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LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA 
 
Karina Nogueira Alves 
 
A legítima defesa é um direito natural, intrínseco ao ser humano e, 
portanto, anterior à sua codificação, como norma decorrente da própria 
constituição do ser.1 
 
Assim, todo cidadão tem o direito de se defender de um ataque 
injusto, não havendo qualquer oposição ao exercício desse direito. 
 
A reflexão de VITORINO PRATA CASTELO BRANCO retrata a 
importância do instituto da legítima defesa: 
 
“ [...] Admirável é o instinto de conservação da vida que se manifesta até 
mesmo na plantinha que se esforça, arduamente, para crescer entre as 
pedras, ou até mesmo num pouco de poeira, no alto do telhado! [...] Para 
não morrer, atacados por seus inimigos, certos animais procuram até 
mesmo mudar de cor e o aspecto de sua aparência, confundindo-se, por 
mimetismo, com o local onde se abrigam. Para defender sua prole 
ameaçada, a pacífica ave, seja qual for, torna-se perigosa, capaz de ferir 
o atacante. Como o animal acuado, o homem diante do perigo deixa de ser 
homem, capaz de reflexão, torna-se um autônomo e age como se fosse 
guiado por força estranha e superior. Defende-se valorosamente e para 
defender-se não mede as conseqüências, não procura os meios 
adequados, não calcula a reação necessária, porque já não é um ser 
pensante, mas um ser vivente que procura salvar sua vida.2” 
 
Vê-se, portanto, que a lei natural permite ao homem defender-se 
contra qualquer perigo que ameace sua vida. 
 
 
1
 LINHARES, Marcelo Jardim. Legítima Defesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 
1. 
2
 TEIXEIRA, Antonio Leopoldo. Da Legítima Defesa. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, pp. 
59 e 60. 
2 
 
O Código Penal Brasileiro dispõe a respeito da legítima defesa em 
seu art. 25, verbis: 
 
“Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente 
dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito 
seu ou de outrem.” 
 
Em suma: a legítima defesa é a situação do homem que reage, com 
emprego moderado dos meios necessários, na proteção de um bem 
jurídico próprio ou alheio, contra injusta agressão atual ou iminente.3 
 
E o que ocorre quando a defesa legítima é IMAGINÁRIA? O que é, 
afinal, a chamada "legítima defesa putativa"? 
 
A seguir, tal situação à luz do ordenamento jurídico brasileiro. 
 
LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA 
 
DEFESA PUTATIVA significa defesa suposta, imaginária. A 
expressão "putativo" vem do latim putativus, que significa pensar, reputar, 
isto é, tido por tal. 
 
Aplicada à defesa, referida expressão quer dizer reputar, pensar ou 
crer que temos de nos defender contra uma agressão que, em verdade, 
não existe, mas parece real.4 Em outras palavras, há uma incongruência 
entre a representação fática do agente e a situação objetiva. 
 
Pode o agente colocar-se em atitude de defesa, presumindo iminente 
agressão injusta a bem jurídico próprio ou de outrem, e assim acometer o 
suposto agressor. 
 
 
3
 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Parte Geral. Tomo 1. Rio de Janeiro: Forense,1978, p. 
370. 
4
 LINHARES, Marcelo Jardim. Ob. cit., p. 282. 
3 
 
Segundo BITTENCOURT, "se o autor supõe erroneamente a 
ocorrência de uma causa de justificação – independentemente de o erro 
referir-se aos pressupostos objetivos da causa justificante ou à sua 
antijuridicidade –, a conduta continuará sendo antijurídica".5 
 
Para ZAFFARONI, trata-se a legítima defesa putativa de "uma causa 
de ausência de culpabilidade, motivada no erro, que impede a 
compreensão da antijuridicidade da conduta".6 
 
Daí, na legítima defesa putativa o sujeito acreditar, subjetivamente, 
que está atuando conforme uma causa de exclusão da ilicitude. Entretanto, 
restará esta descaracterizada se analisada do ponto de vista objetivo. 
 
A legítima defesa, por sua vez, é hipótese de exclusão da 
antijuridicidade e, portanto, passível de ser julgada objetivamente. No caso 
da legítima defesa putativa, a doutrina admite que desde que o agente se 
supõe, erroneamente, na situação de quem legitimamente se defende, não 
existe dolo e o fato fica impune por ausência de culpabilidade. Se o erro 
for culposo, responderá o agente por culpa quanto à agressão que 
promover.7 
 
Assim, na forma do disposto nos arts. 20, § 1º (1ª parte), e 21 do 
Código Penal8, relativamente às descriminantes putativas, é isento de pena 
o agente que acredita agir de modo lícito, supondo situação que, se 
existente, tornaria legítima sua conduta. Deve-se, contudo, separar a 
hipótese de erro envolvendo pressupostos fáticos – situação de fato – 
 
5
 BINTENCOURT, C. R. Teoria Geral do Delito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, 
p. 146. 
6
 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual do Direito Penal 
Brasileiro: parte geral. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 
639. 
7
 BRUNO, Aníbal. Ob. cit., p. 383. 
8
 Art. 20, § 1º (1ª parte): É isento de pena quem, por erro plenamente justif icado pelas 
circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. 
Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se 
inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. 
4 
 
daquela versando sobre os limites normativos (estar autorizado) de uma 
causa de justificação.9 
 
Visando tornar mais clara a compreensão do conceito de legítima 
defesa putativa, mister é fazer um adendo quanto ao "erro sobre os 
elementos do tipo penal". 
 
Erro é a falsa representação da realidade ou o falso conhecimento 
de um objeto. Duas são as espécies principais: 
 
Erro de tipo (CP, art. 20, caput)10 é o que incide sobre os elementos 
constitutivos do tipo penal. 
 
Erro de proibição (CP, art. 21) é o que recai sobre a ilicitude do fato, 
ou seja, não admite alegar-se desconhecimento da lei. 
 
Com relação ao erro de tipo, anote-se que a sua configuração supõe 
a consciência do agente acerca dos elementos objetivos do tipo. Se este 
desconhece ou se engana a respeito de um dos elementos da definição 
legal, não há que falar em dolo, pela ausência de vontade em realizar o 
tipo objetivo.11 
 
Já o erro de proibição se configura quando o agente imagina ser a 
conduta permitida por lei, mas, ao contrário, esta a proíbe. Ou seja, tem 
ele consciência da ilicitude do ato, mas supõe, de forma equivocada, que 
sua conduta é autorizada. 
 
O erro de proibição se classifica em "direto" e "indireto". Na primeira 
hipótese, o agente desconhece a existência de norma proibitiva acerca de 
 
9
 PRADO, Luis Régis; BITENCOURT, César Roberto. Código Penal Anotado e 
Legislação Complementar. 2. ed. atual. São Paulo: Revista dos 
Tribunais, 1999, p. 86. 
10
 Art. 20, caput: O erro sobre elemento constitutivo do tipo penal de crime exclui o dolo, 
mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. 
11
 MIRABETE, Julio Fabrini. Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 2000, p. 178. 
5 
 
sua conduta; na segunda (erro de permissão), sabe da proibição, mas 
supõe erroneamente que está amparado por uma norma justificante. 
 
A moderna dogmática distingue uma terceira espécie de erro com 
natureza mista. Trata-se de erro sui generis por se situar entre o erro de 
tipo permissivo (CP, art. 20, § 1º), incidente sobre os pressupostos 
objetivos de causa de justificação, ou seja, em que há errônea 
representação da situação justificante, como ocorre na hipótese de 
legítima defesa putativa.12 
 
Melhor explicando: o erro de tipo permissivo constitui erro sobre a 
verdade do fato, em queo autor não abandona a posição de fidelidade ao 
direito; ao contrário, quer agir segundo o ordenamento jurídico, mas erra 
acerca dos pressupostos fáticos. Se inevitável, elimina o dolo e a culpa; se 
evitável, exclui o dolo, subsistindo a culpa. 
 
Verifica-se, assim, que a legítima defesa putativa ocorre quando 
alguém erradamente se julga diante de uma agressão injusta, atual ou 
iminente, e, imaginando estar amparada por lei, reage, supondo defender-
se ou encontrar-se na defesa de terceiro. 
 
Segue-se a manifestação da jurisprudência sobre o assunto: 
 
“Para a caracterização da legítima defesa putativa, o Código Penal exige a 
demonstração objetiva da existência de suposição de fato que, por erro 
plenamente justificado pelas circunstâncias, legitimaria a ação do agente.” 
(TJAC – RT 736/658.) 
 
“Para a tipificação de legítima defesa putativa, não basta uma situação 
ofensiva imaginária, exigindo-se um princípio de realidade. Mister se torna 
que atos e fatos se juntem na ocasião do evento, permitindo a suposição 
 
12
 SANTOS, Juarez Cirino dos. A Moderna Teoria do Fato Punível. Rio de Janeiro: F. 
Bastos, 2000, pp. 193 e 194. 
6 
 
errônea dessa situação, que, se verdadeira, permitiria a reação 
empreendida.” (TACRIM-SP – RT 728/574.) 
 
“A legítima defesa putativa supõe que o agente atuou na sincera e íntima 
convicção da necessidade de debelar agressão atual (ou iminente) e 
injusta.” (TJSP – RT 609/323.) 
 
“Age em legítima defesa putativa aquele que efetua disparos de arma de 
fogo contra desconhecido que insiste em adentrar à casa de parente seu, 
matando-o.” (TJSP – RT 549/316.) 
 
“Havendo erro plenamente justificado pelas circunstâncias comprovadas, 
ante a presença de ladrões na propriedade do sogro do réu, altas horas 
da noite, isenta-se de culpa o autor de disparos de arma de fogo, face a 
excludente de ilicitude do art. 23, II, combinado com o § 1º do art. 20, 
todos do Código Penal.” (TAPR – RT 724/719.) 
 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Deste breve estudo acerca da legítima defesa putativa, percebe-se 
que se trata de uma situação de erro, na qual o agente acredita estar sob 
perigo iminente, sem que realmente esteja. 
 
Mas para a configuração da legítima defesa putativa, é necessário o 
preenchimento de certas condições,13 a saber: 
 
Um ato alheio, suscetível, segundo a lógica comum, de ser 
interpretado como capaz de tornar periclitante um direito cujo titular se 
considera agredido. 
 
 
13
 LINHARES, Marcelo Jardim. Ob. cit., pp. 289 e 290. 
7 
 
A errônea suposição do fato, que deve ser razoável, configure-se 
vício da inteligência. 
 
A suposta agressão tenha caráter injusto. 
 
Os meios utilizados para repelir a suposta agressão tenham sido 
somente os necessários. 
 
O uso desses meios tenha se dado com relativa moderação. 
 
Saliente-se que os três últimos requisitos são correlatos aos da 
legítima defesa real, donde se percebe que a legítima defesa putativa 
somente se diferencia no elemento de ordem interna do agressor. E que, 
embora se trate de "situação imaginária", o ordenamento jurídico a 
ampara. 
 
 
 
BIBLIOGRAFIA 
 
BINTENCOURT, C. R. Teoria Geral do Delito. São Paulo: Revista dos 
Tribunais, 1997. 
 
BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Parte Geral. Tomo 1, Rio de Janeiro: 
Forense,1978. 
 
LINHARES, Marcelo Jardim. Legítima Defesa. 2. ed. Rio de Janeiro: 
Forense,1980. 
 
MIRABETE, Julio Fabrini. Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 
2000. 
 
8 
 
PRADO, Luis Régis; BITENCOURT, César Roberto. Código Penal Anotado 
e Legislação Complementar. 2. ed. atual. São Paulo: Revista dos 
Tribunais, 1999. 
 
SALLES JR, Romeu de Almeida. Código Penal Interpretado. São Paulo: 
Saraiva,1996. 
 
SANTOS, Juarez Cirino dos. A Moderna Teoria do Fato Punível. Rio de 
Janeiro: F. Bastos, 2000. 
 
TEIXEIRA, Antonio Leopoldo. Da Legítima Defesa. Belo Horizonte: Del 
Rey, 1996. 
 
ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual do 
Direito Penal Brasileiro: parte geral. 2. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista 
dos Tribunais, 1999.

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