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1 
 
Histórias de Gente Que Lê 
 
Galeno Amorim 
2 
 
Índice 
 
Prefácio 
Maria Antonieta Cunha .............................................................. 6 
 
Prólogo 
Missionários da Leitura ................................................................ 8 
 
Introdução 
Os livros não mudam o mundo ................................................ 11 
 
 
Parte I 
Os livros mudam as pessoas. 
 
A sacola de Dona Jamila .......................................................... 22 
Leitor de florestas e de mundo ............................................... 25 
Morador das ruas e leitor ......................................................... 30 
Os olhos de Dona Lydia .......................................................... 33 
O menino do Desemboque ..................................................... 36 
3 
 
Amyr e o mar ............................................................................. 42 
O livro dos livros ....................................................................... 46 
O livreiro que não sabia ler....................................................... 50 
Livro de “um reais” .................................................................... 55 
A bola e o livro ............................................................................ 59 
Lições de Dona Maria ................................................................ 63 
O homem que não vendia os livros ........................................ 68 
Do outro lado do muro ............................................................. 72 
Ele é o cara! ................................................................................. 75 
Marinheiro só .............................................................................. 78 
Pequenos leitores do sisal .......................................................... 81 
No profundo mar azul ............................................................... 86 
A que foi sem nunca ter sido .................................................... 90 
 
 
Parte II 
E as pessoas mudam o mundo. 
 
O livreiro do Alemão ................................................................. 94 
4 
 
Esmeralda cansada de guerra .................................................... 99 
O zelador de livros ................................................................... 104 
A Bibliojegue do sertão ........................................................... 108 
Ler para o outro é um ato de amor ......................................... 113 
Santo Antônio Casamenteiro ................................................. 117 
O pescador de leitores ............................................................. 120 
A biblioteca na roça .................................................................. 125 
O semeador do Seridó ............................................................. 128 
Operário em construção ......................................................... 132 
Mães que amam demais ........................................................... 135 
Entre livros e pneus ................................................................. 139 
A encantadora de leitores ........................................................ 143 
O pedreiro e os livros ............................................................... 147 
João que virou juiz .................................................................... 153 
Histórias que acolhem ............................................................. 155 
O tapete mágico da Tia Aninha .............................................. 159 
Sobre carnes e livros ................................................................ 163 
Bibliotecárias não sabem disfarçar ......................................... 168 
5 
 
 
Epílogo ..................................................................................... 172 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prefácio 
 
e todas as pessoas que conhecem Galeno Amorim, 
acredito que nenhuma deixaria de identificar sua paixão 
maior: a causa da leitura, que, das mais variadas maneiras 
e pelos mais diferentes pontos do país, ele procura obstinadamente 
defender para todos os brasileiros! Porque, para ele – como para 
muita gente boa –, a leitura é mesmo um direito de todos, tão 
fundamental quanto a saúde, a habitação, o saneamento básico, a 
liberdade de expressão – por exemplo. Um direito, mas também 
uma esperança: “Os livros transformam pessoas, e pessoas transformam o 
mundo.” E, em muitas frentes, procura fazer chegar essa posição ao 
maior número possível de pessoas. 
D 
7 
 
Pois nessa busca de novas formas de propagá-la, Galeno resolveu 
reunir em um livro algumas histórias exemplares: apresenta-nos 
figuras brasileiras, que, nas mais diversas regiões do Brasil e nas mais 
distintas condições (sempre adversas), tiveram suas vidas 
modificadas pela descoberta da leitura (mais precisamente, do livro) 
e, a partir daí, conseguiram mudar a vida de alguém, ou de muita 
gente - transformados todos, também, em leitores. 
Várias das histórias e personagens apresentadas por Galeno são 
também do meu conhecimento, e atesto – embora desnecessário – 
a sua veracidade. São relatos comoventes, às vezes impressionantes, 
a maioria, de pessoas muito simples (à época dos fatos iniciais, pelo 
menos), com ações igualmente modestas, e que ganharão de 
imediato a admiração dos leitores, assim como têm o 
reconhecimento de suas comunidades. Que fiapo de luz, que traço 
especial terão em comum todas essas figuras? 
Acredito que é isto que espera o Galeno: que essas vitórias, 
aparentemente pequenas, se pensarmos nas dimensões e carências 
brasileiras, sejam o atestado de possibilidades, que ele quer ver 
multiplicadas. 
Da minha parte, é isso que também eu desejo que aconteça. Tenho 
a convicção de que estas histórias podem inspirar outras tantas, da 
mesma forma que a arte em si (e, portanto, a literatura lida pelas 
figuras desses relatos) pode ser inspiradora. Prefiro, no entanto, 
8 
 
relativizar a força da leitura (mais ainda, a força do livro), sempre 
possível, mas nem sempre exercida: a história da humanidade 
(inclusive a de artistas extraordinários) e a história do Brasil (a que 
se desenrola diante de nossos olhos assustados, por exemplo) 
mostram que homens “letrados e cultos” podem não se tornar 
melhores, nem mais conscientes, nem mais patriotas, pela leitura e 
pela arte. 
Imagino, por outro lado, que possa haver vida feliz, produtiva e 
sábia mesmo fora da leitura de material impresso, ou mesmo virtual. 
Pode ser mais difícil, pode funcionar mais em determinadas 
comunidades, pode fazer mais sentido para uns do que para outros, 
mas acredito que seja possível. Preciso ter também essa esperança. 
O que me parece justo afirmar é que, por si, a leitura não fará mal 
algum – a ninguém, e que poderá fazer um enorme bem – a todos, 
ou quase. Todas as lutas em favor da leitura são, portanto, muito 
importantes. 
Por isso, desejo fortemente que, tal como nestas histórias, este livro 
caia também em mãos de muitos leitores que tenham - quem sabe? 
– aquele mesmo fio de luz das suas personagens e que eles se sintam 
motivados a engrossar as fileiras do bom combate do nosso 
corajoso autor. 
 
 
9 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Missionários da Leitura 
 
Aos professores, bibliotecários, gestores, técnicos e demais pessoas que se 
colocam entre livros e leitores a fim de aproximá-los. 
 
inguém pode ser obrigado a ler, nem a escrever, a 
cantar ou a dançar. Tampouco deve ser obrigado a saber 
o significado das coisas todas da vida. 
Por que ler, acima de tudo, é um ato de liberdade: introspectivo, 
espontâneo, libertador. 
Por isso, livros nos fazem livres! 
Ninguém nasce sabendo ler. Como não se nasce sabendo escrever, 
cantar ou dançar. Também não se nasce sabendo pronunciarpalavras ou apreciar um bom filme, teatro ou quadro. 
N 
10 
 
O certo é que ler – como tantas coisas na vida – não é um ato 
natural. Natural, isto sim, é respirar, comer e andar, se proteger do 
frio e do calor. É sentir medo e reagir. Natural é esse desejo 
intrínseco de, em algum tempo, ser feliz. 
Mas ler, não. Ler pede atitude, esforço, aprendizado – habilidade 
mesmo. Demanda oportunidade e investimento pessoal. E requer 
que se pratique, até que se tome gosto pela coisa – tal como se 
aprende a gostar de música boa, de jogar xadrez ou de admirar 
dribles geniais numa pelada de rua. 
Ler é coisa do espírito, que também pede certo esforço do corpo, 
boa vontade e dedicação, até que, um dia, torna-se absolutamente 
algo essencial, um alimento mesmo da alma. 
Não por outra razão cabe a toda a gente instigar esse namoro – que 
vira noivado e, depois, casório – entre livros e leitores, tal qual um 
Santo Antônio Casamenteiro dos dias de hoje. Um missionário a 
espalhar a boa nova do conhecimento pra tudo quanto é canto. 
Mas que isso seja feito com jeito, com delicadeza e com amor. Pois 
não há outro jeito de cultivar e cativar o bicho leitor. Esse que cresce 
e ganha corpo na medida da sustança das boas histórias, da 
sonoridade das palavras, do afeto que elas encerram. Da magia e da 
engenhosidade de quem cria e inventa o tempo todo. 
Tratemo-lo, pois, o bicho leitor, com carinho. Como a um filho que 
nasce, cresce e conquista a autonomia de voar. 
11 
 
Façamo-lo, pois, gostar dos livros como a criança gosta da flor, para 
que, seduzido e encantado, possa jamais ser curado dessa vontade 
irresistível de se deixar levar pela beleza das palavras e, assim, 
mergulhar fundo nesse oceano de ideias. Porque, para ele, o leitor, 
há um sentido especial em cada palavra impressa: aquilo a que se 
chama de a força mesma das coisas. 
Daí, a necessidade, danada, e jamais saciada, de se ter, sempre, à 
mão, uma página que seja pelo simples prazer de apalpar, de cheirar 
e sorver com os olhos tudo o que faz lembrar um livro. Ao aprender 
a decifrar os sinais, bebendo dessa fonte, descortinam-se os 
horizontes e descobre-se, enfim, o bom prazer de ler. 
Agora, um leitor de mundo, ele é capaz de aprender e apreender, de 
se reinventar o tempo todo. De compreender e interpretar cada 
coisa ao seu redor. E, ao ler pelos olhos do outro, de se tornar um 
sujeito melhor, tolerante e amoroso. Ao tomar para si o 
conhecimento universal e construir o seu próprio, o leitor, alarga a 
inteligência, supera o improvável e descobre a capacidade própria 
para o amor – fundamento elementar para se mudar o mundo, o de 
dentro e o de fora. 
Pois para quem, agora, já tem a sabedoria para ler o mundo, tudo é 
absolutamente possível! 
 
12 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Os livros não mudam o mundo 
 
“Os livros não mudam o mundo. 
Os livros mudam as pessoas. 
E as pessoas mudam o mundo.” 
 
a primeira vez em que ouvi alguém pronunciar o 
conjunto de frases acima, que me parecem traduzir, com 
precisão e uma clareza incrível, o papel que os livros 
exercem na vida de homens e mulheres na sociedade, sorri, 
discretamente. Afinal, aquela dúzia e meia de palavras sintetizavam, 
em boa medida, com objetividade extraordinária, centenas de 
páginas de consistentes reflexões a respeito do tema sobre as quais 
eu já me debruçara antes. 
N 
13 
 
Esse contentamento também era movido por ver a quem sua autoria 
era, naquele momento, atribuída: José Bento Monteiro Lobato – ele 
mesmo, autor que, mais de setenta anos após sua morte, continua a 
ser referência, e preferência, nacional. Nada de se estranhar, 
portanto, que o pai da boneca Emília, Narizinho, Pedrinho, Tia 
Nastácia, Visconde de Sabugosa e Dona Benta, e de uma porção de 
invencionices do Brasil da primeira metade do século XX, pudesse 
ter trazido à luz uma síntese de pensamento tão definitiva sobre a 
função social dos livros para a humanidade. 
Já fora ele, Monteiro Lobato, o grande precursor da literatura 
infantil brasileira. Antes dele, só se via, por aqui, livros infantis com 
textos estrangeiros e, em geral, muito distantes da nossa cultura. 
Lobato foi responsável direto pelo surgimento, durante as décadas 
seguintes, de brilhantes gerações de escritores do gênero. 
Embora haja quem discorde, a ele também se deve o crédito pela 
invenção do mercado editorial tal qual se conhece hoje em dia. Isso 
graças às suas geniais sacadas como editor para aumentar as tiragens 
de suas publicações e para fazer com que os livros chegassem onde 
o povo letrado estava. Das prosaicas pharmácias às vendas, os 
armazéns de antigamente, predecessores dos megas e 
hipermercados da atualidade: qualquer canto deveria, segundo dizia, 
abrigar um ponto de venda de livros. 
Nada de espantoso, portanto, creditar a Lobato, venerado por seu 
papel incansável na defesa dos livros e da literatura do Brasil, 
14 
 
tamanho acerto e capacidade de concisão, e justo por algo pelo qual 
sempre batalhou. Não fora ele, afinal, que apregoara que “uma 
nação só se faz com homens e livros”? 
 
Mas qual não foi a minha surpresa ao, muito tempo depois, tomar 
conhecimento de que aquilo era, simplesmente, um erro terrível: 
— Isso não é Lobato nem aqui, nem na China... – tratou, de me 
explicar (gentilmente, a bem da verdade) um amigo pesquisador, 
anos mais da tarde. 
Nos anos seguintes, ouviria e leria, em muitas ocasiões, gentes de 
universidades, academias, editoras, livrarias e do governo darem, 
enfim, o devido crédito a alguém que, sem sombra de dúvida, faz 
por merecer todo e qualquer tipo de gratidão do povo brasileiro e 
dos amantes, em geral, da boa literatura: Mário Quintana, o genial 
poeta gaúcho. 
Ao que parecia, seria, mesmo, Quintana quem teria dito – com a 
simplicidade, sensibilidade e sabedoria de poeta – esta e uma porção 
de outros ditos e frases que, na era internet, têm sido propagados 
com espantosa rapidez. Graças às ferramentas modernas que 
permitem buscas incríveis em frações de segundo, podemos 
recorrer e utilizar, a todo instante, frases belas que costumam causar 
efeito imediato. 
 
15 
 
Quando, contudo, obediente e disciplinado, e desta vez também 
resignado, já me habituara com o novo – e, ao que tudo indicava, 
definitivo esclarecimento do senso comum em torno de tão 
importante questão – eis que seria, novamente, surpreendido por 
uma nova e, a essa altura, arrasadora errata: 
— Estão todos redondamente enganados – foi o que ouvi, aturdido. 
A nova e, sim, definitiva corrigenda viria, desta vez, amparada por 
alguma base científica. Pesquisadores, leitores e admiradores do 
poeta gaúcho chegaram a criar blogs e comunidades virtuais, na 
internet, para alertar contra a enxurrada de frases e pensamentos 
indevidamente atribuídos a Quintana. 
Nada contra ele, faziam questão de explicar. Aliás, muito pelo 
contrário: 
— O grande problema é que corremos o risco de levar os jovens e 
as novas gerações a conhecer, e até a aprender a admirar, um 
Quintana que, simplesmente, não existe – argumenta um deles, com 
boa dose de razão. 
Uma comunidade criada no finado site de relacionamentos Orkut, 
precursor do atual Facebook, explicava, já no próprio título, ao que 
viera: “O verdadeiro Mário Quintana”. A página se propunha, com 
relativo sucesso para a época, “a pesquisar e a desmistificar, com a 
ajuda de colaboradores voluntários, o que não consta da obra 
conhecida do poeta”, dando “nomes aos verdadeiros bois, no caso, 
http://emiliopacheco.blogspot.com.br/2005/05/o-verdadeiro-mario-quintana.html
16 
 
os autores de versos e pensamentos creditados indevidamente ao 
gaúcho”. 
Quem se debruçou sobre toda a obra de Quintana (que pode ser 
encontrada em Poesia Completa, da Nova Aguilar) ou leu as suas 
entrevistas ou mesmo o livro Ora Bolas, que Juarez Fonseca escreveu 
sobre ele, jamais encontrou a dita cuja. 
Uma pesquisadora dá overedito sobre a citação: 
— Até hoje não foi possível identificar a autoria por absoluta 
ausência de fonte. Mas uma coisa é certa: do Quintana é que não é... 
Há especialistas que atribuem a autoria da frase ao senador romano 
Caio Graco, que viveu entre 157 e 121 antes de Cristo. Eles 
sustentam que a frase teria sido traduzida inúmeras vezes até ganhar 
o seu formato atual, agora com uma referência explícita aos livros. 
 
Desde então, tenho preferido imaginar que qualquer um dos três – 
ou, quem sabe, todos eles, cada qual a seu tempo – pode, muito 
bem, ter dito isso ou algo parecido, tamanha a força e a capacidade 
que essas três pequenas frases têm para expressar tão poderosa ideia 
sobre esse objeto conhecido como livro e a sua vocação 
transformadora, e, assim, perigosa. Sobretudo se, depois de se 
apropriar do seu conteúdo, dá-se dentro desse leitor um rebuliço 
interno de inquietações e de novas percepções, formulações e 
atitudes. 
 
17 
 
Tenho ido a diversas localidades conversar com gente atrás de boas 
histórias de leitores. A primeira impressão que dá é que as práticas 
sociais da leitura têm propiciado, de fato, microrrevoluções por toda 
parte. Tão íntimas que, por vezes, nem dá para percebê-las. 
Mas também outras que se materializam das mais diversas formas e 
promovem pequenas, porém vigorosas, modificações no cotidiano 
e no próprio entorno social desses leitores. E, cada vez que um só 
leitor, que seja, opera em si alguma mudança mínima – e esta se 
soma a tantas outras que se dão, simultaneamente, nos mais 
diferentes rincões do planeta –, ele move uma força poderosa, capaz 
de tornar o mundo um lugar melhor para se viver. 
Afinal, desde que Gutemberg inventou a prensa que deu origem ao 
livro, tal qual o conhecemos e admiramos hoje, – este que é 
considerado a maior invenção do último milênio – não são poucas 
as histórias de personalidades que, sendo leitores e tendo lido 
qualquer uma das dezenas de milhões de obras já publicadas pela 
humanidade, acabariam por protagonizar feitos importantes que 
causaram massivas transformações na sociedade. 
Se Quintana, Lobato ou Caio Graco disseram, ou não, tais palavras 
mágicas sobre o poder dos livros nem é o mais importante. Pode, 
muito bem, ter saído da boca de uma pessoa qualquer, às margens 
da história, e, mesmo assim, ter chegado ao nosso tempo, de forma 
tão imponente, a ponto de ter influenciado tantas gerações. 
Prefiro crer que todos possam, sim, ter dito! 
18 
 
E, mais do que isso, que outras tantas pessoas, em diferentes épocas 
da história humana, tenham se importado e levado adiante a 
poderosa força dessa ideia. Assim como eu e você, por exemplo, 
podemos estar, agora, fazendo, ou já fizemos, ou ainda haveremos 
de fazer no futuro. 
 
O que você vai ler neste livro é uma pequena coleção de pequenas 
histórias de pequenos leitores que são, na verdade, enormes. Após 
tantas buscas, pesquisas e conversas, a conclusão é que, de fato, os 
livros, por si só, não têm qualquer condição de mudar as coisas e o 
mundo. 
Talvez, ainda, os livros venham a ocupar espaço ligeiramente maior 
no tempo livre das pessoas, propiciando, assim, conhecimento, 
melhoramento pessoal, lazer e entretenimento cultural de qualidade. 
Mas, a julgar pelas histórias colhidas em diferentes locais ao longo 
dos últimos anos, vivenciadas por homens e mulheres, negros e 
pobres, crianças e velhos, os livros, com suas histórias e personagens 
formidáveis, têm sido capazes de provocar pequenas grandes 
mudanças em cada um de nós. 
E, então, como nos têm ensinado Quintana, ou Lobato, ou Graco 
(ou, então, nenhum deles!), serão essas pessoas – que podem atender 
por nomes como Evando, Otávio ou Esmeralda, personagens deste 
livro – que encontramos em nosso dia a dia, num açougue, numa 
19 
 
borracharia ou numa viagem de barco pelo interior da Amazônia, 
que seguirão mudando, em tempo real, o mundo em que vivemos. 
*** 
Nas páginas que se seguem, eu vou defender as habilidades de leitura 
e de escrita como ferramentas ímpares para o desenvolvimento 
individual das pessoas e a transformação da sociedade ao seu redor. 
Por vezes, pode ficar a impressão de que parece não existir vida 
inteligente e salvação para a humanidade fora do cultura letrada. 
Não é assim. 
O certo é que a leitura e a escrita são formas fundamentais, ou até 
mesmo superiores, para apoiar e estimular nosso crescimento 
íntimo, bem como as mudanças no nosso dia a dia do ponto de vista 
da vida social. E, ainda, as estruturas que lhe dão forma e ritmo. Isso 
tudo, claro, tendo como referência as formas de sociedade que 
conformam – mais como regra do que exceção – o mundo como 
conhecemos atualmente 
Quando se fala da leitura e da escrita, se fala de capacidades de 
desvendar códigos e de se manifestar a partir desses sistemas 
codificados, e, mais do que isso, de capacidades de análise, de 
reflexão e de sentimento, treinadas pelo contato mais profundo com 
a literatura. 
A dignidade que todo ser humano tem por ser humano – por 
respirar, por se mover, por se alimentar, por sentir, por pensar, por 
20 
 
se expressar, por trabalhar, por se emocionar, por sofrer, por sonhar 
– independe de se saber ler e escrever. 
Só que o analfabetismo e a incapacidade de uma leitura mais 
aprofundada criam legiões de excluídos, em locais espalhados ao 
redor do globo ou áreas específicas de um mesmo país, de uma 
mesma região, de uma mesma cidade. 
Assim, é inegável que o domínio sobre a palavra escrita é, sim, uma 
porta de entrada para um mundo de direitos. A mesma estrutura de 
poder que não garante uma educação de qualidade para todos, cria 
oportunidades ou dificuldades distintas àqueles que dominam ou 
não a palavra escrita e todo o conhecimento formal por ela 
delimitado. 
A marginalização dessas pessoas devido à falta de familiaridade com 
as letras costuma se combinar a outras, tais como classe, raça, 
gênero, e, mediante às diferentes combinações desses e outros 
traços, são punidos de formas diferentes. 
Mas, além da sua dignidade pessoal inerente à experiência humana, 
a sensibilidade, o conhecimento e a faculdade de expressão, que 
distinguem alguns como brilhantes, não dependem das habilidades 
de leitura e escrita. Aquela coisa mágica que torna certos indivíduos 
grandes – não exatamente aquelas grandes personalidades da 
história, mas os que conseguem brilhar na sua vida, não importa qual 
a sua ocupação – nasce em si e independe da leitura e da escrita. 
21 
 
O que há de mais mágico, e de mais humano, no ser humano sãos 
as suas capacidades de sentir, de pensar e de se comunicar. Não é a 
leitura, não é a escrita. 
Só que, além de impulsionarem oportunidades e evitarem punições 
em um mundo seletivo, injusto e cruel, essas habilidades e, 
especialmente, a leitura e escrita de literatura aproximam as pessoas, 
por meio da comunicação, de todo o pensar e o sentir que já foram 
registrados, preservados e que se encontram disponíveis aos 
potenciais leitores. Aproxima as pessoas de pessoas. 
A leitura e a escrita trazem em si uma enorme possibilidade de tornar 
alguém mais humano, na medida em que o colocam para partilhar 
da humanidade dos outros e, com os outros, compartilhar a sua 
humanidade. 
Somada a essa tarefa de mediação e aproximação exercida pela 
palavra escrita, o consumo de arte, de uma forma geral, e, em 
especial, da literatura tem a tarefa de promover um tipo de nivelação 
da sociedade. 
Enquanto, para alguns, o brilho da sensibilidade e do conhecimento 
se apresentam de forma natural, para outros, a literatura pode 
aproximá-los de toda reflexão que não conseguiriam alcançar sem a 
experiência da leitura. 
 
22 
 
Parte I 
 
Os livros mudam as pessoas. 
 
23 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A sacola da Dona Jamila 
 
ona Jamila já passou dos oitenta, mas conserva uma 
vitalidade, física e intelectual, impressionante.Uma ou 
duas vezes por mês, ela sai, cedo, de casa e se dirige ao 
centro da cidade. Lá chegando, entra direto no velho e imponente 
casarão que, no passado, serviu de moradia para alguns dos mais 
poderosos coronéis do café da Velha República. 
Ela repete, há anos, esse mesmo ritual. Vasculha, cuidadosamente, 
entre as prateleiras envelhecidas pelo tempo em busca de novidades. 
Ela só sai de lá quando a sacola estiver cheia. Então, sorrirá aliviada: 
seu mês está garantido! Ou, como costuma ela mesma dizer, sua vida 
está, por mais algum tempo, salva. 
D 
24 
 
O que será que a mulher idosa, de cabelos esbranquiçados e de 
aparência frágil, uma decorrência da idade, carrega na sacola com 
tamanho apego? 
— Livros! – ela responde. 
São quatro ou cinco deles que, invariavelmente, Dona Jamila toma 
emprestado a cada vez que vai à Biblioteca Altino Arantes, em frente 
à praça principal da cidade. 
Mais tarde, quando chegar em casa, vai abrir, calmamente, cada um 
deles e sorver, primeiro, o que vai impresso na capa e na contracapa. 
Depois, fará um breve passeio pelas orelhas da brochura e dará uma 
espiada no prefácio para, então, e, finalmente, mergulhar de cabeça 
numa nova viagem. 
Esse ritual é um verdadeiro roteiro de prazer para a mulher. 
A vista cansada nunca é desculpa. Professora aposentada, Dona 
Jamila lê quatro horas todos os dias. Em média, é um livro novo por 
semana. Ou quatro por mês. Ou, ainda, em torno de cinquenta a 
cada ano. 
Chova ou faça sol, é sempre assim. Dona Jamila adora os livros de 
ficção, e, especialmente, as novelas policiais. Nos dias em que vai à 
biblioteca, ela mais parece uma adolescente revirando as prateleiras 
atrás de novidades literárias. 
A mulher trabalhou, boa parte da sua vida, como assistente social, 
inicialmente em São Paulo, capital, e, mais tarde, no interior do 
25 
 
Estado. Embora nunca tenha viajado para fora do país, descreve 
com detalhes algumas das principais cidades do mundo. 
— Já estive em Paris, Roma, Londres... – ela anota mentalmente, 
enquanto relembra curiosidades sobre ruas e lugares das metrópoles 
mais charmosas do planeta que viu a partir das páginas da literatura. 
— Minha vida jamais seria a mesma sem os livros – ela assegura, 
com convicção. 
A história de Dona Jamila é uma história simples. De uma pessoa 
comum, “Sem nada demais”, conforme ela própria diz. Mas é a 
história de alguém que vive a buscar, todo santo dia, em cada nova 
aventura literária em que se mete, na sua sala de estar ou na calmaria 
do seu quarto, conhecimento, prazer e novos sentidos para a vida. 
Rumo aos noventa, a velha professora continua a ensinar uma lição 
diária sobre o amor pelos livros num país que ainda carece de gente 
que leia ou que leia mais. A experiência da senhora, é, de fato, algo 
alvissareiro, exemplo de um bom rumo para o Brasil trilhar. 
Diante da legião de leitoras de idade avançada como Dona Jamila, 
que se vê cada vez mais pelos quatro cantos do País, e da força – 
para os menos atentos – invisível que elas transmitem, não dá para 
permanecer indiferente. 
 
 
 
 
26 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Leitor de florestas e de mundo 
 
ilho e neto de ribeirinhos, Tenório passou a infância 
entre cipoais e banhos de rio na Costa do Cabaleana, 
lugarejo ermo escondido às margens do Rio Solimões, 
perto de São Tomé, onde nasceu. Um dos povoados que formam o 
município de Manacapuru, no interior da selva amazônica, aquela 
era uma localidade abandonada à própria sorte, onde escola era um 
luxo que jamais existira. 
Quem quisesse aprender o bê-á-bá para ser, como se dizia por lá, 
alguém na vida; que se virasse por conta própria. Com sorte, talvez 
encontrasse uma boa alma que se dispusesse a ensinar o pouco de 
escrita e leitura que sabia. Nesse caso, a sala de aula podia ser 
F 
27 
 
improvisada num canto qualquer, pois a falta de espaço não era, 
propriamente, um problema por ali. 
Não por outra razão, a mãe de Tenorinho levou um susto danado 
naquele fim de tarde, ao voltar do trabalho no campo de juta. Ela 
ficara, justificadamente, surpreendida diante da cena insólita: e não 
é que seu menino, que jamais botara os pés numa escola, estava 
lendo de verdade? 
Devota e temente a Deus que era, a mulher sequer teve tempo para 
tentar compreender o milagre, já que Tenorinho desembestara a 
falar e a exibir os seus novos prodígios diante da mãe, estupefata. 
Parecia ser mais um daqueles mistérios inexplicáveis da floresta, 
onde a sobrevivência, por si só, já é uma grande façanha, tamanhas 
as adversidades do cotidiano. 
O fato é que o moleque agora sabia ler. Aprendera, sabe-se lá como, 
a juntar letras e a formar palavras. Os poucos entendidos do lugar 
garantiam que aquela mistureba toda de rabiscos, feitos com um 
toco de lápis sobre um pedaço de papel puído, fazia, sim, algum 
sentido. 
— Bê... Ah... BÁ! – Tenorinho soletrou, com pompa e todo cheio 
de si. 
Era uma sílaba, alguém se apressou a explicar. Enfileiradas umas às 
outras, com certa parcimônia, poderiam constituir palavras ou frases 
inteiras. Um espanto! 
28 
 
Era assim, tratou-se de esclarecer, que as pessoas estudadas da 
cidade transpunham para o papel suas ideias, o conhecimento que 
recebiam de seus ancestrais e tudo aquilo que era dito com a boca 
ou sentido com o coração. 
Tenorinho enchia o peito: 
— BA – NA – NEI – RA! 
À medida que aquele som gutural saía de suas entranhas, parecia 
ganhar forma, diante de seus olhinhos, a imagem exuberante da 
planta tropical, com seus cachos amarelos dependurados. 
O menino Tenório, agora, conseguia ligar nomes e coisas e 
ampliava, mais e mais, o seu universo pessoal. Anotava, num 
caderninho, as novas palavras que aprendia e cantarolava, repetidas 
vezes, para si mesmo até conseguir guardá-las. Cada descoberta era 
um novo troféu para a sua coleção. 
A bem da verdade, Tenorinho havia tido, sim, um mestre. Fora um 
velho tio, que mal conseguia ler e escrever o próprio nome. Mas, 
como em terra de cego quem tem um olho é rei, dava bem para o 
gasto. No entanto, danado e ligeiro como só ele, Tenorinho havia, 
em pouco tempo, aprendido quase todas as palavras disponíveis. 
Como seguiria aprendendo? 
Foi quando alguém apareceu com uma bíblia, o livro mais lido do 
mundo e, por meio do qual, muita gente, como Tenorinho, 
aprendera a ler. Assim que se alfabetizou, o menino passou a ler, 
todos os dias, os versículos e salmos para a mãe, que era analfabeta. 
29 
 
Ele não sabia, mas naquele singelo gesto de amor começava a ser 
forjado um eloquente orador. 
O menino da selva crescia. Por dentro e por fora. 
Mas as dificuldades não tardaram a surgir. A primeira delas: não 
havia outros livros no vilarejo. Sem escola, biblioteca, livraria ou 
uma banca de jornal que fosse, como ele poderia continuar 
aprendendo? 
A mãe entendeu que a única maneira de propiciar ao filho a 
oportunidade que ela própria não tivera – arrumar um bom emprego 
na cidade grande – seria se mudar para a capital. Tomou o filho pela 
mão e subiu num barco rumo a Manaus. Era uma mulher de poucas, 
porém sábias palavras: 
— Pobre só tem chance de ser alguém na vida se sabe ler e escrever 
– ela sentenciou, resoluta, antes de partirem. 
A mudança para a capital do Amazonas, no entanto, não fora 
suficiente para deixar, de vez, os tempos difíceis para trás. As 
dificuldades só faziam crescer. O dinheiro mal dava para alimentar 
as bocas da casa, quanto mais para comprar livros. 
Mas Tenório não se fazia de rogado. Varava noites, em claro, até 
decorar trechos inteiros das cartilhas emprestadas dos amigos. Era 
esse o único jeito de ter acesso ao mundo dos livros e da cultura 
letrada. 
O tempo passou e o meninote cresceu. À custa de muita leitura sob 
a luz de lamparina, Tenório entrou para o curso de Direito da 
30 
 
Universidade Federal do Amazonas. Concluiu o curso e, como 
almejava trabalhar com algode que gostasse muito, acabou indo 
fazer também o curso de Letras. 
— Eu estava perdidamente apaixonado pelas palavras... – lembra o, 
hoje, poeta e professor universitário Tenório Telles, autor de críticas 
e ensaios, além de editor de livros. 
No coração da Amazônia, ativista cultural dos bons, ele guarda na 
ponta da língua trechos inteiros dos livros que decorava. Assim que 
sobrou o primeiro dinheiro, ele cuidou de comprar vários deles, para 
poder exibir em lugar de destaque da estante. 
— São eles a prova viva do poder dos livros de mudar a vida das 
pessoas. Porque são essas pessoas, depois, que vão mudar o mundo 
– apregoa doutor Tenório, com a autoridade que a vida e os livros 
lhe deram. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Morador das ruas e leitor 
 
ndereço fixo ele não tem. Trabalha, come, dorme e 
vive nas ruas. Só não admite que o tratem como mendigo. 
Mesmo porque, diz, ganha a vida com o suor de seu 
trabalho como vendedor de pipoca e biscoito nas esquinas da 
grande cidade. No fim da tarde, separa uma parte da féria do dia, 
algo em torno de cinco reais, para pagar pelo banho e comida. 
Sem um teto e um endereço fixo para morar, Márcio costuma dizer 
que é, de certo modo, uma dessas pessoas que passa todo o dia e 
dorme no próprio local de trabalho. Pode passar uma noite sob uma 
marquise ou um viaduto, ou, mesmo, em uma calçada ou praça, 
dependendo da conveniência do dia. A localidade muda, mas a 
moradia, em si, é sempre a mesma: o carrinho de mão que ele 
E 
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próprio construiu com pedaços de madeira e bugigangas 
encontradas nas ruas. 
Para quem o vê puxando seu carrinho-dormitório pelas ruas do Rio 
de Janeiro, é impossível notar qualquer diferença entre Márcio 
Pereira dos Santos, o Gaúcho, e os moradores de rua que são vistos 
perambulando pelas cidades brasileiras de Norte a Sul do País. 
Como qualquer um deles, o rapaz também enfrenta o frio, a chuva, 
a violência e o julgamento público, independentemente dos motivos 
que possam ter levado cada um deles a essa situação. 
Márcio trocou, há três anos, a vida na casa dos pais no Rio Grande 
do Sul pelas ruas do Rio. Diz que foi uma escolha. 
Para tentar manter um pouco de sanidade, recorre, diariamente, à 
leitura. Lê jornais e revistas usados e livros, de ficção aos ensaios 
sobre política e sociologia. Também é leitor assíduo da bíblia, na 
qual diz buscar a força necessária para levar sua vida adiante. 
Por um bom tempo, Márcio, um rapaz bem apessoado de seus 34 
anos, lia tão somente para se entreter e fazer o tempo passar, mas, 
desde que resgatou da lata de lixo a obra Biblioteca de Sociologia Geral, 
de Nello Andreoti Neto, passou a se interessar mais pelos temas 
sociais. Ele gosta de ler e, então, analisar e refletir sobre o conteúdo 
do que leu, fazendo um cruzamento das leituras com situações pelas 
quais passou e suas escolhas pessoais. Ultimamente, tem pensado 
muito, por exemplo, sobre o funcionamento das políticas públicas 
destinadas aos moradores de rua. 
33 
 
— É importante confrontar suas opiniões com as do autor do livro, 
pois sempre se aprende com isso – ele conclui. 
Mas não é só nisso que os livros têm mexido com a vida de Márcio. 
Após uma dessas leituras, ele percebeu que também é um cidadão, 
com direitos e deveres, como qualquer outro. Ao ler uma notícia 
sobre o Bolsa Família, um direito de todo cidadão que vive abaixo 
da linha da pobreza, ele foi atrás e obteve o auxílio. Aonde vai, 
carrega sempre junto o título de eleitor e sua cédula de identidade. 
Também possui conta bancária, cartão de crédito e conta de e-mail, 
que acessa de alguma lan house. 
Márcio, um admirador confesso de Monteiro Lobato, diz que 
também encontra nos livros uma forma de serenidade: 
— Ler me faz relaxar a mente. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Os olhos de Dona Lydia 
 
ona Lydia sempre teve uma queda pelas palavras. 
Como não sabia ler, passava horas ouvindo e tentando 
distinguir, pela sonoridade, o sentido e o significado 
delas. 
Analfabeta até a idade madura, Dona Lydia viveu a maior parte de 
sua vida apartada da forma grafada e impressa das palavras. Estas 
que se materializam e vêm à luz quando se juntam letras, esses sinais 
que, se bem empregados, dão vitalidade e perenidade a frases, ideias 
e pensamentos. 
Embora nunca tenha se dado conta disso, Dona Lydia sempre foi 
uma poetisa de mão cheia. Morando a vida toda num povoado 
caiçara no litoral de São Paulo, ela buscava no mar a inspiração para 
D 
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expressar, do seu jeito, como enxergava e sentia o mundo e as coisas 
ao seu redor. Podia ser de um acontecimento simples do seu 
cotidiano a algo subjetivo que a deixava emocionada, como a beleza 
diária daquele cenário composto de montanhas, céu e mar. 
Para não deixar se perder a magia daqueles instantes, a mulher criava 
e armazenava os versos na cabeça. 
Como Deus costuma escrever certo por linhas tortas, o destino fez 
com que ela sentisse na pele, amargamente, o quanto a falta de 
intimidade com a palavra escrita pode afetar, negativamente, a vida 
das pessoas. Mas, por outro lado, Dona Lydia foi sacudida para a 
percepção do quanto a leitura e a escrita ainda poderiam modificar 
a vida dela e de outras pessoas. 
Já na entrada da velhice, Dona Lydia se viu na obrigação de 
regularizar as terras herdadas do avô, entre Peruíbe e Itanhaém. 
Eram o único bem material dela e da sua família nesta vida. Foi onde 
toda a parentela nasceu, cresceu e de onde, durante décadas a fio, 
tirou o sustento. 
Mas o advogado que foi contratado para solucionar o imbróglio se 
aproveitou do fato de ela não saber ler para ficar com metade da 
propriedade – único ganha-pão da família, que sobrevivia do cultivo 
de milho, batata e melancia. 
Depois disso, a mulher, resoluta, tomou uma decisão. Iria para a 
escola e nunca mais seria enganada por não saber ler. Mas Dona 
Lydia, além de aprender a ler e a escrever, encantou-se com os livros 
36 
 
e com os estudos. Apaixonou-se pelos versos de Carlos Drummond 
de Andrade e Castro Alves e, aos 75 anos, resolveu fazer faculdade. 
Dez anos depois, Dona Lydia S. Gonçalves – como passou a grafar 
o próprio nome – tornou-se escritora, tendo publicado vários livros 
com os seus poemas e os aforismos que colecionou por toda a vida. 
Com os vários diplomas numa parede e uma farta coleção de livros 
nas outras, é ela agora que ensina, do alto da autoridade do seu 
próprio exemplo de vida: 
— Aprender é como abrir os olhos. E nunca é tarde para isso! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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O menino do Desemboque 
 
ascido menino pobre no Desemboque, interior de 
Minas Gerais, Ariclenes sonhava, desde pequeno, com 
a cidade grande. Queria ser famoso e, um dia, conhecer 
as cantoras do rádio, ícones daquele Brasil rural da primeira metade 
do século XX. Vivia suspirando pelos cantos só de pensar em 
namorar alguma delas. 
Acontece que Ariclenes, ou Ari, vivia num lugarejo longínquo, em 
meio a um punhado de vivas almas, no coração perdido do Brasil. 
Por mais que tentasse pensar numa saída, não lhe ocorria nada tão 
genial que pudesse, enfim, fazê-lo, um dia, chegar lá. 
N 
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Enquanto sua sorte grande não chegava, Ari ajudava o pai, 
boiadeiro, na lida com o gado. Para faturar uns trocos, ele vendia 
fotos da mãe, que era artista de circo. 
Assim seguia o menino tocando sua vidinha, que dizia, ser sem eira 
nem beira. 
Mas, um dia, Ari tomou coragem, subiu na carroceria de um 
caminhão e seguiu no rumo de São Paulo. Estava firmemente 
decidido a cair na estrada em busca do seu Eldorado. 
No meio do caminho, contudo, o menino apeou da condução. 
Nunca tinha ouvido falar daquele lugar onde estava. Se ainda não 
era aquela a metrópole com a qual tanto sonhara, ele, ao menos, 
poderia, ali, ir se acostumando, aos poucos, com a vida de cidade 
grande. 
RibeirãoPreto ficava bem no meio do seu caminho para a capital. 
Com os seus cabarés, teatros, radionovelas e uma vida noturna 
movimentada até demais para o garoto caipira recém-chegado do 
Desemboque, no Triângulo Mineiro, bem que podia servir como 
experiência e, ainda, um trampolim para um salto na vida. 
Resolveu ficar uns tempos por lá. 
Na esteira da derrocada dos barões do café, a cidade vivia novo 
surto de prosperidade. A industrialização nascente e os novos ricos, 
daqueles tempos de mudança do Brasil rural para o Brasil urbano, 
dominavam o cenário político e econômico da cidade. 
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Ari, um frangote de não mais do que dezesseis anos, foi morar numa 
pensão e, logo, arrumou ocupação. Empregou-se como carregador 
numa loja de materiais de construção. Lá, no embalo do progresso 
daqueles anos 30, os canteiros de obras pipocavam por toda parte e, 
com isso, punham mais mercadoria na cacunda do rapaz. 
Por isso, foi uma benção aquele santo dia em que os livros entraram 
na vida dele. Foi tudo por acaso. Ari só queria mesmo dar uma 
escapadela do sol fatigante que fazia a carga sobre seus ombros 
magricelas parecer pesar toneladas. 
Ao passar diante daquele casarão majestoso, de frente para a praça 
central da cidade, o rapaz empacou. Pessoas que entravam e saíam 
chamaram a sua atenção para aquele lugar que parecia ser um espaço 
público. Sem muito pudor, ele ajeitou no chão, calmamente, o vaso 
sanitário que trazia sobre as costas. Só deu uma olhadela para os 
lados para se certificar de que ninguém o espiava para dedurá-lo ao 
patrão e entrou. 
Quase diante do Theatro Pedro II, majestosa casa de ópera daquela 
terra de coronéis, o velho Solar dos Junqueira já não era o mesmo. 
Em vez das romarias de líderes políticos e de apadrinhados atrás dos 
favores dos barões do café, no casarão, agora, funcionava uma... 
biblioteca. 
Ele levou um baita susto. Mas, já que estava lá dentro mesmo, Ari 
resolveu permanecer. Afinal, pior do que a carga pesada e do sol 
escaldante que o aguardavam do lado de fora é que não podia ser. 
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Aquela seria, anos mais tarde ele diria, a mais sábia decisão de sua 
vida. 
No início, precisou controlar o pavor que passou a tomar conta de 
si. Tentava adivinhar quem seriam aquelas criaturas bem vestidas, 
totalmente estranhas a sua vida roceira. Circulavam, com 
desenvoltura, entre as estantes, poltronas e as largas mesas em estilo 
colonial. Talvez fossem, ele deduziu, poetas, professores ou alunos 
do Ginásio do Estado – que era uma espécie de chave do céu para 
os rapazes e moças que, na transição de uma monocultura cafeeira 
para uma economia mais industrializada, aspiravam por ascensão 
social. 
Se quisesse, portanto, permanecer mais tempo no local, misturado 
aos leitores intelectuais, teria ao menos que disfarçar. Pegou o 
primeiro livro à sua frente e folheou algumas páginas, mas, logo, 
fechou e o colocou sobre a mesa escura. Voltou o olhar para a capa 
do livro e o título impresso em letras garrafais chamou a sua atenção: 
Grandes Esperanças. O autor era um certo Charles Dickens, um 
famoso desconhecido para o garoto do Desemboque. 
Decidido que estava a parecer, ao menos aos olhos dos que ali 
estavam, um leitor de verdade, tinha que se esforçar mais. Num 
gesto largo e pausado, sentiu-se no meio de um palco no circo, 
vivendo a vida de outro personagem, como tantas vezes sua mãe 
fizera. Olhou, atentamente, as letras miúdas, franziu a testa e fingiu 
concentração. Só conseguiu relaxar minutos mais tarde, quando, ao 
41 
 
tatear uma vez mais a brochura e, finalmente, abri-la, deixou-se levar 
pela narrativa vibrante. 
Ao contrário do que esperava, sorvera com certo gosto as páginas 
iniciais. Aventurou-se por mais algumas e, sem que se desse conta, 
fora, repentinamente, abduzido por aquela história, e totalmente 
absorto pela leitura. 
Já não conseguia mais desgrudar os olhos do livro. E tampouco se 
preocupava em disfarçar; agora, já devorava uma página após a 
outra, e tudo, num fôlego só, vivenciando um terrível conflito 
íntimo. Ao mesmo tempo em que desejava, ardentemente, chegar à 
última página do livro, já sofria com a possibilidade de fim daquela 
história. 
Ari, definitivamente, fora fisgado pelos livros. 
Daquele dia em diante, a literatura nunca mais sairia de sua vida. O 
moço estava sempre com um livro nas mãos – eles seriam, por sinal, 
uma companhia constante na vida do caipira recém-chegado à 
cidade. Sua sensação era que, finalmente, encontrara a chave para 
uma vida melhor que tanto procurara em sua vida. 
Em seu primeiro teste para locutor, já em São Paulo, Ariclenes 
tropeçou no sotaque caipira. Mas não desistiu, arrumou um 
emprego de contínuo na Rádio Difusora e seguiu adiante. Logo 
depois, foi promovido a sonoplasta. Na primeira oportunidade, 
conseguiu um papel para uma ponta numa radionovela. Nunca mais 
parou. 
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Meio século depois, e agora famoso, sob o pseudônimo de Lima 
Duarte, um dos maiores nomes da dramaturgia brasileira de todos 
os tempos (afinal, como ele dizia, Ariclenes Venâncio não era nome 
de artista que se prezasse), o menino do Desemboque está mais 
convencido do que nunca que foram os livros a sua tábua da 
salvação. 
— Antes dos livros entrarem na minha vida – ele se diverte, com o 
sotaque ainda inconfundível – eu não passava era de um anarfa... 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Amyr e o mar 
 
mbora vivesse não muito longe do Atlântico, Amyr 
morria de medo do mar. Era um trauma de infância. 
Ainda pequeno, estava com o pai e os irmãos na praia 
quando foi derrubado por uma onda forte, algo que acontece com, 
basicamente, todo mundo que vai à praia quando criança. Porém, o 
que em alguns resvalam, em outros fere fundo. 
O caso é que, mesmo adulto, ele teve muitas dificuldades para 
superar aquilo. Por isso, arriscar-se além da beira-mar não era, 
exatamente, sua diversão predileta. 
Quando terminou a faculdade de economia, Amyr optou por fincar 
mais os pés em terra firme, tomando a decisão de administrar a 
E 
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fazenda da família e lidar com gado e leite. Tudo que desejava era 
ter um chão seguro e palpável. 
Mas os livros fariam esse Amyr, já adulto e recém-saído da 
faculdade, a reaprender a gostar do mar, rendendo-se à possibilidade 
infindável de aventuras oferecida tanto pela imensidão da literatura 
quanto a dos oceanos. As histórias fascinantes sobre marujos, 
navios e ilhas perdidas ajudaram a trazer de volta aquele menino que 
se assustara com as ondas. 
Uma dessas histórias que o encantaram foi A Expedição Kon-Tiki, do 
antropólogo norueguês Thor Heyerdahl, que navegou do Peru à 
Polinésia, numa jangada construída por nativos, para provar que 
civilizações sul-americanas podiam muito bem ter cruzado mares 
para povoar as ilhas do Pacífico. Também ficou fascinado pelas 
aventuras de O Último Lugar da Terra, de Roland Huntford, sobre a 
disputa, no século passado, entre exploradores ingleses e 
noruegueses pelo Polo Sul. E se maravilhou com os poemas do 
poeta Fernando Pessoa, um de seus prediletos, que vivia a soprar 
em seu ouvido que, sim, navegar era preciso. 
Mas o que o faria voltar de corpo e alma para o mar, que não 
desistira dele, foi O Grande Inverno, escrito por um casal de 
aventureiros que ele conhecera em uma de suas férias em Parati. 
Sally e Jérôme Poncet viviam uma vida modesta e sem grandes 
solavancos num barco velho e enferrujado, no qual haviam 
45 
 
compartido uma inédita viagem ao território desconhecido e gelado 
da Antártica. 
A história nem era tão espetacular assim e, de certo modo, até 
desmistificava um pouco a ideia de grandes epopeias vivenciadas 
por aventureiros em alto-mar. Era tão somente um singelo, porém 
apaixonado e poético relato sobre a experiência do casal francês. 
Durante a viagem, Sally engravidou em pleno inverno polar e 
decidiu ter o filho lá mesmo, naentão desabitada e inóspita Geórgia 
do Sul. 
Ao chegar à última página, Amyr sabia exatamente o que faria da 
vida dali em diante: seria um navegador. Ele começou a se preparar 
lendo mais relatos de navegação e manuais, e passou a se dedicar 
mais aos treinos da sua equipe de remo do Espéria, clube da elite 
paulistana. O passo seguinte foi comprar uma canoa e, em seguida, 
um barco a remo. Com o tempo, passou a construir os próprios 
barcos. 
Não tardou para Amyr Khan Klink, filho de um imigrante libanês e 
uma artista plástica sueca, tornar-se um dos grandes heróis nacionais 
dos nossos tempos. Sua primeira grande proeza foi atravessar o 
litoral brasileiro numa pequena canoa. Em seguida, cruzou, solitário, 
desde a África, o Oceano Atlântico a remo. Depois disso, 
circunavegou o globo, perfazendo mais de 400 mil quilômetros nos 
mares. 
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Bom leitor e excelente contador de histórias, Amyr aproveita, entre 
uma e outra aventura, para escrever os próprios livros. Assim nasceu 
Cem Dias entre o Céu e o Mar, um deles, que já vendeu meio milhão de 
cópias. 
Cada vez que ele vai se lançar numa nova aventura, Amyr Klink se 
planeja bem e, antes de zarpar, toma todas as providências e 
precauções. Como é indicado nesses casos, leva só o essencial para 
suas temporadas sozinho em alto mar – sendo que algumas podem 
durar mais de ano. Algo que não pode faltar na sua listinha de 
prioridades: os livros. Numa das viagens, Amyr carregou nada 
menos do que meia tonelada deles. 
Afinal, diz Amyr, fazendo troça do trauma que o afastou dos mares, 
não fossem os livros ele estaria hoje com cracas nas canelas de tanto 
andar à beira-mar. Foram os livros, ele assegura, que deram um 
sentido novo para a sua vida. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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O livro dos livros 
 
ma é Maria das Graças. Outra é Maria Augusta. A 
terceira delas atende pelo nome de Joanice. Todas elas 
estão com os filhos criados e frequentam a mesma igreja 
na periferia de Belo Horizonte, a capital mineira. Tal como as outras 
mulheres da mesma faixa etária com quem elas convivem no dia a 
dia, as três levam, mesmo em uma grande cidade, uma vida pacata. 
Também em comum entre as três há o fato de que, só agora, já na 
idade madura, é que estão tendo, pela primeira vez na vida, contato 
com as letras e com os livros. 
As duas Marias mais Joanice se conheceram lá mesmo, na igreja do 
bairro. Apesar de trajetórias de vida distintas, as três mulheres 
partilham, atualmente, de um mesmo sonho: elas estão ansiosas para 
U 
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conseguir ler o seu primeiro livro, o primeiro desde que se 
conhecem por gente. 
Mas, para elas, não vale um livro qualquer. As três foram fisgadas, a 
essa altura da vida, para frequentar a escola de jovens e adultos por 
causa do sonho por elas compartilhado de conseguirem, sozinhas, 
ler a bíblia. 
Até então, só tomavam conhecimento das belas passagens do 
Evangelho, que tanto faziam bem para seu estado de espírito, 
durante as preleções. A intenção delas, desde o início, era aprender 
a ler para, assim, tentar abrir um canal direto com Deus e, com isso, 
receber a palavra diretamente, a qualquer hora do dia ou da noite e, 
sobretudo, em horas de necessidade. 
Dona Joanice Gomes de Oliveira, 62 anos, já se dá por contente se, 
um dia, conseguir ler, sozinha, um salmo inteiro. Antes de começar 
a ir à escola, ela chegava a decorar trechos inteiros da bíblia, para 
poder recorrer nas horas de precisão. Dona Joanice já foi cozinheira, 
faxineira, lavadeira e servente, entre outras coisas. Ela criou cinco 
filhos, dois dos quais foram adotados, todos os cinco alfabetizados, 
e garante que, agora, não desperdiçará a oportunidade de se 
alfabetizar e ler, ela própria, os livros que desejar. 
A história dela não é muito diferente das histórias de outras 
mulheres do Alto Vera Cruz, bairro da periferia de BH. Dona Maria 
das Graças da Silva, dois anos mais velha e mãe de dezenove filhos, 
dez dos quais, ainda vivos, tem uma história prosaica. Ela não se 
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alfabetizou porque era proibida pelo pai de ir à escola em Jequeri, 
na Zona da Mata mineira, para que não ficasse uma moça 
“assanhada” e “namoradeira”. 
— Nunca tive tempo pros cadernos... – ela diz, lembrando que, ao 
constituir a própria família, a prioridade, então, passou a ser botar 
comida na boca da filharada. 
Só bem mais tarde, Dona Maria das Graças desconfiou que, se não 
soubesse ler e escrever, jamais conseguiria ir muito longe. 
— Não há nada pior do que não saber ler – ela atesta. — Eu, mesma, 
nunca pude ir sozinha aos lugares por não saber o preço das coisas 
e nem conseguir tomar um ônibus. 
O mundo, ela desconfia, funciona com códigos: 
— E eu não conseguia decifrar nada daquilo... 
A vizinha, Dona Maria Augusta Souza, 79 anos, dá o tom: 
— Até que analfabeto acha emprego. Mas pode ver que é faxineira, 
lavadeira, servente de pedreiro. Passa muita humilhação e ganha 
muito pouco. Para quem não sabe ler, está tudo fechado. 
Depois da bíblia, as futuras leitoras prometem não parar por aí e já 
ficam imaginando o que vão encontrar em outros livros. 
Em países de tradição cristã, a leitura da bíblia costuma ser uma 
porta de entrada para muitos não leitores ao mundo da palavra 
escrita. Ela é o livro mais lido e o mais relido do Brasil, além de ser, 
segundo os leitores, o que mais mexeu com as suas vidas. Até entre 
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quem nunca leu um livro inteiro, muita gente tem o costume de ao 
menos dar uma espiada nos versículos de vez em quando. 
É provável que boa parte dos neoleitores da bíblia nunca irá além 
de uns pequenos trechos do livro sagrado na hora de dormir ou ao 
acordar. E isso bastará a eles. O que não deixa de ser, uma 
experiência concreta com as práticas leitoras. Haverá, entretanto, 
outro grupo de leitores que, após algum tempo, já não se contentará 
só com esse tipo de leitura e partirá para outros, o segmento mais 
ampliado de livros religiosos, e, na sequência, é possível, outros 
gêneros. Alguns entre eles talvez se convertam em textos literários. 
Uma só ovelha trazida para o seio do rebanho universal dos leitores 
já vale muito a pena. Muito porque serão essas mesmas ovelhas – 
que podem atender por nomes como Maria das Graças, Maria 
Augusta ou Joanice – que vão ajudar, mais tarde, a semear para 
outros rebanhos a boa nova dos livros. E, com eles, a vitória da luz, 
do conhecimento e da razão sobre o obscurantismo e a ignorância 
das trevas. 
 
 
 
 
 
 
 
51 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O livreiro que não sabia ler 
 
m um ano comum, Seu Leonídio costuma ler, por 
baixo, quarenta livros. Ele lê diferentes gêneros literários, 
e, praticamente, ao mesmo tempo. Leitor compulsivo 
confesso, admite que não sabe direito o que fazer se não há um livro 
por perto e ao alcance da sua mão, seja no carro, ao lado da cama 
ou no banheiro da casa. 
Mas nem sempre foi assim. 
A aventura literária de Seu Leonídio só começou em seus 20 anos 
de idade. Antes disso, ele era analfabeto de pai e mãe, mas nem por 
isso vivia longe dos livros. Muito tempo antes de conseguir decifrar 
uma só letra do alfabeto, Seu Leonídio já era, creia, um livreiro. 
Como vendedor de livros que batia de porta em porta, atrás dos 
E 
52 
 
compradores, ele tinha uma freguesia fixa e era o livreiro de 
confiança de muita gente. 
Portanto, primeiro, ele estabeleceu, ainda que não soubesse ler e 
escrever, uma intimidade improvável com os livros e seus autores. 
Só muito depois é que conseguiu a habilidade necessária para poder 
decifrá-los e compreendê-los. 
No Brasil de meados do século XX, quando o analfabetismo ainda 
era muito alto no País, se comparado a bons indicadores 
internacionais, este homem saía à caça de freguês a freguês, 
estivessem onde estivessem. Vendia nas ruas, nas casas, permanecia 
plantado nas portas de fábricas e escritórios, e nos mais inesperados 
lugares, desde que,ali, pudesse existir algum comprador de livro em 
potencial. De livro em livro, ele vendeu, ao longo da vida, milhões 
deles. 
Mais tarde, já alfabetizado, chefiou pequenas legiões de vendedores 
porta a porta e, como editor, publicou perto de dois mil títulos. 
Não é pouco, principalmente para esse alagoano de Arapiraca, que, 
decidido a mudar de vida, correu atrás de um futuro igualmente 
incerto na cidade grande. Ele começou fazendo pequenos bicos em 
São Paulo, onde seu primeiro emprego foi de faxineiro. Nos 
corredores da pensão onde foi viver, nos arredores da Praça João 
Mendes, no centro de São Paulo, o rapaz moreno de porte atlético 
conheceu alguns vendedores de livro. 
53 
 
O moço, logo, encantou-se com os relatos apaixonados e, em 
especial, com os causos hilários que aconteciam no dia a dia dos 
vendedores de livros, as suas divertidas e inesperadas situações no 
trabalho. Aqueles homens saíam cedo da pensão e batiam de casa 
em casa para oferecer livros a quem não tinha tempo, gosto, 
dinheiro ou mesmo que não sentia a menor necessidade de ir a uma 
livraria. 
Embora não conseguisse decifrar uma só palavra estampada nos 
livros que deveria vender, o novo e promissor vendedor se animou 
com o desafio e, em pouco tempo, sentia-se como um veterano do 
ramo. Para que não percebessem que o homem que vendia livros 
não tinha a menor ideia do conteúdo do produto que tentava 
empurrar aos outros, Leonídio tinha suas próprias artimanhas. 
Ele decorava o título, o autor e o resumo da capa e da contracapa, 
que algum colega lia para ele, e surpreendia a clientela declamando, 
em alto e bom som, as informações principais. Com graça e estilo, 
estabelecia de cara uma empatia com o freguês, aproveitando para 
fugir de eventuais saias justas. Não tinha erro: tirava um pedido atrás 
do outro – que ele pedia para o próprio cliente preencher, como 
uma cortesia do seu vendedor. 
Os truques de venda e o talento nato para o ofício ele aprendera nos 
idos tempos em que vendia galinhas vivas, que carregava 
dependuradas em pedaços de pau sobre os ombros. Lidar com 
livros, ele racionou com a astúcia de vendedor, certamente, seria 
54 
 
muito mais fácil, já que eles sequer faziam barulho e tampouco se 
alvoroçavam. 
Um dia, contudo, um dos clientes percebeu que o vendedor 
inventava sempre uma desculpa diferente na hora de preencher os 
pedidos. Ele não deveria saber ler, desconfiou o homem, um 
advogado, que acabaria por convencer Leonídio que nunca é tarde 
para ir à escola. 
Turrão como ele só, Leonídio, que sempre havia sido autodidata, 
decidiu que faria do seu jeito. Acabou se alfabetizando sozinho, 
enquanto lia placas de rua, reclames na TV e as capas dos livros que 
vendia. Quando já casado e pai de seis filhos, fez questão de que 
todos eles tirassem o diploma da faculdade. Depois que descobriu a 
escrita e a leitura, jamais deixaria de transmitir, à filharada o valor da 
escola. 
Com o dinheiro que juntou vendendo livros, Leonídio comprou um 
prédio de apartamentos inteiro na Aclimação, bairro paulistano de 
classe média, e trouxe todos os parentes de Alagoas para morar 
perto dele. Foi lá que ele montou sua primeira editora. 
Se o assunto é livro, Leonídio Balbino, o livreiro que não sabia ler, 
transforma-se. Ele pode falar por horas a fio, sem se cansar, até 
convencer seu interlocutor por que ler livros é mesmo tão 
imprescindível e pode, realmente, melhorar a vida das pessoas. 
Se lhe dão trela, ele repete, à exaustão, sempre com gestos largos, 
sua ladainha predileta: 
55 
 
— Tem que ler, tem que ler, tem que ler... 
No livro autobiográfico que escreveu para narrar sua história, O 
Operário do Livro, Seu Leonídio, que se tornou cidadão honorário do 
Rio e de São Paulo, não deixa de relatar os momentos dramáticos 
que passou pela vida. Porém, otimista de plantão que é, Leonídio 
Balbino gosta de contar que chegou aonde chegou graças a uma feliz 
combinação de três coisas: uma vontade incrível de viver, a 
confiança em si próprio e, naturalmente, os livros. 
 
56 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Livro de “um reais” 
 
unca soube o nome dela. E as chances de voltar a 
encontrá-la, algum dia, são bem remotas. De seu rosto 
magro, contudo, não há como esquecer. E menos ainda 
de seus olhos negros e redondos que não pediam, mas, com 
determinação, praticamente exigiam. Não era para ela, fizera questão 
de explicar. Era para o filho, que ainda não estava na escola. 
Não queria esmola. Só desejava comprar um livro, com o mísero 
dinheiro que dispunha no momento. 
Apesar de não tê-la encontrado novamente; durante anos, a imagem 
dessa mulher reapareceria para mim outras vezes. Como nas 
ocasiões em que eu precisava falar em público, para membros do 
governo ou representantes do mercado editorial, como os livros e a 
N 
57 
 
leitura podem mexer com a vida das pessoas e, portanto, sobre a 
necessidade de se garantir o acesso a eles, seja gratuitamente ou 
pagando por preços acessíveis. 
A mulher desconhecida – que seguirá anônima, para mim, e, talvez, 
sempre invisível, aos olhos do Estado e da própria sociedade –
certamente teria muito a dizer sobre isso. 
Era uma manhã fria de agosto, primeiro dia da Feira Nacional do 
Livro de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. O caso se deu lá, mas 
poderia ter sido em qualquer outro lugar. Importantes editores, 
livreiros e escritores estavam na cidade. Muitos deles haviam 
cruzado o país só para isso. Nos dias seguintes, aproveitariam os 
holofotes para falar da função social da leitura e o quão importante 
é tornar o Brasil um lugar de leitores. 
A mulher surgiu do nada, quando ainda restavam boas horas para a 
cerimônia de abertura e início da programação farta – com 
escritores, venda de livros, cinema, teatro, exposições e outras artes, 
com a literatura como um fio a conectá-los. Ela, calmamente, 
estacionou o carrinho de mão no meio fio e, mesmo maltrapilha, 
não se intimidou diante dos homens de terno e gravata, que 
discutiam com entusiasmo sobre livros. 
Sem cerimônia, a catadora de papelão enfiou uma das mãos por 
dentro o vestido, na altura dos seios, e exibiu a cédula de R$ 1,00, 
que parecia ser tudo o que tinha naquela hora do dia. Talvez fosse 
mais sensato trocar por pães amanhecidos na padaria da esquina ou 
58 
 
inteirar para levar um litro de leite para casa no final da jornada. Mas, 
não. A mulher caminhou resoluta, na direção dos negociantes de 
livros, sabendo o que seria. Sem dirigir a palavra a nenhum deles em 
especial, lascou: 
— Tem aí livro de “um reais”?! – ela esclareceu, – É pro meu filho, 
que tá na idade de ir pra escola. Quero dar um livro a ele para que 
seja alguém na vida. 
A fala pungente calou fundo naqueles homens dos livros. Embora 
o Brasil esteja entre os dez maiores produtores de livros do mundo, 
o acesso a eles no País consegue ser ainda pior do que a desigualdade 
social. Só uma em cada oito pessoas compra livros. 
Mais e mais pessoas, nos dias atuais, reconhecem a função social e 
transformadora da leitura na sociedade. E a julgar pela fala simples, 
mas poderosa, dessa catadora de papel, é possível supor que a 
relevância da leitura também cresce, e, aos poucos, se consolida, no 
imaginário popular. 
Nesse caso, embora analfabeta, o que ela mesma afirmaria, a mulher 
intuiu que poderia estar ali, em meio aos livros, a chave do futuro 
para seu menino. Do contrário, a continuar apartado do acesso à 
educação e ao conhecimento – materializado diante dela na forma 
de livros –, deveria engrossar a lista de candidatos a engordar as 
estatísticas oficiais sobre miséria, desemprego, fome e violência. 
Mas para a catadora de papelão atrás de um livro com preço 
compatível ao seu bolso, um livro tem um significado que vai além 
59 
 
do objeto que seus olhos veem. Porque não se resume ao maço de 
papéis costurados e manchado com tinta, que, a rigor, ele é. O quea mãe catadora vê é um sonho, um futuro e oportunidades que ela 
e o pai da criança, provavelmente, nunca tiveram. Talvez um 
emprego com carteira assinada, duas ou três refeições no dia e 
alguma dignidade na vida. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
60 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A bola e o livro 
 
dward estava, porque estava, convencido de que, 
no futuro, ainda ganharia a vida correndo atrás de uma 
bola: queria ser jogador de futebol profissional. Após uma 
meteórica estreia no seu glorioso Mirassol Futebol Clube, orgulho 
da cidade, ele, em seus sonhos infantis, jogaria, em seguida, em um 
dos times grandes do Rio ou de São Paulo para, então, partir direto 
para a seleção, como um ídolo festejado do escrete nacional. 
Naqueles tempos, meados do século passado, jogar no exterior era 
algo absolutamente fora de questão. 
Era este o sonho de Edward e de milhões de outros garotos, fossem 
pobres ou fossem ricos, no futuro País do Futebol. Era difícil 
E 
61 
 
encontrar algum que não almejasse ganhar fama e glória nos 
estádios. 
No caso de Edward não seria exatamente por falta de treino ou 
dedicação diária que esse sonho deixaria de se realizar. Afinal, todo 
santo dia, ele e um punhado de amigos praticavam, em renhidas 
peladas de rua nos campinhos de terra de Mirassol, interior de São 
Paulo, o esporte bretão que, supunham, deveria alçá-los ao estrelato. 
Edward não estava de todo enganado. 
Uma bola de futebol estava, de fato, entre ele e seu destino. Não era, 
contudo, exatamente como sonhara. 
Certo dia, Edward participava de um concorridíssimo racha no pátio 
da escola. De repente, um colega de time deu um tremendo chutão 
que fez com que a bola fosse parar lá longe. O craque, naquele 
instante envergando a gloriosa farda do Grupo Escolar de Mirassol, 
na plenitude de seus não mais do que oito anos de idade, foi, 
prontamente, escalado para resgatar a pelota, que, desgraçadamente, 
enfiara-se por uma maldita janela aberta. 
O mundo era mesmo injusto. Era sempre a mesma coisa: os grandes 
mandavam e aos menores não cabia outra coisa senão obedecer. 
Convertido, momentaneamente, em gandula oficial da peleja, lá foi 
o candidato a futuro atleta atrás de localizar o paradeiro da preciosa. 
Mas alguma coisa do outro lado da parede chamou a atenção do 
menino. Edward se intrigou diante do cenário inesperado: jamais 
vira tantos livros juntos! 
62 
 
Do outro lado da janela, funcionava a biblioteca da escola que, justo 
naquela manhã, recebera um acervo novo de livros. Eram livros de 
literatura para crianças. 
O pequeno Edward pegou um deles nas mãos – A Banana que Comeu 
o Macaco, ele jamais se esqueceria – e se deixou levar pela história, 
que leu até o fim. Ele nunca voltou para retomar aquele jogo de 
futebol. 
Nos trezentos e sessenta e cinco dias seguintes, Edward 
contabilizaria nada menos do que duzentos e cinquenta livros lidos 
– para se ter uma ideia, basta dizer que só em 2017 a média anual de 
livros lidos por brasileiro chegaria a cinco livros por habitante/ano. 
O menino parecia mais uma máquina leitora! 
Como o Edward manuseava com rara habilidade a arte das palavras, 
um professor inscreveu, sem que ele soubesse, sua redação escolar 
em um concurso estadual. A notícia fez o menino pular de alegria: 
ele fora classificado em primeiro lugar! 
Enquanto abiscoitava um prêmio aqui e outro acolá, o agora 
rapazote passou a faturar uns trocados com a habilidade 
recentemente conquistada. 
Sua intimidade com os livros ficaria patente ao prestar concurso 
público para o Banco do Brasil, posto cobiçadíssimo por legiões de 
jovens atrás de carreira estável e do status conferido pelo cargo. A 
primeira notícia não fora nada boa: havia tirado um baita zero em 
Contabilidade. Só que, ao ver as outras notas, a surpresa: dez nas 
63 
 
demais disciplinas. Na hora H, o costume de ler bons livros o 
ajudara a conquistar o emprego. 
Noutra ocasião, o jovem corrigiu, durante uma aula, e sem grandes 
pretensões, a professora do cursinho preparatório. Sua 
argumentação fora tão consistente que a escola resolveu contratá-lo 
no lugar dela. Mais uma vez, os livros dariam um empurrão em sua 
vida. 
Mais tarde, já na faculdade, preocupado que estava com as 
dificuldades para acompanhar as aulas de latim, Edward foi a um 
sebo atrás de livros usados para aprimorar seus conhecimentos no 
idioma. Fez resumos primorosos para cada livro que lia. Ele sequer 
desconfiava, mas acabara de escrever o manuscrito do seu primeiro 
livro, um dos muitos que publicaria pela vida afora. 
Com o tempo, Edward Lopes se tornou um dos mais brilhantes 
linguistas do País e, hoje em dia, não há estudante de Letras que não 
tenha recorrido a uma de suas obras sobre semiótica e linguística. 
Quem sabe o escrete canarinho não perdeu um grande talento com 
a bola nos pés. Não sei. Mas, com certeza, o Brasil ganhou um 
tremendo talento das letras. Que, longe das quatro linhas do 
gramado, tem ajudado a formar várias gerações de mestres que, eles 
próprios, igualmente craques das palavras, têm, por sua vez, 
despertado o gosto de ler, a cada ano letivo, em milhões de novos 
leitores verde-amarelos. 
O País da bola carece e agradece. 
64 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Lições de Dona Maria 
 
or que, afinal de contas, as pessoas leem e escrevem? 
E por que é absolutamente essencial a leitura para se viver 
na sociedade moderna? 
As respostas a estas perguntas costumam variar de acordo com o 
interlocutor e suas áreas do saber. Todas, entretanto, remetem a uma 
questão central: a necessidade imperiosa que temos de nos 
comunicar uns com os outros, de compreender coisas e de nos fazer 
entendidos. 
Também nos ensinam que saber decifrar os códigos – o que 
chamamos de letras e palavras, matéria prima das frases – vai nos 
ajudar de várias maneiras pela vida afora. Ainda nos lembram o 
quanto a invenção dos alfabetos foi fundamental para a estruturação 
P 
65 
 
da humanidade tal qual a conhecemos hoje. E, por fim, que assim 
podemos nos apropriar do conhecimento universal, que é o grande 
legado acumulado através dos tempos pelos homens e mulheres. 
A saudável troca de experiências entre leitores, autores e seus 
personagens, cada qual com sua visão distinta de mundo, que se dá 
no ato de ler, tem o poder de operar em nosso interior reflexões 
surpreendentes. Essa é uma forma de gerar, continuamente, novos 
modos de ver, sentir e compreender as coisas. O que abre, sem 
dúvidas, caminho para atitudes e posicionamentos igualmente 
novos. Sem contar que o exercício de enxergar com os olhos do 
outro é uma forma extraordinária para se gerar mais tolerância, algo, 
evidentemente, indispensável nos processos de paz, mas, na 
verdade, necessário para a vida em sociedade de um modo geral 
Há, enfim, todo tipo de respostas e, provavelmente, todas com boa 
dose de razão. 
Vejamos, agora, o que tem a dizer sobre isso uma mulher 
camponesa de seus 70 anos, mãos calejadas, que duas ou três vezes 
por mês comparece, religiosamente, a uma sala de aula de alvenaria 
improvisada no acanhado salão de reuniões do Horto Guarani, 
perto de Guariba – no interior de São Paulo, epicentro da revolta 
dos boias-frias ocorrida em maio de 1984. Ali, foi instalado o 
primeiro assentamento da reforma agrária no coração da mais 
importante e poderosa região do agronegócio no Brasil. 
66 
 
Dona Maria Terezinha – é este o nome dela – tem uma percepção e 
uma teoria toda própria sobre o tema, que, por mais que se esforce, 
tem certa dificuldade para expressar: a função social da leitura e da 
escrita na vida de gente como ela, que trabalha duro na roça durante 
o dia e, à noite, espreme-se sobre bancos toscos de madeira, 
enquanto o sono permite, para aprender a ler e escrever. 
Sem dominar a capacidade de leitura e escrita, Dona Maria se 
acostumou a recorrer aos rabiscos rudimentares – como nos 
primórdios faziao homem das cavernas – para registrar os relatos 
sobre seu cotidiano e o que vai dentro de sua alma. Em um desses 
desenhos, ela aparece jogando milho para as galinhas no quintal do 
sítio em um dia ensolarado. Em outro, ela está rodeada pela 
parentela, com a natureza exuberante às suas costas em uma ocasião 
que parece ter sido muito especial para ela e sua família. 
Dona Maria também registrou com entusiasmo o dia em que 
participou do mutirão que ergueu a sua primeira casa própria 
naquelas terras devolutas, antes tomadas por eucaliptos, no horto 
localizado no município de Pradópolis. 
Há algumas semanas frequentando a escola noturna do 
assentamento, por ora, Dona Maria mal consegue desenhar o nome. 
Para ela, entretanto, isso já é muito, e ela comemora com um sorriso 
de criança cada nova letra que consegue transpor, na forma de 
garranchos quase ilegíveis, do quadro negro da parede para o 
67 
 
caderno. E ela o faz com a mesma devoção com que faz a oração 
do dia antes de se deitar. 
Para esta mulher camponesa, desenhar o próprio nome já foi uma 
grande vitória. No dia em que ela foi à agência bancária receber a 
aposentadoria, o gerente a convidou para ir até sua mesa. Nessa 
hora, ela se emocionou: seria a primeira vez em sua vida que não 
teria que passar pelo constrangimento de carimbar as digitais e sair 
da agência com os dedos sujos de tinta. 
A felicidade que a mulher septuagenária sentiu naquele momento 
não tem preço! Dona Maria saiu do banco tão leve e confiante que 
encomendou, na mesma hora, uma nova carteira de identidade, na 
qual já não apareceria a expressão que calava tão fundo em seu peito: 
“analfabeta”. 
Mas Dona Maria sabe que é só o começo e que há um longo 
caminho pela frente para que possa adentrar, para valer, no 
complexo universo das letras. Também está consciente de que, 
apesar da idade avançada e da fadiga diária que deixa as vistas mais 
cansadas do que antes, terá que dar duro nas aulas. Mas dar duro no 
batente é algo que, afinal, ela já faz a vida inteira na roça. 
Empurrada por uma força que não sabe dizer de onde vem, essa 
mulher faz questão de registrar no caderno cada nova palavra que 
vê nos livros. Nessas horas, é tomada por uma alegria incomum. 
Ainda assustada diante de tantas sensações desconhecidas, Dona 
Maria Terezinha – mais uma candidata a integrar a legião de 
68 
 
neoleitores que se forma nos assentamentos da reforma agrária nos 
grotões do Brasil – tem um palpite: 
— Acho que é isso que as pessoas da cidade chamam de cidadania 
– ela arrisca, com simplicidade e com o jeito de quem não quer mais 
tirar o pé dessa estrada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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O homem que não vendia livros 
 
onde vai, afinal, aquele homem carregando tantos 
livros debaixo do braço? Ele mal dobrou a esquina e 
aparece, ainda pequenino, lá longe, mas nota-se que ele 
leva uns belos duns livrões sob os braços arqueados. Aos poucos, 
enquanto caminha celeremente, gesticula e parece conversar 
sozinho, sua figura franzina vai tomando corpo na calçada. 
Talvez nem sejam tantos livros assim. Agora que ele está mais perto, 
dá para ver que são enciclopédias, esses livrões danados de pesados, 
que condensam nos volumes, de quem se mete a colecioná-los, toda 
sorte de conhecimento, curiosidades e informações, úteis ou não. 
Parece fazer valer o dito, segundo o qual o conhecimento vale 
quanto pesa. 
A 
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O homem segue, agitado e solitário, em seu caminho sem rumo. Vai 
de casa em casa, bate de porta em porta. Em algumas, toca a 
campainha estridente. Em parte delas, vai dar com o nariz na porta, 
ele sabe disso. Certas residências estarão mesmo vazias, enquanto, 
noutras, os moradores vão fingir que não há ninguém na casa, sua 
estratégia eficaz e mal educada para barrar os inconvenientes. 
Mesmo entre aqueles que vão abrir a porta, suas estatísticas dizem 
que só uma pequena parcela será capaz de fazer ao menos ideia do 
quão importante é o conteúdo contido naqueles livrões. Com sorte, 
no final da jornada, uma parte ínfima dos seus interlocutores terá 
ouvido sua preleção até o fim e, encerrada a ladainha, assinado o 
pedido e preenchido os cheques parcelados. 
Diariamente, o homem repete, à exaustão, seu discurso sobre 
verbetes, personagens, excentricidades e a roda viva da história. 
Quer incutir na cabeça das pessoas por que aquilo tudo tem a ver 
com a sua vida e, sobretudo, com o seu futuro. 
Não é uma tarefa fácil. 
Só que Seu Luciano não leva jeito para vender livros. Pode falar por 
horas a fio com quem quer que seja e der o azar (ou seria sorte?) de 
abrir-lhe a porta. Circunspecto e gestos largos, é de sua natureza 
parlar. Mas nunca teve tino comercial para nada. Contudo, é um 
brilhante vendedor de ideias, como se verá. 
Foi de uma hora para outra que vender livro de porta em porta se 
tornou, pelas circunstâncias, seu ganha-pão. Seu Luciano era um 
71 
 
homem importante, desses que saem muitas vezes nas páginas dos 
jornais, ora escrevendo, ora sendo ele mesmo a própria notícia. 
Jornalista dos bons, foi eleito vereador e deputado, e apareceu já na 
primeira leva dos cassados às vésperas do golpe militar de 1964. 
Tornou-se uma lenda nos movimentos de trabalhadores paulistas 
pelo apoio firme em milhares de greves no estado São Paulo. 
Suas campanhas eram feitas pelos próprios eleitores, que se 
incumbiam até de imprimir seus panfletos e pedir votos por ele, que 
também não levava lá muito jeito para a coisa. Até os adversários se 
deixavam enfeitiçar pela sua pureza e coerência na defesa das ideias, 
com sua invejável eloquência e teimosia calabresas. 
Era justamente nos livros, bem como nos jornais e no próprio 
cotidiano das pessoas mais pobres, que Seu Luciano aprendera tudo 
o que sabia na vida. Filho de calabreses, lia sobre política, lutas do 
proletariado e o que aparecesse pela frente. 
Lia, confabulava com os próprios botões e devolvia tudo, 
devidamente deglutido e processado, em forma de artigos ou 
discursos eloquentes sobre caixotes de madeira. Era assim que o 
homem dos livros cativava amigos e simpatizantes num tempo em 
que não existia cabo eleitoral pago ou campanhas milionárias. 
Proibido de escrever e legislar nos anos de chumbo, Seu Luciano 
chegou a recusar, por questão de princípios, o emprego fajuto que 
lhe arrumaram. Preferia vender livros, que ele considerava um 
trabalho mais digno. Mas não durou muito naquele emprego, já que, 
72 
 
em vez de vender, dava os livros de presente para quem não podia 
pagar. 
Só anos mais tarde, com a redemocratização do País, Seu Luciano 
Lepera voltaria às redações. Comunista das antigas e tão generoso 
quanto teimoso, ele se tornou um mestre, pelo caráter irretocável, 
para várias gerações de jornalistas. Era capaz de tirar a comida da 
boca para dar a alguém que necessitasse mais do que ele. Antes de 
morrer, doou a própria casa, seu único bem material. 
Quem quer que cruzasse seu caminho nunca mais era o mesmo. O 
vendedor que não vendia os livros tinha o poder inexplicável de 
tocar e comover pessoas. Embora ateu, os amigos carolas garantiam 
que o homem dos livros era mais cristão do que qualquer um deles. 
— Ele nem precisa acreditar em Deus, pois Deus acredita nele. 
 
73 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Do outro lado do muro 
 
aíssa é uma guria que acaba de completar três anos. Ela 
nunca saiu dali. Mesmo que quisesse, não teria como. No 
lugar das janelas, há pesadas grades de ferro chumbadas 
na parede, e a porta, que dá acesso ao térreo, permanece o tempo 
todo trancada à chave. 
Há outras gurias na mesma situação. No meio da noite, uma delas 
sempre chora. Se de fome, frio ou medo, não se sabe. 
Na cabecinha daquelas crianças inocentes, privadas da sua liberdade 
desde que vieram ao mundo, lá fora é, de certo modo, um lugar que 
não existe. Parece algo tão incerto quanto pueril, mesmo porquenenhuma delas guarda na memória a lembrança de algum dia ter 
atravessado um daqueles portões gigantes e ir dar na rua. 
R 
74 
 
Jamais puderam contemplar pessoas quaisquer caminhando com 
elas numa calçada ou qualquer outra cena corriqueira que faça parte 
do cotidiano comum das cidades. Esses guris nem desconfiam que, 
do lado de fora dos pavilhões onde vivem, há uma cidade imensa 
banhada pelo rio – com parques, praças, zoológicos, pipoqueiros, 
guloseimas e toda sorte de coisas simples, inocentes e belas que 
tanto fascinam a gurizada. 
Mas, se alguém perguntar a Raíssa ou a outro qualquer um dos filhos 
das mulheres presas no Madre Pelletier, o presídio feminino de 
Porto Alegre, muitos responderão que conhecem tudo isso e muito 
mais. Raíssa nasceu de uma das visitas conjugais mensais que são 
permitidas às presidiárias da instituição e vive lá desde que veio ao 
mundo. 
Ela adora ouvir as fábulas. Parece precisar delas para seguir vivendo 
e sonhando. Conta, com candura, que já esteve em bonitos lugares 
e já conheceu príncipes, dragões e fadas. Descreve, com riqueza de 
detalhes, castelos e reinos maravilhosos, e intercala expressões de 
medo e alívio ao mencionar os monstros e caçadores de bom 
coração que encontrou quando esteve perdida em florestas escuras 
e mágicas. 
Muitas dessas mulheres foram parar na criminalidade por causas de 
seus maridos, que continuaram lá fora. Com suas mães, esses filhos 
do cárcere vivem quase o tempo todo atrás das grades. Foi no 
75 
 
presídio que deram os primeiros passos e pronunciaram as primeiras 
palavras. 
Sua ligação com a vida lá fora se dá quase que só pelos livros. 
É nas histórias que descobrem o mundo externo e criam suas 
fantasias, diz uma das voluntárias do Liberdade pela Escrita, projeto 
dos alunos de Letras e Pedagogia da UniRitter, uma faculdade local. 
Os estudantes ensinam às mães técnicas da contação de histórias e, 
a partir de crônicas, poemas e do noticiário de jornais, as mulheres 
aprendem a expressar, no papel, suas angústias, dúvidas e 
esperanças. Kelly, que está presa por ter se envolvido com o tráfico 
de drogas, para agradar o namorado traficante, acordou no meio da 
noite e escreveu para Deus sobre o seu desejo de mudar de vida 
quando sair dali, como leu em um livro. Às vezes relatam as 
injustiças e os sofrimentos, e fazem reflexões sobre os erros e a 
própria vida. 
Essas endurecidas mulheres do cárcere estão descobrindo, nos 
livros, um sentido novo para as suas vidas e, principalmente, uma 
perspectiva inédita para suas crianças. 
Elas sabem que não será tão fácil assim, mas contam com a ajuda 
dos livros para tornar sua realidade menos dura, ao menos enquanto 
mergulham em alguma página da literatura. E, talvez, tirar de 
algumas delas força, fé e coragem para seguir adiante. 
 
 
76 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ele é o cara! 
 
lávio é um bom menino. É gentil e educado quando 
fala com as pessoas e, na sala de aula, está sempre atento e 
ligado nas explicações da professora. Ele tem aulas pela 
manhã e à tarde e, para dar conta de tudo, não tem moleza; sua 
rotina diária não é nada fácil. 
Ele pula da cama, todo santo dia, às quatro da manhã. Só, lá, pelas 
oito da noite é que conseguirá voltar para casa. Só nessa hora é que 
vai comer a sua última refeição do dia, descansar um pouco e já 
iniciar os preparativos para a maratona do dia seguinte. O menino 
cumpre essa mesma jornada há anos, com uma disciplina espartana, 
mas bom humor. 
F 
77 
 
Flávio viaja, diariamente, duzentos quilômetros por dia desde São 
Joaquim da Barra, no interior de São Paulo, já quase na divisa com 
Minas. De manhã, ele frequenta a escola municipal Raul Machado, 
em Ribeirão Preto, onde tem aulas regulares. Depois que almoça, 
está matriculado em cursos de canto, informática e atividades 
manuais. O que aparece ele faz, e nunca se queixa. 
Sua agenda diária é típica da garotada de classe média. Por ora, ainda 
não faz ideia do que quer ser quando crescer. Nem é hora disso; 
afinal, ele só tem dez anos. Lá no fundo do peito, guarda seu maior 
segredo: seu sonho é ser cantor de música gospel. 
Duas vezes por mês, Flávio vai com os amigos à biblioteca das duas 
escolas em que está matriculado. Está sempre em busca de algum 
livro diferente. Andou lendo Reinações de Narizinho, de Monteiro 
Lobato, e vários livros do Pedro Bandeira. Ultimamente, anda 
interessadíssimo nos livros para garotos mais velhos, curioso que 
está em desvendar mistérios, nas aventuras para adolescentes sobre 
amizade e, admite ruborizado, em garotas, namoricos e coisa e tal. 
Flávio gosta mesmo de ler. Como a maioria dos meninos da sua 
idade, adora brincar e curtir os amigos, e também dos livros. Ler, 
para ele, é algo muito prazeroso. Diz que aprecia os livros porque 
acha que eles podem ser seu único caminho para ser alguém na vida. 
Simples assim. 
A história de Flávio é, por assim dizer, a história de um menino 
comum, desses que pode se encontrar por toda parte. O único 
78 
 
detalhe que o diferencia dos outros meninos da sua idade é o jeito 
como esse jovem e convicto leitor lê seus livros. 
Flávio, como a maioria das crianças, gosta muito quando alguém lê 
ou conta uma história para ele. Mas aprecia escolher os próprios 
livros que quer ler e, então, faz isso sozinho. Ele faz isso de algumas 
formas: às vezes, pega um audiolivro e escuta no seu tocador de CD; 
outras vezes, esfrega um dos dedos no papel saliente enquanto vai 
decodificando, palavra a palavra, até formar frases inteiras, graças a 
um sistema que ficou mundialmente conhecido pelo nome de seu 
inventor: Braille. 
Quando está lendo, muitas vezes, Flávio, simplesmente, esquece que 
é cego. As coisas, então, parecem ficar mais claras e ele pode curtir 
a deliciosa sensação de enxergar mais longe. 
Apesar do pouco tempo que sobra na agenda, repleta de atividades, 
e do acesso restrito em função dos ainda modestíssimos acervos de 
livros para pessoas cegas no País, Flávio é o que se chama de bom 
leitor. Ele mantém a média de dezenas de livros lidos por ano e nos 
dá uma lição diária. 
Flávio dos Santos frequenta a escola da Associação dos Deficientes 
Visuais de Ribeirão Preto, uma ONG que faz um bonito trabalho 
com pessoas de baixa visão ou cegas, e mantém uma ativa biblioteca 
para incentivar a leitura entre eles. 
Flávio, o menino que lê com a ponta dos dedos, é mesmo o cara! 
 
79 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Marinheiro só 
 
 mesmo impossível ir a Ilhéus, no litoral da Bahia, e não 
ser arrastado para dentro de uma das histórias incríveis de 
Jorge Amado, filho mais famoso da terra e um dos nossos 
grandes escritores. 
O casario porta-e-janela, os barcos no cais. Em cada canto da cidade 
histórica tem um quê de Gabriela e certo aroma de cravo e canela, 
algum traço firme dos coronéis do cacau ou alguma memória do 
punhado de personagens que, muito antes de seu criador, entraram 
para a imortalidade através das portas da literatura. 
Não distante dali, próximo desse cenário impregnado de histórias 
deliciosas e de cultura, que, para bem além do período representado 
É 
80 
 
pelo autor, remonta à época das capitanias hereditárias e dos tempos 
em que a Bahia era o epicentro do Brasil Colônia, vive Joílson, o 
marinheiro. Ele mais todos os fantasmas saídos, diretamente, das 
páginas e da prosa fácil de Jorge Amado, e que podem atender por 
nomes como Quincas, Vadinho, Nacif ou Flor. 
Tal como o conterrâneo ilustre, Joílson Maia, o marinheiro, cresceu 
entre as fazendas de cacau e as histórias dos coronéis daquelas terras 
do sem fim, cenário e fio condutor de tramas que até hoje atraem 
legiões de turistas ao lugar. Joílson tinha certeza de que não passava 
de um capiau, simplório e ingênuo, quando foi apresentado, pela 
primeira vez, à obra do ídolo. 
Como ele não tinha dinheiro para comprar os livros de Jorge 
Amado, o menino começou a pegaremprestado dos colegas de 
escola. Como precisava devolver no dia seguinte, Joílson passava as 
noites em claro para decorar as histórias favoritas e contar, no outro 
dia, para os irmãos. 
Assim, aos poucos, foi que Joílson tomou gosto pela coisa. 
Mais tarde, quando nasceu seu filho, de nome também Joílson, o 
marinheiro pensou que era chegada a hora de compartilhar com ele 
todas aquelas histórias que tanto o encantavam. Foi assim que ele se 
descobriu um contador de histórias. 
Joílson se arriscou, então, a escrever as próprias histórias. Já 
publicou dez livros, entre os infantis e os romances. O Dia da Gota 
D’Água e Memórias Sofridas são dois desses, que Joílson gosta de 
81 
 
contar aos passageiros da balsa que faz a travessia entre o continente 
e a Ilha de Comandatuba. 
Personagens e cenário não faltam por ali. E mestres que, no seu 
caso, foi, ao vivo e a cores, o próprio autor de Terras do Sem Fim: 
— Jorge Amado, um dia, me contou que sempre começava uma 
história tendo na cabeça um personagem real de Ilhéus – Joílson 
garante que a receita é infalível. — Está cheio de personagens de 
livro andando nas ruas por aí. 
Leitor formado na lida e, hoje, também um escritor das terras do 
sem-fim, Joílson, o marinheiro, sonha ir mais longe: planeja escrever 
outros livros sobre a sua Bahia e, quem sabe, um dia, participar de 
lançamentos e sessões de autógrafos numa Bienal do Livro, no Rio 
ou em São Paulo. 
A julgar pelas boas histórias e ricas personagens que têm saído, por 
décadas a fio, de Ilhéus, inspiração é que não vai faltar. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
82 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Pequenos leitores do sisal 
 
oisés, Laudércio, Antônio Jorge. São nomes de 
crianças comuns, dessas que habitam desde pequenas 
vilas nos grotões do Brasil até as periferias das grandes 
cidades. Vivendo em habitações precárias e quase nenhuma 
condição sanitária, esses meninos e meninas levam uma vida simples 
e sem grandes preocupações quanto ao futuro. 
Por toda parte, país afora, crianças nessa idade costumam, seja lá 
como for, brincar numa parte do seu dia, enquanto, na outra, vão à 
escola, a fim de aprender a ler e a escrever. Mas, nesse caso dos três 
acima, como de tantos outros do Nordeste brasileiro, não era 
exatamente assim. 
M 
83 
 
Moisés, Laudércio e Antônio Jorge tiveram que partir cedo para a 
labuta diária nas plantações de sisal nos arredores de Retirolândia, 
no sertão da Bahia. Ainda pequenos, acostumaram-se com os pais a 
ouvir que ler, escrever e brincar era um luxo só para os filhos da 
gente rica da cidade. 
Isso faria de Antônio Jorge uma criança triste. Os folguedos e os 
cadernos nunca fizeram parte da sua infância ou sequer do seu 
vocabulário infantil. Ele se punha de pé, ainda escuro, para se 
aprontar e passar as horas seguintes, até o entardecer, ao lado do 
pai, ceifando a palha do sisal. Tirar os espinhos que costumam 
deixar cortes profundos na pele era, por assim dizer, o que mais se 
aproximava de uma distração. 
Para meninos como eles, havia muito pouco a esperar dessa vida. O 
jeito, para ele e os outros, era simplesmente se resignar, aceitando 
como absolutamente normal o fato de que, aos sete ou oito anos de 
idade, tinham às mãos uma foice, em vez de lápis e caderno. 
Mas essa era, afinal, a vida deles. E parecia que estavam condenados 
a viver sempre assim. 
No dia em que funcionários do governo chegaram avisando que 
criança não podia mais trabalhar foi um “Deus nos acuda” por lá. A 
revolta tomou conta da cidade. A pergunta que se faziam era uma 
só: “Como é que aquela meninada endiabrada e embrutecida poderia 
aprender a ser alguém na vida sem o santo remédio do trabalho?”. 
84 
 
Para quem empregava, era o fim da mão de obra farta e barata. Mas 
pais e mães também estavam horrorizados, sem compreender, a 
princípio, que haveria outras alternativas de vida fora daquela rotina 
que conheciam desde sempre. 
A situação só aliviou um pouco quando as famílias souberam que, 
em troca, passariam a receber uma ajuda do governo para 
compensar o dinheiro que as crianças deixariam de ganhar na roça. 
Só teriam que ser matriculadas e frequentar, comprovadamente, a 
escola. 
Mas para aquelas crianças a mudança também não seria tranquila. 
Após uma infância inteira longe dos cadernos e dos livros, ter que ir 
à escola para aprender lições que pareciam muito complicadas de se 
entrar na cabeça já seria, apesar da pouca idade, algo difícil e 
desafiador 
Alguém teve, então, uma feliz ideia: talvez conseguissem 
compreender mais facilmente se, antes do próprio bê-á-bá das 
cartilhas, começassem ouvindo as histórias contidas nos livros. 
Os baús para acomodar os primeiros livros foram construídos com 
o mesmo sisal que, até então, era o grande responsável por afastar 
aquelas crianças da escola. O plano deu certo, e, aos poucos, aqueles 
meninos cuja infância e direito de aprender a ler e a escrever lhes 
eram negados; agora, já aprendiam e se divertiam com o novo 
conhecimento que chegava cada vez que um livro era aberto. 
85 
 
Nos quinze anos vividos no meio do mato, Antônio Jorge Santiago 
jamais imaginara que pudesse existir tanta coisa assim como, agora, 
ele descobria a cada página virada. Seu depoimento é um tiro 
certeiro: 
— Descobri um mundo novo dentro desses baús – diz, com 
emoção. 
Laudércio Carneiro, o amigo, se convenceu de que não é certo 
obrigar criança a trabalhar em vez de ir à escola: 
— Foram os livros que me tornaram gente – ele diz, com orgulho 
incontido. 
Moisés, ou Moca para os amigos, era um menino muito tímido. 
Envergonhado, não abria a boca para nada. No dia em que Ana 
Paula, a professora, o chamou para ler na frente de todos, ele 
simplesmente foi tomado pelo pavor. Suava frio. Percebendo sua 
dificuldade, ela deu, literalmente, empurrão em suas costas – na 
verdade, um toque sutil e carinhoso, que foi a maneira que 
encontrou para incentivá-lo. 
Moca leu o texto sem gaguejar e descobriu que gostava disso mais 
do que supunha. Desde então se soltou e tornou-se mais falante. 
Acabou se elegendo presidente do grêmio escolar e virou o líder da 
turma. 
Aos poucos, os livros vêm operando pequenos milagres na vida dos 
meninos trabalhadores do sisal. O Movimento de Organização 
Comunitária já contabiliza mais de 700 desses Baús da Leitura 
86 
 
espalhados pelas cidades da zona sisaleira da Bahia. Adilson 
Baptista, um dos líderes, diz que a literatura aproxima os jovens 
locais de outros que vivem em outras partes do mundo. Sem os 
livros, afirma ele, uns jamais conheceriam a realidade dos outros. 
— Uma pessoa que não lê vive isolada do mundo – Adilson vive 
repetindo, – os livros podem servir de elo entre as pessoas, 
independente de onde elas estiverem. 
 
87 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
No profundo mar azul 
 
esde pequena, Ângela acalentou o sonho de ser 
professora. Ela sempre se interessou em conhecer 
coisas novas e cresceu achando natural compartilhar 
aquilo que aprendia com as outras pessoas. 
A menina só não suportava uma coisa: a ideia de crescer ali e se ver 
obrigada a reproduzir a mesma vida da mãe, da avó e das outras 
mulheres da ilha. Mal saíam da puberdade, cumpriam um ritual 
idêntico: namoro (às vezes providenciado pela própria família), 
noivado e, por fim, casamento e filhos. 
Tornavam-se donas de casa e davam à luz ainda jovens, repetindo o 
único ciclo de vida para mulheres que aquelas famílias caiçaras 
D 
88 
 
conheciam de cor e salteado. Muitas delas chegavam à velhice, 
prematuramente, sem sequer terem pisado no continente. 
Esta parecia ser também a sina de Ângela. 
Tal qual as amigas, Ângela, também tinha seus sonhos românticos 
de menina-moça, influenciados, claro, pelos costumes locais. 
Almejava se apaixonar e constituir família. Só que as coisas, dizia 
para si, teriam que acontecer na hora certa e do seu jeito. Porque ela 
também gostava de seimaginar no futuro, trabalhando em algo que 
a realizasse profissionalmente e, ao mesmo tempo, fazendo algo útil 
para sua comunidade. 
Entretanto, a menina sabia que suas chances, vivendo no que ela, às 
vezes, pensava ser um fim de mundo, eram quase zero. E Ângela 
não tinha a menor intenção de abandonar a terra de seus 
antepassados, onde, bem ou mal, estavam seus parentes, amigos e a 
vida que ela conhecia. 
Na praia da Longa, um dos vilarejos que compõem a Ilha Grande, 
no litoral do Rio de Janeiro, luz elétrica era um luxo distante, que só 
demoraria alguns anos para chegar, a reboque do programa Luz para 
Todos. 
Adentrar ao universo da informação e do conhecimento formal era, 
portanto, para ela, como uma corrida de obstáculos. Se biblioteca, 
livraria ou banca de jornal eram inexistentes, o acesso à internet, 
naqueles anos, então, nem pensar. 
89 
 
Para complicar as coisas, os jovens caiçaras que insistiam em estudar 
precisavam se submeter a longas e exaustivas viagens diárias. Dali 
até Araçatiba, onde funcionava a única escola dos arredores, era um 
tempão de barco. Do cais de Santa Luzia, na Baía de Angra dos Reis, 
até Proveta, a última das ilhas, já em mar aberto, consumia-se nada 
menos do que seis horas de barco, entre ida e volta. 
Porém, decidida que estava a correr atrás do sonho de ter uma 
profissão e tomar para si as rédeas de seu destino, Ângela resolveu 
ir à luta. 
Uma ideia simples, que brotou numa conversa entre professores 
incomodados com o desperdício de tempo dos alunos no trajeto até 
a escola, acabaria por colocar no caminho de Ângela tudo aquilo de 
que ela necessitava para seguir adiante em sua jornada. 
Os professores, que vinham de Angra dos Reis para lecionar no 
lugar, resolveram pegar emprestados uns livros da escola e 
improvisaram no convés do barco Três Irmãos Unidos II uma 
pequena biblioteca. Em homenagem a Castro Alves, deram a ela o 
nome de Espumas Flutuantes, título da obra na qual estão alguns 
dos versos mais famosos do poeta baiano. 
Junto à estante de madeira, instalaram o sofá da leitura, para que os 
tão aguardados leitores pudessem ler com algum conforto. 
Não tardou e o barco-biblioteca virou a sensação do lugar. Era lá 
que aconteciam os flertes e namoricos, e onde tinham início relações 
que durariam a vida toda. Também era lá onde se tiravam algumas 
90 
 
das dúvidas escolares e, naturalmente, onde se podia ler e estudar 
tranquilamente e, claro, emprestar livros para levar para casa. 
Ângela bebeu, por anos a fio, daquela fonte. Lá, conheceu os 
romances e viveu aventuras memoráveis da sua adolescência. Era ali 
que fazia amizades e onde se deliciava com os poemas, gênero que 
causaria um impacto profundo em sua existência. 
Estimulada pelas leituras, reflexões e histórias arrebatadoras saídas 
de dentro dos livros, Ângela de Oliveira insistiu até que levou a cabo 
o antigo sonho de ser professora. Continuar a viver em Ilha Grande 
depois de formada foi, portanto, uma escolha pessoal dela, que 
atualmente leciona na mesma escola na qual um dia estudou. 
Ângela sabe que agora é a sua vez de inocular em seus meninos e 
meninas aquele mesmo vírus bom da leitura que abriu para ela uma 
imensa janela de oportunidades e novas perspectivas de vida, além 
de uma possibilidade concreta de escrever seu próprio destino. Para 
esses brasileiros e brasileiras, Ângela não se cansa de falar sobre sua 
gratidão para os livros, que deram a ela um novo sentido para a sua 
vida. 
 
 
 
 
 
 
91 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A que foi sem nunca ter sido 
 
s bambambãs da leitura costumam dizer, com 
razão, que para formar bons leitores é preciso reunir 
certas condições. A primeira delas, evidentemente, é 
que o sujeito saiba ler e escrever, e tenha habilidade em manejar as 
palavras e entender o sentido do que lê. 
Mas não é só. 
Ajudará muito se esse indivíduo vive num lugar onde há livros, 
jornais, revistas e, de tempos para cá, internet; como também uma 
boa biblioteca e livrarias para que ele tenha acesso à informação e 
ao conhecimento. 
Se o candidato a leitor tiver a sorte de ter nascido numa família 
leitora, onde livros podem ser encontrados em qualquer canto, suas 
O 
92 
 
chances serão, então, muito, muito maiores. Assim como ocorre se 
puder frequentar uma boa escola, com livros e professores que 
gostem de ler e levem seus alunos a fazer o mesmo. 
Em Sertãozinho, na minha infância, não havia livrarias. Cresci numa 
família que não era exatamente de grande tradição leitora. Davam 
duro, de sol a sol, na roça e quase não sobrava tempo para mais 
nada. A mãe que me criou deixara de ir à escola, quando mocinha, 
para ajudar a criar os irmãos menores. 
Ocorre que a mais nova dos seus oito filhos enfiara na cabeça que 
iria estudar, queria ser professora. Cursou, com muito custo, o 
Normal e, ainda bem jovem, foi lecionar numa escola de fazenda. 
Como eu ainda não tinha idade para ir à escola, ela me carregava 
junto. 
Nossa aventura começava muito antes de o sol apontar. O ônibus 
nos deixava na beira da estrada, diante da porteira da propriedade, 
e, de lá, seguíamos de charrete até a sede da Fazenda Palmital, 
famosa pela água mineral deliciosa que jorrava generosamente. 
Era bonito ver aqueles meninos e meninas de variados tamanhos 
chegando com a cartilha debaixo do braço. E a professorinha 
ensinava muito mais que o bê-á-bá. Era lá que eles – que, mais tarde, 
seriam vítimas do êxodo rural – aprendiam a se preparar para a vida 
e conquistar seu lugar ao sol na cidade em que fossem morar. 
Com o mesmo fervor e dedicação com que se entregava às suas 
crianças, ela cuidou de me apresentar aos livros. Quando, mais tarde, 
93 
 
casou e se mudou, levando os livros da casa; passei a visitá-la 
diariamente. 
Eram quilômetros que valiam a pena. Primeiro, ela me enfeitiçou 
com sua coleção de livros de capa dura de Monteiro Lobato. Ao 
chegar ao último volume da estante, começava tudo de novo – só 
muito depois eu descobriria a biblioteca pública. 
Quarenta anos depois e duas aposentadorias nas costas, a 
professorinha segue lecionando. E sempre em alguma escola 
pública, em algum bairro pobre. Não se cansa da missão que têm os 
educadores de verdade de aproximar livros e leitores. Basta que um 
só deles tome gosto pela coisa e seus olhos brilham, como em seu 
primeiro dia no magistério. 
Tenho encontrado por toda parte, e cada vez mais, professorinhas 
semelhantes a ela, que gostam do que fazem e vivem em função de 
tornar os seus meninos e meninas em leitores. Com paixão e uma 
capacidade extraordinária de encantar, elas vêm ajudando a formar 
uma boa geração de brasileirinhos leitores, que certamente serão 
bons cidadãos no futuro. 
O nome dela? Elisabeth de Souza e Silva, a que foi, sem nunca ter 
sido, minha professora de verdade. 
 
 
 
 
94 
 
Parte II 
 
E as pessoas mudam o mundo. 
 
95 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O livreiro do Alemão 
 
távio guarda, até hoje, a estranha sensação de que 
tudo o que ele é ou conseguiu na vida se deve ao 
futebol. Ou, para ser mais específico, a uma pelada de 
futebol, entre as tantas que já jogou nos campos de chão batido do 
subúrbio. No caso, a uma para a qual, a propósito, sequer chegou a 
ser escalado. 
Não, Otávio não foi alçado ao estrelato e à glória no mundo do 
futebol em função de tal peleja, se é isso que você está pensando. 
Tampouco se tornou um boleiro profissional, ainda que fosse um 
desses que, mesmo sem fama nem glória, acabam conseguindo 
juntar uns trocos correndo atrás da bola em algum campeonato da 
O 
96 
 
várzea ou, se der sorte, jogando, ao menos, uma temporada no 
exterior. 
Esse não foi o caso de Otávio. Como a imensa maioria de meninos 
pobres e negros do Brasil, ele também chegou a pensar, um dia, no 
futebol como sua chance de ser “alguém na vida” e, assim, alcançar 
dinheiro e sucesso. 
Não erra, porém, quem dizque a história de sucesso e realização 
pessoal de Otávio começou, de fato, num campinho de futebol. Só 
que do lado de fora das quatro linhas do campo e de forma bastante 
diferente da que ele imaginava. 
Justo naquele dia, Otávio fora excluído da lista dos titulares. Não 
sobrara vaga alguma, sequer a de goleiro, a mais desprestigiada, e, 
por isso, geralmente entregue a quem fosse fazer menos falta 
jogando na linha. Na hora de formar os times no futebol 
improvisado da garotada, funciona assim: ou você joga na linha, ou 
você joga no gol, dependendo do talento ou da amizade com os 
líderes e com os atletas mais disputados. E as habilidades 
futebolísticas não eram, exatamente, as principais de Otávio, que, 
como ficaria provado, teria muitas outras. 
O fato é que, nesse dia, Otávio ficou, mais uma vez, de fora do jogo. 
Filho de pedreiro e de uma dona de casa, Otávio, que recebeu o 
mesmo nome de batismo do pai, ainda não havia completado oito 
anos de idade. Contrariado com a exclusão do time, ficou, como era 
de se esperar, emburrado. Para ele, meninos maiores não tratavam 
97 
 
os menores com o devido respeito e se achavam mesmo os 
autênticos “donos da bola”. 
Por isso, decidiu arrumar alguma outra coisa para fazer. Ao revirar 
o latão de lixo nos arredores do campo, encontrou, em meio a 
brinquedos velhos e toda sorte de bugigangas, um livro. Levou com 
ele, sem saber ao certo o que faria com o dito cujo. 
Dias depois, estava em casa quando a luz elétrica da favela pifou 
pela enésima vez. Até aí tudo bem, ele pensou, mas o problema é 
que isso tirara do ar a tevê em preto e branco, e, com ela, a Sessão 
da Tarde, única diversão que restara. Otávio, resignado, se lembrou, 
então, do tal livro que encontrara revirando a lata de lixo. 
Era Don Gatton, um conto infantil espanhol, traduzido para o 
português. Otávio gostou tanto da história que resolveu ir atrás de 
outros livros. 
Sem que se desse conta, a literatura foi, com seus personagens 
fantásticos e histórias mirabolantes, entrando, lentamente, em sua 
vida. A ponto de fazer o menino largar mão, de vez, dessas histórias 
de virar jogador profissional de futebol. 
Havia dias em que o garoto chegava a matar aula só para poder ler 
livros escondido na biblioteca. A mãe, coitada, ia à loucura. Mas 
Otávio era um bom menino e jamais deixou de pegar firme nos 
estudos. Só que gostava muito de ler. Nos anos seguintes, ganhou 
bolsas de estudo, em reconhecimento ao seu esforço, e, sempre, 
aproveitou ao máximo as oportunidades. 
98 
 
Fez cursos de teatro, cinema, literatura e o que aparecia. Um dia se 
matriculou no curso que arrebataria nele uma paixão para a vida 
inteira: a arte de contar histórias. 
Otávio, que já tivera a experiência de atuar como ator e produtor 
cultural na periferia, percebeu que a vida esperava mais dele. Se 
combinasse seus dotes de ator amador ao seu conhecimento com a 
literatura e começasse a contar histórias para crianças e adolescentes 
dos morros, certamente, despertaria em muitas deles o gosto pelas 
delícias da leitura. Mas, principalmente, poderia mostrar o que os 
livros podem fazer na vida das pessoas, tal qual fizera, por sinal, com 
ele próprio. 
Durante dez anos, o circo literário do Otávio levou alegria, histórias 
e diversão aos moradores das favelas do Rio de Janeiro. Depois dele, 
vieram o Lanchinho Literário, o Cineminha Literário e o Leia 10, 
Leia Favela. E nunca mais parou. 
No início, era só um punhado de livros, o tapete puído da mãe e a 
velha e manjada mala vermelha, também achada no lixo, na qual 
transportava perto de uma centena de exemplares. Mais tarde, 
Otávio abriu uma biblioteca comunitária, a “Barracoteca”, primeira 
do Morro do Caracol, no pacificado Complexo da Penha e do 
Alemão, que reúne treze favelas da Zona Norte do Rio. 
A Barracoteca Hans Christian Andersen funciona em um 
sobradinho de dois andares, onde, antes, existia um salão de forró. 
É a partir de lá que o rapaz sonha, um dia, poder irradiar livros e 
99 
 
leitura para toda a população de quatrocentos mil habitantes do 
entorno. É um desafio e tanto, mas Otávio não desanima: 
— Os livros estão ajudando as crianças daqui a ampliar seus 
horizontes – ele diz, com os olhos brilhando de felicidade. 
Gabriely Estevão, menina de oito anos que um jornal foi encontrar 
brincando de médica na Rua Nova, nas imediações da Barracoteca, 
é prova disso. Toda prosa, dela emana, dos seus pequenos olhos, 
um brilho bonito de se ver quando ela contempla o próprio futuro. 
— Eu quero ser doutora! Mas tem que ler para ser alguma coisa na 
vida... 
Já Otávio, com mais de sete mil livros lidos e contabilizados desde 
aquele Don Gatton pioneiro, espera, algum dia, poder topar com uma 
biblioteca em cada esquina da favela. Numa área antes conflagrada 
pelo tráfico e que, até recentemente, era considerada uma das mais 
violentas do Rio de Janeiro, o rapaz plantou uma nova e boa 
semente. 
No lugar dos tiros e das mortes, Otávio Cesar Santiago de Souza 
Junior, o Otávio Junior, o livreiro do Alemão, levou para lá livros. 
E, com eles, um novo sopro de vida e de esperança. 
 
 
 
 
100 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Esmeralda cansada de guerra 
 
smeralda era uma menina que vivia suspirando pelos 
cantos, toda cheia de sonhos. Quando crescesse ficaria 
uma moça bem bonita, com um bom emprego na cidade, 
e se casaria com um belo príncipe encantado, que surgiria do nada e 
a levaria para bem longe dali. 
Para isso, pensava ela, precisava estudar para ficar cada vez mais 
inteligente e, assim, aproveitar as oportunidades que o destino, 
docemente, reservava-lhe – fosse um bom emprego, fossem novos 
amigos, fosse um marido amoroso. Em busca de seu sonho 
dourado, ela adorava ir à escola. E fazia os deveres escolares com 
incontida alegria. 
E 
101 
 
Mas houve um dia em que o mundinho cor de rosa, que Esmeralda 
desenhava para si, ruiria por terra. As fantasias deram lugar, de uma 
hora para outra, a uma realidade dura e cruel. Foi o dia mais triste 
de sua vida: o dia em que ela, ainda uma criança, foi forçada a 
abandonar a escola para trabalhar e ajudar nas despesas da casa. 
Como num conto de fadas às avessas, ela perdeu o rumo e o prumo 
na vida. Desde então, Esmeralda comeu o pão que o diabo pisou e 
amassou. 
Mas Esmeralda é, acima de tudo, uma sobrevivente. De uma penca 
de dezenove filhos de uma família de Nova Londrina, no interior do 
Paraná, ela e dez irmãos vingaram. Todos os demais morreram. De 
subnutrição, doenças ou simplesmente porque sucumbiram, antes 
mesmo de nascer. 
Na verdade, a saga de Esmeralda foi toda entremeada por histórias 
de fome, dor, pranto e doenças. A mãe, alcoólatra, diziam que era 
uma perdida. Quando dava na ideia, tomava a filharada pelo braço 
e saía pelo mundo afora, sem direção. Dormiam em ruas, praças e 
calçadas, e se alimentavam das migalhas da caridade alheia. 
Mas se havia algo que a mãe de Esmeralda levava a sério era o dito 
popular que reza que escola de pobre é o trabalho. 
Mal a filha completara cinco anos, já a levou para trabalhar como 
doméstica, em troca de roupa lavada, comida e pouso – o que a 
menina fazia com certa alegria, pois isso permitia que, no turno de 
folga, frequentasse a escola como tanto desejava. 
102 
 
Por isso, ela se abalou tanto ao saber que teria que abandonar os 
estudos para trabalhar numa casa de família na capital. Lá, conforme 
disseram, teria um salário melhor para ajudar mais a mãe e os irmãos. 
Sua tragédia pessoal estava só começando. 
Mal chegou a Curitiba, a menina foi vítima de estupro. Sofrida e 
desamparada, voltou correndo para perto da mãe. Depois de, 
dolorosamente, ter sentido em seu próprio corpo as mazelas 
culturais da sua sociedade, a alma de Esmeralda seria, mais uma vez, 
vitimada. Voltando à cidade, seria, então, alvo da maledicência 
alheia: a vizinhança tratou de espalhar que a garotanegra e franzina 
fora à cidade grande, justamente, para cair na vida. Outra amarga 
decepção. 
Em desespero e se sentindo desamparada, ela acabou por ceder à 
bebida e às drogas. E passou, aí sim, a se prostituir para sobreviver 
longe de casa. Não sairia tão cedo do seu inferno pessoal. À custa 
de muita dor e sofrimento, ela descobriria que, se o seu vale de 
lágrimas nem foi tão difícil assim para achar, já a trilha de volta seria 
longa, estreita e sinuosa. 
Como dizem que não há mal que dure para sempre, houve um dia 
em que a Providência fez parar nas mãos de Esmeralda algo que 
deflagraria o início de uma grande virada em sua vida: o exemplar 
de um livro velho, surrado e despretensioso, que beirava as noventa 
páginas. 
103 
 
Para ela, aquele jamais seria um livro qualquer. Samuel Morris – era 
esse o título do livro – trazia a narrativa das aventuras vividas por 
um menino africano que, ao ser sequestrado por uma tribo rival para 
ser vendido como escravo, perdera tudo o que tinha na vida. 
Levado para a Europa, ele teve uma vida muito além do difícil, 
sofrido e cruel. Mas, impulsionado por uma força interior 
irresistível, acabaria por conseguir dar uma incrível, e positiva, 
reviravolta em sua trajetória. Era tudo o que Esmeralda precisava 
ouvir. 
Aquilo, para ela, foi como um sopro de esperança. Cansada daquela 
rotina errante e doída, Esmeralda decidiu abandonar a rotina que 
vinha levando e se mudou até de estado: transferiu-se do Paraná 
para Rondônia, na fronteira com a Bolívia, para retomar o controle 
do seu destino, longe de tudo e de todos. 
O plano de Esmeralda era retomar os estudos na região Norte do 
país, a milhares de quilômetros da sua antiga vida, e construir, por 
lá, uma nova. Mas, outra vez, ela não teve muita sorte: sua velha 
escola, no interior do Paraná, fora simplesmente destruída por um 
incêndio, e já não havia nenhum documento para contar história, 
podendo comprovar, assim, seus anos de estudo. Teria, uma vez 
mais, que adiar o sonho de se formar e recomeçar. 
Esmeralda não largou mão. 
Anos mais tarde, a custo de muito suor e sacrifício, ela conseguiu, 
finalmente, o tão esperado diploma. Desde então, Esmeralda nunca 
104 
 
mais deixou de ler. Na verdade, depois de Samuel Morris, os livros 
foram se sucedendo em suas mãos. Até hoje, ela lê livros de 
diferentes gêneros e, na hora de dormir, não abre mão de ler algum 
trecho da bíblia. 
Hoje em dia, de volta à região Sul, Esmeralda, agora mãe de quatro 
filhos, não perde a oportunidade para aproximá-los dos livros. Eles 
e a filharada da vizinhança. Ela se alistou como agente de leitura 
voluntária do Programa Arca das Letras e montou, na casa dela – 
no antigo quilombo do Despraiado, um assentamento da reforma 
agrária –, uma pequena biblioteca rural, já com trezentos e tantos 
títulos. 
Ela explica que este é o jeito que ela encontrou de repartir com as 
outras cinquenta e oito famílias descendentes de escravos, que, lá 
vivem do cultivo do feijão, soja e verduras, a luz que emana dos 
livros que ela lê. 
Agora, mais velha e um pouco cansada de tanta guerra, Esmeralda 
Alexandre Alfonso, pequena proprietária da reforma agrária em 
Candói, no interior do Paraná, jura que desta boa luta – levar livros 
a quem não tem e que sequer sabe o seu valor – ela não vai desistir 
nunca. 
 
 
 
 
105 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O zelador de livros 
 
oi por causa da primeira mulher, uma enfermeira, que 
Sebastião tomou gosto pela coisa. Ela repetia, com 
insistência, que ele precisava ler mais e que os livros ainda 
haveriam de provocar grandes mudanças na vida dele. Sábias 
palavras aquelas, hoje, Sebastião não tem a menor dúvida. 
Na época, entretanto, Sebastião não deu muita bola para essas 
conversas. Algum tempo depois, ela veio a falecer. O tempo foi 
passando e Tião, que já não era lá muito afeito às letras, tratou de 
esquecer, de vez, os conselhos da finada mulher. 
Aos poucos, ele reconstruiu sua vida e buscou um trabalho estável 
e alguma tranquilidade. Encontrou um emprego de zelador num 
F 
106 
 
prédio de classe média, que oferecia registro em carteira e 
benefícios. 
Sua vida, de fato, ficou mais sossegada. Passou a ter horário para 
entrar e para sair e seus dias ingressaram numa fase de calmaria. Mas 
algo no novo trabalho o incomodava, e Sebastião não sabia 
exatamente o que era. 
Por fim, o zelador percebeu o quanto ficava inquieto com o fato de 
os moradores do condomínio atirarem pilhas e mais pilhas de jornais 
velhos, revistas e livros no lixo. Muitos deles não pareciam sequer 
ter sido folheados. Cada vez que via aquilo – o que, aliás, repetia-se 
com muita frequência –, era como se as palavras da finada esposa 
martelassem na sua cabeça: 
— Você precisa ler mais, Sebastião! Os livros podem ajudar a 
melhorar a sua vida. 
Um dia, Tião resolveu recolher aquela livrarada que se amontoava, 
cada vez mais, na lixeira do prédio. Eram clássicos, dicionários, 
livros escolares, ficção e muitas revistas. 
Sebastião organizou o acervo com critérios, que iam do tipo e 
periodicidade da publicação até o gênero. A pequena biblioteca do 
condomínio se completava com gibis e revistas, as mais disputadas 
pelas faxineiras. 
Aquilo deixou o zelador com a pulga atrás da orelha. Então era 
assim: o que parecia descartável para uns podia ser tremendamente 
útil para outros. 
107 
 
Sebastião ia de porta em porta atrás de novas doações. Em pouco 
tempo, era bibliotecário-mor de um vasto acervo, que, na primeira 
oportunidade, acondicionou em grandes caixas de papelão e 
transportou até Cravinhos, na sua cidade, localizada à beira da 
Anhanguera, rodovia que liga São Paulo a Minas Gerais. 
Todo fim de semana, o zelador desencaixotava tudo e expunha 
numa praça da periferia de Cravinhos, nos arredores de casa. Nem 
ele imaginou tamanha aceitação. Os que viam e gostavam tratavam 
de espalhar a novidade para os vizinhos e amigos. Rapidamente, 
chegou a trezentas as famílias cadastradas para emprestar livros. 
Tudo muito simples e funcional: bastava pegar e levar o livro para 
casa, e trazer de volta no final de semana seguinte. 
Sebastião percebeu o quanto pessoas pobres e remediadas, como 
ele, gostam de ler. O problema, concluiu, é que nem sempre têm 
acesso aos livros, jornais e revistas. Quando a prefeitura, que a 
princípio apoiara a iniciativa, desistiu de continuar no projeto, o 
zelador resolveu seguir sozinho. 
Ele saiu em busca de mais doações e, desta vez, não era só livros. 
Arrumou tijolos, areia e cimento – o que foi suficiente para erguer 
um puxadinho no quintal de casa, no Jardim Berbel 2, bairro popular 
da cidade. Levou para lá sua pequena biblioteca comunitária que, a 
essa altura, já somava em suas estantes quatro mil livros e duas mil 
revistas, salvas do cemitério do conhecimento pela solidariedade das 
pessoas. 
108 
 
Sua Biblioteca na Calçada, como ele a batizou, virou mania na 
periferia da cidade. Sob seus toldos azuis, a criançada do bairro se 
junta nos finais de semana para ouvir histórias enquanto a 
vizinhança se espreme entre os corredores apertados para vasculhar 
entre suas prateleiras. 
O zelador já não tem mais sossego, mas nunca se queixa. A qualquer 
hora que apareça algum interessado em um de seus livros, Sebastião 
vai, abre a biblioteca e, pacientemente, entrega de bom grado o que 
o consulente demanda. 
— Eu não tenho coragem de negar um livro a ninguém... – ele diz, 
explicando que esse é o único bem que pode fazer ao seu próximo. 
Casado pela segunda vez – desta vez, com uma professora – e pai 
de dois filhos, Sebastião continua a juntar, com a paciência e a 
disciplina de sempre, uma nova leva de livros. O sonho dele, agora, 
é formar uma biblioteca bem grande para poder emprestar mais 
livros e atender moradores de outras regiões da cidade. 
Enquanto esse dia não chega, Sebastião, o zelador de livros de 
Cravinhos,segue formando os seus leitores na Calçada. E zelando 
pela sua biblioteca, como na música do Chico Buarque, com o zelo 
de quem leva o andor. 
 
 
 
 
109 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A Bibliojegue do sertão 
 
ão adianta perguntar, por lá, sobre o paradeiro do 
Manoel Ribeiro Filho. Dificilmente alguém conseguirá 
responder. Mas, se mencionar o epíteto Barraca, 
provavelmente, o prezado leitor encontrará muita gente disponível 
para narrar uma das muitas proezas do personagem em questão. 
Sempre haverá alguém com uma boa história na ponta da língua 
para contar. 
Nascido e criado em Auzilândia, lugarejo incrustado no meio do 
caminho para a Serra de Carajás, no interior do Maranhão, Barraca 
se tornou uma figura célebre no lugar. Tudo por causa da sua 
incrível história com um jegue e com os livros. 
N 
110 
 
O apelido, que veio dos “barracos” em que ele vivia se metendo, 
fora conquistado, verdade seja dita, por mérito próprio e à custa de 
muita confusão. Suas histórias eram famosas por ali. Brigas, 
envolvimento com drogas... e por aí vai. Seu boletim escolar era um 
vermelhão de dar dó. 
Como quem tem fama deita na cama, como diz o dito popular, é 
muito provável que parte dos causos tenha sido injustamente 
creditada ao pobre coitado. De todo modo, Barraca fugia como o 
diabo da cruz dos conselhos e sermões dos mais velhos, a essa altura 
cada vez mais frequentes. O caso é que não havia quem apostasse, 
uma ficha que fosse, no futuro do menino, sempre rebelde e arredio. 
Mas, eis que, um dia, o tal milagre aconteceu. 
De uma hora para outra, Barraca estava irreconhecível. Tornou-se 
mais atencioso e educado. Nem de longe lembrava aquele outro. 
Estava, definitivamente, mudado, da água para o vinho. 
Ninguém sabia explicar ao certo o que se passara com ele. Uns 
atribuíam, em tom jocoso, a um suposto milagre do jegue, animal 
que em algumas regiões do Brasil é tido mesmo quase como um 
bicho sagrado, o que transportou o menino Jesus. Outros diziam 
que os livros – que nunca foram seu forte – teriam desmiolado de 
vez o rapaz. 
Com quem estava a razão, jamais se soube ao certo. 
O caso é que uma professora resolveu escalar o insolente aluno, veja 
só, para ajudar em um importante projeto da escola. Como 
111 
 
dificilmente se conseguia encontrar livros em Auzilândia, muitos 
moradores, embora alfabetizados, simplesmente perdiam, pela falta 
da prática, a habilidade da leitura. 
A ideia era simples: levar os livros das escolas para que a população 
pudesse escolher, entre eles, o que mais lhe apetecia e, assim, não se 
esquecer de como se lê. Com isso, pensaram, acertadamente, os 
professores, “quem se sabe se os adolescentes considerados 
problemáticos não se interessariam um pouco mais pela leitura?”. E 
lá foi o Barraca para a gloriosa, porém nada fácil, missão – que coube 
justo a ele que dizia detestar os livros. 
Sua tarefa, a princípio, não parecia difícil: ele só tinha que puxar o 
jegue pelas ruas do povoado. Sobre o lombo do animal, seria 
colocado um jacá, um cesto colorido, cheinho de livros. Tamanha 
agitação, ele calculou mentalmente, era garantia de confusão na 
certa. Ele topou na hora. 
Semana sim, semana não, a festiva procissão das letras saía, com 
pompa, pelas ruelas do lugar. A curiosidade despertada pela 
inusitada e ruidosa caravana de livros atraía os candidatos a leitor 
em potencial. Depois de descarregados, os livros eram, 
cuidadosamente, ajeitados sobre um lençol estendido no chão. 
Como um camelô falante da cidade grande, Barraca tratava de passar 
o seu recado: 
— Olha, aí, os livros. Quem quiser que pegue o seu! 
112 
 
Sempre aparecia algum interessado. No início, com certa timidez. 
Aos poucos, no entanto, iam se soltando e até se arriscavam a 
folhear um dos livros. 
Certo dia, Barraca assistiu a uma cena que mexeria, profundamente, 
com ele. Notara, de relance, que um deles, já bem velho, olhava 
atentamente para o livro aberto. Até aí, estava tudo bem, a não ser 
por um detalhe: o exemplar estava de cabeça pra baixo. 
O jovem olhou com ternura para o homem e pensou que ele devia 
ser analfabeto e que, pelo visto, não se sentia à vontade com isso. 
Naquele instante, Barraca – que sempre fizera questão de se 
vangloriar pelo seu desprezo aos livros – foi tocado por um 
sentimento esquisito. Era compaixão o que ele estava sentindo. 
Então, pegou o livro e, em voz alta, leu para o ancião que não sabia 
ler. 
Aquele gesto mudaria para sempre o seu modo de encarar as coisas 
e a sua própria vida. 
O menino leria outras vezes para outras pessoas e, aos poucos, 
tornou-se um contador de histórias, essa figura mítica que tem papel 
importante na tarefa de multiplicar leitores em um país no qual a 
tradição oral ainda é muito poderosa. Lentamente, ele ia percebendo 
o quanto sua vida começava a mudar. Agora, pensava, tinha uma 
ocupação que lhe dava certo prazer e, mais do que isso, era 
reconhecido nas ruas e nos lugares aonde ia. Quando o avistavam, 
as crianças apontavam em sua direção: 
113 
 
— Olha lá, o tio dos livros... 
O menino recuperou a autoestima perdida em anos de broncas, 
sermões e punições, a cada vez que se metia em alguma encrenca. E 
daquele casulo, onde Barraca se sentia condenado a viver 
trancafiado pela eternidade, ressurgiria Manoel Ribeiro Filho, 
cidadão que reconquistou nos livros a alegria de viver e, hoje, vive e 
trabalha em Auzilândia, no município de Vista Alegre do Alto, entre 
o Norte e o Nordeste do Brasil. 
Mas a história não parou por aí. 
Manoel, que há muito deixou de ser Barraca, alistou-se para 
trabalhar como professor na alfabetização de jovens e adultos, algo 
que surpreendeu a muitos, menos a ele próprio, que, no contato 
com os livros e as personagens das histórias que lera, fizera uma 
descoberta singela: se ao ler para si próprio era uma espécie de 
investimento pessoal, quando lia para os outros estava praticando 
um ato de amor. 
 
 
 
 
 
 
 
 
114 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ler para o outro é um ato de amor 
 
ânia, Silvia, Shirley. Tanto faz seus nomes, idades, 
ocupações ou os lugares onde vivem. Algumas delas são 
profissionais liberais; outras, donas de casa. Há, entre elas, 
ainda, algumas que já estão aposentadas. E as que vivem do trabalho 
assalariado, com registro em carteira e o dia corrido, mas que 
também dão um jeitinho de espremer mais a agenda diária e arrumar 
um tempinho para incluir, entre os afazeres, um trabalho voluntário. 
Quem sair, por aí, visitando obras sociais, igrejas, hospitais, escolas 
e projetos de ONGs verá que há muito mais pessoas do que, em 
geral, se imagina – em sua maioria mulheres – dedicando horas do 
seu tempo livre para trabalhar de graça por outras pessoas. Elas 
buscam alguma oportunidade para fazer o bem ao próximo. Seja por 
T 
115 
 
compaixão, fé, militância ou outro qualquer tipo de crença em uma 
causa. 
É mais frequente encontrar voluntários atuando em projetos sociais 
de combate à fome, campanhas do agasalho e de saúde ou atrás de 
donativos para menores, deficientes, idosos ou dependentes 
químicos. Para praticar a solidariedade, cada um dá o que sabe e o 
que pode. Uns oferecem dinheiro, alimentos ou roupas e objetos 
que não usam mais. Costureiras, cabelereiros, cozinheiros, 
instrutores de informática, pedreiros e médicos, por exemplo, 
podem dar parte de seu tempo livre e de suas habilidades. 
Escritores, ilustradores, editores e livreiros bem que poderiam 
utilizar a sua criatividade e familiaridade com os livros para 
engrossar essa cruzada e levar a leitura a mais gente por aí. Não dá 
para continuar achando que esse é um problema, exclusivamente, 
do governo e que já se paga imposto e coisa e tal. Há muita gente 
que já faz algum tipo de ação voluntária nesse sentido, muitos dos 
quais são professores e bibliotecários aposentados, mas não só. 
Só é preciso ter um mínimo de gosto pela leitura. Hámuita gente 
por aí – em asilos, creches, hospitais, associações de bairro, escolas 
– que daria tudo para ter alguém que lhe conduzisse, com carinho e 
segurança, para esse universo paralelo das palavras. 
É o que faz, por exemplo, Tânia Alves Afonso. Assim que ouviu 
pela primeira vez que poderia praticar o voluntariado doando algo 
de que gostasse muito e que não lhe faria falta, ela de pronto pensou: 
116 
 
“Por que não doar a própria voz e habilidade de ler e contar histórias 
para os outros?”. 
Tânia se alistou imediatamente como contadora de histórias 
voluntária do HC, o Hospital das Clínicas da Universidade de São 
Paulo, onde passou a ir, uma vez por semana, compartilhar, com 
outras pessoas, uma das coisas que ela mais gosta de fazer na vida: 
ler. 
Ela lê e conta histórias para crianças com câncer, como o curumim 
Pedro de Oliveira – da tribo dos Xacriabás, de São João das Missões, 
no interior de Minas Gerais – que há anos guerreia contra a doença. 
Entre uma e outra quimioterapia, essa meninada se deixa embalar 
pelas fábulas de Rapunzel, Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho 
e quem mais vier. 
Em outro lugar, as mulheres da Igreja Presbiteriana, capitaneadas 
pela médica Silvia Pelegrino, leem para os moradores do Lar dos 
Velhos, uma casa que abriga idosos pobres na periferia de Ribeirão 
Preto, no interior de São Paulo. Uma vez por semana, donas de casa, 
comerciárias e profissionais da saúde param tudo o que estão 
fazendo e trocam os compromissos profissionais ou lazer com a 
família pelo prazer de ler... para o outro. 
— Ler faz bem para a saúde – diagnostica a doutora, que tem 
constatado, por sinal, melhoras extraordinárias em seus pacientes 
idosos. — São melhoras nítidas, tanto em sua percepção visual 
117 
 
como, especialmente, no campo emocional e no neurológico – ela 
assegura. 
Shirley levou tão a sério a contação de histórias que decidiu se 
matricular em um curso de aperfeiçoamento, só para poder 
caprichar mais na arte da interpretação e, assim, prender a atenção 
dos seus ouvintes e conquistar mais leitores entre os jovens e 
adolescentes do Hospital Municipal Santa Lydia. 
Gente como Tânia, Silvia, Shirley e tantas outras pessoas voluntárias 
que se espalham pelo Brasil afora, talvez nem se dê conta do grande 
bem que estão fazendo a essas pessoas e ao País. Com o simples 
gesto, que não custa nada, essas mulheres vêm produzindo 
transformações, muitas vezes, aparentemente, invisíveis na vida das 
pessoas. Se somadas cada uma dessas mudanças interiores, seus 
novos olhares e atitudes; essa soma, com certeza, é alta. 
Motivadas tão somente pela vontade e a disposição de devolver um 
pouco do que já receberam da vida, elas não esperam nada em troca. 
Mas, de um jeito ou de outro, isso acaba acontecendo, mesmo que 
não percebam. É uma onda poderosa de amor, gratidão e respeito, 
que muito pode. 
Pois se ler para si mesmo é uma atitude de autoestima e cidadania, 
ler para o outro é um ato de amor. 
 
118 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Santo Antônio Casamenteiro 
 
nita. Era esse o título do primeiro livro que Denise, 
ainda menina, ganhou de presente. Era uma história 
bonita, farta em ilustrações, publicada pela Disney. Ela 
ficou fascinada e se entregou de alma ao pequeno objeto e suas cores 
reluzentes. 
Nas horas que se seguiram àquele instante de pura magia, não houve 
nada que fosse capaz de desviar sua atenção ou extrair da sua 
lembrança os personagens e o enredo da história que tanto a 
cativara. 
O livro fora um presente da tia. Não havia nenhum motivo especial 
para isso; ela, simplesmente, resolvera presentear a sobrinha querida 
A 
119 
 
com um livro. Podia ter sido uma boneca ou outro brinquedo 
qualquer, mas ela escolheu dar um livro. 
Essa escolha não só marcou, profundamente, a sua infância como 
também ajudou Denise, já moça, a definir seu rumo profissional e a 
própria vida futura. Depois daquele dia, Denise nunca mais foi a 
mesma. Seu caso de amor com os livros foi algo à primeira vista, 
desde o instante em que virou as primeiras páginas de Anita. 
Das fábulas, a mineirinha pulou para as aventuras adolescentes e, 
daí, para o romance, a poesia e os mais variados gêneros literários. 
Parecia abduzida por aquele universo paralelo de magia e 
encantamento. Quando chegou a hora de escolher a faculdade, os 
livros vieram imediatamente à sua memória e ela optou por fazer 
Biblioteconomia, uma forma de estar sempre perto deles. 
O primeiro emprego de Denise foi na Universidade Federal de 
Minas Gerais, onde estava matriculada, para cuidar dos livros de 
Direito. Sua tarefa era ajudar os futuros advogados a encontrar os 
livros que buscavam, e não só as obras jurídicas, como também os 
livros de literatura, que poderiam ajudá-los a desenvolver uma visão 
mais abrangente do mundo e das pessoas com quem teriam que lidar 
no futuro. 
Sua maior alegria, porém, foi ao entrar pela primeira vez numa 
biblioteca pública para trabalhar no atendimento aos leitores. Teve 
claro, para si, que não poderia se dar o luxo de atuar como mera 
guardadora de livros. Que, ao contrário, teria uma bela missão pela 
120 
 
frente: colocar tête-à-tête livros e leitores, e, principalmente, aqueles 
que ainda não liam. 
Mais da metade de sua vida à frente da Biblioteca Pública JK, no 
bairro Fundinho, em Uberlândia, no interior de Minas, Denise de 
Carvalho, bibliotecária por convicção, tornou-se uma espécie de 
Santo Antônio Casamenteiro de livros e leitores. O que – ela sabe – 
não é nada fácil, mas faz com alegria e gosto, e isso faz toda a 
diferença. 
Para conquistar os futuros leitores, Denise não mede esforços: já 
criou um carro-biblioteca, depois uma Kombi-biblioteca e, por fim, 
o ônibus-biblioteca, um sucesso danado por lá. 
Sua paixão pelos livros é tamanha que ela sofre só de pensar que 
terá um dia que parar. Por via das dúvidas, já cuidou de apresentar 
Ana Luiza, a filha, aos livros e a sua biblioteca. Parece que deu certo: 
assim como a mãe, a menina tem verdadeira paixão pela leitura! 
Mal completou dez anos de idade, Ana Luiza tem planos para o 
futuro. Diz que vai substituir a mãe e, assim, dar vida a uma nova 
geração de bibliotecárias compromissadas em levar adiante essa 
obra de desenvolver novos leitores. É uma história de mãe para filha 
que, pelo visto, parece que não vai acabar tão cedo. 
 
121 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O pescador de leitores 
 
 dia ainda não amanheceu quando Seu Joaquim, 
mineiro como o da outra história, experiente com as 
rédeas, manobra com destreza a sua carroça. A centenas 
de quilômetros da capital e da região metropolitana do seu estado, 
Minas Gerais, ele estaciona o carro de tração animal diante de uma 
casa sem fazer barulho. Ainda faz escuro, e barulho, como ensinava 
o poeta Drummond, de nada resolve. 
O ritual tem início pontualmente às cinco da manhã, hora de um 
silêncio absoluto por aquelas ruas. Há anos é a mesma coisa, o que 
o homem faz com fervor quase religioso e uma disciplina de quartel. 
Com cara de quem acabou de acordar, o dono da casa abre, 
sonolento, a porta. Em vez de uma bronca, esse visitante do meio 
O 
122 
 
da noite é, longe disso, recebido com um largo sorriso. O morador 
tão somente acena, passa uma das mãos para ajeitar a cabeleira vasta 
e espantar os últimos resquícios do sono. Em minutos, está 
ajudando o homem da carroça a ajeitar, pacientemente, os sete 
caixotes e as duas estantes sobre o tablado. 
A condução toma o rumo do estádio do glorioso Pirapora Futebol 
Clube, mas passa indiferente pelo campo de futebol que, a essa hora, 
permanece às escuras. 
Pa-co-plá. Pa-co-plá. Pa-co-plá. 
O ruído das patas do animal contra o asfalto é o único som que se 
ouve naquela hora por ali, mesmo a quarteirões de distância. Dali a 
pouco, o homem pensa, todo aquele silêncio deixará de existir e dará 
lugar à balbúrdia habitual de todo domingo de manhã.O carroceiro sabe que a corrida está prestes a terminar quando avista 
o bando ruidoso que descarrega e monta suas tralhas bem no meio 
da rua. Sem se apressar, o homem da carroça para o veículo em 
plena via pública e apeia, indiferente ao que algum vizinho possa 
dizer ou se um guarda surgirá, do nada, com um talonário de multa 
na mão naquela inusitada hora, já não se sabe se do dia ou se da 
noite 
Ainda faz escuro quando homens e mulheres ocupam cada metro 
quadrado, antes vazio, com suas barracas e apetrechos. Parece uma 
operação de guerra. De repente, sobre uma banca coberta por um 
toldo puído, alguns homens ajeitam, com cuidado, dúzias de 
123 
 
laranjas. Sobre uma outra, tomates, frutas frescas e maços de 
verduras de folha. 
Não demora e a misteriosa carga, zelosamente, transportada no 
escuro pelo carroceiro se revelará às primeiras luzes do dia. 
Leonardo, o dono da casa, agora, está bem acordado e radiante. Ele 
saca duas cédulas de dez reais da carteira e entrega ao carroceiro, 
régio pagamento acertado pelo carreto contratado para todas as 
semanas do ano. “Outro domingo”, o rapaz vibra em seu íntimo. 
Este é o seu dia preferido e ele tem motivos de sobra para isso. 
Nos dias de semana, Leonardo é pescador profissional dos bons. 
Varre as águas do Velho Chico, no Norte de Minas, e só volta para 
casa no fim da tarde, quando vê que o pescado é suficiente para 
encher as geladeiras e atender à freguesia fixa, que nos dias úteis 
acorre a sua casa e no domingo vai comprar na feira. Boa parte da 
sua vida, ele passou sobre as águas do Rio São Francisco. Por isso, 
só o conhecem, por ali, como Léo do Peixe. 
Mas há outra razão para Léo gostar dos domingos. É que nesses 
dias, depois que monta a peixaria e ajuda a esposa a preparar a banca 
de roupas infantis, o pescador repete as palavras mágicas de sempre, 
que funcionam como uma espécie de senha para que as sete 
misteriosas caixas sejam finalmente abertas: 
— Agora, os livros! – grita, com vontade. 
Do interior dos caixotes, é tirado algo que, a bem da verdade, não 
combina muito com os hortifrutigranjeiros e outros artigos que 
124 
 
estarão em exposição para a freguesia, que nunca falha. São livros, 
de diferentes autores e gêneros, que, nas horas seguintes, serão 
ofertados aos transeuntes que queiram saber deles. 
Não é cobrado nada por isso e quem quiser levar emprestado poderá 
devolvê-lo no domingo seguinte, na própria feira. A cada semana 
uma centena de fiéis leitores comparecem à inusitada barraca atrás 
de livros. Muitos se habituaram a frequentar a feira só por causa 
deles, já que nesse dia, quando as pessoas têm mais tempo, a 
biblioteca pública não funciona. 
No Clube de Leitura de Pirapora, cidade que fica no Alto do Rio 
São Francisco, no interior de Minas Gerais, não há qualquer 
burocracia. Só que, na feira, em vez de legumes, verduras e frutas, o 
freguês enche a sacola de outro tipo alimento, que é o alimento da 
alma. 
Uns preferem ler no próprio local. Lobato, Machado, Eça, Coelho... 
Para alguns, nem importa quem são os autores dos títulos: vão até 
lá pelo simples prazer de ter um livro nas mãos. 
Léo teve a ideia pelo medo que tinha de, por passar muito tempo 
fora de casa em função das pescarias, ver os filhos se distanciarem 
dos livros. Deu certo. Além de primeiros usuários do Clube, eles 
passaram a ajudar o pai na pequena biblioteca comunitária. Os filhos 
dos outros feirantes logo aderiram e, em pouco tempo, já passavam 
de 400 os sócios do clube. Léo precisou recrutar ajudantes extras 
para dar conta da demanda. 
125 
 
A ideia se espalhou por outros cantos da cidade e Léo está, sempre, 
disponível para criar outros clubes de leitura aonde reclamarem sua 
presença. Quando alguém quer saber por que ele faz isso, Leonardo 
da Piedade Diniz Filho, o Léo do Peixe, um pescador de leitores, 
responde de pronto: 
— É porque quem não lê se torna um cidadão de segunda classe... 
É preciso ler livros para ser alguém na vida. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
126 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Uma biblioteca na roça 
 
costumada que sempre foi aos hábitos, tipicamente, 
urbanos da cidade grande, jamais ocorreu a Simone que a 
vida dela e da família estaria, em um futuro próximo, tão 
vinculada à terra e à tranquilidade do campo. Ou que algumas 
palavras, impressas num livreto, mudariam de forma tão radical sua 
vida. 
Simone cursou o magistério e iniciou sua vida profissional como 
professora na cidade de São Paulo. 
A bem da verdade, a palavra escrita sempre esteve, de alguma forma, 
presente no dia a dia de Simone. Nos anos em que atuou como 
professora, já via de perto as transformações que a leitura promove 
no cotidiano das pessoas. Mas foi só quando ela e o marido tomaram 
A 
127 
 
a decisão de trocar a metrópole pela pequena roça no interior 
paulista é que ela pôde sentir isso na própria pele. 
Simone e Wilson, o marido, se arriscaram, no início, a criar umas 
vacas; não deu certo. Na sequência, tiveram a ideia de plantar 
eucaliptos – também não era aquilo. No limite das ideias e das 
forças, cogitaram vender a propriedade de um único alqueire, que 
àquela altura já se consumia em dívidas. Porém, os compradores, 
simplesmente, não apareceram. 
Como recurso derradeiro para tentar salvar o único bem da família 
da falência quase certa, a professora resolveu buscar ajuda nos livros. 
Saiu em busca de literatura técnica sobre agricultura familiar e de 
alguma ideia que pudesse dar uma boa ocupação àquelas terras no 
meio do mato, na zona rural de Santa Rita D´Oeste. 
O casal se deteve numa publicação farta em textos e ilustrações que 
explicava como ganhar o sustento com uma criação comercial de 
peixes. No tanque construído nas terras do pequeno sítio, 
despejaram pacus e tilápias. Buscaram mais conhecimento nos 
livros, jornais e revistas e o pequeno negócio passou a ir de vento 
em popa. 
A escolha mudaria definitivamente a vida dos Vizenzi. A família 
passou a fornecer filés de peixe congelados e abriram novos tanques 
para aumentar os cardumes. Foi no meio de outra leitura que eles 
tiveram a ideia de transformar a propriedade, batizada de Chácara 
128 
 
Nossa Senhora Aparecida, em um modesto circuito de educação 
ambiental, com direito a palestras e passeios ecológicos. 
Simone agora quer levar os livros aos outros moradores de 
Aparecida do Bonito, o povoado onde ela e Wilson vivem com 
Matheus, o filho de treze anos, e um dos mais empolgados com a 
ideia. Abriu, para isso, uma biblioteca rural que já abastece de 
conhecimento os 90 moradores da comunidade. Os frequentadores 
também têm aulas sobre computação e aprendem a usar a internet, 
além de, naturalmente, poder levar livros emprestados para ler em 
casa. 
Pequenas atitudes como essa da família Vizenzi podem ter um poder 
incrível de transformação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
129 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O semeador do Seridó 
 
ma vida de paixão, uma vontade incrível de vencer e... 
livros, muitos deles. A cena inicial se dá num vilarejo 
escondido no interior do Nordeste do País, onde viveu 
uma infância miserável e de futuro incerto. Com uma trama 
entrecortada por histórias de superação e glórias, como também pela 
improvável amizade com alguns dos mais importantes intelectuais 
do Brasil contemporâneo, esse roteiro ainda tem outros ingredientes 
para uma boa fita de cinema. 
O protagonista da trama viveu episódios épicos do século XX, 
como a Revolta dos Marinheiros. Percorreu lugares e situações 
salpicadas por aventuras até chegar à cidade grande. Adaptou-se, 
rapidamente, ao novo ambiente, estudou, criou uma empresa 
U 
130 
 
respeitada, mas sem abandonar, em um só momento, a cultura e os 
costumes da sua terra natal. 
A saga desse Zé, um brasileiro igualzinho a tantos outros que 
existem por aí, até que podia ser apenas mais uma boa história dos 
livros ou das telonas,tamanha a fartura e riqueza de seus 
ingredientes. Mas, não. Esta é a história de uma personagem de 
carne e osso, nascido e batizado de José, numa currutela chamada 
Currais Novos, no interior do Rio Grande do Norte. 
Foi lá que tudo começou e de onde ele saiu, ainda moço, para virar 
doutor na cidade grande. Zé começou a trabalhar, ainda criança, na 
roça. Primeiro, no cultivo de algodão; depois, como garimpeiro; e 
marinheiro, ocasião em que participou da famosa revolta. Cassado 
e expulso da Marinha, ele se mudou para São Paulo, onde se 
empregou como lavador de carros. 
Foi trabalhando em um estacionamento vizinho da PUC, a 
Pontifícia Universidade Católica, ativo centro da resistência política 
contra a ditadura militar, que ele conheceu e passou a se relacionar 
com intelectuais de esquerda, como o educador Paulo Freire. Os 
novos amigos, instigados pelo tirocínio e a simpatia do lavador de 
carros, passaram a indicar livros para ele ler. 
Zé acabou prestando vestibular na PUC e se meteu nos estudos. 
Para pagar a faculdade, começou a vender livros para os colegas. 
Como o negócio indo bem, animou-se a abrir uma livraria nas 
imediações da universidade. Naqueles tempos bicudos de censura e 
131 
 
perseguição, o ex-marinheiro, às escondidas, conseguia, para os 
estudantes, os livros proibidos pelos militares. Depois de algum 
tempo, viu que também dava conta de publicar livros como aqueles. 
O resultado não tardou a acontecer. Tempos depois, Seu José se 
tornaria um importante livreiro e editor. Além do amor pelos livros 
e pelo saber, sempre teve um jeito muito especial para lidar com as 
coisas. Numa ocasião em que ladrões assaltaram sua livraria, ele se 
dirigiu, serenamente, até a seção de livros infantis e encheu algumas 
sacolas, que entregou para os assaltantes. Que eles levassem para os 
filhos, ele explicou com bondade, pois, assim, eles talvez tivessem 
mais oportunidades na vida e, dessa forma, não caíssem no mundo 
do crime. Este é Seu José, hoje em dia mais conhecido como José 
Cortez Xavier, um aclamado ícone do universo das letras no Brasil. 
Agora, no entanto, o semeador de livros do Seridó quer passar uns 
tempos longe da livraria e da editora que tornaram seu sobrenome 
uma marca de sucesso e uma referência no mundo dos livros. Não 
que tenha desistido. É que ele quer aproveitar o tempo para 
compartilhar com outras pessoas a sua própria história para tentar 
convencê-las do quanto os livros ainda podem fazer por elas. 
Seu Cortez tem ido a escolas, presídios, associações de bairro e onde 
se dispuserem a ouvi-lo. Do alto de uma sabedoria construída à base 
de livros, ele diz que, não importa aonde se quer chegar, só se precisa 
de duas coisas: 
132 
 
— Um livro nas mãos, que é para servir de base para conquistar o 
conhecimento; e outro na bolsa, que é para inspirar os sonhos e 
ajudar a realizar os projetos de vida. 
Esse Zé sabe do que diz. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
133 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Operário em construção 
 
aul dos Reis, 49 anos, é operário. Estudou até o antigo 
colegial e, há tempos, trabalha como caldeireiro numa fábrica 
da cidade onde mora, no interior de São Paulo. Seu dia a dia 
é corrido e não sobra tempo para muita coisa fora dali. 
Acontece que Saul adora ler. Por sorte, foi trabalhar numa fábrica 
onde os donos, que também apreciam a leitura, resolveram montar 
uma pequena biblioteca para os funcionários. De uma hora para 
outra, Saul se descobriu um leitor e passou a ser um dos mais 
assíduos frequentadores do espaço. 
O operário lê cinco livros por mês. Compare: o que ele lê em um 
único mês, segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, os 
S 
134 
 
brasileiros levam, em geral, um ano inteiro, e, ainda assim, incluindo 
os livros escolares. 
Como será que esse trabalhador consegue fazer isso? Saul conta que 
sempre dá um jeito. É na hora do almoço, na hora do jantar, antes 
de dormir ou no transporte público. Ele sempre arruma um tempo, 
entre os diversos afazeres diários, para devorar mais algumas 
páginas. Quando ele encontra um livro que não consegue parar de 
ler, parece mesmo um tormento, ele diz. 
Seu preferido é um livro de poemas de Cecília Meirelles, As mais 
belas poesias. Em casa, Saul costuma compartilhar com o pai e os 
irmãos as histórias que aprende nos livros. No início, era o moço 
que precisava insistir com os parentes. Hoje em dia, a coisa se 
inverteu e os familiares chegam a protestar quando ele precisa, por 
alguma razão, mudar o que já entrou na rotina da casa. 
Os livros passaram a fazer parte da vida de Saul. Aonde ele vai 
sempre carrega um deles junto. O operário diz que os livros são seus 
grandes companheiros da vida inteira e, em geral, recorre a algum 
em especial para tentar compreendê-la melhor. Ao mesmo tempo 
em que a literatura vai ampliando seu universo cultural, ele diz, os 
livros, de forma geral, o têm ajudado a melhorar seu próprio modo 
de ser e de perceber as coisas. 
Por isso, Saul dos Reis está convencido de que os livros vêm 
fazendo dele uma pessoa melhor. Acabam até ajudando no seu 
relacionamento com os colegas de trabalho, familiares e as pessoas 
135 
 
que encontra no dia a dia. Quando está lendo, diz ele, não sobra 
espaço para mágoas, ressentimentos, tristezas ou inimizades. 
O leitor de Cecília Meireles anda, agora, atrás de desenvolver sua 
própria autonomia poética: 
— Ler me faz entender/O corpo é só um sopro/O espírito é 
eterno/Como a mãe Terra. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
136 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Mães que amam demais 
 
á, por todos os cantos do país, e, felizmente, cada 
vez mais, boas histórias de leitores que, graças aos livros, 
deram um outro rumo em suas vidas. Seja porque 
ampliaram seu universo cultural, seja porque na esteira das 
experiências alheias, colhidas no simples contato com autores e seus 
personagens, passaram a ler e a ver o mundo de outras formas, e, 
então, a agir com mais autonomia e criatividade. 
É um leitor, aqui, que se identifica com um personagem e descobre 
talentos e virtudes que ele próprio desconhecia. Ou outro, acolá, 
que, após ler um livro e o confrontar com sua própria história de 
vida, reestrutura, sem perceber, as suas dinâmicas pessoais e a forma 
como que compreende as coisas; e, em função disso, toma decisões 
H 
137 
 
e escolhe novos caminhos que farão que o seu destino já não seja o 
mesmo. 
Enfim, boas histórias de leitores há por toda parte e para todos os 
gostos. Dizem respeito a transformações de ordem pessoal ou 
profissional, que podem manifestar-se na forma de pequenas e 
íntimas modificações que levam a uma nova visão de mundo e a 
pequenas atitudes e formas de reagir nas diversas situações do 
cotidiano. 
Por trás de muitas histórias dessas personagens de carne e osso que 
seguem produzindo incríveis exemplos de transformação, há uma 
figura que nem sempre aparece: a mãe. Aliás, as mães, em certas 
regiões do País, chegam a influir até mais do que os professores no 
desenvolvimento do gosto de ler da meninada. Algumas sequer 
sabem ler e escrever e fazem isso por pura intuição. Outras fazem 
de tudo para que seus miúdos não tenham negado o direito de 
acesso à literatura – o que mestre Antônio Cândido defende que seja 
incluído entre os direitos inalienáveis do homem. 
Ao ler uma história para o filho na hora de dormir, presentear com 
um livro ou pôr a criança no colo enquanto conta uma história, essas 
mães vão estabelecendo uma poderosa associação entre leitura e 
uma amorosa sensação de bem-estar emocional. É algo que durará 
para sempre na memória afetiva e, certamente, contribui para se 
formar adultos que continuem a ler e a gostar de fazer isso. 
138 
 
Joana Jacinto, que trabalha como copeira e recepcionista, e vive no 
interior de Goiás, é esse exemplo de mãe. Ela sabia que não 
conseguiria oferecer o luxo e conforto que gostariade dar, se 
pudesse, aos filhos. Então, tratou de cuidar, desde que as crianças 
eram pequenas, para que os livros, ao menos, jamais faltassem em 
suas vidas. Sempre que podia, ela ia com a filharada a alguma livraria 
de Brasília, onde trabalha, para que escolhessem o livro que 
quisessem. 
Para que as crianças pudessem ter um livro nas mãos, a mãe chegava 
a pedir doações às pessoas. O resultado não custou a chegar. João 
Felipe, um dos filhos, aprendeu a ler aos cinco anos de idade, com 
a ajuda da irmã mais velha. Sempre que terminava de ler um livro, 
fazia questão de emprestar aos amigos, cujas famílias, assim como a 
sua, também tinham dificuldades para comprar livros. É assim 
mesmo que metade dos brasileiros que leem chega a um livro: pelo 
boca a boca e emprestando entre si. 
João cresceu com a certeza de que estaria nos livros a chave para sua 
realização pessoal e profissional. Estimulado pela mãe e apoiado por 
uma bolsa de estudo, além de muita garra pessoal, ele foi admitido 
na Universidade Católica de Taguatinga, no Distrito Federal, e já 
está no quinto semestre do curso de Relações Internacionais. Já fez 
estágios na Esplanada dos Ministérios e agora está atrás de 
aprimorar o inglês, aprendido na escola pública, para poder galgar 
outros degraus. 
139 
 
De passo em passo, João acredita que, de fato, está de nas páginas 
dos livros que lê a sua chance para abrir novos caminhos na vida e 
conquistar o admirável mundo novo que busca para si e para sua 
família. 
Não é tarefa simples, ele sabe. Mas João Felipe também sabe que, 
nesta era do conhecimento, não há sonho que não possa se tornar 
se real, principalmente, quando se é um bom leitor de livros. 
 
 
140 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Entre pneus e livros 
 
onde já se viu misturar livros, pneus e esta 
sujeiraiada toda?! – o homem se desconcertou. 
Do alto de seus 40 anos de ofício, Seu Joaquim, 
escolado na vida, deu seu veredito: 
— Isso não vai dar certo... 
Afinal, seria como tentar misturar água e óleo. 
Seu Joaquim Borracheiro, profissional tarimbado e com tino, 
reconhecido por todos, para atuar no ramo, só não contava com 
uma coisa: a teimosia do filho, tão cabeça dura quanto o pai. Com 
isso e coração mole como ele só, no fim, acabou fazendo vistas 
grossas para aquela maluquice toda. 
-A 
141 
 
E, quando foi se dar conta, semanas depois, era tarde demais: lá 
estava ela, com sua pobreza franciscana, porém com dignidade e 
altivez. Ainda assim, era como um peixe fora d’água, o homem 
notou, contrariado. Era uma estante só e até simplória, com setenta 
e tantos exemplares, Seu Joaquim pai calculou. Os livros estavam 
tão arrumadinhos que, por instantes, o pai se permitiu a alguns 
devaneios: “Não é que seu menino levava jeito pra coisa? Com mais 
estudo, bem que podia até trabalhar numa loja de livros ou mesmo 
numa biblioteca”. 
Seu Joaquim não estava enganado. 
Ao optar por auxiliar o pai no pequeno negócio da família, em 
Sabará, na região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas 
Gerais, Marcos abriu mão de muitas coisas, como tentar um 
trabalho menos pesado ou uma profissão que desse mais dinheiro, 
ou mesmo maior projeção social. Só não abriu mão de uma coisa: 
levar, junto com ele, para seu local de trabalho, os livros que faziam 
parte de sua vida de criança e de adolescente. 
Assim ele fez. 
Nas horas de folga, entre um e outro pneu furado, Marcos 
aproveitava para ler. Mas o que ele desejava mesmo era tentar 
convencer a vizinhança sobre o verdadeiro tesouro que aqueles 
livros, agora tão perto deles, significavam. Algo dizia a ele que os 
moradores do entorno, principalmente as crianças e os jovens das 
escolas dos arredores, só teriam a ganhar com isso. 
142 
 
A isca para atrair as crianças que vivem em torno da Praça Paula de 
Souza Lima, no bairro de Caieira, foi a coleção de gibis de Marcos. 
A notícia correu rápido e, daí a pouco, os adolescentes também já 
faziam fila. Em seguida, apareceram os mais velhos e o acervo, que 
a essa altura já chegava a 600 exemplares, ficou pequeno demais. 
Mas não tardou para atingir a marca dos três mil livros. 
A “Borrachoteca”, mistura de borracharia com biblioteca 
comunitária, tornou-se um sucesso. De público e de crítica. 
No início, os fregueses se espantavam diante da novidade. Mas 
acabaram se acostumando e aprovando. Enquanto aguardavam o 
remendo do pneu furado, muitos aproveitavam para pôr a leitura 
em dia. Para esses, mergulhados na correria do dia a dia, aquele 
reencontro inesperado com os livros se constituía numa rara ocasião 
para retomar o bom e velho prazer esquecido da leitura, fosse pelos 
afazeres do dia a dia, pelo cansaço ou simplesmente por não ter, ao 
alcance das mãos, uma obra que despertasse o desejo de ler. 
Aos poucos, os livros também passaram a provocar pequenas 
modificações na rotina diária dos moradores das duas margens do 
Rio das Velhas, que atravessa o bairro Caieira. Hoje em dia, a 
meninada de lá fala com uma intimidade instigante sobre os poetas 
Thiago de Mello e Carlos Drummond de Andrade e de autores 
clássicos que, até então, não passavam de nomes de ruas ou de 
ilustres desconhecidos por aquelas paragens. 
143 
 
Um bom exemplo das transformações em curso, nesse pequeno 
torrão de Sabará, é o próprio Marcos. Sua história acabou indo parar 
nos jornais e ele ganhou uma bolsa para fazer faculdade. Escolheu, 
de cara, o curso de Letras, interessado que estava em saber mais 
sobre literatura e os escritores que se aninhavam em algumas 
prateleiras da sua borracharia-biblioteca. 
Embora não cogite abandonar a profissão e o negócio construído 
pelo pai, Marcos diz que pretende trabalhar, nas horas de folga, 
como professor. Ele está convencido de que tem uma missão nesta 
vida: levar mais gente para perto dos livros. 
A ONG criada por Marcos para ajudar nesta tarefa, o Instituto 
Cultural Aníbal Machado, já abriu outras bibliotecas na cidade – 
uma delas funciona no presídio local. Por que ele faz isso? 
Marcos Túlio Damascena, o borracheiro dos livros de Sabará, tem a 
resposta na ponta da língua: 
— Ler já é, por si só, uma fonte de prazer, mas a leitura também 
instrui. Sem ler, não se é ninguém nesta vida. 
 
 
 
 
144 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A encantadora de leitores 
 
ntônio levava uma vida de menino de cidade 
pequena do interior. Estudava na mesma escola pública 
que as demais crianças do lugar e ainda não tinha a menor 
ideia do que faria quando crescesse. 
Como era um menino esperto, talvez conseguisse emprego num 
escritório, ou talvez se tornasse operário em uma das fábricas ou 
usinas de açúcar da região. Eram esses os caminhos mais prováveis 
e naturais para a gente do lugar. 
Eram todos, naturalmente, empregos dignos e almejados pelos 
jovens da pequena Matão, no interior de São Paulo, fundada há 
cerca de meio século. Só que Antônio queria mais. Ele sonhava com 
algo diferente para ocupar os seus dias de gente grande. 
A 
145 
 
Tudo começou a mudar no segundo ano do Grupo Escolar. Foi 
justo no dia em que aquele professor estranho entrou na sala de aula 
com um sorriso enigmático no rosto. 
Um ano antes, Antônio já se encantara com a professorinha do 
Primário, que tinha o costume de cantarolar as palavras e frases da 
cartilha, no afã de fazer seus alunos decorar a lição. 
Dona Albina tinha um plano infalível para despertar neles o gosto 
pela leitura. Todo o final do ano letivo, a professorinha preparava a 
surpresa. Ela comprava, com dinheiro do próprio salário, um livro 
para cada um deles e presenteava os alunos no último dia de aula. 
Não tinha erro. Antônio também ganhara o seu e ficara fascinado. 
Desde então, o menino parecia outro. Já se interessava mais pela 
leitura e não saía da biblioteca. E escrevia compulsivamente. 
Mas seu destino com as letras seria mesmo selado no ano letivo 
seguinte, e já no primeiro dia de aula. Como o novoprofessor tinha 
a fama de ser um provocador nato, os alunos tremeram quando seu 
corpo passou agigantado pela porta da classe e ele, sem mais nem 
menos, sacou do bolso da calça o relógio. Mirou nos olhos 
assustados dos alunos temerosos diante do que viria pela frente e, 
num gesto tão largo quanto teatral, disparou, para o desespero final 
da plateia nervosa: 
— Agora eu vou esquecer o relógio... Quero que alguém venha aqui 
na frente e diga uma coisa qualquer: pode declamar um poema, 
contar uma história, seja lá o que for! 
146 
 
Antônio nem olhou de lado. Ao cabo de longos segundos, ele 
respirou fundo, encheu o peito de ar e se levantou. Tomou impulso 
e coragem e foi. Caminhou tímida e lentamente até a frente da classe 
e se plantou ao lado da mesa do professor. A poucos passos do 
quadro negro, colegas e o professor podiam contemplar seu rosto 
pálido e a respiração ofegante. 
O menino percorreu, em fração de segundos, sua memória afetiva 
e, de lá, voltou com a singela história da galinha dos ovos de ouro, 
a mesma contida no livro que ganhara de presente da professorinha 
do primeiro ano, que ele lera e relera tantas vezes. 
Diante da plateia assustada, Antônio venceu o medo inicial que tinha 
de se expor ao ridículo diante dos colegas e contou a historieta que 
guardara na memória. As palavras vinham magicamente a sua boca 
e, após segundos terrivelmente longos de silêncio geral, ele ouviu, 
finalmente, os aplausos dos colegas. Foi sua consagração. Antônio 
sorriu aliviado e, desde então, desembestou a falar em público. 
Nascia ali, na magia do instante, o futuro e eloquente professor. 
Depois de escarafunchar entre as narrativas literárias, Antônio se 
deixou cair de amores pela língua pátria. Aos poucos, faturava uns 
trocados dando aulas particulares para candidatos do curso de 
Admissão ao Ginásio. 
Hoje professor de sucesso de cursinhos preparatórios e 
apresentador no rádio e na televisão, Antônio Cassoni diz que os 
bons mestres são aqueles que têm a magia e jeito para formar leitores 
147 
 
que, mais tarde, vão gostar de ler pela vida toda. E com um prazer 
sem fim. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
148 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O pedreiro e os livros 
 
ascido em Aquidabã, no sertão de Sergipe, Evando 
cresceu numa das regiões mais pobres do Brasil, 
desprovida de recursos e de perspectivas de futuro 
diferente. Cedo, aprendeu aquilo que Euclides da Cunha, o grande 
escritor de Os Sertões, só cravaria, na idade madura, em sua obra 
prima: “que o sertanejo é, antes de tudo, um forte”. E, ao contrário 
de tantas outras crianças nascidas por lá, que morrem antes de 
completar seu primeiro ano de vida, ele teimou. 
Evando não só sobreviveu e seguiu adiante, como enfiou na cabeça 
que faria o que fosse necessário para que as coisas ficassem 
diferentes. Foi com essa ideia na cabeça que, um dia e algumas peças 
de roupa debaixo do braço, tomou uma condução na direção do Sul, 
N 
149 
 
sobre o qual se contavam maravilhas na sua terra. Deixou para trás 
um rastro de dramas, misérias e fome, um enredo comum e triste 
do sertão. 
Evando desembarcou no Rio de Janeiro com uma ideia fixa: buscar, 
a qualquer modo, uma vida melhor para ele e os seus. Só que nada 
do que ele tentava dava certo, não encontrou a prosperidade que 
imaginava abundar nesse canto do país. Demorou, mas o homem 
percebeu: à beira de completar trinta anos de idade, não sabia ler e 
escrever. Para Evando, era essa a explicação do que estava 
atravancando a sua vida por mais que se esforçasse e trabalhasse 
duro. 
Certo dia, um colega do canteiro de obras de urbanização da Favela 
da Maré, onde trabalhava como servente, convenceu o sergipano a 
estudar. Ele jamais conseguiria mudar de vida, alertou o amigo, se 
não fosse para a escola a fim de se alfabetizar e aprender mais coisas. 
Ter que frequentar os bancos escolares àquela altura da vida, dizia 
para si mesmo, era algo custoso demais para cabras como ele, mais 
talhados para a vida bruta e pesada. Mas nem por isso Evando 
desistiu. Matriculou-se na alfabetização de jovens e adultos e foi, 
mais uma vez, à luta. 
Foi na escola que ouviu pela primeira vez alguém dizer o quanto os 
livros podiam ser preciosos na vida de pessoas como ele, e que 
podiam tanto ajudar a melhorar seu vocabulário como o próprio 
jeito de encarar a vida e, assim, ajudá-lo a se tornar uma pessoa 
150 
 
melhor. Evando não deu muita bola, mas aquilo ficaria martelando 
em sua cabeça por algum tempo. 
O destino resolveu, então, ser mais explícito e colocou, literalmente, 
no meio do seu caminho algo que mudaria a sua vida para sempre. 
Afinal, se Maomé não foi à montanha, como diz o dito popular, a 
montanha acabou indo até Maomé. 
Tudo se deu no dia em que o rapaz andava, distraído, pela cidade e 
deu de topo com uma lata de lixo. Ela estava repleta de... livros. 
Evando, que ouvira na escola sobre o poder que os livros tinham 
para operar pequenos milagres no cotidiano das pessoas, olhou, 
entre surpreso e estarrecido, para os exemplares que, com o impacto 
do tropeção, haviam se espalhado pela calçada. 
O que fazer com aqueles livros cujo destino seria, certamente, ir 
parar em algum lixão? 
Pelo sim, pelo não, Evando apanhou a pequena coleção de livros 
que estavam sendo descartados pelo seu dono. Um deles era de 
autoria de um conterrâneo seu, Tobias Barreto, autor de clássicos 
fundamentais para a literatura brasileira. Evando ficou orgulhoso 
quando soube de que se tratava de um sergipano famoso. Foi atrás 
de outros livros dele e de outros autores, e parecia mesmo obcecado 
pelas letras, como se, a partir daquela data, simplesmente, não 
conseguisse respirar sem literatura. 
Na verdade, não acontecera nada capaz de provocar diferenças mais 
óbvias na vida do rapaz. Mas, por onde quer que olhasse, parecia 
151 
 
que a sua vida estava um pouco melhor. A primeira coisa que notou 
é que sabia muitas palavras novas. E, com o repertório ampliado, 
sentia uma sensação de como se as ideias formigassem em seu 
cérebro. 
Os seus interlocutores, logo, percebiam que estavam diante de um 
sujeito que sabia de muitas coisas e sempre tinha algo interessante 
para puxar uma boa conversa. Em vez dos bicos esporádicos com 
os quais sobrevivia, Evando passou a ter um emprego fixo e, logo 
depois, foi promovido a pedreiro. Aquilo já era uma bela ascensão 
em sua vida profissional. Sua fama de cabra sabido corria de boca 
em boca e só fazia crescer a freguesia interessada em sua mão de 
obra. 
O homem, agora, tinha mais facilidade para compreender as 
demandas da clientela e, como articulava bem as próprias ideias, 
também se comunicava melhor. Ficara mais criativo para enfrentar 
as dificuldades do dia a dia. 
O salário melhorou e Evando passou a fazer novos planos para o 
futuro. Como também tinha ficado mais falante e desinibido, 
arrumou uma namorada e, daí a pouco, constituiu família. Pouco a 
pouco, Evando ia se aprumando na vida e cimentando, com suas 
mãos e a pá de oficial pedreiro, o seu próprio destino. 
Voltou aos livros e, lá, encontrou respostas para suas dúvidas 
existenciais e aos questionamentos de ordem espiritual que há 
152 
 
tempos se fazia. Enfim, por qualquer ângulo que mirasse, Evando 
notava transformações na sua vida pessoal e profissional. 
Hoje em dia, Evando dos Santos, pedreiro dos bons, comanda uma 
biblioteca comunitária no quintal de sua casa, na Vila da Penha, 
subúrbio do Rio, que ele iniciou com aqueles primeiros cinco livros 
encontrados no lixo. A obra foi projetada pelo arquiteto Oscar 
Niemayer, que se encantou com a história admirável do construtor 
de casas e, sobretudo, de leitores. 
A qualquer hora do dia ou da noite, Evando está lá para atender à 
porta e emprestar livros de graça para a vizinhança. Livros que ele 
juntou a partir de doações e já fez chegar a vários estados do 
Nordeste, acomeçar pelo seu Sergipe. 
Abnegado e incansável quando a tarefa é conquistar novos leitores, 
Evando nunca sai de casa sem dois ou três exemplares debaixo do 
braço. Não importa aonde vai, ele trata logo de puxar conversa e 
direcioná-la para um dos temas tratados em um dos livros que 
carrega. Se o interlocutor se mostra interessado, ele entrega o 
exemplar para o desconhecido – quem sabe um novo leitor em 
potencial que a vida colocou em seu caminho? Não sem antes 
repetir a mesma ladainha de sempre: 
— Se gostar passe à frente a um amigo; e se não gostar, dê para um 
inimigo. 
Evando dos Santos, o pedreiro dos livros, tem feito a sua parte. Sabe 
que sua missão é ajudar a semear livros à mão cheia para outros 
153 
 
Evandos como ele, que se amontoam pelo país afora. Está 
convencido de que – da mesma forma que aconteceu com ele, 
supostamente por acaso – pode estar dentro de um desses livros 
alguma informação, dica ou, então, só uma boa história, mas que 
certamente vai mexer com a emoção ou, quem sabe, a vida de quem 
o ler. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
154 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
João que virou juiz 
 
oão nasceu numa família pobre. O pai e a mãe não sabiam 
ler e escrever, davam duro, de sol a sol, para não deixar faltar a 
comida na mesa. A família vivia num casebre simples, bem 
parecido com as favelas de hoje em dia, nem escritura do imóvel eles 
possuíam. 
Ao completar sete anos, idade de ir para a escola, João foi trabalhar 
na roça com os pais. O menino se virava como podia: foi vendedor 
de refresco, catou papelão nas ruas, oferecia banana nas casas da 
redondeza. Quando cresceu, foi trabalhar como feirante. Até que, 
um dia, os livros entraram na vida dele. 
Desde então, João passou a ler e a escrever sem parar. Aos desesseis 
anos, publicou o seu primeiro livro. Antes, sempre estudando em 
J 
155 
 
escola pública, João descobriria os clássicos. Leu Dostoievski ainda 
jovem e se abriu para que autores dos mais variados gêneros fossem, 
um a um, entrando em sua vida. 
Quando foi se dar conta, já havia entrado para a Faculdade de 
Direito da Universidade de São Paulo, no Largo de São Francisco, 
a mais celebrada do país. Cresceu, virou moço e não parou de ler. E 
tampouco de evoluir, como pessoa ou na carreira profissional que 
resolveu abraçar. 
Hoje em dia João é juiz de Direito. Dos bons. Publicou outros livros 
com os poemas que vem escrevendo pela vida afora. Também é 
autor de livros jurídicos, que é sua especialidade. Embora os 
compromissos e as tarefas da vida profissional e social não parem 
de se avolumar, ele continua arrumando um tempo para ler. 
Dizem que, por onde ele passa, costuma fazer pequenas revoluções. 
Nas varas judiciais onde atuou em Ribeirão Preto, interior de São 
Paulo, por exemplo, João – ou melhor, Doutor João Gandini, como 
passou a ser conhecido e ganhou a admiração de ricos e pobres – 
tomou inúmeras medidas que vêm ajudando a Justiça paulista a 
operar melhor. Um de seus projetos de moradia para a população 
de baixa renda ganhou prêmios e notoriedade nacional. 
Poeta e juiz, João Gandini é um caso singular do extraordinário 
poder de transformação dos livros. 
 
156 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Histórias que acolhem 
 
os corredores do Hospital das Clínicas, na 
Universidade de São Paulo, a cena já não causa 
estranheza. De uma das longas alas e de paredes claras, 
em meio a enfermeiros, médicos e familiares de pacientes internados 
que vão de um lugar a outro, a trupe surge do nada, como num passe 
de mágica. Em questão de segundos, entra, sem avisar, em um dos 
quartos do pavilhão e assume, dali em diante, o comando do espaço. 
Eles andam em bando e, por outras vezes, sozinhos. A única regra 
fixa nesse ramo – no qual ninguém recebe dinheiro algum e, ainda 
por cima, precisa ralar e suar muito a camisa, ou o jaleco, para se 
estabelecer com relativo sucesso – é que não há lugar para a tristeza 
e o desânimo. Ao contrário, o insumo básico para o trabalho de 
N 
157 
 
contar histórias a doentes internados em hospitais é, basicamente, 
alegria e disposição. E, naturalmente, livros e boas histórias. 
Na manhã de hoje, por exemplo, uma mulher entrou de supetão em 
um dos quartos da ala infantil e, sem cerimônia, sacou da bolsa um 
livro de capa colorida para ler aos pequenos pacientes. Os dias de 
ouvir histórias são ocasiões especiais para eles, crianças, 
adolescentes e jovens que podem permanecer ali, enquanto recebem 
o tratamento, durante semanas ou meses. 
Para os mais novos, singelos contos de fadas são, praticamente, 
obrigatórios no cardápio de histórias dos contadores. Entre os mais 
velhos, os livros de mistério e as eletrizantes aventuras, como as do 
bruxinho Harry Potter, são sucesso garantido. Por vezes, o que dá 
certo mesmo são as histórias inventadas na hora, na base do 
improviso e da criatividade do contador, que precisa ter a 
sensibilidade para perceber o que cai bem em cada situação. 
O efeito é garantido. Além do interesse que, em geral, as leituras 
despertam nos pacientes-leitores, sempre algum deles se anima a 
pegar um livro na pequena biblioteca do hospital para continuar a 
ler mais tarde. Muitos ficam com o livro só para que os 
acompanhantes, ou visitantes de logo mais, também leiam para eles. 
Os livros de dobraduras, com as brincadeiras que eles estimulam, 
são concorridíssimos. 
Nessas ocasiões, o ambiente hospitalar frio e cinzento, de uma hora 
para outra, transforma-se. Nos quartos maiores, a chegada da trupe 
158 
 
de contadores de histórias dá ensejo a uma animada roda de leitura, 
da qual nem os acompanhantes escapam. Todo mundo entra na 
dança: parentes, funcionários e quem mais estiver passando na hora 
por ali. Quando a história chega ao fim e tudo se acaba, os pacientes 
já querem saber quando será a próxima sessão. 
A história, enfim, não pode parar. 
*** 
— Ler é contagiante – pontifica Claudinéia Kamei, a assistente 
social que levou a ideia dos livros para auxiliar nos tratamentos da 
ala infantil do HC, ou, ao menos, ajudar aqueles jovens paciente a 
devolver alguma esperança. 
Entre alunos da universidade e voluntários de diferentes profissões, 
cerca de vinte homens e mulheres atuam como mediadores de 
leitura do Projeto Biblioteca Viva em Hospitais, que teve início em 
2002 e não parou mais. Só naquela unidade do Hospital das Clínicas, 
há perto de mil livros disponíveis. 
Cada leitor em potencial recebe, ali, um tratamento especial, seja um 
bebê ou um jovem à beira de entrar na idade adulta. Um sorriso, 
lágrimas ou qualquer emoção manifestada são encarados como um 
componente importante para a cura. No mínimo, a prática vem 
ajudando a humanizar o ambiente hospitalar, algo fundamental 
quando se pensa que vários daqueles pacientes terão que passar 
longas temporadas por lá e, em alguns casos extremos, lá, passam 
sua temporada final nesta vida. 
159 
 
Funcionários antigos do hospital, habituados a conviver com 
dramas de toda natureza, emocionam-se ao ver a reação dos 
pacientes diante de um livro. 
Esta é a magia dos livros. Esta é a magia das boas histórias. 
 
 
160 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O tapete mágico da Tia Aninha 
 
m Cruz das Posses, pequeno distrito rural rodeado por 
canaviais, no caminho entre Sertãozinho e Jardinópolis, 
no interior de São Paulo, existia um pequeno local para 
abrigar os parcos livros que havia por lá. Era um local acanhado 
mesmo, já que se contavam nos dedos os que se interessavam por 
eles. 
Como a maior parte da população do povoado é constituída por 
boias-frias sem nenhuma habilidade com a leitura, a modesta 
biblioteca vivia literalmente às moscas. Nos meses da entressafra da 
cana, quando parte dos moradores retorna para suas casas – no Vale 
do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais, já na divisa com a 
Bahia; e alguns para o Nordeste –, o movimento das ruas do 
E 
161 
 
povoadofica ainda menor. Numa ou noutra ocasião, poucos eram 
os que davam alguma bola para os livros. 
Mas isso já faz algum tempo. Essa história começou a mudar com a 
chegada ao povoado de uma professorinha espevitada e irrequieta. 
Aos poucos, foram caindo por terra, um a um, os muitos mitos que 
reinam em torno da questão da leitura, que muitas vezes 
involuntariamente acabamos repetindo. 
Um deles é o que aposta que pessoas comuns, que pegam no batente 
mais pesado para sobreviver, não têm os livros como prioridade em 
suas vidas. E, portanto, não incluem a leitura entre as coisas que 
mereçam ser tratadas como importantes em suas vidas. 
Ana Lúcia, a professora escalada para a difícil missão de dirigir a, 
então, minúscula e modesta biblioteca do povoado; logo, constataria 
que as coisas não são e nem precisam ser bem assim. Se conseguisse 
ao menos aproximar aqueles moradores dos livros existentes, ela 
pensou, muitos deles, provavelmente, poderiam ser atraídos pela 
magia das histórias. 
No trajeto diário do ônibus entre a cidade e o distrito de sete mil 
almas, a cabeça da professora fervilhava de ideias. Ela estava 
convencida de que deixar os livros presos às estantes, à espera de 
possíveis leitores, não daria muito certo. A cada semana, aparecia 
com alguma ideia nova atrair os candidatos a leitor. Eram coisas 
simples; certamente, já experimentadas antes em outros lugares. Só 
162 
 
que ela, obstinada que é, estava decidida a fazer todas as tentativas 
possíveis. 
A roda de leitura que ela criou foi um sucesso. Enquanto 
interpretava os textos, Ana Lúcia estimulava os novos leitores a falar 
sobre o livro e seus personagens. Virava uma terapia em grupo e 
todo mundo sempre tinha algo a dizer. No início, estranharam um 
pouco, mas, a cada dia, aderiam a cada uma das invenciones da 
professora-bibliotecária, também uma exímia contadora de 
histórias. 
Quando, por exemplo, foi ler Quase Memória, de Carlos Heitor Cony, 
para seu clube de leitura de idosos, Ana Lúcia se vestiu como uma 
dama das antigas. Alguns deles podem não saber ler, e vão lá pela 
convivência e a magia do ambiente, mas sabem, perfeitamente, ver 
e ouvir. Por isso, voltam dessas sessões para suas casas com a 
gostosa sensação de que livros são divertidos e interessantes. E que, 
neles, há sempre algo para se aprender. Não por outra razão, fazem 
questão de levar os netos, a quem mostram, com orgulho, suas 
carteirinhas de sócio da biblioteca. 
Outro espaço altamente disputado é o carpete famoso que Ana 
estende no chão para as crianças ouvirem histórias e folhearem os 
livros com conforto. O local está sempre apinhado de leitores 
miúdos, que, certamente, no futuro, associarão sua ideia de leitura a 
uma agradável sensação de afeto. 
163 
 
À beira de completar seu vigésimo aniversário, a Biblioteca Pública 
de Cruz das Posses passou a ter presença tão marcante na vida local 
que, hoje em dia, qualquer um que chegar lá e perguntar sobre ela 
ao primeiro transeunte que encontrar na rua, ainda que este não seja 
seu usuário, com certeza, ouvirá algum comentário positivo. 
Este é um dos principais segredos para uma biblioteca como essa, 
num distrito afastado da cidade-sede, ter longevidade: fazer com que 
os moradores desenvolvam a percepção do quão importante ela é 
para a vida do lugar. 
 
164 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sobre carnes e livros 
 
enino pobre nascido na Bahia de todos os santos, 
Luiz começou, muito cedo, a dar duro para ganhar a 
vida. Aos sete anos, já trabalhava como engraxate; 
depois, foi lavador de carros, feirante, vendedor de picolés e 
servente de pedreiro. Precisava ajudar nas despesas da casa e, assim, 
tempo de sobra para ir à escola era, como diziam os familiares, um 
luxo do qual, naqueles tempos de tamanha dureza, ele não dispunha. 
O primeiro emprego estável de Luiz foi num açougue em Brasília, 
na da Asa Norte da cidade, para onde se mudou ainda pequeno. 
Junto com o novo emprego de ajudante do açougue, o menino 
obteve sinal verde do dono para morar num quartinho dos fundos. 
M 
165 
 
Sem ter o que fazer à noite, após o expediente, Luiz tratava de 
arrumar ocupação para esse seu tempo livre. Já estava com dezesseis 
anos quando conseguiu, finalmente, ir para a escola. Nos livros, ele 
encontraria não só uma distração e companhia de todas as horas, 
como, principalmente, um rumo diferente e absolutamente 
inesperado para seu destino, que até então era só dificuldade e muita 
labuta. 
No começo, foi tudo muito difícil. Luiz, simplesmente, não 
conseguia compreender o significado das palavras e o próprio 
sentido dos textos maiores e com alguma complexidade. Decidiu 
que começaria com os gibis, com seus textos reduzidos, ideias mais 
simples e diretas e, ainda por cima, fartos em ilustrações. Adorou a 
experiência. 
Aos poucos, resolveu se arriscar mais. Mas começou pelo caminho 
menos fácil. O primeiro livro que caiu em suas mãos foi um desastre: 
era uma obra sobre Filosofia, com muitas páginas, e Luiz não 
entendeu bulhufas. Mas estava tão disposto a virar esta página de 
sua história que, disciplinadamente, foi até o fim. 
Logo se veria diante de novos, porém fascinantes, desafios. Encarou 
cada um deles. Jamais imaginara que existiam tantas palavras novas 
assim. As ideias que elas traziam embutidas eram igualmente 
complexas e, por vezes, difíceis de acompanhar. Pareciam mesmo, 
simplesmente, inalcançáveis para pessoas que, como ele, foram 
muito tarde para a escola. 
166 
 
Mas, como chegara tão perto, Luiz não deixou se abater e pensava 
que já não dava mais para retroceder. Buscava, então, com 
otimismo, convencer-se que o próximo livro talvez não fosse tão 
difícil. E os próximos livros vieram, uns após outros. Uns eram, de 
fato, mais fáceis; outros, porém, nem tanto. 
Aos poucos, o ajudante de açougueiro ia ampliando seu universo 
cultural. A cada livro que lia, algumas coisas pareciam ficar mais 
claras e compreensíveis. Com o tempo, as dificuldades foram 
diminuindo e, pouco depois, o rapaz estava simplesmente 
irreconhecível. 
Sua vida definitivamente estava mudando. 
Quinze anos mais tarde, quando Luiz, já estudado, propôs ao patrão 
comprar o negócio, as ideias formigavam na sua cabeça. Para o 
pequeno comércio prosperar, teria que inovar e se diferenciar dos 
outros açougues. Foi assim que, em meio a bifes, linguiças e frangos, 
surgiu a história de emprestar livros aos fregueses. 
No início, uma única estante foi o suficiente para abrigar os livros, 
que não passavam de dez, que eram todo seu acervo pessoal. 
Quando a Vigilância Sanitária do Distrito Federal foi se dar conta, a 
Biblioteca do Açougue T-Bone, a essa altura um animado e ativo 
centro cultural no Plano Piloto de Brasília, já contabilizava mais de 
dez mil exemplares. 
Só que a clientela aprovava. Ao entrar no recinto, a freguesia se 
divertia com a provocação literária: 
167 
 
— A madame vai levar meio quilo de Saramago ou uns bifes à 
Machado de Assis? – tascava Luiz, sempre com humor. 
A fama de “açougueiro dos livros” se espalhou rapidamente e 
ajudou o negócio prosperar, tanto que as vendas subiram para mais 
de dez toneladas de carne a cada mês. E, a cada novo livro que lia, 
Luiz aparecia sempre com alguma nova ideia, que buscava, logo, 
colocar em prática. 
O boca a boca correu solto. Escritores importantes como Ziraldo e 
Frei Betto fizeram questão de ir ao açougue, que também recebeu 
muitos artistas famosos. Os saraus do açougue cultural chegam a 
reunir dez mil pessoas numa só noite. 
Depois do açougue-biblioteca, Luiz já inventou a rede de bibliotecas 
populares nas paradas de ônibus de Brasília. Espalhou estantes nos 
pontos onde não há ninguém para controlar quem pega ou devolve 
um livro. O leitor pode escolher e ler à vontade, enquanto aguarda 
a condução, e pode, também, levar o livro para continuar lendo 
durante o trajeto para devolver quandobem entender. 
Leitor confesso de Sartre, Platão, Tolstoi e Shakespeare, Luiz diz 
que seu caso pessoal é uma rica demonstração do quanto os livros 
podem transformar a vida de uma pessoa que, segundo ele próprio, 
não tinha nenhuma chance de dar certo na vida. 
É por isso que Luiz Amorim, açougueiro de profissão e agente de 
leitura por vocação, está convencido que seria um grande egoísmo 
de sua parte deixar de cooperar para outras pessoas possam também 
168 
 
descobrir esse poder dos livros. É por isso também que ele se tornou 
uma espécie de pregador incansável entre aqueles que ainda não 
descobriram a boa nova: 
— A carne – ele apregoa – é um alimento para o corpo. Já os livros 
são o alimento para o espírito. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
169 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Bibliotecárias não sabem disfarçar 
 
ibliotecárias têm um jeito todo próprio de enxergar as 
coisas. Talvez venha daí essa capacidade extraordinária de 
lidar e processar tamanha quantidade de informação e 
conhecimento, processar tudo isso para, só então, devolver tudo 
devidamente organizado e sistematizado, para que, então, nós, 
mortais leitores, possamos saborear – da forma que melhor nos 
aprouver. 
Por isso, elas nos fazem tanto falta, e precisamos tanto delas. 
Só que, de tempos para cá, ouve-se mais e mais falar de outra, e tão 
ou ainda mais nobre, missão para nossas bibliotecárias: ser uma 
espécie de ponte entre os leitores e os livros – em outras palavras, 
mediadoras da leitura. Gosto disso. A verdade é que não é de hoje 
B 
170 
 
que muitas delas já fazem isso, ainda que não esteja escrito em 
nenhum alfarrábio ou mesmo que certas faculdades, simplesmente, 
esqueçam-se disso. 
Não se pretende, evidentemente, aumentar, ainda mais, a sua carga 
de trabalho ou ampliar responsabilidades legais e administrativas nas 
repartições em que atuam. Mas tão somente incorporar uma nova 
visão (que nem é tão nova assim) e atender a uma justa demanda da 
sociedade. Bibliotecárias de vanguarda – antigas e novas – 
perceberam isso há mais tempo e, por isso, desenvolvem trabalhos 
belíssimos, de encher os olhos de quem vai conhecê-los, como eu 
tenho ido. 
Portanto, mais do que guardar, catalogar e organizar nossos acervos 
– algo, por sinal, imprescindível –, a missão das bibliotecárias do 
terceiro milênio é, cada vez mais, servir, de fato, como ponte entre 
os livros e os leitores. Está em suas mãos essa notável tarefa de 
mediar e aproximar as partes, e, assim, patrocinar, este enlace. 
— Um educador! É isso que o bibliotecário é. 
A definição é de uma das maiores delas, Dona Carminda Nogueira 
de Castro Ferreira que, já à beira de completar noventa anos, saía 
para fazer palestras e distribuir orientações aos mais jovens sobre as 
novidades tecnológicas e outras modernidades da profissão. Sem 
deixar de ir, é claro, ao cerne da questão: a função social do 
bibliotecário de formar leitores. 
171 
 
— Mesmo porque, em muitos lugares, o único profissional atuando 
que existe é o bibliotecário e, nesse caso, não resta dúvida sobre qual 
é sua missão mais nobre – ela repetia, incansavelmente. 
Dona Carminda é uma espécie de símbolo para profissionais da 
área. E com razão. De seus onze filhos, que lhe deram trinta e três 
netos e treze bisnetos, nada menos do que nove têm o diploma de 
bibliotecário na parede. Como mestre para os novatos ou no 
comando de entidades da área, ela ajudou a trazer um pouco mais 
de luz e um melhor norte para o exercício da profissão, tão bonita 
quanto essencial para a sociedade. 
Formada em Letras Românicas pela Universidade de Coimbra, 
Dona Carminda trocou, com o marido, Portugal pelo Brasil na 
primeira metade do século XX. Era uma mulher à frente de seu 
tempo: entrou para a faculdade quando isso era coisa só de homem 
e fincou o pé por lá mesmo quando nasceram os filhos, uma afronta 
para os costumes da época. 
Mas ela ainda teria uma boa desculpa para voltar à faculdade quando 
já era mãe de filhos moços no Brasil. Ela aproveitou que o filho 
primogênito, reprovado no vestibular de Engenharia, decidira cursar 
Biblioteconomia e ingressou também na faculdade, sob o pretexto 
de “dar uma força” ao rapaz. Até o fim da sua vida, jamais sairia de 
dentro de uma biblioteca. 
172 
 
Ao longo da vida, fez muitos bibliotecários repensarem a profissão, 
sacudida, algumas vezes, pela chegada das novas tecnologias. 
Devota de Nossa Senhora de Fátima, costumava sentenciar: 
— A invenção do computador é uma grande benção! 
Tenho visto, por aí afora, uma boa geração de bibliotecárias, 
igualmente vocacionadas, que se veem, justamente, nesse papel de 
agente de promoção da leitura. Por mais que enfrentem 
adversidades, seguem em frente. E fazem isso por uma simples 
razão: creem, verdadeiramente, que podem ajudar as pessoas se 
conseguirem que elas leiam mais. Essa sinceridade de propósito está 
em seus olhares. 
E por onde andam essas bibliotecárias-missionárias? Elas estão por 
toda parte, em bibliotecas nas grandes ou pequenas cidades, em 
escolas ou bibliotecas comunitárias. 
Como fazer para descobri-las? A resposta é simples. Basta que se 
olhe nos olhos de qualquer uma delas, ao flagrá-la no instante em 
que ela estiver exercendo sua arte maior de encantar o leitor, 
levando-o, de forma firme, e doce, a adentrar, aos poucos, com 
receio, ou logo de supetão, no universo mágico da leitura. 
A resposta está, provavelmente, nesse olhar. Porque as 
bibliotecárias, essas bibliotecárias, não sabem disfarçar. 
 
173 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Epílogo 
 
Essas histórias de gente que lê eu tenho colhido, país afora, ao longo 
da minha militância na causa do livro e da leitura. Muitas delas eu vi 
com meus próprios olhos ou mesmo conheci – ou ainda conheço – 
suas personagens. Em alguns casos, são histórias que extrai do Blog 
do Galeno (www.blogdogaleno.com.br), no qual publicou, desde 
2007, historietas de pessoas que tiveram suas vidas transformadas 
graças aos livros e à leitura. Entrevistei várias dessas pessoas ou ouvi, 
atentamente, seus relatos, durante minhas andanças pelo país, para 
dar palestras, fazer consultorias, me reunir com lideranças locais ou 
me encontrar – em feiras de livros, festivais de literatura, entrevistas 
na imprensa ou visitas a escolas – com o povo do livro e da leitura. 
http://www.blogdogaleno.com.br/
174 
 
Algumas delas são reproduções de notícias publicadas em jornais e 
revistas, e mesmo da televisão, sempre com as devidas citações das 
fontes originais. 
 
175 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Se você gostou do livro que acabou de ler, mande sua história de 
leitor, ou a de alguém que você conhece, para o Blog do Galeno 
(www.blogdogaleno.com.br) ou para meu e-mail pessoal 
(ga@galenoamorim.com.br). Eu e meus leitores vamos adorar! 
 
 
http://www.blogdogaleno.com.br/
176 
 
Preparação de originais: Pedro Amorim 
Capa: Wagner Luiz dos Santos 
Diagramação: Luiz Magalini 
Revisão: Pedro Amorim e Brás Henrique 
Produção: Revolução eBook 
2017 
ISBN Digital: 9788582454213 
 
 
Fundação Observatório do Livro e da Leitura 
 
DIRETORIA EXECUTIVA 
Presidente – Galeno Amorim 
Diretora Tesoureira – Luciana Paschoalin 
Diretora Secretária – Francisca Paris 
 
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO 
Presidente – Maria Antonieta Cunha 
Secretário – Aníbal Bragança 
Menalton Braff 
 
CONSELHO FISCAL 
Marcus Vinicius Alves 
Tuchaua Pereira Rodrigues 
Luiz Fernando Zugliani 
Suplentes 
Neide Aparecida da Silva 
Gabriella Ferraz Leboutte 
Claudia Camata 
177 
 
 
www.observatoriodolivro.org.br 
E-mail fundacao@observatoriodolivro.org.br 
 
http://www.observatoriodolivro.org.b/
mailto:fundacao@observatoriodolivro.org.br
178 
 
 
Quem é o autor 
 
Galeno Amorim, autor de 17 livros, é jornalista. Foi presidente da 
Biblioteca Nacional e do Centro Regional de Fomento ao Livro na 
América Latina e no Caribe (Cerlalc/Unesco) e oresponsável pela 
criação do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), do Ministério 
da Cultura e MEC. 
É fundador do Blog do Galeno e já deu mais de 800 palestras no 
Brasil e no exterior. Entre ensaios e literatura infanto-juvenil, seu 
livro mais conhecido é O Menino Que Sonhava de Olhos Abertos, 
cujas tiragens somam mais de 150.000 exemplares. 
 
Saiba mais sobre o Galeno. 
 
 
 
http://www.blogdogaleno.com.br/
http://www.blogdogaleno.com.br/sobre-o-galeno

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