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Livro Psicopatologia e Semiologia - 3 ed

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32. Síndromes psicóticas 
(quadros do espectro da esquizofrenia
e outras psicoses)
As síndromes psicóticas caracterizam-se por experiências como alucinações e
delírios, desorganização marcante do pensamento e/ou do comportamento ou
comportamento catatônico (Janzarik, 2003; APA, 2014; CID-11, 2018).
Experiência intensa de estar sendo perseguido ou ameaçado (por pessoas ou
forças estranhas), assim como alterações evidentes na vida pessoal, familiar e
social, são frequentes nos quadros psicóticos. São condições, de modo geral, de
acentuada gravidade (Schimid, 1991; Gaebel; Zielasek, 2015).
Não há consenso pleno, entretanto, sobre a definição precisa de “psicose”
(Nielsen et al., 2008). Os autores de orientação psicodinâmica, assim como
muitos psicólogos clínicos, tendem a dar ênfase à perda de contato com a
realidade e/ou a distorções muito marcantes na percepção e na relação com a
realidade. O “teste de realidade”, que é a função do ego em avaliar e julgar de
modo objetivo o mundo externo, estaria gravemente prejudicada na psicose (tal
visão tem origem nas noções de Freud e de Bleuler de esquizofrenia).
Já os autores de orientação fenomenológica formulam que na psicose
ocorrem alterações básicas na estrutura de experiências fundamentais, como as
do espaço e do tempo. Há, então, perda de elementos normalmente
compartilhados do senso comum (a chamada folk epistemology). Ocorre
transformação de como o indivíduo se dirige ao mundo e às pessoas, uma
mudança do vetor da intencionalidade.
Normalmente partimos de nós mesmos para dirigir nossa consciência em
direção ao mundo; na psicose, o mundo é que é percebido como se dirigindo ao
sujeito. O mundo invade, por assim dizer, a consciência. Há, assim, a chamada
inversão do arco intencional da consciência. Na visão fenomenológica,
profundas modificações do eu corporal e do senso de agência do self estariam
na base da psicose.
Esse modo de entender o que é psicose, em certo sentido, se contrapõe à
orientação da psiquiatria clínica, que dá ênfase à noção de psicose como
presença de sintomas psicóticos (delírios, alucinações, desorganizações
marcantes de pensamento e comportamento). Tais elementos clínicos são os
parâmetros de identificação e diagnóstico de psicoses sugeridos pela
Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-
11) e pelo Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5).
De toda forma, é consensual que pacientes psicóticos geralmente têm insight
muito prejudicado (precária consciência da doença) em relação aos seus
sintomas e a sua condição clínica geral (Mella et al., 2011; Dantas et al., 2011).
Além disso, a condição é um transtorno quase sempre muito grave e
profundamente perturbador para o indivíduo e pessoas próximas.
ESQUIZOFRENIA
A principal forma de psicose ou síndrome psicótica, por sua frequência e sua
importância clínica, é, certamente, a esquizofrenia (Tsuang; Stone; Faraone,
2000; Tandon; Keshavan; Nasrallah, 2008).
Essa doença, internacionalmente, tem incidência anual (casos novos por ano)
em torno de 15 a 42 por 100 mil habitantes e prevalência pontual (point
prevalence) de 0,4% (4,5 pessoas por 1.000 habitantes). O risco de ter
esquizofrenia alguma vez na vida é, em média, de 0,7% – 7 pessoas em cada
1.000 habitantes (Tandon et al., 2009). No Brasil, a prevalência alguma vez na
vida é semelhante, em torno de 0,8% (Mari; Leitão, 2000; Matos et al., 2015).
Um estudo recente sobre a incidência anual de casos tratados (casos novos
por ano que chegam a serviços de saúde mental) de psicoses não afetivas em seis
países (cinco europeus e no Brasil, em Ribeirão Preto/SP) envolveu população
total de 12,9 milhões de pessoas, de 2010 a 2015. A incidência global foi de 16,9
por 100 mil habitantes (mas houve marcante variação entre os locais, de 5,2 por
100 mil em Santiago, Espanha, a 57,5 por 100 mil, no sudeste de Londres). No
Brasil, em Ribeirão Preto (SP), nesse estudo, a taxa de incidência anual foi de
14,8 por 100 mil habitantes. No total dos países, ter o status de minoria racial
ou étnica se associou a maior risco de psicose (Jongsma et al., 2018). Assim, os
dados indicam que o Brasil tem situação intermediária (nem baixa, nem alta) em
termos de incidência e prevalência de psicoses não afetivas (a maior parte das
quais é esquizofrenia).
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O conceito de esquizofrenia
A proposta de se recortar uma entidade nosológica que incluiria formas distintas
de “loucura” (paranoide, catatônica e dos jovens ou hebefrênica) foi feita pelo
psiquiatra alemão Emil Kraepelin (1856-1926), em 1896, que a nomeou
dementia praecox (“dementia” pela noção de que a maior parte dos pacientes
teria evolução muito ruim e “praecox” pelo seu início frequente em jovens e
adultos jovens). Já o psiquiatra suíço Eugen Bleuler (1857-1939) propôs, em
1911, o termo esquizofrenia, dando ênfase à desarmonia interna do
funcionamento mental e à quebra radical do contato com a realidade que ele
notava nesse transtorno. Apesar de o surgimento dos antipsicóticos de primeira
(anos de 1950) e segunda gerações (anos de 1980 e 1990) ter mudado bastante as
possibilidades terapêuticas, alguns elementos clínicos do construto nosológico
“esquizofrenia” permanecem com considerável estabilidade (Leme Lopes, 1980)
desde Kraepelin e Bleuler até as visões e classificações atuais, como a CID-11 e
o DSM-5.
Entre as mais importantes propostas para conceitualizar o que deve ser
compreendido como esquizofrenia estão as noções apresentadas tanto por
autores importantes da psicopatologia como pelos sistemas diagnósticos atuais.
Essas visões estão apresentadas no Quadro 32.1.
Quadro 32.1 | Definições e visões de esquizofrenia
EMIL KRAEPELIN (1856-1926) EUGEN BLEULER (1857-1939)
Alterações da vontade (perda do elã vital, negativismo)
Aplainamento até embotamento afetivo
Alterações da atenção e da compreensão
Transtorno do pensamento, no sentido de associações frouxas
Alterações do juízo, da avaliação da realidade
Alucinações, especialmente auditivas
Vivências de influência sobre o pensamento
Evolução deteriorante (83% dos casos) no sentido de embotamento geral
da personalidade
Alterações formais do pensamento, no sentido de
afrouxamento até perda das associações
Aplainamento até embotamento afetivo
Ambivalência afetiva; afetos contraditórios
vivenciados intensamente ao mesmo tempo
“Autismo”, como tendência a isolamento psíquico
global em relação ao mundo
Dissociação ideoafetiva, desarmonia profunda
entre as ideias e os afetos
Evolução muito heterogênea; muitos casos podem
apresentar evolução benigna
KARL JASPERS (1883-1969) KURT SCHNEIDER (1887-1967)
Ideias delirantes primárias, não compreensíveis psicologicamente
Humor delirante precede o delírio
Alucinações verdadeiras, primárias
Vivências de influência, vivências do “feito”
Analisando-se a vida total do paciente, nota-se que ocorreu quebra na
curva existencial, transformação radical da personalidade e da existência
da pessoa
Percepção delirante
Vozes que comentam a ação
Vozes que comandam a ação
Eco ou sonorização do pensamento
Difusão do pensamento
Roubo do pensamento
Vivências de influência no plano corporal, dos
afetos, das tendências, da vontade ou do
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A.
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B.
C.
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pensamento
CID-11 DSM-5
Podem estar presentes alterações em múltiplas dimensões mentais e
comportamentais, inclusive:
pensamento (delírios e/ou desorganização da forma do pensamento)
percepção (alucinações)
experiências de alterações do self (experiência de que os sentimentos,
impulsos, pensamentos ou atos estão sob controle de forças externas)
perdas cognitivas (déficits na atenção, na memória verbal e na cognição
social)
alterações da volição (perda da motivação)
alterações dos afetos (aplainamentoemocional)
alterações psicomotoras, inclusive catatonia
São considerados sintomas nucleares: delírios e/ou alucinações persistentes,
transtornos formais do pensamento, experiências de influência, passividade ou
controle. Os sintomas devem estar presentes por, pelo menos, um mês.
Dois ou mais dos seguintes sintomas (de 1 a 5)
devem estar presentes com duração significativa
por, pelo menos, um mês:
delírios
alucinações
discurso desorganizado
comportamento grosseiramente
desorganizado ou catatônico
sintomas negativos (embotamento afetivo,
alogia, avolição)
Disfunções sociais, no trabalho e/ou no estudo,
denotando perdas nas habilidades interpessoais e
produtivas.
Duração dos sintomas principais de pelo menos
um mês (de A. 1 a 5) e do quadro deficitário
(sintomas prodrômicos ou residuais) de pelo
menos seis meses.
Os psicopatólogos do fim do século XIX e início do XX distinguiram quatro
subtipos de esquizofrenia: a forma paranoide, caracterizada por alucinações e
ideias delirantes, principalmente de conteúdo persecutório; a forma catatônica,
marcada por alterações motoras, hipertonia, flexibilidade cerácea e alterações da
vontade, como negativismo, mutismo e impulsividade; a forma hebefrênica,
caracterizada por pensamento desorganizado, comportamento bizarro e afeto
marcadamente pueril, infantilizado; e um subtipo dito “simples”, no qual,
apesar de faltarem sintomas característicos, seria observado um lento e
progressivo empobrecimento psíquico e comportamental, com negligência
quanto aos cuidados de si (higiene, roupas, saúde), embotamento afetivo e
distanciamento social.
Entretanto, os subtipos clínicos da esquizofrenia foram abandonados pelos
sistemas de classificação atuais (CID-11 e DSM-5), pois não se revelaram
suficientemente úteis, pelas seguintes razões (Braff et al., 2013):
não são estáveis ao longo do tempo (pacientes com frequência “mudam” de
subtipo ao longo dos anos);
não predizem padrão de evolução da doença;
não predizem resposta a tratamentos farmacológicos ou psicossociais;
são muito heterogêneos em relação às bases genéticas e neuronais da
esquizofrenia;
a delimitação dos subtipos tem sido cada vez menos utilizada em pesquisas.
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Nas últimas décadas, em contraposição à definição de subtipos delimitados,
tem-se dado muito mais importância à identificação de conjuntos de sintomas e
comportamentos, que podem se combinar de formas muito variadas e
heterogêneas, nas diversas fases da esquizofrenia, nas quais preponderariam
distintas dimensões sintomatológicas. Seria, então, de interesse “estadiar” a
evolução da doença observando-se a progressão e a regressão desses sintomas e
dimensões sintomatológicas ao longo do tempo. A seguir, são apresentados os
principais grupos de sintomas da esquizofrenia (Andreasen, 1995; Tandon et al.,
2009; APA, 2014; CID-11, 2018):
Sintomas negativos
Sintomas positivos
Sintomas de desorganização
Sintomas psicomotores/catatonia
Sintomas/prejuízos cognitivos
Sintomas de humor
Sintomas negativos (síndrome negativa ou deficitária) (Dantas; Banzato,
2007)
Os sintomas negativos das psicoses esquizofrênicas caracterizam-se pela perda
de certas funções psíquicas (na esfera da vontade, do pensamento, da
linguagem, etc.) e pelo empobrecimento global da vida afetiva, cognitiva e
social do indivíduo. Os principais sintomas ditos negativos nas síndromes
esquizofrênicas são:
Distanciamento e aplainamento afetivo ou afeto embotado, em graus
variáveis até, em alguns casos, grave embotamento afetivo; perda da
capacidade de se sintonizar afetivamente com as pessoas, de ter e/ou
demonstrar ressonância afetiva no contato interpessoal.
Um conjunto de alterações que resultam em retração social ou
associalidade. Assim, em decorrência de alterações nas esferas afetivas
(sobretudo apatia) e volitivas (abulia e redução do “drive”, do impulso
para agir socialmente), o indivíduo vai se isolando progressivamente do
convívio social, havendo restrição dos interesses.
Alogia ou empobrecimento da linguagem e do pensamento, que se
constata pela diminuição da fluência verbal e pelo discurso empobrecido.
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Diminuição da vontade (avolição), que se expressa geralmente por
diminuição da iniciativa e por hipopragmatismo, ou seja, dificuldade ou
incapacidade de realizar ações, tarefas, trabalhos minimamente organizados
que exijam iniciativa, motivação, organização e persistência.
Anedonia, diminuição da capacidade de experimentar e sentir prazer. A
anedonia na esquizofrenia é distinta daquela experimentada nas depressões,
pois, enquanto na esquizofrenia não há evidente desconforto subjetivo com a
experiência de anedonia, nos quadros depressivos ela se apresenta marcada
por desconforto subjetivo, mais ou menos intenso.
Busca-se atualmente identificar se os sintomas negativos que o paciente
apresenta são primários (decorrentes de forma intrínseca da própria
esquizofrenia) ou secundários (decorrentes de efeitos colaterais dos
medicamentos antipsicóticos, de depressão ou de privação e isolamento social).
Os sintomas negativos podem surgir devido à ação inibitória de sintomas
positivos – por exemplo, o indivíduo fica pouco ativo, sem iniciativa, isolado
dos outros, pois experimenta delírio ou alucinação que o ameaça e impõe
retaliações caso saia de seu isolamento.
Em decorrência dos sintomas negativos, observa-se, em uma parte das
pessoas com esquizofrenia, uma considerável negligência quanto a si mesmo,
que se revela pelo descuido e desinteresse para consigo mesmo, com higiene
pobre, roupas malcuidadas, descuido da aparência e/ou dos cuidados com a
saúde, cabelos sujos, dentes apodrecidos, entre outros aspectos.
O distanciamento e o embotamento afetivo, assim como a retração social e a
restrição dos interesses pelo mundo externo, correspondem, em certa medida, ao
que Eugen Bleuler (1857-1939) denominou “autismo na esquizofrenia” (Bleuler,
1911). Para o autor, a síndrome autística da esquizofrenia (construto claramente
distinto do atual autismo infantil ou TEA) incluiria, além de dificuldade ou
incapacidade de estabelecer contato afetivo com outras pessoas e retração do
convívio social, a inacessibilidade ao mundo interno do paciente (em casos
extremos, mutismo e comportamento marcadamente negativista), atitudes e
comportamentos rígidos e pensamento bizarro ou idiossincrático (Parnas; Bovet,
1991).
Não se conhece o que causa a neurofisiopatologia dos sintomas negativos;
sabe-se que eles são relativamente refratários ao tratamento farmacológico e
representam, ao lado das perdas cognitivas, importante componente que agrava o
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curso da doença e empobrece consideravelmente a vida social, laboral e afetiva
de pessoas com esquizofrenia.
Sintomas positivos (síndrome positiva ou de sintomas produtivos)
Diferentemente dos sintomas negativos, que se manifestam principalmente pelas
ausências e pelos déficits psíquicos e comportamentais, os sintomas ditos
positivos são manifestações novas, salientes, do processo esquizofrênico. Os
principais sintomas positivos da esquizofrenia são:
Alucinações, que são consideravelmente frequentes, mas também pode
haver ilusões ou pseudoalucinações. O tipo de alucinação mais frequente é a
auditiva (alucinações audioverbais, ou seja, “vozes” que o paciente ouve,
geralmente com conteúdos de acusação, ameaça ou pejorativos), mas
também pode haver alucinações/ilusões visuais, táteis, gustativas (gosto de
veneno nos alimentos) e/ou olfativas (auto-ósmicas, sentir cheiro de pus ou
de algo apodrecido dentro do abdome, sentir cheiro de podre).
Ideias delirantes (delírio), frequentemente de conteúdo persecutório,
autorreferentes ou de influência, mas pode haver delírios com outros
conteúdos ou de outra natureza. A duração, a abrangência, o grau de
sistematização e a implicação de “tendência à ação” dos delírios são bem
variáveis. Os delíriose as alucinações com conteúdos implausíveis, bizarros
(eventos ou fatos praticamente impossíveis de ocorrer), assim como não
congruentes com o humor basal do paciente, são indicadores robustos de
esquizofrenia.
Outras formas de distorção da realidade ou dificuldades com o teste de
realidade, como a presença de ideias muito deturpadas, marcadamente
bizarras, sobre a realidade, sobre os fatos do mundo, sobre a história do
paciente, embora não sejam necessariamente delírios, podem estar presentes.
O psicopatólogo alemão Kurt Schneider (1887-1967) propôs que alguns
sintomas, que poderiam ser incluídos junto ao grupo dos sintomas positivos,
teriam um peso maior para o diagnóstico da esquizofrenia (Tandon; Greden,
1987; Schneider, 1992), denominados, então, “sintomas de primeira ordem”.
São eles:
Percepção delirante. Uma percepção normal recebe instantaneamente uma
significação delirante. Essa vivência delirante ocorre de modo simultâneo ao
ato perceptivo, em geral de forma abrupta, maciça, como uma espécie de
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“revelação”. Para Schneider (1992), essa é a forma fundamental do delírio na
esquizofrenia.
Alucinações auditivas características. São as “vozes” que acompanham as
ações do paciente com observações, que fazem comentários; ocorrem na
forma de fala e resposta ou vozes que comandam a ação do indivíduo. Elas
transmitem ordens ao paciente ou fazem comentários sobre seus atos.
Eco do pensamento ou sonorização do pensamento
(Gedankenlautwerden). O indivíduo escuta seus pensamentos ao pensá-los;
um paciente de Schneider dizia: “são os meus pensamentos que ouço. Eles se
fazem ouvir quando há silêncio”.
Difusão, divulgação ou publicação do pensamento. Nesse caso, o
indivíduo tem a sensação de que seus pensamentos são ouvidos ou
percebidos claramente pelos outros, no momento em que os pensa. Um
paciente que entrevistamos dizia: “tudo o que penso é transmitido por uma
espécie de rádio para todos os pontos da Terra, todos ficam imediatamente
sabendo”.
Roubo do pensamento. Experiência na qual o indivíduo tem a sensação de
que seu pensamento é inexplicavelmente extraído de sua mente, como se
fosse roubado.
Distúrbios da vivência do eu. Vivências de influência sobre o corpo ou
sobre a vida mental. Aqui, dois tipos de vivências de influência são mais
significativos:
Vivências de influência sobre o corpo. São experiências nas quais o
paciente sente que uma força ou um ser externo age sobre seu organismo,
sobre seus órgãos, emitindo raios, ondas, sinais elétricos ou
eletromagnéticos, influenciando as funções corporais, tocando seus
genitais, tendo relações sexuais consigo; uma bala de revólver gira
dentro de meu peito ou uma força pressiona meu cérebro, ou, ainda, sou
penetrada à noite pelo demônio.
Vivências do “fabricado” ou do “feito” por outros (ou por forças
externas) impostas ao indivíduo nos campos da sensação, do
sentimento, das tendências, do impulso, da vontade ou do
pensamento. Referem-se à experiência de que algo influencia de forma
maciça seus sentimentos, impulsos, vontades ou pensamentos. Essas
vivências têm a peculiar qualidade de serem experimentadas como algo
“feito” ou “fabricado” e imposto de fora; é a vivência de uma imposição
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estranha – um chip de computador foi instalado em minha cabeça e
comanda meus pensamentos (ou sentimentos, impulsos, vontades).
Os sintomas de primeira ordem indicariam profunda alteração da relação
eu-mundo, uma alteração radical do self, de “membranas” que delimitariam o
eu/self em relação ao mundo, uma perda marcante da dimensão da
intimidade. Ao sentir que uma força, um comando (sob a forma de “raios”,
“transmissões”, “ondas”), é imposto de fora, feito a sua revelia, o indivíduo
vivencia a perda do controle sobre si mesmo, a invasão maciça de algo do
mundo externo sobre seu ser íntimo.
Esse tipo de experiência psicótica, dos pensamentos mais íntimos serem
imediatamente percebidos por outras pessoas, de
pensamentos/sentimentos/vontades serem impostos de fora para dentro do eu,
em conjunto com a experiência de difusão ou publicação do pensamento,
expressa a vivência de uma considerável “fusão” do eu com o mundo, um
avançar terrível do mundo público sobre o privado, assim como um
extravasamento involuntário da experiência interior, íntima e pessoal, sobre o
mundo circundante.
Sintomas de desorganização (síndrome de desorganização)
Essa síndrome tem certa correspondência ou semelhança com o subtipo
classicamente denominado esquizofrenia hebefrênica. Assim, nas formas
desorganizadas da doença, observam-se:
Pensamento progressivamente desorganizado, de leve afrouxamento das
associações, passando por descarrilamento do pensamento até a total
desagregação e produção de um pensamento totalmente incompreensível,
totalmente incoerente. Nesses casos, geralmente é observada a fragmentação
da progressão lógica do discurso.
Discurso que revela tangencialidade e circunstancialidade em níveis não
totalmente desorganizados da linguagem/pensamento. A presença de
neologismos eventualmente é incluída aqui, mas pode também ser
classificada junto aos sintomas positivos.
Comportamentos desorganizados e incompreensíveis, particularmente
comportamentos sociais e sexuais bizarros e inadequados, observados em
vestimenta, adornos, aparência e expressão geral bizarra.
Afeto inadequado, marcadamente ambivalente, incongruente e em
descompasso franco entre as esferas afetivas, ideativas e volitivas pode ser
incluído como parte da síndrome de desorganização. Tal incongruência ou
desarmonia interna foi reiteradamente pensada como um dos elementos
centrais da esquizofrenia. Foi denominada por Erwin Stransky (1877-1962)
de “ataxia intrapsíquica”; por Philippe Chaslin (1857-1923) de “loucura
discordante”; e por Eugen Bleuler (1857-1939) de “dissociação
ideoafetiva”.
Sintomas psicomotores e catatonia (síndrome psicomotora)
Não é incomum pacientes com esquizofrenia apresentarem lentificação e
empobrecimento psicomotor com restrição do repertório da esfera gestual e
motora.
Alterações psicomotoras também são verificadas na forma de estereotipias
de movimentos (atos, gestos, atitudes mais complexos que os tiques, repetidos
de forma mecânica, sem finalidades), maneirismos (gestos complexos,
repetidos, que parecem ter um objetivo e significado para o indivíduo, mas que
são percebidos pelo observador como algo excessivo, excêntrico e muito
bizarro) e posturas bizarras. Alguns pacientes fazem caretas (que não se sabe
por que), vestem roupas e usam adornos bizarros.
A síndrome catatônica ou catatonia é a manifestação psicomotora mais
marcante na esquizofrenia. Na catatonia, embora os pacientes apresentem o nível
de consciência preservado, podem revelar sintomas de estupor (diminuição
marcante até ausência de atividade psicomotora, com retenção da consciência,
mutismo e negativismo; o paciente fica no leito, parado, sem fazer nada, sem
responder a solicitações, sem se alimentar e às vezes sem sair para urinar ou
defecar).
Também pertencem à catatonia a flexibilidade cerácea, ou catalepsia (o
paciente fica na posição que o colocam, mesmo em posições dos membros
contra a gravidade), a ecolalia (repetir mecanicamente palavras do interlocutor)
e/ou a ecopraxia (repetir mecanicamente atos dos outros). Um grupo menor de
pacientes em catatonia apresenta, alternadamente com a lentificação e o estupor,
momentos de muita agitação psicomotora, às vezes com agressividade
impulsiva, aparentemente imotivada (chamada de “excitação catatônica” ou
“furor catatônico”). Cabe salientar que, na CID-11, a catatonia é também
considerada uma síndrome psicopatológica autônoma, situada na “vizinhança”
da esquizofrenia.
Sintomas/prejuízos cognitivos
Há alterações cognitivas difusas na doença, que, na maior parte das vezes,
precedem mesmo o surgimento dos sintomas psicóticos e são muito relevantes,
pois afetammarcadamente a evolução funcional dos pacientes (revisão em
Dantas et al., 2010). Essas alterações são muito frequentes e acometem
possivelmente a maioria dos indivíduos acometidos pela doença.
Alterações cognitivas na esquizofrenia incluem os seguintes domínios da
cognição: atenção, memória episódica, memória de trabalho, velocidade de
processamento e funções executivas frontais (inclusive fluência verbal).
São particularmente importantes, pelas suas repercussões para a vida social e
socioafetiva do indivíduo, as alterações da cognição social. Aqui se verifica
déficit em teoria da mente (sistema de inferências ligado à compreensão de
intenções, disposições e crenças dos outros e de si mesmo).
Também em relação à cognição social, observam-se dificuldades na
percepção e no gerenciamento de emoções (perceber e compreender as
emoções a partir de pistas faciais, tom de voz, gestos) e déficit na percepção
social (compreender o contexto social, decodificar e identificar dicas sociais de
acordo com o ambiente).
Por fim, a cognição social pode estar prejudicada em relação ao viés ou
estilo de atribuição, que é o modo como se inferem as causas dos
acontecimentos referentes às outras pessoas, a si mesmo ou a fatores ambientais.
Observa-se, na esquizofrenia, tendência a apresentar vieses de atribuição no
sentido de atribuições negativas aos outros em vez de ao ambiente, ou
atribuições mais hostis às ações e aos comportamentos dos outros do que de fato
está ocorrendo (Mecca; Martins Dias; Berberian, 2016).
As alterações cognitivas na doença são, atualmente, consideradas uma
dimensão muito relevante desse transtorno, pois são fortes preditores de pior
evolução na vida social e do trabalho. Embora haja pesquisas com tentativas de
intervenções, tratamentos farmacológicos e neuropsicológicos são de muito
modesta eficácia para as alterações cognitivas.
Sintomas de humor
Há redução da experiência e da expressão emocional em muitos pacientes (vista
também como uma dimensão dos sintomas negativos). Em contraste com tal
redução, os indivíduos apresentam com frequência aumento da reatividade
emocional (sobretudo quando também apresentam sintomas positivos, quando
expostos a muitos estímulos). Essa combinação de redução da expressão
emocional com maior reatividade emocional tem sido denominada de
“paradoxo emocional da esquizofrenia” (Aleman; Kahn, 2005).
Pessoas com esquizofrenia apresentam taxas mais altas do que a população
em geral de sintomas ansiosos e depressivos, bem como depressão clínica. Os
sintomas ansiosos são dos diversos tipos: ansiedade generalizada, ataques de
pânico, ansiedade/fobia social e sintomas obsessivo-compulsivos. Os sintomas
de humor podem também surgir atrelados a sintomas da esquizofrenia ou a
efeitos colaterais dos antipsicóticos (chamada de “disforia dos neurolépticos”).
Tais sintomas podem ocorrer antes da eclosão dos sintomas positivos, nos
quadros com atividade psicótica, entre os surtos, ou nos períodos após os surtos
(no caso de sintomas depressivos, denomina-se “depressão pós-psicótica”).
Sintomas de humor contribuem significativamente para o sofrimento e as
dificuldades pessoais e sociais que a esquizofrenia implica.
Outras características e sintomas associados à esquizofrenia
A falta de insight é um elemento importante da maioria dos pacientes (Dantas et
al., 2011), os quais, em geral, não acham que têm qualquer problema ou doença;
às vezes, reconhecem a presença dos sintomas, mas atribuem-nos a outras causas
ou fatores (nervosismo, influências espirituais, religiosas, ação do demônio,
dificuldades na vida que todos têm, etc.).
É também comum os pacientes negarem que tenham necessidade de
tratamento, acompanhamento médico e/ou psicológico ou tratamento
medicamentoso. O insight e sua falta não são, de modo geral, um fenômeno do
tipo “tudo ou nada”; há graus de insight e áreas dele mais prejudicadas ou não;
por exemplo, uma pessoa com esquizofrenia pode não ter insight algum sobre o
caráter patológico de sua condição, mas reconhece que necessita de ajuda para
dificuldades nas relações familiares e por isso aceita o uso de medicação
antipsicótica e intervenções psicossociais para a doença.
Nos surtos psicóticos, quando há necessidade de internação, os pacientes
com bastante frequência a recusam, mesmo após terem apresentado
comportamentos francamente disfuncionais ou destrutivos, como agressões
graves a pessoas ou destruição de objetos na casa, entre outros.
Pacientes com esquizofrenia apresentam sintomas neurológicos
inespecíficos (neurological hard e principalmente soft signs): prejuízo na função
olfativa (déficits na identificação e na discriminação de odores), hipoalgesia
(sensibilidade diminuída à dor) e alterações da motilidade dos olhos
(anormalidades oculomotoras, dos movimentos sacádicos dos olhos). Também
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podem apresentar prejuízo nas habilidades de coordenação motora fina e de
sequenciamento de tarefas motoras complexas, presença aumentada de reflexos
primitivos de liberação cortical, assim como maior prevalência de mancinismo
(predomínio da mão esquerda ou dominância lateral mista, o que indica,
possivelmente, anomalia da dominância hemisférica cerebral).
Um bom resumo do que foi identificado e conhecido de forma consistente
pelas pesquisas científicas sobre a esquizofrenia nas últimas décadas foi
apresentado em uma série de artigos no periódico científico Schizophrenia
Research, que resultou na série Schizophrenia, Just the Facts (Tandon;
Keshavan; Nasrallah, 2008; Tandon et al., 2009). O Quadro 32.2 apresenta
resumidamente esses fatos e conhecimentos mais bem confirmados pelas
pesquisas.
Quadro 32.2 | Alguns dos aspectos mais relevantes descritos pela pesquisa científica sobre a esquizofrenia
A esquizofrenia se caracteriza pela combinação de sintomas positivos, negativos, desorganização, sintomas cognitivos,
psicomotores e de humor. Ela geralmente é diagnosticada quando sintomas positivos e negativos ocorrem em conjunto com perdas
no funcionamento social, na ausência de sintomas proeminentes de humor (mania e/ou depressão), mas não são decorrentes de
doenças neurológicas ou do uso de substâncias.
O surgimento dos sintomas psicóticos ocorre, de modo geral, na adolescência e no início do período adulto. Nos homens, tende a
surgir alguns anos mais cedo do que nas mulheres.
A esquizofrenia é uma doença crônica, com surtos recorrentes; não há, de modo geral, remissão completa depois dos surtos. A
evolução da vida social e econômica implica, geralmente, menores taxas de emprego e de independência econômica, e também há
maior probabilidade de o indivíduo acometido ficar em situação de rua ou ser preso. O curso da doença é, de modo geral, dividido em
três fases: fase pré-mórbida, fase de sintomas psicóticos e fase crônica, em que há graus diversos de perdas e deteriorações
implicadas.
As causas (etiologia) da esquizofrenia não são conhecidas. Nos estudos de neuroimagem e neuropatologia, foram identificados de
forma consistente redução do volume cerebral total e do volume de substância cinzenta, alargamento dos ventrículos e redução de
estruturas como áreas mediais dos lobos temporais, do córtex pré-frontal e do tálamo. O componente genético é importante, embora
heterogêneo, e fatores de risco identificados (de pequeno efeito, mas somatórios) são: complicações obstétricas e perinatais,
infecções na gestação, baixo peso ao nascer, uso de maconha na infância e na adolescência.
A pior evolução se associa a sexo masculino, surgimento mais precoce da doença, períodos mais prolongados sem tratamento
(duration of untreated psychosis), gravidade do acometimento cognitivo (sobretudo da cognição social) e dos sintomas negativos.
A diferenciação nosológica entre a esquizofrenia e outros transtornos mentais graves pode ser pouco clara, sobretudo com outros
transtornos que ocorram com sintomaspsicóticos (alucinação, delírio e desorganização).
Há considerável heterogeneidade entre os pacientes acometidos pela esquizofrenia em termos de bases neurobiológicas,
manifestações clínicas, curso e resposta ao tratamento.
A gravidade dos diferentes sintomas e clusters (agrupamentos) de sintomas varia muito entre os pacientes e ao longo do curso da
doença.
Há perdas ou acometimentos cognitivos globais, mas de intensidades muito variáveis, entre os pacientes. Há pouco ou nenhum
insight sobre a doença na maior parte das pessoas acometidas.
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Pode haver perdas adicionais em áreas específicas da cognição, como funções executivas do lobo frontal, memória, atenção,
velocidade de processamento psicomotor e cognição social (teoria da mente, reconhecimento de emoções nas outras pessoas,
percepção social e viés de atribuição).
As perdas ou acometimentos cognitivos estão, de modo geral, presentes antes mesmo do surgimento dos sintomas psicóticos e
persistem durante o curso da doença. Há, também, em uma parte substancial de pacientes, outros prejuízos pré-mórbidos (que
antecedem a patologia), como retração social, dificuldades nos relacionamentos, ser desengonçado socialmente.
São muito frequentes entre os pacientes obesidade e doenças cardiovasculares. Há prevalência aumentada (em relação à população
em geral) de tabagismo e uso de substâncias. Pessoas com esquizofrenia vivem em média 15 a 25 anos a menos do que a população
em geral, em decorrência de terem mais doenças e condições físicas (além de obesidade e condições cardiovasculares, diabetes,
doenças pulmonares, infecções, entre outras) e hábitos e estilo de vida de maior risco para a saúde (como os mencionados
anteriormente).
Verificam-se taxas aumentas e risco aumentado de suicídio entre os pacientes. Pode haver aumento de comportamentos violentos em
algumas fases específicas da doença. Os antipsicóticos, sobretudo para os sintomas positivos, são as intervenções terapêuticas com
mais evidência de eficiência; entretanto, não são ou são muito pouco eficazes para sintomas negativos e cognitivos. A clozapina,
embora implique efeitos colaterais potencialmente graves, é o tratamento mais eficaz entre todos os antipsicóticos.
Fontes: Adaptado de Keshavan; Nasrallah, 2008; e Tandon et al, 2009.
TRANSTORNO DELIRANTE (PARANOIA) E
ESQUIZOFRENIA TARDIA (PARAFRENIA) (APA, 2014;
CID-11, 2018; OPJORDSMOEN, 2014)
Uma forma de psicose próxima à esquizofrenia, mas distinta, é o transtorno
delirante, que se caracteriza pelo surgimento e pelo desenvolvimento de um
delírio ou sistema delirante (vários delírios de alguma forma interligados
tematicamente) com considerável preservação da personalidade, da afetividade,
da cognição e do resto do psiquismo do indivíduo acometido. Não deve haver
pensamento e/ou comportamento francamente desorganizado ou sintomas
negativos marcantes.
No passado denominado “paranoia” por Kraepelin (termo que,
curiosamente, no linguajar popular, é usado como sinônimo de ideias de
perseguição), esse transtorno se caracteriza por delírios bem organizados e
sistematizados, às vezes com temática complexa, que permanecem como que
“encistados”, “cristalizados”, em um domínio da vida e da personalidade do
paciente, sem comprometer todo o resto (comprometimento que ocorre, por
exemplo, na esquizofrenia).
Kraepelin caracterizava a paranoia como o desenvolvimento lento e
insidioso de um “sistema delirante durável, imutável, ao lado de uma perfeita
conservação da lucidez e da ordem no pensamento, vontade e ação” (Ramos,
1933).
Alucinações não devem ser o elemento proeminente do quadro, mas, se
ocorrerem, geralmente têm relação com o tema do delírio. Também, como
alteração do reconhecimento, podem ocorrer falsas identificações de pessoas, em
geral associadas ao tema do delírio.
O transtorno delirante ocorre geralmente em sujeitos com mais de 40 ou 50
anos de idade e costuma ter curso crônico e estável. A duração do delírio deve
ser de no mínimo um mês (DSM-5) ou três meses (CID-11), mas em geral é mais
longa, podendo perdurar anos.
O transtorno delirante, tal como descrito nos sistemas diagnósticos atuais
(CID-11 e DSM-5), é um construto heterogêneo. Poucos casos são subagudos e
transitórios, com remissão completa após alguns meses, e outros evoluem para
quadros mais graves de esquizofrenia. Entre esses dois extremos, há pessoas
com delírios persistentes, que expressam a ideia clássica de paranoia
(Opjordsmoen, 2014).
O termo parafrenia é uma entidade nosológica da tradição psicopatológica
(mas que não aparece nos sistemas atuais) referente a formas de psicose
esquizofreniforme, de aparecimento tardio (após os 50 ou 60 anos), em que
surgem delírios, em geral organizados e acompanhados de alucinações, mas nas
quais, de forma semelhante ao transtorno delirante, há relativa preservação da
personalidade, sem alterações ou com alterações mínimas da afetividade e da
vontade (e quando ocorrem são relacionadas ao delírio e às alucinações). Alguns
autores consideram a parafrenia uma forma tardia de esquizofrenia, que surge
em geral após os 50 anos de idade (Howard; Almeida; Levy, 1994).
TRANSTORNOS PSICÓTICOS AGUDOS, BREVES
E TRANSITÓRIOS (PSICOSES REATIVAS E/OU PSICOSES
PSICOGÊNICAS) (NUGENT ET AL., 2011; APA, 2014; CID-11, 2018)
A observação clínica registra, desde há muitas décadas, casos de pacientes com
quadros psicóticos, com sintomas mais ou menos semelhantes à esquizofrenia
(pode haver alucinações e delírios, bem como discurso e comportamento
desorganizados), de surgimento bem agudo (geralmente eclodem e alcançam
máxima gravidade em até duas semanas). Entretanto, tais quadros,
diferentemente da esquizofrenia (com curso em geral grave e deteriorante)
revelam remissão relativamente rápida dos sintomas (dias ou semanas) e não
implicam deterioração da vida social ou empobrecimento psíquico em forma de
sintomas negativos ou perdas cognitivas (Castagnini; Berrios, 2009).
A duração do episódio não deve ultrapassar três meses (CID-11) ou um mês
(DSM-5), mas, de modo geral, dura de poucos dias a um mês. Há, após o
episódio psicótico, retorno completo ao nível de funcionamento anterior à
eclosão dos sintomas psicóticos agudos.
Uma parte (mas nem todos) desses casos surge após estressores evidentes,
mais ou menos intensos, como assalto, acidente grave de trânsito ou de trabalho,
morte de parentes ou amigos queridos, perder-se em uma cidade ou em uma
floresta, entre ouras situações.
No transtorno psicótico breve, predominam, de característica, sintomas
floridos, como ideias delirantes ou deliroides (em geral paranoides), alucinações
visuais e/ou auditivas, muitas vezes com intensa perplexidade, certa confusão
mental e turbulência emocional, e pode haver ansiedade acentuada e medos
difusos. Sintomas catatônicos também podem estar presentes. Os sintomas
tipicamente mudam muito, tanto em sua natureza como em sua intensidade, às
vezes, de um dia para outro, ou no mesmo dia. Deve-se notar também que o
surgimento de sintomas exuberantes, floridos e rapidamente mutáveis, sobretudo
em casos de início bem agudo e com estressores importantes que desencadeiam
o quadro, indica, de modo geral, melhor prognóstico para tais episódios
psicóticos.
Diagnóstico diferencial
O transtorno psicótico agudo pode confundir-se com transtorno de estresse pós-
traumático ou com quadros graves e prolongados de transtorno dissociativo
(frequentemente denominado na tradição psicopatológica de histeria).
Transtornos ou traços de personalidade do grupo B (sobretudo transtornos da
personalidade borderline e histriônica) e transtorno da personalidade
esquizotípica, além de traços de personalidade do tipo “psicoticismo”, podem
preceder ou predispor as pessoas a apresentar transtorno psicótico agudo/breve.
TRANSTORNO ESQUIZOAFETIVO (HECKERS ET AL.,
2009; JAGER ET AL., 2011)
Um grupo de pacientes não pode ser compreendidoe classificado nem
plenamente no campo da esquizofrenia, nem no campo de um transtorno do
humor grave, mesmo aqueles com sintomas psicóticos. A ideia de que haveria
uma psicose intermediária entre a esquizofrenia e as psicoses afetivas é antiga
(Kasanin, 1933), e muitos estudos têm buscado esclarecer o status nosológico e
sintomatológico dessas psicoses mescladas ou intermediárias (Lena et al., 2016).
O transtorno esquizoafetivo se caracteriza pela presença de proeminentes
sintomas requeridos para o diagnóstico de esquizofrenia em conjunto (no mesmo
episódio, simultaneamente, ou com distância de poucos dias entre eles) com
sintomas típicos de um episódio de depressão maior, de mania ou de episódio
misto (para a CID-11, concomitância com duração de pelo menos um mês).
Para o DSM-5, o transtorno esquizoafetivo se caracteriza pela concomitância
de sintomas evidentes de esquizofrenia (critérios A) associados a sintomas
suficientes para o diagnóstico de episódio depressivo maior ou episódio
maníaco. Entretanto, para diferenciar o transtorno esquizoafetivo dos quadros de
depressão ou mania psicótica, o DSM-5 exige que haja pelo menos duas
semanas de delírios ou alucinações na ausência de episódio depressivo maior
ou mania. Além disso, para o DSM-5, os episódios de depressão maior ou mania
estão presentes na maior parte da duração total do transtorno.
A escala de avaliação padronizada de síndromes psicóticas, Escala das
Síndromes Positiva e Negativa (PANSS) (expandida), é um bom instrumento
geral para a avaliação da sintomatologia psicótica.

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