do aumento da miséria e do empobrecimento das camadas baixas da sociedade, bem como da crise fiscal e financeira do nosso país, que propicia a redução das verbas e dos recursos destinados às instituições prestadoras de serviços públicos. A conclusão desse raciocínio está na citação a seguir, quando Iamamoto (1998, p. 163) considera que Daí resulta um receituário de medidas assentado na crítica dos desvios institucionais da implementação das políticas de assis- tência pública, isto é, se a assistência fosse tratada de forma “satisfatória” pelo Estado por meio de uma gestão racional e eficiente de verbas, poder-se-ia dar conta imediatamente da admi- nistração da miséria. O assistente social deve ter compromisso com a tarefa de desvendar o mundo contemporâneo, descobrindo como as políticas sociais são implemen- tadas, como funcionam as instituições que as viabilizam, e como se insere a prática ou o exercício profissional do Serviço Social nestas instituições, buscando construir práticas que beneficiem os usuários de seu serviço, primando por uma transparência na socialização de informações para os mesmos, zelando por um trabalho de qualidade pautado no projeto ético-político da profissão, na defesa da universalidade dos serviços públicos, voltando o seu exercício profissional para o compromisso com os interesses coletivos da população usuária. As estratégias e técnicas variam conforme o ambiente institucional. Cada espaço sócio-ocupacional do assistente social possui características e possibili- dades de intervenção peculiares. As políticas sociais públicas (assistência social, saúde, educação, previdência social, habitação, segurança pública, entre outras) 14 CAPÍTULO 2 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii são espaços em que os profissionais mais atuam e onde podem empregar estra- tégias democráticas previstas em leis específicas – como os conselhos gestores, as conferências descentralizadas e participativas, a aplicação transparente de recursos por meio de fundos. Mas para além dos direitos previstos em lei, a atuação profissional deve propor a superação ou simplesmente a minimização da burocracia no acesso aos serviços – filas, adiamento de pedidos, falhas na comunicação, falta de prestação de contas, ausência de explicações plausíveis. O silêncio diante de ações autoritárias é característica muitas vezes frequente no cotidiano dos usuários. Nessa situação, por exemplo, com o menor desgaste possível, o profissional poderia estimular a construção de uma resposta cons- ciente por parte do próprio usuário, contribuindo com sua capacidade de auto- nomia, garantindo, em longo prazo, o fortalecimento das iniciativas oriundas do saber popular. Cabe a cada assistente social utilizar sua criatividade para, por exemplo, garantir, do planejamento à execução, a participação dos usuários nos projetos sociais, ou mesmo, mantê-los informados de seus direitos, sem, contudo, agredir aos princípios e interesses da instituição que o contratou. Conforme Iamamoto (2005), o assistente social possui uma relativa auto- nomia: é contratado por uma classe, a burguesa e atende aos interesses de outra, a trabalhadora. Nesse contexto, o desempenho profissional deve, por um lado, garantir a reprodução de sua força de trabalho e, por outro, legitimar os interesses da classe trabalhadora. Iamamoto fundamenta a utilização de estratégias e técnicas pelos profissio- nais de Serviço Social: [...] as alternativas não saem de uma suposta “cartola mágica” do assistente social; as possibilidades estão dadas na realidade, mas não são automaticamente transformadas em alternativas profissionais. Cabe aos profissionais apropriarem-se dessas possi- bilidades e, como sujeitos, desenvolvê-las transformando-as em projetos e frentes de trabalho (IAMAMOTO, 2005, p. 21). Pelo viés propositivo, em uma perspectiva de fortalecer cada vez mais a identidade profissional articulada a um projeto de classe, as estratégias e técnicas no desempenho do trabalho profissional devem garantir materialidade aos interesses da classe trabalhadora, promovendo a concretização de direitos sociais e humanos. Como vimos, não há receitas para a atuação profissional, cabe ao assistente social conhecer as estratégias e técnicas que podem ser utilizadas no exercício da profissão. A seguir, exemplos de estratégias e técnicas. Estratégias• : explanação dialogada, realização de debates, trabalhos em grupos visando à politização/emancipação; planejamento participativo. S.S._5oP.indb 21 06 15 CAPÍTULO 2 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii São ações com um fim político, que visam a contribuir para a reflexão e efetivação de direitos. Esses são mecanismos utilizados para atuar tanto junto aos usuários como às instituições, a fim de efetivar o projeto ético- político profissional. Técnicas• : entrevistas; visitas domiciliares; aplicação de questionários; jogos interativos; dinâmicas grupais; utilização de músicas, poemas, teatro, fantoches; apresentação em data-show; leituras coletivas de textos; produção de painéis temáticos. São essas as ferramentas que o assistente social utiliza no fazer profissional. Ressalta-se que é neces- sário haver inter-relação entre as estratégias e as técnicas para que as ações não fiquem limitadas ao fazer burocrático e ao imediatismo. Em resumo, esses são alguns instrumentais técnico-operativos que podem ser utilizados pelo assistente social, relembrando que essas estratégias e técnicas devem ser fundamentadas no arsenal teórico-metodológico de cada profissional (conhecimento, habilidades, valores e herança cultural), bem como nas caracte- rísticas e no perfil do público atendido. 2.3 O avanço prof issional na utilização das estratégias e técnicas prof issionais Inicialmente, as estratégias e técnicas utilizadas pelo assistente social favo- reciam seu contratante, trazendo certo conformismo social e amenização de conflitos. O assistente social era responsável por atividades que demandavam contato com a classe economicamente vulnerável, como a entrega de auxílios governamentais em meio a situações de extrema pobreza. Foi somente a partir da década de 80 que o Serviço Social adquiriu, como principal característica, a opção por um projeto profissional vinculado à defesa intransigente dos direitos humanos da classe trabalhadora. Esse direcionamento, por um projeto aliado à classe trabalhadora, fez com que as estratégias e técnicas do profissional tivessem a intenção de reforçar a luta por uma nova ordem societária, sem dominação nem exploração de classe. Na contemporaneidade, a maior parte dos assistentes sociais opta por uma identidade profissional aliada à camada mais pobre da sociedade. No bojo dessa identidade, o processo de trabalho se gesta como resposta consciente aos conflitos de classe. A elaboração e execução de projetos sociais, a concessão de benefícios, a realização de reuniões, entrevistas e atividades grupais, por exemplo, são pautadas pela concretização de direitos humanos, sob a lógica de empoderamento e participação da classe trabalhadora. Igualmente, o caráter assistencialista e a visão clientelista são substituídos pela ampliação e consolidação da cidadania e dos direitos sociais, sendo papel do assistente social facilitar aos usuários o acesso a informações, políticas, planos, programas e projetos sociais. 16 CAPÍTULO 2 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii “O desafio do profissional consiste justamente na reorientação de seu co- tidiano de acordo com a correlação de forças existentes, para facilitar o acesso da população ao saber, aos recursos disponíveis e ao poder de decisão [...] o acesso aos recursos facilita uma reapropriação dos exceden- tes retirados da população e o acesso ao poder produz efeitos políticos de auto-organização”(FALEIROS, 2001, p. 55, grifo do autor). Nessa perspectiva de atrelamento aos interesses dos usuários, não se pode perder de vista a relação contratual do profissional, no sentido de compreender que essa defesa de direitos se dá no âmbito de instituições que seguem o modelo de produção e reprodução vigente no sistema capitalista. É importante observar que esse modelo nem sempre é aberto aos anseios da classe subalterna. Nesse contexto, o desempenho profissional exige estratégias e técnicas capazes de empreender a mediação entre instituição empregadora e usuário/ destinatário dos serviços profissionais. No desempenho das atividades profissionais, o assistente social deve informar os direitos dos usuários, apontando os caminhos para melhoria da qualidade de vida. Além disso, é também de sua responsabilidade a ampliação da partici- pação dos usuários nos processos decisórios e na aplicação de recursos, o que implica a garantia de espaços em que a população poderá ser ouvida em seus questionamentos e solicitações. Em suma, a partir da consolidação histórica da profissão, o profissional de Serviço Social utiliza estratégias e técnicas para a garantia de direitos à classe trabalhadora. Como mencionado anteriormente, a práxis representa a realização de ativi- dades a partir de reflexão prévia, dentro de uma lógica de racionalidade e intencionalidade. A partir desse pressuposto, convém registrar que toda inter- venção do assistente social deve ultrapassar a prática pela prática e materia- lizar os objetivos profissionais voltados para a autonomia e emancipação dos sujeitos sociais. Com respaldo teórico, toda técnica e estratégia encontram sua importância e sentido no ambiente institucional. Um exemplo de aplicação de estratégia é propor que as decisões institucionais considerem os anseios da população usuária. Além de configurar um princípio da Constituição Federal, essa estra- tégia é também uma forma inovadora de gestão. Uma técnica também ilustrativa é a tomada de decisões em grupos mistos, reuniões em que estejam presentes representantes da instituição e dos usuários, 06 17 CAPÍTULO 2 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii considerando, portanto, o conjunto de seus interesses, sem ferir o princípio ético de radicalização da democracia, por exemplo. Contudo tais ilustrações de estratégia e técnica representam a instrumenta- lidade no desempenho profissional. O assistente social utiliza sua linguagem e conhecimento teórico para garantir materialidade aos objetivos profissionais de alargamento da participação dos usuários, efetivação de direitos sociais, ampliação da cidadania e, sobretudo, melhoria nas condições de vida, sem, contudo, agredir os objetivos da instituição que o emprega. Para concluir nosso capítulo, é importante frisar que a prática profissional do assistente social se dá em ambientes institucionalizados, sejam eles públicos ou privados, e sofre pressões e influências diretas e indiretas no cotidiano profis- sional. Frequentemente, os interesses do profissional se chocam com os da insti- tuição. Nessa situação, é necessário o conhecimento, o domínio das técnicas e das estratégias no processo de trabalho em Serviço Social para uma melhor efetividade da prática nesses espaços contraditórios. No próximo capítulo, você aprenderá a importância de não dissociar a teoria da prática no exercício profissional. Além disso, você compreenderá a necessidade de ultrapassar a imediaticidade do cotidiano profissional. Anotações 18 CAPÍTULO 3 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii Relação teoria/prática e a atitude investigativa 3 Introdução O desempenho do exercício profi ssional pede a utilização de estratégias e técnicas que estejam subsidiadas pela bagagem teórico-metodológica acumu- lada pelo acadêmico durante sua formação na universidade. É importante que essa formação inicial seja realimentada continuamente pela busca incessante de novos conhecimentos que venham a subsidiar a prática profi ssional. O profi ssional de Serviço Social deve ser capaz de estabelecer objetivos e fi nalidades profi ssionais e, para tal exercício, é fundamental a relação teoria/ prática. Uma vez conectados, esses dois elementos permitem uma mediação que resulta na construção de atividades que venham a criar respostas para as demandas impostas aos assistentes sociais. Além de conectar a teoria com a prática, o profi ssional deve desenvolver a atitude investigativa que, antes, não pertencia ao fazer profi ssional do assis- tente social: foi somente após a década de 1970 que o Serviço Social se rees- truturou. Com o Movimento de Reconceituação, essa profi ssão tomou postura diferente ao pautar seu exercício profi ssional pelas bases teóricas do Marxismo Histórico-Dialético ou de Karl Marx, rompendo com a forma de atuação anterior, pautada em correntes Positivistas e Funcionalistas. Após o encontro do Serviço Social com a teoria marxista, a profi ssão avançou largamente na questão da investigação e na percepção crítica da realidade. Ao romper com a perspectiva de atuação do Serviço Social tradicional, foi possível introduzir elementos diferentes no exercício da prática profi ssional, tais como a pesquisa e a investigação. Esses elementos foram discutidos, reforçados e implementados como estratégias necessárias para a análise e deciframento das complexas relações socioeconômicas emanadas das relações capital-trabalho. Vejamos, adiante, dois determinantes para o melhor desempenho do exer- cício profi ssional: a relação da teoria com a prática e a atitude investigativa. Para você compreender a importância da relação teoria e prática e da atitude investigativa no desempenho do exercício profi ssional, é preciso que você tenha conhecimento da bagagem teórico-metodológica do Serviço Social sobre o exercício e a prática profi ssional do assistente social. Esses conteúdos foram trabalhados no capítulo 6 da disciplina de Introdução ao Serviço Social, no 1º período. Esse conhecimento contribui para que você compreenda como utilizar S.S._5oP.indb 25 06 19 Apostilas Brasil Caixa de texto CAPÍTULO 3 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii a teoria na prática e como essa união de elementos ilumina e aprimora o fazer profissional e possibilita ao assistente social a produção de conhecimento cien- tífico sobre a realidade social. É importante também que você tenha compreen- dido os processos de trabalho do Serviço Social, já estudados no capítulo 2 deste caderno. Neste capítulo, discorremos sobre a prática institucionalizada e a relação teoria/prática. Uma vez que o assistente social exercerá a atitude inves- tigativa nas instituições em que estiver inserido, é preciso haver uma reflexão sobre a investigação das realidades sociais. 3.1 O Serviço Social e a relação teoria/prática As dimensões do Serviço Social imprescindíveis para a junção da teoria com a prática são: a) referencial teórico, construído na formação acadê- mica, pautado no saber teórico-científico adquirido pelo acadêmico durante a formação, em construção permanente durante a vida profissional; b) dimensões técnico-operativas, que compreendem o conjunto de instrumentos de trabalho utilizados pelo assistente social para a execução do exercício profissional. Esses instrumentos são: reuniões, entrevistas, visitas domiciliares, laudos, pareceres, relatórios etc.; c) dimensão ético-política, que determina a escolha do assistente social, por se pautar em uma postura ética adotada em sua prática profissional; d) dimensão investigativa, que resulta na investigação da realidade, objetivando a compreensão da totalidade dos fatos, primando por romper com a imediatici- dade dos fenômenos e analisar as demandas impostas, buscando soluções para os problemas dos usuários do Serviço Social.Todas essas dimensões engendradas viabilizam a prática profissional exer- cida de forma totalitária, caminhando para uma transformação que impacte em melhoria na qualidade dos serviços prestados pelo assistente social. “O grande desafio na atualidade é, pois, transitar da bagagem teórica acu- mulada ao enraizamento da profissão na realidade, atribuindo, ao mesmo tempo, uma maior atenção às estratégias, táticas e técnicas do trabalho profissional, em função das particularidades dos temas que são objetos de estudo e ação do assistente social” (IAMAMOTO 1998, p. 52). Ressalta-se que a teoria não é uma atitude contemplativa. Ao contrário, ela dirige o pensamento e o intelecto do assistente social no sentido de derrubar o interior do fenômeno, em uma perspectiva superadora e de transformação. O referencial teórico é o elemento que irá iluminar e subsidiar a ação do profis- sional de Serviço Social. A prática deve ser entendida e exercida como ação 06 S.S – 5° PERÍODO – 4ª PROVA – 02/12/09 – 26 of 460 20 CAPÍTULO 3 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii efetiva de transformação, superando o existente, buscando resultados concretos e materiais, como criação do profissional inscrito na divisão sócio-técnica do trabalho contemporâneo. A teoria também ilumina uma prática ainda não existente, permite elaborar essa prática, permite o planejamento, atribui ao profissional conhecimentos e subsídios para desenvolver práticas embrionárias. A prática se remete à práxis, que compreende as atividades práticas humanas; a teoria está ligada ao conjunto do saber humano, apreendido pelos homens. Essas dimensões estão relacionadas e são desenvolvidas nas relações sociais, retiradas e abstraídas da história humana. A relação teoria-prática cons- titui um processo de reflexão complexo e contínuo, podendo passar da teoria para a prática e da prática para a teoria. No entanto não se constitui de forma direta e imediata, pois é possível haver teoria sem prática e, normalmente, toda teoria se embasa na prática, o que se coaduna com o ensinamento de Vásquez (1990, p. 233-234): [...] ao falar-se da prática como fundamento e finalidade da teoria, deve-se entender: a) que não se trata de uma relação direta e imediata, já que uma teoria pode surgir – e isso é bastante frequente na história da ciência – para satisfazer direta e imediatamente exigências teóricas, isto é, para resolver difi- culdades ou contradições de outra teoria; b) que, portanto, só em última instância e como parte de um processo histórico-social – não por meio de segmentos isolados e rigidamente paralelos a outros segmentos da prática – a teoria corresponde a necessi- dades práticas e tem sua fonte na prática. A prática e a teoria implicam trabalhar o exercício profissional, permitindo a viabilidade de apontar, resgatar, trabalhar e corrigir as deficiências, entendendo os limites, recursos e possibilidades do assistente social. Com esse embasamento, o assistente social poderá socializar conteúdos, construir análises e estudos das situações, voltando seu objetivo para o preparo do seu papel, produzindo respostas às demandas que a realidade lhe apresenta. "UJUVEF� JOUFSWFOUJWB "UJUVEF� JOWFTUJHBUJWB 1SÈUJDB QSPmTTJPOBM Portanto a prática profissional do assistente social nunca pode estar desvin- culada da teoria, pois é a teoria que sustenta a prática. A prática embasada S.S._5oP.indb 27 06 S.S – 5° PERÍODO – 4ª PROVA – 02/12/09 – 27 of 460 21 CAPÍTULO 3 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii poderá dar origem a novas teorias, desde que se cultive a atitude investigativa no cotidiano profissional. Sobre a atitude investigativa veremos a seguir. 3.2 Atitude Investigativa e o Serviço Social A investigação para o Serviço Social toma um caráter instrumental na medida em que foi incorporada à profissão após a reformulação e o posicionamento dos assistentes sociais frente ao Movimento de Reconceituação. Dessa forma, a investigação passa a fazer parte da formação acadêmica, durante o processo de aprendizagem teórico-metodológica, e do exercício profissional na divisão sócio-técnica do trabalho. Segundo Battini (1994), a investigação tem caráter dual, pois está voltada ao exercício profissional e à produção de conhecimento, determinando uma distinção na relação sujeito-objeto. Cumpre a função de sujeito, quando a inves- tigação é um instrumento para a execução da prática do assistente social, e de objeto, quando utilizada pelo Serviço Social como produção de conhecimento. Ainda segundo essa mesma autora, a prática possui duas vertentes de exer- cício: a da ação interventiva e a da ação investigativa. Para utilizar o instrumental da investigação, é necessário que este tenha o suporte da unidade teoria-prática. O referencial teórico vai garantir que a inves- tigação seja utilizada para uma pesquisa cujo objetivo é conhecer a realidade social em sua totalidade e possibilitar o movimento pensamento/realidade. Essa mediação só é possível pela junção desses dois elementos, os quais iluminam a investigação. Segundo Kameyama (1995), a teoria e a prática constituem, portanto, aspectos inseparáveis do conhecimento e devem ser consideradas na sua unidade, levando-se em conta que a teoria não só se nutre da prática social e histórica, como também representa uma força transformadora que indica na prática os caminhos da transformação. A investigação, como instrumento para o exercício profissional, busca compreender a sociedade, apreender as relações sociais a fim de identificar os problemas impostos nas demandas apresentadas aos assistentes sociais. Para isso, exige-se um novo perfil profissional que esteja atento à dinamicidade da sociedade, que seja capaz de criar, propor e construir novos caminhos, conforme afirma Iamamoto (1998, p. 49): Novo perfil que se busca construir é um profissional afinado com a análise dos processos sociais, tanto em suas dimensões macros- cópicas quanto em suas manifestações quotidianas; um profis- sional criativo inventivo, capaz de entender o “tempo presente, os homens presentes, a vida presente” e nela atuar, contribuindo, também, para moldar os rumos de sua história. S.S._5oP.indb 28 12/2/aaaa 14:41:22 06 S.S – 5° PERÍODO – 4ª PROVA – 02/12/09 – 28 of 460 22 CAPÍTULO 3 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii Por meio da investigação é possível construir um diagnóstico, avaliar as situações e planejar as estratégias para a intervenção do assistente social. Dessa forma, podemos dizer que a atitude investigativa está intrinsecamente ligada à atitude interventiva. Analisar a realidade por meio da investigação faz com que se quebrem os estereótipos de que a ação profissional do Serviço Social é pautada e centrada na imediaticidade, na superficialidade e no assistencialismo. Para colocar em prática a atitude investigativa e mantê-la constantemente integrada ao exercício profissional, exige-se a unidade teoria-prática, que permite ao profissional questionar e criticar a realidade, construir e reconstruir o real. Utilizar essa leitura contribui para intervir na realidade social, construindo caminhos que levem a soluções para os problemas e as demandas impostos ao assistente social. Segundo Battini (1994), para compreender uma situação e intervir nela com competência, os assistentes sociais precisam: ter claro o referencial teórico que ilumina a leitura que fazem da reali-• dade (competência teórica para a reconstrução de conceitos); o assis- tente social escolhe essas referências segundo sua visão de mundo e se posiciona no jogo de forças da sociedade, junto com aqueles grupos que mais se aproximam da sua ideologia; ter habilidades para atuar na sociedade usando instrumental técnico e • estratégias adequadas ao enfrentamento da questão social objetoda sua intervenção (competência técnica); inscrever-se de modo crítico nas demandas sociais, ter consciência da • repercussão da sua intervenção na defesa de um projeto de sociedade (dimensão política). A pesquisa é a base para essa competência no sentido da consolidação da mudança com a adoção da atitude investi- gativa na intervenção profissional cotidiana, criando maiores possibili- dades de novas explicações. Concluindo nosso capítulo, reafirmamos que a atitude investigativa é um instrumental ou uma categoria que permite desvelar a realidade, fazendo um aprofundamento nas análises das situações reais, desnudando-as, saindo do imediato para visualizar e apreender a totalidade dos fatos e construir estraté- gias para serem utilizadas no desempenho do trabalho. Para tal atitude, rela- cionar a teoria com a prática se faz imprescindível no cotidiano profissional do assistente social. No próximo capítulo, você estudará a categoria Cotidiano. Compreenderá o significado do cotidiano em nossas vidas, percebendo as transformações oriundas da própria cotidianidade, visto que nela está inserida uma série de S.S._5oP.indb 29 12/2/aaaa 14:41:22 06 S.S – 5° PERÍODO – 4ª PROVA – 02/12/09 – 29 of 460 23 CAPÍTULO 3 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii complexidades, contraditoriedades e ambiguidades. Pontuaremos de forma sucinta os elementos constitutivos da vida cotidiana. Apreender o cotidiano não é algo tão simplório como poderíamos pensar, tendo em vista que nele se desen- volvem as complexas relações sócio-políticas, econômicas e ideoculturais que envolvem a vida dos sujeitos sociais. Fazer isso significa ter uma atitude de consciência do ser homem total, em plena relação com a humanidade de seu tempo. No cotidiano, as fortes pressões para a alienação profissional podem ser ultrapassadas por meio da práxis. Anotações 06 S.S – 5° PERÍODO – 4ª PROVA – 02/12/09 – 30 of 460 24 CAPÍTULO 4 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii Cotidiano e práxis prof issional 4 Introdução Discutir a temática da práxis profi ssional do assistente social requer uma breve refl exão sobre o signifi cado dessa profi ssão no cenário capitalista. O cenário atual traz mudanças de caráter econômico, sociocultural, político e ético-valorativo. Tais mudanças se dão no cotidiano de forma tão acelerada que a realidade de intervenção do assistente social tende a ser multifacetada. A complexidade do cotidiano passou recentemente a ser alvo de discussões de pensadores e fi lósofos que se preocupam em compreender as transformações oriundas da própria cotidianidade, visto que nela está imbuída uma série de complexidades, contraditoriedades e ambiguidades. Queremos levar você, estudante de Serviço Social, a uma compreensão de como se dá a práxis profi ssional do assistente social no cotidiano, seu palco de intervenção: esse é nosso objetivo maior com este capítulo. Para compreender como se dá a categoria práxis no exercício profi ssional do assistente social, é importante que você olhe criticamente o cenário sócio-cul- tural contemporâneo. Para tal, é proveitoso recorrer à disciplina de Introdução ao Serviço Social, do 1º Período, especifi camente ao capítulo 4, que aborda a formação profi ssional diante das novas demandas. Isso contribuirá para você compreender que tanto as sociedades quanto a profi ssão de Serviço Social passam por aceleradas mudanças que afetam diretamente nosso cotidiano pessoal, social e profi ssional. 4.1 Vida cotidiana: algumas questões relevantes “A vida de todos os dias e de todos os homens, é percebida e apresentada diversamente nas suas múltiplas cores e faces”, como assinalam Carvalho e Netto (2000, p. 14): a vida dos gestos, relações e atividades rotineiras de todos • os dias; um mundo de alienação;• o espaço privado de cada um, rico em ambivalências, tragici-• dades, sonhos, ilusões; um modo de existência social fi ctício/real, abstrato/concreto, • heterogêneo/homogêneo, fragmentário/hierárquico; S.S._5oP.indb 31 06 S.S – 5° PERÍODO – 4ª PROVA – 02/12/09 – 31 of 460 25 Apostilas Brasil Caixa de texto Apostilas Brasil Caixa de texto Apostilas Brasil Caixa de texto CAPÍTULO 4 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii o micromundo social que contém ameaças e é, portanto, • carente de controle e programação política e econômica; um espaço de resistência e possibilidade transformadora.• Diante do exposto, dá para se ter uma percepção de’ que discutir sobre o cotidiano não é fácil. E o nosso propósito, neste capítulo, é levar você a refletir sobre o cotidiano, espaço no qual o assistente social faz sua intervenção. Abordar a vida cotidiana nos remete ao nosso fazer de todos os dias: acordar cedo, ir para o trabalho, para a escola, cuidar de criança, tomar café, escovar os dentes, almoçar, jantar, praticar um esporte, assistir à novela ou ao noticiário, dormir e acordar no dia seguinte e repetir tudo outra vez. Não significa só isto: é sonhar, ter esperança de dias melhores, viver angústias, ter medo, opressão, sentir solidão, mas também segurança. É uma raridade encontrar uma pessoa que consiga romper com sua coti- dianidade. Que consiga sair da superficialidade em que o cotidiano a coloca; fazer isso significa suspender o cotidiano, ter uma atitude de consciência “do ser homem total, em plena relação com o humano e a humanidade de seu tempo” (CARVALHO; NETTO, 2000, p. 23). A vida cotidiana não é homogênea. É espaço de heterogeneidade e hierar- quia. Seu caráter fundamental se configura em um conjunto de ações e relações heterogêneas que são revestidas de hierarquia. Essa não é rígida nem imutável, como diz Agnes Heller, “ela se altera seja em função das particularidades e dos interesses de cada indivíduo e nas diferentes etapas de sua vida” (CARVALHO; NETTO, 2000, p. 23). No entanto a autora em questão diz que a heterogeneidade e a hierar- quia do cotidiano podem ser superadas pela homogeneização enquanto mediação necessária para suspender a cotidianidade. Segundo Heller citado por CARVALHO; NETTO, 2000, p. 27 “este processo de homogeneização só ocorre quando o indivíduo concentra toda sua energia e a utiliza em uma ativi- dade humana genérica que escolhe consciente e autonomamente”. De acordo com Agnes Heller, existem quatro formas de suspensão da vida cotidiana, de passagem do meramente singular ao humano genérico. São elas: o trabalho, a arte, a ciência e a moral. Tal suspensão implica uma saída do cotidiano e uma retomada a ele de forma revigorada. Implica uma apreensão da plenitude obtida por meio da cons- ciência e da possibilidade de transformação do cotidiano singular e coletivo. Com base em Carvalho e Netto (2000, p. 33-35) apresentaremos agora algumas questões relevantes em nosso mundo concernente à vida cotidiana. a) A revolução do pós-guerra se configura como uma retomada revolucio- naria passiva da classe dominante capitalista perante o contexto político mundial pós-29. 06 S.S – 5° PERÍODO – 4ª PROVA – 02/12/09 – 32 of 460 26 CAPÍTULO 4 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii Para uma melhor compreensão do significado da revolução passiva, eis aqui algumas de suas principais características: a evolução de um capitalismo individualista e selvagem para • um capitalismo planificado, transnacional e monopolista; a generalização e mundialização do assalariado;• a forte expansão das funções do Estado, que assume o papel • de mediador entre capital e trabalho. O chamado Estado-Pre- vidência, que assume as funções de reprodução da força de trabalho (educação, saúde, assistência social etc.); as relações de dominação e poder tomam uma forma corpo-• rativista, funcional, triangular (sindicato, Estado, burguesiamonopolista) sendo o Estado o figurante mediador principal; o enfraquecimento da classe trabalhadora como sujeito polí-• tico real; a perda de visibilidade dos valores essenciais ao desenvolvi-• mento do homem enquanto ser singular e social, e com ele, a perda de referências para a transformação da sociedade etc. (CARVALHO; NETTO, 2000, p. 33-35). A classe dominante, para continuar a dirigir e dominar, torna-se “revolu- cionária”: ela revoluciona suas próprias bases materiais e políticas, ofe- recendo às outras classes uma nova perspectiva. “A revolução passiva sugere os primeiros delineamentos de uma teoria da subalternidade social e política que excede o campo classista da exploração de classe e so- mente os países capitalistas desenvolvidos” (GLUCKSMANN; THERBORN citados por CARVALHO; NETTO, 2000, p. 32). Diante desse contexto, a autora em questão ainda propõe a leitura dessa realidade de forma metaforizada. Ela diz o seguinte: “é como se todo um povo dormisse um sono profundo do qual não quer acordar” (CARVALHO; NETTO, 2000, p. 38). Ela prossegue propondo algumas hipóteses para explicar esse sono profundo: a existência de um individualismo exacerbado com um consequente egoísmo generalizado; certa passividade, produto de uma massificação e alienação generalizadas. A pouca visibilidade dos valores fundamentais à emergência do ser total explica igualmente a dificul- dade de sair desse sono profundo. b) A modernização, o progresso e o fantástico desenvolvimento tecnológico: fazer uma abordagem dessa tríade uma faca de dois gumes: se, de um lado, o desenvolvimento tecnológico trouxe benefícios, o que é indiscutível, S.S._5oP.indb 33 06 27 CAPÍTULO 4 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii por outro, trouxe uma problemática que não pode passar despercebida em nenhuma discussão acerca do assunto. Por exemplo, a informática e a tele- mática introduzem uma vertiginosa alteração na vida societária. “Basta lembrar algumas imagens de ficção: o indivíduo diante de vários botões de um computador, por meio do qual ele gera a sua vida, seus negó- cios, seus amores, ao mesmo tempo em que dispõe de todas as informações e deformações que a telemática lhe traz. Esse quadro parece reforçar a solidão e o isolamento que já atingem a maioria dos indivíduos nos países capitalistas avançados.” (CARVALHO; NETTO, 2000, p. 40) c) A alienação contamina e sufoca a vida cotidiana: a alienação se configura enquanto ingrediente da vida cotidiana. Isso se dá tanto na objetivação do trabalho, que deixa de ser algo prazeroso, criador, atividade vital do homem, para se tornar um mero meio de subsistência, e na objetivação das relações sociais, que deixam de se apresentar “como históricas, conscientes, livres, igualitárias, afetivas, criadoras etc. [...] para se reduzirem a instru- mentos de dominação e opressão” (CARVALHO; NETTO, 2000, p. 41). Nessa perspectiva, a vida cotidiana vai se tornando também o espaço da mediocridade. Nesse espaço, valores burgueses, como individua- lismo, neutralidade e competição, tendem a reforçar essa mediocridade que anula o papel crítico-transformador dos sujei tos sociais que não se motivam para participar das grandes decisões políticas, econômicas e culturais que permeiam a sociedade. Tudo isso nos leva a refletir sobre outros elementos. 1º O grande vazio: as atividades rotineiras, inclusive as laborais, que se manifestam na vida cotidiana, levam o sujeito a um grande vazio que se manifesta na ausência de esperança de uma possibilidade de transformação do mundo em direção a uma plena humanização. Esse vazio vem recheado de falta de esperança de realização de sonhos, de desejos e gera desespero, angústias, medos etc. Esse vazio é revestido de ambiguidades: existência/subsistência, material/espiritual, singular/ coletivo, igual/diferente, indivíduo/cidadão etc. 2º Espaço e tempo: esses dois elementos também perpassam a discussão sobre o cotidiano. O tempo não pára, mas se apresenta de forma linear e repetitiva para o cotidiano. O passado histórico dos homens e do mundo é vivido também nesse cotidiano. Nada melhor do que a ilus- tração de um relógio para demonstrar que as outras dimensões do tempo S.S – 5° PERÍODO – 4ª PROVA – 02/12/09 – 34 of 460 28 CAPÍTULO 4 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii se chocam no presente de forma cíclica, linear e repetitiva. Quanto ao espaço, principalmente no que concerne às cidades, as pessoas encontram-se confinadas em apartamentos e condomínios padronizados que as impedem de serem livres. De certa forma, o espaço deixa de representar segurança, liberdade, movimento... para se transformar em elemento de confinamento (CARVALHO; NETTO, 2000, p. 45). 3º A queda do pacto de complementaridade: esse elemento da vida coti- diana tem levado muitos ao isolamento e à solidão, tendo em vista que os valores de comprometimento, de lealdade, renúncia e doação têm se manifestado enquanto propagação de valores que não permitem a persistência de um pacto de complementaridade entre os pares. Isso vem reforçando o singular e o particular em detrimento do coletivo, do comunitário e do genérico. 4º O Estado-Previdência cunhou o usuário de serviços e de benefícios. O cidadão foi substituído progressivamente pelo usuário: o cidadão deixa de existir para se transformar em usuário. A palavra cidadão só se encontra em discursos políticos, mas, na prática, sequer existe. Sobre esse fato, Carvalho e Netto (2000, p. 48) enfatizam que “[...] no terceiro mundo, os cidadãos são chamados de ‘cidadãos de segunda classe’ porque não conquistaram os chamados direitos sociais”. 5º O sagrado e o espiritual no cotidiano: o espiritual perpassa o cotidiano como energia e força para viver. O espiritual é vivido no cotidiano como energia da vida, podendo se manifestar de forma contraditória: ora como uma força alienante, como o ópio da vida, representando um momento de fuga, ora como um processo de libertação em que a comunidade se configura enquanto elemento de apoio em uma caminhada coletiva. A ausência de esperança nesse mundo louco que aí está exige a busca de algo que venha a preencher o vazio espiritual que perpassa a cotidianida- de das pessoas, e daí o sagrado e o espiritual serem um forte elemento no qual se busca um refúgio. Resta compreender que essa busca tanto pode libertar, quanto alienar ainda mais as pessoas. Esses itens sucintamente colocados nos levaram a uma reflexão sobre o cotidiano. Agora veremos como se dá a práxis profissional do Serviço Social no coti- diano, espaço por excelência do fazer do assistente social. 29 CAPÍTULO 4 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii 4.2 Cotidiano e práxis prof issional Primeiramente, vamos compreender o que vem a ser práxis. A categoria práxis em Marx pode ser entendida como prática articulada à teoria, como busca de compreensão mais consistente da atividade prática, como prática eivada de teoria. Dessa forma entende-se que a práxis se configura enquanto ação refletida, pensada. Toda vida social é essencialmente prática, diz Marx. Esta discussão traz à tona a percepção de que a práxis não se restringe a uma atividade qualquer. Ela se configura em diversos níveis, dependendo do contexto em que se insere. Daí a ramificação em diversas práxis: entre elas desta- caremos a práxis criadora (práxis das práxis), embora existam outras formas, tais como: a práxis reiterativa, a práxis reflexiva e a práxis espontânea. Entre as formas de práxis, pode-se afirmar que uma pode vir vinculada à outra, até porque o homem é um ser que se relaciona com os objetos que cria. Pode-se afirmar que a práxis criadora é a práxis determinante. “Do ponto de vista da práxis humana, que se traduz na produção ou auto- criação do próprio homem, a práxis criadora é determinante, já queé exa- tamente ela que lhe permite enfrentar novas necessidades, novas situações” (VASQUEZ, 1977, p. 247). O homem é o ser que tem de estar inventando ou criando constantemente soluções. Essa assertiva nos permite refletir que a práxis, apesar de ser essencialmente criadora, propõe um momento de trégua, visto que o homem não vive no perma- nente estado criador: ora ele tende a repetir as suas ações humanas, ora ele sente a necessidade de criar. No entanto a necessidade criadora é para ele “a primeira e mais vital necessidade humana” (VASQUEZ, 1977, p. 248). A práxis é, portanto, a capacidade que tem o homem de criar, de recriar, de produzir, reproduzir, manipular e, sobretudo, transformar situações históricas. Exemplo disso foi a Revolução Russa que se configura historicamente “como práxis social criadora enquanto atividade material dos homens que transformam radicalmente a sociedade e produzem um regime social novo” (VASQUEZ, 1977, p. 251). Outro exemplo interessante de práxis criadora é a tarefa do artista que dá uma nova forma material ao seu objeto de trabalho. Isso significa que a verdadeira criação supõe uma elevação da atividade da consciência e que sua materialização supõe uma íntima relação do interior com o exterior, do subjetivo com o objetivo. S.S._5oP.indb 36 12/2/aaaa 14:41:23 06 S.S – 5° PERÍODO – 4ª PROVA – 02/12/09 – 36 of 460 30 CAPÍTULO 4 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii Ante o exposto, podemos concluir que a práxis é a ação pensada, refletida, e resulta nas ações humanas conscientes que dão respostas às necessidades do devir histórico. 4.2.1 Práxis profissional do assistente social e cotidiano As transformações sociais e a complexificação das sociedades, o processo de desumanização em face do avanço tecnológico e do aprofundamento das desigualdades sociais, resultantes do desenvolvimento capitalista, indicam a exigência de uma tomada de posição cada vez mais clara e definida por parte do assistente social. Diante desta desumanização e aviltamento dos direitos civis, políticos e sociais, o assistente social não pode deixar de intervir e lutar por melhores condições de existência. Diante disto, o que fazer? Como atender, de forma competente e compro- metida, as demandas que perpassam o nosso fazer profissional? A práxis profis- sional do assistente social se dá em um processo que elucida a questão da atitude interventiva. Nesse processo, ele se apropria de uma determinada “instrumen- talidade qual seja a de conhecer, explicar, propor e implementar iniciativas voltadas ao enfrentamento das desigualdades sociais, que são inerentes à cons- tituição da sociedade capitalista” (MOTA, 2003, p. 10). #FOT 4FSWJÎPT 1SÈYJT *OTUJUVJÎÍP6TVÈSJPT "TTJTUFOUF� 4PDJBM 1PMÓUJDBT� 1ÞCMJDBT O Serviço Social, por meio da práxis, faz a mediação entre instituição e usuários, e viabiliza bens e serviços. O cotidiano, lócus por excelência, em que se dá à práxis profissional do assistente social, precisa ser desvelado. Isso implica o conhecimento da própria realidade, visto que é nela que estão presentes os processos sociais sobre os quais a profissão intervém. Em linhas gerais, isso significa apreender os processos societários em curso e os modos e meios pelos quais eles afetam o conjunto da vida social em cada realidade. O cotidiano profissional necessita ser elucidado continuamente, pois nele refletem as transformações societárias dinâmicas. Para tal, os profissionais de Serviço Social precisam decodificar criticamente o contexto em que estão inseridos. De acordo com Mota (2003, p. 11), até mesmo o direcionamento que damos à profissão depende de que forma percebemos e intervimos na realidade: S.S._5oP.indb 37 06 S.S – 5° PERÍODO – 4ª PROVA – 02/12/09 – 37 of 460 31 CAPÍTULO 4 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii [...] as tendências da profissão dependem da realidade objetiva e da capacidade que tenhamos de decodificá-la criticamente, abrindo frentes de intervenção social e propondo iniciativas que incidam sobre os perversos mecanismos de reprodução das desi- gualdades sociais. Aqui estamos pensando nos processos que respondem por transformações na esfera do trabalho, da ação das classes sociais, do Estado, da cultura e da ideologia. Essa assertiva traz à baila a rediscussão de que o cotidiano profissional do assistente social requer que este esteja munido de referenciais que vão desde os téorico-práticos e ético-políticos até a capacidade de desvelamento do real e do irreal da vida social e dos sujeitos que nela se inserem e, mais precisamente, dos usuários de seus serviços. Nesse sentido, devido à amplitude da temática, abordaremos alguns pontos que devem ser relevados no cotidiano do assistente social, de acordo com Sousa: a) o primeiro passo é reconhecer o projeto ético-político profissional, partindo da análise da realidade contemporânea e das contradições que se apresentam no contexto atual; b) o segundo passo é torná-lo visível no cotidiano do trabalho, em que a defesa da universalidade, da liberdade, da democracia, da cidadania se torne componente essencial da atuação profissional; c) o terceiro é não se amoldar ao mero fazer cotidiano, às práticas roti- neiras, repetitivas e imediatas, o que não significa negá-las. É saber conduzir essas ações, mas dentro de um projeto que leve em consi- deração as reais necessidades da população e as realidades conjun- turais. Para isso, o profissional precisa ter uma postura investigativa que lhe permita identificar os problemas, classificar as prioridades, visualizar os caminhos possíveis, estabelecer as alianças e conduzir o processo interventivo; d) outro ponto importante é a participação e o envolvimento dos assistentes sociais em fóruns de discussão que envolvam direitos humanos, políticos e sociais; e) outra questão é ter clareza de que o assistente social é formado como um generalista e de que vai trabalhar com sequelas da questão social. A inserção dos profissionais em áreas como saúde, judiciário, educação, assistência social, ONG e empresas requer um posterior aprofunda- mento nessa formação inicial, de acordo com a especificidade institu- cional em que se vai atuar; f) outra indicação que apontamos é a identificação e o reconhecimento das demandas colocadas ao Serviço Social. Essas demandas podem se referir ao conjunto de situações que envolvem as necessidades 32 CAPÍTULO 4 • esTrATégiAs e TéCniCAs dA AçãO PrOfissiOnAL ii pessoais e familiares, que, apesar de se apresentarem como questões individuais, referem-se às necessidades coletivas, como, por exemplo, a busca de serviços como saúde, assistência social etc. (SOUSA, 2002, p. 136-138). Embora a autora enfatize esses pontos, enquanto algumas propostas para a práxis profissional do assistente social, é importante saber que não existem receitas, nem tampouco fórmulas mágicas que sirvam de modelo para a atuação do assistente social. Compete ao assistente social, no exercício de sua práxis, estar munido de instrumentalidade, conhecimento teórico, filosófico, metodoló- gico, ético-valorativo, técnico-operativo. Isso implica atitude investigativa, capa- cidade de discernimento, criatividade, dinamismo, ser propositivo e, sobretudo, ser um mediador. Para concluir este capítulo, trazemos na íntegra um exemplo de como se dá, no cotidiano profissional, a relação práxis profissional e mediação. Vejamos: Um assistente social que trabalha em um Hospital Público tem como uma das demandas institucionais correntes atender os fami- liares dos pacientes internados, e algumas de suas atribuições são: disponibilizar (dentro dos critérios da instituição) o acesso às visitas fora do horário estabelecido; triar os casos de fami- liares que necessitam de vale transporte para locomoção nos dias de visita
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