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CASO DORA Ψ Se é verdade que a causação das enfermidades histéricas se encontra nas intimidades da vida psicossexual dos pacientes, e que os sintomas histéricos são a expressão de seus mais secretos desejos recalcados, a elucidação completa de um caso de histeria estará fadada a revelar essas intimidades e denunciar esses segredos. Ψ A comunicação do que se acredita saber sobre a causação e a estrutura da histeria converte-se num dever, e é uma vergonhosa covardia omiti-la quando se pode evitar um dano pessoal direto ao paciente em questão “É deplorável ter de dar lugar a tais protestos e declarações num trabalho científico, mas que ninguém recrimine a mim por isso; acuse-se, antes, o espírito da época, em virtude do qual chegamos a um estado de coisas em que nenhum livro sério pode estar seguro de sobreviver.” (Schmidt, 1902, Prefácio). DUAS CIRCUNSTÂNCIAS AUXILIARES A FREUD - 1. A duração do tratamento não durou 6 meses. 2. O caso se estruturou em 2 sonhos NOVA TÉCNICA - tudo o que se relaciona com a solução de determinado sintoma emerge em fragmentos, entremeado com vários contextos e distribuído por épocas amplamente dispersas. OBJETIVO - demonstrar a estrutura íntima da doença neurótica e o determinismo de seus sintomas Ψ De que forma a interpretação dos sonhos se insere no trabalho de análise ? Nicht Kunst und Wissenschaft allein, Geduld will bei dem Werke sein! ➤ O tratamento é iniciado solicitando a o paciente que conte a sua biografia e a história de sua doença. DEFICIÊNCIAS NO TRATAMENTO - 1. Os pacientes retém consciente e intencionalmente parte do que lhes é perfeitamente conhecido e que deveriam contar, e que deveriam contar por não terem ainda superado seus sentimentos de timidez e vergonha (ou discrição quando há outras pessoas em jogo); esta seria a contribuição da falta consciente de franqueza. 2. Parte do conhecimento amnésico que o paciente dispõe em outras ocasiões não lhe ocorre enquanto ele narra sua história, sem que ele tenha nenhuma intenção de retê-la; é a contribuição da insinceridade inconsciente. 3. Nunca faltam as amnésias verdadeiras - lacunas da memória em que caíram não apenas lembranças antigas como até mesmo recordações recentes - e as ilusões de memórias (paramnésias) formadas secundariamente para preencher essas lacunas. Quando os fatos em si são guardados na memória, o propósito subjacente às amnésias pode ser cumprido com igual segurança destruindo-se uma ligação, e a maneira mais certa de desfazer uma ligação é alterar a ordem cronológica dos acontecimentos. Esta última sempre se revela o elemento mais vulnerável do acervo da memória e o mais facilmente sujeito ao recalcamento. Muitas lembranças são encontradas, por assim dizer, num primeiro estágio de recalcamento, apresentando-se cercadas de dúvidas. Decorrido algum tempo, essas dúvidas seriam substituídas por um esquecimento ou por uma falsificação da memória. CÍRCULO FAMILIAR - Incluía, além dela própria, seus pais e um irmão um ano e meio mais velho que ela. O pai era a pessoa dominante desse círculo, tanto por sua inteligência e seus traços de caráter como pelas circunstâncias de sua vida, que forneceram o suporte sobre o qual se erigiu a história infantil e patológica da paciente. PEQUENA HISTERIA - Eu me daria por satisfeito se as circunstâncias me tivessem permitido dar um esclarecimento completo deste caso de pequena histeria (dispnéia, tussis nervosa, afonia e possivelmente enxaquecas, junto com depressão, insociabilidade histérica e um taedium vitae). Segundo minhas experiências com outros pacientes, não tenho nenhuma dúvida de que meu método analítico me teria bastado para fazê-lo. DIFICULDADES DO NOVO CASO - Portanto, se não queremos abandonar a teoria do trauma, devemos retroceder até a infância da moça e buscar ali influências ou impressões que pudessem ter surtido efeito análogo ao de um trauma.Além disso, é digno de nota que, mesmo na investigação de casos em que os primeiros sintomas não se tinham instalado na infância, fui levado a reconstituir a biografia dos pacientes até seus primeiros anos de vida. CITAÇÃO SOBRE O FATO DE OS SINTOMAS TEREM OCORRIDOS ANTES DO CASO EM PARTICULAR DA PROPOSTA AMOROSA DO SENHOR K. BEIJO DO SENHOR K - Dora tinha apenas 14 anos e sentiu uma violenta repugnância pelo o homem. Ψ Eu tomaria por histérica, sem hesitação, qualquer pessoa em quem uma oportunidade de excitação sexual despertasse sentimentos preponderante ou exclusivamente desprazerosos, fosse ela ou não capaz de produzir sintomas somáticos. Esclarecer o mecanismo dessa inversão do afeto é uma das tarefas mais importantes e, ao mesmo tempo, uma das mais difíceis da psicologia das neuroses. Em minha própria opinião, ainda estou bem longe de alcançar essa meta, e no contexto desta comunicação posso também acrescentar que até do que sei só me será possível apresentar uma parte. DESLOCAMENTO DA SENSAÇÃO - ao invés da sensação genital que uma jovem sadia não teria deixado de sentir em tais circunstâncias, Dora foi tomada da sensação de desprazer própria da membrana mucosa da entrada do tubo digestivo - isto é, pela repugnância. A estimulação de seus lábios pelo beijo foi sem dúvida importante para localizar a sensação nesse ponto específico, mas creio reconhecer também o efeito de outro fator. DESLOCAMENTO - da parte inferior para a parte superior LEMBRANÇA INALTERADA DA CENA - não gostava de passar por nenhum homem que julgasse estar participando de uma cena sexual excitatória porque não queria voltar a sentir a somatização em seu corpo. PROCESSO DE FORMAÇÃO DOS SINTOMAS - 1. Repugnância 2. Sensação de pressão na parte superior do corpo 3. Evitação de homens em conversas afetuosas Ψ Esses sintomas provinham de uma mesma experiência e somente levando em conta a inter-relação desses três signos é que se torna possível compreender o processo de formação dos sintomas. ↱ O nojo corresponde ao sintoma do recalcamento da zona erógena dos lábios . ↱ A pressão do mebro ereto provavelmente levou a uma alteração análoga no órgão feminino correspondente, o clitóris, e a excitação dessa segunda zona erógena foi fixada no tórax por deslocamento para a sensação simultânea de pressão. ↱ O horror aos homens que pudessem achar-se em estado de excitação sexual obedece ao mecanismo de uma fobia destinada a dar proteção contra o reavivamento da percepção recalcada. Ψ Quando surge no tratamento psicanalítico uma seqüência correta, fundamentada e incontestável de pensamentos, isso bem pode representar um momento de embaraço para o médico, do qual o paciente se aproveita para perguntar: “Tudo isso é perfeitamente verdadeiro e correto, não é? Que quer o Sr. modificar, agora que lhe contei?” Mas logo se evidencia que o paciente está usando tais pensamentos inatacáveis pela análise para acobertar outros que se querem subtrair da crítica e da consciência. Um rosário de censuras a outras pessoas leva-nos a suspeitar da existência de um rosário de autocensuras de conteúdo idêntico. Basta que se volte cada censura isolada para a própria pessoa do falante. Há algo de inegavelmente automático nessa maneira de defender-se de uma autocensura dirigindo a mesma censura contra outrem. Encontra-se um modelo disso nos argumentos tu quoque das crianças; quando uma delas é acusada de mentirosa,retruca sem hesitar: “Você é que é.” Um adulto empenhado em revidar um insulto procuraria um ponto fraco real de seu oponente e não poria a ênfase principal na repetição do mesmo conteúdo. Na paranóia, essa projeção da censura em outrem sem qualquer alteração do conteúdo, e portanto, sem nenhum apoio na realidade, torna-se manifesta como processo de formação do delírio. ORIGEM PSÍQUICA OU SOMÁTICA ? - todo sintoma histérico requer a participação de ambos os lados. Não pode ocorrer sem a presença de uma complacência somática fornecida por algum processo normal ou patológico no interior de um órgão do corpo ou com ele relacionado. Porém não se produz mais de uma vez - e é do caráter do sintoma histérico a capacidade de se repetir - a menos que tenha uma significação psíquica, um sentido. MATERIAL PSÍQUICO ACIDENTAL - Para a terapia, os determinantes mais importantes são os fornecidos pelo material psíquico acidental; os sintomas são dissolvidos buscando-se sua significação psíquica. COMPLACÊNCIA SOMÁTICA - Já não temos de lidar com o enigma inteiro, mas apenas da parte dele em que se inclui a característica particular da histeria que a diferencia das outras psiconeuroses. Os processos psíquicos em todas as psiconeuroses são os mesmos durante um extenso percurso, até que entre em cena a “complacência somática” que proporciona aos processos psíquicos inconscientes uma saída no corporal. Quando esse fator não se faz presente, surge da situação total algo diferente de um sintoma histérico, mas ainda de natureza afim: uma fobia, talvez, ou uma idéia obsessiva - em suma, um sintoma psíquico. “A princípio, o sintoma é para a vida psíquica um hóspede indesejável: tudo está contra ele, e é por isso que pode dissipar-se com tanta facilidade, aparentemente por si só, sob a influência do tempo. No início, não tem nenhum emprego útil na economia doméstica psíquica, porém com muita freqüência encontra serventia secundariamente. Uma ou outra corrente psíquica acha cômodo servir-se do sintoma, que assim adquire uma função secundária e fica como que ancorado na vida anímica. Aquele que pretende curar o doente tropeça então, para seu assombro, numa grande resistência, que lhe ensina que a intenção do paciente de se livrar de seus males não é nem tão cabal nem tão séria quanto parecia. Imaginemos um trabalhador, um pedreiro, digamos, que tenha caído de uma construção e ficado aleijado, e que agora ganhe a vida mendigando nas esquinas. Chega um milagreiro e promete endireitar-lhe a perna torta e devolver-lhe a marcha. Não se deve esperar, acho eu, ver uma expressão de particular contentamento em seu rosto. Sem dúvida, na época em que sofreu a lesão, ele há de ter-se sentido extremamente infeliz, ao compreender que nunca mais poderia voltar a trabalhar e teria de passar fome ou viver de esmolas. Desde então, porém, o que antes o deixara sem seu ganha-pão tornou-se sua fonte de renda: ele vive de sua invalidez. Se esta lhe for tirada, talvez ele fique totalmente desamparado; nesse meio tempo, ele esqueceu seu ofício, perdeu seus hábitos de trabalho e se acostumou à indolência, e talvez também à bebida.” VIAS INDIRETAS DA ANÁLISE - de nada servem todas essas afirmações de que é “apenas uma questão de vontade” e todas as exortações e insultos dirigidos ao doente. Primeiro é preciso tentar, pelas vias indiretas da análise, fazer com que a pessoa convença a si mesma da existência dessa intenção de adoecer. ELIMINAR O MOTIVO DO ADOECIMENTO - Na histeria, é no combate aos motivos da doença que reside, de modo bastante geral, o ponto fraco para qualquer terapia, inclusive a psicanálise. Para o destino as coisas são mais fáceis: ele não precisa atacar a constituição ou o material patogênico do enfermo; basta-lhe eliminar o motivo de adoecimento para que o doente fique temporária ou até permanentemente livre de seu mal. SIGNIFICADOS DO SINTOMA - pelo menos um dos significados de um sintoma corresponde à representação de uma fantasia sexual, enquanto para os outros significados não se impõe tal limitação do conteúdo. Quando se empreende o trabalho psicanalítico, logo se constata que os sintomas têm mais de um significado e servem para representar simultaneamente diversos cursos inconscientes de pensamento. E eu acrescentaria que, na minha opinião, um único curso de pensamento ou fantasia inconsciente dificilmente bastará para a produção de um sintoma. CONSTITUIÇÃO SEXUAL - Nos neuróticos, a constituição sexual, na qual está contida a expressão da hereditariedade, atua em combinação com as influências acidentais de sua vida que possam perturbar o desenvolvimento da sexualidade normal. O curso d’água que encontra um obstáculo em seu leito reflui para leitos antigos que antes pareciam destinados a permanecer secos. As forças impulsoras da formação dos sintomas histéricos não provêm apenas da sexualidade normal recalcada, mas também das moções perversas inconscientes. RESOLUÇÃO DOS SINTOMAS HISTÉRICOS - que não é necessário que os diversos significados de um sintoma sejam compatíveis entre si, ou seja, que se complementem num todo articulado. Basta que a interarticulação seja constituída pelo tema que deu origem às diversas fantasias. Já constatamos que, com bastante regularidade, um sintoma corresponde simultaneamente a diversos significados; acrescentemos agora que também pode expressar diversos significados sucessivamente. No decorrer dos anos, um sintoma pode alterar um de seus significados ou seu sentido principal, ou então o papel principal pode passar de um significado para outro. Há como que um traço conservador no caráter das neuroses: uma vez formado, se possível, o sintoma é preservado, mesmo que o pensamento inconsciente que nele encontrou expressão tenha perdido seu significado. Mas também é fácil explicar mecanicamente essa tendência à conservação do sintoma: é tão difícil a produção de um sintoma dessa natureza, são tantas as condições favorecedoras necessárias à transposição de uma excitação puramente psíquica para o corporal - isso que denominei de “conversão” -, e é tão raro dispor-se da complacência somática necessária à conversão, que o impulso para a descarga da excitação vinda do inconsciente utiliza, tanto quanto possível, qualquer via de descarga já transitável. Muito mais fácil do que criar uma nova conversão parece ser a produção de vínculos associativos entre um novo pensamento carente de descarga e o antigo, que já não precisa dela. Pela via assim facilitada flui a excitação da nova fonte excitante para o antigo ponto de descarga, e o sintoma se assemelha, segundo as palavras do Evangelho, a um odre velho repleto de vinho novo. Por estas observações, a parte somática do sintoma histérico parece ser a mais estável e a mais difícil de substituir, enquanto a psíquica se afigura como o elemento mais variável e mais facilmente substituível. Todavia, não se devepretender inferir dessa relação nenhuma hierarquia entre os dois elementos. Para a terapia psíquica, a parte psíquica é sempre a mais significativa. Ψ “Meu irmão me diz que nós, os filhos, não temos o direito de criticar esses atos do papai, que não nos devemos preocupar com isso, e que talvez devamos até alegrar-nos por ele ter encontrado uma mulher a quem pode se afeiçoar, já que mamãe o compreende tão pouco. Também vejo isso, e gostaria de pensar como meu irmão, mas não posso. Não posso perdoá-lo.” ● Que fazer diante de tal pensamento hipervalente ? O OPOSTO RECALCADO - O pensamento reativo mantém o pensamento objetável sob recalcamento por meio de um certo excesso de intensidade, mas, em vista disso, ele próprio fica “amortecido” e invulnerável aos esforços conscientes do pensamento. Portanto, a maneira de retirar o reforço do pensamento hiperintensificado consiste em tornar consciente seu oposto recalcado. APLICAÇÃO DA TEORIA NO CASO DORA PREOCUPAÇÃO OBSESSIVA INCONSCIENTE DE DORA - 1. Sentia e agia mais como uma pessoa ciumenta. 2. Por sua exigência ao pai. 3. Pelas cenas que costumava criar. 4. Pela carta de suicídio ↱ Portanto, identificava-se com as duas mulheres, a que o pai amara um dia e a que amava agora. É óbvia a conclusão que sua inclinação pelo pai era muito maior do que ela sabia ou estava disposta a admitir, ou seja, que estava apaixonada por ele. Creio não estar errado, portanto, em supor que a seqüência hipervalente de pensamentos de Dora, que a fazia ocupar-se das relações entre seu pai e a Sra. K., destinava-se não apenas a suprimir seu amor pelo Sr. K., que antes fora consciente, mas também a ocultar o amor pela Sra. K., que era inconsciente num sentido mais profundo. A seqüência hipervalente de pensamentos era diretamente oposta a esta última corrente. Dora dizia a si mesma incessantemente que seu pai a sacrificara a essa mulher, fazia demonstrações ruidosas de que a invejava pela posse do pai e, dessa maneira, ocultava de si mesma o oposto que: invejava o pai pelo amor da Sra. K. e que não perdoava à mulher amada a desilusão que ela lhe causara com sua traição. A moção de ciúme feminino estava ligada, no inconsciente, ao ciúme que um homem sentiria. Essas correntes de sentimentos masculinos, ou, melhor dizendo, ginecofílicos, devem ser consideradas típicas da vida amorosa inconsciente das moças histéricas. O PRIMEIRO SONHO “Uma casa estava em chamas. Papai estava ao lado da minha cama e me acordou. Vesti-me rapidamente. Mamãe ainda queria salvar sua caixa de jóias, mas papai disse: `Não quero que eu e meus dois filhos nos queimemos por causa da sua caixa de jóias.’ Descemos a escada às pressas e, logo que me vi do lado de fora, acordei.”
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