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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais
lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a
um novo nível."
Todos os direitos reservados
Copyright © 2018 by Qualis Editora e Comércio de Livros Ltda
 
 
 
Editora Executiva: Simone Fraga
Editora Assistente: Júlia Caldatto Malicheski
Revisão Editorial e Ortográfica: Qualis Editora
Capa: Renato Klisman
Projeto Gráfico: Qualis Editora
Diagramação Impressa: Marcos Jundurian
Diagramação Digital: Cristiane Saavedra
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
(Decreto Legislativo nº 54, de 1995)
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
S611o
1.ed
imons, Nana, 1997 -
O monstro em mim / Nana Simons. - Florianópolis, SC: Qualis Editora e Comércio de Livros
Ltda, 2018.
Recurso digital
Formato e-Pub
Requisito do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: word wide web
ISBN: 978-85-68839-93-5
1. Literatura Nacional 2. Romance Brasileiro 3. Ficção 4. Dark Romântico I. Título
CDD 869.93
CDU - 821.134.3(81)
Qualis Editora e Comércio de Livros Ltda
Caixa Postal 6540
Florianópolis - Santa Catarina - SC - Cep.88036-972
www.qualiseditora.com
www.facebook.com/qualiseditora
@qualiseditora - @divasdaqualis
“O meu amor eu guardo para os mais especiais. Não sigo todas as
regras da sociedade e às vezes ajo por impulso. Erro, admito,
aprendo, ensino. Todos erram um dia: por descuido, inocência ou
maldade. Um amor arrui-nado, ao ser reconstruído, cresce muito
mais belo, sólido e maior.”
William Shakespeare
“Para todos que não aceitaram perder a batalha e lutaram para vencer a
guerra.
E para os amores quebrados.
Que meu pequeno grande Lucca os consuma, e minha 
doce lutadora Abriela os inspire.”
NANA SIMONS
SUMÁRIO
CAPA
FOLHA DE ROSTO
FICHA CATALOGRÁFICA
EPÍGRAFE
DEDICATÓRIA
A ÁRVORE GENEALÓGICA DA MÁFIA
PRÓLOGO
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
Lá estava eu novamente.
Um vestido elegante, cabelo longo em ondas e o sapato perfeito. O
que poderia dizer? A Famiglia gostava de festas.
Eu tinha retornado de uma viagem para Paris há exatamente quatro
horas e, durante todo o voo de volta para a Itália, formei uma linda
imagem de que chegaria em casa e simplesmente dormiria por horas.
Doce ilusão.
Mal passei pela porta quando uma de minhas irmãs mais velhas,
Alessa, jogou-se em mim, gritando a respeito de um baile. Sendo como
eu era, segui-a para seu quarto e esperei que me arrumasse como sua
bonequinha, como sempre fazia. Minha segunda irmã, Anita, gêmea de
Alessa, esperava-nos na sala e, como sempre, não compartilhava do
nosso entusiasmo.
Agora mesmo, olhando em volta do salão e vendo algumas pessoas
que eu conhecia por toda minha vida, ou das quais, pelo menos, já tinha
ouvido falar, não entendia o tédio da minha irmã. Crescer na máfia não
era um mar de rosas, mas foi o que o destino nos reservou, então, eu era
grata e sorria por isso.
Na maioria das vezes era até legal enxergar nosso modo de vida nos
filmes e documentários. As pessoas glamorizavam nossa cultura sem
nem saber o que realmente existia por trás das belas tomadas de
Hollywood. Na primeira vez em que assisti a um filme sobre a máfia
italiana, perguntei-me quem poderia ter passado aquelas informações
para os roteiristas e produtores. Na internet, todos ficavam em êxtase,
animados e desejando fazer parte da nossa sociedade. Foi quando
perecebi que alguns enfeites e a maquiagem que a indústria passou
mostraram uma ficção absurdamente diferente da nossa realidade,
principalmente o que concertnia a tudo ao que nós, mulheres, tínhamos
que nos submeter. Era uma cultura muito diferente, e, nela, cada um
tinha seu papel definido; ou você lutava para fazer dar certo, ou sua vida
seria um inferno total. O direito do “sim” e “não” nos era tirado assim
que o médico dizia aos nossos pais se seríamos meninos ou meninas.
Não existia glamour nos meus dias. Existiam regras, punições, leis que
não podiam ser quebradas e instruções de como ser uma dama perfeita.
Com toda a certeza, “O Poderoso Chefão” não nos representava. Nem
“Os Bons Companheiros”.
— Irmã? Você está dormindo aí? — Olhei para frente, para os belos
olhos verdes de Alessa, percebendo que estava divagando até ela me
sacudir.
— Desculpe, eu me distraí. — Sorri.
— Já estão anunciando o ponto alto da noite. — Ela sorriu, batendo
palmas levemente, fazendo Anita bufar ao seu lado.
— Sim, vamos lá, estamos ansiosas para sermos vendidas como
vacas.
— Revirou olhos verdes, idênticos aos da irmã.
— Bois — retrucou Alessa, fazendo Anita franzir a testa.
— O quê?
— Você quis dizer, vendidas como bois.
— Não, eu quis dizer exatamente o que eu disse.
— O ditado está errado, você não pode mudar só porque somos
mulheres.
— Alessa, quem se importa? É só um ditado — Anita sussurrou,
claramente perdendo a paciência.
Um sorriso brincava em meus lábios, enquanto observava minhas
duas belas irmãs fazendo o que elas mais adoravam fazer: discutir. Fosse
por muito ou por pouca coisa, às vezes sequer precisavam de um
motivo. As duas se pareciam tanto fisicamente, principalmente os olhos
verdes e os cabelos escuros, mas tinham personalidades completamente
diferentes uma da outra.
De onde eu estava sentada, conseguia uma boa vista de Lorenzo e
Bernardo; meus irmãos mais velhos estavam conversando com nosso pai
e com mais dois homens.
Olhei de volta para minhas irmãs e sorri mais ainda, pois não
importava onde eu estava, tinha uma família de verdade além da
Famiglia, e eles sempre estavam lá para me lembrar disso. Papai e
Lorenzo eram distantes, mas eu me forçava a acreditar que ainda
tínhamos um elo. Alessa e Anita não pensavam da mesma forma, mas eu
sempre tive fé demais.
— Senhoras e senhores, gostaria da atenção de vocês por alguns
minutos — a voz veio do palco, onde Marco Berlot se mostrava todo
sorridente. — Como sempre, é um prazer estar com vocês nesta linda
noite, todos são bem-vindos. — Houve uma pausa para alguns aplausos,
e ele logo voltou a falar: — Nossas festas sempre são agradáveis, mas
muito ansiei por esta data em especial. Nesta noite, apresentaremos a
vocês as jovens solteiras mais adoráveis de nossas familias! Homens
descomprometidos, vocês estão liberados para dar o maior lance por
uma bela dama com quem quiserem um jantar... — Suas palavras foram
cortadas quando a atenção dos convidados se dirigiu à porta de entrada
do salão.
E com razão, pois ninguém menos do que Lucca DeRossi havia
acabado de chegar.
Durou apenas um momento, mas eu juroque pude ouvir suspiros por
onde ele passou.
Todos logo voltaram a fingir se concentrar, e Marco deu continuidade
ao seu discurso. Forcei-me a focar nas palavras dele, mas simplesmente
não conseguia desviar o olhar de Lucca.
Provavelmente não fui a única, uma vez que era impossível não
perceber o clima tenso que se espalhara pelo local. De fundo, conseguia
ouvir Marco chamando as meninas, destacando o sobrenome de suas
famílias. Mas meu foco ainda permanecia em Lucca, enquanto ele se
sentava com seus irmãos na mesa mais distante do palco e acendia um
cigarro. Seus soldados se posicionaram atrás de sua cadeira, prontos
para arriscarem suas vidas por seu chefe, caso fosse necessário. Seus
irmãos falavam algo, mas ele simplesmente acenava ou elevava o
queixo, analisando todo o lugar sem expressar qualquer reação.
Lucca não possuía uma boa reputação, e eu não sentia tesão nele ou
algo parecido; aquele homem apenas me intrigava, pois tudo que sabia
sobre ele, ouvi das pessoas do nosso círculo social, e não se tratavam de
coisas boas. Mas eu também não era cega. Podia ser uma virgem, mas
conseguia reconhecer quando via algo bonito, e Lucca, sendo alto, forte
e com um rosto certamente esculpido por anjos, tinha uma aparência
impressionante.
Nem mesmo quando minhas irmãs foram chamadas no palco eu parei
de observá-lo.
Não sei se meu olhar foi tão intenso como eu imaginava, mas ele
eventualmente olhou para mim. Seus olhos azuis como céu, frios e
distantes, cortaram diretamente os meus. Um arrepio passou por meu
corpo, e eu rapidamente desviei. Mas ainda sentia seu olhar me
queimando como fogo. Forcei-me a concentrar em outra coisa, mas tudo
o que consegui foi focar em meu prato, pedindo silenciosamente que
conseguisse entrar nele e virar parte daquele molho.
Minutos depois, minhas irmãs voltaram para a mesa. Anita estava
irritada, e Alessa, com um sorriso brilhante, que vacilou um pouco ao
ver sua outra metade.
— Ella, por que ele não te chamou? — Alessa questionou. Anita
pareceu sair de seus devaneios e arregalou os olhos, inclinando-se em
minha direção.
— Oh, meu Deus! É verdade, papai te disse algo? — Eu franzi a testa,
confusa e impressionada por não ter me dado conta de que não fui a
leilão.
Todas as meninas jovens da Famiglia eram obrigadas a participar.
Eles faziam parecer que era nossa maior honra estar em cima do palco e
arrecadarmos dinheiro para jantarmos com um associado ou “amigo” da
máfia.
Tive o meu primeiro aos dezesseis anos e achava algo inocente, pois
nossa função era apenas sentar à mesa com quem nos alugou para o
jantar e ouvi-los falar. Éramos como enfeites.
— Ele encerrou os lances? Quer dizer, não há mais ninguém para
subir ao palco?
— Não! Todas já foram. — Alessa tinha uma expressão indignada. —
Quem ele pensa que é para excluir uma Bonucci? — Anita assentiu,
concordando.
— Eu odeio essa merda, mas ele não pode simplesmente esquecer de
você. Eu vou castrar o fi...
— Anita, controle-se e não faça uma cena. — Nós três nos viramos
para ver nosso pai bem atrás de mim. Ele me lançou um olhar incerto e
estendeu a mão.
Eu a peguei, hesitante, e me levantei. Logo estávamos andando em
direção a um comprido corredor. Passamos por todo o caminho até que
ele parou em frente a um soldado, que abriu a porta e esperou que nós
entrássemos.
Antes disso, virei-me para meu pai, preocupada e ansiosa.
— Papa, o que há de errado?
Ele balançou a cabeça e fez sinal para a porta.
— Apenas entre. — Eu respirei fundo e entrei.
Dentro da sala, olhei para os rostos ali e soube, naquele momento, que
tudo mudaria.
Um mês. Agora faltava apenas um mês e uma semana para o meu
aniversário, a data pela qual eu sempre ansiei, que agora só conseguia
temer.
Eu mal tinha acordado, e meus pensamentos já vagavam para aquela
noite, sete dias atrás.
Ainda me lembrava da expressão do meu pai quando me falou as
piores palavras que eu poderia ouvir. Fez-me sentar de frente a ele e
deu-me praticamente uma condenação.
Meus irmãos também estavam na sala. Enquanto Lorenzo parecia
tranquilo, Bernardo tinha uma expressão assassina, e meu pai parecia
triste, mas severo. O caso era que eu faria vinte e um anos em breve e
tinha obrigações com a Famiglia. Suas palavras foram cortantes,
deixando claro que não havia espaço para discussões sobre o tema.
“Você sabe que no nosso mundo todos têm obrigações com a
organização... Chegou a sua vez de cumprir com seus deveres. Portanto,
vai se casar.”.
Fiquei tão chocada que pensei que fosse uma brincadeira. Olhei para
os meus irmãos, tentando descobrir se era um teste, mas, não. Papai
falava sério. Lorenzo deveria se casar primeiro, então Bernardo, Anita,
Alessa e, por último, eu.
“Lucca DeRossi me procurou pessoalmente, não através de seus
soldados ou de algum de seus irmãos. Ele veio até nossa casa dizendo
que se casaria com você. Eu te amo, você é minha filhinha, mas ele não
pede, ele toma. Então, por favor, não lute contra isso. Por mim, por seus
irmãos e por suas irmãs.”
Saí do escritório logo depois, tentando limpar a neblina na minha
mente. Parei no corredor e revi silenciosamente a conversa toda. Só
consegui ficar mais apavorada ainda. Meu pai não era um homem ruim,
ele foi bom para nós – dentro do que se considera ser “bom” vindo de
um homem da máfia. Ele não sabia ser carinhoso e por muitas vezes foi
rígido além do necessário, mas, ainda assim, melhor do que muitos
patricarcas mafiosos. Mas o fato de me entregar em casamento para um
assassino, um criminoso e possivelmente o homem mais cruel que eu
poderia imaginar, fazia tudo dentro de mim se revirar. Eu também não
podia esquecer que se meu pai ou qualquer outro Capo negasse algo ao
Chefe, tudo iria para os ares.
Sentia-me em pânico e tentava desesperadamente controlar a
respiração. Anita e Alessa estavam no começo daquele corredor, e a
última coisa que eu queria era assustá-las.
Ensaiei uma expressão calma e tentei agir como se nada estivesse
errado, mas, assim que voltei para o salão, dei de cara com ele. Se
fechasse os olhos podia me lembrar exatamente de como foi.
Seus frios olhos azuis estavam em mim, mas, diferente de antes, não
desviei o olhar. Eu o encarei de volta. E todo o salão simplesmente
sumiu quando ele, em câmera lenta, levantou-se, abotoou o paletó e
começou a caminhar em minha direção.
Cada passo emanava perigo, e não havia sequer uma pessoa que não
abaixasse o olhar quando ele passava.
Lucca estava a uma pequena distância de mim quando me mudei para
o corredor e parei. Era, provavelmente, um movimento suicida, e não
havia uma célula do meu corpo que não me dissesse para correr, mas
eu fiquei.
Quando ele apareceu à minha vista novamente e parou, analisando-
me lentamente, eu me agarrei ao fio de esperança de que ele não fosse
tão ruim quanto falavam. Acreditei que ele diria “Oi”, talvez se
apresentaria oficialmente, ou até mesmo me explicaria alguns dos
motivos pelos quais deveríamos nos casar.
Não.
Não. Mesmo.
Ele andou até ficar a centímetros de mim, tirou a mão do bolso,
segurou meu braço, abriu a primeira porta que viu pela frente e me
arrastou para dentro.
— Finalmente a sós, Abriela — ele disse meu nome, como se
experimentasse como soava, com aquel voz forte, que enviou calafrios
através de mim. Ao me dar conta do que ele poderia fazer comigo ali
dentro, estando sozinhos, meus olhos se encheram d’água. 
— Enxugue as lágrimas ou eu vou te dar motivo para deixá-las cair.
Engasguei com um soluço e coloquei a mão sobre a boca, os olhos
arregalados de medo.
— Sinceramente, não entendo o fascínio. Você é muito bonita, não
posso negar. Mas não vejo o porquê de todo homem dessa maldita
Famiglia, cair de encantos por você. Não é exatamente animador ouvi-
los falando o quanto a minha noivinha é bonita. 
— Estudando-me, analisando cada traço do meu rosto, levantou a mão
em direção à minhaface, e eu vacilei, Lucca pareceu não se incomodar
e arrastou o dedo da minha têmpora ao queixo. — Talvez você seja uma
vadia manipuladora. Todas são, não é?
Eu ainda estava parada em silêncio quando ele deu uma volta em
torno do meu corpo, parando atrás das minhas costas. Logo senti sua
voz reverberando em um sussurro rouco, que enviou arrepios através de
mim.
— Se esse for o caso, vai aprender da pior forma que comigo não há
manipulação, querida futura esposa, portanto, não tente brincar ou
jogar, você irá perder.
— Eu não joguei com você.
— Você quis a minha atenção desde o momento em que eu entrei no
salão, agora você a teve. — Lucca saiu de trás de mim e andou até a
porta. Sem se virar, disse: — Estarei na sua casa daqui uma semana
para te explicar como tudo irá funcionar.
Fechei os olhos assim que ouvi a porta bater. Meu coração disparou
mais rápido do que nunca, minhas mãos suavam e as lágrimas que
vinha segurando, desde que papai me deu aquela notícia, vieram com
força. Lágrimas e mais lágrimas de puro desespero. Se eu tinha alguma
dúvida sobre o que falavam de Lucca DeRossi, não havia restado mais
nenhuma.
Colocando a mão onde ele havia segurado em meu braço, permiti-me
deixar que tudo desmoronasse. Sabia que se eu segurasse o que estava
sentindo, depois seria mil vezes pior. A percepção de que eu seria a
primeira dos meus irmãos a se casar, e que não havia ninguém para me
defender daquele destino, amedrontava-me. Lucca me aterrorizava.
Desde que tive idade o suficiente para entender como as coisas
naquele mundo funciovam, nunca foi um mistério que algum dia
precisaria me casar pelos interesses, por negócios. Eu só tinha aquele
gigante defeito de acreditar que algo bom poderia acontecer, e o que
recebi em troca dessa esperança vazia, foi ser prometida ao pior dos
homens que conhecia.
— Vou me casar com Lucca DeRossi — sussurrei.
Minha vida estava caminhando para ser um inferno. A razão me dizia
para me conformar e aceitar aquilo como o fim, mas meu coração
sonhador, no meio da dor e a decepção dos acontecimentos daquele dia,
sentia aquela velha chama crescer.
Aquela que me fazia sonhar e querer acreditar que talvez pudesse dar
certo.
Levantar-me não foi uma tarefa fácil, principalmente quando tudo que
eu queria era passar o dia na cama, tentando prever meu futuro. Mas não
podia.
Aquele era o grande dia.
Assim que coloquei o pé no chão, houve uma batida na porta. Fiquei
tensa, mas logo ouvi minhas irmãs tentando falar baixo do outro lado e
quase relaxei.
Estava prestes a começar.
Assim que abri a porta, fui envolvida pelos braços de Anita. Alessa
foi até a janela puxar as cortinas para abri-las.
Minha irmã me soltou e segurou em meus braços, olhando-me
profundamente nos olhos.
— Eu vou resolver isso — sussurrou, e antes que eu pudesse
responder já estava sendo empurrada para o banheiro.
— Banho, agora. E rápido, você está terrível. Tenho apenas algumas
horas para dar um jeito em você — Alessa exclamou, tentando fechar a
porta do banheiro comigo lá dentro.
— Cristo, Alessa! Você vai só se sentar aí e pegar revistas de vestidos
de noiva, ver decorações e fazer os preparativos para a sua bonequinha
se casar? O casamento perfeito, a família perfeita, um perfeito sorriso no
rosto, a porra do dia perfeito! — Anita gritou.
Minha irmã não se alterou diante do ataque histérico de sua gêmea,
apenas rosnou:
— Você acha que eu estou feliz? Minha irmãzinha mais nova vai se
casar com o cara mais poderoso e temido da Famiglia, e você acha que
eu estou radiante? Abriela não precisa de você para colocar bobagens na
cabeça dela agora.
— Eu me sinto com o anjo e o demônio nos meus ombros —
respondi, sabendo que as duas tinham suas razões. Alessa seguia
rigidamente cada lei imposta pela máfia, e Anita não se importava em
quebrá-las. As opiniões divergiam de todas as formas.
— Sim? Bem, seria engraçado se não fosse trágico. Nós não temos
muito tempo; você resolveu acordar tarde logo hoje! Perfetto.
Percebi Anita cabisbaixa e segurei suas mãos.
— Irmã, sei que tudo o que você quer é a sua liberdade, mas comigo
nunca foi assim. Sempre quis um casamento e um lar para cuidar.
Talvez isso dê certo — tentei soar convicta, mas nem eu acreditava
muito nas minhas palavras.
Minha irmã jogou os braços para o ar, bufando e revirando os olhos.
— Você está louca! Sabe o que vai acontecer? Ele chegará todos os
dias desses bordéis de luxo que a família DeRossi controla, cheirando a
whisky caro e perfume de prostituta, vai te estuprar e, por fim, colocar
meia dúzia de filhos em você, pra que fique tão ocupada cuidando
dessas crianças que não poderá reclamar sobre as suas escapadas. Este é
o seu sonho? — gritou.
— Você acha que não tenho medo disso? Pelo menos estou tentando
fazer funcionar; não fico arrumando qualquer desculpa numa tentativa
desesperada para fugir, porque sei que não há como escapar disso! Se já
é difícil para qualquer outra moça na Famiglia, imagina para a escolhida
do Chefe — explodi, gritando as palavras de volta para Anita.
— E como está funcionando pra você? Ser uma covarde que na
primeira oportunidade enfia o rabo entre as pernas e aceita qualquer
merda que te dão? — Fiquei alguns segundos encarando-a, em choque.
— Vou tomar meu banho agora, e quando eu entrar neste quarto
novamente, não quero você aqui. — Virei-me e fui fazer o que deveria,
ainda com as palavras dela rodando em minha mente.
Quando pisei no quarto novamente, as duas estavam lá. Encarei Anita
e soltei:
— Achei que tinha sido clara o suficiente.
— Me desculpe, eu não deveria ter dito o que disse. Não concordo e
nem acho certo; você é tão jovem, eu apenas... eu... — ela soluçou e eu
apressei meus passos para abraçá-la.
— Shi... tudo vai ficar bem. — Deslizei os dedos por seus cabelos,
tentando acalmá-la, e sussurrei. — Eu preciso da minha irmã forte neste
momento. Preciso do seu apoio, ou não vou conseguir.
Com isso, Anita rapidamente secou as lágrimas e me olhou decidida.
— Va bene! Vamos fazer isso. Temos algumas horas até o jantar,
então, vamos te deixar mais linda ainda.
Alessa sorriu e se aproximou.
— Eu gosto disso.
Meia hora depois eu vestia um roupão, e uma representante da
Valentino me mostrava modelos de vestimenta para um jantar.
Eu planejava simplesmente pegar um dos tantos que tinha no meu
armário quando Alessa me avisou que receberíamos uma profissional.
Não duvidava que ela já estivesse com metade do casamento planejado.
— Você não tem algo mais inocente? Por Deus, ela vai receber o
noivo, não vai a uma boate se prostituir — Anita protestou.
— Senhorita Bonucci, eu... — Os olhos da representante de vendas
estavam arregalados, e ela parecia prestes a correr porta afora a qualquer
momento.
Prendi o riso e me levantei, indo em direção a um vestido azul claro
longo. Escolhi sandálias simples, pretas, e sorri para ela.
— Obrigada por isso, e ignore minha irmã. Anita está naqueles dias.
— A coitada rapidamente acenou para seu assistente, que recolheu as
peças e as guardou, enquanto nos despediamos.
— Ótimo, agora você pode ir se vestir e vamos fazer seu cabelo.
Depois, é só esperar. — Alessa sorriu.
Após uma tarde totalmente dedicada à minha aparência, lá estava eu,
sentada no sofá da sala da minha própria casa, mais desconfortável do
que nunca. Bernardo tinha se jogado em uma poltrona e ficara
conversado comigo na última hora, fazendo-me rir e esquecer um pouco
do que me aguardava. Agora restávamos apenas eu e meu pai.
O mesmo me encarou e pareceu escolher as palavras antes de falar.
— Eu sei que durante toda a semana Anita veio colocando coisas em
sua cabeça. Mas esqueça tudo o que ela possivelmente disse e foque no
que você sabe que deve fazer. Esse casamento vai acontecer de qualquer
forma, não há como impedi-lo. — Ele se inclinou e beijou minha testa.
— Você é minha princesinha;eu queria que nunca precisasse crescer. —
Suspirou, ficando de pé assim que a campainha tocou.
Levantei-me de imediato, parando bem atrás dele. Respirei fundo,
antecipação queimando em mim.
Logo ouvi passos pelo corredor. Luigi e Dante DeRossi apareceram
no meu campo de visão, logo depois, ele.
Luigi me olhou e sorriu de canto, Dante apenas levantou o queixo e
acenou para meu pai.
Lucca se colocou à frente dos dois e pronunciou.
— Leon.
— Como vai, Lucca?
— Deixe-nos — ignorou-o totalmente, voltando seus olhos para mim.
— Acredito que seria melhor que um de meus meninos ou seus
irmãos ficassem aqui. Não vejo como seria bom para a reputação da
minha filha que ela fique sozinha com o noivo antes do casamento.
Virei-me para ele, com os olhos arregalados, e depois observei Lucca
novamente. Este apenas ergueu uma sobrancelha e foi até a estante de
bebidas, servindo-se de uísque como se estivesse em sua própria casa.
Tomou um longo gole antes de ficar a centímetros do rosto de meu pai.
— Você sabe, Leon, que se eu quiser fazer algo com sua preciosa
filha, farei. Estando numa sala com cinquenta pessoas ou apenas com
ela. No entanto, não lhe dei a opção de discutir sobre isso, só ordenei
que saia.
Meu pai parecia incerto sobre o que fazer, mas o temor que Lucca
irradiava sobre todos era tão forte que ele logo saiu. Luigi soltou uma
risadinha de fundo, enquanto Dante apenas observava a situação.
Segundos depois, lançou-me um olhar compadecido e também saiu,
seguido por seu irmão, que assoviava.
Lucca andou até mim, inclinou-se e, sem que eu esperasse, cheirou
meu pescoço.
— Você cheira bem, Abriela. — Afastou-se e sentou-se no sofá,
cruzando as pernas de uma forma tão perversamente sexy que, por
alguns segundos, esqueci-me de que era o próprio Lúcifer na minha sala.
— Sente-se.
Voltei alguns passos atrás e me acomodei a uma boa distância dele.
— Giorgia irá te ligar esta semana. Você tem um mês para planejar o
casamento, faça o que quiser, eu não me importo, apenas esteja pronta
para se casar em trinta dias.
— Por que eu?
— Você não concorda que todo Chefe precisa de uma esposa para
mantê-lo feliz? — perguntou, irônico.
— Você não parecia muito feliz há alguns dias.
— Nem antes, nem agora. Mas sei que você será uma boa esposa,
respeitosa, manterá sua postura e honrará a sua posição nesta Famiglia.
Irá morar na minha casa, visitará seus familiares com meus soldados e
vai me avisar sobre qualquer lugar aonde quiser ir, antes de ir. Cumprirá
com suas obrigações, Abriela, tanto na rua, quanto em eventos, em casa
e, principalmente, na minha cama. O que eu faço não lhe diz respeito, e
não vou aturar crises de rebeldia. Você entende?
— O que quer dizer com “não me diz respeito”?
— Alguns dias chegarei tarde, outros apenas não voltarei pra casa.
Você vai perguntar, talvez eu responda, e talvez, não; então, não faça
uma cena por isso. Não questione qualquer regra ou ordem minha, e
ficaremos bem.
Eu estava tendo dificuldades em encontrar palavras depois daquela
aula de porcarias que ele me deu.
— Um pouco machista? — Assim que as palavras saíram eu quis
engoli-las de volta. Mas ele apenas sorriu de canto, sem humor nenhum,
tirando algo do bolso do paletó. Pegou minha mão e colocou um
diamante em meu dedo anelar. O anel que eu tanto sonhei, o símbolo do
amor e do verdadeiro respeito, que para Lucca era apenas sua marca
sobre mim.
Enquanto eu olhava a linda joia, ele se levantou, inclinou meu queixo
para cima e com aqueles intensos olhos azuis me estudou antes de falar.
— Estamos entendidos? — Eu assenti, engolindo o nó na garganta.
Ele soltou a mão e enfiou a dele nos bolsos. — Ótimo, não faremos um
noivado. O casamento está perto demais, não é necessário. Estou ansioso
para isso, querida futura esposa.
Querida futura esposa.
Segundos depois de ele ir embora, peguei-me encarando aquele anel,
pensando em como faria para que Lucca me visse com outros olhos.
Mesmo que a máfia insistisse em nos colocar como objetos e em
posições submissas a qualquer situação, eu não me enxergava daquela
forma. Acreditava mais em minha força a cada dia, por simplesmente
não ter desistido diante da vida que levávamos. Eu não podia aceitar
aquilo. Com um suspiro, passei os dedos levemente pelo diamante e
permiti que um pequeno fio de esperança voltasse a crescer dentro de
mim, afinal, aquele encontro fora melhor do que o último.
Deixei-me suspirar aliviada, sem me iludir, e quase sorri. Quase.
Querida.
Futura.
Esposa.
Essa frase tinha que significar algo mais e não apenas uma ironia.
— Eu não posso acreditar que estamos esperando simplesmente
Giorgia DeRossi para almoçar — Alessa exclamou, sorrindo de orelha a
orelha.
— Você acha que foi dela que o os filhos herdaram aquele humor? —
perguntei, preocupada.
— Não. Trabalhei em um evento da Famiglia com ela uma vez; não
passamos muito tempo juntas, mas ela sempre foi um doce, a classe em
pessoa. Provavelmente puxaram ao pai. Thomas DeRossi é um bastardo
gigante.
Assenti aliviada.
— Menos mal, então. — Alessa sorriu e deu um gole no chá.
— Falando nela, olha só quem chegou. — Olhei para trás, para vê-la
andando em nossa direção com um discreto sorriso no rosto, cabelos
perfeitamente alinhados e uma vestimenta que dizia “sou puro poder”.
Ela era belíssima.
— Meninas — cumprimentou-nos com um leve abraço, beijinhos na
bochecha e sentou-se. — Como vocês estão?
— Muito bem, Sra. DeRossi.
Ela sorriu para mim e disse:
— Querida, seremos da mesma família daqui um mês, então, me
chame apenas Giorgia, por favor. — Sorri e concordei. — Alessa,
querida, já faz um tempo que não nos vemos.
— É bom trabalharmos juntas novamente.
— Somos uma bela dupla, sim? — Seus olhos recaíram sobre minha
mão, que estava em cima da mesa, e ela abriu um sorriso brilhante. —
Lucca esteve em sua casa ontem, não é?
— Esteve. Nós conversamos, e ele fez o pedido oficial.
Dizer que aquilo foi um pedido era uma piada. Dava a impressão de
que eu tivera o livre arbítrio para dizer “sim” ou “não”. Lucca
simplesmente pegou o anel e enfiou no meu dedo sem nenhuma
delicadeza nos gestos ou palavras.
— Ele foi gentil?
Eu quis rir da pergunta, mas me controlei e decidi mentir. O que, no
caso, além de ser a única coisa que eu podia fazer, era o que o destino
me reservara a partir do momento que soube do casamento.
— Ele foi um perfeito cavalheiro.
Ela assentiu, hesitante, e forçou um sorriso, o que me fez desconfiar
que sabia bem do que seu filho era capaz.
— Tenho certeza de que sim. — Deu um aperto discreto em minhas
mãos por cima da mesa, logo soltando-as e voltando o foco ao
casamento. — Bom, vamos ao trabalho, afinal, será um casamento
enorme, e não temos todo o tempo do mundo. Alessa, você é muito boa
com organização, então, por que não montamos um cronograma?
— Eu estava pensando nisso. O tempo está muito apertado,
poderíamos separar determinados dias para organizar cada detalhe.
— Sim, isso é bom. Primeiro o lugar. Será um casamento na igreja,
num jardim ou em um belo salão? O que você gostaria, querida?
Oh, sim... eu sabia exatamente o que queria. Sempre sonhei com o dia
em que finalmente encontraria minha alma gêmea e me casaria. Já tinha
tudo em mente. O casamento dos sonhos. Pelas próximas horas, nós
discutimos ambientação, decorações, convidados e cada detalhe da
cerimônia.
Durante esse tempo eu não pensei sobre meu terrível noivo, sobre a
vida que me aguardava nem no lado ruim da situação. Pensei apenas no
quão normal parecia estar sentada com minha irmã e minha futura sogra,
planejando o dia mais importante da minha vida.
Preocupações ficariam para depois; eu podia fingir que estava
vivendo meu sonho e no que fosse possível para realizá-lo.
— Tive uma reunião com Thom DeRossi esta tarde — meu pai falou
durante o jantar, naquele mesmo dia, fazendo meu garfo congelar no
lugare deixando-me mais atenta do que nunca ao assunto.
— Sim?
— Alguns Capos não estão felizes com a sugestão de esposa que ele
deu ao filho.
— Como assim, sugestão dele? — Meu pai suspirou e olhou para
mim.
— Lucca não queria se casar, até falou em abrir mão do controle da
Famiglia, mas Thom não aceitou isso.
— Eu não sabia que Lucca precisava seguir qualquer regra de Thom
— Alessa entrou na conversa.
— Bem, ele não precisa. Mas o fato de ter escolhido minha filha não
me dá o direito de me meter nos assuntos particulares dos DeRossi.
— Tudo bem, e por que os Capos não estão felizes com o casamento?
— perguntei, insegura. Afinal, uma esposa da máfia precisava ser
respeitada.
Como filhas, nós tínhamos que permanecer puras e intocadas até a
noite de núpcias, eles nos deviam respeito, e se os Capos não me
aceitassem isso poderia causar uma guerra dentro das famílias.
— Provavelmente são as mulheres deles falando demais. Não se
preocupe, irmã, elas estão apenas invejosas porque você vai ser a mulher
mais importante da máfia e não a filha delas. Não que isso seja grande
coisa, mas... — Anita deixou as palavras no ar diante do olhar cortante
que meu pai deu a ela.
— Estão preocupados que você não aguente a pressão de ser a mãe da
Famiglia.
— Pelo amor de Dio, papa, é apenas um casamento! Não é como se
ela fosse tomar o lugar dele no controle das atividades ilegais que a
organização faz.
— Atividades essas que pagam seu cartão, sua bela casa e seus luxos,
então, por que você não fecha a boca e come ou apenas vai para o seu
quarto? — ele fez soar como uma pergunta, mas nós sabíamos que era
uma ordem. Então, Anita jogou seu guardanapo sobre a mesa e arrastou
a cadeira, pisando fundo ao sair.
Sabíamos que ela o havia irritado, então, ninguém falou mais nada.
Nosso pai não era um homem ruim, mas minha irmã conseguia tirá-lo
do sério de uma forma que nós não entendíamos. Rígido e controlado,
faria qualquer coisa que fosse necessário, porque a máfia sempre viria
em primeiro lugar. Assim como Lorenzo, nosso irmão mais velho, mais
ambicioso e mais estourado, que acatava incondicionalmente as ordens
do meu pai e sempre estava pronto para fazer qualquer coisa que a
Famiglia precisasse, até sacrificar a si mesmo. Parei de contar quantos
tiros já levou mostrando sua lealdade, por isso, sabia que seria o
próximo Capo Bonucci.
Bernardo sempre foi o mais protetor comigo e com minhas irmãs.
Embora eu me desse bem com todos, não havia conforto melhor do que
os braços do meu irmão. Ele não tinha qualquer problema em desafiar
meu pai, nunca se colocou à frente de uma bala pela Famiglia
propositalmente e nunca fez sacrifícios para mostrar lealdade. Nunca
quis demonstrar qualquer concorrência para Lorenzo, e estava no
caminho certo.
Já Anita era a alegria da casa, sempre foi aliás. Não havia nem mesmo
um enterro que minha irmã não pudesse animar. Sem contar que
demonstrar seu desprezo pela Famiglia nunca foi uma dificuldade; ela
estava feliz em anunciar para quem quisesse ouvir que odiava tudo o que
a Cosa Nostra representava. O que já havia lhe causado muitos
problemas.
E Alessa... Bem, ela foi minha caixinha de segredos por tanto tempo
quanto eu podia me lembrar. Não havia nada sobre mim que ela não
soubesse. Não me recordo de uma única vez ter visto algo derrubar
minha irmã; ela era como minha rocha. Sempre sorrindo, sempre se
colocando no lugar dos outros, nunca fez de sua prioridade provar
qualquer coisa a alguém. E não havia uma única pessoa que não pudesse
conquistar.
Eu estava quase dormindo quando meu celular tocou. Olhei no relógio
e já passavam de uma da madrugada. Estranhando o horário, fiquei
ainda mais indecisa sobre atender quando vi o número desconhecido na
tela. Mas a curiosidade venceu.
— Alô?
— Abriela — aquela voz...
— Lucca?
Eu a reconheceria mesmo se a ligação fosse tomada por ruídos de um
sinal ruim. Acho que mesmo se uma multidão estivesse gritando, eu
poderia encontrá-lo por um sussurro.
— A não ser que você tenha outros homens te ligando a esta hora,
sim, sou eu. — Como ele ousava? Insinuando que eu recebia
telefonemas de homens?
— Não, eu só... Como conseguiu meu número?
— Sei muitas coisas sobre você. De qualquer forma, eu liguei por
uma razão — sua voz era firme e, ao mesmo tempo, rouca.
— Sim? — Engoli em seco, com medo do assunto que levara à
ligação, ainda por cima àquela hora. — Falta apenas uma semana para o
casamento, por favor, não me diga que você encontrou outra pessoa. —
Seria uma humilhação enorme para mim e para minha família.
Assim que as palavras saíram, quis me dar um tapa. Eu deveria querer
desesperadamente que ele desistisse de se casar comigo, então, onde é
que estava com a cabeça? Não era hora para pensar na humilhação que
meu pai passaria.
— Por que diabos eu trocaria você por qualquer outra? — sua voz
adquiriu um tom diferente, de surpresa talvez. De qualquer forma, era
pelo menos um tom diferente da constante frieza com a qual me
acostumei.
— Eu não sei, papa me disse que os Capos não aprovam o nosso
casamento — sussurrei, e sua risada sem humor encheu meus ouvidos.
— E você, por alguma razão, achou que eu mudaria de ideia, baseado
na opinião dos Capos?
— Eles são importantes nas decisões da Famiglia.
— Negócios da Famiglia, sim, não com quem eu devo me casar —
ele praticamente rosnou, e sua voz ficou dura novamente. — Você é
inocente demais para entender os homens, como esses pensam.
— Minha inocência é um problema para você?
— Não, baby, absolutamente, não. Eu não me casaria com qualquer
outra delas. — Meu coração parou uma batida.
— Humm, eu... — Minha cabeça entrou em curto. Por um momento
desconfiei que pudesse ter imaginado a palavra baby saindo de sua boca,
então, apenas murmurei algo diante daquele desabafo.
— De qualquer forma, eu te liguei porque na última festa de
aniversário de Evangeline Berlot você ficou com Marco Berlot numa
sala por alguns momentos; exijo que me diga exatamente o que estavam
fazendo lá.
— O quê? — Eu ainda estava pensando quando as palavras saíram.
Quase ri, ele estava com ciúmes? — Você me ligou para perguntar isso?
— Liguei porque posso. E você vai me responder antes que eu perca a
pouca paciência que tenho e vá até aí arrancar a resposta pessoalmente.
Agora diga-me — rosnou.
Eu queria perguntar se aquilo era ciúme ou se estava apenas mantendo
o controle sobre sua “posse”.
— Eu não me lembro. Marco só me procura para falar sobre minhas
irmãs. Evangeline irritou Anita na festa, eu a estava procurando quando
ela sumiu, então, ele entrou na sala para me perguntar o que tinha
acontecido.
Lucca ficou em silêncio por alguns segundos.
— Foi só?
— Sim, foi apenas isso.
— Muito bem. Eu quero que preste atenção no que vou dizer, e não
quero ter que repetir. Fora seu pai, seus irmãos, meus irmãos e,
logicamente, eu, você não ficará nunca mais sozinha numa sala com
qualquer homem. Se eu souber, se eu sonhar, eu vou degolá-lo.
— Lucca, por Dio! — eu exclamei, horrorizada ao ouvi-lo falar
aquilo.
— Sim, eu tenho um problema pescoços, então, cuidado. Por que
você não dorme um pouco agora?
— Lucca, eu apenas...
— Agora. Eu já falei até mais do que pretendia.
— Não há problema em conversarmos, passaremos o resto de nossas
vidas fazendo isso.
Eu o ouvi respirar fundo, sem me dar chance de continuar falando.
— Boa noite, Abriela. Descanse. — E desligou.
Não sabia por que Lucca tinha reagido daquela forma, mas, com o
tempo, esperava aprender a lidar com ele. Uma coisa era verdade,
passaríamos o resto da vida juntos, e eu estava mais do que determinada
a fazer dar certo.
Baby.
— Anita, realmente não é uma boa ideia — eu tentei argumentar pela
milésima vez, enquanto ela passava seu batom vermelho paixão em
mim.
— É uma ótima ideia, Alessa e eu fazemos isso o tempo todo.
— Não, nós não fazemos. Apenas umavez pra nunca mais — Alessa
protestou, tão preocupada quanto eu.
Anita jogou as mãos em desdém.
— Não importa. É sua primeira e última noite de solteira, por favor —
implorou, fazendo biquinho e juntando as mãos. Levantei uma
sobrancelha, irredutível. Vendo que eu não mudaria de ideia, ela olhou
para nossa irmã. — Alessa, não seja uma chata!
— Anita, eu tive vinte anos repletos de noites de solteira, essa não é
mais importante que as outras.
— Sim, noites de solteira lendo livros e comendo loucamente —
Revirou os olhos.
— Livros de caras gostosos — resmunguei.
— Você alguma vez se mastur... — Tapei a boca dela antes que
pudesse terminar a frase.
— Tudo bem, mas nós vamos com os soldados. Vamos a um lugar da
Famiglia, e vamos voltar antes da meia-noite. — Alessa arregalou os
olhos pelas minhas palavras e começou a protestar quando levantei uma
mão, interrompendo-a, e encarei Anita. Sua insistência seria
insuportável até que eu concordasse, então, decidi que poderíamos
apenas ir até uma cafeteria, tomar algo, voltaríamos para casa e tudo
ficaria bem. — Entendeu? Só um passeio tranquilo com minhas irmãs
para me distrair antes do meu casamento.
Anita abriu um sorriso inocente, que parecia ainda mais perverso, e
assentiu.
— Apenas um passeio inocente.
Concordei e me virei pra Alessa, sorrindo.
— Ela vai seguir as regras. — Minha irmã levantou uma sobrancelha,
duvidosa.
— Não estou de acordo com isso, mas vou para garantir que ela não
meta vocês em confusão.
Arrumamo-nos e saímos de casa silenciosamente. Nosso pai e irmãos
estavam fora, provavelmente resolvendo negócios da Famíglia,
portanto, estávamos sozinhas, apenas com soldados ao redor da
propriedade.
Assim que conseguimos colocar os pés para fora de casa, havia um
táxi nos esperando. Olhei para Alessa, que tinha a testa franzida, e parei.
— Anita, por que estamos indo de táxi e não num carro da Famiglia?
— Irmã, pare de ser tão cismada. — Sorriu. — Os soldados foram na
frente, já estão lá nos esperando. — Olhei-a desconfiada, mas ela apenas
revirou os olhos e nos puxou para dentro do carro.
Quinze minutos depois, estávamos paradas em frente a Obssessione,
uma das baladas mais famosas da Itália. Eu já estava tremendo,
enquanto Alessa tentava me acalmar, e Anita sorria vitoriosamente por
sua façanha.
— Você é absurdamente irresponsável. Até onde pensou que seu
magnífico plano iria? — Alessa gritou, irritada. — Você não seguiu
nenhuma das regras que Ella estabeleceu, e eram coisas simples.
Anita revirou os olhos.
— Por Dio, irmã, nós já estamos aqui. Papa está em algum clube da
Famiglia com os DeRossi e nossos irmãos. Você sinceramente acha que
Lucca, sendo Lucca, não iria comemorar a última noite de solteiro dele?
Bom, não é efetivamente a última como solteiro, mas de qualquer
forma...
— Cale a boca! Você não está ajudando em nada!
Enquanto elas discutiam, minha mente viajou para o que minha irmã
falou. Eu nem sequer tinha pensado sobre o que Lucca estaria fazendo
hoje.
Depois que ele me ligou, nós não nos falamos mais. Eu vi Dante lá
em casa uma ou duas vezes, entrando no escritório, e ele sempre me
dava um pequeno sorriso ou um aceno. Luigi não apareceu depois da
visita de Lucca, e eu estava feliz por isso, pois ele era irritante.
Mas pensar que hoje, horas antes do casamento, ele poderia estar com
alguém, fez com que uma raiva fora do normal me acometesse, não por
ciúme ou algo do tipo, mas pela falta de respeito. Aquela foi a primeira
vez em algum tempo que me senti injustiçada. Eu teria ficado em casa,
pedindo a todos os santos, até mesmo a espíritos, que me dessem
coragem para subir no altar no dia seguinte, mas ele, não. Ele estaria
simplesmente curtindo a noite, talvez nem mesmo se lembrando da
minha existência.
Decidida, olhei para minhas irmãs, que ainda discutiam, e falei
firmemente.
— Vamos entrar.
Anita sorriu e deu pulinhos de felicidade, enquanto Alessa esbugalhou
os olhos e me chacoalhou.
— Você está louca? Qualquer pessoa neste lugar poderia conhecer
Lucca, você estaria ferrada.
— Anita está certa — eu disse suavemente —, Lucca está,
provavelmente, tendo sua festa particular agora, por que eu não posso?
Anita jogou o punho no ar e gritou.
— Isso, garota!!
Alessa grunhiu em revolta.
— Você percebe que seu discurso não fez sentido algum a partir do
momento em que afirmou que Anita está certa?
Anita parou de pular e colocou as mãos na cintura, fazendo seu
pequeno vestido subir um pouco mais.
— Ei, a garota sabe o que é bom! Não aja como uma vadia só porque
ela não quer ficar em casa fazendo crochê com você.
Eu deixei uma risadinha escapar e abracei minha irmã.
— Por favor, é realmente a primeira e a última noite da minha vida.
Eu nunca fiz nada assim. O que poderia dar errado?
Anita piscou para mim, e nós esperamos pacientemente enquanto
Alessa nos encarava. Segundos depois, ela assentiu. Entrelaçamos
nossos braços e fomos andando até a entrada da boate.
— Eu estou fazendo isso por você, mas vamos embora cedo e
caminhando com nossos próprios pés — Alessa resmungou, ainda
andando.
— Absolutamente, sim, irmã! — Anita exclamou, feliz.
Não havia nada para dar errado. Nós tínhamos total controle.
Entrar naquele lugar não tinha sido difícil. Assim que entregamos
nossas identidades o segurança arregalou os olhos e nos deixou passar.
— Pelo menos pra isso a influência da Famiglia serviu — Anita
resmungou, ficando na ponta dos pés olhando ao redor.
— O que você está procurando? Viu alguém? — Escondi-me atrás
dela, olhando por cima de seu ombro.
— Ué, pra onde foi toda a coragem de dois minutos atrás? — Alessa
questionou, sarcástica.
— Está começando a ir embora a cada segundo aqui dentro —
aumentei o tom de voz para que me escutassem. — Jesus, Anita! Quem
aguenta todo esse barulho?
— Achei! — ela gritou, correndo. Alessa me olhou e logo estávamos
correndo atrás dela.
Eu tinha total certeza de que parecíamos ridículas, mais ainda quando
minhas irmãs se sentaram nos banquinhos de uma mesa no canto, e eu
tropecei no degrau, só não caindo porque me segurei na mesa. A essa
altura, Alessa já estava rindo como se não houvesse amanhã. E Anita
ocupava-se flertando com o garçom.
Segundos depois ela se virou para nós dispensando o cara.
— Você não podia perdoar nem o garçom? — Ela franziu a testa e
bufou.
— Eu só queria uma mesa na área VIP.
— Você já ouviu falar em pagar por isso?
— Ele disse que está reservada; uma grande festa ou alguma merda
assim. — Meu coração disparou, e eu fiquei de pé num pulo.
— Você acha...
— Não. Senta sua bunda aí antes que eu te amarre. Dio, ele tem
muitos clubes para fazer o que quiser, nós teríamos que ser muito
azaradas.
— Ou irresponsáveis — Alessa resmungou, fazendo sua gêmea lhe
lançar um olhar de tédio. Neste momento, o mesmo garçom se
aproximou com uma bandeja. Alessa automaticamente começou a
balançar a cabeça para minha irmã.
— Relaxa, é como suco de limão! — Alessa lhe deu um tapa no
braço.
— Eu disse que voltaríamos caminhando com nossos próprios pés.
— Sim, irmã, e apenas para referência futura, uma bebidinha não vai
nos fazer voar.
Num surto, antes que Alessa pudesse dizer qualquer outra coisa, eu
peguei o pequeno copo com a bebida, que tinha um forte cheiro de limão
e álcool, e virei em vários goles. O líquido azedo arranhava minha
garganta. Eu tinha bebido metade quando afastei o copo, tossindo e
gargalhando logo depois. Ao sentir minha pele arrepiar, sorri para
minhas irmãs. Já que já estava lá mesmo, podia aproveitar.
— Vamos dançar.
E assim se passaram os próximos vinte minutos.
Eu nunca tinha dançado em toda a minha vida, mas olhei as pessoas
ao redor e rapidamente aprendi o que fazer. Queria apenas me divertir.
Já sem ar, puxei Anita para perto e gritei.
— Eu vou beber uma água.
Ela jogou a cabeça para trás, rindo. Seus olhos verdesbrilhavam
olhando para os meus, dando a perceber que tinha tomado algumas a
mais.
— Você não vem pra balada beber água, irmã. Eu vou pegar algo pra
você; algo doce e fraco, porque não quero você tenha uma ressaca de
manhã.
Eu assenti e fechei os olhos assim que ela se afastou, pegando nas
mãos de Alessa para voltar a dançar. A música pulsante nos meus
ouvidos, meu coração acelerado, a adrenalina correndo, bombeando
forte em minhas veias... estava tão concentrada naquele clima, tão
focada que Alessa teve que me beliscar para que eu prestasse atenção no
que ela falava.
— Ai! O que foi?
— Aonde Anita foi? — perguntou, olhando ao redor.
— Buscar uma bebida para mim. Eu disse que ia, mas ela se ofereceu.
— Alessa parou de dançar e engoliu em seco.
— Não demoraria tanto tempo para pegar uma bebida. — Franzi a
testa em confusão.
— Anita não foi há tanto tempo.
— Foi, sim. Já tocaram várias músicas desde então. — Arregalei os
olhos e abri a boca, mas não consegui dizer nada.
Alessa fechou os olhos, respirando fundo, mas logo se recompôs e
sorriu forçado.
— Nós vamos encontrá-la, só não se afaste de mim, está bem? —
Assenti, seguindo-a.
Em algum momento da segunda volta que nós demos em todo o lugar,
eu deixei uma pequena lágrima de medo escapar e comecei a refletir o
quanto aquilo tinha sido uma péssima ideia.
Nós não éramos pessoas normais que podiam apenas sair e aproveitar
uma noite. Fazíamos parte da máfia, e sabíamos o quão fácil seria um
inimigo simplesmente nos pegar, e com certeza não seríamos devolvidas
com vida.
Quinze minutos depois chamamos até mesmo o gerente para ver se
podíamos ter acesso as câmeras do lugar. Ele, é claro, negou. Então, eu
no exato momento em que comecei a discar o número de papa no meu
celular, Anita apareceu.
Ela não tinha mais os mesmos olhos brilhantes, não tinha mais o
perfeito cabelo em ondas, nem o vestido liso e perfeitamente arrumado.
Minha irmã aparentava ter passado pelo inferno.
Corremos para ela, inspecionando-a por todos os lados.
— Onde você estava? — gritei. — Eu não deveria ter deixado você ir,
Dio mio! Não deveria ter nem mesmo concordado com isso tudo. Você
está bem?
— Dio, Anita, alguém... Alguém te...? — Alessa deixou as palavras
no ar quando ela balançou a cabeça, desviando o olhar, ao mesmo tempo
em que tentava ajeitar o vestido, forçando um sorriso.
— Tudo bem se nós formos embora?
— Você tem certeza de que está bem? Porque eu acho que não —
Alessa rosnou.
— Tenho. Não é porque minhas irmãzinhas são duas puritanas que eu
devo ser também. Eu tive meu divertimento, vocês também, e agora
meus pés estão me matando.
Olhei-a por alguns segundos, não acreditando nem um pouco na falsa
pose que estava tentando manter. Eu não sabia o que tinha acontecido,
porque ela obviamente não queria falar. Conhecia Anita bem o
suficiente para saber quando pressioná-la e quando deixá-la ter o seu
tempo.
— Podemos ir, então — Alessa declarou. Eu conhecia Anita muito
bem, mas Alessa era especialista nela. Sendo assim, se algo aconteceu e
a deixou estranha daquela forma, não íamos forçá-la a falar se não
estivesse pronta.
Saímos pela porta traseira da boate e demos sorte de um táxi estar
passando bem naquele momento, pois menos de vinte minutos
estávamos de volta à nossa casa.
Anita tinha feito piadinhas, zombado de como nossa noite fora
maravilhosa durante todo o caminho de volta, o que me fez pensar que
talvez estivesse falando sério sobre apenas ter buscado um pouco de
diversão e resolvi deixar o assunto de lado por enquanto.
Assim que o táxi parou na frente de casa, senti um alívio como nunca
antes.
— Grazie a Cristo! — Alessa sorriu para mim, deixando claro que se
sentia da mesma forma.
Anita abriu a porta, e estávamos prestes a subir as escadas quando
alguém bateu palmas do nosso lado. Gritamos em uníssono, prontas para
corrermos, quando o rosto de papa entrou em nossa visão.
— Maledetto Santo — sussurrei em choque completo.
Anita andou na direção dele, já se explicando.
— A culpa foi totalmente minha! Eu arrastei as duas comigo, então,
per favore, não faça nada com elas. — A cada palavra ela se aproximava
mais dele.
Ele soltou uma risada sem humor, e se aproximou mais ainda do rosto
dela.
— Por que será que eu já desconfiava disso? — Logo dois de seus
soldados se colocaram atrás de nós, arrastando-nos atrás dele até a sala
de estar.
— Papa, eu não queria nenhum problema, nós apenas... — minhas
palavras ficaram no ar quando, dentro da sala, meus olhos pousaram em
ninguém menos do que ele, meu noivo.
— Puta merda ferrada — Alessa sussurrou, e eu tive que concordar.
Sim, puta merda muito ferrada.
Não só ele como Dante, e, pelo pouco que meus olhos captaram, seis
soldados.
Seu olhar me queimava como fogo, com uma expressão furiosa.
Encarou-me, começando do rosto e descendo lentamente por todo meu
corpo, até parar no meio da coxa, que era onde meu vestido curto e
apertado terminava. Cerrou a mandíbula e fez um movimento com uma
das mãos, o que fez os soldados saírem da sala, deixando apenas papai,
seus irmãos e as minhas irmãs presentes.
Eu nunca havia me sentido tão exposta em toda a minha vida.
Ele acendeu um cigarro, levantou-se e caminhou lentamente até onde
eu estava, parando na minha frente.
— Onde você estava?
— Nós fomos a uma boate, só queríamos nos divertir por uma noite,
enquanto eu ainda podia. — pedia silenciosamente que ele estivesse, ao
menos, com metade do bom humor que estivera na última vez em que
nos falamos. Contudo, desconfiava que eu não teria tanta sorte assim.
— E quem disse que você podia?
— Lucca, você estaria fazendo o mesmo, apenas saí com as minhas
irmãs — sussurrei, tremendo.
— O comportamento de suas irmãs não é apropriado. Quando
concordei em me casar com você, não pensei que me causaria
problemas. Sabe que dia é amanhã? — ele praticamente cuspiu as
palavras, cheio de desprezo.
— Sim.
— Bem, para mim parece que você esqueceu. Sabe quantos riscos
vocês correram esta noite? Alguém podia tê-las levado, e não iriam ver
sua família nunca mais. Onde é que estavam com a porra da cabeça? Eu
explodi.
— Mas que droga! Eu não sou uma criança!
— Ah, não? Não é o que parece. — Levou o cigarro a boca e tragou.
— Se o fato de saber que vou ter que me amarrar a você amanhã não
me aterrorizasse tanto, talvez eu não precisasse cometer uma burrice
apenas para escapar desse pesadelo nem que fosse por algumas horas!
— gritei, arfando. A raiva que enxerguei no rosto dele quando cheguei
pareceu ter ido embora na hora em que terminei meu desabafo, dando
lugar à máscara sem emoção alguma; uma expressão dura e fria, que
combinava mais com ele. Arrependi-me das palavras que proferi no
mesmo instante.
— Sim? — rosnou. — Acostume-se, pois você vai pedir a cada
segundo pra que esse pesadelo termine, e adivinha só, querida, ele não
terá fim. — Saiu da minha frente indo direto para a porta, fechando-a
atrás de si com um estrondo.
Dante parou ao meu lado e falou tão baixo quanto podia apenas para
que eu ouvisse.
— Lucca ficou no apartamento dele durante toda a noite. — Assim
que processei a informação amaldiçoei e senti raiva de mim mesma.
— Agora que a merda já está feita, vão as três se deitar — papai
exclamou, irritado. — Vou ligar pro irmão de vocês e pedir que volte
para casa.
— Onde ele está? — Anita perguntou.
— Cuidando da estupidez de vocês. Subam... E, Abriela... — Virei-
me diretamente para meu pai. — Essas são atitudes dignas da esposa do
chefe?
Abaixei o olhar e neguei, mais irritada comigo mesma do que ele
poderia imaginar.
Papai suspirou e saiu da sala. Nós três nos fitamos antes de cada uma
seguir para seu quarto.
As palavras de Dante ainda giravam em minha mente.
E eu tinha irritado meu terrível futuro marido na véspera do
casamento, enquanto ele aguardava o grande dia no seu apartamento,respeitando-me como eu desejava que fizesse.
Perfetto.
Acordei com fortes batidas na porta. Sentei-me na cama, encostada na
cabeceira, e fiquei olhando para o nada, pensando em nada. Estava
fechando os olhos, quase caindo no sono de novo quando bateram
novamente.
— Entra — resmunguei, suspirando.
Bernardo colocou a cabeça para dentro e sorriu lindamente para mim.
— Você não deveria ser a primeira a acordar e infernizar todo mundo
apenas pra garantir que nada fique fora do lugar? — Tentou brincar,
sentando-se ao meu lado. Eu sorri levemente e deitei a cabeça em seu
ombro.
— Tenho certeza de que Giorgia e Alessa têm pessoas trabalhando
nisso. — Bernardo assentiu.
— Certamente. — Ficamos em silêncio por alguns minutos. Ele
girava o anel em meu dedo, ali quieto, apenas me deixando saber que
estaria lá por mim.
— Eu estou com medo — sussurrei.
— Eu também, pequenina.
— Como você acha que vai ser? — Ele franziu a testa, pensando
sobre minha pergunta.
— Não vou adoçar pra você, irmã. — Assenti. — Ele não é uma boa
pessoa. Eu o vi fazer coisas horríveis como se nada o afetasse; como se
não tivesse sequer uma alma. Não é a toa que ele é o capo da Cosa
Nostra. Deveria matá-lo para que você pudesse ficar livre.
Eu bufei.
— Não diga essa besteira. Que liberdade seria essa, se para ganhá-la
eu teria que perder meu irmão?
— O tipo de liberdade que faz valer a pena viver — sussurrou como
se estivesse falando consigo mesmo.
Pensei por alguns segundos no que ele disse, concluindo que não
concordava com aquilo.
— Vai dar certo.
— Não é porque eu, papai e Lorenzo nos derretemos por você que
Lucca também vai. Ele é totalmente diferente.
— Vai dar certo.
— Ella... — Virei-me para ele e, olhando em seus olhos, repeti o meu
mais novo mantra:
— Tenha fé em mim. Eu vou fazer dar certo.
Ele me encarou por alguns segundos, puxando-me para seus braços
logo depois.
— Eu estarei a uma ligação de distância. Apenas uma mensagem, e eu
estarei lá. — Sorri.
— Não esperava nada menos de você.
Minutos depois meu irmão saiu. Fiquei mais um tempo sentada antes
de me levantar e começar o dia. Estava ansiosa, sentindo um frio na
barriga fora do normal, a sensação era de que desmaiaria a qualquer
momento.
Olhando no relógio, vi que já passava das nove da manhã, então, fui
cuidar da minha higiene. Sabia que em pouco tempo minha irmã estaria
invadindo o quarto feito um furacão, pronta para me arrastar por aí.
Uma hora depois, as gêmeas estavam na minha frente. Os olhos de
Alessa não refletiam o sorriso que ela tinha nos lábios, e os de Anita
estavam brilhando pelas lágrimas não derramadas. Meu coração se
apertou ao vê-las. Sempre fui a boneca delas, o bebê, e agora precisaria
me casar com um homem que elas tinham toda a certeza que não seria
bom para mim.
Se fosse eu no lugar delas, estaria implorando de todas as formas
possíveis a papai para que ele mudasse de ideia, mesmo sabendo que
não adiantaria.
— Pronta? — Alessa me deu um olhar reconfortante.
— Preciso estar — tentei soar firme, mas saiu como um sussurro.
— Tudo bem. — Suspirou. — Você vai ficar pronta e estará linda,
como é esperado. Esqueça o que aconteceu ontem e apenas relaxe. Eu
sei que é difícil, mas uma hora ia acontecer. Com todas nós. — Eu
assenti, e ela continuou. — Você precisa se lembrar que seu sorriso será
sua melhor máscara. Agora nós vamos para o meu quarto. Tem algumas
pessoas lá para fazer seu cabelo e maquiagem, vamos apenas deixar o
vestido aqui, certo?
— Tudo bem. Vamos fazer isso — concordei. Alessa sorriu e segurou
minha mão.
— Vamos fazer isso.
Anita suspirou e pegou a outra mão.
— Vamos fazer isso, porra! — resmungou, fazendo-nos, por apenas
um momento, sorrir de verdade.
— Oh, querida, você é a noiva mais bonita que já vi — Giorgia disse,
enquanto limpava as lágrimas no canto dos olhos. Aproximou-se e me
abraçou, sussurrando no meu ouvido. — Eu estou tão feliz. — Logo ela
se afastou, e todas as outras senhoras dos Capos que estavam no quarto
passaram dedicar seu tempo dizendo o quão linda eu estava. Os sorrisos
forçados de algumas não me passavam despercebidos, assim como os
olhares mal-intencionados de outras. Mas apenas sorri e agradeci, como
a esposa de um chefe faria.
Quando todas saíram do quarto, incluindo minhas irmãs, eu me virei
para o grande espelho na parede e observei cada detalhe; desde o meu
anel de noivado, que era o que eu tinha decidido usar como meu objeto
novo, representando a nova etapa da minha vida.
Reparei em meu brinco, uma pequena pérola, o primeiro que eu
ganhei, ainda criança. Seria meu objeto velho, para que eu nunca
esquecesse a vida que estava deixando para trás.
Giorgia me entregou um colar de brilhantes – uma pequena corrente,
que usaria como meu objeto emprestado. Adorei, pois veio de alguém
que eu imaginava que fosse especial para Lucca, afinal, era sua mãe.
Como presente, eu estava usando uma pulseira com quatro pingentes
– um livrinho de Alessa, uma espada de Anita, uma chave de Bernardo e
um B de Lorenzo, o que eu acreditava representar nosso sobrenome.
Papai tinha entregado a Alessa uma tiara, que nossa mãe usou em seu
casamento. Aquele seria meu objeto azul, e quando ela colocou em mim,
tivemos que refazer nossa maquiagem. Não contivemos a emoção.
Observei meu vestido estilo princesa, com uma cauda pequena
arrastando no chão, o véu cobrindo meu cabelo parcialmente, meu
sapato brilhante e perfeito para me dar a altura que eu não tinha.
E, por último, foquei em meu rosto. Meus lábios cor nude, cílios
naturais apenas um pouco mais levantados, bochechas rosadas e meus
olhos tão azuis como sempre foram.
Eu era a noiva perfeita.
Quando ouvi batidas na porta, respirei fundo. Deveria ser meu pai
para irmos para o altar.
Lentamente a abri, mas quando vi quem estava diante dela travei.
— Senhor DeRossi? — Ele me olhou de cima a baixo e assentiu com
um olhar que reconheci como orgulho.
— Vai me deixar entrar? — questionou, com uma forma de falar
muito parecida com a de Lucca. Reparei que ele estava com as duas
mãos atrás das costas e estremeci, imaginando se seria uma arma ou algo
do tipo. Será estava planejando me matar ali mesmo? Como se notasse
minha hesitação, colocou as mãos para frente, entregando-me um buquê
de rosas azuis perfeito, que quase fez meu queixo cair.
— Como o objeto emprestado, o azul, algo velho e algo novo, aqui
está o buquê escolhido pelo seu noivo. — Sorriu torto, o que fez sua
feição dura quase suavizar, e eu me perguntei se Lucca seria da mesma
forma, se me deixaria ver seu sorriso algum dia.
— Obrigada. — Peguei o buquê e sorri. — Lucca escolheu? —
perguntei, de repente desejando que ele tivesse pensado em fazer isso
por mim, por... Nós. Porém, eu sabia que jamais iria admitir.
O sorriso no rosto de Thomas foi substituído por uma carranca
idêntica à de seu filho. Ele entrou no quarto, fechou a porta e me
encostou na parede. Assustei-me, pronta para gritar, quando ele colocou
a mão sobre a minha boca.
— Eu não a escolhi na intenção de transformar o bastardo numa
moça. Te escolhi porque é bonita e dizem que é uma boa menina. Ele é o
que é, porque eu o fiz desse jeito, então, não crie esperanças de adoçá-lo,
porque ele sempre vai me ouvir e fazer exatamente o que eu quiser. É
sendo temido que ele me serve. Odiaria ter que tirá-lo da jogada, então,
apenas seja uma boa esposa obediente — sussurrou ameaçadoramente.
— Entendeu? — Assenti. — Farei visitas esporádicas a vocês para ter
certeza disso. — Ele se afastou e arrumou a gravata. — Agora
recomponha-se. — Antes de sair, disse, sem se virar. — Eu prefiro que
esta conversa fique apenas entre nós.
Assenti novamente, mesmo sabendo que ele não veria, por ainda estar
de costas. Fechei os olhos e esperei que a porta finalmente batesse,
respirando fundo e me recusando a chorar.
Mesmo que esse casamento não tivessesurgido da forma como eu
sonhei, não podia me dar o luxo de chorar toda vez que algo
acontecesse. A única maneira de sobreviver à máfia era sendo mais forte
do que ela. Ou pelo menos tentar parecer.
Eu não deixaria de ser quem era, mas precisava ser forte.
Não sabia se deveria dizer a Lucca que o pai dele me ameaçou, apenas
tentaria lidar com isso. E também, Thom falava com confiança, então,
quem me gantiria que Lucca acreditaria em mim? Não queria começar
nossa vida juntos já levando problemas que o fariam pensar que queria
colocá-lo contra seu pai.
As palavras de Thomas rodavam na minha mente; eu estava
assustada.
Mas não tinha escolha, ao mesmo tempo estava decidida.
Decidida a lutar por esse casamento.
— Você é a noiva mais linda que já vi em toda minha vida — papai
disse, enquanto puxava o véu para meu rosto. — Eu te amo, espero que
possa me perdoar um dia. — Beijou minha testa e me ofereceu o braço.
— Eu pensei que mamãe tinha sido a noiva mais linda — respondi
quando começamos a caminhar.
— Você a superou.
Meu coração apertou, mas não pude responder, pois, de repente,
fiquei muda com a visão diante de mim.
Praticamente toda a Famiglia estava no jardim. As mulheres em seu
belos vestidos chiques e cabelos perfeitamente alinhados, os homens
elegantes em ternos e sapatos autênticos, tudo perfeito.
A decoração branca, lilás e dourada, e as flores penduradas no teto.
Alessa fez tudo como eu disse que queria.
Enquanto a banda tocava o clássico dos casamentos da máfia, eu quis
chorar, porque amava aquela música, e sempre que a ouvia em outras
cerimônias, dizia que seria conduzida até o altar também com ela.
Caminhei tão lentamente quanto podia, mantendo a cabeça baixa e os
olhos presos em meus pés para ter a certeza de que não tropeçaria. Mas
quando papai parou de andar e levantou meu véu, tudo o que pude fazer
foi fechar os olhos com força, logo que o senti esticar meu braço e o
toque firme e quente da mão do meu noivo segurando a minha.
Olhei para cima, não tendo outra escolha a não ser encarar o que
vinha evitando desde que pisei no tapete vermelho. Lucca estava
simplesmente perfeito.
Às vezes, quando olhava para ele, não conseguia entender como
alguém tão bonito podia guardar tanta maldade, ser tão cruel. Mas é
como dizem, não se pode ter tudo.
A maçã realmente não caiu longe do pé.
O terno incrivelmente preto, olhos tão azuis quanto o céu naquela
tarde, a face séria, rígida. Mais uma vez pude compará-lo a Thom. E tive
mais um motivo para fazer meu casamento dar certo... eu não queria um
homem como aquele perto de mim, principalmente dormindo ao meu
lado. E também por Lucca. Acreditava que existia algo bom dentro dele,
então, precisava fazê-lo confiar em mim para que dividisse essa parte da
sua vida escondida comigo. Será que ele não percebia que não estava
vivendo, e, sim, sobrevivendo?
Eu não podia deixar aquilo acontecer, nem que saísse destroçada no
processo.
Todos mereciam uma salvação. E eu seria a de Lucca DeRossi.
Viramos de frente um para o outro e esperamos o padre começar a
cerimônia.
Meu coração batia violentamente. Lucca me encarava como se não
houvesse amanhã. Mais de duzentos pares de olhos estavam fixos em
nós.
— Estamos aqui hoje para o matrimônio de Lucca DeRossi e Abriela
Bonucci...
O padre continuou falando, mas eu não podia ouvir nenhuma palavra.
Estava hipnotizada diante do olhar firme de Lucca.
Quando ele citou os votos, fiquei observando com mais fascínio
ainda. Mesmo que fosse uma encenação, eu percebi que gostava de
ouvi-lo dizer palavras bonitas para mim.
Então eu fiz os meus votos; a diferença é que eu fazia com meu
coração.
— Eu, Abriela Bonucci, recebo-te como meu esposo, Lucca DeRossi,
e prometo ser fiel, te amar e te respeitar, na alegria e na tristeza, na
saúde e na doença, até que a morte nos separe.
O padre alcançou nossas alianças, abençoando-as rapidamente, e nos
entregou.
— Abriela, esta aliança representa minha fidelidade e meu amor, a
receba em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo — sua voz
profunda ecoou na minha cabeça, fazendo-me tremer.
— Lucca... — sussurrei, de repente me sentindo confusa com aquilo
tudo. Nós não tínhamos mesmo terminado, e eu estava um caos. Ele
levantou uma sobrancelha, lançando-me um olhar severo. Rapidamente
me recompus e repeti as palavras, colocando no dedo dele a aliança.
— Pelo poder concedido a mim, eu os abençoo e os declaro marido e
mulher. Pode beijar a noiva.
Lucca pegou minha outra mão, colocando a direita dele sobre meu
coração e a minha direita sobre o coração dele. Então, declarou.
— Prometo pela Famiglia e pela honra. — A sensação de seu toque
em minha pele nua sob o decote e os batimentos de seu coração debaixo
dos meus dedos me deixaram muda por um momento.
— Prometo pela Famiglia e pela honra — finalmente disse.
Ele levantou sua mão, pegou minha nuca e, puxando-me em sua
direção, selou nossos lábios. O mundo girou.
De repente eu não era mais Abriela, a noiva em perigo, e ele, o meu
medo. Com seus lábios sobre os meus, nós éramos apenas... Nós.
Mas o beijo terminou tão rápido quanto começou.
Quando nos afastamos, continuei de olhos fechados por alguns
segundos e, quando os abri, Lucca me encarava com uma intensidade
agonizante. Pelo que pareceram horas, ficamos ali, apenas nos olhando.
Então ele desviou o olhar, quebrando totalmente o encanto. Reparei que
os convidados já tinham começado a entrar para o salão onde
aconteceria a recepção e a festa. Alessa se aproximou com um fotógrafo
ao lado.
— Irmã! — Sorriu para mim, abraçando-me e acenou para Lucca.
— Alessa. — Ele acenou de volta.
— Vamos tirar algumas fotos aqui enquanto os convidados se ajeitam
lá dentro. — Lucca franziu a testa, mas concordou.
— Sorriam como recém-casados apaixonados. — Minha irmã estava
louca. Lancei-lhe um olhar de advertência que ela ignorou, continuando
a nos dizer o que fazer para ter suas malditas fotos.
Enquanto eu sorria, Lucca apenas mantinha a expressão séria.
Recém-casados apaixonados, totalmente.
Não demorou cinco cliques a mais, e ele avançou, arrancando a
câmera da mão do homem, fazendo o coitado arregalar os olhos e se
encolher de medo.
Corri para frente, colocando-me entre os dois.
— Lucca! O que está fazendo? — Ele fechou os olhos e jogou a
câmera no chão.
— Tire o filho da puta da minha frente antes que eu o esfole vivo.
— Ele está apenas fazendo o trabalho dele! — exclamei, exaltada.
Como assim tirar o fotógrafo de lá? Eu queria aquelas fotos, mesmo que
fossem de uma merda de casamento!
Ele abriu os olhos, lançando adagas em minha direção, virou-se para o
homem e o agarrou pela garganta. O fotógrafo começou a ficar roxo,
suas mãos voaram para os braços de Lucca, tentando inutilmente afastá-
lo, enquanto Alessa gritava, indo para cima deles. Mas com a música,
duvidava que alguém pudesse ouvi-la.
Eu estava tão horrorizada vendo aquilo que não me movi.
Continuei olhando para frente, onde meu agora marido estava prestes
a matar um homem. Minha irmã continuava batendo nas costas dele,
tentando afastá-lo, mas de nada adiantava. Lucca tinha os olhos
distantes, apenas o corpo estava ali, preso num momento só dele. Então,
de repente a cena diante de mim mudou. Dante e Luigi o afastavam –
Dante gritando algo em seu ouvido, Luigi socorrendo o homem no chão,
garantindo que voltasse a respirar. Lucca, saindo de seu torpor, olhou
para o fotógrafo, que agora tossia e recuperava o ar, olhou para minha
irmã, que estava ajoelhada ao lado de Luigi, e, por último, olhou para
mim.
Seus olhos frios de repente estavam observando-me, e eu apenas o
fitei de volta. Ele fez um movimento para se aproximar, mas vacilei,
dando um passo para trás, fazendo com que sua fúria voltasse. Como se
ele tivesse acabado de acordar de um sonho, pegou em meu braço,
perfurando-me com seu olhar.
— Eu disse paratirá-lo de perto de mim!
— Você ia matá-lo só porque ele estava trabalhando! Ele foi
contratado para isso! Você está louco! — gritei, tentando sair de suas
mãos.
— Sim, eu ia matá-lo, mas não matei, conforme-se. Agora nós vamos
entrar e acabar com essa palhaçada, ou você quer ficar e ser a próxima a
lidar com as consequências de me irritar?
— Irmão — Dante disse ao fundo, sua voz beirando advertência.
Lucca o ignorou.
— Então? Não entendo por que está tão chocada, afinal, sou um
monstro, não sou? — questionou, apertando meu braço mais ainda.
Continuei olhando-o, tentando entender a centelha de emoção que
cruzou seus olhos quando jogou em mim meu desabafo pelo meu deslize
da noite anterior.
— Ella, seus convidados estão te esperando. Vá — a voz firme de
minha irmã me surpreendeu.
— Mas, Alessa, ele quase...
— Quase — cortou-me. — Frederick está bem para continuar.
Continuar de longe. Sim? — Olhou para o fotógrafo, que tremia, mas
concordou.
— Ótimo — Lucca rosnou, inclinando-se para me pegar no colo.
Levantou-me fácil e rápidamente, fazendo-me ficar tensa quando nossos
corpos se chocaram. Por puro reflexo, grudei meus braços ao redor de
seu pescoço. Mesmo que uma parte de mim ainda quisesse encostar a
cabeça em seu ombro, eu não o fiz.
Perguntei-me o que seria da minha vida, como eu conquistaria a
confiança de Lucca, como faria com que me respeitasse, e, quem sabe
até gostar um pouco de mim, para que pudéssemos viver pelo menos em
paz, sem essa tensão toda e o medo que me acompanhava. O quão
fodida eu estava? Por que, mesmo diante de toda essa situação, eu tinha
tanta esperança? Não conseguia parar de me questionar, mas, ainda
assim, não havia nenhuma resposta.
Olhei para Lucca para vê-lo cerrando a mandíbula. Por que ele tinha
ficado tão furioso com o fotógrafo? Por que essas pequenas coisas o
irritavam? Será que ainda estava bravo por minha irresponsável aventura
da noite anterior? Afastando o pensamento, comecei a pedir
silenciosamente que não, porque seria desastroso.
Atravessamos o tapete e, assim que cruzamos a porta do salão de
festas, Lucca me colocou sobre meus pés delicadamente, fazendo meu
corpo arrastar ao longo do seu, enquanto me descia. Então, segurou
minha cintura firmemente antes de soltar-me e pegar minha mão. Ele
não me deu um segundo olhar enquanto caminhávamos até a mesa
reservada para nós, nossos pais e irmãos. Os convidados, de pé,
aplaudiam e urravam em entusiasmo. Colei o perfeito sorriso ensaiado
no rosto, e Lucca sustentava a mesma expressão mortal de sempre. Será
que ele não podia dar sequer um sorriso fingido também?
Fomos recebidos com abraços e comprimentos em nossa mesa. Logo
ele puxou minha cadeira e afundou graciosamente na sua.
Por fim, todos levantaram suas taças e brindaram à nossa felicidade.
Durante a última hora, me preparei psicologicamente para o restante
do casamento. O jantar foi servido durante o brinde, e eu me distrai
comendo tanto quanto podia. É claro que a comida não tinha gosto de
nada. Minha ansiedade mal me deixava prestar atenção nas conversas
aleatórias ao meu lado.
Todos ao redor conversavam.
Na nossa mesa, Anita se manteve em silêncio, fazendo questão de
aparentar todo o seu tédio, atraindo olhares de advertência de Lorenzo e
papai, como sempre. Alessa conversou com Giorgia, já que nas poucas
tentativas de puxar assunto comigo fui rasa.
Lucca às vezes respondia quando nossos pais ou seus irmãos falavam
com ele, mas na maioria das vezes dedicou seu tempo a me encarar. Eu
estava tão desconfortável quanto possível, e ele não parava. Por isso,
quando papai me tirou para dançar, quase fiquei aliviada.
Dançamos rapidamente, e ele pareceu entender que eu não queria
conversa. Com Lorenzo foi a mesma coisa. Bernardo, como sempre, foi
doce e gentil, apenas me segurando firme. Dante me intrigava, porque
me fazia sentir como Bernardo, segura, tranquila. Passava-me uma
sensação de paz, por isso, nossa dança foi da mesma forma. E, tão
cavalheiro quanto podia ser, beijou castamente minha mão antes de
entregar-me a Luigi.
Luigi era o típico cara que completava um grupo. Um canalha, cheio
de piadas obscenas sem nenhum filtro ou timidez. No momento da
dança mesmo, já tinha um sorriso cheio de intenções no rosto.
Ele segurou minha mão e deu uma volta pela pista, girando-me.
— Eles disseram para onde vocês vão? — Luigi perguntou, assim que
bati de volta contra ele.
— Você quer dizer... para a nossa noite? — engasguei, não
conseguindo terminar a frase.
Ele riu e balançou a cabeça para mim.
— Sim, para seu último sacrifício.
— O quê? — perguntei, parando de dançar.
— Querida, não pare de dançar, meu irmão já está doido para tirá-la
de mim, não dê a ele uma brecha para isso. — Olhei para o lado, não
acreditando nas suas palavras, mas Lucca já estava de pé, com as mãos
nos bolsos, encarando-nos como um falcão a cada movimento.
Corei, desviando o olhar.
— Pare de tentar me assustar.
— Bem, quero apenas prepará-la. — Deu de ombros. — Não posso
ser culpado por tentar.
— Por que você não pode ser como Dante? — quase rosnei a
pergunta.
— Isso nos daria uma chance? — Ele sorriu torto, mexendo
sugestivamente as sobrancelhas. Não pude evitar uma risada.
— Você é impossível.
Ele abriu a boca para falar, mas de repente fui arrancada de seus
braços, colidindo direto com o peitoral firme do meu marido.
Assim que sua mão tocou a minha, me arrepiei da cabeça aos pés. A
outra segurou minha cintura, e ele começou a guiar na dança. A música
tocava, e a letra me fazia questionar por que diabos minha irmã tinha
escolhido aquela.
Sam Smith cantando sobre arriscar tudo, ser assombrado pelo passado
e um amor destinado não era nem no inferno a música que eu pensaria
para dançar com Lucca.
Não preparada para encontrar seus olhos, apoiei a testa em seu peito
permitindo tal intimidade por apenas um momento. Seu cheiro invadiu
meu cérebro, e a sensação de seus músculos rígidos me segurando foi
quase demais. Enquanto dançávamos e a letra da música penetrava em
meus ouvidos, minha mente gritava com cada verso cantado.
Ele não tem um coração!
“Mas com você estou sentindo algo que me faz querer ficar”
Ele é um mentiroso!
“Como posso viver? Como posso respirar? Quando você não está
aqui, estou sufocando”
Nunca haverá uma chance!
“Eu quero sentir o amor correndo pelo meu sangue, diga-me se é
aqui que eu desisto de tudo?”
Ele é um assassino!
“Milhões de cacos de vidro me perseguem do passado”
Ele quebrará você!
“Quando começarem a perder a esperança, saiba que não terei
medo”
Não vale a pena!
“Se eu arriscar tudo, você poderia amenizar minha queda?”
Naquele momento ele me girou, e eu voltei tão rápido quanto podia
para ele, olhando em seus olhos, quando Sam Smith ecoou uma última
vez.
“Por você eu tenho que arriscar tudo, porque já está escrito...”
Os convidados aplaudiram, e Lucca me apertou mais forte ainda,
descendo seus lábios sobre os meus.
Depois da nossa dança, que realmente me abalou, Lucca sumiu.
Voltou apenas para avisar que estávamos indo.
Abracei minhas irmãs, Bernardo e Giorgia, evitando o contato com
nossos pais e irmãos.
Os convidados fizeram um corredor da saída até onde uma limusine
nos aguardava e nos jogaram arroz, conforme passávamos por eles. Eu
tremia. Todos sabiam que eu era virgem, e era chegado o momento no
qual ele poderia fazer o que quisesse comigo. Todos sabiam por sua
fama, que ele seria capaz de fazer qualquer coisa, eu sabia também.
Lucca abriu a porta da limusine e esperou que eu entrasse, então,
fechou-a, sentando-se na minha frente.
— Para onde vamos? — perguntei, temendo a resposta.
Ele me olhou com tanta intensidade que quase tirou meu ar.
— Nossa casa.
Nossa. Casa.
Olhando para o lado de fora da janela, enquanto observava as ruas,
tentei me concentrar em manter a calma. Eu não era burra, sabia o que
iriaacontecer. Não só pelos incessantes olhares dele, o desejo espelhado
na íris, a forma como me tocou todo o dia, mas porque era o que deveria
acontecer. Sabia que tinha que torcer para que, pelo menos, conseguisse
sair da cama pela manhã, porque não haveria misericórdia da parte dele.
Podia sentir meu coração batendo por toda parte. E ao mesmo tempo
em que o medo começava a se espalhar, o perfume dele se infiltrava em
meu nariz.
Ao mesmo tempo em que eu queria pular do carro em movimento,
estava ansiosa para saber como seria. Como seria tê-lo, como seria seu
toque. Como seria ser beijada e amada por ele.
Não, na verdade, eu queria a ilusão de tudo isso, porque eu nunca o
teria, ele nunca me amaria, e não haveria adoração em seu toque ou seus
beijos. Teria posse. Lucca iria me marcar e comprovar o que todos já
sabiam. Eu era dele.
— Abriela. — Olhei para o lado, vendo a porta já aberta. Estava tão
perdida em pensamentos que nem mesmo senti o carro parando, ou ele
se movendo para fora. Fechei os olhos e respirei profundamente.
Silenciosamente, encorajei-me a fazer o que precisava fazer. — Abriela
— Lucca chamou novamente, impaciente desta vez, então, eu me movi.
Hesitante em pegar sua mão estendida para sair do veículo, aceitei-a,
por fim, não querendo irritá-lo mais.
Acabei percebendo que aquilo seria algo que eu faria muito a partir do
momento em que morássemos juntos. Eu evitaria qualquer coisa que o
fizesse perder a paciência. Estaria sempre pisando em ovos com ele,
com meu marido.
Eu nunca, obviamente, tinha ido à residência de Lucca, nem mesmo
sabia onde ou como era. Mas me surpreendi ao ver um condomínio de
casas – mansões, na verdade –, e não uma cobertura num prédio.
Por um momento me lembrei do que Dante disse na noite passada,
sobre Lucca ter estado em seu apartamento à noite toda, mas ele devia
ter muitas casas e muitos apartamentos.
O carro havia nos deixado em frente a uma bela construção de três
andares, uma enorme casa escura com muitas janelas e arbustos ao
redor. Eu havia amado o ambiente cheio de folhas, mas a cor realmente
me incomodou.
Lucca colocou a mão na minha cintura, dando um leve empurrão para
que eu andasse.
— Você morava aqui sozinho? — arrisquei perguntar.
— Eu nunca morei aqui. É nossa estreia — olhou-me sussurrando,
quase misteriosamente —, esposa.
Obriguei-me a continuar andando. Ele abriu a porta que dava para um
bonito hall de entrada, e, como não poderia ser diferente, escuro.
— Oh, podemos fazer um tour para eu conhecê-la, então? — Ele riu
sombriamente e me encostou na parede, olhando de meus lábios até meu
decote.
— O único tour que eu vou fazer será pelo seu belo corpo. Suba a
escada e vá para o último quarto no corredor. Preciso falar com meus
homens. — Com isso, ele se virou e saiu andando, mas antes parou na
porta. — Sugiro que você tenha se livrado do vestido quando eu voltar.
Meu coração acelerou e brevemente parei para pensar nas
consequências de fugir por uma das janelas, ou subir a escada e me jogar
lá de cima, o que me parecia uma boa opção também. Enquanto andava
para o corredor, senti como se estivesse indo de encontro ao meu último
momento de vida, e me dei um tapa mentalmente por dramatizar tanto a
situação. Mas eu me daria esse direito, pois era a minha primeira vez, e
Lucca não demonstrava ser um cara que pegaria leve.
Vendo um espelho na parede, parei de frente para ele e me encarei.
Suspirei e soltei o cabelo.
— Você é linda, você é poderosa, você consegue — repeti isso duas
vezes. E mais uma só para tentar buscar a confiança necessária para
enfrentar o que estava por vir. Não funcionou. Corri para o quarto e me
tranquei no banheiro. Em cima da enorme pia havia uma pedra de
mármore pequena, um enfeite. Eu poderia atacar Lucca com aquilo e
jogá-lo da escada, afinal, ninguém saberia o que eu fiz.
— Dio, eu estou surtando — sussurrei olhando para o alto,
implorando que alguém estivesse me ouvindo e magicamente me
salvasse.
Não ia acontecer.
Ouvi passos no corredor e corri para fora do banheiro, deixando
totalmente meus planos sanguinários de lado.
Quando estava no meio do quarto, ele entrou. Fechou a porta e
balançou a cabeça lentamente.
— Acredito que tenha mandado você fazer algo.
Fiquei no mesmo lugar, esperando para ver o que ele faria a seguir.
Lentamente, ele ergueu as mãos e começou a tirar a gravata. Abriu o
primeiro botão da camiseta, então o segundo, e quando consegui ter um
vislumbre de seu peito ele parou, avançando até estar na minha frente.
Minha respiração cessou com a proximidade. Ele me virou, segurando
a parte de trás do vestido, abrindo-o com um único puxão.
— Eu disse, sem o vestido.
Ouvi os botões de pérolas caindo no chão e lamentei ter estragado
uma roupa tão linda. Eu queria ter, pelo menos, guardado uma
lembrança do meu dia, que deveria ser tão especial.
Logo em seguida, levantei o braço para cobrir meus seios, mas ele os
segurou para baixo, dando-me um olhar repreensivo.
— Não esconda de mim o que me pertence. — Lucca passou as costas
da mão pelo vale entre meus seios, descendo até a cintura, fazendo toda
minha pele se arrepiar com o contato gelado de seus dedos. Fiquei
aguardando que seu toque fosse tão bruto quanto ele foi com o vestido,
mas não aconteceu.
— Saia do vestido.
Agradeci a todo o universo por meu sapato ser aberto e eu conseguir
tirá-lo facilmente sem cair na frente dele, deixando aquele momento
mais constrangedor do que já era.
Olhei para o chão, totalmente consciente de seus olhos de falcão sobre
meu corpo, focados apenas na pequena calcinha rendada.
— Deite-se na cama. — Eu lentamente andei até lá, sentei-me e fui
recostando até que minhas costas batessem no colchão. Ouvi um
farfalhar de roupas, e tudo o que eu queria era apoiar-me sobre os
cotovelos e olhá-lo. Mas não o fiz, apenas esperei, espremendo as
pálpebras juntas. Esperei pelo o que pareceram horas.
Então o senti. O primeiro toque de seus dedos na sola do meu pé foi
leve como uma pena.
— Não espere que eu seja muito gentil — declarou, enquanto
passeava seus dedos pela minha perna.
Meu coração afundou quando suas palavras só jogaram na minha cara
o que eu já sabia.
— Eu não esperaria isso — sussurrei, sentida.
A cama baixou sob seu peso quando ele se posicionou em cima de
mim.
— Você é tão linda como eu sempre soube que seria. — Beijou o
meio dos meus seios. — Tem o cheiro mais delicioso. — Mordeu minha
orelha, arrepiando-me. — E a pele mais perfeita. Como será seu gosto?
Ele desceu sobre meu corpo, tirou lentamente minha calcinha e
passou o dedo pela minha fenda.
— Porra — Lucca rosnou e enfiou um dedo em mim, fazendo com
que eu engasgasse com a invasão. Estava levemente molhada, mas não
era o suficiente. Eu era virgem e apertada, e a pontada de dor me pegou
desprevenida. Suspirei surpresa quando senti o toque de sua língua em
volta da minha abertura.
Tentei me afastar, mas ele tinha os braços presos em torno de minhas
coxas.
— Lucca! O que está fazendo?
— Quieta — rosnou contra minha carne úmida. — Porra, seu gosto é
tão bom.
Tentei relaxar. Lucca continuou me lambendo e chupando, e eu
tentava conter meus gemidos e suspiros, mas ele era obviamente mestre
naquilo. Não havia nada para comparar, mas não precisava, ele tinha
uma língua dos céus.
Pegou meu clitóris em sua boca e o sugou, levando-me cada vez mais
perto do orgasmo. Ele estava com dois dedos enterrados em mim,
quando levantou os olhos para me observar. A combinação dos seus
olhos azuis com o toque excitante foi... boa, nova e fatal. Meu estômago
apertou, uma sensação inebriante tomou conta, e minhas costas
arquearam quando eu gozei. O orgasmo me consumiu, e eu estava
pronta para me arrepender de ter temido tanto por essa noite quando, de
repente, ele subiu na cama e, agarrando meus quadris, lançou-me um
último olhar antes de posicionar-se naminha entrada e bruscamente me
invadir em um impulso duro. Arqueei com um grito quando a dor me
tomou. Doeu tanto e todo o temor fez sentido.
— Lucca — choraminguei —, eu sinto como se...
— Eu sei. Vai passar.
Uma lágrima escapou e, pela primeira vez naquele quarto, ele me
beijou, seus lábios quentes e famintos contra os meus. Ele desceu a mão
até onde nos uníamos e começou a acariciar.
A dor começava a dissipar. Soltei um pequeno gemido, então, ele
focou em meu rosto, e seus olhos brilharam. Ele inesperadamente
começou a investir em mim mais e mais rápido. Fechei os olhos
enquanto segurava em seu ombro. Provavelmente iria deixar-lhe
algumas marcas com minhas unhas. Mas ele estava me marcando
também, então, eu tinha todo o direito de fazer o mesmo.
A dor inicial começou a se misturar com prazer, e eu novamente me
perdi, desta vez levando-o comigo.
Quando Lucca se afastou, depois de despejar-se no meu interior, eu
senti um pequeno orgulho de mim mesma, apenas por não ter fugido.
Ele não esperou, nem ficou para me limpar como eu gostaria que
fizesse. Fui até o banheiro e fiz isso eu mesma. Estava dolorida e sabia
que duraria por alguns dias.
Meu rosto no espelho não tinha o brilho de quem havia acabado de se
tornar mulher, era apenas... eu, cansada, com medo e com dor. Mas não
podia dizer que minha primeira vez foi ruim. Lucca não foi tão bruto
quanto eu imaginava que seria... Bem pelo contrario, suas atitudes foram
bem diferentes das suas palavras.
Aguardei no quarto, querendo que voltasse e ficasse comigo, mas
obviamente isso não aconteceu. Quando ele não retornou para a cama
meia hora depois de ter saído, resolvi que tínhamos intimidade o
bastante para ir atrás do meu marido, em minha própria casa.
Fui até minha mala, que se encontrava ao lado da porta, e a fucei, na
esperança de encontrar uma camisola. Depois de vestir uma branca e
rendada, o que parecia ser uma constante escolha da minha irmã, saí do
quarto e fui andando pelo corredor.
Encontrei uma porta entreaberta com uma fresta de luz, andei até lá e
bati. Não obtendo resposta, entrei, encontrando meu marido sentado
numa poltrona, com uma bebida na mão.
Ele tinha vestido apenas uma calça de seda preta, deixando seu
peitoral totalmente exposto. Não pude deixar de notar o quão musculoso
Lucca era, e meus pensamentos voaram para como seria ter aqueles
fortes braços me segurando.
— Você não voltou para a cama, eu vim apenas... ver se estava tudo
bem — murmurei, vendo que precisava dizer algo.
Ele tomou um gole da bebida e me olhou.
— Venha aqui.
— Lucca, eu...
— Sente-se em meu colo. Agora. — Hesitei antes de, muito
envergonhada, fazer o que ele mandou.
Lucca deixou o copo de lado, e suas mãos foram acariciando do meu
joelho até a barra da camisola, levantando-a. Logo em seguida, puxou as
alças para baixo, em meu braço, expondo meus seios pesados.
Ele levou a mão até eles, apertando e massageando, antes de tomar
um em sua boca.
— Eu amo seus peitos. — Não aguentando a sensação de sua boca em
mim, contorci-me em seu colo, buscando algum alívio. Ele sorriu e
puxou seu pau para fora da calça, levantando-me e empalando-me logo
depois. Ignorei o fiapo de dor que a primeira vez causou.
Eu me entreguei de bom grado a ele. E foi bom.
O primeiro passo para dar certo.
A primeira coisa que tomei consciência quando acordei foi que as
janelas estavam abertas, pois os raios de sol queimavam a minha pele.
Abrindo os olhos, olhei para onde meu marido deveria estar deitado,
mas, obviamente, ele não estava ali. Sendo assim, apenas afastei a
decepção para longe dos pensamentos.
Jogando as cobertas para longe do meu corpo, balancei as pernas para
fora da cama e fiquei de pé. Caindo antes mesmo de conseguir me
firmar, a dor que atingiu o meio das minhas pernas me pegou de
surpresa.
Levantando-me novamente, caminhei lentamente até minha pequena
nécessaire na estante, peguei meu celular e segui para o banheiro. Logo
depois, liguei a torneira da banheira e esperei. Poderia ter um banho
relaxante depois da noite de ontem, pois Lucca não era pequeno e não
tinha sido o perfeito cavalheiro.
Revirei os olhos para mim mesma enquanto prendia o cabelo no alto e
tirava a camisola do corpo. Eu deveria agradecer por ele não ter me
forçado ou feito coisas tão ruins quanto já ouvi que os homens faziam na
lua de mel. Não que ele tivesse deixado de me possuir se eu pedisse,
mas não tinha do que reclamar. Em alguns momentos foi até bom tê-lo
dentro de mim.
Gemi de alívio quando afundei na água quente. Peguei o celular e
coloquei no viva-voz, enquanto esperava Alessa atender. Dois toques, e
ela respondeu.
— Por que você está ligando para Alessa e não para mim? — a voz
irritada de Anita me saudou do outro lado da linha.
Franzi a testa confusa.
— Por que você está com o celular dela?
— Porque ela não me deixou te ligar ontem à noite, então, tive que
pegar o dela esta manhã. Eu sabia que você telefonaria, mas não
imaginei que seria traíra a ponto de ligar para ela. — Anita bufou, e seu
tom de indignação me fez rir.
— Tudo bem, então por que você não vai chamá-la agora? Eu gostaria
de falar com as duas.
— Ela vai ficar muito brava comigo, mas vou fazer isso por você. —
Passaram-se alguns segundos, e eu podia ouvi-la andando pela casa,
uma porta sendo aberta, então a voz abafada de Alessa.
— Você pegou meu telefone sem a minha permissão?
— Você não queria me deixar ligar para ela!
— Jesus, Anita! Às vezes ainda me pergunto porque não assassinei
você no útero. — Eu gargalhei, começando a sentir falta das incessantes
picuinhas delas.
— Sua cretina! — Alessa riu, enquanto Anita a xingava de fundo.
— Ele te machucou muito? — sua voz foi de divertida para séria em
segundos. Eu quis desesperadamente poder abraçá-la e garantir que tudo
estava bem.
— Irmã, ele foi bom para mim — garanti. Eu não estava mentindo,
ele não tinha sido romântico, e nem mesmo deixou um bilhete no
travesseiro, mas essas eram coisas que eu sabia que não poderia esperar
dele.
— Não minta para nós, Abriela Bonucci! — Alessa repreendeu. Pude
ouvir Anita resmungando sobre cortar o pau de Lucca e enfiá-lo na
bunda dele.
— É DeRossi agora, e diga a Anita que não há necessidade de ser tão
sanguinária. — Eu ri, tentando aliviar o clima. — Ele foi bom, não me
fez juras de amor, mas posso andar. E não estou urinando sangue, acho
que isso é um bom sinal.
— Sim, DeRossi. Vai levar um tempo até me acostumar que a minha
irmãzinha se casou. E, por Dio Santo, Ella! Que linguajar! Anita não é
uma boa influência. — Eu ri mais ainda, com minhas irmãs me
acompanhando.
De repente a porta foi aberta num estrondo. Gritei ao ver Luigi parado
na entrada.. Logo ele se virou de costas para mim e levantou as mãos
para o alto, xingando baixinho.
— Merda. Foi mal!
Levantei, escorregando no chão molhado, e corri até minha toalha em
cima da pia, enrolando-me nela e gritando logo depois:
— Você está louco?! Foi muito mal! — O cara de pau riu.
— Desculpe-me, eu juro que não vi nada.
Grunhi de irritação e rosnei:
— Você não pode entrar no banheiro quando alguém está no banho!
Saia daqui! — Peguei meu celular no chão e coloquei no ouvido assim
que ele saiu. — Eu oficialmente odeio Luigi DeRossi.
— Era Luigi? — Alessa exalou. — Eu já estava chamando papai.
Você me... — Suas palavras foram cortadas quando Anita rosnou no
meu ouvido.
— O que está fazendo com Luigi? — Eu fiquei muda por alguns
segundos.
— Ele entrou no banheiro, porque me ouviu gritar, mas eu estava
rindo. Agora vou sair e garantir que Lucca saiba disso pela minha boca,
não quero morrer hoje. — Pensei um pouco se deveria fazer a pergunta
que estava querendo fazer e decidi que sim. — Você tem algum
problema com Luigi, irmã?
— Não! — ela rapidamente declarou. — Qualquer coisa nos ligue ou
mande mensagem, sim? Fique bem, amamos você. — Ela não me deu
tempode responder e desligou, deixando-me com um exército de pulgas
atrás da orelha.
Depois de ter colocado um simples vestido florido e sapatilhas,
caminhei pelo corredor e desci as escadas até chegar à sala de estar. A
casa era tão grande que passei por duas antes de encontrar a principal.
Luigi estava sentado, mexendo em seu celular. Assim que me
aproximei, ele levantou o olhar e sorriu torto.
O mesmo sorriso que eu tinha certeza que atraía qualquer mulher até a
sua cama.
— Irmã — declarou cinicamente.
Revirei os olhos e coloquei as mãos na cintura, impaciente para suas
brincadeiras.
— Lucca está em algum lugar por essa casa?
— Sim. — Pulou do sofá e mexeu as mãos teatralmente. — Esta
preparando o café da manhã de lua de mel para você.
Minhas mãos caíram e senti meu coração saltar.
— Mesmo? — sussurrei, nem mesmo tentando esconder a emoção.
Luigi bufou e riu.
— Não. Claro que não. — Minha irritação voltou com força total.
— Diga-me o que está fazendo aqui, principalmente se Lucca não está
em casa. — Cerrei os olhos em sua direção e o ameacei. — Ou eu vou
ligar para ele e dizer que você entrou no banheiro enquanto eu tomava
banho. — Levantei o queixo desafiadoramente.
Ele entortou a cabeça para o lado eu sorriu.
— Você tem colhões, menina. — Apontou-me o dedo e declarou,
sério: — Você vai precisar disso. Mas, querida, não me ameace
novamente. Eu não olharia para você se Lucca não aprovasse. Já vi meu
irmão usando muitos instrumentos de tortura para sequer pensar em
irritá-lo. Você não é nada mais do que a esposa dele para mim.
Pensei por alguns segundos e decidi que podia acreditar naquilo.
— Bem, onde ele está, então?
— Neste momento ele está planejando um massacre contra uma das
famílias da máfia japonesa. Eu estou aqui, porque ele não encontrou
uma babá para você ainda. — Revirou os olhos.
Ignorei sua pequena informação sobre o “trabalho” do meu marido e a
forma como ele falou, como se Lucca estivesse apenas assinando alguns
papéis, decidindo focar na outra parte.
— Não preciso de uma babá.
— Meu irmão pensa o contrário. Agora, aquele café?
— Você tem sido um pé no saco desde a hora que chegou, por que eu
simplesmente sentaria numa mesa com você para prolongar mais essa
tortura? — Ele sorriu misteriosamente e saiu andando pelo corredor até
a cozinha.
— Querida, eu sou bom em muitas coisas, mas na arte de conhecer
meus irmãos, sou especialista. Meu irmão que, no caso, é agora seu
marido.
Ele não precisou falar mais nada, e eu já o estava seguindo.
Depois de colocar uma segunda xícara de café na frente de Luigi,
apoiei as duas mãos no balcão e cerrei os olhos para ele.
— Você vai começar a falar agora?
Ele mastigou um pedaço de pão e calmamente levou a xícara aos
lábios, sorrindo contra a porcelana.
— Alguém está ansiosa para saber como adoçar o maridinho.
— Luigi, você se ofereceu para me ajudar, eu não pedi. Lembra? —
Ele riu e limpou a garganta, cruzando os braços e olhando-me
seriamente.
— Alimente-o bem. — Eu sorri animada.
— Isso é fácil, meu pai e meus irmãos adoram a minha comida. —
Luigi bufou.
— Alimente meu irmão com chá. Dê chá a ele diariamente, ele adora.
— Franzi a testa em confusão. Tudo o que eu precisava era dar-lhe
chás?
— Tudo bem — respondi lentamente —, você pode me dizer qual o
favorito dele?
— Boceta. Dê a ele muito, mas muitas doses de chá de boceta.
Meu rosto esquentou, eu senti todo o sangue ser drenado e subir até
minhas bochechas. Estava escandalizada por ele ter dito aquilo. E, pior
ainda, por só ter perdido tempo com o imbecil.
Controlei minha irritação e explodi:
— Saia da minha casa. — Ele riu intensamente e coçou a nuca.
— Olha só, eu estou brincando. Me dê um desconto, tá legal? Nunca
imaginei dar conselhos à esposa do meu irmão. — Suspirou, olhando-
me de forma duvidosa. — Antes de tudo, não ignore a ideia de lhe
oferecer constantes chás. — Eu abri a boca para protestar, mas fui
cortada. — Querida, o trabalho dele é um inferno. Se ao chegar em casa
sua esposa não o satisfizer, sinto muito, mas Lucca irá procurar em
outros lugares. Sei que meu irmão entrou na sua preciosa terra
prometida ontem — falou, rindo. — Isso irá acontecer constantemente,
acostume-se. — Luigi tomou mais um gole do café e cruzou os dedos
sobre o mármore do balcão. — Lucca nunca janta em casa, não importa
o que Giorgia faça. Pode ser sua refeição favorita, ele nunca se sentou
para comer conosco. Não tire fotos dele. Não tente ultrapassar seus
limites. Ser questionado o irrita, e ele não conversa muito. Eu sei disso,
porque sou bom em observar as pessoas. Lucca não é o cara mais
falador que você vai conhecer. E não me pergunte os motivos, a história
é dele. Fora isso, sorria e seja doce, é tudo o que você precisa fazer.
Sorrir e ser doce. Eu poderia fazer aquilo.
Depois que Luigi me falou todas aquelas coisas, uma ideia foi se
formando na minha cabeça. Quando contei o que pensava em fazer, ele
riu e fingiu uma oração, falando que era grato por não ter que presenciar
o que eu faria. Assim que tinha tudo quase pronto, ele foi embora, pois
seu irmão já estava a caminho.
Despedi-me de Luigi de uma forma pouco menos desconfiada e me
preparei para a chegada de Lucca.
Quando ouvi a porta da frente bater, meu coração acelerou. A tensão
ganhou força, mas eu já tinha tudo preparado, não iria voltar atrás.
Assim que Lucca entrou em meu campo de visão, eu quase derreti.
O cara podia ser um demônio, mas o disfarce era de um anjo. Um
anjo obscenamente lindo e profundamente obscuro.
Em algum lugar pelo caminho ele se desfez do paletó, deixando
apenas a camisa branca com as mangas puxadas até o cotovelo. Cada
músculo parecia lutar para se soltar do tecido, e eu podia ver o perfeito
contorno de seus braços fortes. Seu cabelo desgrenhado, no qual ele
parecia ter passado muito a mão para jogá-lo para trás, apenas
completava o pacote. Alguns fios roçavam o colarinho da camisa, e eu
queria me aproximar, enfiar meus dedos também para testar se eram tão
macios quanto pareciam. Observei seu rosto tenso como sempre, a testa
franzida e as olheiras se mostrando abaixo dos olhos. E nem isso
diminuía sua beleza. Então, seu olhar foi de mim direto para a mesa
posta para duas pessoas.
Ele analisou o balcão, onde havia travessas de comida, vinho e
sobremesa. Fitou a mesa uma última vez e voltou a me olhar.
— Então?
— Eu fiz o jantar. — Tentei sorrir para dar mais firmeza. O que,
claramente, não funcionou.
Ele me encarou seriamente antes de assentir uma vez.
— Sirva-me.
Surpresa com seu pedido, travei onde estava, tentando processar se
realmente tinha ouvido o que ouvi. Duvidei que Luigi tivesse falado
sério sobre ele nunca jantar com sua família, pois ele aceitou que
preparei uma refeição sem protestos, então, talvez apenas não tivesse
tempo de voltar para a casa de sua mãe e jantar.
Caminhei até a mesa, preparando delicadamente seu prato, e o
coloquei na mesa esperando que se sentasse.
Antes que pudesse virar para encará-lo, senti sua mão me abaixando
sobre a mesa. Quando abri a boca para questionar o que ele estava
fazendo, sua voz veio sussurrada no meu ouvido.
— Quieta — aquela voz. A voz que acariciava meu pescoço com sua
respiração calma e controlada, bem diferente da minha. Eu não sabia
como ele podia mexer tanto comigo com apenas um toque.
— Fique exatamente assim — ordenou. — Você está gostosa pra
caralho nesse vestido, parece que seus peitos vão pular pra fora cada vez
que abaixa. — Inclinou-se, seu peito contra minhas costas, e pressionou
sua ereção no alto do meu quadril. Ele subiu meu vestido, e logo senti
um dedo me alisando. Ele enfiou o mesmo com tudo dentro de mim,
enquanto mordia e chupava meu pescoço. Eu gritei com a sensação de
seu dedo grosso em meu interior, pois ainda estava tão dolorida e tudo
ardeu.
— Lucca... — choraminguei quando ele abriu bastante as minhascoxas.
Ele continuou acariciando-me com seus dedos habilidosos,
depositando beijos na minha nuca e arrepiando cada pelo presente em
minha pele.
— Porra. — Lucca segurou meus quadris para logo me penetrar
rapidamente.
Abri a boca num grito silencioso, pois ele definitivamente não tinha
consciência de seu tamanho. Eu era pequena em todos os sentidos, e ele
não havia me preparado como na noite passada. Não era uma dor
absurda, mas eu claramente não estava sentindo o prazer que ele sentia.
Eu queria gritar com ele, alertando-o de que até ontem eu nunca tinha
feito aquilo, que ele fora o primeiro, que precisava ter cuidado comigo!
Mas não fui forte o suficiente para isso, então, deixei que me fodesse
como se fosse meu dono. E ele era.
Seu ritmo acelerou, e eu sabia que ele estava quase pronto para gozar.
Puxou o pênis para fora e deslizou de novo, fazendo-me morder meus
lábios com força, tentando conter um soluço enquanto ele investia em
mim sem dó.
Senti-o gozar depois do que pareceram horas, então, ele se retirou,
ajeitou as calças e arrumou meu vestido.
Lucca me virou e, percebendo o incômodo em meu rosto, jurei ter
visto um lampejo de algo diferente passar por suas expressões. Jurava
que até sua cor havia mudado, mas foi tudo tão rápido que nem mesmo
tive certeza. Ele limpou minhas bochechas, com certo carinho, olhando
em meus olhos, e declarou firme.
— Eu já jantei. — Virou e saiu andando.
Eu esperei que ele tivesse sumido no corredor para me deixar cair em
uma cadeira, gemendo ao sentir com uma dorzinha aguda ao pressionar
minhas pernas juntas.
— Eu não consigo entendê-lo, ele está acabando comigo sem nem se
dar conta — sussurrei em meio às lágrimas que voltavam a cair.
Onde é que estava a minha esperança?
Será que não havia nada de bom nele?
— Você não ligou, nem mesmo mandou uma mensagem ontem. Eu e
Anita estávamos loucas aqui, nos perguntando por que diabos você
sumiu! — Alessa reclamou.
Minha irmã estava no telefone há mais de quinze minutos, tentando
arrancar de mim o porquê do bendito irmão do meu marido estar na
minha casa, sem que o mesmo estivesse aqui.
— Alessa, eu disse a você, nós conversamos e logo depois Lucca
chegou e jantamos juntos. Esqueci de retornar ou mandar uma
mensagem. E sobre Luigi, você vai me chamar de maluca, mas não acho
que ele seja tão ruim assim.
Minha irmã bufou, descrente.
— Não, ele não é tão ruim, ele deve ser pior. Por Deus, o cara é uma
boceta ambulante!
— Não me diz respeito se ele é ou não, a única coisa que me importa
é que ele foi... decente comigo — eu garanti, ocultando as incríveis
indecências que Luigi me disse durante toda a tarde do dia anterior.
— Tudo bem, não vou discutir. Sobre Lucca, vocês estão casados há
dois dias, e nada ruim aconteceu? — perguntou duvidosa, e eu entendia
completamente seus medos, mas isso não significava que eu iria falar.
— Não, irmã, nada ruim. Ele tem sido cortês. Nós não conversamos
muito, mas se comportou, eu diria, de forma aceitável — menti,
ignorando o caroço na garganta. Porque eu não precisava que minhas
irmãs e Bernardo ficassem em casa, preocupando-se em me monitorar
apenas por medo do que seria a próxima coisa que meu marido faria
comigo. Eu tinha consciência que minha relação era um arranjo. Não
nos conhecíamos, e, pelas informações que eu tinha, não foi escolha dele
esse casamento. Precisava ter paciência e lutar para conquistá-lo.
Enquanto ele apenas fosse rude com as palavras e sentimentos, eu
conseguiria suportar.
Ela demorou alguns segundos para responder, antes de finalmente
declarar:
— Ok. Olha só, amanhã é o aniversário de Evangeline Berlot. Vocês
vão, certo? Papai disse que Lucca iria. Já comprou sua roupa? Talvez ele
te deixe ir comigo e Anita! Faz apenas dois dias, mas estou com
saudades de nosso tempo juntas — lamentou, e eu sorri. — Irmã, estou
com saudades também. Mas você e Anita odeiam Evangeline, por que
tanta empolgação para ir à sua festa?
— Bem, eu tenho meus interesses e não a odeio, você sabe disso. Mas
se é para tomar um partido, que seja o da minha gêmea. — Ela riu. — E,
além do mais, você sabe que seria desrespeitoso rejeitar um convite da
Famiglia.
— Tudo bem. Vou falar com Lucca. — Santo Dio, o medo que aquela
simples frase me proporcionou quase me fez chorar. Eu estava com os
meus sentimentos à flor da pele.
— Isso é bom. E podemos combinar a hora de sairmos de casa. Eu
não quero ir sozinha com Anita sem você lá para ajudar; ela
provavelmente armará algum barraco e não conseguiríamos passar
despercebidas de mais uma cena dela.
Dei risada, pensando em quão louca minha irmã poderia ser quando
se tratava de Evangeline.
— Falarei com Lucca e aviso você.
Do lado de fora, ouvi o barulho de pneus passando pelos cascalhos e
andei até a janela aberta para ver quem tinha chegado.
Assim que coloquei meus olhos no carro preto, avistei o principal
soldado de Lucca abrindo a porta de trás para ele. Meu coração pulou.
Medo, angústia, ansiedade.
Respirei fundo e tentei ficar tranquila.
— Irmã, ele está em casa, preciso ir.
— Sim. Bem, não esqueça de perguntar a ele se pode ir conosco! —
ela disse apressadamente.
— Perguntarei. Falo com você depois — sussurrei desligando e
jogando o telefone no sofá.
Observei-o enquanto andava até a entrada da casa, e assim que passou
pela porta eu corri para o espelho mais próximo para me ajeitar.
Olhos vermelhos do meu choro pela noite passada, rosto ligeiramente
inchado e o cabelo perfeitamente em ondas. Ótimo. Eu estava um
desastre, mas pelo menos o cabelo parecia bom. Ouvi seus passos na
escada, depois no corredor, e meu coração batia mais acelerado cada vez
que o sentia mais próximo. Prendi a respiração quando o vi.
Deus, por que tão bonito?
Apesar disso, o temor ainda estava presente.
Ele passou pela porta e não me deu um segundo olhar quando seguiu
pelo corredor até o seu escritório. Franzi a testa, confusa. Aquele
homem era bipolar? 
No dia anterior me tratara como se eu fosse uma das prostitutas de um
de seus clubes, e daquela vez fingia que não existia?
Fiquei por alguns segundos incerta sobre o que fazer, pensando nas
escolhas que eu tinha.
Eu poderia fazer o mesmo e ignorar sua existência, enquanto ele
queria assim, é claro. Ou eu podia enfrentá-lo. Colocando na balança,
percebi o quão estúpido soava. Ontem eu não disse nem uma frase
completa, e isso me causou tamanha humilhação. E agora eu apenas
queria perguntar por que ele não me olhava?
Passados mais alguns minutos, eu comecei a pensar o que ele estaria
fazendo; se estava trabalhando, planejando algum massacre ou apenas
sentado, tomando uma bebida, enquanto pensava qual seria a próxima
forma de me machucar.
Tirando coragem do inferno, levantei-me do sofá e caminhei até seu
escritório. Puta decisão de merda, eu sabia, mas não parei.
A porta estava aberta, e eu simplesmente entrei. Precisava mostrar a
ele que não sentia medo.
Falhei miseravelmente assim que minhas mãos tremeram e gaguejei
ao falar.
— O-olá. — Dei-me um tapa mentalmente e me obriguei a mostrar
coragem. Seja forte!
Ele não tirou os olhos de seu computador. Eu poderia pensar que não
tinha me ouvido, se não tivesse reparado como sua mandíbula apertou,
e, como naquele filme do exorcista, ele virou a cabeça para me olhar.
Dio.
— Entre aqui sem bater mais uma vez e haverá consequências.
Eu fiquei muda por alguns segundos, não acreditando naquilo.
— Esta é minha casa também — sussurrei descrente. Minha falha
coragem indo embora como o diabo fogia da cruz.
Ele parou o que estava fazendo e se levantou lentamente.
— Você acha que porque carrega meu nome tem direitos sobre
minhas coisas? Os meus bens? — Fiz menção de falar, mas ele bateu as
duas mãos na mesa. Seus olhos pareciam atirar punhais em mim. — Se
eu digo para não entrar, você não questiona, porra!
Um soluço escapou, e eu gritei.— Fodam-se você e suas ordens ridículas! Só porque estamos casado
não significa que eu sou tapete para ser pisado, Senhor grande Lucca
DeRossi! EU NÃO SOU UM DE SEUS SOLDADOS! — Assim que
terminei de falar, em apenas um piscar de olhos, Lucca diminuiu toda a
distância entre nós e sua mão envolveu meu pescoço com um aperto
firme.
Diante de tudo o que já tinha ouvido falar dele, todas as histórias e
casos em que ele sempre foi o vilão, perguntei-me se era naquele
momento que tudo acabaria para mim. Seus olhos azuis eram selvagens,
encarando-me com uma frieza sem igual, e eu não duvidava de que
poderia me tornar mais um capítulo das histórias de terror que contavam
sobre ele.
Em uma falha tentativa de impedi-lo, minhas mãos cobriram as dele,
tentando afastá-lo, mas era inútil. Ele podia fazer o que quisesse comigo,
e eu não poderia impedir.
— Lucca... — minha voz era apenas um sussurro rouco. Meus olhos
estavam arregalados, e meu coração batia mais rápido do que em
qualquer outro momento.
Lucca piscou; seus olhos firmes se estreitaram levemente, suas
narinas se inflaram, e ele me encarava com tamanha intensidade que eu
não sabia se realmente queria me matar ou se estava tentando se
controlar, pensando se valia a pena fazer isso.
Como se a luta consigo mesmo tivesse sido resolvida, ele me soltou,
apenas para virar-me e grudar minhas costas em seu peito.
— Coloque-se na porra do seu lugar — rosnou em meu ouvido. —
Você tem um cheio delicioso, Abriela, isso me enlouquece.
Fui pega de surpresa quando ele levantou minha saia e quando suas
mãos pressionaram minhas costas, debruçando-me contra a mesa.
Acabei de desequilibrando, tamanha a sua força. Só pude ver a rapidez
com que que a madeira se aproximou do meu rosto. Um barulho alto se
fez presente, em segundos fiquei zonza e minha vista escureceu, logo
não tive forças nem para manter os olhos abertos.
A primeira coisa que senti quando tomei consciência foi que estava
sobre um colchão macio e quente. Depois veio a dor. Tentei abrir os
olhos, mas a luz me impediu, o que resultou que eu voltasse caísse
novamente na escuridão.
Quando tentei abrir os olhos da segunda vez, consegui. Estava escuro,
então, não houve incômodo.
Reparei que encontrava-me em meu quarto. No nosso quarto. Tentei
me lembrar de como tinha ido parar lá, mas não conseguia, só me
recordava dos últimos momentos. Lucca havia pegado pesado para valer
pelo que parecia, se eu tinha até mesmo desmaiado.
— Grazie a Dio, você acordou! — Olhei lentamente para o lado para
ver Alessa. Minha irmã soluçou e me abraçou.
— Aí! — murmurei assim que ela me sacudiu forte demais.
— Lucca ligou para Giorgia assim que te encontrou. Estava tão
apressada para ir encontrá-lo que tropeçou e rolou a escada — lamentou,
soluçando mais uma vez.
Eu franzi a testa, o que me causou uma pontada e me obrigou a levar
a mão até o local.
— O que você está falando? — sussurrei.
— O doutor disse que poderia acordar confusa. É normal quando se
tem uma concussão, mas você está bem. Me assustou demais nesses dois
dias, e tudo que eu quero é lhe dar uma surra por nos deixar doidos!
Meu pulso acelerou, a dor de cabeça aumentando.
— O que quer dizer com assustou por dois dias?
— Lucca te encontrou desacordada no chão, em frente à escada. Ele
ligou para o doutor da Famiglia, que conseguiu te salvar a tempo. Você
chegou a acordar por alguns instantes, mas o médico preferiu te manter
sedada, porque estava muito alterada, chamando pelo nome do seu
marido. — Ela fez uma pausa e logo acrescentou: — Giorgia queria te
ver quando acordasse, então, vou chamá-la, mas volto logo depois. —
Deu-me um beijo na testa e saiu.
Eu fiquei ali, encarando a porta, enquanto tentava ignorar a dor e
focava apenas na situação. Ele havia me machucado tanto assim?
Assim que minha sogra apareceu e me olhou com olhos marejados, eu
vi. Ela sabia também. Correu para mim e me abraçou.
— Não sei o que eu fiz para que ele me odeie tanto — sussurrei
contra seu ombro.
Ela suspirou enquanto passava os dedos por meu cabelo.
— Querida, tudo o que eu queria te dizer é para ter fé, mas sei que
não é justo te pedir isso.
Afastei-me e olhei para ela. Giorgia era uma mulher tão linda. Não
havia nem sinais de idade em seu rosto, e como se não bastasse sua
beleza exterior, era tão boa por dentro. Mas a tristeza em seus olhos não
podia ser negada.
Dar-me um colo naquele momento era muito importante para mim,
ela jamais saberia disso. Minhas irmãs foram meu ombro e meu único
consolo durante anos, mas agora, independentemente de como tínhamos
chegado até ali, eu cofiava em Giorgia. Estávamos unidas por algo que
ia além da família, ou dos negócios da máfia, ou do meu casamento com
seu filho. As circunstâncias haviam nos colocado juntas, mas o que
sentíamos por Lucca nos unia.
— O que te deu força todos esses anos? — sussurrei.
Ela sorriu tristemente e acariciou meu rosto.
— Ser mãe. — Riu e balançou a cabeça. — Desde quando meus
filhos começaram a falar, eu ouvi julgamentos sobre eles. Diga-me,
como ser forte estando sob olhares constantes, ouvir o tempo todo o
quanto Luigi é um cafajeste de primeira linha, que Lucca é um assassino
horrível, que Dante é um morto vivo? Abriela, eu os criei. Eu os vi ainda
bebês, os ensinei a andar! Como posso virar as costas para meus filhos
quando o mundo todo já fez isso antes mesmo que eles dessem seus
primeiros passos? — Fechou os olhos e respirou fundo antes de
terminar. — Sei que eles não são bons e não tiro suas culpas, mas, ainda
assim, sou mãe.
— Eu não entendo por que não posso simplesmente odiá-lo. Assim
ele me mataria e acabaria de vez com isso. Eu apenas... não consigo! —
desabafei. Sentia que era tão errado me esforçar por Lucca e por esse
casamento! Precisava que alguém me entendesse. — Olha o que ele fez.
Da última vez eu apenas me senti humilhada, agora eu estou nesta cama.
O que vem depois?
— Eu sinto muito, querida — sussurrou. — Queria poder te dizer que
tudo vai ficar bem, mas não quero mentir para você.
— Eu sei.
— Mas estou com você. — Segurou meu rosto, olhando-me
profundamente nos olhos. — Eu não tive alguém para me dizer isso
quando me casei com Thom, por isso, vou dizer a você. Seja forte, e se
você acredita, e acima de tudo, quer que esse casamento dê certo, lute
por ele. Mesmo que lute sozinha. E o meu ombro será seu sempre que
for necessário. Eu sempre quis uma filha.
Eu sorri em meio as lágrimas e a abracei.
— Eu preciso de uma mãe.
— Serei honrada por isso, querida.
Abraçada com minha sogra naquele momento, pude ver que mesmo
em meio a situações ruins, sempre haveria algo para ajudar, um fio de
esperança.
Olhei para cima e sorri, agradecendo por Giorgia estar comigo.
Talvez, só talvez, mamãe estivesse olhando por mim.
— Bem, eu estou feliz que Lucca te encontrou a tempo — meu pai
disse, enquanto passava a mão por meu cabelo. Olhou brevemente para
trás, onde Lorenzo nos observava. — Nós vamos indo agora, temos uma
reunião, mas mantenha suas irmãs informadas, assim eu estarei também.
— Ele se inclinou, depositando um rápido beijo em minha testa. Meu
irmão repetiu o gesto, e eles logo saíram voando porta afora.
Eu queria gritar a eles que não precisavam se sentir obrigados a virem
me ver, principalmente se iriam, além de ignorar que sabiam a verdade
por trás do meu “acidente”, ainda transformariam Lucca em um herói
por ter chamado um médico.
Seria ridículo da minha parte apenas querer que meu próprio pai e
meu irmão me defendessem? Que perguntassem se eu não gostaria de
voltar para casa por um tempo e refletir? Bufei com aquele simples
pensamento. Sim, seria ridículo. Porque se havia uma coisa da qual eu
tinha certeza era que no meu casamento não existiria espaço para
separação, pausa no relacionamento, ou até mesmo deixar que alguém
de fora soubesse o que acontecia entre as paredes de nossa casa.Enquanto eu crescia, vi esse círculo se repetir muitas e muitas vezes, e
nunca foi um problema para mim. Afinal, o que havia de errado na união
de um amor? Quando eu era pequena, não entendia por que as noivas
deixavam o sorriso desaparecer do rosto quando pensavam não ter
ninguém olhando. Eu nunca tinha entendido. Não até que ser eu com um
belo vestido de noiva e o véu na cabeça pronta para dizer sim.
Aprendi com 16 anos o verdadeiro motivo dos casamentos da
Famiglia. Negócios, dinheiro e poder. Algo unicamente feito por
conveniência. Mas mesmo naquela idade, e com aquele conhecimento,
eu não perdi a esperança no amor, na fé de viver meu conto de fadas.
Sim, e olhe só o que o meu havia trazido de brinde.
Eu tinha 14 anos quando ouvi falar sobre Lucca DeRossi pela
primeira vez. Estava brincando de esconde-esconde com as filhas
pequenas de duas mulheres que tinham ido jantar em nosas casa com
seus maridos, e resolvi que era uma boa ideia me esconder delas no
escritório de papai.
Eu é claro, só não contava que eles iriam fazer uma reunião lá,
minutos depois de eu ter entrado. Lembro-me de ter ficado imóvel,
sentada e completamente espremida dentro da lareira, que tinha uma
pequena porta de correr, pedindo desesperadamente que eles não
resolvessem acendê-la.
Fiquei muito aliviada quando se sentaram para falar. Eu nunca dei
muita bola para seus assuntos, pois papai sempre dizia que quando ele
entrava no escritório era para falar sobre coisas que não deveríamos
saber. Aprendemos a lição quando Anita espionou uma vez, e as
consequências não foram nada boas para ela.
— O garoto sabe usar uma arma — um deles comentou. Eu tinha
pavor de armas ou qualquer ferramenta que pudesse fazer mal a alguém,
então, tentei com mais afinco pensar em qualquer coisa que tirasse o
foco dos meus ouvidos de lá.
— Sim, uma arma, uma faca e qualquer coisa que você der a ele. Não
é o que ele usa, é ele. Apenas nasceu para matar. — Eu tremi quando
meu pai disse aquilo.
— Ainda assim, Lucca DeRossi é apenas uma criança que não oferece
perigo a nenhum de nós.
Um deles bufou.
— Uma criança que embrulhou a cabeça de um candidato e enviou à
sua família, só porque o homem não cumpriu seu acordo com a máfia.
Repense sua frase, Simone.
— Eu sugiro que nos mantenhamos de olhos abertos. Thom fará de
tudo para não perder a cadeira de chefe — meu pai declarou.
— Nos também faríamos! — Simone exaltou-se.
— Sim, faríamos. Mas ainda nos importamos com algo além disso; eu
tenho minhas filhas a quem devo proteger. Vocês também. Thom quer
manter o poder dele sobre a Famiglia e não se importará com o que tiver
de fazer no caminho para conseguir.
Eles se moveram para fora da sala momentos depois, e eu aproveitei
para fugir de lá. O nome Lucca DeRossi não saiu da minha cabeça desde
então.
Eu o vi pessoalmente, pela primeira vez, aos 15 anos. Lembro-me de
tê-lo achado um príncipe, e minha imaginação de adolescente
simplesmente criou sonhos e imagens na mesma hora.
Sonhos esses que acabaram logo que eu me sentei na mesa para jantar
com minha família em casa, na noite seguinte, e meu pai nos contou que
nosso tio Frank havia falecido. A notícia não nos abalou tanto, pois não
éramos muito próximos. 
Às vezes nos visitava, mas logo ia embora, e eu nunca tinha simpatizado
com ele, mas, mesmo assim, era meu tio.
O pior não foi isso, mas, sim, quando papai disse que Lucca tinha se
levantado no meio de uma reunião da Famiglia, e simplesmente cortou
sua garganta, na frente de todo mundo.
Na época, lágrimas de decepção correram por meu rosto, como se a
realidade de o homem dos meus sonhos ser capaz de tamanha crueldade
estivesse me apunhalado sem dó.
Pobre criança ingênua.
Olhando agora para o meu rosto no pequeno espelho de mão, vendo
um hematoma tomando conta de um lado da minha face, além do corte
no lábio inchado, quase senti aquela mesma decepção.
Eu não fui boba e ingênua apenas naquela época.
Depois de Giorgia ter saído do quarto no dia anterior, minha irmã veio
e me deu dois comprimidos, um para dor e outro para dormir, que logo
fez efeito. Acordei na manhã seguinte só para encontrar o quarto vazio e
uma insuportável dor de cabeça.
Alessa tinha me visitado novamente, levou-me café na cama e,
minutos depois, Bernardo entrou. Ficaram por um tempo me mimando e
garantindo que eu estava bem antes de o furacão Anita aparecer, com
uma ira quase indomável para cima de Lucca.
— Filho de uma vaca velha! — Colocou a mão na boca e pulou. —
Dio Santo, Giorgia perdonami! COMO ELE OUSA DIZER QUE FOI
UM ACIDENTE? ACIDENTE SERÁ O ÁCIDO QUE VOU
COLOCAR EM SEU SHAMPOO. Estragar aquele bonito rosto cínico!
— exclamou.
Depois de longos minutos ela parou de falar e caiu ao meu lado,
abraçando-me.
— Desculpa não ter vindo antes, papai não permitiu, achou que eu
faria um escândalo. Acredita que deixou os soldados me mantendo
praticamente em cativeiro em casa?
— Ele achou que você estaria mais calma depois de alguns dias?
— Acho que sim, parece até que não me conhece.
Ela ainda se mantinha grudada a mim quando alguém bateu na porta.
Meu coração quase saiu pela boca, com os rins e tudo, quando vi Dante.
O medo de que Lucca estivesse com ele me paralisou por alguns
segundos. Fechei os olhos e esperei que algo ruim acontecesse.
— Que porra você quer? — Anita rosnou.
— Anita... — Alessa advertiu, já se levantando, pronta para segurar
nossa irmã.
— Por que você não some? Como o covarde do seu irmão fez? —
Boquiaberta por minha irmã tinha dito aquilo, abri os olhos, temendo
que Dante pudesse perder a paciência com ela.
Surpreendi-me ao vê-lo me olhando, ignorando totalmente a onça à
sua frente, que rosnava, pronta para fazer uma burrada maior do que
ofendê-lo.
— Eu gostaria de falar com você — declarou calmamente, com sua
voz forte, grave e rouca, fazendo-me lembrar de como me senti segura
com ele enquanto dançávamos em meu casamento. Mesmo que seu
irmão não perdesse uma oportunidade de me fazer mal, eu sabia que
Dante não era daquela mesma forma.
Se nem Luigi, que era Luigi, fora tão ruim, Dante também não seria.
Assim eu esperava.
Bernardo olhou para mim, esperando uma resposta, e assim que
assenti ele levou minhas irmãs para fora, enquanto Anita protestava e
Alessa o ajudava a tirá-la de lá. Ele deu um último olhar para o grande
homem na porta antes de sair e fechar a mesma.
Fiquei olhando-o enquanto continuava parado, esperando para ver
qual seria seu próximo movimento. De repente, ele baixou os olhos para
o chão e respirou fundo antes de caminhar e se ajoelhar ao meu lado na
cama.
Ainda com os olhos baixos, pegou minha mão entre as suas e girou
minha aliança.
— Você está bem? Emocionalmente, quero dizer.
A doçura em sua voz me surpreendeu. A resposta que passou por
minha garganta foi “Que pergunta é essa?”. Mas eu a engoli e sorri
fracamente, ou tentei sorrir.
— Tudo bem — sussurrei.
— Foi uma pergunta estúpida, perdoe-me. — Depois disso ficamos
em silêncio.
Ele soltou minha mão e encostou a testa na cama, praticamente
jogando-se lá.
— Thom gostava que todos em casa ouvissem o que ele fazia com
mamãe. Lucca tinha 8 anos, eu tinha 6, e Luigi apenas 4, quando a
ouvimos gritar mais alto que das outras vezes. Luigi começou a chorar
em desespero, e nós sabíamos que se Thom o visse chorando seria muito
pior. Nós sempre aprendemos que homens não deviam chorar.
Meu coração doeu pela imagem que passou por minha cabeça. Três
pequenos meninos vendo sua doce mãe sofrer nas mãos do carrasco que
era o próprio pai.
— Vocês não eram homens, eram apenas crianças — lamentei por
ele, demonstrando na voz o quanto sentia.
Ele levantou a cabeça e me olhou.
— Quando você nasce menino, dentro da máfia, não tem permissão
para ser uma criança. Lembro-me de Lucca ter me mandado tapar a boca
de Luigi para que nosso pai não ouvisse, daí ele se levantou docanto
onde estávamos no quarto e pegou um taco de basebol com o qual nós
raramente brincávamos. Foi andando devagar até a porta, deu-nos uma
última olhada e saiu. Luigi começou a se debater em meus braços. Eu
não era muito maior, então, ele logo escapou. Meu irmão tentou abrir a
porta, mas Lucca a tinha trancado por fora. — Ele respirou por um
momento antes de continuar. — Um tempo depois, os gritos de mamãe
pararam. Eu esperei que Lucca voltasse, mas o sono acabou vencendo e
dormimos encostados na porta, depois de muito esperar. Lucca não
voltou naquela noite, nem na manhã seguinte. Apenas duas semanas
depois.
— Então? — perguntei, ansiosa para conhecer o resto da história.
Imaginava que logo ele estaria de volta, e fora seus irmãos e sua mãe,
eu não iria descobrir nada sobre ele da boca de mais ninguém, dele
menos ainda. Então poderia muito bem aproveitar a chance.
— Então seu corpo voltou, mas não meu irmão. Ele não estava lá.
Não era mais o mesmo. Não brincava mais escondido comigo e Luigi,
não conversava mais com a gente. Lembro-me que depois de ele ter
voltado, todo o seu comportamento havia mudado. Giorgia sofreu
demais, eu podia vê-la chorando pelos cantos da casa. Lucca, é claro,
nunca me disse o que foram aquelas semanas, eu nem consigo imaginar.
Mas Thom começou a passar um tempo com ele, tempo até demais. Eu
raramente o via sorrir ou agir como uma criança normal, como era antes.
Então, ele apenas cresceu dessa forma.
Àquela altura eu já sentia lágrimas pelas minhas bochechas. Dante
tinha um olhar tão perdido, como se aquelas lembranças fossem mais
profundas e dolorosas do que pareciam. Eu quase podia sentir sua dor.
Não sei o que faria se apenas “perdesse” algum de meus irmãos daquela
forma. E com certeza ele não tinha me contado um terço da história.
— Dante, você acha que... que eu posso fazer algo? — Ele balançou a
cabeça e levantou-se, caminhando pelo quarto até a janela que dava para
o jardim.
— Quando eu soube que você seria sua noiva, pensei que talvez...
Apenas pensei sobre isso. Mas vendo o que ele fez... Lucca não tem
noção de sua força. Está sempre tão furioso que acabou machucando até
mesmo você. Olhe seu rosto. Ele te estuprou, Abriela! Nunca imaginei
que meu irmão pudesse fazer isso. Isso, não!
— Nós discutimos, e... eu não me lembro bem do que aconteceu, mas
ele estava confuso, com raiva... quando começou a me tocar, achei que
tudo ficaria bem... mas não sei...ele...ele... me bateu e me estuprou
desacordada? — perguntei, confusa, já chorando. Não podia acreditar
nisso.
Dante virou-se bruscamente, sua voz indo de calma a severa quando
falou.
— Você o está defendendo?
— Não! — afirmei rapidamente. — Só estou dizendo que eu não me
lembro com exatidão do que aconteceu, por Dio.
— Sim, então isso torna a situação melhor? — Bufou, incrédulo. —
Ele é meu sangue, mas vendo como você estava, e sabendo que ele
apenas foi ao clube e trepou com tantas prostitutas quanto podia, quero
matá-lo.
Eu estava pronta para responder quando suas palavras me
machucaram profundamente.
— Ele estava no clube? Com outras... — sussurrei, a garganta
fechando.
Dio, como podia fazer aquilo? Coloquei a mão sobre a boca para
abafar um soluço. Eu era tão estúpida!
— Onde ele está agora? — questionei, com a voz falhando.
— Ele foi a uma viagem para a Famiglia, a negócios. Eu devia estar
lá, mas não podia olhar para a cara dele, então, Luigi foi em meu lugar.
Querida, por favor, não chore por isso. Você não merecia, é tão jovem,
não posso perdoar Lucca por ter te prendido a uma vida miserável com
ele. Não desta vez.
— O que quer dizer? — Calmamente, Dante se sentou na minha
frente e olhou em meus olhos.
— Eu tenho documentos prontos para que você suma agora mesmo.
Fique escondida por uns meses, eu vou manter uma conta abastecida
para que você viva sem preocupações por toda a sua vida.
Eu travei com aquilo. Comecei a olhar para os lados, procurando uma
câmera, porque aquilo era uma cilada do meu marido, eu tinha certeza.
Ele estava me testando, e assim que eu dissesse que sim, que queria ir
embora, ele iria aparecer e terminar o serviço. E dessa vez eu tinha
certeza que iria para o saco.
Olhei de forma acusadora para o homem à minha frente e rosnei.
— Você, grande idiota, está com ele nessa, não é? — Ele arregalou os
olhos e se afastou um pouco, chocado com minha atitude.
— O quê?
— Vocês estão apenas esperando que eu concorde para que ele entre e
desça o inferno sobre este lugar não é? — Cruzei os braços sobre o peito
e me xinguei de todos os nomes possíveis por acreditar na historinha
fiada que Dante tinha contado, só para claramente ganhar minha
confiança. — Eu passo.
Ele franziu a testa, pensou um pouco, e então me olhou mais uma vez
antes de pegar o telefone no bolso e discar.
— Olá, boneca — a voz debochada de Luigi veio do outro lado da
linha. Eu quis rir do apelido ridículo e que, claramente, não combinava
com Dante. Mas mantive a postura séria.
— Não estou para brincadeiras, Luigi, onde vocês estão agora?
— Essa sua mania de controle está ficando chata. Vou te dar algemas
e cordas, senhor mestre. — Riu da própria piada, fazendo seu irmão
revirar os olhos.
— Continue, tenho certeza de que Abriela está se divertindo. — Isso
o fez ficar em silêncio por alguns segundos.
— Você está com ela?
— Viva-voz, irmão.
— Como você está, bonita? Me sinto uma péssima babá por não estar
aí. — Ele tentou brincar, mas ouvi a preocupação em sua voz.
— Bem... eu sobrevivi. Ele precisará tentar mais da próxima vez.
— Não diga isso, sua insolente. Estamos afastados agora, e ele está
num humor do cão, então, vou desligar. Vou visitá-la quando estivermos
de volta à Itália, sim?
— Tudo bem — respondi, comovida que meus cunhados estivessem
mais preocupados comigo do que até mesmo meu irmão mais velho e
meu próprio pai.
— Você acredita em mim agora? — a voz de Dante me tirou de meus
pensamentos. Olhei para meu bonito cunhado, pensando sobre sua
proposta, no mínimo, insana. — Eu jamais trairia você, ou alguém com
quem me importo dessa forma.
— Como ele era antes daquela noite?
— Lucca? — Assenti esperançosa de que ele me diria mais. Por um
momento, os lábios dele se curvaram, fazendo-o parecer ainda mais
bonito. — Ele sorria o tempo todo, adorava brincar de piratas conosco;
colocava um tampão no olho e dizia ser o caçador de tesouros mais
temido de todo o mar. Ele gostava de abraços, era carinhoso e gentil.
Sentávamos à mesa com nossa mãe e fazíamos nossas refeições. Um de
nós servia suco a ela, que sorria com olhos brilhando. — Balançou a
cabeça, como se saísse de um transe, e focou em mim novamente, mais
sério do que da última vez. — Mas esse não é mais quem Lucca é,
aquele era um garotinho de muito tempo atrás, não há nada dele em meu
irmão. Você precisa decidir agora. Eu vou sair e deixar que você pense,
mas voltarei em breve. — Ele se levantou, e antes que pudesse sair,
chamei-o de volta.
— Há alguma fotografia? — Dante franziu o cenho, confuso por
minha dúvida, mas assentiu.
— Sim, mamãe gostava de registrar os momentos em casa.
— Há alguma de Lucca?
Ele pegou a carteira do bolso e se aproximou de mim, mostrando-me
um pequeno cartão.
Na fotografia desgastada havia três meninos, todos pequenos, de
cabelos pretos e olhos azuis. O primeiro sorria de boca fechada, tinha
um boné na cabeça e o braço sobre o pescoço do menor, que estava no
meio. Este parecia estar dando uma gargalhada na hora em que bateram
a foto e sua cabeça repousava no ombro do último.
Este, que tinha olhos azuis brilhantes, cabelo preto bagunçado e a mão
esticada para frente em um joinha.
Ao ver aquela foto eu tinha minha resposta.
Eu não tomei minha decisão porque estava com medo de fugir e
sofrer as consequências.
Não tomei minha decisão porque não queria ser um desgosto e uma
vergonha para minha família.
Eu tomeiminha decisão pelo simples sorriso no rosto do terceiro
menino. A janelinha do dente faltando na boca, a forma como se
agarrava a seus irmãos, como olhava com adoração para cima da foto,
onde provavelmente sua mãe segurava a câmera. Pelo simples fato de
que já houve um bonito sorriso naquele rosto.
Naquele momento, sentada em nossa cama, lembrando de quanta
coisa havia passado naquele dia, refleti e compreendi que tomei a
decisão certa quando recusei a oferta de Dante de fugir, começar uma
nova vida e fazer o que diabos eu quisesse.
Ele tinha ficado surpreso por eu não ter pulado sobre as passagens de
avião e identidades falsas, mas respeitou.
Quando pensei em fazer o casamento dar certo, era porque seria o
mais perto que eu poderia chegar de realizar meu sonho, ter minha
família e ainda honrar meus deveres com a Famiglia, já que não havia
como sair dela. Mas depois de ouvir tudo aquilo de Dante, deixei meus
sonhos de lado e estabeleci uma nova meta.
Eu iria ajudar Lucca. Não conseguia entender como duas semanas
com o próprio pai puderam mudar toda uma personalidade e alterá-lo de
forma tão bruta, deixando-o daquele jeito. Mas eu descobriria.
Então, joguei para o fundo da minha mente as humilhações, a
incerteza sobre o que havia me colocado naquela cama por três dias e a
forma como Lucca me tratava. Também tentei não pensar no que ainda
poderia estar por vir. Não tinha como esquecer, um dia elas seriam
cobradas de alguma forma, mas eu não desistiria agora, não depois de
ter conhecimento de um pouquinho da sua história.
Afinal, a única coisa que poderia dar errado era... Cristo, tudo.
Mas valeria a pena se, no fim, o sorriso daquele garotinho brilhasse
mais uma vez.
Eu tinha passado os últimos dois dias depois que acordei, revezando
minhas atividades entre levantar da cama, fazer minhas higienes, voltar
para a cama, comer e receber visitas. Geralmente, minhas irmãs e
Bernardo.
Giorgia aparecia todos os dias, nem que fosse para ficar apenas cinco
minutos e ir embora. Eu não podia reclamar, pois adorava a sua
companhia, mas ela sabia que a causa da minha constante angústia era
não saber dele.
Eu estava na cama, falando com Goretti, a senhora que eu descobri
ser a responsável por cuidar dos serviços da casa, ela havia entrado no
cômodo minutos após Giorgia ter saído, com uma bandeja cheia de
frutas e um suco, e já estava de saída quando forcei-lhe a ficar e me
contar um pouco sobre si.
Agora eu sabia que seu nome era Goretti Santono, tinha 51 anos,
porém aparentava bem mais, e tinha dois filhos. Ao falar deles, notei o
quão chateada ela parecia. A filha era prostituta em um dos clubes da
Famiglia e não queria saber da mãe, pois não aceitava não ter nascido
em uma das famílias ricas, então, escolheu o jeito “fácil” de conquistar o
que queria.
O menino, de apenas vinte e dois anos, era um iniciado na Famiglia, a
caminho de ser um soldado. Disposto a matar e morrer.
Dona Goretti me explicou que seu filho ainda morava com ela e a
ajudava em tudo o que podia; era um bom menino, apenas seguiu pelo
caminho errado.
Eu não quis chateá-la dizendo que se ele não tivesse entrado por
vontade própria, seria caçado. Eles não tinham o sangue da Famiglia,
mas o pai deles era um soldado fiel, pelo que me disse brevemente,
então, a Famiglia cuidaria dela, recebendo serviços em troca.
— Acho melhor que eu vá agora, menina. O patrão está para chegar
hoje; não seria bem visto eu estar sentada na cama de vocês conversando
com a senhora — ela disse, já levantando e ajeitando o avental no corpo.
Segurei-a pelo braço, querendo saber se tinha entendido direito.
— A que patrão você se refere? — perguntei, engolindo em seco.
— Senhor Lucca mesmo, a senhora me desculpe aqui, viu? Mas
Juliano sempre me liga para avisar quando estão a caminho —
comentou, referindo-se ao soldado sombra do meu marido.
Assenti, preocupada, ansiosa e com uma enorme vontade de sair
correndo, melhor do que enfrentá-lo, ainda mais porque eu não sabia se
estava preparada para aquilo.
Levantando-me da cama, corri para olhar através de cada janela do
quarto, pensando e analisando os riscos.
— Sei o que está pensando, menina, e te peço que não faça isso. —
Ergui uma sobrancelha, silenciosamente questionando. Ela suspirou e
andou até ficar ao meu lado, apontando para fora. — Você não pode ver,
mas há mais de dez homens rondando a casa desde que você chegou
aqui. — Arregalei os olhos, incrédula.
— Você não pode estar falando sério. Eu não vejo ninguém!
— É exatamente por isso que eles estão aqui. O Senhor Lucca não a
deixaria sozinha, ou você, menina boba, pensa que ele não imaginou que
uma hora você pensaria em fugir?
Olhei novamente para fora, irritada por ter meus planos frustrados, e
suspirei.
Precisava enfrentar a fera. Afinal, foi isso que escolhi.
Eu já estava bem, leves dores de cabeça de vez em quando, mas fora
isso, estava legal.
Depois de saber que Lucca voltaria para casa, levantei-me da cama,
tomei um banho e coloquei uma roupa leve. O dia estava frio, mas a
casa era aquecida, tanto que eu usava um vestido sem qualquer
problema.
Meu rosto tinha um hematoma do lado que foi batido, e meu lábio
inferior apresentava uma pequena casquinha do machucado, ainda um
pouco inchado.
Fiquei na dúvida se passava uma maquiagem para esconder, mas
resolvi que não, pois queria saber como ele reagiria. Daria tudo para ver
se teria pelo menos uma pitada de arrependimento no olhar. Por Deus,
eu esperava que sim.
Fui até a cozinha e peguei um copo de suco, voltando para a sala logo
depois. Andava pelo corredor, pensando seriamente que precisava dar
uma cor àquela casa, afinal, onde não era preto era marrom, onde não
era marrom era cinza escuro. Eu era uma pessoa das flores, precisava
pintar o lugar com urgência.
Assim que virei no corredor para entrar na sala parei no lugar, meus
pés grudados no chão. Por onde ele tinha entrado que eu nem mesmo
ouvi?
Lucca ainda estava de costas, tirando o paletó, e não consegui me
mover, até mesmo meu cérebro “bugou” com medo de que se eu me
movimentasse, ele faria algo contra mim.
Não precisei pensar por mais tempo, porque tão rápido quanto podia
ele se virou, e seus olhos me penetraram, analisando todo meu corpo
lentamente, passando, então, para meu rosto. Deu alguns passos à frente,
focado no hematoma, e quando levantou a mão, eu apertei o copo mais
forte e fechei os olhos, preparando-me para o que viria a seguir.
— Por favor... — sussurrei, querendo implorar a ele que não me
machucasse.
Eu certamente não esperava o toque delicado de seus dedos no meu
lábio ferido. Abri os olhos e foquei nele, que me encarava e engolia em
seco.
— Por favor o quê? — questionou, com a voz abafada.
— Não me machuque.
— O que te faz pensar que um simples pedido poderia mudar quem eu
sou?
— Não tem que ser assim, você não precisa me odiar. Podemos tentar
ser felizes, eu te perdoo e apenas... Vamos apenas... tentar. — Ele se
afastou e virou de costas. Aproximei-me novamente, respirei fundo e me
coloquei à sua frente. Precisava aproveitar que ele estava calmo. —
Você gosta disso? De me causar sofrimento? De me machucar dessa
forma? — perguntei num sussurro.
Ele franziu a testa.
— Eu não sou um sádico, porra!
Assustei-me e vacilei para trás.
— Então, por favor, Lucca, você pode ser bom... comigo. — Ele se
aproximou e rosnou.
— Você não pode pensar com a cabeça? Abra seus olhos, isto aqui
não é um filme onde tudo é perfeito, menina. Eu não vou me apaixonar
por você no fim do dia. — Abri a boca, em choque, ignorando a pequena
pontada de dor que suas palavras causaram, mais uma vez. Lucca
caminhou até o bar e se serviu de uma dose.
— Você não tem que se apaixonar por mim, eu não pedi isso —
declarei irritada. — Mas nós estamos casados, e eu não quero que
nossos filhos cresçam no mesmo ambiente que você cresceu. Vendoe
ouvindo tudo o que ouviu. Meus filhos serão bons! — Tapei a boca e me
xinguei de todos os nomes possíveis depois de ter dito aquilo. Eu
abusava da sorte!
Ele jogou o copo contra a parede atrás de mim, fazendo-me pular de
susto, e se aproximou.
— Que porra você está falando?
— E-eu...
— Com quem você andou conversando? Com Giorgia? — Balancei a
cabeça, negando. — Não fale sobre isso novamente, entendeu? —
Assenti, ainda sem falar. — E tire essa ideia de filhos de sua mente
maldita; eu não teria um filho nunca. A propósito, enquanto você
dormia, nosso médico cuidou para que não tenhamos problemas futuros
com isso, receitando anticoncepcionais que já comprei. Também se
certificou de que não há nada crescendo aí dentro, das vezes em que eu
gozei em você. — Com cada palavra eu ficava mais chocada, como ele
podia dizer aquilo? — Portanto, comece a tomar as pílulas que estão no
banheiro do quarto.
Vendo que fiquei em silêncio, ele levantou meu queixo e, olhando
fundo em meus olhos, declarou:
— Não ouse tentar me dar um golpe com isso, eu mato você e a
criança sem hesitar.
Ele me soltou, após ter dado seu recado, e começou a sair do cômodo.
Antes virou-se e olhou em seu relógio de pulso.
— Vamos a um evento hoje à noite, tenho certeza de que não preciso
te dar um manual de como se comportar.
Não tive nem mesmo tempo de me recompor antes que meu celular
começasse a tocar.
Olhei no visor e hesitei antes de atender, porém, sabia muito bem que
minha irmã não desistiria até conseguir falar comigo.
— Olá.
— Irmã! Como você está? Papai disse que seu marido estúpido tinha
voltado para casa, só estamos ligando para saber se está tudo bem.
Engoli as lágrimas e forcei minha voz a um tom enganosamente
calmo.
— Sim, ele chegou e nós conversamos. Ele vai me levar a um jantar
esta noite, algum evento, algo assim.
— Ah, que fofo, não? Ele voltou todo dedicado! Foda-se, porra, diga-
me que evento é esse porque eu vou até lá chutar a bunda do imbecil!
— Anita — veio a voz de Alessa, chamando a atenção de nossa irmã.
Respirei fundo e resolvi acabar logo com aquilo, eu estava por um fio.
— Olha só, tenho que ir me arrumar, falo com vocês depois.
— Tudo bem, ligue-nos se precisar de algo — Alessa declarou.
— Eu sei, obrigada, irmã. Eu amo vocês.
— Amamos você! — Anita se despediu, e eu desliguei.
Suspirando, segurei-me até chegar no quarto. Assim que fechei a
porta, a primeira lágrima rolou. Cerrei os olhos com força e respirei
fundo várias e várias vezes, impedindo que outras a seguissem.
Entrei no banheiro, abri minha bolsa de maquiagem e me olhei
através do espelho.
Eu tinha uma máscara para colocar no rosto, não podia perder tempo.
Enquanto cobria o hematoma e passava uma segunda camada do
batom na boca, pensei em toda a conversa.
Eu mato você e a criança sem hesitar.
Sem hesitar.
Parei na frente da escada e respirei fundo.
Ele não tinha me dito que tipo de roupa usar, então, enfiei-me num
simples vestido azul longo, com fenda e decote, e uma sandália preta
básica. Na minha cabeça, parecia o tipo de roupa certa quando seu
marido lhe diz apenas “Vamos a um evento”, ainda assim, eu poderia
chorar de frustração. Nenhum detalhe, nada acrescentado que me
ajudasse como... festa temática, ou baile de máscaras, a fantasia ou sabe
Deus que tipo de evento era aquele. Comecei a descer lentamente cada
degrau, e a cada passo ficava mais ansiosa. Confesso que, por dentro,
estava torcendo para que ele fosse me levar para jantar ou algo do tipo.
Tudo bem que tinha dito que não se apaixonaria por mim, mas eu ainda
acreditava que podíamos conviver juntos. Precisava ter fé e esperança,
pois não existia divorcio na máfia e viver em um relacionamento onde
havia ódio mútuo não estava nos meus planos para o resto da vida.
Ao pé da escada, Juliano estava à minha espera. Este acenou para
mim e nos levou para fora de casa. Assim que pisei no gramado, tive a
visão de Lucca encostado no carro, telefone na orelha, olhando para os
próprios pés. Ainda me chocava o quanto ele era bonito, e naquela noite
parecia mais ainda. O terno – como sempre – preto, um sobretudo
combinando com seus sapatos italianos e o cabelo estrategicamente
penteado para trás.
Juliano entrou no carro, no banco do motorista e eu permaneci no
mesmo lugar até que Lucca colocou o telefone no bolso já encerrando
sua ligação, levantou a cabeça, olhando diretamente para mim. Começou
a andar em passos decididos até parar na minha frente.
Seus olhos foram parar no meu decote, arrastando-se até a enorme
fenda do vestido, e sua mandíbula trincou.
Será que ele tinha gostado, pelo menos, da minha roupa?
— Nós vamos a um evento, não a um dos clubes da Famiglia —
rosnou.
Abri a boca, chocada.
— Percebe que chamou sua esposa de prostituta? — bufei. — Talvez
eu devesse ir mal arrumada para que passasse vergonha. Afinal, pra quê
deixar que vejam a bela mulher que você tem ao lado, não? — Virei-me
e saí andando em direção ao carro, abri a porta por mim mesma e
afundei no banco, de braços cruzados.
Segundos se passaram e nada dele. Logo a neblina da raiva
desapareceu e me dei conta que estava tremendo, não sei se de raiva ou
de medo.
Merda. Ótimo momento para tirá-lo do sério, Abriela.
A porta se abriu, e ele se sentou ao meu lado, sem encostar em mim.
— Você pode ir, Juliano — ele mandou, apertando um botão em sua
porta, fazendo com que subisse uma tela preta entre os bancos da frente
e nós dois. — Eu não vou esquecer seu pequeno chilique — falou,
olhando para frente. Eu espiei de rabo de olho e falei calmamente.
— Você não me disse aonde iríamos, então, fiquei sem opções.
— Sim, eu sei. Mas isso não vai impedir que os homens daquele
maldito lugar a devorem com os olhos — rosnou.
Arregalei os olhos e o fitei. Ele estava com ciúme?
Percebendo minha reação, ele pegou o celular do bolso e limpou a
garganta enquanto passou a mexer na tela.
— Digo, eles estarão mais focados em você do que nos negócios que
temos a tratar.
— Ok — sussurrei depois de alguns segundos pensando em sua
resposta. Voltei meu olhar para longe, focando-os na janela do carro e
sorri sutilmente.
Porque sua resposta não tinha me convencido em nada.
E eu tinha certeza de que pelo menos meu corpo tinha sua atenção.
Assim que o carro estacionou, Lucca foi todo cavalheiro ao abrir
minha porta e nos guiar, com a mão em minhas costas, até a entrada do
bonito prédio reluzente.
Eu fiquei surpresa que fosse algo tão exageradamente grande a ponto
de ter fotógrafos e até mesmo tapete vermelho. E se por fora eu achei
enorme, o lugar por dentro me deixou de boca aberta. Estava me
sentindo no Oscar, com flashes e pessoas nos cumprimentando a cada
passo que dávamos. Sorri e agradeci cada elogio que recebi, e não me
passou despercebida a forma como Lucca não se esforçava nem um
pouco para tentar parecer gentil.
Ele tinha a atenção total sobre si. As pessoas se forçavam em uma
conversa com ele, desistindo logo quando viam que ele não era nada
sociável. Todo mundo queria ter a atenção do meu marido.
Depois de praticamente toda alma viva naquele lugar falar conosco,
conseguimos respirar. Lucca pegou minha mão, que ainda estava em seu
braço, e inclinou-se para falar no meu ouvido.
— Vamos cumprimentar o anfitrião; sua esposa está com ele, puxe
assunto com ela quando formos para a mesa. — Assenti.
— Nós vamos nos sentar com o dono da festa? — perguntei meio
abobada e, ao mesmo tempo, frustrada. Eu teria que fazer o papel da
perfeita dama durante toda a noite. Lucca não me respondeu, apenas
continuou nos guiando pelo salão.
Caminhamos até chegarmos em frente a uma mesa, e minha cabeça
quase pifou.
— Governador, esta é minha esposa, Abriela DeRossi. Querida, você
conhece Marcel. — O homem sorriu e pousou um beijo leve na minha
mão.
Olhei para Lucca, surpresa pelo “querida”.
— É um prazer conhecê-lo pessoalmente,Governador.
— Esta é minha esposa, Andrea. — A bonita loira sorriu para mim,
porém, me incomodou o sorriso maior ainda que deu a meu marido. —
Sentem-se, vocês duas podem conversar, enquanto os homens da casa
cuidam dos negócios. — Ele soltou uma gargalhada como se aquilo
fosse super engraçado e bateu nos ombros de Lucca. Meu marido olhou
para a mão do homem no seu ombro e lhe lançou um olhar nada
agradável, fazendo o outro parar de rir, limpar a garganta e se sentar
quase imediatamente. — Bem, meu caro amigo DeRossi, vamos tratar
de negócios.
Minha frustração aumentou. Tudo bem que eu estava num evento
enorme e sentada na mesa com o Governador, mas percebi que Lucca
não tinha me levado para jantar nem para acompanhá-lo. Aquilo era um
simples esquema para falar dos negócios da Famiglia. O Governador
não era da máfia, mas provavelmente um associado, dado que homens
da lei e homens do crime não dividiriam uma mesa em público, ainda
por cima com suas esposas se não tivessem o mesmo assunto a tratar e
estivessem fingindo algo. Eu e Andrea, nada mais éramos do que parte
do disfarce.
— Lucca, eu estou cem por cento tranquilo de falar sobre nossos
assuntos na presença de minha mulher, gostaria que você tivesse certeza
da descrição da sua.
— Está dizendo que minha esposa trairia a Famiglia, Marcel? —
respondeu num tom perigosamente calmo, enquanto passava o dedo pela
borda da taça de vinho.
O homem tossiu e gaguejou.
— E-Eu jamais insinuaria isso, meu amigo, apenas quis garantir.
Você sabe que um homem na minha posição não pode correr riscos.
— Não se preocupe com Abriela. Preocupe-se com a sua mulher, e
garanta que ela não esteja falando dos negócios da minha Famiglia nos
salões de beleza ao redor.
Marcel engoliu em seco e assentiu.
— É claro. Ela sabe o silêncio que deve manter sobre o que escuta.
— Ótimo, não quero perder mais tempo. Eu preciso de assinaturas e
alvarás, você vai conseguir isso para mim até a próxima semana.
Eu fiquei sentada, ouvindo por, no mínimo, uma hora e meia,
enquanto eles falavam sobre mil e uma coisas. Foi um tédio e, mais uma
vez, eu estava tão perto e tão longe dele. Só na minha fantasia de menina
boba mesmo para sequer cogitar que ele pudesse estar me levando em
um encontro, porque apreciava minha companhia.
Durante os assuntos que foram abordados, eu só conseguia sentir dó
das pessoas que acreditavam e confiavam no governo daquele homem,
porque ele nada mais era do que um porco sujo. Suas piadas,
declarações ofensivas sobre diversas coisas e a forma como lidava tão
alegremente com sua corrupção eram a prova disso. Eu sabia que não
podia falar nada sobre esse assunto, porque nasci numa organização
criminosa, simplesmente a maior do mundo. Mas além de não ter tido
escolha, nunca roubei nem uma moeda de alguém. Aquele homem
escolheu, e eu podia ver a ganância corroendo-o. Era triste. Não
justificava, mas a Famiglia nunca se comprometeu com o povo nem fez
promessas para ganhar sua confiança. Muitas vezes fizemos até mais do
que os que tinham essa função.
— Você pode me acompanhar até o toilette, querida? Preciso retocar
meu batom — Andrea me perguntou, já se levantando.
Olhei para Lucca, que franziu a testa, mas assentiu. Caminhamos pelo
salão lado a lado, eu e ela. Andrea rebolava de uma forma totalmente
desnecessária e acenava sensualmente para alguns homens que
passavam por nós. Eu não sabia se ria ou se falava para ela se controlar.
Por fim, não disse nada e quando ela entrou no banheiro eu apenas
pensei que talvez fosse melhor não sair de perto de Lucca quando ela
estivesse próxima.
Enquanto a esperava sair da cabine, ajeitei meu cabelo de frente para
o espelho. Estava retocando o batom quando alguém me cutucou no
ombro.
— Evangeline? — Franzi a testa, confusa. O que ela estava fazendo
lá?
— Olá, querida! Que surpresa ver você aqui. Não tivemos tempo para
conversar, não é? — perguntou, cínica.
— Você está bêbada? — Nós nem mesmo conversamos. Nunca
fomos amigas, e nossos assuntos em eventos onde nos cruzávamos
sempre estiveram relacionados à Famiglia..
— Você não pôde ir na minha festa, foi uma pena. — Sorriu, cheia de
ironia, e enrolou um cacho do cabelo ruivo no dedo. — Mas Lucca a
representou muito bem. Inclusive, ele me contou que sofreu um
acidente, por isso não pôde ir. — Eu cerrei os olhos, já irritada com sua
ironia.
— Meu marido não tem por que ter te dito isso. — A cretina jogou a
cabeça para trás e riu.
— Bem, seu marido e eu temos mais assuntos em comum do que você
pensa. — Virou e foi embora. Minha cabeça viajou para o que Dante me
disse, sobre Lucca estar com outras mulheres enquanto eu ainda
permanecia desacordada. Mas balancei a cabeça, expulsando aquele
pensamento.
Evangeline era tóxica, e eu não tinha motivos para dar ouvidos às suas
mentiras. Andrea apareceu e rapidamente retocou seu batom, enquanto
voltávamos para nossa mesa, e eu quase a ignorei. Perto de Evangeline,
Andrea não tinha poder nenhum para me tirar do sério.
O caminho todo para casa foi em silêncio. Lucca mexeu no celular o
tempo inteiro, e eu também não fiz questão de falar.
Quando colocamos os pés dentro de casa, fui direto para as escadas.
Só queria tomar um banho e me deitar.
— Abriela. — Parei onde estava. Respirei fundo e me virei para olhá-
lo.
— Sim? — sussurrei. Eu estava tremendo de medo que tivesse feito
algo para irritá-lo. Porque se fosse o caso, sabia que as consequências
viriam naquele momento.
Ele me olhou por mais um tempo antes de falar.
— Você se comportou muito bem esta noite. — Suspirei de alívio.
— Dio, grazie — murmurei, fazendo com que ele erguesse uma
sobrancelha. — Digo, obrigada. Eu acho.
— Preciso fazer uma viagem. — Eu assenti, de repente decepcionada
ao perceber que nosso casamento seria basicamente feito da ausência
dele, mas um fio de esperança me tomou quando ouvi suas próximas
palavras: — Venha comigo — Abri a boca, surpresa e temerosa.
— Está falando sério? — Ele me olhou por algum tempo antes de se
aproximar.
— Não tivemos uma lua de mel, e não estou dizendo que será uma,
mas você pode ir e conhecer um país novo. Vai lhe poupar de ficar
escondida entre as paredes desta casa.
Não contive o sorriso que surgiu em meu rosto. Só queria gritar de
felicidade e sair pulando pela casa. Porque, talvez, reamente pudesse
fazer com que ele enxergasse o mesmo que eu.
Podia dar certo.
Acordei com o sol batendo em meu rosto e o cheiro de café entrando
em minhas narinas. Era o céu.
Como de costume, eu estava sozinha, então, levantei-me e cuidei de
minha higiene antes de me enrolar num roupão e descer à procura de
dona Goretti.
Estava morta de sono, pois fiquei a madrugada toda me revirando na
cama, pesando e pensando nos acontecimentos da noite, e não consegui
nem mesmo dormir. Achei estranho que depois de Lucca ter me
“pedido” – ou melhor, ordenado – que o acompanhasse em uma viagem,
ele apenas tivesse encarado meu sorriso – provavelmente idiota – e saído
sem falar nada. Quando entrei no quarto ele não estava, então, fui tomar
um banho. Ao sair do banheiro, encontrei-o, deitado apenas com o
lençol cobrindo sua boxer da cintura para baixo. Tinha os olhos
fechados e os braços sob a cabeça, sendo assim, aproveitei para olhar
seu corpo digno de sonhos.
Deitei-me, tomando cuidado para não o acordar, e virei-me para o
outro lado a fim de dormir. Fechei os olhos por algum tempo e quando
me virei novamente, ele já não estava mais na cama. No começo pensei
que tê-lo visto deitado tivesse sido apenas uma miragem, mas o lençol
amassado confirmava o contrário. Ele não voltou para o quarto, e eu
apenas revirei-me até que o sono finalmente me venceu.
Eu poderia dar graças a Deus que ele não estava na cama, assim não
encostou em mim, mas, não. Isso apenas me preocupava. O meu marido,
que é uma pessoa cruel, com uma aparência dos deuses, dono deinúmeros clubes de luxo, não me quer. Porém, ele tem necessidades; se
eu não o estava satisfazendo, quem estaria? Esta era a minha grande
pergunta.
Aquele pensamento me deixava tão irritada que cheguei à cozinha
pisando fundo e bufando. Tantas vezes cogitei procurar Anita e pedir
conselhos sobre isso. Eu era uma virgem de vinte anos, e ele um cara
cheio de experiências, maduro, no auge de seus 35. Bem, eu não era
mais virgem, mas era como se fosse, pois não tinha experiência alguma.
O que eu estava pensando?
— Pare de pensar demais, menina — a voz de Dona Goretti me tirou
daqueles devaneios.
— Estou só refletindo o inevitável — murmurei.
— Senhor Lucca está calmo hoje. Imagino que a noite tenha sido
melhor depois do passeio? — Ela sorriu, entusiasmada por mim, e não
pude deixar de sorrir de volta.
— A senhora tem tantos problemas, mas, ainda assim, consegue sorrir
e ser uma das melhores pessoas que conheci ultimamente. — Ela
balançou a cabeça, e seus olhos brilharam.
— Menina, já ouviu aquele ditado “se a vida te der um limão, faça
uma limonada?” — Assenti. — Eu digo o contrário. Quando essa diaba
te der um limão, corte ao meio e esprema cada metade em um olho dela.
Todo problema tem um propósito maior, e toda dificuldade traz um
ensinamento. Você precisa apenas olhar pelo ângulo certo e verá.
Refleti sobre suas palavras e concordei.
— Você é muito sábia.
— Essa vida me fez ser. — Ela me serviu de um copo de vitamina e
torradas. — O patrão falou que vocês vão viajar. Eu já arrumei o básico,
você precisa ver o que quer levar para fazermos as malas, menina. —
Assenti, ainda mastigando.
— Eu vou arrumar algumas roupas. Ele lhe disse para onde vamos?
— Ela me atirou um olhar cético.
— Em que mundo você pensa que está, menina? Desde quando o
chefe me dá satisfações? — Eu ri, concordando.
— Erro meu. Quando ele chegar vou ver se descubro.
— Arrume roupas de inverno. — Engasguei e pulei do banco ao ouvir
sua voz. Virei-me lentamente para a porta e o encarei.
— Eu pensei que não estivesse aqui — murmurei sem jeito. Ele me
encarou antes de se virar e sair andando.
— Partiremos em duas horas. — Olhei para a senhora, que tinha os
lábios franzidos e as mãos na cintura, e suspirei.
— Vou fazer as malas. — Ela concordou e se preparou para me
ajudar.
Ela também sabia que era melhor eu não me atrasar.
Juliano estacionou o carro em frente ao Aeroporto di Palermo, abriu a
porta de Lucca, depois a minha e retirou nossas malas.
— Chefe, sei que já esclarecemos isso, mas deixe-me reservar o jato,
um voo comercial é extremamente arriscado — Juliano falou enquanto
entrávamos no aeroporto.
Inicialmente, eu também tinha estranhado que fôssemos viajar num
voo comercial, porque não fazia o estilo da Famiglia. Ainda mais do
Chefe.
— Esclarecemos, e você ainda insiste. Vai me dizer o porquê de estar
tentando me irritar logo cedo?
— Perdoe-me, senhor, eu apenas... — Lucca parou de andar e o fitou,
praticamente rosnando em seu rosto.
— Mais uma palavra sobre isso e vou arrancar sua língua.
Eu não ouvi a voz de Juliano pelo resto do caminho.
Foi tudo muito rápido, nós nem mesmo entregamos nossos
passaportes, nem fizemos as burocracias necessárias para sairmos do
país, e quando percebi já estávamos dentro do avião. Lucca mostrava-se
tão calmo que fazia tudo parecer quase normal, mesmo que para um
criminoso do nível dele aquilo fosse básico.
— Entramos tão rápido que nem mesmo vi para onde estamos indo.
Ele nem me olhou quando respondeu.
— Suécia. — Meu coração quase saiu pela boca.
— Lucca, o que nós vamos fazer?
— Eu tenho assuntos a tratar lá.
Olhei ao redor antes de sussurrar.
— Do lado da Bratva?
— Este assunto não te pertence, então, não deve se preocupar com
ele. — Seu tom era cortante, mostrando que não queria falar sobre
aquilo, mas eu insisti.
— Não é assunto meu que estejamos indo direto para a morte? —
Desta vez ele me olhou, mostrando todo o seu descontentamento com
minhas palavras.
— Está dizendo que somos fracos? Está insultando a Famiglia e
nosso poder?
— Eu não quis dizer isso, só fico preocupada. A Rússia está a um
pulo de lá, e....
— Eu não sou a porra de um menino amador num videogame, sei
exatamente o que estou fazendo. Quando eu disser que não deve se
preocupar, é porque falo sério.
Fechei os olhos e me recostei no assento. Bratva era a máfia russa
com quem, por anos, nós vivemos em uma violenta guerra. Eu não era
idiota de pensar que os desacertos e os ataques tinham acabado, apenas
ficavam muito bem escondidos de quem não estava por dentro dos
assuntos da Famiglia. Mas também sabia que não podia viver cheia de
paranoias de que se eu saísse da proteção da Itália algo iria acontecer.
Até porque, poderia acontecer lá dentro também. Além da guerra com a
Bratva, a Famiglia tinha outros inimigos, como a máfia albanesa, máfia
japonesa, coreana, árabe, e tantas outras espalhadas pelo mundo que eu
mal poderia listar sem começar a entrar em pânico. Nós éramos
poderosos, e poder que ameaçava poder tornava-se concorrência.
Naquele mundo, isso não era uma boa coisa, nenhum dos lados gostava.
Durante a primeira meia hora de voo eu não consegui parar de pensar
no que podia acontecer nessa viagem. Logo cai no sono e dormi pelas
duas horas restantes, só acordei quando pousamos. Algo que me irritava
extremamente sobre Lucca era sua falta de comunicação comigo.
Seus irmãos já tinham me dito que ele não era um conversador, mas
eu suspeitava que havia muito mais naquela história do que até mesmo
eles sabiam.
Enquanto Juliano seguia de carro para o hotel onde ficaríamos
hospedados, eu revezava minha atenção entre olhar a rua e espiar Lucca
disfarçadamente. Eu ficava impressionada com o quanto ele parecia
congelado no mesmo. Olhava para fora, mas me perguntava se estava
realmente vendo algo além de seus próprios pensamentos.
Chegamos no hotel e depois de os soldados de Lucca revistarem toda
a suíte, nós finalmente pudemos entrar. Eu estava louca por um banho e
para esticar minhas costas naquela cama imensa, que apostava que seria
macia.
Suspirei, já caminhando até ela. Tirei meu casaco e os sapatos,
arrancando a camiseta logo depois.
— Esta cansada do voo? — Pulei no lugar, colocando a mão no
coração pelo susto. Segurei o pano sobre meus seios.
— Santo Dio, Lucca! Eu não te ouvi entrar.
— Isso significa que você está desatenta. Podia ser algum de meus
soldados entrando aqui.
— Eles entrariam em nossa suíte sem permissão?
— Em casos de urgência, sim, então, preste mais atenção ao seu
redor. — O pensamento de algum dos homens me ver seminua não era
agradável. Eu assenti. Quando ele não falou mais nada, levantei os
olhos.
Sua atenção estava voltada a mim, seus olhos em minha pele exposta,
as mãos fechadas nas laterais do corpo e a mandíbula apertada.
— Eu perguntei se está cansada do voo.
— Apenas um incômodo nas costas, acho que se eu deitar um pouco
vai passar.
— Eu fiz planos de levá-la para conhecer a cidade, mas posso
cancelar. Descanse. — Ele se virou para sair, mas o alcancei, colocando-
me à sua frente.
— Planos como passear apenas eu e você? Acho que minhas costas
ficaram mal-acostumadas das duas horas sentada. Se eu andar um
pouco, acredito que vá até ajudar — respondi entusiasmada.
Suas palavras me deixaram fora de mim. Eu não podia acreditar que
Lucca tinha feito planos para nós!
Ele olhou para baixo e fechou os olhos, respirando profundamente, só
então percebi que a minha camisa tinha caído enquanto eu corria para
alcançá-lo.
— Vista-se, então. Estarei lhe esperando no bar do hotel.
Quando a porta bateu, mais uma vez me perguntei por que ele parecia
claramente tão afetado por mim, e porque não me jogou na cama para
fazer o que quisesse fazer?
— Dio, por favor me ajude a entender o que se passa na cabeça desse
homem! — sussurrei olhando para o alto.
Eu ia ficarlouca.
Enquanto saía do elevador, no andar da recepção do hotel, tentava
conter o sorriso. Ajeitei meu longo vestido rosa bebê de seda, enquanto
meu coração quase saía pela boca. Eu estava fazendo de tudo para não
tropeçar nos saltos pretos.
Com dois soldados ao meu encalço, andei pelo lugar procurando por
Lucca. Quando o encontrei ele estava na porta do bar, falando com um
homem. Por um momento fiquei decepcionada. O passeio era para ser eu
e ele, mas quando acenou para o homem e começou a se afastar, suspirei
aliviada.
Seríamos realmente só nós dois.
Ele parou na minha frente e dispensou os soldados.
— Nós vamos à Ópera Real Sueca — declarou.
Eu sorri levemente e assenti.
— O que nós vamos assistir? — Ele ofereceu o braço e seguimos para
fora do hotel.
— Eu não me importo, você pode escolher algum concerto quando
chegarmos lá.
Concordei. Não disse a ele o quanto seu desinteresse me magoava,
afinal, não mudaria nada. Acabei por decidir que era melhor aproveitar o
que estava me oferecendo.
Eu não podia cansar de admirar a beleza do Ópera Real. O lugar era
fascinante.
Quando consegui escolher o que queria ver, decidi pela minha obra
favorita.
Sinfonia Nona de Beethoven.
Por duas horas, foquei apenas no espetáculo.
Espiei Lucca pelo canto do olho algumas vezes, durante a
apresentação, e me senti orgulhosa de mim mesma quando vi que ele se
mostrava tão interessado em assistir quanto eu. Quer dizer... ao menos
parecia. Seus olhos estavam focados no palco, assim como todas as
pessoas ali. As expectativas de que ele pegaria na minha mão ou
colocaria o braço em volta de minhas costas foram grandes. Mas ele não
fez. Lucca apenas ficou lá, como uma estátua, assistindo. Quando
terminou, todo o lugar aplaudiu de pé. Eu limpei algumas lágrimas e
segui meu marido até o enorme restaurante dois andares abaixo.
Nós caminhamos até a mesa reservada e nos sentamos.
Não me deixei levar pelo fato de ele ter puxado minha cadeira. Lucca
era educado, apenas isso.
— Você está linda, Abriela — disse, após alguns minutos de silêncio.
Eu quase engasguei com a água que tinha acabado de beber. Olhei-o por
cima da taça, completamente surpresa por seu elogio.
— Obrigada, Lucca — sussurrei, ainda desacreditada.
— Não fique tão surpresa, você é incrivelmente bela. — Eu o encarei,
agora duvidosa do que diabos estava havendo com ele.
— Eu não achei que você pensasse assim. — Ele desviou o olhar e
ficamos em silêncio. — Juliano está por perto?
— Por que está preocupada? Não pense nele e não fale com ele,
entendeu? — Olhou-me com a mandíbula cerrada e olhos sérios. Eu
estranhei sua súbita mudança de tom e lamentei ter tocado no assunto.
— Tudo bem, eu apenas queria saber se estávamos sozinhos...
Fui interrompida pela chegada do garçom. Ele colocou um prato cheio
de salada na minha frente e aperitivos para Lucca.
— Você pediu salada para mim? — Ele franziu a testa.
— É geralmente o que mulheres pedem. Ou você ia ficar só na água?
— Sim, as modelos com quem você saia por aí pedem uma salada, eu
gostaria de uma massa. Para começar. — Ele levantou uma sobrancelha,
surpreso, mas chamou o garçom de volta.
— Sai da Itália, mas a Itália não sai de você — comentou.
Eu sorri e bebi um gole do vinho. Era doce e saboroso, mas é claro
que seria. Lucca devia ser especialista na bebida.
— É delicioso.
— Realmente. Que bom que aprova.
— Qual o seu favorito? — Atrevi-me a puxar um pouco mais de
assunto.
Ele bateu os dedos na beirada da mesa.
— Alguns.
— Tipo? — incentivei.
— Alguns — respondeu mais firme, e eu murchei na hora.
Puxar assunto não deu certo. Ele não queria conversar, como sempre.
O garçom chegou com nossos pedidos alguns minutos depois e
comemos em silêncio. Eu queria tanto perguntar sobre sua família e o
que ele pensava de nosso casamento. Se ele tinha estudado, ou se toda a
sua vida fora dedicada à Famiglia. Se já tinha se apaixonado, se já havia
conhecido todos os países que queria visitar... Queria saber onde ele
ficava quando não estava em casa e o que ele fazia no tempo livre. O
que ele fazia nos clubes, se realmente saía com outras mulheres. Mas eu
não disse nada, só segurei a língua e continuei comendo. Retirei-me para
ir ao banheiro e quando voltei ao salão ele estava com uma morena na
mesa. Ótimo. De pé ao lado dele, ela mantinha a mão em seu ombro,
sorrindo e mexendo no próprio cabelo. De repente ele olhou para o lado
e me viu, disse algo para a mulher, sem tirar os olhos de mim, e ela
apenas assentiu, indo embora logo depois.
Voltei para o banheiro e contei até dez, vinte, trinta, olhando meu
reflexo, e tentei me acalmar. As lágrimas inevitáveis vieram aos olhos,
mas não deixei que caíssem.
— Abriela Bonucci? — Olhei para o lado no espelho e lá estava ela.
Vaca.
— Sim? — Controlei-me para não voar naquele pescoço esquelético.
— Meu Deus, que coincidência! Eu fui à sua festa de aniversário de
15 anos. Está ainda mais bonita hoje. E espero que não seja estranho...
Bem, você estar aqui com ele depois de nós... Você sabe! — Levantei
uma sobrancelha, demonstrando minha melhor cara de inocente.
A desgraçada queria jogar na minha cara que já tinha passado pela
cama dele.
— Não entendi, senhorita...
— Vaslov, sou Elsa Vaslov.
— Russa?
— Isso. Ele parece gostar das morenas, hum? — Ela riu como se
aquilo fosse uma piada que iríamos compartilhar juntas. Mulherzinha!
Não sabia que estávamos casados? Eu queria gritar na cara dela!
— Você quer dizer algo que vá valer o meu tempo? Não quero ser
rude e te deixar aqui falando sozinha. — Seu rosto se transformou,
demonstrando indignação.
— Eu só queria ser simpática, nossa! Olha só, eu entendi que a fila
andou. Não tenho mágoas de você, por que está com raiva?
— Não estou com raiva, querida, você está equivocada. — Andei até
a porta e olhei por sobre meus ombros. — E pode seguir em frente, a fila
de Lucca não vai andar mais. E nós estamos casados, é Abriela DeRossi.
Sem lhe dar tempo para responder, voltei ao salão, de encontro ao
meu marido. Meu marido que havia acabado de me irritar
profundamente.
Primeiro Evangeline, agora essa tal de Elsa... Eu estava sinceramente
começando a odiar banheiros.
Quando voltei para a mesa, Lucca, com todo seu cinismo, perguntou-
me se eu queria sobremesa. Quis voar em seu pescoço, mas estávamos
em público, então, eu educadamente disse que não. Ele me encarou
friamente antes de se levantar e pegar minha mão. Foi ali que percebi
que nosso passeio tinha acabado.
Durante todo o caminho de volta para o hotel, observei e admirei a
cidade de Estocolmo. Não sabia se voltaria algum dia, então, quis
absorver cada detalhe – pelo menos o que estava ao meu alcance – e
guardar as lembranças daquele lindo lugar.
Entramos na suíte, e eu segui até o banheiro, a fim de tirar minha
roupa e apenas me enfiar numa camisola confortável.
Assim que sai, notei Lucca sentado num pequeno sofá no canto. O
laptop aberto sobre seu colo proporcionava a única iluminação além das
luzes da cidade que atravessavam a janela.
Fiquei parada no lugar, observando-o.
Seus cabelos estavam bagunçados, sua postura era aparentemente
relaxada sobre o móvel, mas eu notei sua testa franzida e a mandíbula
cerrada. Deixei meus olhos vagarem pelo seu peito mal iluminado. Eu
podia ver os cachos sobre sua pele, e por um momento meus
pensamentos voaram sobre passar meus dedos por eles.
— Se você tem algum pingo de sanidade, sugiro que pare de me olhar
assim e vá se deitar — sua voz era rouca e baixa.
Pura ameaça.
— Eu sou sua esposa.
— Eu não me esqueci. — Dei leves e lentos passos até ele e me
ajoelhei na sua frente.
Não sabia o que estava havendo comigo, mas poderia culpar a bebida
pela manhã.
— Não tenho problemas com você me tocando. — Ele arregalou
levemente os olhos e jogou o computador de lado.
— Você está perdendo a cabeça. Levante-se. — Passou a mãopelos
cabelos. — Quanto você bebeu?
— Não estou bêbada — respondi, ofendida. — Eu vejo o jeito como
você olha para mim. Qual é o problema? Você me tocou quando nos
casamos. — Ele cerrou a mandíbula mais forte e tentou se levantar.
— Eu não poderia mantê-la virgem. — Empurrei-o de volta.
— Mentira.
— Por que eu precisaria de você quando tenho as mulheres mais
experientes da Itália no momento em que eu quiser? Não é mentira, é
apenas a verdade que não quer ver. — Eu abri a boca, totalmente
desacreditada.
— Por que você me machuca tanto? — sussurrei.
— Antes isso do que levá-la para aquela cama e lhe dar a esperança
de algo que nunca vai existir.
Eu me levantei lentamente e me sentei em seu colo. Uma perna de
cada lado. Senti-o ficar tenso na mesma hora.
— Abriela — era uma advertência clara, e eu ignorei.
Peguei suas mãos e coloquei sobre minhas coxas.
— Eu entendi que nunca vou ter o seu amor. Mas apenas hoje, quando
me sinto levemente embriagada e estamos nessa cidade incrível, dê-me
essa ilusão. Não vou nem mesmo me lembrar de manhã, apenas me dê o
que eu estou desesperada para ter.
Vi um olhar de desejo cruzar seu rosto enquanto ele me encarava e
respirava pesadamente.
— Não será nada para mim. — Eu assenti, olhando em seus olhos
uma última vez antes de levantar minhas mãos, que tremiam mais do
que tudo, e segurar seu rosto, aproximando-me delicadamente e tocando
nossos lábios. Pretendia continuar daquele jeito, mas ele separou nossas
bocas e grunhiu.
— Vai ser do meu jeito.
Com isso, ele rasgou as alças da minha camisola e atacou minha boca
ferozmente.
Eu nunca havia beijado ninguém antes de Lucca, mas tinha certeza de
que ele era o dono do melhor beijo do mundo. Sua língua passava por
cada canto da minha boca, e quando eu pensei que não podia ficar
melhor, ele segurou meus seios e os apertou tão forte que eu gritei
contra sua boca. Lucca agarrou meus quadris e me puxou para frente.
— Lucca... — sussurrei alucinada. — Espera, eu...
— Shhh...
Tirei minhas mãos de seu cabelo e segurei o cós de sua calça,
tentando puxá-la para baixo. Assim que consegui, toquei levemente sua
pele quente.
— Ajoelha e me chupa — ele rosnou contra meus lábios e deu um
tapa ardido em minha bunda.
Eu escorreguei de seu colo, para me ajoelhar novamente de frente
para ele.
— Você sabe que eu nunca fiz algo como isso — murmurei,
envergonhada.
Ele terminou de arrancar sua calça, segurou meu queixo, inclinando-
se, e mordeu meu lábio.
— E você não tem ideia de como isso me deixa louco. — Tomando
coragem, eu envolvi minha mão em volta dele e apertei-o levemente.
— Mais forte. — Lucca me guiou.
Fiz como ele disse, apertando, e logo movimentei minhas mãos para
cima e para baixo. O abdômen dele contraía com meus movimentos e foi
lindo ver sua reação. Eu podia não ser especialista, mas ele parecia
gostar. Aproximei-me mais e apertei meus seios contra suas pernas. Vi
seus olhos estreitos cravados ora em meus olhos, ora em meus seios
amassados em sua pele. Lucca respirava fundo e saber que eu o deixava
tão sem controle me excitava mais ainda. Das outras vezes, eu tinha
saído machucada de alguma forma. Emocionava-me saber que agora ele
estava ali comigo na mesma sintonia.
Eu queria tanto vê-lo gozar que chegava a doer.
— Você vai me avisar se eu estiver fazendo errado? — perguntei,
insegura.
Ele levantou uma sobrancelha.
— Não poderia ser melhor. — Inclinando-se, reivindicou meus lábios
enquanto eu ainda trabalhava com as mãos. O aperto dos meus dedos
parecia deixá-lo louco.
A respiração dele aumentou, tão forte quanto a minha enquanto me
beijava e arqueava seus quadris ao atrito das minhas mãos. Num ato
totalmente improvisado e de pura ousadia, afastei-me de sua boca e
envolvi a coroa grossa em meus lábios. Lucca gemeu e deixou sua
cabeça cair contra o encosto do sofá.
— Você quer me ver gozar tão rápido assim, Abriela? Porque é o que
vai acontecer, sua boca é tão macia...
Gemi ainda com a boca nele e esperei que se derramasse. Rosnando,
ele segurou meu cabelo quando eu senti o líquido quente em minha
garganta. Olhei para cima, e seus olhos azuis brilhavam de puro desejo.
Ele nunca esteve tão bonito.
Quando fechou os olhos e soltou meu cabelo, eu deixei minha cabeça
cair contra sua perna e fiquei lá. Embora pulsasse de desejo, não queria
quebrar o momento, podia aguentar.
Depois de alguns segundos, Lucca levantou-se, deixando minha
cabeça cair no sofá e foi andando, gloriosamente nu, até a estante de
bebidas. Aadmirei seu corpo duro, definido e poderoso de longe. Queria
tanto que me abraçasse, queria senti-lo em volta de mim, mas não me
atreveria a pedir isso.
Ele tomou uma dose e virou-se para mim. A esta altura eu já tinha
unido minhas pernas e as apertava juntas, buscando algum alívio para
aquela dor.
Lucca reparou e deu um leve inclinar de lábios.
— Você está com cara de quem espera por alguma coisa. — Abaixou
na minha frente e facilmente me levantou no colo, apoiando o joelho na
cama, colocando-me sobre ela. Estar nos braços de Lucca era sempre
uma sensação nova, e eu o observei, admirada pelo carinho repentino e
raro. — É tão bom sentir sua boca, mas eu tenho certeza que aqui — ele
levou sua mão até o meio das minhas pernas e passou os dedos
levemente pela minha abertura — será infinitamente melhor —
sussurrou, e eu gemi.
— Lucca, eu não posso esperar. Por favor, apenas faça amor comigo.
— Ele balançou a cabeça e enfiou um dedo em mim.
— Chame pelo o que realmente é. — Eu gritei quando senti um
segundo dedo me alargando e sua boca sobre meu mamilo.
— Por favor...
— Diga para mim o que é. — Fechei meus olhos bem espremidos e
agarrei os lençóis.
— Coloque seu pau em mim. — Ele deu um tapa no meu clitóris que
me fez gritar.
— Diga, caralho. — Eu perdi a paciência.
— Foda-me! — gritei.
Facilmente me virou de barriga para baixo, colocou-me apoiada nas
mãos e nos joelhos, e sussurrou no meu ouvido:
— Isso é o que é. Uma foda.
Mais uma vez eu afastei suas palavras da minha cabeça e foquei na
sensação de seu corpo junto ao meu, de seus braços fortes me
segurando. Eu só queria sentir. A cabeça de seu membro encostou em
meu clitóris, e ele me torturou, roçando-o algumas vezes antes de
finalmente me penetrar.
Eu gritei, porque me sentia tão, tão preenchida.
— Tão bom quanto eu me lembrava. Você é o meu maior pecado,
Abriela — seus rosnados no meu ouvido eram alucinantes, fazendo-me
guardar cada uma das sensações no fundo da mente. Ele agarrou minha
cintura e movimentou os quadris, empurrando profundamente dentro de
mim.
“Você é meu maior pecado, Abriela”
Eu deixei aquela frase acariciar meu coração e a guardei numa caixa
de memórias imaginária, onde estavam “baby”, “você está linda”, “você
é incrivelmente bela” e cada um dos poucos e raros elogios que ele já
havia me feito.
Lucca saiu de dentro de mim e enfiou dois dedos, levando-os, em
seguida, à minha boca.
— Chupe, sinta o seu gosto.
Suguei seus dedos enquanto ele mergulhava dentro de mim outra vez,
e a cada estocada parecia ir mais fundo. Todo aquele monte de
sensações, o cheiro de sexo no ar, suas mãos fortes e calejadas, estavam
me deixando louca. Ele puxou sua mão, e eu gritei ao sentir os dedos
cheios da minha saliva e excitação em meu clitóris, onde ele beliscava e
acariciava, deixando-me à beira do orgasmo.
— Porra, Abriela — ele chamou como uma canção, cada palavra
acompanhada de uma investida em mim.
Olhei por cima do ombro, gritando, quando os primeiros espasmos
controlaram totalmente o meu corpo, e eu o senti mais apertado dentro
de mim, minha boceta o envolvendo quase a ponto da dor. Ele ia tão
fundo que eu mal podia respirar. Fiquei em meus joelhos, encostando
em seu peito, e envolvi as mãos em seu pescoço por trás, puxando-o
para um beijo que foi o seu fim. Logo ele se derramou sem reservas no
meu interior.Depois de nos recuperarmos, Lucca saiu de cima de mim e foi até a
janela. Acendeu um cigarro e observou a paisagem.
Tudo o que eu queria era ter o poder de ler a mente dele.
Saber o que se passava por trás de toda aquela dureza.
Enquanto o observava, a exaustão foi ganhando força, logo o sono me
engoliu.
Abri os olhos, e a primeira coisa que reparei foi que ainda estava
escuro. A segunda, era que minha perna estava sobre outra perna, e meu
braço estava sobre uma estrutura grande e forte. Além dos olhos, eu não
movi um músculo.
Puta merda.
Apenas fiquei ali, observando – agora muito alerta – como meu
marido parecia incrivelmente bonito e pacífico dormindo. Ainda tenso,
mas tão bonito.
Levantei um pouco a cabeça para olhar o relógio no criado-mudo do
lado dele, que marcava 4h17min da madrugada.
Tudo o que eu queria era levantar minha mão e acariciar seu rosto,
seu peito, seus braços. Mas sabia que já era sorte demais eu ter acordado
e nos pego daquela forma.
Lembrei-me que o que me despertou, para começar, foi a vontade de
ir ao banheiro, mas me obriguei a cancelar a ideia. Eu esfaquearia minha
bexiga se ela ousasse insistir no assunto.
Encarei-o por mais um tempo, mas logo meus olhos começaram a
pesar novamente.
Abusando da sorte, pousei a mão levemente sobre ele, exatamente
onde batia seu coração.
E meu último pensamento foi: será que estarmos dormindo daquele
jeito ainda fazia parte do meu pedido a ele? De que pelo menos naquela
noite ele me desse o que eu desejava? Ou dormíamos juntos sempre, e
eu nunca percebi?
Acordei como todos os dias, com o sol batendo no meu rosto e
sozinha.
Uma onda de decepção me bateu. Obviamente aquele momento na
madrugada não era algo que ele ia querer repetir. Se é que ele sabia
sobre aquilo. Mas diferente das outras manhãs, assim que fiquei de pé,
uma tontura me atingiu, vômito subiu pela garganta e corri até o
banheiro, ajolhando-me em frente ao vaso sanitário antes de colocar
tudo para fora.
Argh.
Eu nunca mais ia beber.
Ouvi meu celular tocar no quarto, mas ignorei. Precisava de um banho
e escovar os dentes.
Meia hora depois eu me sentia renovada.
Liguei a TV do quarto, colocando no noticiário local, e peguei o
celular na bolsa. Seis mensagens de texto, além de vinte e tantas
ligações.
Atenda! — Anita.
Irmã, se estiver acordada, pegue seu telefone, precisamos falar
com você. — Alessa.
Mas que merda! Para quê ter telefone? — Anita.
Não precisamos mais de você. Fique na sua viagem e nos esqueça.
— Anita.
Nós precisamos de você, sim, por favor, responda! — Anita.
Sua vaca egoísta, se não está nos atendendo porque está fodendo
com seu marido, eu desejo que o pau dele pare de funcionar agora!
— Anita.
Revirei meus olhos pela impaciência da minha irmã e suspirei.
Anita sabia como fazer um drama, mas a mensagem de Alessa
reforçando a urgência me preocupou.
Abri a porta da varanda, sentei na pequena poltrona florida e disquei o
número de Alessa.
— Grazie a Dio. — Ela atendeu agitada após alguns toques. — Está
tudo bem? Por que não atendeu?
— Eu estava no banho. E estou bem, mas acho que quem deveria
perguntar isso era eu. O que houve? — Ela demorou alguns segundos
para responder.
— Você sabe quando vai voltar? — Eu franzi a testa.
— Não sei, mas o que isso tem a ver?
— Olha, não quero atrapalhar esse seu tempo com Lucca, porque,
acredite em mim, realmente quero que esse casamento funcione pra eu
finalmente te ver feliz, mas... algo aconteceu.
— Alessa, seja direta! O que exatamente aconteceu?
— Bernardo, ele... — Meu coração parou.
— O quê aconteceu? — perguntei, novamente já temendo o pior.
Alessa não era de fazer tempestade em copo d’agua, então, se ela não
me esperou voltar era realmente sério.
— Ele está fisicamente bem, irmã, apenas...
— O que fisicamente quer dizer? Alessa, apenas fale! — O suspense
estava me irritando. Ela respirou fundo antes de soltar.
— Bernardo ficou noivo... de Evangeline.
Depois de eu e minha irmã termos mutuamente nos acalmado juntas,
fiquei sentada lá fora, pensando na grande merda que era meu irmão ter
que se casar com a pior pessoa que podíamos conhecer. Eu não duvidava
que ele já tivesse tido relações com ela, afinal, quem não teve? Mas daí
para casar? Absurdo total.
Nossa preocupação não era apenas a pessoa com quem ele iria ter que
se casar, mas o fato de que o pai dela quis meu irmão, apenas porque nós
somos agora – consequência do meu casamento com um DeRossi – a
segunda família mais importante do nosso círculo.
Bernardo odiava ser um fantoche, uma peça nos negócios da
Famiglia. Se eu pudesse me transportava para lá agora mesmo e
garantiria que meu irmão estivesse bem.
Suspirando, levantei-me e entrei no quarto. Pediria um bom café da
manhã para tentar me recompor. O volume da TV estava alto, e assim
que peguei o controle para desligá-la apareceu o vídeo de uma explosão.
Aumentei ainda mais o volume e colei o rosto na tela.
Desliguei a televisão e cai sobre a cama. Suspeitei na hora o que
realmente tinha acontecido.
Não. Ele não faria aquilo.
Lucca entrou no quarto naquele exato momento. Olhou para mim
brevemente e seguiu até a estante, onde habitual garrafa o esperava.
— Lucca — chamei calmamente. Seria errado da minha parte acusá-
lo.
— Estou ouvindo — respondeu, seco.
— Talvez seja apenas coincidência, mas você viu o jornal hoje? A
TV, eu digo. — Ele virou lentamente e inclinou a cabeça para me olhar.
— Esta é realmente a pergunta que você quer fazer? — Eu fechei os
olhos, negando-me a acreditar.
— Por quê?
— Negócios.
— É a vida de milhares de pessoas! Pessoas que agora perderam o
emprego, crianças que vão crescer e não terão esses lugares cheios de
história para visitar e conhecer. — Ele franziu a testa.
— Não me venha com essas merdas. Eu não me importo com a
porcaria da história deste país imundo; eles fodem a Itália, estão fodendo
a Famiglia. Ninguém nos prejudica e sai ileso.
— Ah, não? Então, você, o chefe da Famiglia, aparece nos dois dias
em que estes ataques acontecem. Eles vão revidar! — Aproximando-se,
ele pegou uma mecha do meu cabelo e colocou atrás da orelha,
lançando-me um olhar zombeteiro.
— Eu já te disse que não sou idiota. Por que eu atacaria a cidade onde
estou em lua de mel com a minha esposa? — Então, eu percebi.
— Você me usou — declarei.
Ele me olhou por um tempo.
— Se você quer chamar assim. Eu prefiro dizer que os dois
aproveitaram. Você conheceu uma bela cidade, e eu fiz o que vim fazer.
Satisfação mútua. Agora arrume suas malas. Tenho coisas a resolver na
Itália.
Ele se virou para sair, mas eu corri atrás. Enquanto lágrimas iam
caindo pelo meu rosto, comecei a desferir socos em seu peito. Chorando
e gritando.
— Você não me convidou porque queria passar um tempo comigo, eu
era um álibi, fui uma desculpa o tempo todo. Você não tem coração,
Lucca? Eu te odeio! Você é um monstro! Eu odeio você! Odeio você! —
Eventualmente ele segurou meus braços e empurrou-me contra a parede.
Eu ainda estava com o roupão pós banho, então, não houve
dificuldade alguma quando ele desfez o nó que me mantinha coberta, me
segurou contra a parede gelada e, erguendo minha perna, me penetrou.
Eu gemi, com o prazer de tê-lo e a dor de saber que eu nunca entraria em
seu coração.
Nós buscamos um ao outro com uma fome arrebatadora. Eu precisava
daquilo, precisava sentí-lo novamente. Bocas famintas e corpos lutando
em uma corrida pelo ápice.
Quando acabou, ele saiu de mim e me deitou na cama.
— Agora que você acordou e percebeu que sou realmente um
monstro, pare de sonhar. Nós vamos embora em uma hora.
Coloquei meus óculos escuros, para tentar esconder meus olhos
inchados e vermelhos do choro, e não olhei para Lucca durante todo o
caminho do hotel até o aeroporto de Estocolmo, nem de lá até o
aeroporto de Palermo. Quando chegamos na cidade, pedi a ele que medeixasse na casa do meu pai, e aquele foi o máximo de contato que
tivemos. Saí do carro fazendo questão de bater a porta. Toquei a
campainha e esperei que alguém atendesse. Reparei que o carro se
afastou assim que Gian, um antigo soldado de papai, abriu-a.
— Olá, Gian. Tem alguém em casa?
— Senhora DeRossi — acenou, e eu revirei os olhos pela
formalidade, per l’amor di Dio, o homem me viu crescer!
— Seu pai e Lorenzo estão no escritório, Bernardo esta no jardim e
suas irmãs provavelmente também estão lá.
— Obrigada. — Passei por ele e segui até os fundos, em direção ao
local onde meus irmãos conversavam. Não me preocupei em parar no
escritório, pois estava – ainda – chateada com papai e Lorenzo.
De longe, avistei Bernardo sentado em um dos balanços nos quais eu
e minhas irmãs costumavamos brincar. Ele raramente podia ir até lá e se
divertir conosco, apenas quando tinha tempo para ser criança.
Cheguei por trás dele e abracei-o. Ele alcançou minhas mãos em seu
pescoço e apertou-as levemente.
— Perguntava-me quando você ia aparecer e completar o trio na nova
missão “Como salvar Bernardo”. — Eu ri e fiquei de frente para ele.
— Isso em nenhum momento passou pela minha cabeça! — Bernardo
me acompanhou no sorriso e apertou meu nariz.
— Sua pequena mentirosa. — Ficamos em silêncio por algum tempo,
e o riso havia desaparecido.
— Como você está? — sussurrei.
Ele deu de ombros.
— Eu sabia que isso ia acontecer em algum momento. Se não fosse
pelos negócios, seria pelo papai querendo me dar uma lição sobre quem
manda.
— Eu odeio o que ele faz com você.
— Não se preocupe com isso, pequenina. Ele só não consegue aceitar
que eu não seja um chupa bolas como Lorenzo é. — Um sorriso irônico
se formou em seu rosto. — Pense pelo lado bom, vou poder comer
aquela bunda doce da Evangeline todos os dias. — Eu lhe dei um tapa
no braço e tentei – já falhando – segurar o riso.
— Você é um cretino nojento.
— O quê? Ela pode ser uma cobra, mas fode como uma deusa —
declarou, ainda rindo de mim.
— Vale a pena o bom sexo, se você vai ter que passar o resto da vida
convivendo com aquela boca venenosa dela?
— Eu posso sempre dar algo para ocupar aquela boca quando ela falar
demais. — Eu grunhi e me levantei.
— Eu desisto de falar com você! — Ele se pôs de pé também e me
abraçou, amassando-me.
— Eu estou brincando. Parece que rir é a única forma de me distrair
de toda essa merda. Mas e você? Voltou cedo da viagem, como foi? —
Eu o olhei por alguns segundos antes de vestir a minha máscara de
felicidade.
— Foi maravilhosa. Voltamos cedo, porque Lucca tinha trabalho
aqui, e eu também estava preocupada com você.
— Certeza que é isso? — questionou, desconfiado.
A vontade de me agarrar ao meu irmão e deixá-lo me proteger do
mundo, como ele sempre fez, bateu forte. Mas ele já tinha seus próprios
problemas com os quais lidar.
— É claro! Bom, eu vou falar com nossas irmãs.
— Sim, isso será bom. Ajude Alessa a acalmar Anita. — Eu bufei.
— Vou tentar. — Caminhei para longe dele, entrando na casa, e subi
as escadas.
No corredor, meus olhos bateram direto em meu antigo quarto. Uma
mistura de emoções me atravessou. Tantas lembranças e pura saudade.
Abri a porta, olhando minha pequena cama, a decoração de solteira e
os detalhes, e a única coisa que passou pela minha cabeça foi: lar.
Aquilo era certo? Conseguir chamar uma casa que nem era mais minha
de lar, e a minha própria, não? Fechei a porta atrás de mim e deitei na
cama. Afundei o rosto no travesseiro e fiquei.
A primeira lágrima veio na percepção de que a minha vida seria assim
para sempre, dor, tristeza, decepções, mentiras. Quando me casei com
Lucca, estava completamente certa de que podia fazer dar certo, que
com o tempo ele iria me amar. Que dali a um ou dois anos, quando
tivéssemos o primeiro filho, ele ficaria mais feliz ainda.
Ele teria orgulho de me chamar de sua esposa.
Mas aquilo não ia acontecer.
E se ele não podia me amar, eu conviveria com isso. Mas não podia
deixar de ter uma vida.
Ouvi a campainha tocar e me levantei. Corri até o banheiro e tentei ao
máximo disfarçar a cara de choro.
Quando cheguei no meio da escada, já podia ouvir uma comoção lá
embaixo. Desci os degraus correndo, meus saltos ecoando pela casa, e
parei quando vi minha irmã segurando Anita.
— Você não é bem-vindo nesta casa! Queira se retirar. — Luigi riu e
se virou para meu pai.
— Eu gosto de um show, você sabe, mas tenho assuntos mais
importantes a tratar. Então, se você puder levar essa garota problemática
daqui, antes que eu mesmo a leve, serei grato.
— Não sou problemática, seu imbecil!
— Anita! Você está ofendendo o Consigliere da Famiglia e nosso
convidado sem nenhum motivo. Saia agora! — papai quase gritava.
— Eu só saio quando este desgraçado sair, eu…
Eu já tinha visto o bastante.
— Luigi — entrei na sala e acenei para ele.
Um sorriso explodiu em seu rosto, e ele se aproximou, abraçando-me.
— Oh, você! Como vai a mais linda de toda a Itália?
Eu abri boca para responder, mas minha atenção foi para minha irmã,
que agora saia praticamente correndo dali.
Voltei-me para Luigi, que franzia a testa, olhando na mesma direção.
— Eu acho melhor isso não ser nada do que estou pensando. —
Cerrei os olhos.
Ele me olhou e sorriu, irônico.
— Ciúme? — Revirei os olhos e me afastei, andando até meu pai e
cumprimentando-o, depois fiz o mesmo com Lorenzo e, por fim, sentei-
me ao lado de Bernardo.
— O que faz aqui?
— Oh, você sabe! — Jogou a mão no ar com falso desdém. —
Desempenhando meu importante papel do dia. — respondeu, irônico.
— Lucca mandou me vigiar outra vez?
— Antes fosse. Estou aqui como oficial casamenteiro. É nessas horas
que eu tenho toda a certeza de que ele me odeia, quando me manda
cuidar de merdas como essa. — Apontou para Bernardo. — O
casamento do irmão rebelde com a prostituta de pedigree da Famiglia.
Eu me levantei num pulo, ficando no meio de um irritado Bernardo e
um Luigi que claramente queria briga. Empurrei meu irmão, afastando-o
do outro homem atrás de mim, e tentei controlar os dois.
— Luigi, seu cargo não lhe dá o direito de ofender a honra da noiva
de meu filho — papai declarou, aproximando-o.
Luigi bufou com uma gargalhada. Até mesmo eu me controlei para
não revirar os olhos diante das palavras de meu pai.
Bernardo o ignorou e aproximou-se novamente de Luigi. Rosnando.
— Foda-se como fala daquela puta. Mas você não entra na minha
casa, desrespeita uma de minhas irmãs, flerta com a outra que, além de
tudo é sua cunhada, e ainda me ofende, rotulando-me de rebelde. —
Luigi o encarou com um sorriso perverso no rosto e deu uma risadinha.
— Devo dizer que sempre gostei mais de você do que daquele ali. —
Apontou para Lorenzo.
O sorriso foi embora de seu rosto, e ele encarou meu irmão, que
estava sério.
— Peça-me desculpa pela forma como acabou de falar comigo,
desculpe-se pelo o que insinuou de Abriela, e eu cancelo esse
casamento.
Bernardo era presunçoso demais e nunca se desculparia, Luigi sabia
disso. Homens eram orgulhosos por natureza. Homens da Famiglia eram
mil vezes mais.
— Eu não preciso da sua ajuda para nada — Bernardo declarou
calmamente, e Luigi sorriu de volta.
Suspirando, ele deu um beijo em minha cabeça e foi em direção à
porta, mas, antes de sair, virou-se e disse:
— Parabéns, noivo do ano! E se não se importar, pode me avisar a
data do casamento? Eu gostaria de visitar sua futura esposa antes de ela
se tornar oficialmente uma Bonucci. — Ele fingiu estar desapontado
quando disse. — Vou sentir falta da boca de aspirador que ela tem.
Quando a porta bateu, eu não me movi. Bernardo saiu da sala pisando
fundo, e eu pensei que era melhor deixá-lo sozinho naquele momento.
O que Luigi disse era um absurdo, e eu prometi a mim mesma que iria
dar uma bronca nele por isso. Mas mesmo que fosse ruim ter ouvido, era
algo quemeu irmão iria escutar muito.
E mesmo se não fosse na sua frente, seria pelas costas.
Tentei falar com minhas irmãs antes de ir embora, mas Alessa não
estava em casa, e Anita se trancou no quarto. Não abriu a porta nem
mesmo para mim.
A suspeita que estava na minha cabeça era assustadora, mas eu não
tinha dúvidas de que algo estava acontecendo entre eles. Ou havia
acontecido.
Despedi-me de Bernardo rapidamente e saí da casa.
Logo quando estava agradecendo aos céus por poder passar um tempo
longe da máfia, de soldados e do meu… marido, vi o carro que Juliano
usava aproximar-se.
Suspirei, derrotada, e entrei quando ele abriu a porta.
— Eu poderia pegar um táxi, Juliano. Ou apenas ir andando —
murmurei, brava.
— Com todo o respeito, Senhora DeRossi, mas pode dizer isso ao
chefe, porque ele só me passa as coordenadas. — Eu bufei.
— Ele está em casa?
— Não, senhora. — Suspirando, encostei a cabeça no banco e fechei
os olhos. Pelo menos eu poderia chegar em casa e ficar um tempo
sozinha antes que ele voltasse.
Enquanto tomava café, perguntava-me mais uma vez onde é que meu
marido estava que não voltou para casa.
Exatamente.
O desgraçado não voltou, não ligou, não mandou uma mísera
mensagem. Não que isso fosse uma surpresa, pois nunca fez nada disso
antes. Fui dormir preocupada e acordei mais ainda.
Só me tranquilizei quando Juliano avisou que Lucca estava bem. E
que noites como aquela, em que ele não voltava para casa, eram
frequentes.
Eu pensei e me lembrei que, realmente, Lucca havia me avisado que
aquilo aconteceria. Só não pensei que fosse sério.
Não havia nada para fazer, então, coloquei um vestido florido – como
sempre –, e enfiei meus pés numa linda bota. Procurei Juliano pela casa
e o encontrei conversando com o jardineiro nos fundos.
— Bom dia, Juliano. Eu gostaria de ir comprar algumas coisas, mas
posso pegar um táxi se você estiver ocupado — falei assim que ele se
aproximou.
Eu sabia que ele me diria um lindo não, mas não custava nada tentar.
— Boa tentativa, senhora DeRossi, e boa tarde, se me permite dizer.
A senhora pode me dizer aonde quer ir?
— Eu quero comprar comida, doces. Você pode ir até aquela avenida
dos comércios. — Minha boca encheu de água só de pensar nas
maravilhas que havia para comer naquele lugar.
Quando chegamos, pedi que Juliano parasse. Saí do carro sem esperá-
lo abrir a porta e fui andando. Num pulo ele estava alguns passos atrás
de mim. Continuei andando pelas lojas, parando, entrando e comprando
tudo que dava vontade. Eu era louca por doces e estava sempre
comendo. Anita odiava isso, dizia que era ruim para a saúde, que eu não
me exercitava e blábláblá.
Eu era o tipo de pessoa que agradecia todos os dias por existirem
clínicas e procedimentos estéticos. Tudo o que a comida causava que me
incomodava, eu marcava um horário e plim! Feito, tudo no lugar.
Nível de preguiça altíssimo, e eu acreditava que jamais mudaria.
Entrei num Pet Shop para comprar comida para peixes. Reparei que
havia um lago perto do condomínio, cheio de peixinhos. Nunca tinha
nada para fazer, então, poderia ir até lá e alimentá-los.
Fiquei olhando tudo em volta quando um pequeno folheto no balcão
me chamou a atenção.
— Tão fofo, não é? — a atendente perguntou, ao me ver observar o
panfleto. — Aqui está a comida, pode fazer o pagamento no balcão na
saída.
— Ele é tão pequeno e peludo. Parece uma rapozinha — comentei
ainda observando a folha com algumas fotos de cachorrinhos.
— É um Spitz Alemão. Existem três tipos. Este é o anão.
— Quais os cuidados com ele? — Só podia estar ficando louca.
Nunca fui muito de bichinhos de estimação, mas aquele era tão pequeno
e gorducho, com aqueles olhinhos fofos... Eu o quis no mesmo
momento.
Minha vida era uma rotina agonizante, e, certamente, ter companhia
seria bom.
Ela me explicou sobre cuidados e disse tudo que eu precisava saber.
Eu estava encantada. Por sorte aqueles folhetos estavam ali, a moça da
loja os tinha esquecido no balcão, pois os cãezinhos só eram vendidos
por encomenda, mas a sorte estava ao meu lado, e a van que os levaria
para outro lugar tinha se atrasado e eles ainda estavam na loja.
Sorri com o pensamento. Eu não tinha seu amor, muito menos seu
respeito, mas podia usufruir de sua riqueza à vontade.
E lá estava eu, com aquela bola de pelo minúscula a caminho de casa.
Ele era tão pequeno e cabia tão bem no meu colo que eu não queria
soltá-lo nunca mais, e me perguntei por que demorei tanto tempo para
ter um bichinho.
Assim que saí da loja, dei de cara com Juliano. Ele tirou os óculos
escuros e pela primeira vez eu vi um quase sorriso no rosto do homem
sério.
— Senhora... — Eu ri de sua falta de jeito e continuei a andar até
onde o carro estava estacionado.
— Já podemor ir, Juliano.
Passavam das duas da tarde quando pisei dentro de casa. Estava tão
animada com o cachorrinho que nem me dei conta do problema em ter
um animal de estimação: Lucca.
Enquanto a pequena bolinha se remexia em meus braços, eu pensava
em mil e uma maneiras de mostrar o cãozinho ao seu “pai”.
Uma gargalhada sem graça nenhuma escapou de mim por conta dessa
palavra.
Pai.
Algo que ele claramente não queria ser. Mas isso valia apenas para
uma criança, certo? Bem... eu não tinha nenhuma certeza. Coloquei a
bolinha no chão e assim que ele começou a saracutiar pela sala, minha
alegria voltou. Esqueci-me até mesmo do meu marido.
Mandei um vídeo dele correndo com as pequenas patinhas
descoordenadas para Anita, Alessa e para Bernardo. Minhas irmãs
acharam graça e, assim como eu, ficaram encantadas de primeira.
Bernardo ficou bobo também, mas me perguntou se eu tinha perdido o
juízo, já que não cuidava nem de mim imagine de um cachorro. Por fim,
disse que iria ligar sempre para zelar pela vida do meu novo bebê.
Estava tirando meus sapatos quando ouvi vozes vindas do corredor. Já
fiquei em alerta.
Minha bolinha correu na mesma direção do barulho, e foi quando
Lucca e mais quatro homens surgiram de lá. Bolinha estava agitado,
correndo e batendo bobamente nos pés dos homens. Eu me coloquei de
pé e o peguei, sorrindo sem graça.
— Senhores, peço desculpas, ele ainda é um bebezinho.
Eu era tão estúpida. Não seria dificuldade nenhuma para Lucca
apenas dar um tiro no meu cachorro. E eu podia jurar que ele faria isso,
só pela cara com a qual estava me olhando.
O mais velho sorriu e passou a mão pela cabeça do cãozinho.
— Minhas netas têm um, nunca se cansam de brincar. — Sorri e saí
do caminho deles. Lucca passou por mim, levando os homens até a
porta. E logo estava de volta.
Peguei bolinha e fiquei parada olhando para ele, que estava de costas,
servindo-se de algo no bar.
— O que é essa coisa nos seus braços?
— Esta coisa é meu novo cachorrinho.
— Eu não me lembro de ter dito que você podia comprar um. — Ele
se virou, com o copo na mão.
— Bem... eu o vi e o quis. E ele não dá muito trabalho, você não vai
nem mesmo notar sua presença. Eu prometo! — Forcei um sorriso. —
Ele ainda não tem um nome, você quer me ajudar a escolher?
— Você sabe que eu sou bom com facas, certo? — Assenti,
estranhando o tópico. — Quão difícil você acha que seria, para mim,
acertar uma nele e eliminar este incômodo desta mesma distância? — Eu
dei um pulo para trás. Horrorizada.
— Isso... Por Dio, Lucca, isso é assassinato! — Ele me olhou por
alguns segundos, então, colocou as duas mãos tampando o rosto.
Eu estranhei.
Então ouvi um barulho. E estranhei mais ainda. Quando menos
esperei, ele tirou a mão do rosto e riu.
Uma gargalhada de tremer o corpo todo.
Eu fiquei maravilhada.
Ele era tão bonito, e todo seu rosto iluminou.
Ele se apoiou na estante, e sua risada reverberou pelo cômodo. Eu
nem tinha notado que estava sorrindo também.
— Então... Não há problemas em eu já ter matado mais pessoas do
que posso contar, mas o cachorro é assassinato?— Eu ainda estava
desacreditada.
— Lucca... sua risada é a coisa mais bonita que já ouvi.
Quando eu disse isso, foi como se um alarme tivesse disparado para
ele. O sorriso morreu, o olhar iluminado foi perdido, não havia mais
nada. Apenas a fria casca novamente.
Eu dei um passo para perto dele.
— Lucca, eu... — Ele levantou a mão.
— Mantenha o cachorro longe de mim. Ou já prepare a cova dele. —
Sem mais, ele saiu.
Fiquei olhando para a porta, por onde ele saiu, e lamentei. Sentei-me
no chão com a bolinha e fiquei fazendo carinho nele.
— Eu e minha boca maldita. — Ele se aconchegou a mim, como se
sentisse minha tristeza.
De longe, ouvi o toque do telefone, mas a preguiça de levantar
venceu. Fechei os olhos e esperei que o barulho infernal parasse.
— Telefone para você, menina!
— Jesus, dona Goretti, que susto! — Eu reclamei, porque ela adorava
me pegar desprevenida.
Ela riu e esticou o telefone.
— É a senhora DeRossi. — Coloquei bolinha no colo da mulher e me
levantei num pulo, já pegando o telefone.
— Giorgia?
— Olá, querida! Soube que voltou de viagem. Estou com saudades.
— Meu coração se encheu de amor com suas palavras.
— Oh, eu me sinto horrível por não ter ligado, mas voltei e tive que
correr na casa do meu pai. Como você está? Estou com saudades
também!
— Vamos resolver isso agora, então. Peça a seu segurança para trazê-
la ao Palazzo. Eu estou aqui, então, podemos tomar um chá juntas. O
que acha?
— Acho perfeito. — Comecei a andar, para ir atrás de uma carona,
mas parei. — Lucca está em casa.
— Oh. — Ela ficou quieta por alguns segundos antes de falar
novamente. — Apenas saia daí. Enquanto você vem, vou ligar para ele.
— Provavelmente é melhor que eu não faça isso. — Eu diria que
provavelmente era um eufemismo.
— Eu estou sentada no restaurante já lhe esperando e vou desligar
aqui para discar o número dele. Beijos.
— Mas Giorg... — Ela desligou. Encarei o telefone, pensando
seriamente se minha doce sogra estava querendo me colocar numa
enrascada.
Mas entre ter de enfrentar a fúria do meu marido agora ou deixar que
a mãe dele o acalmasse, eu ficava com a segunda a opção.
Calcei minhas botas novamente e peguei minha bolsa antes de correr
para fora da casa. Logicamente evitando encontrá-lo.
Olhei em volta e vi um soldado se aproximando.
— A senhora precisa de algo?
— Você viu o Juliano?
— Ele saiu com o chefe. Há algo que eu possa fazer? — Eu pensei
por alguns segundos, mas sabia que ele era minha única opção.
— Tudo bem. Eu preciso chegar ao Palazzo. — O homem assentiu e
me pediu para esperar que ele pegasse um carro.
O Palazzo não ficava longe de onde morávamos, então, em menos de
20 minutos havíamos chegado. O soldado, que descobri ser chamado de
Nando, seguiu-me por todo o lugar. Assim que entrei no restaurante,
avistei Giorgia. A ansiedade para vê-la quase me fez correr até a mesa,
mas mantive a postura e deixei para demonstrar toda a saudade quando
nos abraçamos.
Quando nos soltamos, ela me segurou pelos ombros e me analisou por
completo.
— Está tudo bem?
— Na medida do possível — respondi, forçando um sorriso.
Nós nos sentamos e pedimos o café da tarde. O Palazzo era um dos
melhores lugares para se ter uma tarde tranquila e uma boa refeição em
Palermo.
— Eu soube o que aconteceu na Suécia. Sinto muito, querida. —
Peguei sua mão por cima da mesa e sorri.
— Você precisa parar de se desculpar pelos erros do seu filho. Estou
começando a não me decepcionar mais com as coisas que ele faz, apenas
me surpreendo.
— É um costume que adquiri ao longo dessa vida como mãe deles. —
Ela riu.
— Eu sei. — Ficamos alguns segundos em silêncio depois que nosso
pedido chegou. — Hoje algo aconteceu.
Ela ergueu as sobrancelhas enquanto levava sua xícara à boca.
— Algo bom, eu espero.
— Conversei com Dante alguns dias atrás, e ele me contou sobre as
duas semanas que Thom manteve Lucca longe de casa, quando era
pequeno. — Ela abaixou a cabeça, e seus olhos perderam todo o brilho
quando balançou a cabeça positivamente.
— Infelizmente lembro-me dessas duas semanas infernais longe do
meu bebê.
— Dante disse que quando Lucca voltou, ele não era mais o mesmo.
Não brincava, não conversava, não sorria... e hoje...
— O quê? O que houve hoje?
— Eu sei que não devo me iludir, ou criar esperanças, mas... eu
comprei um cachorrinho esta tarde. Quando cheguei em casa, Lucca
estava lá. Acontece que durante uma breve conversa, eu disse algo, e ele
riu. Não foi uma risada forçada ou irônica, ele gargalhou de verdade! —
contei entusiasmada. Giorgia apenas me olhava de boca aberta.
— Eu não me lembro qual foi a última vez que o vi rir. Acho que
desde que tornou-se um homem adulto, não sei como é o som de sua
risada. — Ela parou de falar e de repente um sorriso surgiu em seu rosto.
— Ele riu. — Eu assento sorrindo, enquanto explodia de felicidade por
dentro. — Não é ridículo? Eu e você sentadas aqui, totalmente abobadas
apenas porque meu menino mostrou os dentes. — Ela alcançou minha
mão por cima da mesa e deu um leve aperto. Uma lágrima escapou de
seus olhos. — Não perca as esperanças.
Eu não tinha como dizer a ela que não iria perder, porque, afinal, o
filho dela não era nada fácil de lidar.
Ela segurou minha mão em um aperto firme e sorriu.
— Agora é muito mais fácil lutar. Sei que meu filho está em boas
mãos.
— As vezes eu quero acreditar que serei o suficiente, mas ele vem e
me desarma completamente.
— O que seu coração te diz?
— Para ir em frente, para fazer o que for preciso por ele. — Giorgia
assentiu, seus olhos brilhavam.
— Então continue lutando, querida. Continue lutando.
Lucca não estava em casa quando cheguei, e eu realmente fiquei grata
por aquilo.
Fui até a cozinha falar com dona Goretti e a encontrei conversando
com o senhor Jaros, nosso jardineiro.
— Humm... Será que esse cheiro maravilhoso é de um de seus bolos,
dona Goretti? — perguntei entrando no cômodo.
Seu Jaros se pôs de pé num pulo e tirou o chapéu.
— Senhora DeRossi. — Eu sorri e acenei.
— Aquele jardim está cada dia mais bonito, suas mãos são mágicas.
— Muito obrigado, senhora. Eu faço o melhor que posso.
— Menina, eu não sabia onde colocar seu novo mascotinho, então,
acomodei-o no menor quarto da casa. Tem umas caixas guardadas lá. E
eu estou fazendo bolo, sim. De chocolate. — Bati palmas, empolgada, e
dei um beijo na bochecha da senhora.
— Vocês são as melhores pessoas! Vou tomar um banho. Pode levar
um pedaço dessa maravilha em meu quarto quando esfriar?
— Vou demorar um pouco ainda, falta a cobertura, mas levarei.
— Obrigada! E sobre meu lindo cãozinho, para qual eu ainda nem
mesmo escolhi o nome, vou encomendar pela Internet as coisas dele.
Ela assentiu sorrindo, e eu rapidamente sai de lá. Estava sonhando
com a banheira.
Acordei deitada no meio de dois corpos. Anita alisando meu cabelo, e
Alessa olhando para o teto.
— Que bela forma de acordar alguém. Sei que vocês me amam, mas
não precisa de tanto. — Eu brinquei enquanto me sentava.
Fiquei em alerta assim que vi que Anita não sorria nem brincava
como de costume, e Alessa nem me olhava nos olhos.
— Impressão minha ou algo está errado? — Anita apertou os lábios
juntos e se sentou de frente para mim. Pegou minhas mãos e apertou.
— Irmã... precisamos falar algo com você.
Enquanto esperava nervosamente para ouvi-la, pulei da cama, de
repente lembrando que Lucca já deveria ter chegado e que estaria, muito
provavelmente, louco de raiva pela minha pequena saída daquela tarde.
— Dio, vocês podem esperar um minuto? — perguntei, enquanto
colocava um roupão. — Eu preciso falar com meu marido, saí essa tarde
e nem sequer falei com ele, preciso...
— Irmã... — Alessa parou na minha frente e segurou meus ombros.
— Sente-se aqui, está bem? E vamos conversar.
— Sim, Alessa, nós podemos conversar, eu só preciso...
— Ella!— Anita gritou. — Lucca não está aqui! — Eu suspirei
aliviada e sorri para elas.
— Bem, então vamos falar agora. — Caminhei até a cama e sentei-
me, enquanto as duas ainda estavam paradas de pé, olhando para
qualquer lugar menos para mim. O sorriso foi lentamente se desfazendo
em meu rosto quando comecei a juntar as coisas. — Sobre o que vocês
querem falar? — Não tendo nenhuma resposta, perguntei mais alto
daquela vez.
— Irmã, o carro dele... — Alessa começou. E eu pude sentir minha
garganta começando a apertar.
— O quê? — sussurrei, mesmo tendo certeza de que eu não gostaria
de ouvir. 
Anita se aproximou e sentou-se perto de mim novamente. — São quase
sete da manhã, Goretti nos disse que você dormiu logo que chegou...
ontem.
Eu fiquei espantada com o quanto tinha dormido, mas minha atenção
ainda estava sobre o carro.
— O que houve? Com o carro? O carro... e-ele, Lucca está...
— O carro que ele estava com Juliano explodiu, junto com um dos
armazéns da Famiglia nesta madrugada. Eles o estão procurando, irmã,
mas tudo indica... — Alessa não terminou a frase quando um soluço me
escapou, e eu deixei minha cabeça cair sobre o colchão. Não podia
acreditar naquilo. Não. Mesmo.
— Tem que ser um engano, precisam encontrá-lo, ele é o dono de
tudo isso! Como pode... C-co-mo? Oh, Dio! Meu Lucca. Não.
Elas caíram do meu lado, segurando-me enquanto eu chorava. Mesmo
que não entendessem o porquê das minhas lágrimas – e nem eu entendia
–, elas ficaram comigo.
— Shh, querida... Luigi e Dante estão em contato conosco. Vamos
saber quando o encontrarem. — Eu segurei seu rosto, olhando
profundamente em seus olhos verdes.
— Vivo, irmã. Eu preciso dele vivo, comigo! V-você t-tem que m-me
promet-ter! — Ela deixou uma lágrima escapar e fechou os olhos.
— Eu prometo.
— Eu preciso dele! — supliquei a ela, porque era verdade. A mais
dolorida, mas eu precisava dele comigo. Sem nem ao menos entender
direito os meus sentimentos, uma certeza invadia meu peito: eu
precisava de mais tempo para mostrar a ele que podíamos ser bons
juntos, que ele podia aprender a ser feliz outra vez, mas para isso...
precisava dele comigo.
— Eu sei, eu prometo. — Alessa olhou para Anita, sabendo que era
uma promessa já quebrada. Ela não podia me prometer aquilo.
Nenhuma delas podia. Ninguém podia.
Quando minhas lágrimas e os soluços já não eram tão intensos, Anita
buscou um copo de água. Elas queriam que eu tomasse um calmante,
mas qual era o sentido? Eu acordaria sabendo que ele não estaria aqui.
— Eu sei que vocês estão pensando em como sou idiota por estar
chorando por isso.
Anita suspirou.
— Não entendo, mas não vou te julgar. Imagino que não haja como
mandar no coração.
— Anita — Alessa interrompeu.
— Todos sabemos sua opinião sobre Lucca, mas este não é o
momento.
— Tudo bem — sussurrei. — Eu não entendo por que não posso
simplesmente pular de felicidade com a possibilidade de ele estar... —
respirei fundo. Não podia nem mesmo dizer a palavra. Era como se uma
faca fosse cravada no meu coração.
— É o seu coração, Ella. Ninguém pode condená-la por seus
sentimentos.
— Ele é a pior pessoa que já conheci em toda minha vida — eu disse,
ignorando o que Alessa tinha dito.
A sensação era de que eu iria explodir com tudo o que vinha
guardando. Estava sentada diante das duas pessoas a quem eu confiria
até a mesmo minha vida de olhos fechados e não podia lidar com tudo
aquilo por muito mais tempo. Senti os olhos das duas em mim, apenas
esperando. Eu as conhecia, mas elas me conheciam ainda mais, e sabiam
que algo estava por vir.
Não aguentando mais, falei sobre nossa primeira vez. Do que eu
esperava que não aconteceu, falei que pra ele o que fazemos não é amor,
da sensação do toque dele na minha pele – como fogo. Contei sobre o
jantar e como me senti humilhada, além da fatídica noite em que
discutimos e ele me machucou. Desabafei sobre tudo.
— Se ele não estiver morto, vou matá-lo — Anita declarou um tempo
depois de eu finalmente ficar em silêncio.
— Senti hesitação uma vez nos olhos dele, como se a dor que viu em
mim o incomodasse. Mas foi tão rápido que às vezes me pergunto se foi
real ou só parte da minha fantasia ridícula de que ele poderia se importar
comigo. — Alessa suspirou.
— Ele se importa irmã. — Eu bufei e ela me olhou seriamente. —
Você é minha irmãzinha e, acredite em mim, eu o mataria se não
achasse que se importa com você. Todos têm uma história, eu não sei
quão distorcida a dele é para que seja assim hoje, mas há algo de bom lá.
Eu já vi. — Franzi a testa olhando para ela.
— Como assim? — Ela balançou a cabeça e suspirou, desviando o
olhar.
— Não importa, mas me escute. Quanto maior for a sua luta, maior
será a vitória. Então, não desista.
Eu olhei para Anita, que estava cerrando os olhos para nossa irmã, tão
curiosa quanto eu sobre suas palavras. Por fim, Alessa levantou-se e
pegou seu celular antes de sair do quarto.
— Vou tentar falar com Luigi.
Anita olhou para a porta alguns segundos antes de virar-se para mim.
— O que essa louca está querendo dizer? — Eu dei de ombros,
também querendo saber.
— Eu não faço ideia. — Ela me encarou por um tempo, então,
apontou o dedo.
— Não me esconda mais merdas como essas que você acabou de
vomitar aqui.
Eu revirei os olhos e levantei-me da cama, decidida a tomar um banho
e ficar pronta para qualquer coisa que o dia jogasse para cima de mim.
Coloquei os pés no chão e quase cai quando minha visão ficou escura,
em uma tontura de arder o cérebro.
— Uou, linda, vai com calma.
— Eu tenho tido essas tonturas, é um saco. — Anita me segurou.
— O que quer dizer com tem tido?
— Tonturas, pela manhã.
— Você vomitou? — Eu a olhei confusa.
— Apenas uma vez, o que isso tem a ver? Preciso de um banho,
Anita.
— Você tem tido tonturas, vomitou e dormiu da tarde de ontem até
agora. Diga-me que sua menstruação veio desde que se casou — ela
desafiou com as mãos na cintura.
— O que você...
— Diga. — Revirando os olhos, passei por ela e entrei no banheiro.
— Não, mas isso não me preocupa, eu já fiquei meses sem meu ciclo,
não é novidade.
— Mas antes você não tinha um pênis gozando em você. — Eu a
olhei escandalizada.
— Anita! Não importa quanto tempo eu passe com você, nunca vou
achar essa linguagem normal. Enfim, essas coisas são particulares
minhas, e eu não...
— Eu aposto meus lindos seios enormes e naturais que você está
grávida. — Parei o que estava fazendo e arregalei os olhos para ela.
— Não diga isso nem de brincadeira!
— É um fato.
Voltei para meu banho, jogando suas palavras para o fundo da
memória e fingi que ela não estava lá.
— Eu estou ligando agora para um consultório no centro. É melhor
prevenir do que remediar. — Ignorei-a novamente e me neguei a pensar
por um segundo no que ela disse. Ouvi seus passos se distanciando e
respirei fundo. Deixei meu olhar cair em minha barriga, e meu coração
acelerou.
— Por favor, não faça isso comigo.
Saí do banheiro mais tensa do que nunca, mas estava confiante de que
iria esquecer a loucura que Anita jogou para cima de mim.
— Horário marcado.
Eu gritei, colocando a mão no coração pelo susto.
— Santo Dio! Você quer me matar? — Ela riu e se jogou na cama.
— Temos uma hora e meia para chegar lá. Alessa não pode ir, e eu
não a convidei. na verdade.
— Eu não quero! Você perdeu a parte que eu falei que Lucca
ameaçou uma futura criança? Ele vai nos matar se sequer existir algo
além de mim neste corpo. — Anita revirou os olhos e levantou-se.
— Eu quero você pronta em meia hora.
— Anita...
— Você prefere já saber ou ser pega de surpresa depois?
Eu a olhei, pensando seriamente naquilo. Fui até o closet, coloquei
um vestido e qualquer sapato, e voltei para o quarto.
Respirei fundo e assenti.
Deus, por favor... não.
— Não acredito que você me convenceu a isso — lamentei, mais do
que arrependida, sentadana recepção do consultório médico.
— Oh, por favor, irmã! Não seja tão covarde, eu adoraria que você
tivesse um bebê.
— Bebê esse que morreria igual a mim assim que seu pai soubesse de
sua existência. — Ela franziu a sobrancelha.
— Ele não faria isso, eu já te disse. Cão que late demais só quer
assustar, mas, no fim, não morde. Esse é o seu marido.
— Você não sabe sobre isso — resmunguei.
Bufando, ela segurou meu rosto antes de falar calmamente.
— Querida, vocês têm fodido por semanas, um mês, eu não sei. E
vocês não têm se protegido de nenhuma forma, pelo que me disse.
Lucca é um cretino, mas não é idiota, ele sabe como não fazer bebês e
não tem evitado isso com você. Agora relaxa!
— Ele mandou eu tomar as pílulas.
Voltei a olhar para frente quando ela me soltou e não tive tempo de
pensar sobre aquilo, pois a médica já estava me chamando.
Anita ficou de pé e me estendeu a mão, encorajando-me. Respirei
profundamente antes de me levantar e começar a caminhar para dentro
da sala. A coisa toda foi um borrão para mim. A médica tentou ser o
máximo simpática possível, mas com meus pensamentos divididos entre
o perigo que Lucca poderia estar correndo e a possibilidade de uma
gravidez, eu estava aérea e nem um pouco amigável. Anita era a única
que conversava com a mulher e segurava a minha mão todo o tempo. Eu
tirei sangue, fiz xixi num palito e até mesmo abri as pernas em cima da
maca, enquanto a doutora enfiava algo, que eu nem mesmo quis saber o
que era, dentro de mim.
Quando, enfim, me vesti, minha irmã depositou um bolo de dinheiro
em cima da mesa e sorriu docemente para mulher, dizendo que nós
tínhamos pressa. Saímos de lá com a garantia de que no dia seguinte de
tarde, no máximo, eu receberia os resultados. Enfim podia ir para casa,
mais do que aliviada.
Só precisava que ele voltasse, e rápido.
Deitada na cama, eu olhava para o relógio constantemente, 1h17min.
Quase 18 horas de agonia sem fim, desde que eu soube que meu marido
poderia não voltar mais para casa. Nem mesmo a possibilidade de um
bebê acalmou a tempestade dentro de mim. Pelo contrário, assustou-me
mais ainda. Não só porque se realmente houvesse um bebê, eu morreria,
e ele também.
Eu não tinha como dizer se aquilo era apenas uma ameaça ou era
verdade, mas não queria arriscar. A fagulha de emoção, de esperança
sobre realizar meu sonho de ser mãe, foi jogada de lado.
De certa forma, eu preferia assim.
Uma criança no meu mundo seria condenada a uma vida miserável.
Ou ele seria um menino, que ocuparia seu lugar na máfia; ou seria
uma menina, criada para ser uma boa esposa e mãe. Sem direito a
sonhos.
Meu celular começou a tocar do meu lado, e não perdi tempo em
atender.
O nome de Luigi brilhou na tela.
— Ei! Alguma novidade?
— Não, bonita, nada — suspirou.
Deixei a cabeça cair sobre os travesseiros.
A esperança diminuía a cada minuto.
— Eu vou te dizer, mas apenas porque você é a esposa dele.
— O que foi?
— Thom quer parar de procurá-lo. Quer apenas fazer uma reunião
com os Capos e anunciar que meu irmão... — Luigi não terminou de
falar, e não precisava. Eu odiava Thomas DeRossi mais ainda agora.
— Luigi, por favor, não pare — sussurrei. — Você precisa trazê-lo de
volta para mim.
— Acredite em mim, querida, não vou permitir de maneira alguma
que Thom tome esse tipo de decisão. Está tudo uma bagunça por aqui,
mas vou encontrar meu irmão, vivo ou morto.
— Eu respirei aliviada.
— Você acha que tem alguma chance de...? — Ele ficou em silêncio
antes de falar novamente.
— Eu não sei, a bomba estava no carro. E quando foi ligado,
explodiu. Foi o carro, o armazén e o prédio ao lado.
— Isso é muito entulho.
— Mas não não significa que eu ou Dante vamos desistir.
— Obrigada, Luigi. Diga a Dante que agradeço. Sei que vocês fariam
isso de qualquer forma, mas o fato de estarem me mantendo atualizada
significa muito.
— Disponha, querida. Ouça, preciso desligar agora.
— Certo, hum, sua mãe está em casa?
— Ela está, ligue para ela, vou manter as duas informadas.
— Farei isso. Adeus, Luigi.
— Se precisar de algo, me ligue. Fique bem, bonita. — Ele desligou.
Respirando profundamente, disquei o número da minha sogra.
Giorgia não parecia muito diferente de mim. Eu não podia vê-la, mas
podia sentir a tristeza em sua voz. Contudo, claro que ela manteve a
postura, consolando-me e não dando espaço para ser consolada. Eu
admirava sua força.
Depois de nos despedirmos, deixei o telefone de lado e fechei meus
olhos.
Só queria paz. Provavelmente não a conseguiria, pois mal me
acomodei, logo ouvi um barulho vindo do andar de baixo – vidro
quebrando e passos pesados.
Levantei da cama num pulo. Concentrei-me em respirar fundo e tentar
manter a calma. Não ouvindo mais nada, ponderei entre ficar no quarto e
me esconder ou descer. A casa era cercada por guardas, e eu não tinha
dúvidas de que pelos corredores também havia alguns. A adrenalina e o
medo pulsavam na mesma batida.
Apertei o roupão em meu corpo e abri a porta; o chiado da madeira
não ajudou em nada. Coloquei a cabeça para fora e olhei para os dois
lados do corredor. Vendo que não tinha ninguém, corri na ponta dos pés
até a escada e comecei a descer lentamente. Parei no meio por alguns
segundos, apenas para tentar ouvir algo. Ainda em silêncio, continuei
descendo.
Ao colocar o pé no último degrau, senti meu corpo ser puxado,
batendo direto contra um peito rígido atrás de mim. Em pânico,
preparei-me para me esgoelar por socorro até que a mão de quem quer
que fosse se fechou sobre minha boca. Não pensei duas vezes quando
comecei a me debater contra o homem que me segurava.
— Pare! — aquela voz. Congelei no mesmo momento. Ele tirou a
mão da minha boca e abaixou-se, erguendo-me em seus braços e
praticamente voando escada acima. Quando entramos no quarto, ele me
colocou no chão e fechou a porta, virando-se para mim logo depois.
Assim que pus meus olhos nele, lágrimas vieram aos meus olhos.
— Lucca — sussurrei, ainda não tendo certeza se era realmente ele
ali. Movi os olhos para seu corpo, lentamente analisando. Sua camiseta,
antes branca, tinha um rasgo coberto de sangue no ombro, e suja por
inteiro de do que parecia ser fumaça e poeira. Seu cabelo ficou
completamente acinzentado. — Você realmente está aqui? — Ele
franziu a testa enquanto me olhava.
— Por que está chorando?
— Fui ao inferno e voltei pensando que você estava morto! Agora
você aparece cheio de sangue e completamente sujo. O quê aconteceu?
— Fale baixo! — rosnou. — Ninguem sabe que estou aqui. Tentaram
me matar.
— Como ninguém sabe?
— Apenas você. E que merda de vestimenta é essa? Eu tenho homens
vigiando essa casa, comece a se vestir de forma decente antes de sair
deste quarto!
— Eu não planejava sair. Estava ao telefone com sua mãe e quando
desliguei ouvi um barulho lá embaixo. Fiquei com medo.
— Você fica com medo e decide que é inteligente sair do quarto para
ir ver o que é?
— Eu não podia ficar aqui parada. — Ele balançou a cabeça antes de
suspirar.
— E eu achando que você era esperta, Abriela. Um soldado me viu.
Eu não podia arriscar que ele abrisse o bico.
— Você conversou com ele? Pediu que não dissesse nada a ninguém?
— indaguei e depois acrescentei, indignada: — E eu sou esperta. —
Lucca levantou uma sobrancelha.
— Me prove isso tentando não dar uma de heroína na próxima vez.
Meu soldado não poderia falar.
— O que quer dizer? — Lucca suspirou e se apoiou na porta,
pressionando a mão contra o ombro. — Eu rasguei sua garganta com
minha melhor garrafa de uísque antes que pudéssemos conversar. —
Encarei-o horrorizada, sem saber o que falar.
— Era um homem que servia a você, como pôde ser tão cruel? Ele
podia ter uma família!
— Então o quê? Alguém tentou me matar, quase tiveram sorte. Eu
vou eliminar quem for preciso para proteger meus interesses. — Ele
levantou meu queixo e olhou profundamenteem meus olhos antes de
sussurrar. — Quem for preciso.
Engolindo em seco, respirei profundamente, sentindo a ameaça em
sua declaração.
Ele se afastou, indo para o banheiro, e eu lembrei que ele estava
ferido, que tinha levado um tiro. E tomada por uma coragem, entrei no
banheiro atrás dele.
Lucca estava de costas, cabeça abaixada enquanto desabotoava a
camisa. Eu fiquei em sua frente e coloquei as mãos sobre as dele.
— Deixe-me fazer isso — sussurrei tão baixo que até duvidei se ele
tinha conseguido ouvir. Mas depois de alguns segundos, suas mãos
caíram nas laterais do corpo, e ele levantou a cabeça o suficiente para
me olhar.
Minhas mãos tremiam tanto que eu temia que ele fosse afastá-las e
terminar ele mesmo.
Mas Lucca apenas continuou ali, com os olhos totalmente em mim.
Eu sentia sua respiração no meu rosto, meus dedos tocaram seu peito
nu, e eu repeti o movimento novamente para não perder a sensação deles
na sua pele quente. Demorando mais do que o necessário no último
botão, empurrei a camiseta delicadamente para fora de seus ombros,
tomando cuidado para não encostar na ferida. Além de sujo, seu corpo
estava machucado, com arranhões e contusões por toda a parte.
— Talvez eu devesse chamar o médico para olhar esse ferimento e
passar algo para a dor.
Lucca bufou.
— Lidarei com um arranhão, Abriela, e ninguém pode saber que estou
aqui até que amanheça.
— Mas sua mãe estava tão preocupada, podemos…
— Eu disse ninguém. Giorgia vai superar.
Suspirei, sentindo-me culpada por ter que esconder de sua família que
ele estava seguro e bem. Mas assenti, ele sabia o que era melhor.
Ajoelhei-me na sua frente e tirei seus sapatos. Subi as mãos por suas
pernas até parar no cós da calça, olhei em seus olhos e soltei o cinto,
para logo depois desfazer o botão e o zíper antes de puxá-la para baixo
junto com a cueca. Fiquei quente e envergonhada na mesma hora,
porque aparentemente tudo o que ele havia passado não impediu que seu
amiguinho se animasse com minhas ações. Tentando ignorar o latejar
que começou no meio das minhas pernas, levantei-me e fiz o possível
para manter os olhos longe daquela parte dele.
Virei-me e fui até a banheira, ligando a água, e olhei para ele
novamente.
— Eu já volto. — Quando fui passar por ele, segurou meu braço e
falou contra meu ouvido.
— Você não pode começar esse tipo de merda e sair correndo.
Todo meu corpo se arrepiou, e suas mãos fortes e seu amigo
encostando em minha perna pioravam ainda mais a situação. Pelo amor
de Dio, o homem sofreu um atentado e eu aqui, me jogando em cima
dele.
— Eu só vou pegar uma de suas calças.
— Oh, querida, eu não vou precisar de uma.
Eu o olhei, e de repente lágrimas vieram aos meus olhos. Fiquei na
ponta dos pés, puxei sua cabeça delicadamente para baixo e selei nossos
lábios.
Obrigada, Deus, por trazê-lo de volta para mim.
Ele não se moveu, apenas deixou que eu aproveitasse o momento.
— Por favor… — sussurrei. Ele respirou fundo e passou um braço
pela minha cintura, puxando-me para perto. Eu abri a boca quando senti
seu membro roçar duro como pedra pela minha coxa, e ele aproveitou,
enfiando a língua em minha boca.
O céu.
Passei meus dois braços pelo seu pescoço e me deixei ser levada,
enquanto ele me puxava contra si cada vez mais. Só quando ele grunhiu
de dor eu percebi que tinha apertado seu ombro. Afastei-me, em pânico,
como se aquilo fosse deixá-lo com raiva.
— Lucca, eu…
— A torneira. — Olhei para trás e corri para desligar a água.
Quando ele entrasse, faria uma bagunça, porque a banheira estava
muito cheia. Mas a água quente seria perfeita para aquecer seu corpo.
— Você pode entrar.
Ele entrou e vazou água para todo lado, mas só de ver como seus
olhos se fecharam de alívio, eu sabia que a bagunça valeria a pena. Tirei
meu roupão, ajoelhei-me ao lado da banheira e peguei o sabonete,
prestes a começar a passar nele quando Lucca segurou meu pulso.
— É o suficiente, Abriela. Você pode sair.
— Eu só quero cuidar de você. — Ele abriu os olhos e rosnou.
— Esse é o problema.
— Lucca, é apenas um banho! Só quero ajudá-lo a se sentir
confortável.
Ele me fitou por algum tempo antes de finalmente fechar os olhos e
assentir. Quase dei pulos de alegria pela minha pequena vitória. Agora
eu tinha uma tarefa nas mãos, ensaboar o maravilhoso corpo do meu
marido, embora eu quisesse fazer muito mais do que isso.
Comecei por seus braços, seu pescoço, peito e abdômen.
Era uma tortura tão grande que, quando cheguei na cintura, quis
desistir.
Como eu lavaria... aquele ponto sem que parecesse outra coisa? Seria
o mesmo que acariciá-lo!
— Nos filmes românticos geralmente é o homem quem faz isso.
Deveria ser assim — ele comentou.
Eu sorri e dei de ombros, mesmo que ele não pudesse me ver.
— Lucca DeRossi não é um homem romântico, estou me
acostumando a isso.
Ele abriu os olhos e focou em mim. Pegou o sabonete da minha mão e
jogou-o de lado.
— Junte-se a mim.
Controlei-me para não pular na banheira com roupa e tudo.
Calmamente fiquei de pé, puxei a camisola de seda sobre a minha
cabeça e entrei.
Um pé depois o outro, sentando de frente para ele. Montada nele.
Não pude evitar soltar um gemido quando ele roçou minha área
sensível.
— Eu gostaria de ter calma e ir devagar, mas você é a tentação em
pessoa.
Lucca segurou meus seios e mordeu um mamilo, só parando de sugá-
lo quando estava duro, então, passou para o outro, dando atenção
dobrada. Eu estava gemendo, agarrando seus cabelos e rebolando no seu
colo, causando um atrito delicioso. Ele segurou minha cintura e atacou
meu pescoço com beijos molhados, deixando-me ainda mais louca.
— Você está ferido.
Ele pegou minha mão e pressionou a palma contra seu pau duro.
— Nada vai me parar agora.
Ele me levantou com facilidade e entrou em mim, causando uma
pitada daquela dor gostosa que eu sempre sentia.
Eu me movimentei a partir de seus comandos, amando como suas
mãos agarravam meus quadris, mostrando seu controle sobre mim, sua
necessidade de me sentir. Firmei meus braços ao redor do pescoço dele,
nossos peitos colados enquanto o sentia investindo fundo em mim.
Agarrei-o, tão dependente, sentindo um alívio tão grande de tê-lo ali que
lágrimas brotaram em meus olhos.
Gemi em seu ouvido, fazendo questão que ele ouvisse o que fazia
comigo. Quando gozei, ele me acompanhou minutos depois,
experimentando o mesmo prazer. Abaixei-me novamente, procurando
sua boca. Nós nos beijamos por um longo tempo, nossos corpos
escorregadios pressionados um contra o outro.
Eu não tinha certeza de quanto tempo ficamos assim, nos beijando,
mas, eventualmente, eu me levantei, ainda atordoada, e peguei nossas
toalhas.
Não me preocupei de colocar uma roupa antes de cair na cama.
Lucca veio até mim e me deu um rapido beijo antes de sentar-se de
frente à janela com um cigarro. Ele continuava me olhando enquanto
tragava.
Sustentei seu olhar enquanto pude, mas logo o sono me consumiu.
Dormi com meu coração mais do que aquecido.
Eu precisava começar a fechar as cortinas.
Não era uma pessoa da manhã, e acordar com o sol me queimando
viva todos os dias piorava tudo. Abri os olhos lentamente e saltei da
cama assim que as imagens da noite passada vieram na memória. Eu não
precisava nem me preocupar que fosse um sonho, minha falta de roupa e
algumas áreas sensíveis no corpo diziam tudo.
Ele estava vivo. Ele estava bem.
Com o maior sorriso do mundo, tomei um rápido banho. Não pude
deixar de olhar tanto quanto possível para a banheira, que era agora
oficialmente meu lugar favorito da casa. Saí do chuveiro secando o
cabelo e já corri para pegar um vestido. Palermo estava passando por
dias quentes, e eu realmente não era uma pessoa de calças e saias.
Joguei a toalha no cesto do banheiro e saí do quarto. Lucca estava de
volta, e tínhamos tido uma noite quase perfeita. Seria ainda melhor se eu
tivessedormido em seus braços. Mas, ainda assim, foi cheia de paixão.
Estava nervosa, porém, ansiosa para vê-lo.
Não havia nenhum soldado pela casa. Corri até a cozinha, pronta para
ver se tinha sobrado um pedaço do bolo, quando parei na porta. Lucca
estava lá com seus irmãos. No momento em que apareci eles me viram.
Claro que nada escapava dos três, mas eu aproveitei para observar um
pouquinho daquele momento de união.
— Sinto muito, não sabia que estavam tendo uma reunião.
— Entre, bonita, é a sua casa — Luigi convidou com aquele sorriso
cínico. — É que acabamos de fazer um anúncio formal, por meio de
uma conferência, de que Lucca está vivo. Acho que deixamos algumas
pessoas bem decepcionadas — ele brincou.
— Ah, ok. Bem, bom dia pra vocês. — Dante acenou dando um breve
sorriso, e Luigi piscou.
Eu fiquei no mesmo lugar, meio incerta sobre o que fazer.
— Sente-se e tome seu café, Abriela — Lucca disse com sua voz
grave. Eu me aproximei e sentei-me em um dos bancos do balcão. Havia
café, bolo, chá, suco, geleia e baguetes. Eu nem pestanejei antes de
pegar uma fatia do maravilhoso bolo.
— Uau, alguém está com fome — Luigi zombou. Lancei um olhar em
sua direção, fazendo-o rir mais ainda.
— Como está Giorgia?
— Agora ela está tranquila. Não posso culpá-la, senti falta do meu
carrasco também. — Luigi brincou. Sentou-se do meu lado e arrancou o
bolo da minha mão, dando uma mordida. — Humm, está delicioso.
— Luigi — Dante advertiu. Ele apenas riu e passou um braço pelo
meu ombro.
— Relaxa, irmão, estou apenas desfrutando de um belo café da manhã
com uma bela mulher. — Antes que qualquer um pudesse dizer mais
alguma coisa, Lucca tirou uma faca de algum lugar e atirou por cima do
meu ombro, fazendo a lâmina cortar a mão de Luigi. Ele gemeu e pulou
da cadeira. Com um grito, afastei-me, escostando na parede ao lado. —
Disgraziato!
Lucca atravessou a sala e empurrou Luigi, apertando seu pescoço,
esmagando-o contra a parede.
— Machuquei seu dedo, irmãozinho? Toque na minha esposa
novamente e vou cortar a porra da sua garganta!
Luigi deu uma gargalhada meio abafada.
— Ora, eu não sabia que você era um ciumento, estou apenas
brincando!
— Figlio di una cagna! Você tem sorte por eu não ter arrancado suas
bolas quando a viu nua. Mais uma gracinha e vou enterrá-lo, entendeu?
— O sorriso sumiu do rosto de Luigi.
— Como sabe disso? — Lucca deu um sorriso sombrio e bateu seu
irmão contra a parede mais forte.
— Não há nada sobre ela que eu não saiba.
— Ele entendeu o recado, irmão — Dante, como sempre, tentava ser a
voz da razão.
Lucca o ignorou.
— Luigi, eu não vou avisar novamente!
Luigi moveu seus olhos para mim, demorando mais do que necessário
antes de fechá-los e abaixar a cabeça para seu irmão.
— Entendi, irmão. Respeito sua esposa e seu casamento.
— Eu espero que sim. — Lucca o soltou, afastou-se e arrumou seu
terno. O clima estava mais do que tenso. Prestes a levantar para sair de
cena, vi Goretti vindo pelo corredor em passos apressados e os olhos
arregalados.
— Senhor DeRossi, tem um detetive chamado Zaza Pellet na porta.
Ele pediu para ver o senhor e a dona Abriela.
Eu fiquei em alerta. Lucca se aproximou, estendendo a mão para
mim, mas hesitei, ainda muito chocada com sua atitude. Suas
sobrancelhas se ergueram.
— Preciso que venha comigo, Abriela. — Olhei para sua mão, que
ainda me esperava, e, trêmula, lentamente coloquei a minha em sua
palma.
Luigi acompanhou meus movimentos e cerrou a mandíbula,
desviando o olhar logo depois. Eu franzi a testa, não entendendo sua
atitude.
— Agora essa — Dante resmungou. — Quer que eu lide com ele?
— Não. Ele não tem motivos para estar aqui. — Lucca olhou para
Goretti e a dispensou com um aceno. Então, olhou-me e segurou meu
queixo. — Olhe para mim antes de responder qualquer coisa. Dentro
daquela sala, você precisa ser a esposa da máfia, não só a minha.
Entendeu? Ele vai usar qualquer coisa que você disser contra a
Famiglia. Agora vamos. Quanto mais rápido eu terminarmos com isso,
mais cedo estarei livre para a minha bela esposa. — Dito isto, ele olhou
para Luigi e piscou.
Um sorriso brotou no canto dos meus lábios com sua declaração ao
mesmo tempo em que Lucca pegou meu braço e me puxou com ele.
Sem poder dedicar mais atenção ao seu comportamento, entramos na
sala, e eu pude ver um homem de terno olhando ao redor, enquanto
andava devagar pelo cômodo.
— Pellet. — O homem se virou para Lucca com um sorriso frio. Ele
não era nada diferente dos homens da Famiglia. Alto, uma pele escura
que contrastava com os dentes brancos, careca, e um corpo forte, pelo o
que eu podia ver.
— DeRossi. — Nenhum dos dois se moveu para um aperto de mão.
Eu estava mais do que desconfortável sabendo que a qualquer minuto
aquele homem começaria a fazer perguntas. — Essa deve ser sua esposa.
— Ele se aproximou e pegou minha mão, dando um beijo. — És
belíssima. Sou Zaza Pellet, seu marido e eu somos... velhos conhecidos.
— Forcei um sorriso.
— É um prazer conhecê-lo, senhor Pellet. Posso oferecer um café?
— Agradeço, mas vou recusar, pretendo ser rápido. — Eu assenti e
esperei que eles começassem. O homem me olhou. — Lamento chegar a
essa hora. Soube da explosão em uma das propriedades de seu marido.
— Pare de enrolar, Pellet, vá direto ao ponto. — O detetive ignorou
Lucca e continuou focado em mim.
— Ouvi dizer que voltaram a poucos dias de lua de mel. — Eu olhei
para meu marido, e ele assentiu.
— Sim, fomos para a Suécia, Estocolmo. Um lindo lugar.
— Lembra-se de quais lugares visitaram quando estavam na cidade?
— Contei a ele por onde tínhamos andado, e ele assentiu. — Houve
algum momento em que se separaram? Seu marido ficou no hotel, e
você saiu, e vice e versa?
Olhei para o homem à minha frente, finalmente entendendo. Ele
sabia. Sabia que Lucca tinha ordenado dois atentados na cidade e
imaginou que se nos pegasse desprevenidos eu abriria o bico. Colei meu
sorriso ensaiado no rosto e sentei-me no sofá mais próximo.
— Lucca não me deixou nem por um minuto. Fora o tempo que
passeamos, ele se preocupou apenas em me mostrar cada parte do nosso
quarto de hotel.
O homem abaixou a cabeça e anotou algo em seu bloco de papel.
Então, ele se levantou e sorriu para mim.
— Obstrução da justiça é crime, mocinha. A essa altura deveria saber.
Lucca soltou uma risada sombria.
— Você vir até aqui, imaginando que minha esposa é burra o
suficiente para cair em sua armadilha suja, é ofensivo.
O detetive fuzilou Lucca com os olhos enquanto guardava sua caneta
e bloco de papel no bolso do paletó.
— Uma hora sua brincadeira de Deus do mundo vai acabar, DeRossi,
e eu estarei lá para ver sua derrota.
Lucca estampou o sorriso mais ameaçador que eu já tinha visto em
seu rosto.
— Enquanto isso você continuará sendo apenas uma pequena peça no
meu jogo.
— Estou cavando, e sua hora vai chegar. — O homem apontou o
dedo, ameaçador, e eu testemunhei sua paciência se esvair a cada
palavra.
— Nunca lhe disseram para não se meter com meninos grandes,
Pellet? — O detetive abriu a boca, mas Lucca se aproximou. — Eu
sugiro que você saia. Vá prender traficantes e cafetões de esquina, é o
que você faz de melhor.
— Ou o quê? — Ele deu os últimos passos que faltavam para eles
ficarem quase nariz com nariz.
— Serei obrigado a colocar você para descansar no fundo do meu
quintal ao lado do seu parceiro. — Eu exclamei em surpresa, fazendo
Lucca me olhar por cima do ombro.
— Saia daqui, Abriela.
Ele não precisou falar duas vezes, pois eu logo corri para fora do
cômodo. Só parei quando cheguei ao jardim, respirando bem fundo,
enquanto processava cada detalhe do que aconteceu. Definitivamente
não era como eu esperava que o dia começasse.
Primeiro Luigi, com toda sua atitude estranha, e Lucca todo
possessivo. É claro que aquilo era apenas para marcar o território dele.
Não iria me iludirque fosse ciúme. Eu era apenas sua posse, e seu
orgulho não permitia que outro homem se aproximasse. Mas também
aquilo com a polícia. Estava mais do que ansiosa para o dia terminar
logo.
— Senhora DeRossi... — Olhei para trás, onde Goretti vinha correndo
com o telefone na mão. — Ligação para a senhora.
Eu peguei o telefone e falei, antes que ela saísse:
— Goretti, senta um pouco e respira fundo ou você vai ter um infarto
até o fim do dia! — Ela riu e entrou para a casa.
Sorrindo, coloquei o telefone na orelha.
— Olá?
— Senhora Abriela DeRossi?
— Sou eu, quem fala?
— Aqui é do consultório médico de Palermo, tenho os resultados de
seus exames. A senhora gostaria de vir pegá-los?
Uma onda de ansiedade me inundou. Olhei para a minha casa e sabia
que não iria conseguir sair de lá tão cedo.
— Olha, eu infelizmente não tenho como ir buscar agora.
— Posso enviar para um e-mail. Os exames são específicos, mas às
vezes pode ter algo que a senhora não entenda.
— Não há problemas, coloquei meu e-mail na ficha médica. Pode
mandá-los para mim, por favor?
— Só um segundo... e pronto. Encaminhados. A senhora pode entrar
em contato se tiver alguma dúvida, nós agradecemos a preferência.
— Obrigada, querida. Tenha uma boa tarde. — Desliguei e olhei para
o céu por algum tempo antes de entrar.
Seja o que Deus quiser.
Eu não lembrava quando tinha sido a última vez que abri meu
notebook. Fazia provavelmente anos. E ele estava tirando minha
paciência de tão lento.
Finalmente consegui acessar o e-mail, e não podia decidir se estava
terrivelmente ansiosa ou apenas com medo. Não querendo prolongar a
tortura mais do que o necessário, fui direto para o resultado, e lá estava.
Negativo.
Meu coração afundou no peito. Mesmo que eu tivesse tentado me
convencer das palavras de Lucca sobre um filho, a esperança
permanecia acesa em meu coração. O sonho bobo da mulher apaixonada
ainda vivo. Mas ali estava claro, bem diante dos meus olhos. Continuei
lendo, embora não entendesse basicamente nada daqueles termos
médicos e nomes estranhos, até que...
Obstrução das trompas.
Não entendendo o que significava, abri outra página da internet e
pesquisei. Depois de ler por alguns minutos, voltei ao meu email e
continuei a analisá-lo, com mais atenção desta vez.
A primeira lágrima caiu.
Com meus dedos tremendo, abri a página de pesquisa e coloquei cada
coisa que eu não entendia na barra e fui lendo os resultados.
“...fecundação acaba comprometida e, neste caso, não há a formação
do embrião...”
“...impedem a passagem do óvulo, impedindo a gravidez...”
Meus dedos tremiam, e os batimentos do meu coração eram rápidos o
suficiente para eu pensar que ele ia sair pela boca a qualquer hora.
Minha garganta se apertou ainda mais, enquanto lágrimas teimavam em
sair. Um soluço a rasgou, e eu cobri minha boca para evitar que alguém
ouvisse.
Não.
Eu ofeguei, tentando respirar desesperadamente. Tanta dor. Nunca
senti algo tão doloroso na minha vida.
Eu não seria mãe. Nunca seria.
— Oh, Dio...
Tentei levantar, mas minhas pernas tremiam tanto que caí.
O meu sonho de ter uma família descia pelo ralo do destino. Não
importava a ameaça de Lucca, nem o mundo em que nasci. Nada
importava, porque eu nunca teria aquele bebê. Não havia possibilidades
para mim.
Eu nunca sentiria os chutes, as dores nas costas, os pés inchados, os
desejos, a fome, o sono.
Mas eu sentiria a incapacidade, o peso de ser improdutiva, de saber
que não poderia nunca trazer alguém ao mundo. Eu nunca saberia como
era ter a ligação com meu filho ao amamentá-lo.
Eu não realizaria o meu maior sonho.
Ouvi batidas na porta e tapei a boca. Não precisava de ninguém
entrando aqui e me olhando com pena. Isso seria apenas outra coisa à
qual me acostumar.
— Senhora DeRossi? — Ignorando Goretti, eu entrei no banheiro do
quarto e lavei o rosto. Certifiquei-me de passar um corretor, para tentar
esconder meus olhos inchados, e saí.
Fui até onde meu cachorrinho estava dormindo e pousei um beijo em
sua cabeça. Parece que você vai ser meu único bebê.
O pensamento me trouxe lágrimas aos olhos, mas as afastei e respirei
fundo. Soltei o cabelo para não chamar tanta atenção ao meu rosto e saí
do quarto.
Já no corredor do andar de baixo, pude ouvir vozes exaltadas vindas
da sala. Entrei e vi Lucca falando ao telefone, andando de um lado para
o outro.
— Revire a casa dele se for preciso, eu quero saber por que o filho da
puta está na minha cola. — Ele ouviu por alguns segundos antes de
responder. — Eu não poderia me importar menos com a família de
merda dele, quero respostas. — Bateu o telefone desligado e passou a
mão pela cabeça, suspirando. — O que foi, Abriela?
— Você parece estressado — minha voz foi firme. Algo que não
contrastava com o que eu estava sentindo. Eu me sentia mais fraca a
cada segundo.
— Luigi estava a caminho de uma reunião com o líder de uma gangue
da região e foi baleado.
— Santo Dio! Como ele está?
— Foi de raspão. Mas o carro não existe mais, o que o aborreceu.
Eu suspirei aliviada. Não queria imaginar Luigi machucado. O cara
podia ser um idiota, mas eu tinha um carinho por ele.
— Isso é muito bom — murmurei. Não pedi mais detalhes, porque
não era o tipo de informação que ele podia compartilhar comigo. Eu era
sua esposa, mas existia uma linha que separava os nossos assuntos dos
negócios dele.
Lucca caminhou até a janela e puxou a cortina, olhando para fora.
— A coisa é, foi uma reunião de última hora. Não era nada marcado.
— Acha que alguém o está seguindo?
— Nós temos regras e esquemas específicos para reuniões de última
hora. Apenas quem sabia eram os Capos.
— Então... — Meu coração começou a martelar no peito com medo
do que ele diria a seguir.
— Então... eu tenho um traidor.
— O quê?!
— Primeiro, a polícia aparece com mandados para vasculhar os
estabelecimentos da máfia. Depois, alguém coloca uma bomba no meu
carro. Então, Pellet surge sem mais nem menos. Agora, alguém atenta
contra Luigi. Informações às quais apenas a Famiglia tinha
conhecimento.
Engolindo em seco, eu questionei, rezando que ele deixasse de lado
seu orgulho e me contasse:
— O que você vai fazer?
— Vou atrás de quem está por trás disso.
— E você sabe quem é? — Ele me deu um sorriso sombrio, quase
cruel.
— Sim, Abriela. Eu sei quem é. — Engoli em seco, sentando-me.
— Eu sinto muito que alguém em quem você confiou tenha te traído.
— A confiança foi feita para ser quebrada várias vezes. Isso nem me
surpreende mais, ele é só mais um verme de quem preciso me livrar. —
Eu assenti, sabia como as coisas funcionavam. Mesmo que aquilo fosse
horrível.
— E quem é? — Ele me encarou por alguns minutos antes de falar.
— Lorenzo, seu irmão. — Ainda bem que eu estava sentada, porque,
se fosse o contrário, teria caído.
— O que disse?
— Lorenzo tem um relacionamento secreto com Evangeline e está por
trás desses atentados.
— Você vai matar o meu irmão? — sussurrei.
— Eu vou matar qualquer um que trair a Famiglia. — Eu mal pisquei,
e ele já tinha desaparecido, deixando-me sozinha.
O sorriso do meu irmão veio em minha mente, e eu fiquei de pé,
pronta para correr atrás do meu marido e tentar fazê-lo mudar de ideia,
mas sabia que era impossível. Já tinha ouvido inúmeras histórias sobre
traidores que morreram por isso, por seus atos que quebravam as regras,
e meu irmão foi um deles.
Meu ânimo no dia seguinte não estava melhor. Quase não toquei no
café da manhã e me mantive na cama. E os outros dois dias que
passaram foram da mesma forma. Lucca quase não parou em casa. Eu
estava tão chateada, tão abalada, mas ele não pareceu perceber. Ou
escolheu ignorar.
No quarto dia após a minha descoberta, Goretti estava longe da minha
vista, então, quando a campainha tocou, corri até a porta e abri. Na
minha frente tinha uma moça alta e magra com roupas largas e um
cabelo loiro curto. Eusorri.
— Posso ajudá-la?
— Meu nome é Stefa. — Ela baixou a cabeça, fazendo as curtas
mechas loiras caírem em seu rosto.
— Tudo bem... — eu disse, lentamente.
— Eu queria saber se posso falar com a senhora DeRossi.
— Sou eu — respondi, desconfiada.
Ela respirou fundo e finalmente levantou a cabeça.
— Fui revistada na entrada do condomínio e por um segurança ali no
portão também. Posso entrar? — Ainda desconfiada, eu concordei,
dando um passo para o lado e fechando a porta logo depois. Me mantive
em uma distância segura e cruzei os braços.
— Eu não acho que algum soldado a deixaria entrar aqui. Quem é
você?
— Sou uma das garotas da Fascino. Os soldados me conhecem de lá,
e eu disse que vim para ver o senhor DeRossi. — Ela soltou de uma vez,
assim que sentou no sofá.
Eu nunca fui de perder a cabeça, ou julgar alguém, mas o fato de
aquela prostituta estar na sala da minha casa me tirou do sério. E não
tinha nada a ver com a profissão dela, mas ela trabalhava em uma das
boates do meu marido, e eu sabia que Lucca não era nenhum inocente,
nem de longe. Ele já tinha dormido com muitas mulheres por aí, se é que
ainda não dormia.
Mesmo com o turbilhão dentro da minha cabeça, forcei-me a agir
como a dama educada que sempre fui. Afinal, ela não arriscaria a
própria vida entrando na casa do chefe apenas para me afrontar.
— Ok. Há algo que eu possa fazer por você? Com toda certeza não
veio bater um papo de funcionário para patrão com meu marido.
Principalmente chegando aqui e dizendo que veio vê-lo.
— Sinto muito ter dito isso, mas era a única maneira de me deixarem
entrar. E a única coisa que eu quero com meu patrão é o meu salário.
— Então...? — incentivei. A garota ficou quieta, encarando os nós
dos dedos, fazendo-me perder o fio da paciência que me restava. —
Olha, Stefa, não sei por que você veio aqui e sinceramente não me
importo, contanto que vá embora agora. Se você tem no mínimo alguma
estima pela sua própria vida, Lucca não vai gostar de saber da sua visita.
— Eu estou grávida. — Fiquei quieta por algum tempo.
— Oh, entendo. Isso é ruim. — Eu não tinha entendido qual a razão
de ela estar me falando aquilo, mas tinha a impressão de que iria pedir
ajuda. As meninas das boates não podiam ficar grávidas. A Famiglia se
certificava de que houvesse muita proteção e anticoncepcional para não
haver riscos.
Ela me olhou com lágrimas nos olhos.
— Eu não quero que entenda minha vinda aqui como desrespeito. Por
favor, senhora DeRossi.
— Calma! Quantos anos você tem?
— Vinte e três. Senhora, eu... eu soube do que aconteceu com o
Chefe, e sabia que era minha única chance vir e tentar falar com a
senhora enquanto ele não estava. Ele não tem me procurado mais, nem
nenhuma das meninas da Fascino, isso aconteceu meses atrás. Então,
não, meu bebê não é fruto de uma traição, ele não tem culpa dos meus
erros. — Ela soluçou. A mulher falou tão rápido que precisei parar e
processar cada letra, depois cada palavra, então, tudo me atingiu.
— Você está esperando um filho do meu marido? — As palavras
tinham um gosto ruim na minha boca.
Não.
Eu não podia acreditar naquilo.
Stefa cobriu o rosto com as mãos e chorou.
— Perdoe-me, por favor! É apenas um bebê... o Chefe vai matá-lo
assim que souber.
Levantei-me do sofá, tão rápido quanto pensei ser possível, e fiquei de
frente pra ela, puxando-a para ficar de pé em dois tempos.
— Ele não esteve com você desde nosso casamento? Quantos meses a
criança tem?
— Eu dormi com ele apenas uma vez, três meses atrás. — Afastei-me
dela, de repente sentindo falta de ar. Meus olhos arderam com lágrimas.
Eu sentia como se houvesse mil lâminas perfurando meu peito. Queria
desesperadamente gritar e perguntar a Deus por que estava fazendo
aquilo comigo. Seria algum castigo? Será que eu merecia tanto
sofrimento, tanta dor?
Além de não ser capaz de gerar uma vida, eu seria humilhada vendo
outra dando um herdeiro ao meu marido?
— Eu não posso... eu...
— Senhora DeRossi, não está parecendo bem, há alguém que eu
possa chamar?
— Não! — Eu não queria ser grossa, mas aquela situação era no
mínimo impossível de se lidar. Sentei-me no sofá e a encarei. Stefa
correu e se ajoelhou na minha frente, com lágrimas escorrendo pelo
rosto, assim como eu. — Lucca nunca aceitaria isso. Ele não quer um
filho meu, imagina de... — Ela abaixou a cabeça, assentindo e
compreendendo o que eu quis dizer.
— Sei disso, e eu provavelmente morrerei antes do meu filho vir ao
mundo. Foi por isso que vim até aqui. — Franzindo a testa, encarei-a,
ainda não entendendo. — Ouvi por aí o quanto a senhora é boa. Eu
jamais poderia ser uma mãe, uma boa mãe. E eu não confiaria a
ninguém mais a vida do meu filho.
Mantive meus olhos fixos nela, finalmente compreendendo.
— Quer que eu cuide do seu filho?
— Dizem que mãe é quem cria, não é? Quem cuida, quem dá amor.
Eu não sou esse tipo de mulher. Mesmo que eu o ame agora, não seria o
que ele precisa. É por isso que peço que a senhora fique com meu filho e
seja a mãe que eu não poderia ser. — Eu não poderia estar mais surpresa
com aquilo.
— Mesmo que eu esteja morrendo para dizer sim, é impossível.
Todos vão tratá-lo como um bastardo. Ele nunca seria respeitado. E
como eu vou saber se essa criança é realmente dele?
— Não quero ofendê-la, mas a senhora acredita mesmo que eu viria
até aqui, inventar algo assim, colocando minha vida em risco se não
fosse? Já vi o Chefe matar um homem bem na minha frente, com meus
próprios olhos. Eu jamais provocaria a raiva dele com uma mentira
como essa. — Ela respirou antes de falar novamente. — Estou de três
meses. Poderíamos dizer que ele nasceu prematuro. Um tempo
compatível ao que você e o chefe estão casados. Ninguém saberia,
apenas vocês dois, e se eu ficar viva, o que provavelmente não vai
acontecer, nós três saberíamos. A senhora pode usar uma barriga falsa.
— Arregalei os olhos, surpresa com sua proposta.
— Jesus! Você tem ideia do que está dizendo? Trair a Famiglia dessa
forma... não posso forjar uma gravidez.
Ela respirou fundo e concordou, com mais lágrimas banhando seu
rosto.
— Tudo bem, eu... apenas estava desesperada. Posso tentar a adoção,
ou... tirar.
Eu me levantei, em choque.
— Certo che no! Ele tem o sangue dos DeRossi, não vai pra nenhuma
adoção! E você não vai matar um bebê, eu não aceito isso!
— Então diga-me o que fazer! — ela soluçou. — Eu cresci com uma
mãe que não me amava, não quero me olhar no espelho daqui a alguns
anos e ver que me tornei a mesma pessoa que ela. Sou uma prostituta,
isso é o que eu sei fazer. Sei satisfazer homens! Não tenho uma única
unha maternal em mim!
Ajoelhei-me ao lado dela, e mesmo ela sendo maior e mais velha,
tentei consolá-la. — Está tudo bem. Não chore. — Olhei-a por um
tempo, enquanto pensava sinceramente naquilo.
Eu podia encarar como uma brincadeira do destino comigo, ou a
minha única chance de realizar meu sonho. E, por outro lado, ainda
havia aquela inocente criança. Que culpa ela tinha? Sem pensar demais,
eu suspirei e falei as palavras que me colocariam em um problema
gigante:
— Acho que posso conseguir uma barriga falsa em algum lugar. —
Ela chorou mais forte e me olhou, sorrindo.
Que Deus me ajudasse, mas eu criaria aquela criança.
Meu telefone parecia pesado em minhas mãos, como uma bomba que
ia explodir a qualquer momento. O nome da minha irmã piscava na tela.
Ela, obviamente, queria saber o resultado dos exames, já que garantiu
que eu os receberia hoje. Estava me sentindo tão sobrecarregada, queria
deitar e dormir por um mês inteiro.
Estava com tantos problemas em meus ombros. Stefa, Lorenzo, a
mentira que precisaria nascer junto com aquela criança e o mais
preocupante, fazer Lucca concordar comigo.
— O jantar vai ser servido, donna. — Pulei ao ouvir a voz de Goretti.
— Santo Dio, Goretti! Você vai me matar a qualquer momento. —
Ela riu e se aproximou.— Venha comer antes que a comida esfrie, sim?
— Sei que a senhora tem coisas a fazer, mas pode jantar comigo esta
noite? Lucca não tem hora para voltar, então... — Ela assentiu.
— Claro, senhora. O que quiser. — Eu revirei os olhos para sua
formalidade.
— Pare com essa coisa de ‘’senhora’’. — Ela balançou a cabeça,
rindo, e começou a me servir na cozinha mesmo.
— Teve notícias de seus filhos recentemente?
— Minha filha continua na mesma. Vendendo o corpo para andar de
carro de luxo e roupas bonitas. — De repente seu rosto iluminou. —
Meu menino está conhecendo alguém.
— Mesmo?
— Sim. Seu nome é Juliana, menina doce. Trabalha como
recepcionista num cassino da Famiglia.
— Ela é de alguma família? — eu perguntei, enquanto mordia minha
panqueca de frango.
— O pai dela é um soldado da máfia, ela está dentro, mas não tão
dentro. Assim como meu menino. — Eu sorri.
— Fico feliz, ele é bom para você, então, merece uma boa mulher
para cuidar dele também.
Nós continuamos comendo e conversando sobre coisas do dia a dia,
sobre tudo o que fosse comum em nosso mundo. Mas minha mente não
parava de pensar em Stefa. O que ela estaria fazendo? Onde estaria?
Será que se alimentou? Será que estava cuidando das necessidades do
bebê?
Graças aos céus eu tinha pego o número dela.
A batata que eu comia parou na metade do caminho para a boca. Eu
estava louca. Não só prometi a uma mulher que cuidaria do filho dela –
filho que no caso era do meu marido –, mas nem o consultei a respeito
disso. Stefa não parecia nada maternal, e eu não queria nem pensar qual
destino esse bebê teria se não ficasse comigo. A empolgação já crescia
em meu interior.
— Menina — ela balançou a mão na minha frente —, mundo real
chamando. — Eu encarei a mulher na minha frente seriamente antes de
falar.
— Goretti, você tem trabalhado para a Famiglia por toda sua vida,
certo?
— Trabalhei em quatro casas, por quase dez anos em cada uma,
graças ao meu bom Deus — o orgulho em sua voz era evidente.
— Certo. E todas essas famílias tinham crianças? Filhos, eu digo.
— Sim! As quatro, na verdade, menos a senhora e o senhor DeRossi.
Mas é compreensível, são recém-casados, afinal. — Eu assenti.
— Você conheceu algum bastardo? Em seu tempo aqui. — Ela
apoiou a mão na mesa, segurando o rosto.
— Que eu me lembre... hum... Não. Eu nunca, mas uma amiga minha
trabalhou em uma casa onde aconteceu algo assim. — Ela fez uma
careta e balançou a cabeça. — Uma coisa horrível de acontecer.
Eu cutuquei minhas unhas, tentando parecer o mais desinteressada
possível.
— Entendi. Eu pergunto, porque tenho curiosidade. Nunca conheci
nenhum. — Ela assentiu e olhou para os lados antes de se inclinar em
minha direção.
— Eu vou dizer, mas isso não é conversa que se repita. — Concordei,
então, ela suspirou. — O homem engravidou a prima da esposa, com
quem ele tinha um caso antigo. Nasceu um menino. A prima morreu no
parto. Com quem o bebê ficou?
— Com o pai?
— Com o pai e a esposa dele. Cresceu com as duas crianças do casal.
O menino tentou a sorte em algum cargo alto, mas ele nunca teria
respeito, então, ficou como soldado mesmo.
— Ah. Pelo menos ele foi aceito na Famiglia. — Goretti me lançou
um olhar cético antes de responder.
— Menina, ele era uma criança indesejada. Concebida fora do
casamento. O pai perdeu toda sua moral e seu respeito, e a esposa
perdeu a honra. É desonroso ter um bastardo dentro da Família, a pior
coisa na verdade. — Eu assenti, começando a desconfiar que eu estava,
com toda certeza, muito ferrada.
2:15 da manhã.
Meus pensamentos foram direto para Lucca torturando meu irmão
para conseguir informações. Eu não era inocente a respeito de como as
coisas aconteciam dentro da máfia. As lágrimas já haviam secado no
meu rosto, e a compreensão de que nunca mais veria Lorenzo foi
dolorosa. Para toda e qualquer atitude que foge às regras há sempre uma
punição. E a violação de algumas leva à morte.
Meu irmão não só saiu com a noiva de um membro, ele conspirou
contra o poder real da coisa. Lucca tinha a obrigação de matá-lo, assim
como Bernardo tinha o “direito” de matar Evangeline. Ser um homem
feito significava ser um soldado, um capo ou um chefe da Famiglia. Na
idade certa, quando os pais dos meninos da nossa sociedade acreditavam
ter chegado o momento, eles passavam por um ritual de iniciação, onde
um simples filho com um sobrenome se tornava um alguém de poder.
Mais um mafioso. E Lorenzo tramou contra não só um homem feito,
mas vários. Não podia acreditar no que tinha ouvido. Meu irmão estava
planejando o assassinato do meu marido apenas por poder?
Eu nunca enxerguei meu irmão daquele jeito, nunca imaginei aquele
tipo de coisa vinda dele. Lorenzo sempre foi muito ambicioso, e isso o
condenou. Ninguém tramava contra o poder, contra qualquer homem da
Famiglia e vivia para contar a história. Aquele tipo de complô envolvia
muito mais do que uma pessoa querendo o lugar de Lucca; comecei a
suspeitar que era algo bem maior do que eu podia imaginar. Quando
éramos crianças, Lorenzo, sendo o mais velho, era ausente em nossas
brincadeiras e momentos juntos. Mas isso não era motivo para que
simplesmente não o amasse, porque eu amava. Muito. E o pior de tudo
era que eu não conseguia colocar a culpa só nele. Desde pequeno, foi
completamente inserido na sua cabeça que o poder, o dinheiro, a
influência, eram as coisas mais importantes na vida. Eu só podia pensar
que aquelas ideias haviam criado raízes profundas no cérebro do meu
irmão.
Tramar a morte do chefe da Famiglia era o nível mais alto de traição
que existia dentro da máfia. Meu irmão estava insano. Eu não era
insensível ou imune ao que ia acontecer. E amava o meu irmão. Mas era
algo que eu não podia evitar, e não podia pedir a meu marido que não o
eliminasse. Lorenzo, uma hora ou outra, encontraria uma forma de
concluir seu plano.
Fechei os olhos e tentei me concentrar no sono que sentia.
— Você é tão lindo. Menino bonzinho! — Eu sorria, com meu
cachorro no colo na manhã seguinte, enquanto descia a escada. —
Mamãe ainda não te deu um nome, você tem cara de quê, hein?
—Tenho quase certeza de que ele não vai responder a isso.
Sobressaltei-me.
— Lucca! Cazzo! Que susto!
— Venha ao meu escritório. Sem o cachorro.
Dando um beijo no meu pequenino, deixei-o no chão e segui atrás de
meu marido. Ele ficou fora por todo o dia, e eu estava uma pilha de
ansiedade. Sentia que ia ter um colapso a qualquer momento. Será que
ele tinha mudado de ideia? Será que resolvera dar uma segunda chance a
Lorenzo?
Assim que entramos, ele se serviu de uma bebida e tomou num gole
só. Encostei a porta e afundei na cadeira à sua frente. Esperei
pacientemente que falasse algo, mas Lucca apenas se aproximou, pegou
minhas duas mãos e me colocou de pé. Então ele baixou a sua boca
sobre a minha, e eu separei os meus lábios para ele. Sua língua entrou, e
tudo ao meu redor desapareceu enquanto o provava. Ele chupou o meu
lábio inferior em sua boca, então a minha língua. Era inebriante. Sugou
levemente e se afastou, fitando meus olhos.
— O que foi isso? — Sua expressão era impassível, mas ele acariciou
meu rosto.
— Você é minha esposa. Não vejo problema em beijá-la quando
quero. — Eu franzi a testa, e um lado da boca de Lucca se inclinou,
fazendo surgir um sorriso. — Há um problema nisso?
— Não.
— Muito bem.
— Meu irmão? — perguntei subitamente.
Lucca ficou tenso. Soltou-me e sentou-se em sua própria cadeira.
— Você sabe o que aconteceu, por que quer ouvir em detalhes?
— Eu tenho o direito de saber. — Envolvi os braços em torno de mim
mesma. — Ele é meu irmão.
— Ele era seu irmão. E era um traidor, recebeu a consequência disso.
Ele não parecia afetado, nem mesmo com remorso pelo que fez. Mas
é claro que não sentiria. De quantos homens já teria tirado a vida?
Quantas vidas a máfia já levou? Deus nos deu a vida, e Ele deveria ser oúnico a tirá-la de nós, mas homens poderosos como Lucca, seus irmãos
e todos da máfia gostavam de agir como se fossem os donos do mundo,
e, ali, eles eram. Olhei para o belo rosto do meu marido e de repente
senti meu estômago embrulhar; a risada de Lorenzo veio como um
trovão em meus ouvidos.
Cobri meu rosto com a mão e solucei. Em um segundo saí correndo
para nosso quarto e me afundei na cama. O rosto de Lorenzo invadiu
minha mente. Meu corpo todo tremia. Todo o dinheiro que tínhamos não
era o suficiente? Comandar nossa família não era o bastante? Ele era tão
jovem, tinha toda a vida pela frente. Mas não a viveria.
Eu esperei que Lucca me seguisse, que fosse até mim para me
consolar, para pelo menos me abraçar, mas ele não o fez.
E por que eu ainda esperava aquele tipo de solidariedade? Todo o
nosso casamento não tinha sido uma prova de que eu não receberia nada
de bom?
Amar sozinha, cuidar sozinha, venerar e querer... isso era o que eu
faria.
As batidas do meu coração imploravam por algo dele. Por alguém que
se tinha um coração também, há muito tempo deveria ter parado de
bater.
Levantei-me da cama, pois, depois de não sei quanto tempo, minha
garganta grudava e minhas mãos tremiam. Fui ao banheiro lavar o rosto.
Joguei a água gelada sobre minha pele e me encarei pelo espelho. Rosto
e olhos vermelhos e inchados. Descabelada. Lábios tremendo. Droga, eu
ia chorar de novo. Respirando profundamente, abri a porta e saí.
Surpreendi-me ao vê-lo de pé no meio do quarto, seus olhos fixos em
mim. Um olhar assassino que eu só tinha visto quando atacou o
fotógrafo em nosso casamento. Abri a boca para falar, mas ele rugiu
antes de mim.
— Eu vou perguntar uma vez apenas.
Um arrepio correu pela minha espinha. Há muito tempo eu não sentia
medo dele, mas o pânico novamente me tomou.
— Lucca, você...
— Isso é algum tipo de vingança? — ele rosnou enquanto se
aproximava, fazendo-me ir para trás até bater na parede. — Porque eu
matei seu irmão traidor, acha que pode ficar escondendo as coisas de
mim?!
— E-eu não... — Lucca bateu na parede ao lado da minha cabeça,
assustando-me.
— Uma mulher esteve aqui ontem, e eu descobri apenas porque um
dos meus soldados a reconheceu. O que tem a me dizer? — Ele levantou
o celular, mostrando uma foto de Stefa parada em frente à nossa porta, e
depois outra, de eu a recebendo. Fechei os olhos. Minha boca ficou seca
de repente.
— Por que você está tão bravo? É apenas uma mulher me visitando.
— Era perigoso mentir para ele, mas pior ainda seria arriscar a vida de
Stefa. Lucca era muito explosivo.
— Não é apenas uma mulher, é uma das prostitutas de um dos bordéis
da Famiglia. E eu não estou bravo, estou fodidamente furioso! O quê.
Ela. Queria?
— Eu não posso falar — sussurrei. Lucca juntou as sobrancelhas,
quase arregalou os olhos e sustentou uma expressão incrédula no rosto.
— Você não percebe como isso pode ser perigoso? Aquelas mulheres
não são boas como você, Abriela. Se ela estiver aprontando algo, eu
preciso saber o quanto antes.
Fechei meus olhos. Ele nunca me deixaria em paz se eu não dissesse.
— Prometa-me que não vai matá-la.
— O quê? — Eu encontrei seus olhos e segurei seu rosto com as duas
mãos. Ficando na ponta dos pés, selei nossos lábios.
— O que eu disse. Prometa-me que não vai matar essa mulher.
— Eu não posso te prometer isso.
— Lucca, por favor... — Ele pegou meus pulsos e tirou-os de seu
rosto, quebrando nosso contato.
— Se você não me disser, eu vou atrás dela, da família dela e...
— Ela está grávida! — Ele pareceu atordoado, como se não fizesse
sentido.
— Por que seria da sua conta que ela esteja grávida? Puta fodida, ela
quer sua ajuda para se livrar de uma conversa comigo, é isso? Não vou
poupá-la de punições apenas...
— O bebê é seu — respondi com uma voz dura, até mesmo
amargurada.
Lucca me encarou. Sem piscar. Por alguns minutos ele apenas me
olhou como se eu fosse uma criatura de outro mundo. Sua mandíbula
trincou.
— Besteira. Você é ingênua o suficiente para acreditar nisso? Eu não
dei um filho nem a você, não daria a uma prostituta qualquer.
— Ninguém seria louco o suficiente de tentar te enganar dessa
maneira, Lucca.
— Bobagem.
— É seu, e você sabe disso. Acredite em mim, saber que meu marido
seria pai e que o filho não é meu não foi a melhor notícia que recebi.
— Não é meu, impossível.
Ele estava me irritando.
— É seu. Você será pai! — minha voz se alterou.
— Eu disse a você, não quero filhos. — Olhei em seus olhos azuis
determinados. — Sei exatamente quem é essa vagabunda e vou acabar
com isso. — Ele ameaçou. Virou as costas e saiu pela porta. Demorei
apenas um segundo para sair atrás dele, gritando seu nome pedindo para
parar. Mas ele não me ouviu. Soltou-se dos meus braços e mandou que
um dos soldados que estava ali me segurasse.
Assim que a porta bateu, debati-me contra o homem, até que ele me
soltou, e corri para o nosso quarto atrás do meu celular. Só havia uma
pessoa a que eu confiaria aquilo. Chamou três vezes antes de ele
atender.
— Você está bem? — ele perguntou imediatamente, cheio de
preocupação na voz.
— S-sim, você pode falar agora ou é um mal momento? — Eu estava
ofegante. Em pânico.
— Pela sua voz você não parece bem. Eu posso falar, o que houve?
— Preciso da sua ajuda — sussurrei.
— Você está me preocupando, Abriela. Diga de uma vez.
— Você se lembra quando me fez aquela proposta? Sobre uma nova
vida e ir embora?
— Sim... lembro-me perfeitamente — ele disse pausadamente.
— Preciso que você estenda a oferta a outra pessoa. — Ele ficou
quieto por uns minutos antes de falar novamente.
— O que você está tramando, Abriela? — Eu soltei a respiração que
nem percebi estar prendendo.
— Dio, Dante... Você não faz ideia.
Se ele não me ajudasse, eu encontraria outra maneira, qualquer uma.
Mas Lucca não mataria Stefa e o bebê, nem por cima do meu cadáver.
Eu esperei que ele voltasse. Esperei por três horas acordada. Então,
cochilei.
Despertei não sei quanto tempo depois. Mas percebi quase
imediatamente que não estava sozinha. Sentei-me, esfregando os olhos,
e logo o vi. Sentado na poltrona, de frente para a janela. Copo e cigarro
na mão.
— Você não pode escondê-la para sempre — ele falou calmamente,
sua voz grave e dura. Eu suspirei de alívio. Ela estava bem. Eles
estavam bem.
— Não preciso. Apenas pelos próximos seis meses. — Eu não podia
vê-lo no escuro, mas tinha quase certeza de que ele estava me olhando.
— Então o quê? Vai desfilar por aí como a madrasta do mais novo
bastardo da Famiglia?
Machucava-me ouvi-lo falando daquela forma. Mas eu sabia que ele
estava fazendo de propósito, apenas para ver se eu diria onde ela estava.
— Você saiu tão depressa que não me deixou nem mesmo terminar de
dizer o que ela queria.
— Não preciso saber as merdas que ela usou para manipular você.
Vou encontrá-la e acabar com qualquer problema que esteja pretendendo
começar.
— Você sabe... meu sonho, desde que eu era uma garotinha, era me
casar. Cuidar da minha casa e do meu marido. E, eventualmente, ter um
bebê. Talvez dois ou três. — Levantei-me da cama e fiquei de pé ao lado
dele, onde poderia ver seu rosto, e ele poderia ver o meu. — Tive uns
enjoos nas últimas semanas, e minha irmã insistiu que era gravidez. —
Lucca ficou rígido na poltrona, mas continuou em silêncio. — Fiz
alguns exames e constatei que não era. Mas você sabe o pior? — Lucca
me olhou. — Descobri que sou estéril.
Deixei essa informação ser absorvida, e eu vi quando sua máscara
deslizou um pouco. Algo brilhou em seus olhos. Ele abaixou a cabeça e
deixou o copo no chão, apagando o cigarro dentro dele.
— Abriela...
— Eu estava destruída, então, Stefa apareceu. Ela disse que estava
grávida do seu bebê, e eu me senti tão humilhada. Porque não importa o
que diga, você precisa de um herdeiro, e Deus sabe como eu queria te
dar um. — Umalágrima deslizou, mas não me preocupei em limpá-la.
— O filho de outra mulher não seria a solução.
— Eu também pensei assim, mas veja só. Ela não quer o bebê. Ela
não me pediu dinheiro, não me fez chantagens. Apenas disse que não
poderia cuidar de uma criança, então, o daria para que eu o criasse desde
o nascimento.
— As coisas não funcionam desse jeito, você não pode pegar uma
criança e fingir que é sua!
— Posso e vou! Posso ficar em casa até que nasça, ou dizer que
minha barriga não cresceu. Posso até mesmo dizer que só soube do bebê
quando nasceu. Isso acontece muito.
— Abriela, pare. Isso é insano, e eu já disse que não quero uma
criança. — Ele se levantou e caminhou até o outro lado do quarto.
— Isso não é sobre você! Estamos falando do seu filho! — eu já
estava gritando. A raiva borbulhava dentro de mim.
— Minha resposta continua sendo não. E ainda vou encontrar essa
mulher. — Eu me aproximei dele e segurei sua mão.
— Lucca, se você tem um pingo de respeito por mim, se há alguma
parte de você que pelo menos gosta de mim... me apoie. Se não puder
me apoiar, apenas não me tire isso. Deixe-me cuidar desse bebê! — eu
supliquei.
Ele se inclinou e rosnou pausadamente.
— Eu não quero a porra de uma criança!
— É o seu filho!
— Pare de dizer isso! — Ele fechou os olhos e apertou as mãos em
punho.
— Eu não vou parar, porque é verdade. Ele é apenas um bebê, tenha
misericórdia uma vez na sua maldita vida!
Seus olhos se abriram. Azuis, tempestuosos, encarando-me. Lucca
estava ofegante e tremendo quando gritou:
— EU TAMBÉM ERA UM BEBÊ, PORRA! E NINGUÉM TEVE
MISERICÓRDIA DE MIM!
Eu tapei a boca de Luigi, tentando evitar que papai o ouvisse e
entrasse no quarto.
— Por favor, irmãozinho, pare de chorar! — eu sussurrei em seu
ouvido. Ele tinha que parar, porque homens não choram.
Papai sempre dizia aquilo. E da última vez que Dante não obedeceu,
papai ficou muito bravo. Ele sempre está bravo, mas Dante saiu muito
machucado. Enquanto eu balançava meu segundo irmão mais novo,
tentando acalmá-lo, outro grito estridente ecoou pelas paredes de casa.
Eu odiava quando mamãe chorava. Ela era tão bonita. Quando papai não
estava em casa, ela sempre nos fazia biscoitos e brincava com a gente.
Papai não sabia. Na verdade, ele não podia saber. Aqueles momentos
com apenas nós três e a mamãe eram sempre muito divertidos. Não
precisávamos usar os ternos durante todo o dia, nem tínhamos que ficar
sentados assistindo aos programas que papai mandava. Eles eram
sempre sobre matemática, números e palavras difíceis.
Mamãe era diferente. Ela era bonita demais para chorar.
— Está demorando mais do que a última vez para acabar — Dante
falou baixo, enquanto se espremia mais ao meu lado.
— Lucca, eu não quero que a mamãe chore. — Luigi soluçava no
meu colo. Quando ouvimos o barulho de vidro quebrando do lado de
fora ele estremeceu.
Nosso amigo Marcos tinha um pai. Ele tinha uma mãe também. E ele
gostava dos dois. Eu amava a mamãe, mas não gostava do papai. Eu sei
que sou um menino ruim por isso; sempre peço desculpas para Deus
todas as noites, e domingo de manhã na igreja também. Nossos pais são
anjos de Deus para cuidar de nós enquanto somos pequenos.
Sempre pedi desculpas por não gostar do anjo papai. Meus irmãos não
gostavam também, então eu pedia desculpas por eles. Talvez Deus
entendesse que como eu era o mais velho, precisava cuidar dos meus
irmãos mais novos. Ele pode dar o castigo deles para mim, meus irmãos
são muito pequenos.
Mais um grito da mamãe.
Dante tremeu ao meu lado, e Luigi pulou de susto, chorando mais
forte desta vez. Eu olhei para meu irmão. Os olhos de Dante estavam
arregalados, e ele tinha os lábios tão apertados um no outro que estavam
rachando. Mas ele era meu assistente no comando das navegações, ou
seja, quando papai começava a gritar e a quebrar as coisas, ele precisava
assumir o segundo lugar para cuidar do caçula. Coloquei Luigi em seu
colo e levantei.
— Fiquem aí — disse e voltei-me para Dante: — Tape a boca dele. E
não saiam deste quarto até que eu volte.
Corri até o canto do quarto, alcançando um bastão de brincar feito de
madeira. Dei um último olhar para meus irmãos e peguei a chave
pendurada na porta. O medo nos olhos deles foi tudo que eu precisava
para sair e trancá-los lá dentro.
Ouvi Dante me chamando, mas eu não podia voltar. Precisava cuidar
deles e garantir que mamãe não chorasse mais. Segurei o bastão pesado
com as duas mãos e caminhei até o final do corredor. A porta meio
aberta me mostrou por que conseguíamos ouvir minha mãe.
Eu olhei lá dentro, e ela estava deitada no chão. Consegui ver seu
corpo se mover. Ela não usava muita roupa e meu pai estava sentado na
cama olhando para ela, enquanto fumava aquela coisa fedida que ele
gostava tanto.
— Você já deu seu show. Agora cale a boca! — ele gritou e se
levantou. Eu tinha ficado chateado muitas vezes, mas quando ele chutou
minha mãe na barriga, e vi sangue em sua boca, senti algo diferente de
tristeza. Não entendia o que era aquilo, mas entrei no quarto e parei ao
lado dela.
— Não machuque minha mãe! — gritei tentando levantar o bastão
bem alto.
Mamãe me olhou, seus grandes olhos morrons se abrindo,
amedrontados. Ajoelhou-se e me empurrou para fora.
— VÁ PARA O SEU QUARTO, LUCCA! NÃO SAIA DE LÁ! —
Ela soluçava e engasgava muito, havia tantas lágrimas saindo de seus
olhos.
— Mamãe, eu vim proteger você! — Ela chorou mais forte, e meu pai
gargalhou.
— Você, sua merdinha! Vá para o seu quarto e fique lá chorando
como a menininha que é! — Ele me olhou e pegou no cabelo de mamãe,
puxando enquanto me fitava. Ela gritou mais uma vez. Corri para frente,
minhas pernas curtas quase me fazendo tropeçar, e bati o bastão com
toda minha força contra o braço dele. Vi o exato momento em que ele se
deu conta do que eu fiz. Vi, porque conhecia aquele olhar. Ele estava
muito furioso. Soltou minha mãe e me puxou pela camiseta.
— NÃO! SOLTE O MEU BEBÊ! THOM, POR FAVOR, POR
FAVOR, DEIXE ELE EM PAZ! — Papai me jogou no chão e a pegou
pelo pescoço.
— Esses meninos serão três bichinhas do caralho pelo jeito que você
os trata. Sua vagabunda! — Ele deu um tapa que fez seu rosto virar.
Levantei-me novamente e corri para ele. Desferindo socos por suas
pernas e mordendo qualquer lugar onde alcançava. Eu só conseguia
ouvir os gritos de minha mãe no fundo. Meu pai me segurou. Vi quando
seu punho se lançou no meu rosto.
O grito da minha mãe foi a última coisa que ouvi quando apaguei.
No primeiro dia, quando abri os olhos, a primeira coisa que escutei foi
um zumbido nos meus ouvidos. Estava escuro. Eu estava com muito
sono, então, caí para a escuridão novamente.
Despertei com uma sensação de estar sendo afogado. Senti água por
todo o meu nariz e boca. Respirar era quase impossível. Fui puxado para
trás e finalmente recuperei o ar. Enquanto ofegava, abri os olhos e
estava num lugar diferente.
Um homem grande me puxou e jogou sobre uma cadeira, prendendo
meus braços e pernas. Eu gritava e me debatia, chorando, pedindo pela
minha mãe.
O homem me deu três tapas, eu senti o ardor por todo o meu rosto. As
cordas apertando meus tornozelos e pulsos doíam tanto quanto. Onde
minha mãe estava?
Eu chorei de alívio quando vi meu pai entrando na sala. Ele estava
assobiando, com as mãos no bolso e um sorriso no rosto. Ele acenou
para o homem, que saiu e foi para o canto. Chorei mais forte.
— Papai, esse moço foi tão mau comigo, mas vou perdoá-lo. Já
perdoei, até. Eu serei bom, me deixe ir para casa com mamãe e meus
irmãozinhos!
Meu pai jogou a cabeça para trás e riu, junto com todos os outros
homens do lugar. Seus soldados. Papai cuidava de negócios importantes
e sempre tinha muitos homens que trabalhavam para ele.
— Você vai aprender muito com esse tempo que vamos passar juntos.
— Ele se inclinou e desferiu um tapa no meu rosto. — E quandosairmos
daqui você não falará mais “papai”, “mamãe”, e muito menos
“irmãozinhos”. — Cada palavra foi um tapa mais dolorido do que o
anterior.
— TUDO BEM! — gritei fraco. — Serei bom, eu serei um bom
menino, pai! Por favor... eu estou com medo!
— Você aprenderá a não chorar. E não será fraco! — Ele olhou para o
homem no canto da sala e sorriu maldosamente. — Vamos começar.
Naquela noite eu tomei meu primeiro tiro, foi na perna. Doeu,
queimou, ardeu. E eu desmaiei, chorando.
No segundo dia, eu acordei com um balde de água gelada sendo
jogado em minha cabeça. E tive meu primeiro ferimento de faca. Papai
assistiu enquanto três de seus soldados faziam cortes em minhas costas.
Quando eu gritei, ele me bateu e olhou nos meus olhos, falando que eu
havia falhado, de novo.
No terceiro dia, papai me fez tirar a roupa. Então uma mulher entrou
na sala. Ela tocou em mim, e papai me mandou tocar nela. Eu não fiz,
então, ele atirou em sua cabeça. Na minha frente.
No sexto dia, papai se sentou na minha frente, esperando enquanto eu
bebia água. Quando terminei, ele chegou perto e sussurrou no meu
ouvido.
— O código é “A Famiglia em primeiro lugar”, guarde segredo.
Eu o olhei confuso. Ele deu um sorriso e se levantou. Então, um
soldado tomou seu lugar na minha frente. O homem me bateu no rosto e
gritou.
— QUAL É O CÓDIGO?
Eu senti meu dente rasgando a pele da minha boca. E fechei os olhos,
negando-me a falar. Ele me bateu mais algumas vezes, mas eu não falei.
Precisava guardar o segredo do papai.
Ele pegou um canivete e começou a empurrar abaixo da unha do meu
dedão.
— QUAL A PORRA DO CÓDIGO?
Eu gritei.
— “A FAMÍLIA EM PRIMEIRO LUGAR”. — Meu pai riu e me
soltou da cadeira, jogando-me no chão, enquanto quatro soldados
desferiam socos e chutes em mim. Quando meus olhos se fecharam, ele
sussurrou no meu ouvido.
— Fraco.
Eu parei de acreditar em Deus naquele dia.
Os próximos quatro dias seguiram com mais tortura. Na maior parte,
papai me dizia que eu era fraco e jogava algum jogo mental, onde eu
sempre perdia.
No décimo primeiro dia, papai jogou uma mulher nua na sala. Um de
seus soldados tirou a roupa e ficou atrás dela. Eu não sabia o que estava
acontecendo. Não entendia. Ele a estava machucando, e por mais que eu
pedisse para parar, ele não parava.
— Por favor! Por favor! — Ela chorava e gritava, tentando se afastar
do homem.
— DÓI! — Ele se movimentava atrás dela, que era tão pequena em
comparação a ele. Os gritos da moça pareciam os da minha mãe,
penetrando meus ouvidos. Mas eu não podia chorar, não queria chorar!
Pare os gritos!
Ele não vê que está machucando a moça?
— Você quer que ele pare, Lucca? Acabe com o sofrimento dela —
meu pai falou, do outro lado da sala.
A mulher me olhou e estendeu a mão.
— Por favor! Faça parar!
— Pare de machucá-la, pai, faça isso. Eu imploro! Guardarei os
segredos, eu prometo que sim!
Meu pai tirou uma arma da cintura e desamarrou uma de minhas
mãos.
— Coloque uma bala na testa dela, e toda a dor vai acabar. — A
mulher me olhou de olhos arregalados e gritou, chorando mais forte
ainda.
Peguei a arma e apontei para ela, mas quando fui atirar, mirei no
soldado, fazendo a bala acertar seu ombro. Meu pai soltou uma
gargalhada e bateu palmas. Comecei a tremer na cadeira. Eu tinha
matado aquele homem? Mas ele a estava machucando! Não importava,
não era certo ferir os outros.
— Você não o matou, mas veja bem, agora ela vai sofrer as
consequências do que você fez.
Quando ele disse isso, dois soldados apareceram sem suas calças, e eu
vi o que estavam fazendo.
Eles usavam o instrumento de xixi para fazer mal a uma menina? Eu
não queria ter mais meu instrumento de xixi, se ele servia para machucar
mulheres daquela forma.
A menina começou a gritar. Meu ouvido doía, ela já estava rouca.
Eles batiam tanto. Em algum momento, ela me olhou, com olhos vazios.
— Me mate, acabe com isso, por favor. — Eu balancei a cabeça,
negando, então ela começou a implorar. Gritava cada vez mais alto.
Peguei a arma e mirei, enquanto ela olhava nos meus olhos, e atirei. Foi
quando tirei a primeira vida.
Meu pai fez aquilo com mais três mulheres. E eu atirei.
No décimo segundo dia, papai me deu outro código. Eu perdi três
unhas, mas guardei o segredo.
No décimo terceiro dia, os soldados levaram uma televisão grande,
colocaram na minha frente e saíram da sala. Eu estava quase fechando
os olhos de exaustão quando o aparelho foi ligado. Era eu na tela. Assisti
em choque tudo o que tinha acontecido com as meninas, e vi quando
matei cada uma delas. Cada minuto foi gravado.
Quando não consegui olhar mais, fechei meus olhos e apenas ouvi. Os
gritos, a agonia sem fim, o desespero, a dor. E, naquele dia, algo se
quebrou dentro de mim.
No décimo quarto dia, papai chegou cedo. Sorrindo abertamente, ele
me mandou ir tomar um banho e me fez vestir um terno do meu
tamanho. Quando fiquei pronto, fui tirado daquela sala. Nós nos
sentamos numa mesa elegante, onde um belo café da manhã foi servido.
Eu não disse uma palavra.
As roupas machucavam meu corpo já ferido, e me mover era quase
impossível. Mas eu tinha sido um garoto ruim, então, merecia o castigo.
— Você vai para casa hoje, Lucca — meu pai comentou enquanto me
observava comer. Eu assenti e tomei um gole do suco. Tinha um gosto
horrível. — Antes de irmos, você deve entender uma coisa. — Eu o
olhei, esperando que falasse. Duvidava que qualquer palavra pudesse ser
pior do que aquela sala. — Seus irmãos não devem saber o que
aconteceu aqui. Giorgia também não.
— Mam... Giorgia sabe que estou aqui? — Thom levantou uma
sobrancelha.
— Você ia falar “mamãe”, mas voltou atrás e falou o nome dela.
Aprendeu a lição, Lucca, estou orgulhoso. — Ouvir que ele estava
orgulhoso era algo que sempre quis, mas quando finalmente aconteceu,
não fazia diferença nenhuma. Eu o odiava.
— Legal — resmunguei.
— Você sabe que por ser um bastardo, eu pensei que nunca teria
orgulho de você. — Juntei minhas sobrancelhas, não entendendo.
— Um o quê?
— Um bastardo. — Ele apoiou os cotovelos na mesa e sorriu
perversamente. — Acha que minha esposa é sua mãe? Pobre menino
ingênuo... Você saiu do ventre de uma prostituta. Nada mais é do que
um fardo para Giorgia.
Naquele momento eu me perdi.
Quando o carro do meu pai estacionou em frente à nossa grande casa,
eu não queria descer. Meu pai percebeu isso e me empurrou, então,
entramos. Luigi e Dante estavam sentados no sofá da sala de estar, e
Giorgia andava de um lado para o outro. Assim que nos viu, ela correu
para mim, ajoelhando-se e me apertando em seus braços.
Uma parte de mim queria abraçá-la de volta. Sentir alívio por estar em
casa e em “segurança”. Mas não fiz isso. E quando ela olhou nos meus
olhos com lágrimas caindo, tudo o que eu vi foram as mulheres que
matei. Os gritos delas imediatamente encheram minha cabeça, e eu me
retorci, tentando sair de seus braços. Luigi desceu do sofá de mãos dadas
com Dante e veio me abraçar, mas eu corri para o lado de Thom.
Luigi fez um bico.
— Lucca, vamos ficar juntos agora, irmãozinho.
Olhei para ele e tudo o que vi foi pureza. Como meu irmão era limpo!
Nenhum sangue em suas mãos, nenhuma morte em seus ombros. Eu não
podia sujá-lo daquela forma. E Dante? O menino de ouro. Sempre
obediente, um bom coração, generoso. Eu só faria mal a eles.
Eu era um menino ruim, e eles eram bons. Deveria poupá-los de
terem que ficar comigo. Acabaria contaminando-os. Eu era o irmão mais
velho e faria o que fosse preciso para que nada de ruim os alcançasse.
Mesmo que o mal fosse eu. Luigi estendeu os braços e sorriu, mostrando
sua banguela.
— Um abraço, irmão. — Eu respirei fundo.
— Eu sou um homem agora. Você é só um bebê. Vocês dois são. —
Meu pai olhou para mim e sorriu.
— Vamos, Lucca. — Olhei para minha mãe que estava no chão,
parecendo desolada, para Luigi, cujos lábiostremiam, e Dante, com
cabeça baixa, e lhes virei as costas.
Eu protegeria minha família até mesmo de mim.
Quando ele terminou de falar, me dei conta de que minhas mãos, em
punho, apertavam a unha contra a pele. As lágrimas corriam pelo meu
rosto, fazendo-me provar seu gosto salgado. Meu corpo todo tremia com
os soluços.
Eu odiava Thomas DeRossi desde o dia do meu casamento. Mas
agora eu não só odiava, eu o mataria se pudesse.
Olhei para o meu bonito marido, e seu rosto estava congelado em
pedra, olhos vidrados, como se ele ainda estivesse preso nas memórias
de sua infância. A forma como Lucca detalhou seu ódio, sua repulsa e o
profundo desgosto consigo mesmo foi de quebrar o coração. Os meninos
da máfia eram iniciados ainda adolescentes, mas o que foi feito a Lucca
era a pior forma de abuso e brutalidade.
Algo tão profundo que deixou cicatrizes não só no corpo, mas em sua
alma. Tudo o que ele se tornou foi um reflexo do que lhe foi feito
naqueles dias.
Olhando para Lucca, eu conseguia ver o pequeno menino quebrado. O
homem que precisou crescer rápido demais. O que eu sentia por ele só
aumentou – por tudo o que sofreu no passado e pela força de ter
sobrevivido.
Levantei-me devagar e sentei-me em seu colo, incapaz de manter
qualquer distância. Busquei seus olhos e sussurrei.
— Lucca...
— Eu nunca contei isso a ninguém.
— Você me contou agora, e estou muito feliz por ter me cofiado essa
parte da sua vida.
— Nunca falei sobre isso. É a primeira vez que coloco as palavras
para fora da minha boca. — Eu continuei em silêncio, sem saber o que
dizer. — Só preciso que você entenda que não posso. Eu jamais poderia
ser pai. Acredite em mim, essa criança está melhor longe de mim e de
tudo o que represento.
— Eu não acho isso. As coisas que aconteceram com você foram
terríveis, mas ter colocado para fora te ajuda a superar e...
— Não quero superar. Na minha posição, é necessário que eu seja
assim. Não te disse isso na intenção de te dar esperanças de posso me
tornar alguém melhor. Não vai acontecer, Abriela. — Abri a boca para
responder, mas ele balançou a cabeça. — Não quero falar mais. —
Encarei seus lindos olhos azuis e passei os dedos pelo cabelo macio.
— E o que você quer? — sussurrei.
Lucca passou um braço em torno da minha cintura, e o outro segurou
minha nuca.
— Eu quero você.
Assenti, preparada para deixá-lo me tomar como quisesse. Porque
aquele momento não tinha a ver comigo, mas com ele. Qualquer outro
sentimento desapareceu, restando apenas a necessidade de estar ali
quando ele claramente precisava de mim.
Livrei-me da camisola, e Lucca imediatamente prendeu a atenção nos
meus seios. Ele os adorava por serem cheios e naturais, e eu pretendia
usar aquilo sempre que precisasse. Pressionando mais minha nuca,
capturou meus lábios num beijo faminto. Aproveitei para puxar sua
calça de seda para baixo, e seu pau saltou livre. Lucca não falou que
queria fazer amor, então, não via necessidade de ter calma. Ele queria
foder, e eu lhe daria isso. Masturbei-o de cima a baixo, e Lucca soltou
minha boca, focando em mim. Em seu rosto tinha aquele olhar sério e só
desviava dos meus olhos para meus seios, deixando-me molhada só de
vê-lo daquele jeito. Segurei seu membro contra minha entrada e me
abaixei devagar. Cerrando a mandíbula, segurou minha cintura,
apertando firme. Passei os braços por seus ombros e deixei que me
guiasse. Segurando seus cabelos, comecei a me mover..
Plenitude.
Era como eu me sentia com Lucca dentro de mim. Os sons que
escapavam de sua garganta, abafados pelas nossas bocas juntas, eram
tão eróticos quanto a luz da lua refletindo em nós. Eu rebolava e gemia,
e o leve desconforto dele investindo tão fundo não me incomodou.
De repente ele separou nossas bocas e se levantou. Automaticamente
envolvi minhas pernas em sua cintura, sentindo o colchão sobre minhas
costas segundos depois. Lucca pegou meus pés e os colocou em seu
ombro, abrindo-me tanto quanto podia, e começou a me penetrar mais
fundo. Eu podia ouvir o barulho de nossos corpos se chocando. Ele ia
tão fundo, cada vez mais forte, que gritei quando o orgasmo tomou
conta de mim. Lucca gemeu, e seu rosto se apertou numa careta quando
me segurou forte pelos quadris e investiu com mais intensidade ainda,
derramando-se.
— Você acha que Dante e Luigi foram iniciados da mesma forma que
você? — eu perguntei depois de um tempo. Estávamos deitados, seu
braço servindo de travesseiro para mim e minha mão apoiada em seu
peito.
Aquela era a primeira vez que ele me abraçava depois de fazermos
sexo. Uma mistura de emoção, ansiedade, medo, alegria e amor
preencheu meu peito. Tentei não demonstrar tanto espanto para que ele
não se afastasse imediatamente de mim, mas era impossível não fazer
perguntas.
Sentia-me confortável aninhada em seu peito, com meus dedos
acariciando os pelos negros de seu peitoral forte, e suas mãos enrolando
distraidamente uma mecha do meu cabelo. Eu suspeitava que nem ele
percebia seu sutil movimento.
— Eu não sei. Nós nunca falamos sobre isso. Depois daquele dia,
quase não fiquei mais com eles. — Minhas sobrancelhas se juntaram.
— Como não? Vocês moravam na mesma casa.
— Depois de um tempo ficou fácil evitá-los. As coisas se
complicaram quatro anos depois. Dante foi iniciado, Luigi foi dois anos
depois. Antes dos treze anos nós já éramos homens feitos. Acredito que
Thom não fez o mesmo que fez comigo. Eles voltaram da mesma forma
que foram. Estavam apenas mais... duros.
— Lucca, isso não é normal, certo? Meus irmãos foram iniciados
apenas com 14 anos. Eu nunca ouvi que alguém da Famiglia foi antes
disso.
— Meu pai acreditava que nós éramos muito mimados por Giorgia.
Ele queria mudar isso, e a forma que encontrou foi nos introduzindo nos
negócios da máfia.
Eu absorvia cada grama de informação que ele estava me dando.
— Ela sabe que você descobriu sobre não ser seu filho?
Ele ficou quieto por alguns segundos. Até duvidei que fosse
responder, mas ele falou:
— Sim, ela sabe.
— Eu odeio o seu pai ainda mais agora.
— Ainda mais? — Pude ouvir a suspeita em sua voz.
Hesitei. Não estava certa se deveria contar ou não. Porém, eu não
conseguia ver como as coisas entre nós poderiam funcionar se
guardássemos segredos. E agora eu entendia muito do seu
comportamento.
— No dia em que nos casamos, ele foi até o quarto onde eu estava me
arrumando e meio que... me ameaçou.
— Por que nunca me contou?
— Você não foi exatamente receptivo nos primeiros dias de
casamento.
— Talvez não. Mas é importante que você me diga, Abriela. Thom
pode ser um velho sem poder nenhum acima de mim, que precisa
respeitar as minhas ordens, mas não deixa de ser perigoso.
— Eu não vou mais deixar essas coisas de lado.
— Bom. No mundo em que vivemos, até mesmo um garfo fora do
lugar pode ser algo maior do que parece.
— Eu sei.
— De qualquer forma, o que ele disse?
— Ele só queria esclarecer que você sempre o escolheria sobre mim.
Deixei claro que queria que nosso casamento desse certo, e ele pareceu
ficar bravo com isso.
— Ele é um filho da puta covarde. Thomas DeRossi tem sua parcela
de importância na Famiglia, mas não é nada para mim, e eu vou
proteger você, Abriela. Prometi no dia do nosso casamento e não vou
falhar no meu dever ou naqueles votos.
— Tenho certeza disso — sussurrei, deixando a emoção transbordar
em minha voz. Eu realmente acreditava que ele me protegeria. — Mas
parece um sonho estarmos deitados aqui, conversando como se não
tivéssemos problema algum. Isso muda alguma coisa entre nós? — Seu
corpo ficou tenso, mas sua voz era suave.
— Não posso te dar o que você quer. — Apoiei-me sobre um
cotovelo e olhei em seus olhos.
— Eu não quero declarações e café na cama, quero apenas que dentro
das paredes desta casa nós possamos ser eu e você. Do jeito que estamos
agora. — Ele pegou uma mecha do meu cabelo e colocou atrásda
orelha.
— O único motivo de você estar aqui é a Famiglia. E a Famiglia é a
única coisa que ainda me incentiva a continuar nesse mundo. Meu
coração é só um órgão do meu corpo, Abriela, e ele não vai amolecer
por você. Pode viver com isso, sabendo que é a única de nós dois que
quer que este casamento signifique mais do que apenas negócios? —
Senti as lágrimas se reunindo nos meus olhos. Deitei-me novamente e
fechei-os.
— Se for preciso viver uma mentira, que seja. Ao menos não será
para mim — sussurrei alto o bastante para que ele ouvisse. Seu corpo
endureceu, mas eu ignorei.
Meu último pensamento foi que, finalmente, eu iria dormir em seus
braços, estando consciente disso.
Assim que a campainha tocou, pulei do sofá e corri para atender.
Praticamente voei na minha sogra quando a vi. Estive esperando por ela
a manhã toda, até mesmo dispensei as empregadas e Goretti.
— Acho que alguém está com saudade. — Ela riu, enquanto retribuía
meu abraço.
— Obrigada por ter vindo. — Nós nos soltamos e fomos até a sala de
braços dados.
Quando acordei de manhã, não imaginei que a primeira coisa que eu
faria seria ligar para minha sogra e pedir que ela me visitasse. Para ela
não foi nada estranho, afinal, eu a adorava e conversávamos sempre que
podíamos.
Mas eu não queria apenas conversar desta vez. Eu queria dizer a ela
que Lucca se abriu comigo e me contou coisas que ela precisava ter
conhecimento. Não só porque Giorgia passou os últimos 30 anos
tentando conquistar o próprio filho, mesmo que não fosse de sangue,
mas porque ele precisava dela. Os traumas de Lucca eram tão profundos
que eu não tinha ideia de como ele conseguira sobreviver e seguir com
sua vida, mesmo se quisesse. Lucca já demonstrava sua força apenas por
não ter desistido de viver.
Eu não queria assustá-la indo direto ao assunto, mas também não
queria ficar enrolando. Então apenas perguntei sobre como tinha sido a
sua semana, se estava tudo bem. Ela sorriu. É claro que não foi um
sorriso que alcançou os olhos, mas eu ainda ficava impressionada com
como conseguia ser tão forte. Contou-me sobre seus projetos e os
eventos que estava organizando; parecia ser algo que a divertia, que lhe
dava prazer.
Pedi licença e fui até a cozinha, preparei uma bandeja com suco, chá,
café, bolo e croissant. Respirei fundo e voltei para a sala.
— Querida, por que não me chamou para ajudá-la? — Eu dei de
ombros enquanto servia o suco.
— Estava tudo pronto. Não sabia se já tinha tomado café, vamos
aproveitar e comer.
Comemos em silêncio, e mesmo que eu quisesse puxar um assunto,
não tinha certeza se conseguiria.
— Tudo bem. Comemos, bebemos e jogamos conversa fora. Mas algo
me diz que você não me chamou aqui apenas para isso.
— Está tão na cara assim?
— Você está pálida e tremendo tanto que sua xícara bate contra o
pires. — Eu suspirei. Não havia nenhuma maneira de facilitar as coisas.
— Você se lembra das duas semanas que Lucca... passou longe,
quando era criança? Quando Thom o levou? — Seus olhos se encheram
de lágrimas na hora, e ela assentiu.
— Infelizmente, sim, eu me lembro.
— Lucca me disse o que aconteceu. — Ela me olhou como se eu
fosse um bicho de sete cabeças.
— Ele... ele contou?
— Sim — sussurrei. — E eu sei que ele pode e vai provavelmente
ficar muito furioso comigo quando souber que te contei, mas você
merece saber. — Respirando profundamente, eu me sentei ao lado dela e
falei primeiro sobre como tudo naquela noite começara com o desejo
dele de proteger a mãe.
Contei-lhe sobre a culpa que ele sentia por não gostar do pai. Como
ele ficou apavorado quando acordou naquele lugar. Meu coração doía
com cada enxurrada de lágrimas que deslizavam pelo rosto dela.
Falei resumidamente das torturas, e como foi quando Thom disse a
ele que Giorgia não era sua mãe. Como ele se sentiu um peso, como se
sentiu sujo. E a necessidade de proteger seus irmãos mais novos era tão
forte que preferiu se afastar.
Quando terminei de contar, Giorgia tinha lágrimas por todo o rosto.
Eu não podia fazer nada além de abraçá-la e esperar que se acalmasse.
— Eu amo todos os meus filhos, os três. Da mesma forma! Mas
Lucca sempre foi especial. Você sabe o que é irônico? Ele veio da única
mulher que Thom amou. Mas quando descobriu que ela estava grávida,
mandou-a abortar. Eu era sua esposa, ela era a amante, ele não podia
assumir um filho fora do casamento. Então ela me procurou e ameaçou
contar a todos que estava esperando o bebê dele se não lhe déssemos
dinheiro. Thom ficou furioso, mas disse que quando a criança nascesse
ele lhe daria mais até do que ela pedia.
— Então... a mãe biológica de Lucca está em algum lugar por aí? —
Giorgia balançou a cabeça.
— Thom não perderia a oportunidade de me fazer sofrer pelos seus
próprios erros. Ele sempre gostou disso. Então, mandou que a matassem
e trouxe a criança para casa. Imaginou que me humilharia me fazendo
cuidar do bebê.
— Mas isso não aconteceu — sussurrei, já começando a entender.
Ela me olhou e sorriu.
— Não. Eu amei o pequeno bebê no momento em que o vi. Thom não
gostou, é claro. Apesar de seu propósito ser me deixar miserável, me
deixou feliz. Então foi ficando cada dia mais cruel, mais amargo. — Seu
rosto mudou, trazendo toda sua tristeza à tona novamente. — O que ele
fez com meu bebê... eu devia tê-lo protegido mais. Tinha que ter sido
uma mãe melhor, para os três!
— Giorgia, por favor... Não é sua culpa de maneira alguma. Ele é o
vilão da história, não você!
— Mas meu filho acha que eu o odeio porque ele não é meu!
— Qualquer um pode ver que você o ama. Só a forma como olha para
ele mostra isso! Eu precisava te dizer o porquê... você precisava saber
que Lucca não te odeia. Acredito que tenha se afastado, porque pensou
que estava te machucando. Ele era só uma criança. — Minhas últimas
palavras saíram como um sussurro. Mas ela entendeu.
Sabia que meu marido estava destruído por dentro, talvez nem mesmo
tivesse conserto. Mas se eu pudesse pelo menos tirar aquele olhar de dor
do rosto de Giorgia toda vez que Lucca a afastava, eu faria isso. E não
importava se minha ousadia teria consequências depois. Aquela mulher
viveu de forma miserável por toda a sua vida, não merecia sofrer mais.
Assim que entrei no lugar, o cheiro de sexo, bebida e drogas invadiu
minhas narinas. Era praticamente um albergue. Eu odiava aquela merda.
Pagava meus homens bem o suficiente para que cada um tivesse uma
vida pelo menos decente. Mas o nosso mundo não era o melhor conceito
de decencia, e todos eles sabiam os riscos de construir uma família, ter
seu próprio lugar e ter uma vida conciliada com a máfia. Então alguns
deles apenas viviam juntos, podiam acordar e comer qualquer merda, se
exercitar juntos, conversar sobre o que quer que fosse e de vez em
quando se afundar em uma boceta quente.
Para mim, era um risco.
Eu não gostava da ideia de que qualquer inimigo pudesse
simplesmente colocar uma bomba lá, o que me faria perder mais de
trinta homens de uma só vez.
— Chefe — um soldado acenou enquanto eu passava pelo estreito
corredor, ouvindo as vozes deles por todo o canto. Acenei de volta e
continuei caminhando para onde minha atual fonte de irritação estava.
Quando abri a porta de acesso ao porão, já podia ouvir os gritos. O
cheiro de urina era algo que eu já tinha me costumado a sentir.
— Você acabou com meu melhor carro, o meu preferido. Talvez eu
tire o seu brinquedinho favorito em troca? — O homem soltou um grito
de puro terror. Típico. Como Consigliere da Famiglia, a principal
função de Luigi era garantir a paz entre as famílias do círculo. Mas o
que ele realmente gostava era de estar em ação. Não havia nada que o
alegrasse mais do que torturar um homem em busca de informação.
Talvez uma boceta apertada fosse concorrência, mas eu duvidava. O
cheiro da morte era irresistível para ele.
Suspirando, aproximei-me dando uma boaolhada no homem sentado
e amarrado na cadeira.
— Luigi, acredito que você deu a ele incentivos suficientes para falar.
— Movi meus olhos para meu irmão. — Termine depois.
— Você precisa de mim agora? Irmão, era a minha Ferrari. Isso não é
brincadeira! — Eu sabia que o carro pouco importava para ele. Luigi
queria sangue.
Abri a boca para ameaçá-lo, mas seu celular vibrou no bolso.
Pegando-o, Luigi franziu a testa olhando a tela antes de atender.
— Estou no meio de uma coisa agora, mamma. — Ele tirou o celular
da orelha, depois de alguns segundos, e o estendeu para mim.
Tomei-o de sua mão e virei as costas.
— Giorgia.
— Você nunca foi um fardo, Lucca DeRossi! Está me ouvindo? Eu
amei você desde que o tive em meus braços pela primeira vez! — Ela
soluçou. — Não posso acreditar que durante todos esses anos você tenha
sofrido desse jeito, e eu, egoísta, preocupada apenas comigo mesma e
com uma forma de ter meu bebê de volta... por favor, perdoe-me por não
ter sido uma mãe melhor... — sua voz quebrou.
Cerrando os dentes, tentei soar o mais calmo possível.
— Abriela te contou, com certeza.
— O que ela poderia fazer? Está tão chocada quanto eu! Nunca fui a
favor de violência, mas prometo a você que vou matar seu pai. Eu o
detestei por um longo tempo, mas agora... eu o odeio pelo o que ele fez,
Lucca! — ela continuou falando e falando sem parar. Lamentando-se.
Porra, eu odiava aquela merda.
— Preciso desligar. — Ela soltou uma respiração profunda e pude
ouvir um soluço. — Quando eu não atender ao telefone é porque não
quero falar. Não ligue para outras pessoas para me procurar.
Quando desliguei, a adrenalina começou a pulsar junto com a fúria e
os pensamentos esmagadores que foram tomando conta da minha
cabeça. Eu não tinha tempo para lamentações do passado. Era apenas
isso, passado. Estava lá atrás.
Caminhei até meu irmão, que segurava uma faca posicionada sobre o
dedo indicador do homem, pronto para cortá-lo a qualquer minuto.
— Luigi, reunião, agora. Eu quero todos os Capos aqui.
Ele jogou a cabeça para trás e fechou os olhos. Depois focou no
homem novamente e sussurrou próximo a ele.
— Acho que Deus está a seu favor. — Ele levantou a faca, e o homem
suspirou aliviado. — É uma pena que o diabo tenha mais influência
sobre mim. — Então ele desceu a faça sobre os quatro dedos do cara.
Um sorriso diabólico cresceu em seu rosto, enquanto o outro gritava e se
debatia. — Isto é por quase ter me matado. Creio que será uma
motivação para que esteja disposto a abrir a boca quando eu voltar. —
Ele me olhou novamente, limpando a faca na blusa do homem e
guardando-a depois. — Vou preparar a reunião, chefe.
Sai de lá já não aguentando mais ouvir os gritos. Caminhei pelo lugar
e quando cheguei na sala de reuniões, afundei na minha cadeira. Ainda
era de manhã, mas eu já sabia que seria um dia de merda.
Peguei o maço de cigarros no bolso do paletó e acendi um, tragando
profundamente. Eu odiava cigarros. O cheiro, o gosto e o quão
debilitante poderiam ser. E aquela era provavelmente a razão pela qual
fumava tanto, era algo que iria me destruir lentamente.
Peguei minha pasta e tirei alguns documentos dos cassinos e dos
bordéis que precisava analisar. Passei a hora seguinte fazendo aquilo.
Logo meus Capos foram começando a chegar, um por um. Cada um
pousou um beijo na minha mão e tomou seu próprio assento.
Dante chegou e sentou-se no seu lugar, na cadeira ao meu lado. Luigi
se posicionou de pé, atrás de mim. Logo um soldado entrou, serviu a
cada um de nós uma dose de uísque e colocou uma caixa de charutos no
centro da mesa. Quando ele saiu, acenei para Luigi.
Meu irmão mais novo sempre começava as reuniões, pois eu não
gostava de falar mais do que o necessário. Luigi era o simpático, então,
ele fazia as honras.
— Amigos, é bom tê-los aqui. Todos sabem a importância de nossas
reuniões semanais. É bom que o horário tenha permitido que todos
estejam presentes. — Ele caminhou até um dos cofres da sala e digitou a
senha, tirando uma pequena caixa dourada que me foi entregue. — Aqui
estão seus pertences. — Peguei meu anel preto com as iniciais da família
DeRossi e coloquei-o no dedo, passando a caixa para Dante, que pegou
um anel igual ao meu, apenas de uma cor diferente. Ele passou para
Éder, que estava ao seu lado, e assim por diante. Até que todos
portassem seus anéis.
A máfia tinha aquele pequeno costume. Nós não começávamos uma
reunião sem as marcas de nossas famílias. Quando me tornei o chefe,
Thom insistiu que eu acabasse com aquilo. Nem lhe dei atenção. O
primeiro chefe da família DeRossi usou aquele anel, há tantos anos que
eu nem podia precisar. Era uma tradição que eu faria o possível para
manter, pelo menos enquanto me sentasse naquela cadeira.
Assim que todos estavam com seus anéis, levantamos a mão direita e
declaramos em uníssono:
— Prometo pelo sangue e a honra. Me mato ou deixo que um irmão
me mate antes de trair a Famiglia.
Era a mais pura verdade. Eu pensei, enquanto tomava um gole do meu
uísque. Se for trair a Família, é melhor que coloque uma arma na boca e
aperte o gatilho ou corte os próprios pulsos.
— Simone — eu chamei.
O referido acenou do outro lado da mesa.
— Chefe.
— Na última reunião você disse que estava tendo problemas com os
policiais de Nova York.
— Ainda estou. Eles cobraram um milhão a mais do que o
combinado. As famílias de Nova York se recusaram a pagar, e, para
piorar, soube agora há pouco que Santino Legali foi preso. Parece que o
pegaram negociando cocaína pelo telefone. Miami está alvoroçada.
— Devo supor que vocês já estão em contato com o nosso pessoal
dentro da polícia? — perguntei.
— Fiz algumas ligações assim que soube, mas ele foi pego pelo FBI.
O pessoal em NY está frenético, ninguém sabe se ele vai falar.
— Se ele tiver sido inserido no programa de proteção a testemunhas,
descubra onde ele está. Garanta que não abrirá a boca nunca mais.
— Ratos! — Ciro Gianni exclamou irritado. Ele era sempre o
primeiro a perder a paciência nas reuniões de controle.
Pablo Fraccele assentiu.
— Estão por toda a parte.
— Esses filhos da mãe andam em carros de milhões e comem as
melhores vadias, tudo graças à Famiglia. Mas na hora que a polícia
aperta, eles quebram a promessa sem pensar duas vezes. Eu me lembro
da época em que nossos homens feitos não tinham medo de nada —
Graziano Ferrare resmungou, enquanto acendia um charuto.
Aquilo viraria um debate.
— Basta. — Olhei para Simone. — Não quero meu nome ou meu
rosto estampados nos jornais. De nenhum de nós. Então faça com que
Santino não fale. Você deveria ter os policiais nas mãos da Famiglia,
mas vejo que está falhando. — Usei todo meu autocontrole para não
colocar uma bala no cérebro de Simone. Ele me tirava do sério. Sem
contar que eu não tinha certeza se era totalmente leal a mim.
— Vai dizer que você não adoraria dar uma entrevista, chefe? — Éder
brincou.
— Ser uma prostituta da mídia? Minha promessa vale mais do que
isso.
— Tem alguém vendendo no território da Famiglia. Cocaína pela
metade do preço, mais química do que pó — Leon falou.
Eu levantei as sobrancelhas para ele.
— E você quer o quê? Que nós resolvamos isso para você? Sua
família cuida do tráfico, Leon. Se não dá conta, passe a cadeira. — Ele
ficou vermelho de raiva.
— Meu menino mais velho cuidava disso. E não o tenho mais. — Eu
quase ri.
— Deveria ficar feliz por ter se livrado da escória. — Encaramo-nos
por um tempo. Continuei desafiando-o a me responder. Estava louco
para saber se ele fizera parte no ridículo plano de Lorenzo. Mas ele
apenas abaixou os olhos e acenou.
— Vou arrumar alguém para cuidar disso.
Pelas próximas duas horas, nós cuidamos dos negócios da Famiglia.
Foram citados apenas problemas comuns, o de sempre. A concorrência,
o FBI, inimigos calmos demais. Eu estava acostumado. Os anos de
prática como chefe da máfia metreinaram bem o suficiente para saber
quando algo estava chegando.
Quando acabou, eles foram colocando os anéis na caixa e saindo.
Apenas Leon ficou. Eu sabia bem o que ele queria, mas precisava ver
qual atitude tomaria.
— Você pode sair, Leon.
— Ele era o meu filho mais velho.
— Ele ia trair a Famiglia — respondi num tom de voz calmo, porém,
cortante. Meus irmãos estavam apenas observando. Leon me olhou,
cheio de tristeza no olhar.
— Posso pelo menos saber o que ele fez? — Eu pensei por alguns
segundos antes de assentir.
— Esta é a última vez que falaremos sobre Lorenzo. Já que escolheu
ser um traidor, não merece ser lembrado. — Leon assentiu. — Ele não
queria ser apenas o Capo de sua família. Seu alvo era o controle da Cosa
Nostra.
— Mas... para ser o chefe ele precisaria passar por cima de todos os
Capos, não... — Leon parou de falar quando finalmente entendeu.
— Ele atacaria a todos, Leon. — Depois de um tempo ele assentiu,
parecendo em choque, e começou a sair.
Assim que abriu a porta, nós ouvimos uma gritaria infernal vinda de
fora. Luigi pegou sua arma e saiu. Dante e eu não perdemos tempo antes
de corrermos na mesma direção.
— Tu desgraziato! Voei questa morto! — Jimmy Sciaro estava
debaixo de dois soldados no chão, debatendo-se e gritando a plenos
pulmões. Eu suspirei, sabendo que teria problemas pela frente. O garoto
tinha apenas quinze anos e um temperamento impossível.
Assim que me viram na sala, os soldados saíram de cima dele, que
pulou de pé, já se preparando para outra briga, até que me viu. Seus
olhos se arregalaram e pude vê-lo estremecer. Aproximei-me dele
lentamente e parei a pouquíssimos centímetros de distância.
— Você terminou o show?
— Chefe, eu não sabia que o senhor estava... — Cheguei ainda mais
perto e rosnei contra seu rosto.
— Você. Terminou?
Ele olhou ao redor, aparentemente procurando uma saída, mas vendo
que não havia nenhuma, abaixou a cabeça e assentiu. Eu tirei seu chapéu
e o joguei no chão.
— Ótimo. Sala de reuniões. Agora.
Deixando os ombros caírem, ele me seguiu. Dante e Luigi entraram
na sala logo atrás dele. Jimmy ficou na minha frente, se remexendo
sobre os próprios pés, até que Luigi revirou os olhos e o empurrou numa
cadeira.
Eu o encarei a e acendi um cigarro antes de falar.
— Você sabe, garoto, que tem causado um monte de problemas. Não
é nem mesmo minha obrigação, e, mesmo assim, sua ingratidão é
extrema para comigo e meus amigos.
— Eu sei, senhor Lucca, mas se eu voltar para as ruas, meu pai me
mata e...
— Silêncio. — Inclinei-me para frente. — Eu não me importo. —
Recostei-me novamente e suspirei. — Vai me dizer por que estava numa
briga com meus homens, mais uma vez? — Suas bochechas ficaram
vermelhas, e ele negou. — Então você pode pegar seu chapéu e sair.
Não terei um encrenqueiro mentiroso aqui dentro. — Ele levantou a
cabeça e deu um soco na mesa.
— Não sou mentiroso! Eu seria muito fiel a esta Famiglia!
— Controla o nervosismo, boneca. — Luigi deu um tapa na cabeça
dele.
— Então me mostre sua fidelidade e diga por que está arrumando
confusões. — Ele ficou quieto, e Luigi lhe deu mais um tapa.
— Ai! Questo bene! — suspirou e coçou a cabeça. — Eu acordei...
duro. E eles ficavam dizendo que eu estava armado, me importunando
toda a manhã, então, perdi a cabeça. Sinto muito, senhor, não vai
acontecer de novo.
Aquilo me surpreendeu. Luigi segurava o riso. Dante tinha um sorriso
brincando no rosto.
— Você ficou bravo, porque falaram que você estava excitado? —
Seu rosto todo ficou vermelho, e ele se mexeu desconfortavelmente na
cadeira. — Certo. Não vou ter essa conversa com você. Mas vou te
ensinar algo sobre o que aconteceu hoje. — Um sorriso brilhante surgiu
em seu rosto. Como se tivesse acabado de ganhar um prêmio, ele
assentiu. — Primeiro de tudo, nunca mais venha com esse
temperamento de merda para cima de mim.
— Desculpe, senhor.
— Você chegou aqui fugindo de casa, machucado e procurando
trabalho. Eu deixei que você ficasse e não lhe mandei fazer nenhum
serviço, porque você é uma criança, porém, sabe quem eu sou e sabe o
que faço.
— Eu sou realmente grato, senhor. E peço desculpas pelo meu
comportamento.
— Ótimo, agora sente-se e me escute. Numa noite, um amigo estava
jantando em um restaurante em Milão quando um mafioso chamado
Brown começou a ofendê-lo. Brown era um assassino de aluguel e
pensou que sua reputação de ser violento assustaria esse meu amigo.
Meu amigo ouviu tudo em silêncio. O velho nunca falava demais e nem
revelava seus pensamentos. Pouco tempo depois disso, o corpo de
Brown foi encontrado em um porão em Milão. Todas as pessoas do
submundo sabiam que ele havia morrido por ter insultado meu amigo.
Você ameaçou meu soldado lá fora, dizendo que ia matá-lo. E mesmo
que isso não vá acontecer, agiu pela raiva. Precisa se controlar, ouvir
muito e falar pouco. Por mais tentador que seja, nunca fale demais. Boca
fechada e olhos abertos. Entendeu? — O garoto assentiu freneticamente.
Totalmente concentrado nas minhas palavras. — Ótimo. Agora vá lá
fora e se desculpe.
Ele sorriu para mim antes de se virar e sair correndo.
Peguei os documentos que estava analisando antes da reunião
começar e tentei me concentrar neles. Era quase impossível, pois estava
bem ciente que meus irmãos não paravam de me observar.
— Luigi, você não precisa coletar informações de um cara lá fora? —
perguntei sem nem olhá-lo.
Ele deu de ombros e se sentou na minha frente.
— Não é grande coisa. Estou dando tempo para ele entender que vai
ter que falar o que sabe.
— Por que deu abrigo a esse garoto, Lucca? — Dante perguntou,
apoiando-se na parede e cruzando os braços.
— Ele é siciliano, não há ninguém lá fora que vá sentir falta dele,
então, daqui a um ou dois anos ele pode se tornar um soldado.
— Ou você o está estudando para colocá-lo sentado na sua cadeira
quando se aposentar.
— Não seja ridículo, Dante.
— É para isso que existe o bebê que está a caminho — Luigi
comentou, abrindo os braços e dando risada. Dei-lhe meu melhor olhar
matador, mas ele apenas riu mais ainda. — Irmão... o mais velho aqui é
você! Deveria saber que não se transa sem camisinha por aí, ainda mais
com uma meretriz. Não que eu tenha algo contra, sou apaixonado por
elas, na verdade. Mas encape o Lucão.
— Não se refira ao meu pau, muito menos como Lucão. E eu nunca
faria sexo sem proteção com qualquer mulher. — Olhei para ele e dei
meu melhor sorriso sarcástico. — Apenas com a minha esposa, é claro.
É claro que Luigi desviou os olhos e assentiu. O sorriso logo
desapareceu de seu rosto.
Não havia um músculo estúpido em mim, sabia que Luigi sentia
alguma coisa por Abriela. Ele podia manter seus sentimentos para si
mesmo, mas eu estaria lá para lembrá-lo a quem ela pertencia. Dividiria
tudo com meus irmãos. Minha casa, meus soldados, minha fortuna,
qualquer coisa. Menos a minha mulher.
— Já que vocês estão tão confortáveis com esse assunto, vamos
esclarecer. Eu ainda não sei como, nem quando, mas vou descobrir onde
um de vocês dois escondeu a prostituta.
— A família vem em primeiro lugar, e se a suspeita estiver correta é o
seu filho na barriga daquela mulher. Ele tem nosso sangue. Eu a escondi
e vou entregá-la a você quando a criança nascer — Dante declarou sem
nem pestanejar. Levantei-me, indo até o armário de bebidas.
— Faça isso. Coloque mais um bastardo indesejado na equação.
— Não há como alguém saber disso, irmão. Apenas nós temos
ciência. Seria fácil fingir que a criança é fruto de seu casamento.
— Sabemos que Abriela terá seus filhos. Mas crianças nunca são
demais, principalmente se for um menino — Luigi apoiou.
— Não vai acontecer. — Coloquei todo o uísque para dentro.
— Lucca, sabe que o principal motivo deste casamento é dar força à
sua posição e ter filhos. Futuras gerações da família...
— Não vai acontecer, irmão, porque minha esposadescobriu que não
pode ter filhos. — Os dois congelaram, olhando-me com puro choque.
Alguns minutos se passaram antes que Dante falasse novamente.
— O que está dizendo?
— O que eu disse. Abriela é estéril. — Eu não tinha parado para
pensar naquilo até aquele momento. Dizer em voz alta parecia deixar a
situação finalmente real. E eu não sabia como me sentia. Luigi ficou de
pé, se aproximando de mim.
— Mais um motivo para criar essa criança.
— Isso aqui não é um sorteio. É um assunto sério!
— Eu sei. Agora deixe de lado seus medos pessoais que te fazem
recusar um filho, e pense pelo lado da Famiglia. Coloque sua cabeça nos
negócios. Como seria visto você, tendo uma jovem e bela esposa, e com
o passar dos anos não gerar filhos?
— Verão você como fraco, irmão. Sabe disso — Dante apoiou, e eu
sabia que eles estavam certos.
— Sei que parece inimaginável para você, de repente ser pai de uma
criança. Mas alguns meses atrás eu não diria que estaria casado,
convivendo com alguém, e olhe agora.
— Não tem comparação. Eu me casei para o benefício da Famiglia.
— Filhos são benefícios para a Famiglia também. — Balancei a
cabeça, não aguentando mais aquele assunto.
— Preciso sair. Semana que vem o senador Jacob Stetham vem para
Palermo. Mande alguém recebê-lo e deixá-lo à vontade antes de
tratarmos de negócios.
Não lhes dei tempo de responder. Peguei minha pasta e saí de lá.
Precisava pensar. Quando fui abrir a porta do carro meu irmão a fechou
de volta.
— Dante...
— Se matar esta criança Abriela jamais irá perdoá-lo. Esse é o sonho
dela e é a única coisa que te pediu. Você acha que não se importa,
irmão, mas pense novamente. Thom fodeu a sua cabeça, mas o único
culpado das suas escolhas é você. Não se torne aquilo que mais odeia.
— Dante colocou os óculos escuros no rosto e abriu a porta do carro
para mim, indo em direção ao seu logo depois.
— Porra — resmunguei. Definitivamente um dia de merda.
Eu odiava a aparência morta daquele lugar. Estava deitada no sofá da
sala fazendo nada, quando meu bebê começou a latir chamando minha
atenção. Fiquei olhando para ele, perguntando o que podia estar
querendo.
Precisava urgentemente de um nome para ele.
Peguei-o no colo e fiquei brincando. Pensei que poderia estar
querendo fazer alguma necessidade e o levei até o banheiro. Segurei-o
em cima da privada uns bons cinco minutos. Será que ele estava
envergonhado por eu estar olhando?
— Mamãe vai te colocar no chão para você fazer suas coisas de
menino, ok? Pode latir para mim quando terminar.
Eu esperava que ele me entendesse. Esperei uns 10 minutos para
entrar no banheiro, pensando que iria encontrar uma bagunça de coco
por todos os lados, mas só vi meu cachorro correndo em círculos, caindo
e rolando no chão. Ajoelhei-me perto dele e fiquei rindo de suas
gracinhas, mas eu não entendia o que ele queria. Peguei-o de volta e
entrei na cozinha, procurando algo para comer. Então deu um estalo na
minha cabeça. Eu não o tinha alimentado, e ele era só um bebê. Ah, meu
Deus! E se fosse uma criança? Segurei-o novamente nos braços e saí
descalça, com lágrimas pelo rosto, em direção à saída de casa.
Antes que eu pudesse dar um passo para fora da propriedade, um dos
capangas do meu marido colocou-se à minha frente, criando uma
muralha, impedindo-me de dar mais um passo.
— Onde vai, Senhora DeRossi?
— Meu cachorrinho não foi alimentado. Eu preciso ir a algum
vizinho, pedir comida... eu preciso... eu... — gaguejei, sentindo-me
quase sem forças de tão nervosa.
— Não posso permitir que saia sem escolta, senhora. Comecei a
trabalhar há pouco tempo para o Sr. DeRossi e não posso decepcioná-lo.
— Então vá comigo, por favor. Não posso perder mais tempo!
Ele pareceu hesitar, mas uma lágrima caiu de meus olhos, o que o fez
mudar de ideia. Provavelmente assustou-se com meu desespero e
assentiu, me seguindo atá a primeira casa que vi, a alguns metros da
nossa, onde toquei a campainha. Minutos depois uma morena apareceu.
Ela me olhou da cabeça aos pés e quando viu minhas lágrimas franziu a
testa.
— Você está bem, moça? — ela perguntou, e sua voz tinha um leve
sotaque. O que me fez imaginar que não era realmente italiana.
— E-eu não sei o que fa-fazer. Não o alimen-mentei, e ele- ele... —
Eu soluçava e não fazia sentido algum.
— Por que você não entra?
Balancei a cabeça em concordância e me virei para o segurança logo
atrás de mim, que ainda se mantinha calado, pedindo que esperasse lá
fora.
A mulher me puxou para dentro, colocando-me sentada num sofá da
sala.
— Calma. Marrie! — ela gritou, fazendo-me sobressaltar. Logo uma
negra de cabelos cacheados apareceu. Olhou-me confusa, fazendo o
mesmo em seguida para a mulher à minha frente, claramente não
entendendo nada. — Ela chegou há uns cinco minutos desse jeito. Está
gaguejando mais do que sua tia Lulu e eu não sei o que fazer. A médica
aqui é você, então...
A mulher – Marrie – me olhou por alguns segundos, voltou para
dentro e logo apareceu com um copo d’água.
— Eu sou Marrie, esta é Cléo, minha noiva. Eu sou médica, vou te
ajudar, ok? — Assenti e, ela sorriu. — Sabe me dizer seu nome e como
veio parar aqui?
Tomei a água e me acalmei antes de falar.
— Meu nome é Abriela, eu estava em casa, e meu bebê começou a
latir. Daí percebi que não o alimentei. Provavelmente minha empregada
vinha fazendo isso, mas hoje ela saiu para resolver alguns problemas
pessoais, e nem sei se ele comeu! Devia ter procurado na despensa, mas
fiquei muito desnorteada. Levei-o para passear e ao banheiro, dei
privacidade, mas ele não fez trocinhos, então, eu me toquei que podia
ser comida. Desculpem-me o transtorno, eu só precisava achar alguém
que pudesse ter ração em casa. — Respirei fundo. — Vocês devem estar
me achando ridícula, desculpem, foi apenas um sentimento ruim que
invadiu meu peito. Eu devia ter me controlado, mas como vou conseguir
cuidar de outro bebê se eu não me lembro de alimentar esse?
— Certo, e onde está seu filho agora? — Marrie perguntou.
— Aqui, é o meu cachorro filhote — eu disse, fungando e limpando o
rosto com as mãos, apontando meu bebê no colo.
A morena, Cléo, foi a primeira a cair na gargalhada. Marrie tentou se
segurar, mas acabou seguindo a noiva. Ótimo, elas estavam fazendo
piada com a minha cara. Queria perguntar se iam ou não me dar a
comida, e, caso não fossem, eu apenas iria embora. Mas preferi ser
educada já que elas me receberam mesmo sem me conhecer.
— Cléo, pegue um pouco da comida do Gato, não deve ser
propriamente certa para esse bebê, mas vai servir por enquanto —
Marrie disse, passando a mão pela cabecinha dele.
— Muito obrigada por... tudo. — Eu sorri quando a mulher me
entregou uma sacola com a comida dentro.
— Não tem problema. Você vai ficar bem sozinha? — Marrie
perguntou, meio hesitante.
— Sim, eu só... Vou indo. — Apontei para a porta, e Cléo foi na
frente, abrindo-A. — Então, foi... legal conhecer vocês. Se precisarem
de alguma coisa podem me procurar naquela casa lá na frente. — Que
tipo de coisa se falava naquelas ocasiões? Elas acenaram, e comecei a
caminhar de volta para casa. Eu nunca convivi com pessoas que não
fizessem parte da máfia; às vezes tinha até medo de parecer estranha
perto delas.
Assim que saí, encontrei-me com o homem parado, me esperando.
Começamos a caminhar, e ele pigarreou, antes de falar:
— Senhora DeRossi, não faça mais isso. Não tente sair da casa sem
avisar. A senhora não é uma simples civil.
Eu assenti.
— Tudo bem, só pensei que não tivesse problema, estamos seguros
aqui. Os soldados da família estão por toda parte. E eu não vi ninguém
do lado de fora quando saí.
— Alguns dos homens se reuniram nos fundos da casa por alguns
minutos, pois precisavam tratar de um assunto. Fiquei encarregado de
cuidar da porta e da senhora. O único lugar onde está cem por cento
segura é sob a proteção da Famiglia. Pode medizer quando precisar de
alguma coisa.
— Preciso de comida para meu cachorro, procurei pela casa e não
encontrei. — Eu não tinha procurado realmente, mas foi a única
desculpa que encontrei para evitar que ele contasse a Lucca e causasse
uma cena maior ainda. Ele apenas assentiu e parou na porta, abrindo
para que eu entrasse.
Definitivamente, uma prisioneira.
Goretti havia saído logo de manhã, pois tinha alguns problemas
pessoais para resolver. Além dos soldados ao redor da casa, do lado de
fora, eu estava sozinha. A fome começou a crescer e logo a ideia de
cozinhar veio junto.
Eu adorava cozinhar.
Caminhei pelo lugar procurando os ingredientes para fazer um
espaguete rápido. Minha barriga implorava por comida, então, resolvi
preparar algo simples. Enquanto moldava as bolinhas de massa, deixei
meus pensamentos voarem até minha sogra. Depois de conversarmos,
ela quis correr até onde Lucca estava e falar com ele. Fiz de tudo para
acalmá-la, mas ela acabou telefonando mesmo assim. Quando ele
desligou, Giorgia se levantou dizendo que ia embora. Mas me abraçou,
agradecendo por ter compartilhado o que sabia com ela.
Eu não vou mentir, dizendo que não estou com medo de que Lucca
chegue em casa arrebentando com tudo e descontando sua raiva em
mim. Afinal, pela primeira vez confiou em mim e, de acordo com seu
temperamento, não sei se vai ser fácil entender que eu precisava dar esse
passo por ele.
Coloquei a massa pronta na panela com água, deixei fervendo um
pouco mais e preparei o molho temperado enquanto finalizava.
Virei para alcançar o sal e pulei para trás na hora.
— Jesus — minha voz era quase histérica. — Vocês não podiam fazer
algum barulho? — Lucca levantou uma sobrancelha.
— O que está fazendo?
— Almoço. Espaguete. — Uma sombra de surpresa passou pelo seu
rosto.
— E por que você está fazendo? Onde estão os empregados dessa
casa?
Eu pisquei.
— Goretti teve que sair, e eu realmente não tenho problemas em
cozinhar, fazia isso o tempo todo em casa. — Lucca assentiu e começou
a se virar quando o chamei de novo. Ele me olhou.
— O quê?
— Você não está com fome?
— Eu vou sair e comer algo na rua.
Ele realmente preferia comer na rua do que se sentar comigo e
simplesmente almoçar? Eu suspirei discretamente e sorri. Luigi tinha me
avisado que ele parou de se sentar à mesa para as refeições a partir de
uma certa idade.
— Podemos comer na sala, se você se sentir mais confortável. — Ele
hesitou. — Lucca, por favor, você quase não fica em casa, é apenas um
almoço.
Ele pareceu pensar um pouco, depois assentiu. Olhou para o soldado
atrás dele e disse:
— Leve o que ela mandar para a sala. — Sem me dar um segundo
olhar, virou-se, e saiu andando.
— O que posso fazer, senhora? — No momento em que parei para
reparar nele, vi que era um menino novo. Alto, porém muito magro. O
terno estava grande demais e mesmo que ele tentasse manter uma
postura adulta, os traços quase infantis em seu rosto o entregavam.
Vendo que eu estava encarando, ele se mexeu desconfortavelmente em
seus pés. — Senhora?
— Qual seu nome?
— Hum... Jimmy — ele respondeu, coçando a cabeça.
— Você não é muito novo para ser um soldado? — Estreitei os olhos
para ele.
— Não sou um soldado, senhor Lucca apenas mandou que eu o
acompanhasse até aqui. — Seus olhos iam de mim até as panelas.
— Está com fome? — Estranhei o que ele disse, mas não ia
questionar. Suas bochechas ficaram vermelhas, e ele negou.
— N-não, senhora.
Eu assenti. Peguei dois pratos e servi uma porção para Lucca e outra
para mim.
— Leve na sala, por favor.
Ele concordou, engolindo em seco. Assim que Jimmy saiu, peguei um
terceiro prato e servi uma boa quantidade.
— Senhora, algo mais...? — Eu estendi o prato para ele e apontei para
o banquinho do balcão.
— Coma. — Ele negou novamente.
— Está tudo bem, não estou com fome e...
— Então por que está olhando para o prato como se fosse pular nele a
qualquer momento? Não seja orgulhoso. Coma, pegue suco e, se quiser,
repita. — Sorri para ele, deixando-o saber que realmente estava tudo
bem, e sai. Respirei profundamente antes de entrar na sala.
Lucca estava sentado numa poltrona, encarando o prato pousado
sobre a mesinha de centro. O meu estava do outro lado da mesa. Sentei-
me na frente dele e dei uma garfada. Fechei os olhos e gemi; o gosto
explodia na minha boca. Jesus. Estava muito bom.
— Parece estar bom. — Abri meus olhos e foquei nele.
— Não quero ser convencida, mas... cozinhar é algo que eu faço
desde os 14 anos. Sempre preparava o jantar em casa.
Ele ficou quieto e alcançou seu próprio prato, levando uma garfada do
espaguete a boca. Lucca abaixou a cabeça e levantou depois de alguns
minutos.
— Parece que a prática levou à perfeição — declarou, olhando para
mim.
— Que bom que gostou. — Eu me senti aliviada. Orgulhosa. Sorri
para ele e comi mais.
Nós limpamos nosso prato em silêncio, e Lucca nos serviu uma taça
de vinho quando terminamos.
— Você nunca pareceu apavorada por ter se casado comigo — ele
disse suavemente, pegando-me completamente de surpresa pelo tópico.
— Isso é porque eu nunca estive. — Lucca levantou uma sobrancelha,
meio duvidoso.
— Não te assustou? Eu não tenho uma boa fama por aí. — Eu
suspirei, tomando mais um gole do vinho.
— A única coisa que me assusta é o que eu sinto por você. — Ele
ficou tenso quando eu disse aquilo, então, me apressei a prosseguir,
temendo que ele se levantasse e fosse embora, por eu ter, mais uma vez,
falado demais. — Você definitivamente não tem uma boa reputação.
Mas eu cresci na Famiglia, vi casamentos como este acontecerem o
tempo todo. Sabia que uma hora ou outra ia ser a minha vez. Não
imaginei que seria com você, mas se não tivesse sido, era com alguém
de posição inferior à sua na Famiglia.
— Eu não sou bem o tipo perfeito de marido.
— Nenhum de vocês é. Mas, no final, tudo o que você faz, os outros
homens da Famiglia fazem também. Eu e minhas irmãs crescemos numa
casa com três assassinos. Por que eu julgaria você e não julgaria meu
próprio pai? No final das contas, não há diferença.
Ele me olhou por um tempo, então, levantou-se, sentou no sofá de
frente para mim e se inclinou. Eu prendi a respiração quando senti seu
hálito soprando meus lábios. Movi meus olhos de sua boca, para aquelas
lindas íris azuis e esperei para ver o que Lucca faria. Ele se aproximou
mais e me beijou. Na verdade, foi quase isso. Foi mais para um leve
contato. Levantei minha mão na intenção de tocá-lo, aproximá-lo, mas
ele se afastou e pegou-a, pousando um beijo no nó entre meus dedos.
Abaixei meus olhos. Odiava quando ele me afastava, mas, ao mesmo
tempo, aquele carinho inesperado me aqueceu. Sua mão veio ao meu
rosto, levantando meu queixo.
— Giorgia fazia espaguete o tempo todo. Era meu prato preferido
quando criança. — Deu-me um selinho e se afastou de novo. — Não
vou matar... o bebê.
— O quê? — Encarei-o, duvidando que realmente tivesse ouvido o
que pensei ter ouvido.
— Você pode ficar com aquela criança. — Foi como se um peso
tivesse sido tirado de cima de mim. Senti-me aliviada. O maior sorriso
foi brotando no meu rosto, e eu abri a boca para agradecê-lo, mas ele
falou antes: — Mas Stefa não viverá para contar a história. — Minha
expressão de alegria foi embora instantaneamente.
— Mas, Lucca, o que...
— Você acha que ela é honesta e boa, mas eu garanto que não é.
— Não é porque ela é uma mulher da vida que é ruim! — Ele se
levantou e deixou o vinho de lado, servindo-se de uma dose, tomando-a
de uma vez.
— Escolha agora. Ela vive, e você fica longe dessa criança, ou ela
morre — ele abriu os braços dramaticamente —, e você cuida do... feto.
— Eu me levantei, pernas tremendo e olhos quase transbordando de
lágrimas.
— Você está me pedindo para escolher entre matar uma pessoa e
minha única chance de ser mãe?
— Sim.
— Lucca, ela só quer deixar o bebê comalguém que vá cuidar dele e
amá-lo! — Ele deu uma risada sombria e afundou no sofá novamente.
— Dinheiro, Abriela! É tudo o que ela quer. Ter o meu filho nada
mais era do que um plano ridículo de tentar ganhar dinheiro pelo resto
da vida.
— Você está errado — eu respondi meio incerta, quase hesitante.
— Você é ingênua demais para seu próprio bem. — A campainha
tocou, e ele pegou um cigarro, acendendo-o e tragando profundamente.
— Parece que temos visita.
Revirando os olhos, dei as costas para ele e fui ver quem estava na
porta. Surpreendi-me ao ver o médico da Famiglia parado, olhando para
os lados. Coitado. O homem provavelmente vivia desconfiado de que
levaria uma bala a qualquer momento.
— Doutor? — Ele estendeu as mãos e me deu um sorriso forçado.
— Senhora DeRossi.
— Entre. — Fechei a porta atrás de nós e sorri educadamente. — O
senhor veio falar com meu marido?
— Ele me ligou, mas disse que era a senhora quem queria tratar
comigo.
— Hum... tudo bem. Vamos até a sala, ele está lá.
Lucca estava do mesmo jeito de quando saí. O médico caminhou até
ele e estendeu a mão.
— Senhor, precisa dos meus serviços? — Lucca levantou as
sobrancelhas.
— Por que mais eu te chamaria? — Apontou o sofá. — Sente-se. —
O homem correu para se acomodar e ajeitou os óculos no rosto.
— Em que posso ser útil, senhor?
— Você é casado, doutor, vai entender meu dilema. Minha esposa nos
colocou em uma situação complicada, agora você vai resolver para mim.
— O médico me olhou, confuso.
— Senhor DeRossi, se for algo que envolva medicina ficarei feliz em
ajudar, mas se não for eu não sei se...
— Existe uma mulher. Ela diz estar grávida de um filho meu e vai dar
a criança para minha esposa.
Ele arregalou os olhos, abriu e fechou a boca umas três vezes antes de
conseguir formar algum som.
— Um filho fora do casamento de vocês? Não quero ser ofensivo,
senhor, mas isso não é... ruim?
— Oh, é absolutamente péssimo. Por isso mesmo é que é um segredo.
— Lucca se levantou, serviu uma bebida e entregou ao homem.
— Senhor, eu não bebo em horário de trabalho, então...
— Você vai precisar.
O médico tomou o copo e bebeu de uma vez. Não sei como eles
conseguiam tomar tudo num gole só, eu provavelmente desmaiaria na
hora.
— Querida, por que não explica a situação ao doutor? — Ele fez soar
como uma pergunta, mas eu sabia que era uma ordem.
Assenti e olhei para o homem à minha frente. Ele parecia totalmente
desconfortável, olhando de mim, para Lucca e para seu copo, nesta
ordem.
Não querendo prolongar mais, comecei a dizer a ele que pretendia
assumir o bebê, mas não era do meu interesse que as pessoas soubessem
que não era meu. A cada palavra ele arregalava mais os olhos; em certo
ponto até mesmo se levantou e se serviu de mais uma dose ele mesmo.
Quando terminei de falar, seus olhos estavam tão abertos que eu
pensei que fossem pular para fora.
— Realmente não sei o que dizer.
— Diga que pode trazer esta criança ao mundo. Isso é tudo o que
precisa fazer.
— Uma criança que vai sair de outra mulher, mas que a senhora
precisa que acreditem que é sua — ele falou lentamente, como se ainda
estivesse tentando entender.
— Exatamente.
— De quantos meses a mulher está? — Ele suspirou, passando as
mãos pelo cabelo.
— Eu acho que três, pelo que me lembro.
— E vocês estão casados há quanto tempo?
Olhei para Lucca, que estava encostado na janela fumando e
observando tudo em silêncio. — Pouco mais de dois meses.
— Ok. Quando ela tiver nove meses completos, vocês terão oito
meses de casados. Precisará dizer que o bebê nasceu prematuro, que a
senhora teve complicações no parto. O problema será a barriga. Durante
os próximos seis meses, todos vão ver que ela não cresce. E, também,
espere um tempo antes de deixar as pessoas virem visitá-lo, para não
repararem que ele não é prematuro.
Pensei por alguns segundos antes de responder.
— Não tenho problema em ficar em casa, já fico a maioria do tempo
mesmo.
— As pessoas vão estranhar.
— Vou inventar algo.
— Isso é ridículo — Lucca reclamou. — Você pode ir embora. Não
sei se percebe a gravidade do assunto, doutor, mas se essa história vazar,
não hesitarei em ir até você. Fui claro? — O médico assentiu,
levantando-se rapidamente e pegando sua maleta.
— Eu jamais causaria esse tipo de situação. Não sou obstetra, mas
conheço uma parteira, ela mora em Roma e é uma velha discreta.
— Ótimo. Ela será muito bem paga.
Eu sorri. Levantando-me e esticando a mão para ele. Acompanhei-o
até a porta da sala, onde um soldado o levou até a saída da casa. Virei-
me, a fim de olhar para meu marido e agradecê-lo, mas só pelo seu
semblante vi que não estava de bom humor.
— Lucca, tudo bem? — Ele se aproximou e apontou o dedo para
mim.
— Essa criança será uma responsabilidade totalmente sua. Eu nunca a
desejei e nunca vou desejar. — Então ele se virou e saiu. Só então eu
percebi que ele não tinha dito uma única palavra sobre eu ter contado a
Giorgia sobre seu passado. Suspirei de alívio.
— Olá? — Ela atendeu no terceiro toque.
— Stefa?
— Sou eu, quem está falando?
— Hum... É Abriela DeRossi.
— Oh.
— É um momento ruim para você falar?
— Não! Estou apenas surpresa. Não esperava uma ligação da senhora.
— Bem, eu também não esperava ligar, mas as coisas estão indo bem
aqui. E eu queria saber como vocês estão. — Eu queria saber como o
bebê estava.
— Tirando os enjoos irritantes, eu estou bem. Completei seis meses.
— O jeito como ela falou me surpreendeu. Aquela mulher não fazia
ideia de como eu amaria sentir os famosos sintomas da gestação.
— Ah, Stefa, há algo que eu quero falar com você.
— Algo... ruim?
— Não! Quer dizer, depende de como irá encarar. Você já está com
seis meses, e eu gostaria de ver o bebê. Conheço um consultório no
centro, eles te atenderiam bem rápido.
— Certo... e quer ir tipo... agora?
— Se você não tiver planos para esta tarde, eu gostaria. — Ouvi uns
gritos de fundo, e ela deu uma gargalhada.
— Hum, tudo bem. Vou ficar pronta e mando uma mensagem
avisando.
— Certo. Me mande seu endereço.
— Tá, tá legal.
— Até depois, Stefa — respondi, mas ela já tinha desligado.
Parada em frente ao que era claramente um dos prostíbulos da
Famiglia, eu mandei uma mensagem no número dela, avisando da
minha chegada. Não me senti totalmente confortável com Stefa voltando
para aquele lugar enquanto o bebê estivesse em sua barriga, mas quando
contei, uma semana atrás, que Lucca não era mais um risco, ela
começou a arrumar as malas em dois tempos.
Tentei fazer com que ficasse onde estava, mas ela disse que se sentia
melhor com as outras “garotas”. O que eu não gostava nenhum pouco.
Depois de uns dez minutos ela saiu, calçando uma plataforma com
salto enorme, uma saia de couro muito curta e um tomara que caia. Não
foi apenas sua roupa que me incomodou. Quando olhei na mão dela e a
vi segurando um cigarro ainda acesso fiquei louca de raiva.
Abri a porta do carro e pulei para fora, dando passos apressados até
alcançá-la.
— O que você pensa que está fazendo? — Ela me olhou de cima a
baixo.
— Ei, ei, ei! Por que a gritaria?
— Você está fumando! — apontei para o cigarro e praticamente
rosnei.
— Ah, isso... É só uma coisinha pra eu ficar calma. Essa criança está
me deixando louca!
— Stefa, o que está acontecendo com você? — Ela revirou os olhos e
passou por mim, indo em direção ao carro.
— Você não precisa agir como uma chata, o fedelho está bem.
Eu parei, chocada demais para falar qualquer coisa. Ela deu mais dois
passos e congelou, virando-se para me olhar lentamente. Eu não sei o
que ela viu no meu rosto, mas se aproximou e falou suavemente.
— Me perdoe. Os hormônios da gravidez estão me tirando o juízo. —
Passou a mão pela barriga, ainda segurando o cigarro entre os dedos. —
Sei que seu bebê não tem culpa.
Seu bebê. Meu.
Vendo que não respondi, elasegurou minha mão direita e colocou-a
sobre seu ventre. Acalmei-me instantaneamente, sentindo a
protuberância onde o bebê descansava. Stefa jogou o cigarro fora.
— Eu prometo que não vou fumar de novo. E vou tentar não
descontar no bebê minhas frustrações e irritações.
Ela sorriu, mas algo em seu sorriso não parecia certo. Afastando
minhas mãos, estreitei os olhos para que ela visse o quão sério estava
falando.
— Sem cigarros, sem drogas, sem bebidas. E, Stefa, não faça sexo
com ninguém aqui. Vou falar com Lucca para colocar um soldado de
olho em você. E quando for falar assim comigo de novo, lembre-se de
quem sou. E outra, eu não fui até você, você veio até mim. — Ela abriu
a boca.
— Está arrependida?
— Absolutamente, não. Daqui a alguns meses serei mãe, e nada
poderia me deixar mais feliz, porém, você vai ter que cuidar desse bebê
até que eu possa fazer isso. Ela desviou o olhar e colocou as mãos na
cintura.
— Tudo bem, mas não preciso de uma babá. — Levantei o queixo.
— Se não for seguir as minhas regras, seguirá as do Lucca. E, acredite
em mim, ele não será suave como eu estou sendo.
Ela assentiu meio contrariada e foi para o carro. Mesmo que eu
quisesse negar, as palavras de Lucca de uma semana atrás vieram à
memória. Será que eu era ingênua demais em acreditar na “bondade” de
Stefa?
Durante todo o caminho nós ficamos em silêncio. O soldado da
Famiglia encostou na entrada do consultório médico e abriu a porta para
mim. Stefa não o esperou e saiu, parando do meu lado.
— Você tem preferência? — Ela falou de repente, enquanto subíamos
as escadas. Dei de ombros.
— Quero apenas que seja saudável. Será amado de qualquer jeito. —
Se fosse eu carregando o bebê, provavelmente iria querer um menino.
— Se for uma menina, acha que o chefe vai jogá-la fora?
— É claro que não! — Meu rosto estava tomado por ultraje.
Ela deu de ombros e voltou a andar. Hesitei, mesmo firme na minha
resposta. E se fosse uma menina? Depois de ver o quão difícil o assunto
gravidez pode ser e sabendo que essas coisas não estão em nossas mãos,
esperava apenas um bebê saudável. Era provavelmente o único que eu
teria, só queria que fosse um menino ou uma menina perfeitamente
saudável. Mas nem todos pensariam assim. Uma garotinha não traria
tanta felicidade quanto um garotinho.
Quando cheguei na recepção, disse a Stefa para se sentar na sala de
espera e fui falar com a atendente.
— Boa tarde, senhora DeRossi.
— Olá. Está tudo certo para hoje? — Ela olhou para os lados e
abaixou a voz, mostrando um envelope marrom grosso.
— Sim, senhora. O pagamento já foi feito, estamos apenas com sua
ficha e a da moça que está com a senhora, mas será eliminado qualquer
registro dela após a consulta.
— Tudo bem, obrigada. — Virei-me para sair, mas voltei. — Eu vim
aqui algumas semanas atrás e fiz vários exames. — Ela sorriu.
— Eu me lembro. Eu mesma liguei para avisar dos resultados.
— Entendo. Há alguma chance de você ter mandado o exame errado
para o meu e-mail? — Ela inclinou a cabeça.
— Os resultados são enviados pelo sistema, senhora. O exame que
recebeu é o seu. Tem algum problema?
— Não... apenas não foi o resultado que eu esperava. — Ela parecia
não saber o que dizer, mas assentiu, solidária.
— Eu sinto muito.
Assenti e caminhei até Stefa. Ela estava mascando um chiclete e
olhando para os lados impacientemente. Na nossa frente, havia dois
casais, e do lado mais três grávidas. Quantas vezes me imaginei naquela
situação? Eu sentada, acariciando minha barriga cheia e sorrindo feito
boba. Balancei a cabeça tentando me livrar daqueles pensamentos e
peguei uma revista na prateleira do canto.
A mesma médica que havia me atendido nos chamou meia hora
depois. Cumprimentamo-nos e entramos na sala.
Fiquei sentada esperando Stefa colocar a roupa. Logo ela voltou com
a camisola do hospital e se deitou na cama. A médica entrou minutos
depois. Sorriu para nós e se sentou em um banquinho ao seu lado.
— Olá, mamãe. Vamos ver esse bebê? — Stefa bufou.
— Vamos descobrir quem é o pestinha que tem me causado tantas
dores. — Ela falou em um tom falso de brincadeira. A doutora sorriu
sem graça, passando um gel sobre a sua barriga. Tentei relevar aquelas
palavras dela e me forcei a ficar calma, não queria estragar aquele
momento.
— Vamos lá... — Pegou um aparelho e começou a passar pelo ventre
de Stefa. Inclinou-se e apertou um botão no monitor. Minutos depois,
um som encheu a sala. Eu fechei os olhos, não conseguindo conter a
emoção.
A médica não precisava nem falar o que era. Eu já sabia bem.
— Aí está! — a doutora exclamou, tão animada quanto eu.
Stefa me olhou e franziu a testa.
— Por que está chorando? E que barulho é esse, hein? O que há de
errado com a criança?
— Nada de errado. Este é o batimento cardíaco do bebê. Forte e
saudável. — Ela passou o aparelho um pouco mais e parou. — Nenhum
problema com ele.
— Ele? — Arregalei os olhos e me sentei na ponta da cadeira.
— É um menino. — A médica me olhou e sorriu.
Quando nós saímos do consultório, Stefa não parecia nada comovida.
Já eu, não conseguia nem falar.
Um menino. Mal podia sequer começar a explicar o que estava
sentindo.
Quando estacionamos na frente de casa, eu saltei. O carro de Lucca
estava estacionado, e logo vi Juliano encostado no capô, fumando um
cigarro. Acenei para ele e praticamente corri para dentro.
Em passos apressados fui até o escritório e quando cheguei na porta
bati. Lucca murmurou um “entre”, e eu entrei. Girando a maçaneta
rapidamente, empurrei a porta. Fiquei parada olhando para ele. Tão
bonito. Lucca estava sentado atrás de sua mesa diante de uma pilha de
papéis. Forte. Distante. Impenetrável. Olhando assim, qualquer pessoa
diria que ele era um empresário, não o chefe de uma organização
criminosa.
De repente a imagem de um bebê de lindos olhos azuis e cabelos
pretos surgiu na minha mente. Ele se levantou e deu alguns passos em
minha direção.
— Abriela, o que foi? Parece agitada. Stefa te fez algum mal?
— É um menino — eu coloquei as palavras para fora num sopro.
Lucca me encarou, piscou e deu um passo hesitante em minha
direção. Por um momento pensei ter visto seus olhos brilharem. Então
ele parou, olhou para baixo e limpou a garganta.
— Espero que... que esteja feliz. — Eu sorri, fui até ele e fiquei na
ponta dos pés, roçando meus lábios nos dele.
— Obrigada por não ter tirado isso de mim. — Lucca enlaçou um
braço na minha cintura e me olhou profundamente.
— Não faz diferença para mim. Mas se quer me agradecer, mostre sua
gratidão da melhor forma.
Não tive tempo de responder, porque sua boca desceu sobre a minha.
Nós nos beijamos por um longo tempo antes de ele subir a mão direita
acariciando minha barriga por dentro do vestido, enquanto a outra
apertava meu quadril. Segurei seu cabelo com as duas mãos, puxando-o
ainda mais para baixo. Eu queria mais.
— Lucca... — ofeguei contra sua boca.
— Não me tente, Abriela... — Ele me apertou mais ainda contra seu
corpo e gemeu.
— Você não faria nada que eu não queira. — Beijei-o novamente,
descendo as mãos por seu peito e abrindo os botões da camisa. Eu podia
sentir seu membro rígido amassado contra meu estômago e ansiava por
tê-lo dentro de mim.
— Porra de mulher — rosnou.
De repente ele me empurrou para trás, colocando-me com o estômago
inclinado contra a mesa gelada e seu grande corpo roçando atrás de
mim. Ouvi o barulho do cinto abrindo, e ele subiu meu vestido.
Massageou minha intimidade, enfiando só a ponta do dedo dentro de
mim e tirando, dando chupões de leve no meu pescoço e nuca. Arqueava
contra ele, ansiando por isso. Senti a cabeça de seu pênis passando pela
minha fenda e ofeguei de prazer conforme me penetrava lentamente.
Quando estava dentro de mim, ficou uns segundos parado, pegou um
punhado do meu cabelo e puxou, começando um movimento cada vez
mais rápido de entra e sai.Lucca era tão experiente, e fazia cada um
daqueles momentos maravilhosos para mim.
Seus movimentos aceleraram, e eu sentia que ia me perdendo nele,
senti quando bateu num ponto sensível, aquele que Lucca encontrava tão
facilmente, e explodi enquanto ele investia sem dó em mim. Eu adorava
essa fome que nós compartilhávamos; poderia provocá-lo o dia todo se
soubesse que acabaríamos daquele jeito. Quando ele gozava forte dentro
de mim, fazia com que eu me sentisse dele, como se estivesse dividindo
algo seu comigo, me marcando.
Sexo para mim era uma das formas mais íntimas de contato. Lucca
podia me ignorar, me tratar com a indiferença e a frieza que quisesse,
mas sempre me ‘’adorava’’ no sexo, garantindo que eu me sentisse tão
bem quanto ele. Aquilo me provava que uma parte dele se importava
comigo, que algo em mim o afetava.
Eu só precisava exorcizar aquele dia, aqui mesmo nesta sala, nesta
mesa. Não conseguia acreditar que ele tinha sido capaz de fazer tudo
aquilo comigo...
Como alguém te olhar da forma como ele me olhava naquele
momento, mas faz algo tão terrível como ele fez? Depois de nos
ajeitarmos, sentou-se no sofá de canto do escritório, comigo no colo, e
acariciou meu rosto. Eu estava montada nele, mas estávamos vestidos
desta vez. Encarei-o por um tempo e me inclinei, depositando um beijo
em sua bochecha. Ele ficou rígido embaixo de mim, mas não fez nada,
então, aproveitei-me da situação, beijando sua testa, seus olhos, seu
pescoço e, por fim, dei-lhe um selinho.
Lucca tinha a cabeça apoiada no encosto, os olhos focados totalmente
em mim com tanta intensidade. Era quase esmagador.
— Diga-me para ir embora ou eu nunca vou sair daqui — eu
sussurrei, querendo que ele ignorasse e me deixasse ficar perto por mais
um tempo. Seus braços se apertaram em minha cintura.
— Você me tira do eixo — ele falou baixo depois de algum tempo,
analisando todo o meu rosto.
— Isso é bom ou... ruim?
Lucca suspirou.
— Para mim é absolutamente ruim — declarou, movendo os olhos
para longe do meu rosto. Tirou-me de seu colo e ficou de pé.
— O que... — Ele me cortou.
— Marque um jantar aqui hoje, sua família e a minha.
— Um jantar?
— Por mais que eu odeie ter que me sentar e fazer sala por horas, é
necessário. Ou você esqueceu que precisa anunciar sua... gravidez?
— Mentir para as pessoas que amamos. — Meus ombros caíram.
— Que você ama. E foi sua escolha, então... seja convincente.
— Por que seus irmãos podem saber, mas as minhas, não? — Ele
levantou uma sobrancelha para mim e acendeu um cigarro.
— Primeiro, meus irmãos sabem porque você contou quando foi
esconder aquela mulherzinha.
— Não deixa de ser injustiça — resmunguei. — Elas são minhas
melhores amigas, confio nelas.
— Bem... eu não. E não é uma injustiça. Meus irmãos não abririam a
boca sobre qualquer coisa que fosse me prejudicar ou prejudicar a
Famiglia.
— Anita e Alessa também não!
— Sob tortura, qualquer um abre a boca. Suas irmãs foram treinadas
para aguentar a dor e, ainda assim, não falarem nada? — Balancei a
cabeça negativamente. — Meus irmãos foram. Então é melhor que elas
não saibam, há muito em jogo, e eu não vou arriscar.
Assenti. Mesmo sabendo que ele estava certo, doía ter que mentir para
elas.
— Abriela, o que mais te incomoda? Tem mais alguma coisa
acontecendo que eu não sei?
Encarei seus intensos olhos azuis e me perguntei se trazer aquele
assunto à tona desencadearia o lado ruim que por um tempo vinha se
mantendo adormecido dentro dele. Mas se não falássemos, como é que
eu conseguiria viver ao lado de Lucca com aquela dúvida espreitando a
minha mente? A suspeita, o medo e o temor do “e se”, sem saber que ele
poderia se tornar aquele homem que me machucou outra vez a qualquer
momento.
— Pode se sentar comigo por um instante?
Sua testa franziu em desconfiança, e se passaram alguns segundos
antes que ele cedesse ao meu pedido, mantendo ainda uma distância
entre nós.
— O que está havendo?
— Eu... eu quero lhe perguntar algo.
— Sim? Pergunte.
Engoli em seco, minhas mãos começando a suar em meu colo.
— Na verdade, é mais um pedido.
— Se estiver ao meu alcance... — sua voz era calma, mas a postura
permanecia tensa.
— O bebê vai chegar em breve, e eu preciso cuidar dele.
— Já falamos sobre isso.
— Sim, eu sei. — Respirei bem fundo antes de fitá-lo, tentando ser
firme — Não quero ser obrigada a me afastar do meu filho, caso você
tenha um momento de raiva e toda aquela cena se repita. Então, por
favor... pelo bebê, vamos manter a violência fora das portas desta casa.
Suas sobrancelhas se ergueram, e ele ficou quieto por um minuto.
— Como é?
— Eu não tenho muitos direitos no nosso casamento, mas só peço
que...
— Não. Espere... sobre o quê está falando?
Lágrimas de tristeza brotaram em meus olhos ao pensar naquele
incidente, mas as segurei, dizendo a mim mesma que não choraria.
— Quando fiquei de cama, depois de... você sabe.
— Não, não sei.
— Quando aconteceu aquilo no escritório e você disse a todos que foi
um acidente. Você... você me bateu?
Lucca me encarou com total seriedade. Depois de um instante,
sentou-se mais próximo, seus olhos buscando os meus.
— Entendi. Por mais que seja péssimo saber que você pensou o pior,
não estou surpreso. Mas escute-me, posso ter sido rude com você
diversas vezes, sei que não sou o marido dos sonhos e até mesmo já te
disse que não vou me tornar um, mas abusar de você dessa forma...
nunca.
— Mas eu não entendo... tudo aconteceu tão rápido, e quando acordei
naquela cama só consegui pensar nisso.
— Você poderia ter me perguntado antes. — Ele suspirou, passando
as mãos pelos cabelos escuros. — Na verdade, eu deveria ter esclarecido
o que houve, mas fiquei tão desnorteado... sem saber o que fazer quando
te vi ali desacordada nos meus braços que minha primeira reação foi
garantir que receberia cuidados médicos, e depois me afastei.
— Teria sido melhor se tivesse ficado comigo. Eu estava apavorada.
Se você estivesse ao meu lado quando acordei, tudo poderia ser
diferente.
Ele ergueu sua mão, tocando meu rosto e se inclinou, beijando-me
rapidamente.
— Eu sei. Sinto muito que tenha pensado que foi isso o que
aconteceu. Juro que, embora seja o pior dos homens, jamais faria algo
dessa natureza com você.
Enquanto falávamos e ele me segurava, uma leveza se apoderou do
meu peito.
E onde antes o temor pelo inesperado morava, agora crescia mais um
pouco de esperança.
Porque a forma como Lucca DeRossi me olhava me fazia acreditar
em cada uma de suas palavras.
Dante e Luigi chegaram primeiro. Dante me abraçou e perguntou se
eu estava bem antes de seguir até o escritório atrás de Lucca.
Luigi me deu um sorriso forçado e começou a seguir seu irmão. Mas
antes que pudesse se afastar mais, coloquei-me à sua frente, tocando seu
peito para tentar inutilmente mantê-lo parado. Ele olhou para minhas
mãos e me encarou de volta.
— Mantenha as mãos afastadas, bonitinha, são as regras. — Ignorei
seu sarcasmo.
— O que foi que eu fiz pra você?
Ele levantou os braços e inclinou a cabeça para o lado, fazendo sua
voz soar num tom falso de indignação.
— Absolutamente nada. — Tirando as mãos dele, dei um passo para
trás e cerrei os olhos.
— Um mês atrás você me tratava como se eu fosse sua irmã, como
se... como se eu fosse importante.
— Você é. Mas nunca foi como uma irmã. — Fiquei muda por alguns
segundos, ferida por suas palavras.
— Oh... — engoli em seco e assenti. — Desculpe, então, eu... eu
entendi errado.
— Você é mais do que uma irmã.
Arregalando os olhos, olhei para trás para ter certeza que ninguém
tinha ouvido aquilo e sussurrei.
— Luigi você...
— Tudo bem. Você pertence ao meu irmão, é um limite que não vou
ultrapassar.
— Me perdoe se dei a entender qualquer coisa além de... — Ele me
cortou. As palavras estavam saindo afobadas da minha boca, repletas de
surpresa.
Luigi me encarouantes de sorrir torto e passar por mim, na intenção
de sair.
— Não se desculpe.
— Dio! — exclamei exasperada. Puxei seu braço fazendo-o parar e
olhar para o meu rosto. — Pode, por favor, apenas... ser o irritante e
irônico Luigi de algum tempo atrás? — Ele suspirou, abaixou a cabeça e
depois de alguns minutos me olhou de novo.
— Se não fosse casada com ele... — Jesus! Levantei minha mão,
sequer deixando-o terminar aquela frase.
— Não. Não faça isso. Estamos falando do seu irmão! Sou a esposa
dele! — Ele deu de ombros.
— É apenas uma suposição inocente.
— Eu amo o seu irmão — declarei, já desesperada. — Eu o amo.
Luigi me alcançou, segurando meu rosto antes de se virar e soltar um
xingamento.
— Eu sei. Eu sei, apenas... Maledizione!
— Me desculpe. — O que eu poderia dizer? Ele aproximou-se
novamente e beijou minha testa.
— Você é a mulher mais doce e preciosa que já conheci — sussurrou.
Seu beijo em mim nada mais significou do que um sentimento de
segurança. Um carinho. Como poderia sequer comparar com o que a
simples visão do irmão dele me causava?
— Luigi... — sussurrei, quase chorando por vê-lo daquele jeito. Ele se
afastou e sorriu. Era quase o Luigi de sempre.
— Já quebrei muitos corações por aí, bonitinha. — Ele se virou,
saindo, e apontou para mim. — Alguém teria que quebrar o meu um dia.
— Droga — murmurei ofegante, ao mesmo tempo em que a
campainha tocou. Respirei profundamente antes de abrir a porta.
Goretti estava preparando o jantar, e eu não tinha nenhum problema
em atender as pessoas na minha própria casa. Tentando esquecer a
conversa assustadora e atordoadora com Luigi, sorri abertamente quando
recebi minhas irmãs, meu irmão e papai.
Olhar para meu pai me causou uma onda de culpa. Eu não havia
falado com ele depois da morte de Lorenzo, mas tinha medo de que ele
me culpasse por não tentar, pelo menos, mudar a decisão de Lucca.. De
qualquer forma, ele não demonstrou nenhum tipo de aversão ou
ressentimento quando me abraçou. Bernardo tomou-me em seus braços,
levantando-me do chão, e sorriu.
— Você parece mais bonita do que da última vez.
— Você não tem atendido minhas ligações — Anita resmungou.
Minhas irmãs quase me esmagaram num abraço triplo.
— Ela não para de falar sobre como você nos abandonou. Por Dio,
atenda às malditas ligações. — Alessa bufou. Aproximou-se, e fez como
se fosse contar um segredo. — Ela é irritante.
Anita mostrou a língua e revirou os olhos. Sorrindo, nós entramos.
Mal fechei a porta quando a campainha tocou de novo. Desta vez era
o homem que eu tinha o desprazer de chamar de sogro, e, ao seu lado,
Giorgia. Tudo que eu queria era puxá-la para dentro e bater a porta na
cara dele. Mas a etiqueta me obrigava a fazer o contrário e recebê-lo tão
bem quanto qualquer outro.
Minha sogra e eu nos abraçamos. Thom se aproximou e tomou minha
mão num beijo. Eu rapidamente a puxei de volta e nem mesmo o olhei
quando caminhei com Giorgia até a sala.
Lucca, Dante, Luigi, Bernardo e papai estavam conversando perto do
bar. Alessa segurava o braço de Anita enquanto sussurrava algo para ela.
Minha sogra correu para cumprimentar minhas irmãs.
— Vocês estão tão lindas. São certamente o trio de meninas mais
bonitas da Famiglia — Giorgia disse, sorrindo.
Lucca me olhou e tomou um gole da sua bebida. Thom passou do
meu lado e deu uma risada exagerada.
— Meu filho é um sortudo.
Alessa sorriu educadamente sem mostrar os dentes. Anita abriu a
boca, mas um olhar de nosso pai a cortou. Aproximando-me das
mulheres, joguei-me no sofá ao lado delas e começamos a conversar.
— Agora me diga, por que armou este circo? — Anita me cutucou.
— Pare de ser tão apressada.
Ela bufou e cruzou as pernas, fazendo o pequeno vestido rodado
subir. Olhei para o decote muito aberto e de volta para ela.
— Você está tentando irritar o papai.
— Ele levou uma prostituta para casa. Nosso irmão mais velho
morreu, e ele age como se nada tivesse acontecido.
Desviei os olhos dela, não querendo entrar naquele assunto.
— Não precisa ficar desconfortável, Ella. Lorenzo cavou a própria
cova, nós não culpamos você ou seu marido.
Encarei-a surpresa, e ela me lançou um sorriso confortante.
— Pensei que papai estaria de luto. Mesmo que um enterro não seja
permitido, pensei que ele ficaria... mal.
— Ele não deu a mínima. — Ela revirou os olhos, levantando-se.
Anita caminhou em seus saltos pretos até o bar e pegou uma garrafa
de uísque junto com um copo, trazendo-os consigo de volta ao sofá.
Lucca seguiu seus movimentos e estreitou os olhos para ela, que
respondeu com uma piscadela. Ergui uma sobrancelha, e minha irmã
deu de ombros.
— Vai ser uma noite terrível, você sabe. Quanto mais cedo eu
começar a beber, menos vou me lembrar amanhã.
Sim, seria. Eu sabia disso. E pelo olhar no rosto de Alessa ao encarar
Anita, ela sabia também.
Eu estava grata pela mesa de jantar ser redonda. Havia tanta
testosterona naquele lugar que eu não duvidava que eles fossem se
estranhar para ver quem se sentaria à cabeceira.
Goretti adentrou com duas mulheres, contratadas para o jantar
daquela noite. Enquanto ela apresentava os pratos, as duas nos serviam.
O jantar seguiu em silêncio, como de costume, tão desconfortável
quanto poderia ser. A comida estava maravilhosa e foi o que salvou o
momento. Comemos Tortelli, seguido de uma deliciosa Polenta Al
Funghi, para acompanhar, tomamos um vinho tradicional da Sicília que
Lucca deixava na adega particular dele.
Eu podia sentir os olhares sobre mim. Afinal, eu tinha ligado e
convidado a todos para jantar do nada. Era no mínimo... estranho.
Poderia dizer que todos estavam ansiosos para poderem apenas sair logo
de perto de Lucca, só pela cara que ele estava estampando.
Eu respirava fundo, tentando pensar qual seria o melhor momento
para falar logo e inventar uma mentira atrás da outra. A coragem não
vinha de jeito nenhum. Lucca esvaziou sua taça no momento em que
Goretti terminou de retirar os pratos com as duas meninas.
— Não tragam a sobremesa agora — ele declarou, firme. A criada
assentiu em concordância, então, as três saíram rapidamente. — Abriela
gostaria de compartilhar algo com vocês.
Sua voz soava tão animada quanto soaria se estivesse em um enterro.
Sem contar que eu quase cuspi minha água, totalmente pega de surpresa.
Eu tinha pensado que nós terminaríamos a sobremesa, e falaríamos bem
depois. Mas ele parecia ter outros planos. Virei minha cabeça para olhá-
lo, mas Lucca apenas levantou uma sobrancelha.
— Diga, querida. Nossa família está ansiosa.
Ele estava claramente odiando aquela situação, tentando me mostrar o
quão estúpida ela era. Mas eu sabia disso e, ainda assim, a levaria em
frente. Levantei-me, não encarando ninguém, e limpei a garganta.
— Eu quero, na verdade... agradecer por estarem aqui. Eu... —
Merda! Não conseguia dizer as palavras.
Diga logo: Estou grávida!
A mentira parecia tão fácil na minha cabeça, mas olhando todos eles à
minha volta, eu simplesmente não conseguia dizer. Olhei para cada um e
depois para Lucca, esperando que meu rosto não demonstrasse o pânico
que estava sentindo.
Ele moveu seus olhos do centro da mesa em minha direção e abriu a
boca.
— Teremos um acréscimo na família.
Eles ficaram em silêncio por um momento.
Eu ainda encarava Lucca, com muito medo de olhar para qualquer
lugar que não fosse a estranha segurança de seus olhos azuis.
— O quê? — Isso veio de papai, o primeiro a falar. Finalmente tirei
meu foco de Lucca e virei-me para ele.
Um sorriso cresceu em seus lábios, e ele ficou de pé.
— Está... está grávida? — Eu não consegui confirmar. Lucca parecia
ler cada uma das minhas reações.
— Teremos um novo membro na família em breve.
A próxima coisa que ouvi foi o engasgo de alguém, então, Alessa,
Anita e Giorgia correram para me abraçar.
— Oh, Dio mio! Um bebê! Um bebezinho! — Giorgia exclamou feliz
quando umalágrima correu livre em seu rosto.
Uma lágrima escapou do meu também, mas era de desespero. Eu me
sentia sufocada enquanto meu irmão e papai me abraçavam. Lucca ficou
de pé no canto, recebendo os comprimentos e observando toda a
situação.
Dante e Luigi me abraçaram também. Eles sabiam de tudo, mas
precisávamos ser convincentes. Eu só podia pensar o quão louca eles
achavam que eu era.
Depois de toda a euforia passar, voltamos todos à sala. Rapidamente
os homens esqueceram o assunto da “gravidez” e foram para um canto
conversar.
Já minhas irmãs e sogra... não iam esquecer tão cedo.
Giorgia mais chorava do que qualquer outra coisa. Alessa, como
sempre, era a super preocupada. E Anita apenas brincava ao nosso redor,
dizendo o quanto estava animada para ser tia.
— Quando você descobriu? — Giorgia perguntou.
— Hum... algumas semanas atrás.
— Ah... é tão fofo. É o momento perfeito.
— Eu acho muito cedo, mas já me sinto apaixonada por essa criança.
Pelo menos você vai ter alguém para te fazer companhia além daquele
ogro. — Anita sorriu.
Ela não fez questão de falar baixo, e os olhares masculinos se
voltaram a ela, principalmente o de Lucca, que a ignorou
completamente.
— Sabe que eu concordo? É bom, porque uma criança também vai
deixá-la com menos tempo para precisar aturar você — Luigi falou,
afastando-se da roda. E Anita se levantou, sorrindo amplamente.
— E eu espero que você leve um tiro até o nascimento, assim o bebê
não vai ter o desprazer de te conhecer.
— Touchè. — Luigi riu brevemente, levantando a taça para ela.
— Xeque-Mate — rebateu, jogando-se novamente ao meu lado. —
Idiota, estúpido.
Thom se aproximou e levantou a taça em minha direção.
— Minha linda nora... Espero que seja um menino! — Quase revirei
os olhos. Claro que ele esperava. Eu já sabia o que era e não tinha
nenhuma intenção de deixá-lo chegar perto demais do meu bebê. Anita
olhou para ele e sorriu falsa.
— Eu espero que seja uma linda menininha. Vou ensinar muitas
coisas a ela.
— Bobagem, será um menino — Thom replicou, bufando.
— É claro... porque certamente precisamos de mais um Freddy
Krueger correndo por aí daqui a alguns anos.
Thom se aproximou mais ainda, seus olhos ficando duros.
— Está se referindo a quem? — Anita colocou a mão no queixo,
como se estivesse pensando.
— Hum... aos assassinos desta maravilhosa família, talvez.
Toda a conversa na sala parou, e eu podia prever que a situação
ficaria feia muito em breve.
Thomas deixou a taça de lado e apontou o dedo para ela.
— Eu já tinha ouvido falar do seu desrespeito, mas não imaginei que
fosse tão absurdo. É desonroso.
— Fui criada por mafiosos, o que o senhor esperava de mim? — ela
soltou, sua voz escorrendo sarcasmo.
— Mafiosos não são mal-educados e sem classe como você, menina.
— Ele olhou para meu pai e balançou a cabeça. — O que lhe faltou foi
alguém para colocá-la em seu lugar.
— Está se oferecendo para fazer isso... Brutus? — Anita falou, e
Thom deu longos passos até ela, pronto para soltar sua fúria.
— Ora, sua vag...
— Thom — Lucca advertiu.
Papai chegou perto, vermelho de raiva, e colocou sua bebida sobre a
mesa de centro, enquanto encarava meu sogro num olhar mortal,
dizendo:
— Lucca, acho que esta noite deve ser terminada. — Meu marido,
que permanecia parado no mesmo lugar, como se nada o abalasse,
apenas assentiu.
— Sim, é o suficiente. — Eu fechei meus olhos e suspirei.
Definitivamente, um desastre.
Lucca e eu acompanhamos nossos convidados até a porta, e minha
irmã sussurrou um pedido de desculpas no meu ouvido, que eu respondi
com um beijo demorado na bochecha. Anita não tinha estragado nada, a
noite estava fadada a ser terrível. O único intuito era anunciar a grande e
mentirosa notícia, e conseguimos. Era o que importava, afinal.
— Não foi tão ruim, foi? — perguntei a Lucca, recebendo um arquear
de sobrancelhas.
— Foi um desastre.
— Mas pelo menos todos já estão cientes. — Ele fechou a porta e me
acompanhou de volta à sala.
— Tenho umas coisas para resolver no escritório, mas... estou
curioso. — Colocou as mãos no bolso da calça e me fitou com olhos
estreitos.
— O quê?
— Vendo como Giorgia e suas irmãs não se afastam de você um
minuto sequer, como pretende enganá-las por meses?
— Enganar é uma palavra muito forte, Lucca.
— Como você prefere? — Ele bufou.
— Omitir, para o bem de todos.
— Muito bem, estou ansioso para ver como sua omissão para o bem
vai funcionar. — Ele parecia se divertir com a minha resposta. Virou as
costas, já saindo.
— Você pode me ajudar com os detalhes.
Ele não respondeu, mas parou por apenas um segundo, então, voltou a
andar. Tinha ouvido, mas preferiu me ignorar.
Com um suspiro, fui até a cozinha atrás de Goretti e a encontrei
comendo o que parecia ser um pão de mel. Ela me olhou e sorriu.
— Menina! Precisa de algo? — Eu neguei com a cabeça, esfregando
uma mão na outra nervosamente.
— Antes de irmos nos deitar, eu gostaria de falar com a senhora. —
Ela acenou lentamente, o sorriso desaparecendo um pouco. Parecia saber
exatamente o que estava por vir.
— Eu estava tão solitária, e a senhora chegou me ajudando... —
Suspirei, segurando as lágrimas. — Amo sua companhia nesta casa e
adoro como cuida de tudo. Mas... Lucca e eu estamos finalmente bem, e
quero aproveitar este momento entre nós dois.
Se eu não podia confiar nas minhas irmãs com um segredo daquele
tipo, não podia confiar em Goretti também. Ela iria para a casa do meu
pai, pelo menos pelos próximos meses. Minhas irmãs precisavam de
alguém lá, e eu tinha certeza de que minha mais nova amiga seria
perfeita para cuidar tanto delas quanto do meu irmão e de papai.
— A senhora tem todo o direito de não querer mais meus serviços.
Peço perdão se foi algo que fiz e... — Eu corri para abraçá-la.
— Oh, não! Você tem sido perfeita! Apenas precisamos de um...
tempo sozinhos. — Ela sorriu e assentiu.
— Eu imaginei que isso fosse acontecer. E estão certíssimos! Nesses
primeiros meses da gravidez tudo fica mais intenso, a senhora vai querer
ficar sempre com o pai deste bebê! — Ela se abaixou e deu um beijo em
minha barriga, onde, não só ela, mas toda a minha família pensava que
crescia uma vida. Engoli em seco e tentei ao máximo sorrir.
— Minhas irmãs vão adorar tê-la naquela casa para cuidar de todos
eles.
Quando disse sim para Stefa, nunca pensei que teria de fazer ou
passar por algo ruim. Mas eu estava traindo a máfia, mentindo para a
minha família e passando por cima dos sentimentos de todos a quem
amava apenas para realizar o meu sonho.
Um único sim ocasionando tantos nãos.
Eu só esperava que meu egoísmo valesse a pena.
Um mês tinha se passado. Alguns dias pareciam demorar anos, e
outros pareciam minutos.
Minha vida não tinha mudado em nada, mas era estranho viver
literalmente confinada dentro de casa. Eu estava acostumada aos limites
que a Famiglia impunha, mas nada se comparava àquela fase. Antes eu
podia pelo menos viajar, passear com minhas irmãs e amigas mais
próximas. Podia ficar fora de casa, desde que à vista de todos, porém,
isso tinha mudado.
Todo nosso círculo pensava que eu estava grávida. Uns dois ou três
dias depois de darmos o jantar em casa, eu comecei a receber ligações
das esposas da Famiglia. Convites para chás, almoços e jantares. Então
percebi que tinha oficialmente entrado para o clubinho materno. E
exatamente por isso, não podia deixar nossa casa. As pessoas veriam que
não havia nenhuma barriga nem o tal brilho da gravidez. Eles
descobririam e seria um escândalo.
Stefa tinha acabado de completar sete meses de gestação. Me
mantinha sempre em contato com ela, que, por sua vez, me enviava
fotos da sua barriga quando conversávamos. Era impossível não me
acabar em lágrimas sempre que via o crescimento nítido do meu filho
em seu corpo.
Eu estava tão feliz. Mas viver aquela experiência através de outrapessoa às vezes era desgastante. Porém... faltava pouco tempo para o
pequeno bebê estar comigo, e saber disso renovava meu ânimo.
Uma vez mostrei uma das fotos para Lucca. Achei que talvez fosse
dar a ele alguma vontade de fazer parte daquilo. Mas o resultado não foi
bem esse, ele apenas encarou a foto e se trancou em seu escritório.
Então eu não falei mais sobre o bebê nem sobre Stefa.
Lucca mudava aos poucos comigo. Pequenas frações, mas estava
acontecendo. Ele falava sobre os assuntos da Famiglia, perguntava se eu
estava bem, como tinha sido meu dia, até mesmo me abraçava depois do
sexo. O que, no caso, era constante. Ele me pegava em qualquer lugar da
casa, a qualquer momento. Mesmo que eu raramente acordasse com ele
ao meu lado, eu não reclamava e nem pensava nisso. Qualquer tempo
que passasse comigo me deixava mais do que feliz.
Sem ser os assuntos do dia a dia, nós não conversávamos muito.
Coisas como jogar conversa fora ainda não existiam para nós dois.
Goretti não estava mais conosco, então, eu fazia o jantar todos os dias.
Os funcionários da casa se recusavam a comer, mas o temor deles era
compreensível.
Lucca podia até ser educado comigo, mas sua atitude com o resto das
pessoas era a mesma de sempre.
Em uma das noites preparei uma lasanha. Tinha acabado de me sentar
à mesa sozinha para comer quando meu marido chegou. Ele me olhou
por uns minutos antes de sair. Quase pulei de alegria quando ele voltou,
sentando-se comigo, pousando seu prato à sua frente e nos servindo uma
taça de vinho. Comemos em silêncio e, quando acabamos, Lucca tirou
nossos pratos e levou à cozinha. Logo depois pegou minha mão e me
levou para o quarto.
Não falamos uma palavra, não houve conversa. Não fizemos amor;
Lucca me fodeu intensamente até que eu desmaiei. Foi uma das noites
mais prazerosas da minha vida, e eu faria tudo de novo.
Agora mesmo, estava parada no meio do corredor, olhando para a
porta de um dos quartos. Estive adiando abri-la desde que ficou pronto,
três semanas atrás.
Meu cachorrinho, que eu ainda não tinha decidido como chamar,
estava no meu colo. Eu simplesmente não encontrava um nome perfeito
para ele. Nenhum parecia bom ou fofo o suficiente. Ele era meu
companheiro de todas as horas. Nesses meses enclausurada dentro de
casa, meu marido e meu bebê de quatro patinhas tinham sido minhas
melhores companhias. Lucca proibira que qualquer soldado entrasse em
casa. Os funcionários responsáveis pela limpeza estavam autorizados a
entrar, mas eu nunca ficava por perto. Quando era avisada de sua
chegada, eu corria para o quarto e esperava até que saíssem novamente.
Dante e Luigi eram uma presença constante. É claro.
Luigi conversava comigo, brincando normalmente, e, na maioria das
vezes, eles ficavam para o jantar. Mas, no geral, agia com distância.
Na última vez em que eles foram à nossa casa, assim que saíram,
Lucca me abordou, me pegando totalmente desprevenida enquanto eu
me trocava. Ele estava na cama, apoiado contra a cabeceira.
— Luigi está apaixonado por você. — Minhas mãos congelaram. Não
me atrevi a encará-lo.
— Hum... ele me vê como uma irmã. — Condenei-me mentalmente
por ter mentido tão na cara.
— Não minta para mim. Ele está apaixonado por você, e você... sabe
disso. — Eu permaneci em silêncio, e ele se levantou. Não olhei para
ele, mas senti quando o calor de seu peito rígido foi pressionado contra
minhas costas.
— Não vou aceitar uma traição, Abriela. — Encarei-o, incrédula.
— Eu nunca trairia, você, principalmente com seu irmão! — Ele
estreitou os olhos, lembrando-me de que seu rosto era uma máscara fria.
— Por que não? Só por que ele é meu irmão? — ele continuou, antes
que eu pudesse responder. — Sente alguma coisa por ele?
— Não! — respondi, já exaltada. Ele não vestia nada além de sua
boxer e parecia gostoso demais para que eu me concentrasse em
qualquer outra coisa. Soltei o nó que estava tentando amarrar e deixei
que a seda escorregasse para fora do meu corpo. Os bicos dos meus
seios enrijeceram com o contato do vento, e eu me virei, pressionando a
frente do meu corpo contra o dele. Peguei suas mãos, levando-as até
meus peitos sensíveis e as apertei, amassando minha carne. Gemi e dei
um beijo no topo do seu tórax. — Eu não sinto nada por ele. Não posso
sequer olhar para outro homem que não seja você, Lucca.
— Bella mia... — ele sussurrou, com olhos incendiados de prazer, e
me beijou ferozmente. Eu não conseguia evitar sorrir ao lembrar o
apelido que Lucca tinha me dado. Ele usava exclusivamente na cama,
tornando algo íntimo e só nosso. E eu amava. Desconfiava que ele não
planejava me chamar assim, só em momentos em que o prazer falava
mais alto, quando nossos olhos estavam grudados um no outro assim
como nossos corpos.
Afastando as memórias, coloquei minha mão sobre a maçaneta de
madeira branca e a girei, empurrando a porta e abrindo-a.
Minha respiração ficou presa. Senti meus olhos marejarem no mesmo
momento, e um caroço na garganta impediu o soluço preso.
Jesus.
Era perfeito!
O quarto era tão delicado que eu tinha medo de tocar qualquer coisa e
estragar. Tirei minha sapatilha e deixei-a de lado, entrando logo depois.
O lugar remetia um estilo meio “príncipe”, e eu simplesmente amei.
Passei a mão pela madeira clara do berço, depois pelos panos do
lençol e das mantas. Peguei uma almofada e sentei-me na poltrona com
apoio de pé na frente. Aquele móvel era para amamentar o bebê. Uma
onda de tristeza passou por mim, sabendo que eu não faria aquilo.
Respirei fundo e murmurei comigo mesma.
— As mamadeiras existem para isso. Ele vai me amar como eu já o
amo, independente de onde o leite vai vir.
Voltei a olhar ao redor do quarto, ainda sentada. Entrava uma luz
natural por trás das cortinas da grande janela. Havia uma cadeira de
balanço no meio, além de uma cômoda com uma pequena banheira
embutida em cima.
Tinha uma estante encostada em uma das paredes, cheia de livros. Eu
havia encomendado todos os tipos de títulos úteis. Desde “O que fazer
com o recém-nascido” até “Como trocar a fraldinha”.
Não sabia nada sobre como cuidar de bebês, e até que se passasse
pelo menos um mês depois de ele nascer, eu não poderia ir atrás de
qualquer mulher que tivesse sido mãe para me aconselhar e ajudar.
Precisava esperar, e se perguntassem o porquê de ele ser tão grande se
nasceu “prematuro”, eu daria qualquer desculpa.
“Ele tem comido bastante.”
“O organismo de cada bebê é diferente.”
“Passou um mês, ele cresceu.”
Fiquei naquele quarto uns bons vinte minutos. Cada detalhe era uma
surpresa para mim. Mesmo tendo dito exatamente o que eu queria para a
empresa que fez o serviço, fiquei surpresa. Ter a ideia na cabeça e ver ao
vivo são coisas totalmente diferentes. Eu só poderia estar mais feliz se
Lucca fizesse parte daqueles momentos comigo.
Quando saí, fechei a porta e coloquei meu cachorrinho no chão.
O contraste da porta branca com as outras, marrons-escuras, era
gritante. Era... feio.
Parecia que ninguém vivia lá. Não tinha nem aqueles quadros
assustadores no ambiente. Só um desnecessário relógio enorme e as
escuras paredes sem graça, o piso sem graça e o teto mais sem graça
ainda.
Eu precisava dar um jeito naquilo urgente.
O telefone da casa tocou no momento em que eu descia a escada. Já
fui pensando numa desculpa para dar a quem quer que fosse.
— Sim?
— Amanhã vamos almoçar juntas — Anita falou sem nem me dar
“oi”.
— Estou bem, obrigada por perguntar, e você? — respondi
ironicamente.
— Eu estou sempre bem. Minha preocupação é você e meu sobrinho
ou minha sobrinha! — Engoli o nó na garganta.
— Nós estamos bem, não há por que se preocupar.
— Estou com saudades, todos nós aqui estamos! Droga, Ella! Seu
marido está te proibindo de sair de casa? — Minha irmã não tinha
problemas em demonstrar seu ódio por Lucca.
— Que bobagem, Anita. É claro que ele não está.
— Entãopor Dio! Qual é o problema? Eu quero te ver grávida! Sentir
o bebê, os chutes, ver você redondinha! Posso pelo menos ir até aí?
Eu quase ri. Ela nunca me veria grávida. Sabia que mentir e continuar
inventando mentiras seria difícil.
Suspirando, cerrei meus olhos fechados.
— Eu não quero ver ninguém.
Ela ficou em silêncio alguns minutos, antes de sua voz tensa soar de
novo.
— Por que não?
— Eu só... só não quero! Quando o bebê nascer você poderá vê-lo
sempre. Apenas... não agora.
— Você tem certeza que está bem? Se isolar durante nove meses não
parece normal para mim. — Estava ficando irritada. Minha irmã era tão
insistente!
— Não estou me isolando, eu saio de casa. — Era uma mentira. Mas
ela não tinha como saber disso.
— Mesmo? — sua voz era irônica. — E aonde você foi? Ao jardim?
Pensa rápido. Pensa rápido. Pensa rápido.
— Eu fui ver o bebê. — Ouvi sua respiração profunda, então, um
grito afiado:
— VOCÊ NÃO NOS CHAMOU?
É claro que eu não tinha chamado. Eu tinha acompanhado Stefa no
médico apenas duas vezes, e uma delas foi quando soubemos que era um
menino, no mesmo dia do jantar, quando anunciei a “gravidez”. E,
naquela época, eu ainda não poderia estar com tempo suficiente.
— É um menino. — Ela parou de gritar no mesmo momento.
Segundos depois, seus gritos se tornaram de euforia.
Não conseguia entender nem uma palavra. Eventualmente, mais vozes
preencheram o outro lado, o que eu imaginei ser minha família.
— É um menino! Oh, Dio nostro! Uno bello ragazzo! — O inferno
desceu naquela casa. Minhas irmãs gritando e rindo ao fundo. Papai
pegou o telefone e riu.
— Meraviglia! Estou tão orgulhoso, Ella!
— Obrigada, papai — respondi, sinceramente.
Orgulhoso. Essa era a palavra. Não “feliz” nem ansioso para ensiná-lo
a pescar, jogar bola e empinar pipa. Estava orgulhoso. Porque
supostamente eu fui uma boa garota e fiz um filho homem, o herdeiro do
meu marido, a garantia de que os DeRossi continuariam em meio
àquelas famílias.
Eu sabia que toda a comemoração era porque o bebê era um menino.
Uma menina não causaria tanto entusiasmo assim.
Eles ainda estavam falando quando a campainha tocou. Despedi-me
rapidamente e fiquei de pé. Já estava no meio do caminho quando parei.
Merda.
Lucca não tocava a campainha e, se não era ele, eu estava muito
ferrada.
Estranhei que os soldados tivessem deixado alguém chegar até a
porta. Eles receberam ordens claras de não deixar ninguém passar por
um bom tempo.
Podia ser Luigi ou Dante. Eu estava rezando pra que fosse um deles.
Tentando me acalmar, girei a chave na porta e fiquei atrás dela.
Abrindo-a, coloquei só a cabeça para fora.
Congelei ao ver a minha sogra de pé.
— Giorgia? — eu sussurrei; não tinha ideia do que fazer a seguir.
Ela ia ver. Era o fim.
— Querida, vai me deixar entrar? — continuei parada. Ela franziu as
sobrancelhas. — Está ficando pálida, Abriela, deixe-me entrar. Vim para
conversarmos. — Meus olhos se encheram de lágrimas.
— Giorgia, eu não... — minha voz era apenas um sussurro fraco.
Ela me odiaria.
— Querida... eu vou entrar. — Seus olhos suavizaram.
Relutantemente me afastei, correndo para a sala, onde afundei no
sofá. Coloquei uma almofada sobre meu colo, tampando a barriga lisa, e
aguardei.
Cada “tack” do salto dela no chão fazia meu coração bater mais
rápido. Obriguei-me a parecer calma. Calma e grávida. Grávida. Jesus...
Quem diabos a deixou entrar? Ela parou no arco da sala e cruzou os
braços, olhando-me.
— Você parece exatamente como eu antes de Lucca chegar. Nervosa,
ansiosa, preocupada... desconfiada. — Forcei um sorriso.
— Estou ansiosa, realmente.
Por favor, não queira tocar minha barriga. Não queira vê-la.
Ela me olhou atentamente, antes de me surpreender tirando os saltos e
sentando-se no sofá, apresentando uma postura totalmente diferente da
que eu estava acostumada.
— Eu ficava pensando todo o tempo como seria quando ele
finalmente estivesse em casa. — Giorgia sorriu. — E quando, enfim, o
tive em meus braços, não queria deixá-lo por nem um minuto. Amava
abraçar, tocar, apertar, dar banho. Eu amei até mesmo trocar as fraldas.
Me perguntava todos os dias... Será que ele vai me amar?
Uma lágrima escorreu em meu rosto, mas não me preocupei em
limpá-la.
— A resposta para essa pergunta veio com o primeiro sorriso dele. E
a primeira palavra... “mamma”. Ali eu sabia que tinha válido a pena
mentir para quem quer que fosse para criá-lo como meu.
Meu coração pulou ao ouvir isso.
— O que eu quero dizer... É que não importa que esse bebê não tenha
seu sangue. Ele não poderia ter uma mãe melhor do que aquela que
abriu mão de seus próprios princípios para tê-lo.
Caí em lágrimas, afundando o rosto em minhas mãos, soluçando. E de
repente ela tinha os braços ao meu redor.
— Shh... tudo bem. Tudo bem...
Ela sabia. Ela entendia.
Eu chorei mais forte ainda.
Não sei quanto tempo se passou, mas, eventualmente, Giorgia foi até
a cozinha, voltando minutos depois com um copo de água.
Eu tomei longos goles até esvaziá-lo. Envergonhada, encarei-a.
— Como foi que descobriu?
— Luigi chegou bêbado ontem à noite. Imagine só, eu cuidando
daquele grandalhão que mal se aguentava de pé.
Eu ri da imagem, ficando séria logo depois.
— Lucca não vai gostar de saber que Luigi fala demais quando bebe.
Ela assentiu; seus olhos se enchendo de algo que não soube decifrar,
tristeza talvez.
— Ele nunca bebe demais. Algo ruim provavelmente aconteceu para
que o fizesse. Mas enfim... Agora entendo por que você tem ficado em
casa.
— Como fez enquanto esperava Lucca nascer?
— Thom me fez ir para o Alasca, e eu disse a todos que estava
deprimida. Que queria ficar sozinha. — Suspirei. Parecia que nada mais
sobre aquele homem poderia me surpreender.
— Me pergunto se ele não se cansa de ser ele mesmo o tempo todo.
— Eu duvido muito.
— Mas então... — Eu disse ainda hesitante. — Não me odeia?
— Por que diz isso?
— Bem... eu estou enganando a todos.
— Menina boba. É isso que me faz ter ainda mais orgulho de você.
Meu neto terá uma mãe incrível e forte, que sacrificou muito por ele.
Será um sortudo. — Ela sorriu de verdade, e eu não pude evitar retribuir.
Fiquei quieta por alguns segundos.
— Eu não posso ter filhos — minha voz era quase um sussurro.
Giorgia balançou a cabeça, sorrindo, e pegou minha mão.
— Querida... você já tem. E aceitar o bebê do seu marido com outra
mulher, se dispor a cuidar dele e amá-lo... isso é ser mãe, ver a
necessidade dos outros acima das suas próprias e ter o coração maior
que o mundo.
Pensando no que ela disse, eu sorri. Porque, sim... eu já era mãe.
Tinha sido uma manhã tranquila. Lucca veio para casa, e nós
almoçamos juntos. Na verdade, eu almocei, e ele fez de mim sua
sobremesa — palavras dele —, depois voltou ao “trabalho”.
Eu jamais poderia imaginar que receberia uma ligação da Stefa
apavorada, gritando e chorando. Não perdi tempo em mandar um
soldado buscá-la e trazê-la para casa. Lucca podia me matar por isso,
mas eu não deixaria o bebê correr riscos. Foi assim que me vi diante da
pior situação que poderia ocorrer: o bebê estava nascendo e não era a
hora. Ela estava com pouco mais de oito meses de gestação, ainda era
cedo. Em um dos quartos da casa, Stefa gritava enlouquecida na cama.
Éramos apenas nós duas no cômodo; eu queria chegar perto e apertar
sua mão, mas ela estava bastante agressiva, então, achei melhor ficar
longe.
Queria perguntar o que ela fez para acelerar o processo, se tinha
contrariado algo alguma das minhas instruções ou do médico, mas
naquele estado de nervos, eu estava sem cabeça para pensar, e ela, com
certeza, não teria foco para me responder.
Seu rosto pingava de suor, a pele estava vermelha, e algumas veias,
saltadas. Ela sentia dor e não disfarçava isso.
— OH, SANTO DIO! TIRE ESSA COISA DE MIM, ESTÁ ME
MATANDO!
Fechei meus olhos, respirando profundamente.

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