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___________________________________________________________________________________________ 7 Entretextos, Londrina, v.14, n.2, p. 07 - 25, jul./ dez. 2014 Repensando a sala de aula a partir do letramento digital (Rethinking the classroom upon the digital literacy perspective) Gabriela Quatrin Marzari* RESUMO: A presença da tecnologia na sala de aula é cada vez mais evidente, sendo, portanto, necessário repensarmos o processo de formação de professores (MORAN, 2007; VALENTE, 2003). Métodos tradicionais de ensino, que se utilizam unicamente da voz do professor, do quadro-negro, do giz e do livro didático, não atendem mais aos interesses e expectativas dos alunos. Isso porque estes discentes estão inseridos e conectados ao mundo virtual, o qual lhes oferece uma gama de possibilidades de comunicação e interação com pessoas do mundo todo. Portanto, repensar a prática docente, no atual contexto de ensino-aprendizagem, requer uma retomada de postura e engajamento por parte desses profissionais com o mundo virtual. Dessa forma, é necessário que os professores se tornem digitalmente letrados. Além de conhecer as inúmeras possibilidades existentes, esses docentes precisam saber utilizá-las pedagogicamente de modo eficiente, não apenas reproduzindo antigos modelos didático-pedagógicos. Todavia, para que esse profissional se sinta capaz de operacionalizar a máquina a seu favor, é necessário formação continuada. Assim, o objetivo deste estudo é apontar perspectivas teórico- práticas de instrumentalização docente, que irão contribuir para a formação do professor requerido pela sala de aula atual. Para tanto, serão considerados os dados de um grupo de professores atuantes em escolas públicas municipais da região sul do Rio Grande do Sul, Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Formação continuada. Letramento digital. Professor. ABSTRACT: The presence of technology in the classroom has been clearly evident. Therefore, it is necessary to rethink about the process of teacher education (MORAN, 2007; VALENTE, 2003). Traditional teaching methods, * Professora do Curso de Letras: Português e Inglês do Centro Universitário Franciscano. Assessora de Relações Internacionais na mesma instituição de ensino. Coordenadora do Subprojeto Letras: Inglês no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência. Repensando a sala de aula a partir do letramento digital _________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Entretextos, Londrina, v.14, n.2, p. 07 - 24, jul./ dez. 2014 8 which use only the voice of the teacher, blackboard, chalk and textbooks, no longer meet the interests and expectations of the students because they have been inserted and connected to the virtual world, which offers them a range of possibilities for communication and interaction with people around the world. So rethinking teaching practices in the current teaching and learning contexts requires new teacher attitudes towards the virtual world. Thus, it is necessary for teachers to become digitally literate. Besides knowing a number of teaching possibilities, these teachers need to know how to use them efficiently in order to accomplish their purposes, not only reproducing old teaching/learning paradigms. However, for any teacher to be able to operate the machine in their favor, they need to be exposed to continuing education. With this in mind, the objective of this paper is to point out theoretical and practical perspectives on instrumental teaching, which will contribute to the teacher education, as required by the current classroom. Therefore, data provided by a group of teachers who work in public schools in the state of Rio Grande do Sul, Brazil, will be analyzed. KEYWORDS: Continuing education. Digital literacy. Teacher. Introdução A globalização trouxe consigo inúmeras mudanças. Segundo Valente (2003), a entrada dos computadores nas escolas e na dinâmica educativa é o resultado da era das grandes inovações tecnológicas. Neste artigo, serão discutidas algumas mudanças educacionais resultantes da inserção da tecnologia na sala de aula, considerando o ensino de língua materna. Nosso objetivo é refletir sobre contribuições válidas para a formação do professor requerido pela sala de aula atual. Diante das inúmeras possibilidades de construção do conhecimento, professores e aprendizes estão assumindo novas posturas, novos papéis. Aos professores, é exigida a capacitação e a formação continuada, a fim de proporcionar conhecimento para apropriação de tecnologias no ensino, o que acarretará uma nova postura por parte do docente. Em função disso, ele precisa conhecer os recursos que estão disponíveis, entender como é que incorpora essas tecnologias no que está fazendo e integrar as atividades Gabriela Quatrin Marzari _________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Entretextos, Londrina, v.14, n.2, p. 07 - 25, jul./ dez. 2014 9 curriculares ao uso da tecnologia. Já aos aprendizes, é exigido o uso eficiente/consciente das tecnologias para fins educativos. Em face dos novos papéis assumidos tanto pelos educadores quanto pelos aprendizes, surge um novo contexto de ensino e aprendizagem, em que os métodos tradicionais que se utilizam unicamente da voz do professor, do quadro-negro, do giz e do livro didático não atendem mais aos interesses e às expectativas dos alunos. Isso porque parcela significativa desses discentes está inserida e conectada ao mundo virtual, o qual lhes oferece uma gama de possibilidades de comunicação e interação potencialmente com pessoas do mundo todo. Dessa forma, é necessário que os professores se tornem digitalmente letrados: além de conhecer as inúmeras possibilidades existentes, esses docentes precisam saber utilizá-las pedagogicamente de modo eficiente, sem ser necessariamente usuários especialistas, mas sem se restringir à reprodução de modelos didático-pedagógicos ultrapassados usando novos meios. Portanto, repensar a prática docente, considerando os letramentos digitais, requer uma avaliação crítica da postura e do engajamento desses profissionais com o mundo virtual. Este estudo apresenta resultados parciais da pesquisa “Tecnologia e identidade de professores: embates na escola e na formação docente”, cujo objetivo é verificar o papel da tecnologia na constituição de uma identidade profissional diferenciada e apontar perspectivas teórico-práticas de instrumentação docente que possam contribuir para a formação do professor requerido atualmente, não em termos de meras exigências empresariais de mercado, mas de uma perspectiva crítica e emancipatória. Parte de nossa intenção consiste em saber se os professores utilizam, como utilizam e se consideram relevante utilizar as tecnologias em sala de aula. Para a realização deste estudo, focalizamos cinco escolas de ensino fundamental e médio da rede municipal do Rio Grande do Sul. Onze professores, dos respectivos contextos, foram entrevistados por meio de um questionário composto de dezoito questões objetivas. Repensando a sala de aula a partir do letramento digital_________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Entretextos, Londrina, v.14, n.2, p. 07 - 24, jul./ dez. 2014 10 A teoria dialógica do discurso, extensamente desenvolvida pelo Círculo de Bakhtin, fundamentará a análise proposta neste estudo. O dialogismo é um princípio relacional constitutivo da linguagem e do discurso, sendo todo sujeito dialógico, pois seus enunciados provêm do diálogo com o outro (discurso e sujeito). Bakhtin (2003) afirma que todo enunciado dirige-se a alguém e é suscitado por algo, o que o configura como um elo real na cadeia da comunicação discursiva, para além da língua per se. Assim, pode-se dizer que o nosso discurso é pleno de palavras do outro, que são modificadas e ressignificadas em nossos enunciados. Os enunciados do outro não são indiferentes, eles interagem em um diálogo contínuo. O princípio dialógico é considerado um processo dinâmico do discurso, uma vez que não é possível pensar no sujeito e seu discurso sem estar na relação com o outro. Bakhtin entende a linguagem em sua integridade concreta e viva, que é materializada em situações determinadas de enunciação. A teoria bakhtiniana pressupõe que o discurso é sempre plurivocal, manifestando uma diversidade de vozes que se encontram em constante diálogo. O conceito bakhtiniano de vozes refere-se aos pontos de vista, opiniões e posições sociais que habitam ou mesmo atravessam o discurso. Nesta linha de pensamento é que analisamos as respostas dos participantes deste estudo. O estudo organiza-se do seguinte modo: primeiramente, abordaremos as práticas de letramento e novas tecnologias no ensino de língua materna; a seguir, discutiremos a relação entre tecnologia e formação de professores; e, posteriormente, faremos a análise e discussão dos dados. Por fim, serão feitos alguns apontamentos teórico-práticos para instrumentação docente. Práticas de letramento e novas tecnologias no ensino de língua materna Gabriela Quatrin Marzari _________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Entretextos, Londrina, v.14, n.2, p. 07 - 25, jul./ dez. 2014 11 O termo “letramento” é considerado, por Soares (2002, p. 51), como “(...) estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva as práticas sociais que usam a escrita”. No campo da cultura digital, o letramento define-se, de maneira especial, pela mesma autora, como um certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e escrita na tela, diferentemente do estado ou condição (do letramento) dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel. O letramento digital implica tanto a apropriação de uma tecnologia quanto o exercício efetivo das práticas de escrita que circulam no meio digital. Bechara (1999) propõe que o sucesso da educação linguística é transformar o falante num poliglota dentro de sua própria língua nacional. O domínio da língua não está, necessariamente, associado à compreensão do domínio das regras de uma língua. Se não há consciência quanto ao uso da regra, se não há consciência da importância da regra, não adianta conhecer ou decorar a regra, pois ela não será suficiente para dar conta de todas as necessidades comunicativas, sociais e linguísticas presentes no cotidiano de qualquer falante. Cada aluno que chega à escola ou acessa a um ambiente virtual de aprendizagem traz consigo a sua realidade linguística. Os docentes precisam entender que cada um tem sua própria gramática, sua própria competência linguística, portanto, sua própria maneira de se comunicar. Repetindo: não se pode perder de vista que, segundo Bechara (1999), devemos ser poliglotas em nossa própria língua, ou seja, devemos ser capazes de lidar com as inúmeras realidades linguísticas, sejam elas quais forem, conforme o momento ou contexto sociais. Em termos bakhtinianos, mais do que do conhecimento de eventuais variedades fixadas, trata-se de se apropriar das competências de uso de gêneros, e de suas ressignificações individuais, tanto como compreendedor quanto como produtor. Nesse sentido, entende-se letramento como o desenvolvimento de capacidades de linguagem no âmbito e nos termos de diferentes práticas Repensando a sala de aula a partir do letramento digital _________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Entretextos, Londrina, v.14, n.2, p. 07 - 24, jul./ dez. 2014 12 sociais e não apenas como conhecimento do código de uma língua. Sob essa perspectiva, a concepção de letramento, ou melhor, de letramentos, nos contextos virtuais vai se construindo tanto a partir de práticas de letramento digital como na relação com o conhecimento tratado nas aulas e na forma de lidar com o próprio ambiente digital, seja ele institucionalizado ou disponível fora do contexto escolar. O aumento da utilização de recursos tecnológicos, sobretudo o computador e a Internet, na vida das pessoas requer novas maneiras de agir. Em função disso, é necessário pensar sobre os letramentos digitais no contexto escolar. Esse letramento exige que alunos e professores dominem um conjunto de informações e habilidades que devem ser trabalhadas na escola, a fim de proporcionar a inserção digital no contexto atual, bem como explorar melhor as habilidades já apropriadas. Segundo Xavier (s.d., p. 02), [o] Letramento digital implica realizar práticas de leitura e escrita diferentes das formas tradicionais de letramento e alfabetização. Ser letrado digital pressupõe assumir mudanças nos modos de ler e escrever os códigos e sinais verbais e não-verbais, como imagens e desenhos, se compararmos às formas de leitura e escrita feitas no livro, até porque o suporte sobre o qual estão os textos digitais é a tela, também digital. Essa nova perspectiva permite que os aprendizes, desde que suficientemente letrados, insiram-se em diferentes práticas sociais como sujeitos dessas práticas. Ao se apoderarem dessas habilidades, eles poderão vir a participar efetivamente dos processos de construção do conhecimento, numa atitude de empoderamento (Fairclough, 2001). Considerando, pois, que o aprendiz assume um novo papel no contexto de aprendizagem, que o torna mais responsável pela construção conjunta do conhecimento, algo que por vezes os “assusta”, é preciso que os professores, neste caso de língua materna, assumam uma postura pedagógica a partir da qual possam construir modelos de ensino diferenciados, buscar ferramentas digitais inovadoras e mesmo dar usos inovadores a ferramentas existentes. Caberá aos professores não apenas Gabriela Quatrin Marzari _________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Entretextos, Londrina, v.14, n.2, p. 07 - 25, jul./ dez. 2014 13 buscar novas possibilidades, mas saber executá-las de modo eficiente em prol de uma aprendizagem significativa, que considere os aprendizes como atores sociais responsáveis pela construção do conhecimento. Tecnologia e formação de professores Diante da influência das tecnologiasno ensino de línguas, é necessário que o educador assuma uma nova postura, alterando o modo como se relaciona consigo mesmo, com os conteúdos que ensina e, principalmente, com seus aprendizes. Nesse sentido, segundo Moran (2009), “(...) uma das tarefas mais urgentes é educar o educador para uma nova relação no processo de ensinar e aprender, mais aberta, participativa, respeitosa do ritmo de cada aluno, das habilidades específicas de cada um”. O uso das tecnologias, para fins didático-pedagógicos, requer amplo conhecimento de suas possibilidades e recursos por parte de seus usuários, neste caso os professores-educadores. Do contrário, poderão se tornar um verdadeiro obstáculo à prática docente, levando a consequências bastante negativas tanto para quem ensina quanto para quem aprende. O professor, ao fazer uso das diversas tecnologias existentes, deve se apropriar delas, numa atitude bastante consciente e coerente com os objetivos a serem atingidos. Os aprendizes, por outro lado, devem buscar, no meio virtual e nas tecnologias digitais, outras possibilidades de interação e promoção do conhecimento, de maneira autônoma, dinâmica e prazerosa. A apropriação das novas tecnologias por parte dos professores passa necessariamente pela identificação e reconhecimento de suas propriedades pedagógicas. Segundo Demo (2009), a contribuição das ferramentas da chamada Web 2.0 só é válida na medida em que promova uma aprendizagem mais protagonística. Segundo o autor: Repensando a sala de aula a partir do letramento digital _________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Entretextos, Londrina, v.14, n.2, p. 07 - 24, jul./ dez. 2014 14 [e]mbora seja um pouco apressado dizer que pedagogia vem antes da tecnologia (...), é certo que o desafio formativo é a razão maior de ser. Nesse sentido, sem pedagogia, nada feito. Na verdade, trata-se de envolver os estudantes no processo de aprendizagem, fomentar habilidades de aprendizagem autônoma, embora preferencialmente coletiva, desenvolver habilidade de construção de conhecimento, motivar aprendizagem sem fim. (DEMO, 2009, p. 37) Nesse sentido, fica evidente que, embora o uso das novas tecnologias no ensino de línguas seja de grande valia tanto para professores quanto para aprendizes, a intencionalidade pedagógica ou, segundo Demo (2009, p. 37), o “desafio formativo” é determinante para a promoção da aprendizagem. Em outras palavras, as ferramentas da Web 2.0 são recursos importantes e cada vez mais necessários para o desenvolvimento da autonomia, motivação e dinamicidade durante a aprendizagem de línguas, mas não são, sob hipótese alguma, garantia de aprendizagem. Cabe ao professor, portanto, utilizar esses recursos de forma adequada, considerando principalmente o contexto onde atua e os objetivos mais imediatos dos aprendizes que ensina. A esse respeito, Moran (2009) esclarece que: [e]nsinar com as novas mídias será uma revolução, se mudarmos simultaneamente os paradigmas convencionais do ensino, que mantêm distantes professores e alunos. (...) A Internet é um meio de comunicação, ainda incipiente, mas que pode ajudar-nos a rever, a ampliar e a modificar muitas das formas atuais de ensinar e aprender. Muitas são as ferramentas da Web 2.0 que podem ser utilizadas para fins pedagógicos. Ao citá-las, Demo (2009, p. 38) retoma a lista apresentada por Mason e Rennie (2008), que compreende: blogs; wikis; podcasts; e-portfolios; social networking; social bookmaking; photo sharing; second life; online forums; video messaging; e-books; instant messaging; skype; games; mashups; mobile learning; RSS feeds; YouTube; e audiographics1. 1 Fonte: List of Social Network Sites, 2008. Gabriela Quatrin Marzari _________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Entretextos, Londrina, v.14, n.2, p. 07 - 25, jul./ dez. 2014 15 Cada uma dessas ferramentas pode ser explorada de modo particular para o ensino de línguas. A escolha por determinada ferramenta está atrelada aos objetivos do professor ao ensinar uma habilidade específica e ao contexto onde atua, em especial, o nível de conhecimento e os objetivos dos aprendizes. Hoje há muitas escolas que estão tentando inserir a tecnologia na sala de aula. O que a maior parte delas faz é colocar os alunos em contato com a Internet em laboratórios (MORAN, 2010). Isso foi comprovado nas respostas ao questionário respondido pelos professores pesquisados. Todos disseram que o recurso utilizado na escola é a Internet e afirmaram que ir ao laboratório de informática e solicitar que os alunos acessem à Internet, para fins de pesquisa, é utilizar os recursos tecnológicos de maneira interativa e eficiente. Fica comprovado também que eles associam a utilização de tecnologias na sala de aula com pesquisa na Internet, através de sites de busca, como, por exemplo, o Google, restringindo, assim, as inúmeras possibilidades de uso dos recursos para fins de aprendizagem. Isso ocorre, provavelmente, em função de que não se sentem efetivamente preparados para utilizá-los em sala de aula, conforme sugerem suas próprias respostas. Análise e discussão dos resultados A análise dos dados revelou que todos os professores participantes deste estudo utilizam a Internet para fins de pesquisa. Segundo esses professores, fazer uso da Internet em sala de aula significa necessariamente fazer pesquisa em sites do Google. Essa constatação encontra respaldo nas respostas às questões 2, 3 e 4: “Você costuma trabalhar com recursos tecnológicos?”; “Que tipos de recursos tecnológicos você usa na escola?” e “Como você usa esses recursos?”. Isso indica que esses professores restringem a utilização dos recursos tecnológicos que estão à sua disposição à realização de pesquisas Repensando a sala de aula a partir do letramento digital _________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Entretextos, Londrina, v.14, n.2, p. 07 - 24, jul./ dez. 2014 16 através do Google. Em outras palavras, a Internet serve apenas como meio de pesquisa. Segundo Kenski (2007, p. 88), [a] visão redutora do uso das tecnologias digitais em atividades educacionais tem produzido mais pessoas insatisfeitas – tanto do lado dos estudantes quanto dos produtores e técnicos responsáveis pelos cursos – e desconfiadas em relação à eficácia do uso das TICs2. O uso da Internet como instrumento de pesquisa requer do professor o papel de orientador no processo de aprendizagem. O professor deve incentivar, orientar e aprender junto aos alunos. Segundo Moran (1997, p. 149), “(...) ensinar utilizando a Internet pressupõe uma atitude do professor diferente do convencional. O professor não é o “informador”, o que centraliza a informação. A informação está em inúmeros bancos de dados, revistas, livros e endereços de todo o mundo.” Os professores pesquisados afirmam de que o uso da Internet é importantepara fins didático-pedagógicos, porém, considerando o que diz Moran, ainda não a sabem utilizar de modo eficiente, uma vez que não mudaram de atitude. O que se observa, na maioria das vezes, é que existe o interesse em relação ao uso desse artefato no ensino de língua materna, por exemplo, mas falta conhecimento por parte dos professores para saber manipulá-lo de forma satisfatória e em prol de uma aprendizagem efetiva, que vá ao encontro dos objetivos de professores e aprendizes. Somente uma formação diferenciada, que permita ao professor fazer uso dos recursos tecnológicos na sala de aula de língua materna, resultará em novas metodologias de ensino. Segundo Kenski (2007, p. 106), [a] formação de qualidade dos docentes deve ser vista em um amplo quadro de complementação às tradicionais disciplinas pedagógicas e que inclui, entre outros, um razoável conhecimento de uso do computador, das redes e de demais suportes midiáticos (rádio, televisão, vídeo, por exemplo) em variadas e diferenciadas atividades de aprendizagem. É preciso saber utilizá-los adequadamente. 2 Tecnologias da Informação e da Comunicação Gabriela Quatrin Marzari _________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Entretextos, Londrina, v.14, n.2, p. 07 - 25, jul./ dez. 2014 17 Portanto, a inserção das novas tecnologias na sala de aula demanda, necessariamente, conhecimento por parte dos docentes ao utilizá-las ou fazer que sejam usadas. Levar os alunos para o laboratório de informática e pedir que pesquisem sobre determinado assunto, descompromissadamente, não significa fazer uso efetivo da tecnologia para fins de aprendizagem. Em outras palavras, se não houver uma preparação consistente por parte do professor para lidar com esses meios, muitas vezes tais atividades terão pouca ou nenhuma validade pedagógica. A utilização da informática e da Internet na escola pode correr o risco de se fechar em si mesma, isto é, no uso do computador pelo computador. Essas considerações aparecem no depoimento de uma das professoras participantes deste estudo, ao fazer seus comentários finais no questionário proposto. Professora 3: (...) não são esses recursos tecnológicos que irão fazer toda a diferença, pois muitas vezes nada adianta esses recursos se o professor não for capacitado (...). A preocupação demonstrada pela Professora 3 é compreensível, na medida em que a tecnologia não resolverá per se todos os problemas (metodológicos) de sala de aula. Na verdade, a tecnologia representa apenas mais uma possibilidade de inovação na qualidade do ensino que tanto se almeja: um ensino mais participativo, mais dinâmico e mais reflexivo. Conclui- se que a inserção da tecnologia na sala de aula é condição necessária, mas não suficiente para a melhoria da qualidade do ensino; o que é determinante é a natureza da participação de professores e aprendizes, que poderão, sempre que houver interesse, fazer uso da tecnologia para atender aos objetivos pedagógicos. Além disso, outro fator que deve ser considerado são os modos específicos como a tecnologia será utilizada para atender a esses objetivos. Nas respostas dos professores às questões 6 e 7, quando questionados sobre hábitos de pesquisa na Internet para a preparação de suas aulas, Repensando a sala de aula a partir do letramento digital _________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Entretextos, Londrina, v.14, n.2, p. 07 - 24, jul./ dez. 2014 18 evidencia-se o despreparo e a falta de conhecimento para usos adequados das tecnologias no ensino de língua materna. Dessa maneira, faz-se necessário repensar os letramentos digitais na escola, de modo que os professores se sintam familiarizados com os meios ou os recursos disponibilizados para fins pedagógicos, como afirmamos na seção 2. Outro fator para a não-utilização desses meios é a falta de tempo, conforme o relato de uma das professoras pesquisadas: Professora 5: (...) não usamos esses meios pela simples razão de ter que se desdobrar trabalhando algumas vezes até três turnos.” Nesse sentido, há que se pensar em diferentes maneiras de proporcionar a esses docentes remuneração adequada, melhores condições de trabalho e atividades de capacitação contínua, que proporcionem o contato e a familiarização com os recursos tecnológicos, não apenas momentos de treinamento, como acontece na maioria das vezes. Segundo Rezende e Fusari (2001, p. 242), "(...) a formação inicial de professores precisa estar 'de olho' no que está acontecendo no exercício da docência, mas o docente em exercício tem que estar 'de olho' nos cursos de formação inicial de professores". Portanto, é necessária uma articulação entre a formação inicial e a formação continuada de professores tendo como eixo central as práticas docentes. É de suma importância que o educador participe regularmente de cursos de formação continuada, buscando sempre a melhoria de sua prática pedagógica. Por fim, ao analisarmos as respostas dos participantes deste estudo às questões 10, 11, 12 e 13, que investigam a sua inserção e participação em redes sociais, concluímos que a maioria dos professores participa de alguma rede social, mas não a utiliza para fins didáticos. Segundo uma das professoras participantes: Professora 1: (...) nos dias de hoje, qual professor, por mais tempo que tenha de experiência profissional, já não possui todos esses recursos, e se às vezes não usa é pela simples razão de ter que se desdobrar Gabriela Quatrin Marzari _________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Entretextos, Londrina, v.14, n.2, p. 07 - 25, jul./ dez. 2014 19 trabalhando (...) fazemos o que podemos sempre em prol de nossos alunos (...). Fica evidenciado, no discurso da professora, que a grande maioria dos professores está cadastrada em redes sociais, mas o Orkut, o MSN e o Facebook, por exemplo, ainda não são utilizados para fins didáticos nas salas de aula, devido principalmente à falta de tempo, já mencionada pela Professora 5, o que se vincula ao excesso de trabalho decorrente da baixa remuneração, entre outros fatores. Além disso, pode-se perceber que o grande obstáculo encontrado pela Professora 1 quanto ao uso das redes sociais e outros recursos no ensino de língua materna esteja atrelada à dificuldade de implementação de tais recursos, considerando a lacuna evidente que existe na formação desses profissionais para o uso das tecnologias digitais na sala de aula. Considerações finais Ao desenvolvermos este estudo, buscamos conhecer a realidade do ensino de língua materna em escolas da rede municipal de uma cidade do Rio Grande do Sul. Nosso principal objetivo foi saber se os professores de língua materna têm utilizado os recursos tecnológicos na sala de aula. Esse objetivo visa a contribuir para a melhoria da prática docente dos professores, para que estes se sintamfamiliarizados com os recursos tecnológicos disponíveis atualmente e capacitados para o uso efetivo. No intuito de atender a esse propósito, respaldamos nosso estudo na teoria bakhtiniana, cujo pressuposto básico é a concepção da linguagem como constitutivamente dialógica. Para a coleta de dados, utilizamos um questionário, composto por questões fechadas, a fim de averiguar se esses professores utilizam as ferramentas digitais na sala de aula e, principalmente, como as utilizam para fins pedagógicos. Além disso, buscamos saber quais os motivos da não-utilização desses recursos do ponto de vista da importância de o professor Repensando a sala de aula a partir do letramento digital _________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Entretextos, Londrina, v.14, n.2, p. 07 - 24, jul./ dez. 2014 20 fazer uso dessas ferramentas na sala de aula de língua materna, devido à presença massiva das tecnologias na vida dos alunos. A análise das respostas dos professores participantes deste estudo ao questionário proposto revelou que a Internet está restritamente presente no meio acadêmico como ferramenta para pesquisas no Google. Além disso, o uso da Internet está vinculado à realização de pesquisas, que, na maioria das vezes, não são orientadas pelo professor. Essa constatação encontra respaldo em Moran (2010), que aborda o uso do computador pelo computador, aparentemente sem objetivos pedagógicos. Nisso, evidencia-se a falta de preparo por parte dos professores em saber utilizar de modo eficiente as tecnologias digitais em sala de aula. Outro aspecto a ser considerado refere-se ao fato de que os professores pesquisados têm acesso e fazem algum uso das redes sociais, como Orkut, MSN e Facebook, o que comprova que, de alguma maneira, são digitalmente letrados. Contudo, esse letramento restringe-se ao conhecimento da existência e ao uso restrito desses recursos como meio de interação social, porém não como instrumento aplicado em sala de aula. Além disso, o discurso desses professores evidencia que a carga horária excessiva de trabalho, vinculada com a baixa remuneração, os impede de refletir sobre maneiras de aplicar esses e outros recursos digitais no contexto escolar. Em função disso, seria necessário pensarmos em uma proposta de formação continuada que instrumentasse esses profissionais para a implementação das tecnologias no contexto educacional, mais especificamente no que se refere ao ensino e à aprendizagem de língua materna. Como ações possíveis para a promoção de uma formação continuada, é necessário pensarmos primeiramente na reestruturação da grade curricular dos cursos de licenciatura, inserindo disciplinas com ênfase nas TICs, o que permitirá ao futuro professor conhecer tais recursos e aplicá-los em sala de aula. As escolas, por sua vez, também precisam rever seus projetos pedagógicos, implementando-os com base nas atuais demandas sociais. Gabriela Quatrin Marzari _________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Entretextos, Londrina, v.14, n.2, p. 07 - 25, jul./ dez. 2014 21 Outra ação a ser pensada é a parceria efetiva entre universidades e escolas, a fim de que estas não sejam apenas alvo de pesquisa de futuros professores. É preciso que a parceria universidade–escola se mantenha mesmo após o término da pesquisa e que ambas as instâncias trabalhem colaborativamente em prol de um objetivo comum: instrumentar professores e alunos para o uso das TICs, tornando-os sujeitos digitalmente letrados. Dessa maneira, pesquisas que se preocupam em investigar o ensino em contextos escolares são possibilidades de entendimento dessas realidades e se constituem em alternativas para a proposição de medidas de melhoria das práticas docentes. Para que essas práticas sejam revistas e alteradas, é preciso, contudo, atentar para a realidade dos alunos, suas principais necessidades, bem como de seus professores e, principalmente, alterar as concepções de ensino-aprendizagem vigentes. Se sem tecnologia se perdem oportunidades de promover um processo de ensino-aprendizagem mais eficaz e proveitoso, a tecnologia não pode, per se, alterar a estrutura do ensino a fim de promover o protagonismo do aluno mediante o uso eficiente das tecnologias. Referências BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal (1979). Trad. Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999. DEMO, Pedro. Educação hoje: “novas” tecnologias, pressões e oportunidades. São Paulo: Atlas, 2009. FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Tradução de Izabel Magalhães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001 [1992]. KENSKI, Vani Moreira. 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Mudar a forma de ensinar e de aprender com tecnologias: transformar as aulas em pesquisa e comunicação presencial-virtual. In: MORAN, José Manuel; MASETTO, Marcos; BEHRENS, Marilda. Novas Tecnologias e Mediação Pedagógica. 17ª ed. Campinas, São Paulo: Papirus, 2010. REZENDE E FUSARI, Maria Felisminda de. Comunicação, meios de comunicação e formação de professores: questões de pesquisa. In. PORTO, T. M. E. (Org.) Saberes e linguagens de educação e comunicação. Pelotas: Editora Universitária, UFPel, 2001. VALENTE, José Armando (Org). Formação de educadores para o uso da informática na escola. Campinas: Nied, 2003. XAVIER, Antônio Carlos dos Santos. Letramento digital e ensino. Disponível em: http://www.ufpe.br/nehte/artigos/Letramento%20digital%20e%20ensino.pdf. Acesso em: 01 jul. 2011. APÊNDICE Prezado(a) professor(a), gostaríamos de contar com a sua colaboração para responder a este questionário, que servirá como instrumento de coleta de dados para a pesquisa intitulada “Tecnologia e identidade de professores: embates na escola e na formação docente”, conduzida pelas professoras Gabriela Quatrin Marzari (UNIFRA) e Vanessa Doumid Damasceno (UNIPAMPA), professoras dos cursos de Letras das referidas IES e alunas do programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (Doutorado) da Universidade Católica de Pelotas. Gabriela Quatrin Marzari _________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Entretextos, Londrina, v.14, n.2, p. 07 - 25, jul./ dez. 2014 23Questionário3 1. Qual matéria você leciona? ________________________________________________________________ 2. Você costuma trabalhar com recursos tecnológicos? ( ) Sim ( ) Não 3. Que tipos de recursos tecnológicos você usa na escola? ( ) Data Show ( ) Computadores ( ) Internet 4. Como você usa esses recursos? ( ) Em aulas expositivas (Data Show para apresentar um trabalho feito no Power Point) ( ) Pesquisa na internet para conteúdo de aula ( ) Pesquisa na internet dos alunos ( ) Produção de material pelo professor. Quais:___________________________________________________________ ( ) Produção de material pelos alunos. Quais:___________________________________________________________ 5. Ao solicitar alguma pesquisa de seus alunos, você costuma indicar algum site? ( ) Sim ( ) Não 6. Você costuma pesquisar na internet para obter novos materiais para trabalhar em aula? ( ) Sim ( ) Não 7. Caso não, qual(is) o(s) motivo(s)? ( ) Não tenho acesso ao computador ( ) Não tenho computador ( ) Não sei usar o computador ( ) Não conheço sites que poderia usar ( ) Minha disciplina não tem materiais na internet 8. Você já fez algum curso de informática? ( ) sim ( ) não 3 Questionário elaborado e aplicado pela acadêmica do sexto semestre do curso de Letras da Universidade Federal do Pampa, Juliana Rodrigues, como parte integrante da pesquisa “Tecnologia e identidade de professores: embates na escola e na formação docente”, sob orientação da professora Vanessa Doumid Damasceno. Repensando a sala de aula a partir do letramento digital _________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Entretextos, Londrina, v.14, n.2, p. 07 - 24, jul./ dez. 2014 24 9. Quando foi a última vez que fez algum curso dessa área (mês/ano de conclusão)? ___ 10. Você tem e-mail? ( ) não ( ) sim, qual frequência de acesso: ________________________________________________________________ 11. Você tem MSN? ( ) não ( ) sim – qual frequência de uso: ________________________________________________________________ 12. Você tem Orkut? ( ) não ( ) sim, qual frequência de acesso: ________________________________________________________________ 13. Você tem facebook? ( ) não ( ) sim, qual frequência de acesso: ________________________________________________________________ 14. Você tem Twitter? ( ) não ( ) sim, qual frequência de acesso: ________________________________________________________________ 15. Utiliza outros sites para relacionamentos/conversação? ( ) não ( ) sim, quais? ________________________________________________________________ 16. Você gostaria de aprender a usar algum dos itens abaixo? Quais? ( ) E-mail ( ) MSN ( ) Orkut ( ) Facebook ( ) Twitter ( ) Outros: ________________________________________________________________ 17. Você já fez algum curso à distância? ( ) não ( ) sim 18. Você já desenvolveu algum curso/aula pela internet? ( ) não ( ) sim, que ferramenta usou? ________________________________________________________________ Comentários: ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ Gabriela Quatrin Marzari _________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Entretextos, Londrina, v.14, n.2, p. 07 - 25, jul./ dez. 2014 25 ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________