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32. Síndromes psicóticas (quadros do espectro da esquizofrenia e outras psicoses) As síndromes psicóticas caracterizam-se por experiências como alucinações e delírios, desorganização marcante do pensamento e/ou do comportamento ou comportamento catatônico (Janzarik, 2003; APA, 2014; CID-11, 2018). Experiência intensa de estar sendo perseguido ou ameaçado (por pessoas ou forças estranhas), assim como alterações evidentes na vida pessoal, familiar e social, são frequentes nos quadros psicóticos. São condições, de modo geral, de acentuada gravidade (Schimid, 1991; Gaebel; Zielasek, 2015). Não há consenso pleno, entretanto, sobre a definição precisa de “psicose” (Nielsen et al., 2008). Os autores de orientação psicodinâmica, assim como muitos psicólogos clínicos, tendem a dar ênfase à perda de contato com a realidade e/ou a distorções muito marcantes na percepção e na relação com a realidade. O “teste de realidade”, que é a função do ego em avaliar e julgar de modo objetivo o mundo externo, estaria gravemente prejudicada na psicose (tal visão tem origem nas noções de Freud e de Bleuler de esquizofrenia). Já os autores de orientação fenomenológica formulam que na psicose ocorrem alterações básicas na estrutura de experiências fundamentais, como as do espaço e do tempo. Há, então, perda de elementos normalmente compartilhados do senso comum (a chamada folk epistemology). Ocorre transformação de como o indivíduo se dirige ao mundo e às pessoas, uma mudança do vetor da intencionalidade. Normalmente partimos de nós mesmos para dirigir nossa consciência em direção ao mundo; na psicose, o mundo é que é percebido como se dirigindo ao sujeito. O mundo invade, por assim dizer, a consciência. Há, assim, a chamada inversão do arco intencional da consciência. Na visão fenomenológica, profundas modificações do eu corporal e do senso de agência do self estariam na base da psicose. Esse modo de entender o que é psicose, em certo sentido, se contrapõe à orientação da psiquiatria clínica, que dá ênfase à noção de psicose como presença de sintomas psicóticos (delírios, alucinações, desorganizações marcantes de pensamento e comportamento). Tais elementos clínicos são os parâmetros de identificação e diagnóstico de psicoses sugeridos pela Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID- 11) e pelo Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5). De toda forma, é consensual que pacientes psicóticos geralmente têm insight muito prejudicado (precária consciência da doença) em relação aos seus sintomas e a sua condição clínica geral (Mella et al., 2011; Dantas et al., 2011). Além disso, a condição é um transtorno quase sempre muito grave e profundamente perturbador para o indivíduo e pessoas próximas. ESQUIZOFRENIA A principal forma de psicose ou síndrome psicótica, por sua frequência e sua importância clínica, é, certamente, a esquizofrenia (Tsuang; Stone; Faraone, 2000; Tandon; Keshavan; Nasrallah, 2008). Essa doença, internacionalmente, tem incidência anual (casos novos por ano) em torno de 15 a 42 por 100 mil habitantes e prevalência pontual (point prevalence) de 0,4% (4,5 pessoas por 1.000 habitantes). O risco de ter esquizofrenia alguma vez na vida é, em média, de 0,7% – 7 pessoas em cada 1.000 habitantes (Tandon et al., 2009). No Brasil, a prevalência alguma vez na vida é semelhante, em torno de 0,8% (Mari; Leitão, 2000; Matos et al., 2015). Um estudo recente sobre a incidência anual de casos tratados (casos novos por ano que chegam a serviços de saúde mental) de psicoses não afetivas em seis países (cinco europeus e no Brasil, em Ribeirão Preto/SP) envolveu população total de 12,9 milhões de pessoas, de 2010 a 2015. A incidência global foi de 16,9 por 100 mil habitantes (mas houve marcante variação entre os locais, de 5,2 por 100 mil em Santiago, Espanha, a 57,5 por 100 mil, no sudeste de Londres). No Brasil, em Ribeirão Preto (SP), nesse estudo, a taxa de incidência anual foi de 14,8 por 100 mil habitantes. No total dos países, ter o status de minoria racial ou étnica se associou a maior risco de psicose (Jongsma et al., 2018). Assim, os dados indicam que o Brasil tem situação intermediária (nem baixa, nem alta) em termos de incidência e prevalência de psicoses não afetivas (a maior parte das quais é esquizofrenia). • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • O conceito de esquizofrenia A proposta de se recortar uma entidade nosológica que incluiria formas distintas de “loucura” (paranoide, catatônica e dos jovens ou hebefrênica) foi feita pelo psiquiatra alemão Emil Kraepelin (1856-1926), em 1896, que a nomeou dementia praecox (“dementia” pela noção de que a maior parte dos pacientes teria evolução muito ruim e “praecox” pelo seu início frequente em jovens e adultos jovens). Já o psiquiatra suíço Eugen Bleuler (1857-1939) propôs, em 1911, o termo esquizofrenia, dando ênfase à desarmonia interna do funcionamento mental e à quebra radical do contato com a realidade que ele notava nesse transtorno. Apesar de o surgimento dos antipsicóticos de primeira (anos de 1950) e segunda gerações (anos de 1980 e 1990) ter mudado bastante as possibilidades terapêuticas, alguns elementos clínicos do construto nosológico “esquizofrenia” permanecem com considerável estabilidade (Leme Lopes, 1980) desde Kraepelin e Bleuler até as visões e classificações atuais, como a CID-11 e o DSM-5. Entre as mais importantes propostas para conceitualizar o que deve ser compreendido como esquizofrenia estão as noções apresentadas tanto por autores importantes da psicopatologia como pelos sistemas diagnósticos atuais. Essas visões estão apresentadas no Quadro 32.1. Quadro 32.1 | Definições e visões de esquizofrenia EMIL KRAEPELIN (1856-1926) EUGEN BLEULER (1857-1939) Alterações da vontade (perda do elã vital, negativismo) Aplainamento até embotamento afetivo Alterações da atenção e da compreensão Transtorno do pensamento, no sentido de associações frouxas Alterações do juízo, da avaliação da realidade Alucinações, especialmente auditivas Vivências de influência sobre o pensamento Evolução deteriorante (83% dos casos) no sentido de embotamento geral da personalidade Alterações formais do pensamento, no sentido de afrouxamento até perda das associações Aplainamento até embotamento afetivo Ambivalência afetiva; afetos contraditórios vivenciados intensamente ao mesmo tempo “Autismo”, como tendência a isolamento psíquico global em relação ao mundo Dissociação ideoafetiva, desarmonia profunda entre as ideias e os afetos Evolução muito heterogênea; muitos casos podem apresentar evolução benigna KARL JASPERS (1883-1969) KURT SCHNEIDER (1887-1967) Ideias delirantes primárias, não compreensíveis psicologicamente Humor delirante precede o delírio Alucinações verdadeiras, primárias Vivências de influência, vivências do “feito” Analisando-se a vida total do paciente, nota-se que ocorreu quebra na curva existencial, transformação radical da personalidade e da existência da pessoa Percepção delirante Vozes que comentam a ação Vozes que comandam a ação Eco ou sonorização do pensamento Difusão do pensamento Roubo do pensamento Vivências de influência no plano corporal, dos afetos, das tendências, da vontade ou do • • • • • • • A. 1. 2. 3. 4. 5. B. C. • • • • • pensamento CID-11 DSM-5 Podem estar presentes alterações em múltiplas dimensões mentais e comportamentais, inclusive: pensamento (delírios e/ou desorganização da forma do pensamento) percepção (alucinações) experiências de alterações do self (experiência de que os sentimentos, impulsos, pensamentos ou atos estão sob controle de forças externas) perdas cognitivas (déficits na atenção, na memória verbal e na cognição social) alterações da volição (perda da motivação) alterações dos afetos (aplainamentoemocional) alterações psicomotoras, inclusive catatonia São considerados sintomas nucleares: delírios e/ou alucinações persistentes, transtornos formais do pensamento, experiências de influência, passividade ou controle. Os sintomas devem estar presentes por, pelo menos, um mês. Dois ou mais dos seguintes sintomas (de 1 a 5) devem estar presentes com duração significativa por, pelo menos, um mês: delírios alucinações discurso desorganizado comportamento grosseiramente desorganizado ou catatônico sintomas negativos (embotamento afetivo, alogia, avolição) Disfunções sociais, no trabalho e/ou no estudo, denotando perdas nas habilidades interpessoais e produtivas. Duração dos sintomas principais de pelo menos um mês (de A. 1 a 5) e do quadro deficitário (sintomas prodrômicos ou residuais) de pelo menos seis meses. Os psicopatólogos do fim do século XIX e início do XX distinguiram quatro subtipos de esquizofrenia: a forma paranoide, caracterizada por alucinações e ideias delirantes, principalmente de conteúdo persecutório; a forma catatônica, marcada por alterações motoras, hipertonia, flexibilidade cerácea e alterações da vontade, como negativismo, mutismo e impulsividade; a forma hebefrênica, caracterizada por pensamento desorganizado, comportamento bizarro e afeto marcadamente pueril, infantilizado; e um subtipo dito “simples”, no qual, apesar de faltarem sintomas característicos, seria observado um lento e progressivo empobrecimento psíquico e comportamental, com negligência quanto aos cuidados de si (higiene, roupas, saúde), embotamento afetivo e distanciamento social. Entretanto, os subtipos clínicos da esquizofrenia foram abandonados pelos sistemas de classificação atuais (CID-11 e DSM-5), pois não se revelaram suficientemente úteis, pelas seguintes razões (Braff et al., 2013): não são estáveis ao longo do tempo (pacientes com frequência “mudam” de subtipo ao longo dos anos); não predizem padrão de evolução da doença; não predizem resposta a tratamentos farmacológicos ou psicossociais; são muito heterogêneos em relação às bases genéticas e neuronais da esquizofrenia; a delimitação dos subtipos tem sido cada vez menos utilizada em pesquisas. 1. 2. 3. 4. 5. 6. • • • Nas últimas décadas, em contraposição à definição de subtipos delimitados, tem-se dado muito mais importância à identificação de conjuntos de sintomas e comportamentos, que podem se combinar de formas muito variadas e heterogêneas, nas diversas fases da esquizofrenia, nas quais preponderariam distintas dimensões sintomatológicas. Seria, então, de interesse “estadiar” a evolução da doença observando-se a progressão e a regressão desses sintomas e dimensões sintomatológicas ao longo do tempo. A seguir, são apresentados os principais grupos de sintomas da esquizofrenia (Andreasen, 1995; Tandon et al., 2009; APA, 2014; CID-11, 2018): Sintomas negativos Sintomas positivos Sintomas de desorganização Sintomas psicomotores/catatonia Sintomas/prejuízos cognitivos Sintomas de humor Sintomas negativos (síndrome negativa ou deficitária) (Dantas; Banzato, 2007) Os sintomas negativos das psicoses esquizofrênicas caracterizam-se pela perda de certas funções psíquicas (na esfera da vontade, do pensamento, da linguagem, etc.) e pelo empobrecimento global da vida afetiva, cognitiva e social do indivíduo. Os principais sintomas ditos negativos nas síndromes esquizofrênicas são: Distanciamento e aplainamento afetivo ou afeto embotado, em graus variáveis até, em alguns casos, grave embotamento afetivo; perda da capacidade de se sintonizar afetivamente com as pessoas, de ter e/ou demonstrar ressonância afetiva no contato interpessoal. Um conjunto de alterações que resultam em retração social ou associalidade. Assim, em decorrência de alterações nas esferas afetivas (sobretudo apatia) e volitivas (abulia e redução do “drive”, do impulso para agir socialmente), o indivíduo vai se isolando progressivamente do convívio social, havendo restrição dos interesses. Alogia ou empobrecimento da linguagem e do pensamento, que se constata pela diminuição da fluência verbal e pelo discurso empobrecido. • • Diminuição da vontade (avolição), que se expressa geralmente por diminuição da iniciativa e por hipopragmatismo, ou seja, dificuldade ou incapacidade de realizar ações, tarefas, trabalhos minimamente organizados que exijam iniciativa, motivação, organização e persistência. Anedonia, diminuição da capacidade de experimentar e sentir prazer. A anedonia na esquizofrenia é distinta daquela experimentada nas depressões, pois, enquanto na esquizofrenia não há evidente desconforto subjetivo com a experiência de anedonia, nos quadros depressivos ela se apresenta marcada por desconforto subjetivo, mais ou menos intenso. Busca-se atualmente identificar se os sintomas negativos que o paciente apresenta são primários (decorrentes de forma intrínseca da própria esquizofrenia) ou secundários (decorrentes de efeitos colaterais dos medicamentos antipsicóticos, de depressão ou de privação e isolamento social). Os sintomas negativos podem surgir devido à ação inibitória de sintomas positivos – por exemplo, o indivíduo fica pouco ativo, sem iniciativa, isolado dos outros, pois experimenta delírio ou alucinação que o ameaça e impõe retaliações caso saia de seu isolamento. Em decorrência dos sintomas negativos, observa-se, em uma parte das pessoas com esquizofrenia, uma considerável negligência quanto a si mesmo, que se revela pelo descuido e desinteresse para consigo mesmo, com higiene pobre, roupas malcuidadas, descuido da aparência e/ou dos cuidados com a saúde, cabelos sujos, dentes apodrecidos, entre outros aspectos. O distanciamento e o embotamento afetivo, assim como a retração social e a restrição dos interesses pelo mundo externo, correspondem, em certa medida, ao que Eugen Bleuler (1857-1939) denominou “autismo na esquizofrenia” (Bleuler, 1911). Para o autor, a síndrome autística da esquizofrenia (construto claramente distinto do atual autismo infantil ou TEA) incluiria, além de dificuldade ou incapacidade de estabelecer contato afetivo com outras pessoas e retração do convívio social, a inacessibilidade ao mundo interno do paciente (em casos extremos, mutismo e comportamento marcadamente negativista), atitudes e comportamentos rígidos e pensamento bizarro ou idiossincrático (Parnas; Bovet, 1991). Não se conhece o que causa a neurofisiopatologia dos sintomas negativos; sabe-se que eles são relativamente refratários ao tratamento farmacológico e representam, ao lado das perdas cognitivas, importante componente que agrava o • • • 1. curso da doença e empobrece consideravelmente a vida social, laboral e afetiva de pessoas com esquizofrenia. Sintomas positivos (síndrome positiva ou de sintomas produtivos) Diferentemente dos sintomas negativos, que se manifestam principalmente pelas ausências e pelos déficits psíquicos e comportamentais, os sintomas ditos positivos são manifestações novas, salientes, do processo esquizofrênico. Os principais sintomas positivos da esquizofrenia são: Alucinações, que são consideravelmente frequentes, mas também pode haver ilusões ou pseudoalucinações. O tipo de alucinação mais frequente é a auditiva (alucinações audioverbais, ou seja, “vozes” que o paciente ouve, geralmente com conteúdos de acusação, ameaça ou pejorativos), mas também pode haver alucinações/ilusões visuais, táteis, gustativas (gosto de veneno nos alimentos) e/ou olfativas (auto-ósmicas, sentir cheiro de pus ou de algo apodrecido dentro do abdome, sentir cheiro de podre). Ideias delirantes (delírio), frequentemente de conteúdo persecutório, autorreferentes ou de influência, mas pode haver delírios com outros conteúdos ou de outra natureza. A duração, a abrangência, o grau de sistematização e a implicação de “tendência à ação” dos delírios são bem variáveis. Os delíriose as alucinações com conteúdos implausíveis, bizarros (eventos ou fatos praticamente impossíveis de ocorrer), assim como não congruentes com o humor basal do paciente, são indicadores robustos de esquizofrenia. Outras formas de distorção da realidade ou dificuldades com o teste de realidade, como a presença de ideias muito deturpadas, marcadamente bizarras, sobre a realidade, sobre os fatos do mundo, sobre a história do paciente, embora não sejam necessariamente delírios, podem estar presentes. O psicopatólogo alemão Kurt Schneider (1887-1967) propôs que alguns sintomas, que poderiam ser incluídos junto ao grupo dos sintomas positivos, teriam um peso maior para o diagnóstico da esquizofrenia (Tandon; Greden, 1987; Schneider, 1992), denominados, então, “sintomas de primeira ordem”. São eles: Percepção delirante. Uma percepção normal recebe instantaneamente uma significação delirante. Essa vivência delirante ocorre de modo simultâneo ao ato perceptivo, em geral de forma abrupta, maciça, como uma espécie de 2. 3. 4. 5. 6. • • “revelação”. Para Schneider (1992), essa é a forma fundamental do delírio na esquizofrenia. Alucinações auditivas características. São as “vozes” que acompanham as ações do paciente com observações, que fazem comentários; ocorrem na forma de fala e resposta ou vozes que comandam a ação do indivíduo. Elas transmitem ordens ao paciente ou fazem comentários sobre seus atos. Eco do pensamento ou sonorização do pensamento (Gedankenlautwerden). O indivíduo escuta seus pensamentos ao pensá-los; um paciente de Schneider dizia: “são os meus pensamentos que ouço. Eles se fazem ouvir quando há silêncio”. Difusão, divulgação ou publicação do pensamento. Nesse caso, o indivíduo tem a sensação de que seus pensamentos são ouvidos ou percebidos claramente pelos outros, no momento em que os pensa. Um paciente que entrevistamos dizia: “tudo o que penso é transmitido por uma espécie de rádio para todos os pontos da Terra, todos ficam imediatamente sabendo”. Roubo do pensamento. Experiência na qual o indivíduo tem a sensação de que seu pensamento é inexplicavelmente extraído de sua mente, como se fosse roubado. Distúrbios da vivência do eu. Vivências de influência sobre o corpo ou sobre a vida mental. Aqui, dois tipos de vivências de influência são mais significativos: Vivências de influência sobre o corpo. São experiências nas quais o paciente sente que uma força ou um ser externo age sobre seu organismo, sobre seus órgãos, emitindo raios, ondas, sinais elétricos ou eletromagnéticos, influenciando as funções corporais, tocando seus genitais, tendo relações sexuais consigo; uma bala de revólver gira dentro de meu peito ou uma força pressiona meu cérebro, ou, ainda, sou penetrada à noite pelo demônio. Vivências do “fabricado” ou do “feito” por outros (ou por forças externas) impostas ao indivíduo nos campos da sensação, do sentimento, das tendências, do impulso, da vontade ou do pensamento. Referem-se à experiência de que algo influencia de forma maciça seus sentimentos, impulsos, vontades ou pensamentos. Essas vivências têm a peculiar qualidade de serem experimentadas como algo “feito” ou “fabricado” e imposto de fora; é a vivência de uma imposição • • • • estranha – um chip de computador foi instalado em minha cabeça e comanda meus pensamentos (ou sentimentos, impulsos, vontades). Os sintomas de primeira ordem indicariam profunda alteração da relação eu-mundo, uma alteração radical do self, de “membranas” que delimitariam o eu/self em relação ao mundo, uma perda marcante da dimensão da intimidade. Ao sentir que uma força, um comando (sob a forma de “raios”, “transmissões”, “ondas”), é imposto de fora, feito a sua revelia, o indivíduo vivencia a perda do controle sobre si mesmo, a invasão maciça de algo do mundo externo sobre seu ser íntimo. Esse tipo de experiência psicótica, dos pensamentos mais íntimos serem imediatamente percebidos por outras pessoas, de pensamentos/sentimentos/vontades serem impostos de fora para dentro do eu, em conjunto com a experiência de difusão ou publicação do pensamento, expressa a vivência de uma considerável “fusão” do eu com o mundo, um avançar terrível do mundo público sobre o privado, assim como um extravasamento involuntário da experiência interior, íntima e pessoal, sobre o mundo circundante. Sintomas de desorganização (síndrome de desorganização) Essa síndrome tem certa correspondência ou semelhança com o subtipo classicamente denominado esquizofrenia hebefrênica. Assim, nas formas desorganizadas da doença, observam-se: Pensamento progressivamente desorganizado, de leve afrouxamento das associações, passando por descarrilamento do pensamento até a total desagregação e produção de um pensamento totalmente incompreensível, totalmente incoerente. Nesses casos, geralmente é observada a fragmentação da progressão lógica do discurso. Discurso que revela tangencialidade e circunstancialidade em níveis não totalmente desorganizados da linguagem/pensamento. A presença de neologismos eventualmente é incluída aqui, mas pode também ser classificada junto aos sintomas positivos. Comportamentos desorganizados e incompreensíveis, particularmente comportamentos sociais e sexuais bizarros e inadequados, observados em vestimenta, adornos, aparência e expressão geral bizarra. Afeto inadequado, marcadamente ambivalente, incongruente e em descompasso franco entre as esferas afetivas, ideativas e volitivas pode ser incluído como parte da síndrome de desorganização. Tal incongruência ou desarmonia interna foi reiteradamente pensada como um dos elementos centrais da esquizofrenia. Foi denominada por Erwin Stransky (1877-1962) de “ataxia intrapsíquica”; por Philippe Chaslin (1857-1923) de “loucura discordante”; e por Eugen Bleuler (1857-1939) de “dissociação ideoafetiva”. Sintomas psicomotores e catatonia (síndrome psicomotora) Não é incomum pacientes com esquizofrenia apresentarem lentificação e empobrecimento psicomotor com restrição do repertório da esfera gestual e motora. Alterações psicomotoras também são verificadas na forma de estereotipias de movimentos (atos, gestos, atitudes mais complexos que os tiques, repetidos de forma mecânica, sem finalidades), maneirismos (gestos complexos, repetidos, que parecem ter um objetivo e significado para o indivíduo, mas que são percebidos pelo observador como algo excessivo, excêntrico e muito bizarro) e posturas bizarras. Alguns pacientes fazem caretas (que não se sabe por que), vestem roupas e usam adornos bizarros. A síndrome catatônica ou catatonia é a manifestação psicomotora mais marcante na esquizofrenia. Na catatonia, embora os pacientes apresentem o nível de consciência preservado, podem revelar sintomas de estupor (diminuição marcante até ausência de atividade psicomotora, com retenção da consciência, mutismo e negativismo; o paciente fica no leito, parado, sem fazer nada, sem responder a solicitações, sem se alimentar e às vezes sem sair para urinar ou defecar). Também pertencem à catatonia a flexibilidade cerácea, ou catalepsia (o paciente fica na posição que o colocam, mesmo em posições dos membros contra a gravidade), a ecolalia (repetir mecanicamente palavras do interlocutor) e/ou a ecopraxia (repetir mecanicamente atos dos outros). Um grupo menor de pacientes em catatonia apresenta, alternadamente com a lentificação e o estupor, momentos de muita agitação psicomotora, às vezes com agressividade impulsiva, aparentemente imotivada (chamada de “excitação catatônica” ou “furor catatônico”). Cabe salientar que, na CID-11, a catatonia é também considerada uma síndrome psicopatológica autônoma, situada na “vizinhança” da esquizofrenia. Sintomas/prejuízos cognitivos Há alterações cognitivas difusas na doença, que, na maior parte das vezes, precedem mesmo o surgimento dos sintomas psicóticos e são muito relevantes, pois afetammarcadamente a evolução funcional dos pacientes (revisão em Dantas et al., 2010). Essas alterações são muito frequentes e acometem possivelmente a maioria dos indivíduos acometidos pela doença. Alterações cognitivas na esquizofrenia incluem os seguintes domínios da cognição: atenção, memória episódica, memória de trabalho, velocidade de processamento e funções executivas frontais (inclusive fluência verbal). São particularmente importantes, pelas suas repercussões para a vida social e socioafetiva do indivíduo, as alterações da cognição social. Aqui se verifica déficit em teoria da mente (sistema de inferências ligado à compreensão de intenções, disposições e crenças dos outros e de si mesmo). Também em relação à cognição social, observam-se dificuldades na percepção e no gerenciamento de emoções (perceber e compreender as emoções a partir de pistas faciais, tom de voz, gestos) e déficit na percepção social (compreender o contexto social, decodificar e identificar dicas sociais de acordo com o ambiente). Por fim, a cognição social pode estar prejudicada em relação ao viés ou estilo de atribuição, que é o modo como se inferem as causas dos acontecimentos referentes às outras pessoas, a si mesmo ou a fatores ambientais. Observa-se, na esquizofrenia, tendência a apresentar vieses de atribuição no sentido de atribuições negativas aos outros em vez de ao ambiente, ou atribuições mais hostis às ações e aos comportamentos dos outros do que de fato está ocorrendo (Mecca; Martins Dias; Berberian, 2016). As alterações cognitivas na doença são, atualmente, consideradas uma dimensão muito relevante desse transtorno, pois são fortes preditores de pior evolução na vida social e do trabalho. Embora haja pesquisas com tentativas de intervenções, tratamentos farmacológicos e neuropsicológicos são de muito modesta eficácia para as alterações cognitivas. Sintomas de humor Há redução da experiência e da expressão emocional em muitos pacientes (vista também como uma dimensão dos sintomas negativos). Em contraste com tal redução, os indivíduos apresentam com frequência aumento da reatividade emocional (sobretudo quando também apresentam sintomas positivos, quando expostos a muitos estímulos). Essa combinação de redução da expressão emocional com maior reatividade emocional tem sido denominada de “paradoxo emocional da esquizofrenia” (Aleman; Kahn, 2005). Pessoas com esquizofrenia apresentam taxas mais altas do que a população em geral de sintomas ansiosos e depressivos, bem como depressão clínica. Os sintomas ansiosos são dos diversos tipos: ansiedade generalizada, ataques de pânico, ansiedade/fobia social e sintomas obsessivo-compulsivos. Os sintomas de humor podem também surgir atrelados a sintomas da esquizofrenia ou a efeitos colaterais dos antipsicóticos (chamada de “disforia dos neurolépticos”). Tais sintomas podem ocorrer antes da eclosão dos sintomas positivos, nos quadros com atividade psicótica, entre os surtos, ou nos períodos após os surtos (no caso de sintomas depressivos, denomina-se “depressão pós-psicótica”). Sintomas de humor contribuem significativamente para o sofrimento e as dificuldades pessoais e sociais que a esquizofrenia implica. Outras características e sintomas associados à esquizofrenia A falta de insight é um elemento importante da maioria dos pacientes (Dantas et al., 2011), os quais, em geral, não acham que têm qualquer problema ou doença; às vezes, reconhecem a presença dos sintomas, mas atribuem-nos a outras causas ou fatores (nervosismo, influências espirituais, religiosas, ação do demônio, dificuldades na vida que todos têm, etc.). É também comum os pacientes negarem que tenham necessidade de tratamento, acompanhamento médico e/ou psicológico ou tratamento medicamentoso. O insight e sua falta não são, de modo geral, um fenômeno do tipo “tudo ou nada”; há graus de insight e áreas dele mais prejudicadas ou não; por exemplo, uma pessoa com esquizofrenia pode não ter insight algum sobre o caráter patológico de sua condição, mas reconhece que necessita de ajuda para dificuldades nas relações familiares e por isso aceita o uso de medicação antipsicótica e intervenções psicossociais para a doença. Nos surtos psicóticos, quando há necessidade de internação, os pacientes com bastante frequência a recusam, mesmo após terem apresentado comportamentos francamente disfuncionais ou destrutivos, como agressões graves a pessoas ou destruição de objetos na casa, entre outros. Pacientes com esquizofrenia apresentam sintomas neurológicos inespecíficos (neurological hard e principalmente soft signs): prejuízo na função olfativa (déficits na identificação e na discriminação de odores), hipoalgesia (sensibilidade diminuída à dor) e alterações da motilidade dos olhos (anormalidades oculomotoras, dos movimentos sacádicos dos olhos). Também 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. podem apresentar prejuízo nas habilidades de coordenação motora fina e de sequenciamento de tarefas motoras complexas, presença aumentada de reflexos primitivos de liberação cortical, assim como maior prevalência de mancinismo (predomínio da mão esquerda ou dominância lateral mista, o que indica, possivelmente, anomalia da dominância hemisférica cerebral). Um bom resumo do que foi identificado e conhecido de forma consistente pelas pesquisas científicas sobre a esquizofrenia nas últimas décadas foi apresentado em uma série de artigos no periódico científico Schizophrenia Research, que resultou na série Schizophrenia, Just the Facts (Tandon; Keshavan; Nasrallah, 2008; Tandon et al., 2009). O Quadro 32.2 apresenta resumidamente esses fatos e conhecimentos mais bem confirmados pelas pesquisas. Quadro 32.2 | Alguns dos aspectos mais relevantes descritos pela pesquisa científica sobre a esquizofrenia A esquizofrenia se caracteriza pela combinação de sintomas positivos, negativos, desorganização, sintomas cognitivos, psicomotores e de humor. Ela geralmente é diagnosticada quando sintomas positivos e negativos ocorrem em conjunto com perdas no funcionamento social, na ausência de sintomas proeminentes de humor (mania e/ou depressão), mas não são decorrentes de doenças neurológicas ou do uso de substâncias. O surgimento dos sintomas psicóticos ocorre, de modo geral, na adolescência e no início do período adulto. Nos homens, tende a surgir alguns anos mais cedo do que nas mulheres. A esquizofrenia é uma doença crônica, com surtos recorrentes; não há, de modo geral, remissão completa depois dos surtos. A evolução da vida social e econômica implica, geralmente, menores taxas de emprego e de independência econômica, e também há maior probabilidade de o indivíduo acometido ficar em situação de rua ou ser preso. O curso da doença é, de modo geral, dividido em três fases: fase pré-mórbida, fase de sintomas psicóticos e fase crônica, em que há graus diversos de perdas e deteriorações implicadas. As causas (etiologia) da esquizofrenia não são conhecidas. Nos estudos de neuroimagem e neuropatologia, foram identificados de forma consistente redução do volume cerebral total e do volume de substância cinzenta, alargamento dos ventrículos e redução de estruturas como áreas mediais dos lobos temporais, do córtex pré-frontal e do tálamo. O componente genético é importante, embora heterogêneo, e fatores de risco identificados (de pequeno efeito, mas somatórios) são: complicações obstétricas e perinatais, infecções na gestação, baixo peso ao nascer, uso de maconha na infância e na adolescência. A pior evolução se associa a sexo masculino, surgimento mais precoce da doença, períodos mais prolongados sem tratamento (duration of untreated psychosis), gravidade do acometimento cognitivo (sobretudo da cognição social) e dos sintomas negativos. A diferenciação nosológica entre a esquizofrenia e outros transtornos mentais graves pode ser pouco clara, sobretudo com outros transtornos que ocorram com sintomaspsicóticos (alucinação, delírio e desorganização). Há considerável heterogeneidade entre os pacientes acometidos pela esquizofrenia em termos de bases neurobiológicas, manifestações clínicas, curso e resposta ao tratamento. A gravidade dos diferentes sintomas e clusters (agrupamentos) de sintomas varia muito entre os pacientes e ao longo do curso da doença. Há perdas ou acometimentos cognitivos globais, mas de intensidades muito variáveis, entre os pacientes. Há pouco ou nenhum insight sobre a doença na maior parte das pessoas acometidas. 10. 11. 12. 13. Pode haver perdas adicionais em áreas específicas da cognição, como funções executivas do lobo frontal, memória, atenção, velocidade de processamento psicomotor e cognição social (teoria da mente, reconhecimento de emoções nas outras pessoas, percepção social e viés de atribuição). As perdas ou acometimentos cognitivos estão, de modo geral, presentes antes mesmo do surgimento dos sintomas psicóticos e persistem durante o curso da doença. Há, também, em uma parte substancial de pacientes, outros prejuízos pré-mórbidos (que antecedem a patologia), como retração social, dificuldades nos relacionamentos, ser desengonçado socialmente. São muito frequentes entre os pacientes obesidade e doenças cardiovasculares. Há prevalência aumentada (em relação à população em geral) de tabagismo e uso de substâncias. Pessoas com esquizofrenia vivem em média 15 a 25 anos a menos do que a população em geral, em decorrência de terem mais doenças e condições físicas (além de obesidade e condições cardiovasculares, diabetes, doenças pulmonares, infecções, entre outras) e hábitos e estilo de vida de maior risco para a saúde (como os mencionados anteriormente). Verificam-se taxas aumentas e risco aumentado de suicídio entre os pacientes. Pode haver aumento de comportamentos violentos em algumas fases específicas da doença. Os antipsicóticos, sobretudo para os sintomas positivos, são as intervenções terapêuticas com mais evidência de eficiência; entretanto, não são ou são muito pouco eficazes para sintomas negativos e cognitivos. A clozapina, embora implique efeitos colaterais potencialmente graves, é o tratamento mais eficaz entre todos os antipsicóticos. Fontes: Adaptado de Keshavan; Nasrallah, 2008; e Tandon et al, 2009. TRANSTORNO DELIRANTE (PARANOIA) E ESQUIZOFRENIA TARDIA (PARAFRENIA) (APA, 2014; CID-11, 2018; OPJORDSMOEN, 2014) Uma forma de psicose próxima à esquizofrenia, mas distinta, é o transtorno delirante, que se caracteriza pelo surgimento e pelo desenvolvimento de um delírio ou sistema delirante (vários delírios de alguma forma interligados tematicamente) com considerável preservação da personalidade, da afetividade, da cognição e do resto do psiquismo do indivíduo acometido. Não deve haver pensamento e/ou comportamento francamente desorganizado ou sintomas negativos marcantes. No passado denominado “paranoia” por Kraepelin (termo que, curiosamente, no linguajar popular, é usado como sinônimo de ideias de perseguição), esse transtorno se caracteriza por delírios bem organizados e sistematizados, às vezes com temática complexa, que permanecem como que “encistados”, “cristalizados”, em um domínio da vida e da personalidade do paciente, sem comprometer todo o resto (comprometimento que ocorre, por exemplo, na esquizofrenia). Kraepelin caracterizava a paranoia como o desenvolvimento lento e insidioso de um “sistema delirante durável, imutável, ao lado de uma perfeita conservação da lucidez e da ordem no pensamento, vontade e ação” (Ramos, 1933). Alucinações não devem ser o elemento proeminente do quadro, mas, se ocorrerem, geralmente têm relação com o tema do delírio. Também, como alteração do reconhecimento, podem ocorrer falsas identificações de pessoas, em geral associadas ao tema do delírio. O transtorno delirante ocorre geralmente em sujeitos com mais de 40 ou 50 anos de idade e costuma ter curso crônico e estável. A duração do delírio deve ser de no mínimo um mês (DSM-5) ou três meses (CID-11), mas em geral é mais longa, podendo perdurar anos. O transtorno delirante, tal como descrito nos sistemas diagnósticos atuais (CID-11 e DSM-5), é um construto heterogêneo. Poucos casos são subagudos e transitórios, com remissão completa após alguns meses, e outros evoluem para quadros mais graves de esquizofrenia. Entre esses dois extremos, há pessoas com delírios persistentes, que expressam a ideia clássica de paranoia (Opjordsmoen, 2014). O termo parafrenia é uma entidade nosológica da tradição psicopatológica (mas que não aparece nos sistemas atuais) referente a formas de psicose esquizofreniforme, de aparecimento tardio (após os 50 ou 60 anos), em que surgem delírios, em geral organizados e acompanhados de alucinações, mas nas quais, de forma semelhante ao transtorno delirante, há relativa preservação da personalidade, sem alterações ou com alterações mínimas da afetividade e da vontade (e quando ocorrem são relacionadas ao delírio e às alucinações). Alguns autores consideram a parafrenia uma forma tardia de esquizofrenia, que surge em geral após os 50 anos de idade (Howard; Almeida; Levy, 1994). TRANSTORNOS PSICÓTICOS AGUDOS, BREVES E TRANSITÓRIOS (PSICOSES REATIVAS E/OU PSICOSES PSICOGÊNICAS) (NUGENT ET AL., 2011; APA, 2014; CID-11, 2018) A observação clínica registra, desde há muitas décadas, casos de pacientes com quadros psicóticos, com sintomas mais ou menos semelhantes à esquizofrenia (pode haver alucinações e delírios, bem como discurso e comportamento desorganizados), de surgimento bem agudo (geralmente eclodem e alcançam máxima gravidade em até duas semanas). Entretanto, tais quadros, diferentemente da esquizofrenia (com curso em geral grave e deteriorante) revelam remissão relativamente rápida dos sintomas (dias ou semanas) e não implicam deterioração da vida social ou empobrecimento psíquico em forma de sintomas negativos ou perdas cognitivas (Castagnini; Berrios, 2009). A duração do episódio não deve ultrapassar três meses (CID-11) ou um mês (DSM-5), mas, de modo geral, dura de poucos dias a um mês. Há, após o episódio psicótico, retorno completo ao nível de funcionamento anterior à eclosão dos sintomas psicóticos agudos. Uma parte (mas nem todos) desses casos surge após estressores evidentes, mais ou menos intensos, como assalto, acidente grave de trânsito ou de trabalho, morte de parentes ou amigos queridos, perder-se em uma cidade ou em uma floresta, entre ouras situações. No transtorno psicótico breve, predominam, de característica, sintomas floridos, como ideias delirantes ou deliroides (em geral paranoides), alucinações visuais e/ou auditivas, muitas vezes com intensa perplexidade, certa confusão mental e turbulência emocional, e pode haver ansiedade acentuada e medos difusos. Sintomas catatônicos também podem estar presentes. Os sintomas tipicamente mudam muito, tanto em sua natureza como em sua intensidade, às vezes, de um dia para outro, ou no mesmo dia. Deve-se notar também que o surgimento de sintomas exuberantes, floridos e rapidamente mutáveis, sobretudo em casos de início bem agudo e com estressores importantes que desencadeiam o quadro, indica, de modo geral, melhor prognóstico para tais episódios psicóticos. Diagnóstico diferencial O transtorno psicótico agudo pode confundir-se com transtorno de estresse pós- traumático ou com quadros graves e prolongados de transtorno dissociativo (frequentemente denominado na tradição psicopatológica de histeria). Transtornos ou traços de personalidade do grupo B (sobretudo transtornos da personalidade borderline e histriônica) e transtorno da personalidade esquizotípica, além de traços de personalidade do tipo “psicoticismo”, podem preceder ou predispor as pessoas a apresentar transtorno psicótico agudo/breve. TRANSTORNO ESQUIZOAFETIVO (HECKERS ET AL., 2009; JAGER ET AL., 2011) Um grupo de pacientes não pode ser compreendidoe classificado nem plenamente no campo da esquizofrenia, nem no campo de um transtorno do humor grave, mesmo aqueles com sintomas psicóticos. A ideia de que haveria uma psicose intermediária entre a esquizofrenia e as psicoses afetivas é antiga (Kasanin, 1933), e muitos estudos têm buscado esclarecer o status nosológico e sintomatológico dessas psicoses mescladas ou intermediárias (Lena et al., 2016). O transtorno esquizoafetivo se caracteriza pela presença de proeminentes sintomas requeridos para o diagnóstico de esquizofrenia em conjunto (no mesmo episódio, simultaneamente, ou com distância de poucos dias entre eles) com sintomas típicos de um episódio de depressão maior, de mania ou de episódio misto (para a CID-11, concomitância com duração de pelo menos um mês). Para o DSM-5, o transtorno esquizoafetivo se caracteriza pela concomitância de sintomas evidentes de esquizofrenia (critérios A) associados a sintomas suficientes para o diagnóstico de episódio depressivo maior ou episódio maníaco. Entretanto, para diferenciar o transtorno esquizoafetivo dos quadros de depressão ou mania psicótica, o DSM-5 exige que haja pelo menos duas semanas de delírios ou alucinações na ausência de episódio depressivo maior ou mania. Além disso, para o DSM-5, os episódios de depressão maior ou mania estão presentes na maior parte da duração total do transtorno. A escala de avaliação padronizada de síndromes psicóticas, Escala das Síndromes Positiva e Negativa (PANSS) (expandida), é um bom instrumento geral para a avaliação da sintomatologia psicótica.
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