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RESISTÊNCIA DOS MATERIAIS Marcelo Quadros Círculo de Mohr para o estado plano de tensões Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever a aplicação do círculo de Mohr. Reconhecer o critério de ruptura de Mohr. Definir tensões em um plano genérico. Introdução Desenvolvido inicialmente pelo engenheiro alemão Otto Mohr, entre 1860 e 1914, o círculo de Mohr é aplicado na resolução de cálculos de forma gráfica, em determinadas tensões representadas em um plano cartesiano bidimensional. Seus círculos possibilitam a transformação de coordenadas das deformações, das tensões principais, do cisalhamento e dos produtos de inércia de figuras planas. Além disso, é com o auxílio da teoria das falhas do círculo de Mohr que descobrimos o limite de um determinado material na presença de esforços, até o momento de sua falha. Neste capítulo, você vai estudar o surgimento e a aplicação do círculo de Mohr, verificando algumas das fórmulas básicas relacionadas com a transformação de tensões no estado plano de tensão. Você vai aprender a utilizar o critério de ruptura de Mohr, que se baseia em três simples ensaios, como tração, compressão e cisalhamento. Por fim, você vai relacionar as tensões em um plano genérico para entender a construção do círculo de Mohr. O círculo de Mohr O estado mais geral de tensão em um dado ponto Q pode ser representado por seis componentes — σx, σy, σz, τxy, τyz e τzx . Para fi ns de análise das forças e tensões de cisalhamento, adota-se o eixo z como o eixo perpendicular a estes (σz = τxz = τzy = 0). Assim, o plano de tensão Q fi ca defi nido a partir de σx, σy e τxy. Pode-se rotacionar o sistema no eixo Z a um ângulo θ, defi nindo o plano de tensão Q a partir de σx', σy' e τx'y', conforme mostra a Figura 1. Figura 1. Rotação do sistema no eixo z. Fonte: Adaptada de Santos (2010). � y � x � x � n � n � y � yx � xy � � � xy � yx P P B A C As tensões normais — σx, σy e σz — atuam nas faces de um pequeno elemento de volume centrado em Q e com a mesma orientação dos eixos de coorde- nadas, enquanto os outros três componentes, τxy, τyz e τzx, definem as tensões de cisalhamento no mesmo elemento, conforme demonstrado na Figura 2. Figura 2. Componentes das tensões. Fonte: Adaptada de Beer et al. (2013). y z x O � yz � yx � xy � xz � zx � zy � y �z �x Q Podemos representar o mesmo estado de tensão por um conjunto diferente de componentes, caso os eixos de coordenadas sofram uma rotação. Nesse Círculo de Mohr para o estado plano de tensões2 caso, as tensões devem ser multiplicadas pelos senos e cossenos do ângulo de rotação em relação às tensões normais σx, σy e σz e às tensões de cisalhamento τxy, τyz e τzx, conforme demonstrado na Figura 3. Figura 3. Eixos em rotação. Fonte: Adaptada de Beer et al. (2013). y z O Q x y' z' x' � y'x' � y'x' � x'y' � x'z' � z'x' � z'y' �y' �z' Entretanto, um método alternativo e eficiente para a solução de problemas que envolvem o estado plano de tensão é a transformação de tensões planas com base no uso do círculo de Mohr. O círculo de Mohr para o estado plano de tensão, usado para deduzir algumas das fórmulas básicas relacionadas com a transformação de tensões no estado plano de tensão, foi introduzido inicialmente pelo engenheiro alemão Otto Mohr (1835–1918). Seus círculos também são utilizados para a transformação de coordenadas das deformações, momentos de inércia e produtos de inércia de figuras planas. Dessa forma, esse círculo pode ser utilizado como um método alterna- tivo na solução de vários problemas. Por exemplo, a Figura 4 demonstra um diagrama do círculo de Mohr, com um sistema de coordenadas com tensões normais traçadas ao longo da abscissa e tensões de cisalhamento traçadas como ordenadas. Na abscissa, as tensões normais de tração (positivas) são traçadas para a direita da origem O, e as tensões normais de compressão (negativas) são traçadas à esquerda da origem. Na ordenada, tensões de cisalhamento no sentido horário são traçadas para cima, e tensões de cisalhamento no sentido anti-horário são traçadas para baixo. Com o intuito de representar os valores de tensão normal e tensão de cisalhamento normal em um sistema de eixos cartesiano, obtemos a expressão da tensão média. 3Círculo de Mohr para o estado plano de tensões Na Figura 4, o ponto X é representado à direita do eixo vertical e abaixo do eixo horizontal. De forma análoga, o ponto Y, que representa a face oposta, deverá ser representado a 180° de X. Traçando a linha XY, obtemos o centro C do círculo de Mohr, cuja abscissa é: Figura 4. Exemplo de diagrama do círculo de Mohr. Fonte: Adaptada de Beer et al. (2013). Esse método se baseia em considerações geométricas simples e não requer o uso de fórmulas especializadas. Embora tenha sido idealizado originalmente para soluções gráficas, ele se adapta muito bem ao uso de uma calculadora científica ou um software de engenharia. Círculo de Mohr para o estado plano de tensões4 Se você quiser se aprofundar nos cálculos do círculo de Mohr, pode acessar uma calculadora disponível na web, que lhe aju- dará a realizar os cálculos. A calculadora Mohr's Circle (Figura 5) fornece uma maneira intuitiva de visualizar o estado de estresse em um ponto em um material carregado. A calculadora está disponível no link a seguir. https://goo.gl/6afyK7 Figura 5. Interface da calculadora para transformações de estresse e círculo de Mohr. Fonte: MechaniCalc (2019). O critério de ruptura de Mohr Segundo Budynas e Nisbett (2016, p. 226), “[...] resistência é uma propriedade ou característica de um elemento mecânico. Essa propriedade resulta da identidade do material, do tratamento e processamento incidental para criar sua geometria e do carregamento, e está na localização de controle ou crítica”. A ideia de Mohr se baseia em três ensaios simples, tração, compressão e cisalhamento, até o escoamento, se o material puder escoar, ou até a ruptura. 5Círculo de Mohr para o estado plano de tensões É mais fácil definir a resistência de escoamento por cisalhamento do que fazer um ensaio para obtê-la. Dessa forma, a hipótese de Mohr foi usar os resultados de ensaios de tração, compressão e cisalhamento por torção para construir os três círculos, defi- nindo uma envoltória de falha. A envoltória de falha não necessita ser reta. O argumento resultou nos três círculos de Mohr, descrevendo o estado de tensão em um corpo crescendo durante o carreamento, até que um deles fica tangente à envoltória de falha, definindo, desse modo, a falha. A Figura 6 demonstra os três círculos de Mohr, um utilizado para ensaio de compressão uniaxial, um para ensaio de cisalhamento puro e um para ensaio de tração uniaxial. Figura 6. Três círculos de Mohr. Fonte: Adaptada de Budynas e Nisbett (2016). Linha de falha de Mohr A B –Sc St � C D E Os três círculos estão contidos em um envelope de falha indicado pela curva extrapolada desenhada tangencialmente a eles. Caso o estado plano de tensões em determinado ponto seja representado por um círculo contido dentro do envelope, diz-se que o material não falhará. Se o círculo tiver um ponto de tangência com o envelope ou se estender além deste, então ocorrerá a falha. Também se pode representar o critério de outra forma, como apresentado na Figura 7, sendo o gráfico das tensões principais σ 1 , σ 2 e σ 3 = − (σr)c. A falha ocorre quando o valor absoluto de qualquer uma das tensões principais atinge um valor maior ou igual a (σr)t ou (σr)c, ou, em geral, se o estado de tensão em um ponto é definido pela coordenada da tensão, localizada no limiteou fora da área sombreada, conforme demonstrado na Figura 7. Círculo de Mohr para o estado plano de tensões6 Figura 7. Critério de falha de Mohr. Fonte: Adaptada de Budynas e Nisbett (2016). –Sc –Sc St Re giã o s em fal has St �B �A Como exemplo de aplicação, suponha que, no estado plano de um com- ponente de máquina, ocorra um ponto crítico (Figura 8). Após vários ensaios de tração, concluiu-se que a tensão de escoamento em tração é σE = 250 MPa para o tipo de aço utilizado. Figura 8. Exemplo para análise do ponto crítico no estado plano de um componente de máquina. Fonte: Adaptada de Beer et al. (2015). 7Círculo de Mohr para o estado plano de tensões Dessa forma, determinamos o coeficiente de segurança em relação ao escoamento, usando o critério de tensão de cisalhamento máxima com base no círculo de Mohr. 1º passo: vamos calcular a tensão média (σméd) e o centro da circunferência do círculo de Mohr (R). A tensão média será: Os lados do triângulo da Figura 9 são, respectivamente: CF = 80 − 20 = 60 Mpa FX = 25 Mpa Onde: CF = medida entre o ponto C e o ponto F FX = medida entre o ponto F e o ponto X Figura 9. Representação do círculo de Mohr. Fonte: Adaptada de Beer et al. (2013). O centro da circunferência do círculo de Mohr será calculado por: Círculo de Mohr para o estado plano de tensões8 Ou, ainda, para simplificar, utilizamos a fórmula de Pitágoras para calcular o raio da circunferência de Mohr: R = a2 = b2 + c2 Desse modo: 2º passo: vamos calcular as tensões principais (σ máx e σmín): σ máx = OA = OC + CA σ mín = OB = OC − BC Onde: σ máx = OA = medida entre o ponto O e o ponto A σ mín = OB = medida entre o ponto O e o ponto B OC = medida entre o ponto O e o ponto C CA = medida entre o ponto C e o ponto A BC = medida entre o ponto B e o ponto C Desse modo: σ máx = OA = OC + CA = 20 + 65 = 85 MPa σ mín = OB = OC – BC = 20 – 65 = – 45 MPa 3º passo: utilizando o critério de tensão de cisalhamento máxima para a classe de aço, em que a resistência à tração é de σE = 250 Mpa, vamos calcular a tensão de cisalhamento correspondente no cisalhamento e o coefi ciente de segurança. R = τ máx Para τm = 65 MPa 9Círculo de Mohr para o estado plano de tensões Para finalizar, obtemos o coeficiente de segurança utilizando os cálculos do círculo de Mohr. O círculo de Mohr foi muito utilizado no século XIX, principalmente para obter gra- ficamente e em escala as respostas para os problemas de distribuição de tensões, quando não haviam os modernos software de cálculos e as calculadoras de engenharia. Apesar de termos atualmente esse software de engenharia (engenharia auxiliada por computador — EAC — ou, em inglês, computer aided engineering), a importância do círculo de Mohr permanece quase inalterada. Ele é utilizado como uma verificação rápida da solução numérica e é também o único método viável na ausência das tecnologias EAC. Além disso, o método gráfico dos círculos de Mohr possui uma grande vantagem: ele é capaz de proporcionar uma apresentação visual do estado de tensões em um determinado ponto. Tensões em um plano genérico A construção do círculo de Mohr para o estado plano de tensão será bem simplifi cada se considerarmos separadamente cada face do elemento utilizado para defi nir os componentes de tensão. Observamos que, quando a tensão de cisalhamento que atua sobre determinada face tende a girar o elemento no sentido horário, o ponto do círculo de Mohr correspondente a essa face está localizado acima do eixo σ. Quando a tensão de cisalhamento em determinada face tende a rodar o elemento no sentido anti-horário, o ponto correspondente a essa face está localizado abaixo do eixo σ, demonstrado nas Figuras 10 e 11. No que se refere às tensões normais, vale a convenção usual; isto é, uma tensão de tração considerada positiva é representada à direita, enquanto uma tensão de compressão considerada negativa é representada à esquerda. Círculo de Mohr para o estado plano de tensões10 Figura 10. Construção do círculo de Mohr no sentido horário. Fonte: Adaptada de Beer et al. (2013). Figura 11. Construção do círculo de Mohr no sentido anti-horário. Fonte: Adaptada de Beer et al. (2013). De maneira simplificada, para determinar as tensões em um plano genérico, a construção do círculo de Mohr é desenvolvida nas seguintes etapas: 1. Construir o círculo de Mohr. 2. Determinar as tensões principais. 3. Determinar a tensão de cisalhamento máxima e a tensão normal correspondente. Construir o círculo de Mohr Verifi camos em nosso estudo que a tensão normal que atua na face orientada em direção ao eixo X é de tração (positiva) e que a tensão de cisalhamento que atua nessa face tende a rodar o elemento no sentido anti-horário. O ponto X do círculo de Mohr, portanto, é representado à direita do eixo vertical e abaixo do eixo horizontal. 11Círculo de Mohr para o estado plano de tensões Como exemplo, na Figura 12 temos um elemento que deverá suportar um determinado tipo de solicitação, que seria uma pequena parte de uma estrutura de máquina, equipamento, dispositivo, etc. Figura 12. Exemplo para desenvolvimento do círculo de Mohr. Fonte: Adaptada de Beer et al. (2013). Vamos desenvolver nosso exemplo passo a passo, utilizando o método do círculo de Mohr. 1º passo: calcular a tensão média e o centro da circunferência do círculo de Mohr. Os lados do triângulo são: CF = 50 – 20 = 30 Mpa FX = 40 MPa Então, o raio do círculo será: 2º passo: desenvolver o círculo de Mohr. O desenvolvimento das tensões normal e de cisalhamento que atuam na face superior do elemento mostra que o ponto Y deverá ser representado à esquerda do eixo vertical e acima do horizontal. Quando traçamos a linha XY, obtemos o centro C do círculo de Mohr, conforme demonstrado na Figura 13. Círculo de Mohr para o estado plano de tensões12 Figura 13. Círculo completo de Mohr. Fonte: Adaptada de Beer et al. (2013). 3º passo: determinar os planos principais e as tensões principais: σ máx = OA = OC + CA = 20 + 50 = 70 MPa σ mín = OB = OC – BC = 20 – 50 = – 30 MPa Lembrando que o ângulo ACX representa 2 θp, escrevemos: 2θp = 53,1° θp = 26,6° Como a rotação que faz CX coincidir com CA na Figura 13 é anti-horária, a rotação que faz Ox coincidir com o eixo Oa correspondente a σmáx na Figura 13 também será anti-horária. 4º passo: determinar a tensão de cisalhamento máxima. Como mais uma rotação de 90º no sentido anti-horário faz CA coincidir com CD, conforme mostra a Figura 14, uma rotação adicional de 45º no sentido anti-horário fará o eixo OA coincidir com o eixo OD, correspondendo à tensão de cisalhamento máxima da Figura 14. Notamos que τ máx = R = 50 MPa e que a tensão normal correspondente é σmed. = 20 MPa. Como o ponto D está localizado acima do eixo σ, as tensões de cisalhamento que atuam nas faces perpendiculares a OD 13Círculo de Mohr para o estado plano de tensões da Figura 14 devem ser direcionadas, de modo que obtenham a tendência de rodar o elemento no sentido horário. Figura 14. Tensão de cisalhamento máxima. Fonte: Adaptada de Beer et al. (2013). Para aprofundar-se nos conhecimentos sobre os cálculos do círculo de Mohr para carga axial centrada e círculo de Mohr para carga torcional, além de vários outros exemplos de aplicação do círculo de Mohr, leia o livro Estática e mecânica dos materiais, dos autores Beer et al. (2013). Círculo de Mohr para o estado plano de tensões14 BEER, F. P. et al. Estática e mecânica dos materiais. Porto Alegre: AMGH, 2013. BEER, F. P. et al. Mecânica dos materiais. 7. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. BUDYNAS, R.; NISBETT, J. K. Elementos de máquinas de Shigley. 10. ed. Porto Alegre:AMGH, 2016. MECHANICALC. Stress Transformations & Mohr's Circle. [S. l.] 2019.Disponível em: <https:// mechanicalc.com/calculators/mohrs-circle>. Acesso em: 13 fev. 2019. NORTON, R. L. Projeto de máquinas: uma abordagem integrada. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013. SANTOS, A. P. et al. O Círculo de Mohr: transformações de tensão e deformação: capítulo 7. Unicamp, São Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.fem.unicamp.br/~assump/ Projetos/2010/g9.pdf>. Acesso em: 13 fev. 2019. 15Círculo de Mohr para o estado plano de tensões Conteúdo:
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