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Resenha do livro O existencialismo é um humanismo, de Jean-Paul Sartre Sartre inicia o livro apresentando quatro críticas comuns feitas ao existencialismo: a de que é uma filosofia contemplativa e subjetiva, negativa, não solidária ao outro (por ser incapaz de retornar à solidariedade com os outros depois de se apreender em sua própria solidão) e gratuita (por negar os mandamentos de Deus e os valores inscritos na eternidade). Segundo o filósofo, o existencialismo, em termos gerais, é uma doutrina que torna a vida humana possível. Apesar de haver dois tipos de existencialismo, o cristão (Jaspers e Gabriel Marcel) e o ateu (Heidegger e Sartre), todos consideram que a existência precede a essência. Isso se difere da noção de essência anterior à existência, como Sartre explica por meio do exemplo do corta-papel e do ser humano: ambos só são criados tendo em vista um plano, um objetivo traçado pelo artífice no primeiro caso e por Deus no segundo. Dentro da perspectiva existencialista, o ser humano é responsável por sua individualidade, por aquilo que projeta ser. Esse é o primeiro princípio do existencialismo e é aqui que reside a sua subjetividade da qual ele é acusado. Trata-se da subjetividade não no sentido simples de escolha do sujeito individual, mas no sentido de impossibilidade de transpor a subjetividade humana, pois, ao escolher ser isto ou aquilo, escolhe-se uma imagem de ser humano tal como se julga que deva ser, ou seja, afirma-se um valor sobre uma imagem que engaja toda a humanidade inteira na trilha desse valor. Essa responsabilidade gera a angústia, mas não no sentido que a crítica acusa o existencialismo, uma filosofia negativista. Ao perceber que o ser humano não é apenas aquele que escolheu ser, mas também um legislador que escolhe simultaneamente a si mesmo e a toda a humanidade, ele não consegue escapar do sentimento de sua profunda responsabilidade. A angústia, portanto, na visão de Sartre, pode ser definida como uma ausência total de justificativas alheias (legislador de si) e simultaneamente como uma responsabilidade perante todos. Contudo, essa angústia não leva ao quietismo e à inação, tal como o existencialismo tem sido criticado. A angústia aqui é parte constitutiva da ação, justamente porque a realidade não existe a não ser na ação. É por isso que Sartre reforça que a filosofia existencialista precisa ser vivida nas ações, pois, se não se nasce com uma essência, é preciso agir para ser. Sobre Deus no existencialismo, uma vez que a existência precede a essência, ou seja, haja vista que não há valores prontos e nada pode jamais ser explicado, Deus não existe. O esforço em anular Deus é para que o indivíduo se convença de que nada pode salvá-lo dele próprio (desamparo) e de que ele pode reencontrar os mesmos valores de respeito, honestidade e amor por si só. O homem está condenado a ser livre: condenado porque não criou a si mesmo e livre porque, uma vez lançado no mundo, é responsável por tudo o que faz. É no desamparo que o homem decide sobre si mesmo, em outras palavras, é diante da consciência de que ele é o responsável por legislar a sua vida que ele se projeta. Tendo discutido, então, algumas das críticas feitas ao existencialismo, Sartre conclui que talvez não seja pelo pessimismo que essa filosofia seja acusada, mas pela dureza de seu otimismo, que não admite desculpas para justificar modos de ser, somente responsabilidade por suas ações: há sempre uma possibilidade para qualquer um deixar de ser o que é. Ainda nesse sentido positivo sobre o existencialismo, outra questão trazida por Sartre diz respeito à dignidade que o existencialismo atribui ao homem, diferentemente do materialismo, que o transforma em objeto, em um conjunto de ações e reações pré-determinadas. É por isso que Sartre entende que o existencialismo é um humanismo. Humanismo não no sentido de uma teoria que posiciona o homem como centro, meta e valor superior, pois não há uma humanidade à qual se pode devotar e o homem também está sempre por se fazer, seu projeto de ser só se encerra quando sua existência se finda. O sentido de humanismo empregado por Sartre é o de vínculo entre a transcendência e a subjetividade: o homem está em constante processo de superação de seus projetos de ser, projeta-se para fora si e persegue os objetivos para ali chegar e novamente projetar-se para fora; e o homem não está fechado em si mesmo, mas sempre presente no universo humano. Referências SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Tradução Rita Correia Guedes. Paris: Nagel, 1970.