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UNIVERSIDADE PAULISTA - UNIP MICHELLE BALÓ A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA OU INVOLUNTÁRIA DE DEPENDENTES QUÍMICOS E A GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SÃO PAULO 2014 MICHELLE BALÓ A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA OU INVOLUNTÁRIA DE DEPENDENTES QUÍMICOS E A GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de Graduação Direito apresentado à Universidade Paulista – UNIP. Orientadora: Profª. Dra. Camila Barreto Pinto Silva. SÃO PAULO 2014 MICHELLE BALÓ A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA OU INVOLUNTÁRIA DE DEPENDENTES QUÍMICOS E A GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de Graduação Direito apresentado à Universidade Paulista – UNIP. Aprovado em: Local: ________________________ Data: ______/____/_____________ Nota final: ____________________ BANCA EXAMINADORA _______________________/__/___ Profa. Dra. Camila Barreto Pinto Silva Universidade Paulista – UNIP _______________________/__/___ Universidade Paulista – UNIP _______________________/__/___ Universidade Paulista UNIP AGRADECIMENTOS Dedico especial agradecimento à minha mãe Elva, meu pai László (in memoriam), aos meus irmãos Daniel e Tomas, ao meu tio Carlos por sempre me apoiarem e me incentivarem nas minhas batalhas acadêmicas e, à minha orientadora por acreditar em mim. RESUMO O presente trabalho foi desenvolvido a partir de pesquisa bibliográfica, vivências pessoais na área de dependência química como psicóloga clínica e análise dos episódios sobre o tema expostos na mídia. Atualmente, a dependência química corresponde a um evento vastamente divulgado e debatido, pois o uso nocivo de substâncias tornou-se um grave problema social e de saúde pública. A dependência química é caracterizada como o consumo sem controle, geralmente ocasionando sérios problemas para o usuário. Os critérios estabelecidos pela CID - 10 para diagnosticar dependência de substância auxiliam ao médico a diagnosticar a doença. Em 1938, o Decreto-Lei N° 89 já versava sobre internação sem consentimento do paciente em determinados casos. Hoje, a Lei n° 10.216, de 6 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, é a lei que disciplina a internação dos dependentes químicos, ou seja, determina quando poderá ser realiza a internação e se ela será voluntária, involuntária ou compulsória. Em 26 de dezembro de 2002, a Portaria n.º 2391/GM foi publicada e regulamenta o controle das internações psiquiátricas involuntárias (IPI) e voluntárias (IPV) de acordo com o disposto na Lei 10.216, e os procedimentos de notificação da Comunicação das IPI e IPV ao Ministério Público pelos estabelecimentos de saúde, integrantes ou não do SUS. Existem normas que devem ser respeitadas e profissionais habilitados para diagnosticarem se é necessário ou não que faça a internação mesmo contra a vontade do dependente. O fato de uma pessoa ser dependente de alguma substância, por si só, não autoriza o médico, a família ou o poder judiciário a interná-lo indiscriminadamente. Palavras-Chave: Direito; Internação; Drogas. ABSTRACT This work was developed based on bibliographic research, personal experiences in the field of addiction as a clinical psychologist and analysis of episodes on the subject exposed in the media. Currently, chemical dependency corresponds to an event widely publicized and debated, since the use of harmful substances has become a serious social and public health problem. The addiction is characterized as uncontrolled consumption, usually causing serious problems to the user. The criteria established by the CID -10 to diagnose substance dependence assist the physicians in diagnosing the disease. In 1938, Decree-Law No. 89 already was about hospitalization without consent of the patient in certain circumstances. Today, Law No. 10.216, of April 6, 2001, which provides for the protection and rights of people with mental disorders and redirects the model of mental health care, is the law that regulates the admission of drug addicts and determines when hospitalization may be performed and whether it will be voluntary, involuntary or compulsory. On December 26th, 2002, Ordinance No. º 2391/GM was published and it regulates the control of involuntary psychiatric hospitalizations (IPI) and voluntary (IPV) in accordance with the provisions of Law 10,216, as well as reporting procedures of communication of IPI and IPV to prosecutors by health establishments, members or not of the SUS. There are rules that must be respected and skilled professionals to diagnose whether it is necessary or not to perform the hospitalization, even against the will of the addict. The fact that a person is dependent on some substance, by itself, does not authorize the physician, family or the judiciary to intern him indiscriminately. Key-words: Law; Hospitalization; Drugs SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7 2 ORIGEM HISTÓRICA .............................................................................................. 9 2.1 Surgimento e Evolução ....................................................................................... 9 3 PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DA CF/88 ................ 15 4 DEPENDÊNCIA QUÍMICA ..................................................................................... 17 4.1 Uso, abuso e dependência ............................................................................... 21 4.1 Internação e tipos de internação ..................................................................... 29 5 LIBERDADE OU INTERNAÇÃO? ......................................................................... 39 6 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 44 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 47 ANEXOS ................................................................................................................... 49 7 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objeto a garantia dos direitos fundamentais do dependente químico em casos de internação compulsória. Foi realizada uma reflexão sobre a necessidade e eficácia da internação compulsória ou involuntária sendo que estas não garantem a recuperação do paciente podendo este voltar ao uso nocivo de substâncias químicas. O tema aqui tratado é de grande interesse acadêmico e social, uma vez que o índice de dependentes químicos que necessitam de tratamento, mas se negam a fazê-lo, tem crescido a cada ano. A dependência química na atualidade corresponde a um acontecimento vastamente divulgado e debatido, uma vez que o uso abusivo e, muitas vezes, nocivo de substâncias psicoativas tornou-se um grave problema social e de saúde pública do presente momento. O estado de dependência não é um estado como “tudo ou nada”, trata-se de um contínuo,de uma gradação entre um extremo e outro, entre a não dependência e a dependência. É difícil estabelecer regras exatas e absolutas para avaliar a gravidade da dependência. Fatores como sintomas de abstinência graves e diários, juntamente com a tolerância, podem evidenciar um maior grau de dependência. Na internação involuntária, o paciente não está de acordo com a internação, mas este será internado a pedido de terceiro quando autorizada por médico competente, igualmente a internação voluntária. A internação involuntária só pode ser realizada se houver risco de vida para o paciente ou terceiros. É de grande valia que os codependentes faça um acompanhamento para ser auxiliado na forma de lidar e conviver com o dependente. 8 Os pedidos de internação compulsória solicitados por familiares também tem crescido na esperança de “salvar” o ente das drogas que estão cada vez mais tóxicas e devastadoras. Deve-se ressaltar a importância e a necessidade da realização da política pública antidrogas e da informação a respeito dos danos que a droga causa à pessoa, à família e à sociedade quando seu uso é abusivo e nocivo. A dependência química é vista por muitos como “falta de vergonha na cara”, “bandidagem”, “vagabundagem” e não como uma doença que pode acarretar transtornos mentais. Deve haver maior conscientização da população de como lidar com a doença que não “escolhe” classe sócio econômica para acometer. É caso de política pública. 9 2 ORIGEM HISTÓRICA 2.1 Surgimento e Evolução A partir da Revolução Francesa foi aprovada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que garante os direitos de liberdade, propriedade, segurança e resistência à opressão. Estes motivaram os teóricos e modificaram todo o modo de pensar ocidental. Os homens tinham plena liberdade (apesar de dificuldade na esfera econômica, destacados, posteriormente, pelo Socialismo), eram iguais, perante a lei, e deveriam ser fraternos, auxiliando uns aos outros. Com a barbárie da Segunda Grande Guerra, os homens se conscientizaram da necessidade de não se admitir que monstruosidades, como aquelas, acontecessem novamente, de se prevenir os arbítrios dos Estados. A Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada, após as bombas atômicas serem lançadas sobre Hiroshima e Nagazaki causando a morte de 200 mil civis, no intuito de instaurar a paz e acabar com o totalitarismo ainda existente. A carta de fundação da ONU foi assinada por 51 países em 16 de junho de 1945, na Conferência de São Francisco, nos Estados Unidos. Em junho de 1948, a Comissão de Direitos Humanos da ONU finalizou o projeto da Declaração Universal dos Direitos Humanos, porém, esta só foi concluída em 1966, por meio de dois pactos aprovados pela Assembleia Geral das Nações Unidas: um pacto tratava sobre direitos civis e políticos e o outro sobre direitos econômicos, sociais e culturais. Esta Declaração visava resgatar a dignidade humana tendo em vista que basta ser um humano para ter dignidade e ser titular dos direitos. Segundo Dalmo de Abreu Dallari¹1 a Declaração Universal traz características muito próprias: 1 DALLARI, D. de A. Elementos da Teoria Geral do Estado. 22ª Ed. Atual. São Paulo: Saraiva 2001, p. 212. 10 O exame dos artigos da Declaração revela que ela consagrou três objetivos fundamentais: a certeza dos direitos, exigindo que haja uma fixação prévia e clara dos direitos e deveres, para que os indivíduos possam gozar dos direitos ou sofrer imposições; a segurança dos direitos, impondo uma série de normas tendentes a garantir que, em qualquer circunstância, os direitos fundamentais serão respeitados; a possibilidade dos direitos, exigindo que se procure assegurar a todos os indivíduos os meios necessários à fruição dos direitos, não se permanecendo no formalismo cínico e mentiroso da afirmação de igualdade de direitos onde grande parte do povo vive em condições subumanas No período entre 1945 e 1990, dez documentos foram aprovados, documentos, que juntos, formam um sistema global de proteção dos direitos humanos e foram, todos, ratificados pelo Brasil. Entre 1992 e 1995, quatro documentos foram aprovados numa Conferência Interamericana em San José – Costa Rica, e pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), e aprovado pelo Brasil, criaram um Sistema Regional Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos que não pode ferir a unidade essencial dos direitos humanos, aprovada por 171 países durante a II Conferência Mundial de Direitos humanos, realizada em Viena, em 1993 que, no artigo 5° do documento, expõe: Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis e interdependentes e estão relacionados entre si. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de maneira global e de maneira justa e equitativa, em pé de igualdade e dando a todos o mesmo peso. Deve-se ter em conta a importância das particularidades nacionais e regionais assim como os diversos patrimônios históricos, culturais e religiosos, porém os Estados têm o dever, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais, de promover e proteger todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais. Compõe o sistema global de proteção os seguintes documentos internacionais, ratificados pelo Brasil: 1. Carta das Nações Unidas, adotada e aberta à assinatura pela Conferência de São Francisco em 26.6.1945 e assinada pelo Brasil em 21.9.1945; 2. Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução n. 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10.12.1948 e assinada pelo Brasil nesta mesma data; 3. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, adotado pela Resolução n. 2.200 A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 16.12.1966, assinada pelo Brasil em 24.1.1992; 11 4. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela Resolução n. 2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 16.12.1966, assinada pelo Brasil em 24.1.1992; 5. Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Resolução n. 39/46, da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10.12.1984, assinada pelo Brasil em 28.9.1989; 6. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, adotada pela Resolução n. 34/180 da Assembléia Geral das Nações Unidas em 18.12.1979, assinada pelo Brasil em 1.2.1984; 7. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, adotada pela Resolução n. 2.106 A (XX) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 21.12.1965, assinada pelo Brasil em 27.3.1968; 8. Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução L.44 (XLIV) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 20.11.1989, assinada pelo Brasil em 24.9.1990. Compõem o sistema regional interamericano: 1. Convenção Americana de Direitos Humanos, adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José da Costa Rica, em 22.11.1969, assinada pelo Brasil em 25.9.1992; 2. Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, adotada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, em 9.12.1985, assinada pelo Brasil em 20.7.1989; 3. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher assinada pelo Brasil em 09.06.1994 e ratificada em 27.11.1995. O sistema internacional e os sistemas regionais que asseguram os direitos humanos atribuíram aos indivíduos como tais a condição jurídica de sujeitos de direito internacional, o que compreende não somentea proteção frente a violação dos seus direitos, como também, especialmente, o direito legal de denúncia e apelação aos foros internacionais. Em países democráticos – que são minoria, há liberdade de expressão, violências públicas e privadas, podem e, são denunciadas pela mídia e podem sofrer 12 sansão pelo judiciário, tem mais propensão a defender os direitos humanos quando se confronta com a realidade dos países conduzidos pelo regime autoritário, ditatorial, onde não há clareza pública para que os indivíduos e ONGs possam assegurar os direitos humanos. Apesar da similaridade existente entre os significados de raça e etnia, esta última possui um sentido mais amplo, incluindo fatores culturais, como a idéia de nacionalidade, língua, religião e tradições. É evidente que a questão dos direitos humanos envolve inúmeros fatores culturais, distinguidos de um país para outro. Todos os seres humanos, independente das diferenças biológicas e culturais que os diferenciam entre si, merecem igual respeito. Existe uma polêmica muito grande a respeito do fundamento e a natureza dos direitos humanos, alguns os reconhecendo como direitos naturais, deste modo, natos, outros os entendendo como direitos positivos. Os direitos humanos, hoje, são universais, cabendo, antes de qualquer coisa, efetivá-los e protegê-los. Enquanto a Declaração Universal foi elaborada e adotada em menos de dois anos, a elaboração e a aprovação dos pactos internacionais, que a completariam, levaram vinte anos, e mais dez passaram para sua entrada em vigor. Com efeito, a formulação do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, bem assim o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, foi permeada de intenso debate. A discussão se voltava à questão da conveniência de serem editados dois pactos ou um único, contemplando todos esses direitos. Os países ocidentais defendiam a adoção de dois pactos distintos, sustentando que, segundo Anderson Orestes Cavalcante Lobato2: enquanto os direitos civis e políticos eram auto-aplicáveis e passíveis de cobrança imediata, os direitos sociais, econômicos e culturais eram 2 LOBATO, A. O. C. Os Desafios da Proteção Jurisdicional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais em http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/textos_dh/ protjurisd_desc.htm acessada em 20 de Dezembro de 2013. 13 programáticos e demandavam realização progressiva”. Em contrapartida os países socialistas acreditavam que “não era em todos os países que os direitos civis e políticos faziam-se auto-aplicáveis e os direitos sociais, econômicos e culturais não auto-aplicáveis. A depender do regime, os direitos civis e políticos poderiam ser programáticos e os direitos sociais, econômicos e culturais auto-aplicáveis. A ideia da montagem de dois pactos internacionais prevaleceu, no entanto essa separação foi artificial, pelo fato de que os documentos apreciam direitos humanos indissociáveis, indivisíveis, que formam um todo harmônico. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos reconheceu, em relação à Declaração Universal, uma classificação muito maior de direitos civis e políticos. Esse tratado internacional segundo Carlos Weis3 expõe, referente aos direitos humanos relacionados à liberdade individual, à proteção da pessoa contra a ingerência estatal em sua órbita privada, bem como à participação popular na gestão da sociedade. São os chamados direitos humanos liberais ou liberdades públicas Carlos Weis4 ainda em seu texto reitera os direitos dispostos na Declaração Universal (artigos III a XXI), como o direito à vida; a não ser submetido à tortura ou tratamentos cruéis desumanos ou degradantes; de não ser escravizado ou ser submetido à servidão; à liberdade e segurança pessoal - incluindo não ser sujeito à prisão ou detenção arbitrárias; à igualdade perante a lei; a um julgamento justo; às liberdades de locomoção, consciência, manifestação do pensamento, religião, associação (inclusive de fundar sindicatos e a eles aderir), reunião pacífica; a casar e constituir uma família; a ter uma nacionalidade; à reunião pacífica; e de votar, tomar parte no governo - diretamente ou por meio de representantes - e ter acesso às funções públicas de seu país. Os direitos humanos são um conjunto de condições, de garantias e de comportamentos, predispostos a garantir a característica essencial do homem (dignidade da pessoa humana). 3WEIS, C. - Os Direitos Civis e Políticos. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/novosdireitos /direitoscivis /weiss_direitos_civis_politicos.pdf - página 4 acessada em 20 de Dezembro de 2013. 4 Idem. 14 Fábio Konder Comparato5 diz que todos os seres humanos, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza. Em razão desse reconhecimento universal, conclui: ninguém – nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação – pode afirmar-se superior aos demais. Hoje, não há discussão, pois é reconhecido que toda pessoa tem direitos fundamentais, decorrendo daí a imprescindibilidade da sua proteção para preservação da dignidade humana. O conceito de Direitos Humanos é muito amplo. Para o Prof. Fernando Sorondo6, pode ser considerado sob dois aspectos: 1. Constituindo um ideal comum para todos os povos e para todas as nações, seria então um sistema de valores; e 2. Este sistema de valores, enquanto produto de ação da coletividade humana acompanha e reflete sua constante evolução e acolhe o clamor de justiça dos povos. Por conseguinte, os Direitos Humanos possuem uma dimensão histórica. 5 COMPARATO, F. K. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 2.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p.1 6SORONDO, F. Os Direitos Humanos através da História. Disponível em: http://www.dhnet.org.br /dados/livros/edh/mundo/sorondo/sorondo2.htm Acessado em 20 de Dezembro de 2013. 15 3 PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DA CF/88 O princípio da dignidade da pessoa humana estabelece o critério unificador de todos os direitos fundamentais, o qual todos os direitos do homem se reproduzem, em maior ou menor grau. Conforme exposto da Constituição Federal (CF) de 19887 em seu Artigo1°, inciso III: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana; Esse princípio é utilizado para a identificação dos típicos direitos fundamentais, em atenção ao respeito à vida, à liberdade e à igualdade de cada ser humano, de modo que esses direitos, de forma ampla, podem ser considerados consolidações das exigências do princípio da dignidade humana. Dessa forma, o princípio da dignidade da pessoa humana pode, ser tido como base para a construção de um conceito material de direitos fundamentais. O direito absoluto é inexistente no sentido de uma total imunidade a qualquer espécie de restrição. Cada ser humano, em benefício de sua dignidade, merecedor de igual respeito e consideração no que diz com sua condição de pessoa, e que tal dignidade não poderá ser violada ou sacrificada, nem mesmo para preservar a dignidade de terceiros. Apesar disso, é necessária a análise da dignidade diante da observação de um caso concreto, pois, só assim seria possível considerar cada norma de direito fundamentalde modo objetivo e subjetivo. Diante do Artigo 5°8 da CF em seu caput é exposto: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a 7 BRASIL, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 18 de Janeiro de 2013. 8 Idem. 16 inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: Vale ressaltar, para uma discussão futura deste trabalho, duas garantias presentes no caput que são: direito à vida e à liberdade. Em seus incisos, há o princípio da legalidade que versa sobre a garantia de ninguém ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Neste aspecto, pode-se observar que, em virtude de lei, um direito, mesmo que previsto nesta constituição como inalienável, indisponível e intangível, pode ser “violado”. Já o Artigo 6º9, que versa sobre os direitos sociais, traz o seguinte texto: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. O direito a ser destacado, será também o da saúde, uma vez que, por mais que o indivíduo possua livre arbítrio para suas escolhas e direcionamento na vida, o uso nocivo de substâncias psicoativas influencia diretamente em sua saúde e consequentemente num maior risco de morte. 9 BRASIL, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 18 de Janeiro de 2013. 17 4 DEPENDÊNCIA QUÍMICA A dependência química na atualidade corresponde a um acontecimento vastamente divulgado e debatido, uma vez que o uso abusivo e, muitas vezes, nocivo de substâncias psicoativas tornou-se um grave problema social e de saúde pública do presente momento. Entretanto, falar sobre o uso de drogas, mais especificamente sobre a dependência química, faz com que questões relacionadas diretamente ao campo da saúde surjam, o que implica na necessidade de uma reflexão sobre esse fenômeno no que se refere ao entendimento sobre saúde e doença, vigentes ao longo da história do homem, bem como no momento atual. Os temas saúde, doença e drogas sempre estiveram presentes na história da humanidade, ainda que cada período apresente uma maneira característica de encarar e lidar com esses acontecimentos, de acordo com os conhecimentos e interesses de cada época. Conforme expõe Ribeiro10: Apenas a partir da segunda metade do século, o conceito de dependência deixou ser considerado um desvio de caráter ou um conjunto de sinais e sintomas físicos para ganhar características de transtorno mental. O uso de substâncias psicoativas é uma prática milenar e universal, não sendo um acontecimento particular da época em que vivemos. O consumo de drogas sempre existiu ao longo dos tempos, desde as épocas mais antigas e em todas as culturas e religiões, com determinadas finalidades. O homem sempre buscou maneiras de adicionar prazer em suas vidas e diminuir o sofrimento subjetivo de cada um. Hábitos e costumes de cada sociedade direcionavam e ainda direcionam o uso de drogas em cerimônias coletivas, rituais, festas e comemorações, sendo que, na maioria das vezes, esse consumo estava restrito a pequenos grupos, característica essa que deixou de existir no momento atual, pois hoje se pode observar o uso dessas substâncias em qualquer circunstância e por pessoas de 10 RIBEIRO, M.. Organização de serviços para o tratamento da dependência do álcool. Rev. Bras. Psiquiatr., São Paulo, 2013. Available from <http://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S1516- 44462004000500015&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 18 de Janeiro de 2013. 18 diferentes grupos, classes sociais, níveis culturais e realidades. Segundo Bucher11 A droga, como qualquer outro elemento presente na sociedade, segue a evolução das culturas, ou seja, os padrões, a frequência de utilização e os tipos de drogas consumidos mudam de uma época para outra de acordo com as condições socioculturais existentes. O que diferencia o uso das drogas no passado e o uso atual, é que este deixou de ser um elemento de integração, um fator de coesão social e emocional da população, passando a constituir-se num elemento de doença social, de desintegração. O tratamento dos usuários de drogas tinha como fundamento, no final do século XIX e primeira metade do século XX, o modelo biomédico, estando ligado à assistência psiquiátrica. Os indivíduos que apresentassem problemas com álcool ou outras drogas eram conduzidos para instituições psiquiátricas com o intuito de retirá- los do convívio social e cessar o uso de substâncias psicoativas, utilizando as mesmas técnicas empregadas com outros internos, não havia tratamento diferenciado para doentes mentais com surtos psicóticos e dependentes químicos. O tratamento era generalizado. A Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs, em sua Carta Magna de 7 de abril de 1948, um conceito de saúde que ainda hoje gera discussões e controvérsias por ser um assunto de alta complexidade e subjetividade. Para a OMS, saúde é um estado de perfeito bem estar físico, mental e social, e não apenas a simples ausência de moléstia ou doenças. Esse conceito, segundo alguns teóricos é visto como algo subjetivo e até mesmo utópico. A utopia relatada é em relação ao termo “perfeito” que foge em meio às possibilidades e deficiências humanas, tornando o perfeito bem estar físico, mental e social, praticamente inalcançável. É interessante frisar que saúde não é antônimo de doença, uma vez que saúde é algo mais amplo e complexo, que não depende somente de uma questão biológica. Quando se fala em saúde versus doença, é de suma importância que esses fenômenos sejam considerados como processos, algo dinâmico e mutável, 11 Bucher. R, Drogas e Drogadição no Brasil. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. 19 que pode surgir em qualquer ambiente sob a presença e/ou ausência de diversos fatores intrínsecos à própria condição humana. Nesse aspecto, tornou-se claro a relação que existe entre a saúde e a doença e os fatores psicológicos, sociais, políticos, familiares, econômicos e ambientais, uma vez que condições impróprias do meio desempenham influência direta na possibilidade de um indivíduo manter ou não a saúde. O processo saúde versus doença está inteiramente relacionado à própria complexidade e subjetividade do existir do ser humano, a singularidade de cada um deve ser observada, considerada e respeitada. Nasce, dessa forma, a necessidade de se adotar uma perspectiva abrangente e dinâmica, levando à compreensão do processo saúde/doença como sendo um modelo biopsicossocial, o qual acarreta a ideia de conexão, considerando saúde uma produção social, relacionada com o biológico, mas que depende de uma série de outros fatores sociais que são presentes na vida de cada ser humano, como cultura, lazer, transporte, alimentação, educação, âmbito familiar, trabalho, saneamento básico entre outros. Para Mendes12, “Esses determinantes são coerentes com uma discussão sobre melhoria na qualidade de vida, encarando a própria saúde como expressão dessa qualidade”. Com essavisão, o profissional precisou rever seu posicionamento frente ao paciente, desenvolvendo maior sensibilidade para com o sofrimento do outro. Segundo Ayres13: Nesse sentido, um dos maiores desafios que se nos é colocado como partícipes do diálogo sanitário é superar as barreiras linguísticas que o jargão técnico interpõe a uma autêntica interação entre profissionais e população. 12 Mendes, E. V. Um novo paradigma sanitário: a produção social da saúde. São Paulo: Hucitec, 1996. Pg 233. 13 Ayres, J. R. C. M. Sujeito, intersubjetividade e práticas de saúde. Ciênc. saúde coletiva v.6 n.1 Rio de Janeiro, 2001. 20 O paciente deixou de ser visto como um objeto para a intervenção médica, passando a ser visto como um sujeito singular, ativo, integral, autêntico, com necessidades, valores, ideais, que vive, contesta e altera o encontro clínico juntamente com o médico. O consumo de substâncias psicoativas cresceu de forma avassaladora a partir da segunda metade do século XX, tornando-se um acontecimento de massa e uma questão de saúde pública. Em decorrência da complexidade desse fenômeno na atualidade, a dependência química é um problema que vem recebendo crescente atenção, mobilizando tanto o sistema de saúde quanto a sociedade como um todo. Esse assunto está sendo cada vez mais enfatizado, uma vez que, discussões e reflexões sobre o tema em questão, estão presentes em vários meios de comunicação, à vista e ao acesso de todos. A abordagem estabelecida para a dependência química é coerente com o modelo psicossocial de saúde em foco na atualidade. Tratar a questão do uso abusivo, e muitas vezes nocivo, de substâncias psicoativas e a questão da provável dependência que pode surgir em alguns casos, implica discutir além das questões orgânicas e psicológicas envolvidas. Os aspectos sociais, políticos, econômicos, legais e culturais inerentes a esse fenômeno, assim como as consequências físicas, psíquico e social da mesma. O vício é uma doença complexa, porém, tratável que afeta o funcionamento do cérebro e comportamento. Drogas de abuso alteram a estrutura e função do cérebro, o que resulta em alterações que persistem por muito tempo após a suspensão do consumo de drogas. Isso esclarece porque as pessoas que tiveram problemas com drogas estão em risco de recaída, mesmo após longos períodos de abstinência e apesar das consequências potencialmente prejudiciais. O processo de mudança segue um modelo “em espiral” no qual a recaída do paciente é previsível e faz parte do tratamento. Nenhum tratamento é adequado para todas as pessoas. É muito importante para conseguir uma combinação apropriada de tipo de ambiente, intervenções e 21 serviços de tratamento com os problemas e necessidades de cada paciente, de modo que a pessoa consiga alcançar o sucesso final, retornando para o funcionamento produtivo na família, no trabalho e sociedade. O tratamento deve ser acessível em todos os momentos. Como as pessoas com problemas de drogas podem ter dúvidas sobre a possibilidade de iniciar o tratamento, é muito importante usar os serviços disponíveis quando eles indicam que estão prontos para o tratamento. Há uma grande chance de perder potenciais pacientes se os tratamentos não estão disponíveis ou não são facilmente acessíveis. Assim como ocorre com outras doenças crônicas, quanto mais cedo se inicia o tratamento, maior possibilidade de obter um prognóstico positivo. 4.1 Uso, abuso e dependência Não existe uma demarcação clara entre o uso, abuso e dependência. O uso pode ser definido como qualquer consumo de substâncias, seja ele para experimentar, seja esporádico ou episódico. O Abuso, também chamado de uso nocivo, é definido como o consumo de substâncias que geram algum prejuízo, seja ele biológico, psicológico, ou social. Já a dependência é caracterizada como o consumo sem controle, geralmente associado a problemas sérios para o usuário. Isso dá uma imagem de continuidade, como uma evolução progressiva entre os níveis de consumo vistos anteriormente, o que não determina que sempre haja essa evolução. Estudos mostram que das pessoas que fazem uso nocivo do álcool, 60% não progredirão para a dependência nos próximos dois anos, 20% voltarão para o uso considerado normal e 20% ficarão dependentes. Segundo Figlie; Bordin; Laranjeira14: Na verdade, não existe qualquer fator que determine, de forma definitiva, que as pessoas se tornarão dependentes; uma combinação de fatores contribui para que algumas pessoas tenham maiores chances de desenvolver problemas em relação às substância durante algum período de suas vidas. 14 FIGLIE NB; BORDIN S; LARANJEIRA R. (Org.). Aconselhamento em dependência química. 2 ed. São Paulo: Roca, v. 1, 2010, pg 5. 22 Sabe-se que o uso nocivo é uma condição clínica muito comum, os organizadores do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) e da Classificação Internacional de Doenças (CID) desenvolveram critérios para identificá-lo e diferenciá-lo da dependência, como será explanado a seguir: Os Critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV15, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders IV) para dependentes de substâncias estão abaixo no Quadro 1. Quadro1 - Critérios do DSM-IV para Dependência de Substância DSM-IV - Critérios para dependência de substâncias Um padrão de uso disfuncional de uma substância, levando a um comprometimento ou desconforto clinicamente significativo, manifestado por três (ou mais) dos seguintes sintomas, ocorrendo durante qualquer tempo, num período de 12 meses: 1. Tolerância, definida por um dos seguintes critérios a. necessidade de quantidades nitidamente aumentadas de substâncias para atingir intoxicação ou o efeito desejado b. efeito nitidamente diminuído com o uso contínuo da mesma quantidade da substância 2. Abstinência, manifestada por um dos seguintes critérios a. síndrome de abstinência característica da substância b. a mesma substância (ou outra bastante parecida) é usada para aliviar ou evitar sintomas de abstinência 3. A substância é freqüentemente usada em grandes quantidades, ou por período maior do que o intencionado 4. Um desejo persistente ou esforço sem sucesso de diminuir ou controlar a ingestão da substância 5. Grandes períodos de tempo utilizados em atividades necessárias para obter a substância, usá-la ou recuperar-se de seus efeitos 6. Reduzir ou abandonar atividades sociais, recreacionais ou ocupacionais por causa do uso da substância 7. Uso continuado da substância, apesar do conhecimento de ter um problema físico ou psicológico ou recorrente que tenha sido causado ou exacerbado pela substância 15 DSM-IV-TR. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Disponível em: http://www.psiqui atriageral.com.br/farmacoterapia/diagnostico_dep_quimica.htm. Acesso em 10 de janeiro de 2014. 23 Os Critérios da Classificação Internacional de Doenças – Décima Edição (CID-1016) para dependência de substâncias encontram-se no Quadro 2. Quadro 2 - Critérios da CID-10 para Dependência de Substâncias CID-10 - Critérios para dependência de substâncias O diagnóstico de dependência deve ser feito se três ou mais dos seguintes são experienciados ou manifestados durante os últimos 12 meses: 1. Um desejo forte ou senso de compulsão para consumir a substância 2. Dificuldades em controlar o comportamento de consumir a substância em termos de início,término ou níveis de consumo 3. Estado de abstinência fisiológica, quando o uso da substância cessou ou foi reduzido, como evidenciado por: síndrome de abstinência característica para a substância, ou o uso da mesma substância (ou de uma intimamente relacionada) com a intenção de aliviar ou evitar os sintomas de abstinência 4. Evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes da substância psicoativa são requeridas para alcançar efeitos originalmente produzidos por doses mais baixas 5. Abandono progressivo de prazeres alternativos em favor do uso da substância psicoativa: aumento da quantidade de tempo necessário para obter ou tomar a substância ou recuperar-se de seus efeitos 6. Persistência no uso da substância, a despeito de evidência clara de conseqüências manifestamente nocivas, tais como dano ao fígado por consumo excessivo de bebidas alcoólicas, estados de humor depressivos conseqüentes a períodos de consumo excessivo No caso de uso nocivo, tanto o DSM-IV17 quanto a CID-1018 possuem critérios para o diagnóstico que segue abaixo nos quadros 3 e 4: Quadro 3 - Critérios do DSM-IV para Abuso de Substâncias DSM-IV Critérios para uso nocivo de substâncias A. Padrão de uso disfuncional de uma substância, levando a um compromisso ou desconforto clinicamente significativo, manifestado por um ou mais dos seguintes aspectos, ocorrendo dentro de um período de 12 meses: 1. Uso constante da substância, resultando no fracasso em cumprir obrigações 16 CID-10. Classificação de transtornos mentais e de comportamento. Disponível em:< http://www.datasus .gov .br/cid10/V2008/cid10.htm>. Acesso em 10 de janeiro de 2014. 17 DSM-IV-TR. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Disponível em: http://www.psiqui atriageral.com.br/farmacoterapia/diagnostico_dep_quimica.htm Acesso em 10 de janeiro de 2014. 18 CID-10. Classificação de transtornos mentais e de comportamento. Disponível em:< http://www.datasus .gov .br/cid10/V2008/cid10.htm>. Acesso em 10 de janeiro de 2014. 24 no trabalho, na escola ou em casa 2. Uso constante da substâncias em situações fisicamente comprometedoras 3. Problemas legais constantes relacionados com o uso da substância 4. Uso contínuo da substância, apesar de ter um problema social ou interpessoal persistente ou constante, ou que seria exacerbado pelos efeitos da substância B. Nunca preencher os critérios para dependência desta substância Quadro 4 - Critérios da CID-10 para Uso Nocivo de Substâncias CID-10 Critérios para uso nocivo de substâncias O diagnóstico requer que um dano real tenha sido causado à saúde física e mental do usuário Padrões nocivos de uso são freqüentemente criticados por outras pessoas e estão associados a conseqüências sociais adversas de vários tipos Uso nocivo não deve ser diagnosticado se a síndrome de dependência, um distúrbio psicótico ou outra forma específica de distúrbio relacionado com o álcool ou drogas estiver presente As classificações de uso nocivo e dependência de substâncias do DSM-IV e CID - 1019 fornecem critérios gerais para o diagnóstico, independente da substância consumida, e tendem a considerar o uso nocivo como categoria residual, isto é, abrangem aqueles indivíduos cujos quadros clínicos não caracterizam claramente a dependência. A CID-1020 define a Síndrome de Dependência a substâncias ou álcool da seguinte forma: Síndrome de dependência é o conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos que se desenvolvem após repetido consumo de uma substância psicoativa, tipicamente associado ao desejo poderoso de tomar a droga, à dificuldade de controlar o consumo, à utilização persistente apesar das suas conseqüências nefastas, a uma maior prioridade dada ao uso da droga em detrimento de outras atividades e obrigações, a um 19 CID-10. Classificação de transtornos mentais e de comportamento. Disponível em:< http://www.datasus .gov .br/cid10/V2008/cid10.htm>. Acesso em 10 de janeiro de 2014. 20 CID-10. Classificação de transtornos mentais e de comportamento. Disponível em:< http://www.datasus .gov .br/cid10/V2008/cid10.htm>. Acesso em 10 de janeiro de 2014. 25 aumento da tolerância pela droga e por vezes, a um estado de abstinência física. Conforme consta no DSM-IV, a característica essencial da dependência de substâncias é a presença de um agrupamento de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos indicando que o indivíduo continua utilizando uma substância, apesar de problemas significativos relacionados a ela. Existe um padrão de auto-administração repetida que geralmente resulta em tolerância, abstinência e comportamento compulsivo de consumo da droga. Um diagnóstico de Dependência de Substância pode ser aplicado a qualquer classe de substâncias, exceto cafeína. Os sintomas de Dependência são similares entre as várias categorias de substâncias, mas, para certas classes, alguns sintomas são menos salientes e, em uns poucos casos, nem todos os sintomas se manifestam (por ex., sintomas de abstinência não são especificados para Dependência de Alucinógenos). O DSM-IV e o CID-10 possuem classificações e critérios similares para dependência química. O mesmo não acontece, no entanto, com o diagnóstico de uso nocivo. Um ponto comum entre estas classificações é a inviabilidade do diagnóstico de uso nocivo em um indivíduo que atualmente possui os critérios para dependência. Por outro lado, o DSM-IV afasta o diagnóstico de uso nocivo num indivíduo que alguma vez foi dependente, enquanto a CID-10 não impede o diagnóstico posterior de uso nocivo em um indivíduo com diagnóstico de dependência no passado. Edwards e Gross21 formularam elementos para o diagnóstico de dependência de álcool, e que pode ser utilizado para diagnosticar dependência de outras drogas, forma menos restritiva das descritas na CID-10 e no DSM-IV que são: Síndrome da dependência de álcool: elementos chave • Estreitamento de repertório: o repertório pessoal torna-se cada vez mais restritivo com padrões cada vez mais fixos: o indivíduo passa a ingerir a mesma bebida ou droga, nos mesmos horários e nas mesmas condições; 21 EDWARDS, G.; MARSHALL, E. J.; COOK, C. C. H. Tratamento do Alcoolismo – Um Guia para Profissionais da Saúde. 4 ed. – Porto Alegre: Artmed, 2005. P.57 26 as companhias, o estado de humor, ou as circunstâncias vão se tornando cada vez menos relevantes. • Saliência do uso: o consumo passa a ser mais importante que a família, que o trabalho, que a casa, que a saúde. O indivíduo passa a viver em função da droga, organizando sua vida e seus compromissos conforme a existência ou não dela. • Aumento de tolerância: o sistema nervoso é capaz de desenvolver tolerância ao álcool e às drogas, isto é, ocorre a diminuição da sensibilidade aos efeitos da droga. Clinicamente, a tolerância se manifesta quando há a ingestão de grande quantidade de substâncias e ainda sim é capaz de realizar atividades que um consumidor tolerante não conseguiria. • Síndrome de abstinência: os sintomas da abstinência de adaptações feitas pelo cérebro à interrupção ou redução do uso das substâncias. Alguns exemplos: Tremores, náuseas, sudorese entre outros, são característicos da abstinência do álcool. Depressão, ansiedade e paranoia são características de abstinência de cocaína. • Alívio ou evitação dos sintomas de abstinência pelo aumento do consumo: o indivíduo pode tentar manter um nível de consumo estável da substância, que aprendeu a reconhecer como confortávele acima de um nível perigoso. Assim, agora seu consumo é desencadeado com o objetivo de evitar ou aliviar os desagradáveis sintomas de abstinência. • Percepção subjetiva da compulsão para o uso: é a percepção que o indivíduo tem de sua falta de controle frente à substância. Em muitas ocasiões em que se emprega a compulsão como sinônimo de perda de controle, trata-se, na verdade, de uma desistência do controle e não a sua perda. • Reinstalação após a abstinência: é o processo por meio do qual uma síndrome que levou anos para se desenvolver pode se reinstalar dentro de 72h de ingestão. A dependência ressurge como se houvesse uma “memória” irreversível instalada. Quanto mais avançado tiver sido o grau prévio de dependência, mais rapidamente o paciente exibirá níveis elevados de tolerância. O estado de dependência não é um estado como “tudo ou nada”, trata-se de um contínuo, de uma gradação entre um extremo e outro, entre a não dependência e a dependência. É complicado estabelecer regras exatas e absolutas para avaliar a gravidade da dependência. Fatores como sintomas de abstinência graves e diários, juntamente com a tolerância, podem evidenciar um maior grau de dependência. Pode-se dizer que o grau de dependência pode ser maior quando há a experiência de sintomas de abstinência, de forma mais ou menos diária, por um período de seis a doze meses e que consome substâncias para aliviar esses sintomas durante o mesmo período. Um caso inicial de dependência pode ser diagnosticado quando o sujeito experienciou sintomas de abstinência apenas em algumas ocasiões e que percebeu que a substância traz alívio. 27 Entre o estágio inicial da dependência e o grau elevado da mesma, como foi dito acima, há um espaço enorme, muitas graduações e não graus fixos. Segundo a Organização Mundial da Saúde22 – OMS – droga é qualquer substância natural ou sintética que, ao ser fumada, inalada, ingerida ou injetada, provoca alterações psíquicas, sentidas como agradáveis numa primeira fase, mas que cria dependência, tornando as pessoas incapazes de viverem normalmente e integradas na sociedade. As drogas atuam no cérebro afetando a atividade mental, sendo por essa razão, denominadas psicoativas. Basicamente, elas são divididas três tipos: • Drogas que diminuem a atividade mental (Depressoras): afetam o cérebro, fazendo com que funcione de forma mais lenta. Essas drogas diminuem a atenção, a concentração, a tensão emocional e a capacidade intelectual. Exemplos: Ansiolíticos (tranquilizantes), álcool, inalantes (cola), narcóticos (morfina, heroína). • Drogas que aumentam a atividade mental (estimulantes): afetam o cérebro, fazendo com que funcione de forma mais acelerada. Exemplos: tabaco, anfetamina, cocaína, crack. • Drogas que alteram a percepção (Alucinógenas): provocam distúrbios no funcionamento do cérebro, fazendo com que ele passe a trabalhar de forma desordenada. Exemplos: maconha, cogumelo, perturbadores sintéticos (LSD), anticolinérgicos (plantas e medicamentos). O tratamento da Dependência Química é um processo que deve ser feito com uma equipe multiprofissional na qual poderá haver a psicoterapia, administração de medicamento, tratamento ambulatorial, necessidade ou não de internação etc. Não são todas as pessoas que necessitam de todas as ações. O tratamento deve ser individualizado, ou seja, ele deve ser delineado de acordo com as necessidades do paciente e da família. Tratamento do tipo "protocolo", nos quais 22 TIPOS de Drogas. Disponível em: http://www.readpsiquiatria.com.br/tratamento-alcool-drogas.html. Acesso em 17 de janeiro de 2014. 28 todos os pacientes passam pelas mesmas ações invariavelmente e independente da substância que usam, dos problemas que têm, de suas experiências subjetivas, ou do grau de dependência pode funcionar para uma parcela de pessoas, mas não para todas. Não existe um tratamento único, uma “receita de bolo” que atenda e sirva a todos os dependentes químicos. Durante a “anamnese” (história do paciente), deve-se avaliar seriamente cada caso, discutir com o paciente e com a família o plano de tratamento mais adequado. Alguns precisarão tomar medicamentos, outros não. A maior parte não precisa ser internada, mas alguns carecem de um tratamento mais “firme”. Outros terão como indicação uma psicoterapia, ou terapia familiar, assim por diante. Somente um profissional especializado na área poderá discutir com o paciente e avaliar qual é a melhor opção para ele. A priori, deve-se começar com um tratamento ambulatorial. Como qualquer enfermidade as internações devem ser indicadas, somente para os casos mais graves. Pelo senso comum estabeleceu-se um estigma de que tratamento de dependência química é sinônimo de Internação. Por esse pré-conceito, muitos jovens têm receio, medo de ir ao médico ou psicólogo porque acham que já serão prontamente internados. O tratamento ambulatorial é o tipo mais acessível e aceito de tratamento, não apenas pelo seu custo ser menor, mas também, pelas vantagens que ele apresenta. Diferente do que se imagina o tratamento ambulatorial, pode ser mais efetivo do que uma internação. Nesse tipo de tratamento, busca-se tratar a pessoa sem tirá-la do ambiente no qual ela vive e nem impedi-la de realizar suas das tarefas diárias. Existe a possibilidade de desenvolver com o paciente um tipo de atendimento mais extenso que inclua reinserção social, técnicas de prevenção de recaída, planejamentos de pequeno e longo prazo etc. Quando o paciente inicia um tratamento ambulatorial, a família (codependente) deve estar envolvida no tratamento sendo que o paciente deve ter consciência que sua parcela de responsabilidade no processo é grande. A família deve ser orientada com relação à importância do tratamento, a gravidade do problema para que haja um prognóstico mais positivo para o paciente. 29 4.1 Internação e tipos de internação A internação é a modalidade reservada aos casos mais graves, que exigem cuidados intensivos. Ocorre quando o profissional, que norteia o atendimento, entende que o paciente corre risco de morte, quando a própria pessoa escolhe ser internada para a realização do tratamento, quando as tentativas ambulatoriais fracassaram, quando o paciente não possui uma estrutura familiar e social que o auxiliará a ficar abstinente. A internação pode variar de alguns dias até meses, dependendo da necessidade, da adesão ao tratamento e do grau de dependência do paciente. Internações acima de seis meses não necessariamente são mais eficazes que as internações mais breves. Preferencialmente a internação deve se reduzir ao período de crise e ser o mais breve possível. Há duas modalidades de semi-internações que são o Hospital Dia e o Hospital Noite. No primeiro, o paciente passa o dia no hospital ou clínica especializada e dorme em casa. No segundo, dorme no hospital ou clínica especializada e passa o dia fora realizando suas atividades diárias. Apesar de obterem bons resultados, estas modalidades de tratamento não são as mais comuns no Brasil. A internação domiciliar é uma solução utilizada pelos terapeutas para evitar a internação hospitalar ou em clínicas especializadas. O paciente deve ter um suporte social e familiar muito bem pré-estabelecido e concordar com a internação. Neste período ele fica dentro de sua própria casa, sem sair. Não vai à escola, ao trabalho, a festas, comemorações, eventos etc. Os afazeres fora do lar devem ser realizados por outra pessoa. Não pode ter contato com usuários de drogas. Internação voluntária ocorre quando a própria pessoa deseja ser internada para tratamento, mas deve haver a autorização de médico competente. A Lei N° 10.216,de 6 de abril de 200123, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas 23 BRASIL, LEI N° 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Leis/ LEIS_2001/L10216.htm. Acesso em: 31 de Janeiro de 2014. 30 portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Em seu Artigo 6° “caput”, parágrafo único e inciso I, define a internação voluntária: Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica: I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário. Art. 7o A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a consente, deve assinar, no momento da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de tratamento. No Artigo 7°, parágrafo único, a Lei determina que o término da internação deva ser solicitado por escrito pelo paciente ou determinado pelo médico assistente. Na internação involuntária, o paciente não está de acordo com a internação, mas este será internado a pedido de terceiro quando autorizada por médico competente, igualmente a internação voluntária, conforme exposto na Lei24 supracitada: Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica: II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; Art. 8o A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se localize o estabelecimento. A internação involuntária só pode ser realizada se houver risco de vida para o paciente ou terceiros. A internação involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas, ser noticiada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento (clínica especializada, hospital) no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento ser adotado quando ocorrer sua respectiva alta. 24 BRASIL, LEI N° 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Leis/ LEIS_2001/L10216.htm. Acesso em: 31 de Jan. de 2014. 31 O término da internação involuntária ocorrerá por meio de solicitação escrita do familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento. Por último, a internação compulsória, tipo de internação mais rara, que é aquela determinada pela Justiça e é prevista legalmente na referida Lei25: Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica: III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça. Art. 9o A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários. Neste caso não é necessária a autorização familiar. Será sempre determinada pelo juiz competente, depois de pedido formal, feito por um médico, atestando que a pessoa não tem domínio sobre a sua condição psicológica e física. No dia 11 de janeiro de 2013, o Estado de São Paulo fez uma parceria inédita no Brasil entre o Judiciário e o Executivo, entre médicos, juízes e advogados, com o intuito de tornar a tramitação do processo de internação mais rápida, para resguardar a vida daqueles que mais necessitam. Em muitos casos a demora na emissão da ordem judicial impede a equipe médica de manter o paciente no local. Laranjeira26 diz que: No sistema compulsório, que é raramente utilizado, a pessoa pode passar até seis meses e o principal objetivo é motivá-la a se tornar voluntária no seu tratamento. A maioria do tratamento involuntário ocorre com adolescentes recalcitrantes. O objetivo da parceria que o Estado está fazendo com o Judiciário, é aplicar a lei para salvar pessoas que não têm recursos e perderam totalmente os laços 25 BRASIL, LEI N° 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Leis/ LEIS_2001/L10216.htm. Acesso em: 31 de Jan. de 2014. 26 LARANJEIRA, R. Legalização de drogas e a saúde pública. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, maio 2010 . Disponível em <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413- 81232010000300002&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 18 de Jan. 2014. 32 familiares. Essas pessoas estão largadas, e é obrigação do Estado dar-lhes assistência. A presença do Judiciário visa preservar as garantias e os direitos dos dependentes químicos. Em novembro de 1938 foi aprovado o DECRETO-LEI N° 89127, lei de Fiscalização de Entorpecentes, ainda vigente, que trata da classificação dos entorpecentes, da produção, do tráfico e do consumo, das infrações e suas penas, e também sobre a internação e interdição civil. O capítulo III inicia-se com o Art. 27 e é o responsável por expor sobre a internação. É uma legislação que reconhece que o usuário de drogas é doente, que é proibido tratá-lo em domicílio e cria e regulamenta a figura da internação obrigatória de dependentes químicos, quando provada a necessidade de tratamento adequado ao enfermo ou quando for conveniente à ordem pública. O Art. 29, § 1º28, deixa clara a possibilidade de ocorrer internação sem consentimento do dependente: Art. 29. Os toxicômanos ou os intoxicados habituais, por entorpecentes, por inebriantes em geral ou bebidas alcoólicas, são passíveis de internação obrigatória ou facultativa por tempo determinado ou não. § 1º A internação obrigatória se dará, nos casos de toxicomania por entorpecentes ou nos outros casos, quando provada a necessidade de tratamento adequado ao enfermo, ou for conveniente à ordem pública. Essa internação se verificará mediante representação da autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público, só se tornando efetiva após decisão judicial. O § 10 do Art. 29 estipula que a autoridade sanitária competente deverá ser sempre cientificada da concessão de alta ao toxicômano, e, por sua vez, comunicará o fato, reservadamente, à autoridade policial competente, para efeito de vigilância. 27 BRASIL. DECRETO-LEI No 891, DE 25 DE NOVEMBRO DE 1938. Disponível em: http://www2. camara.leg.br/ legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-891-25-novembro-1938-349873-publicacaooriginal-1- pe.html. Acesso em 13 de Maio de 2014. 28 BRASIL. DECRETO-LEI No 891, DE 25 DE NOVEMBRO DE 1938. Disponível em: http://www2. camara.leg.br/ legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-891-25-novembro-1938-349873-publicacaooriginal-1- pe.html. Acesso em 13 de maio de 2014. 33 Veremos adiante que uma nova lei dispõe que o Ministério Público Estadual deverá acompanhar a internação quando esta for sem o consentimento do paciente. No dia 6 de abril de 2001, foi sancionada uma a Lei n° 10.21629 que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Os dependentes químicos são considerados portadores de doenças mentais, pois o uso da droga de maneira abusiva e nociva altera a mente humana. A lei supracitada garante aoportador de doença mental ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, considerando suas necessidades, ser tratado com humanidade e respeito com o intuito único de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade. Garante também, ser protegido contra qualquer forma de abuso e exploração, o sigilo nas informações prestadas, ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária ou compulsória. A referida lei prevê que a internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes, isto é, primeiramente deve-se tentar levar o paciente para tratamentos ambulatoriais e verificar se houve ou não aderência ao tratamento. A internação involuntária ou compulsória são exceções, é a última alternativa a ser utilizada para salvaguardar a saúde, a dignidade e a vida do dependente químico. Nesse aspecto da internação forçada que surge a questão sobre a violação do direito à liberdade, contudo, não há como deixar o direito à saúde, à dignidade e principalmente o direito à vida, a mais importante das cláusulas pétreas, o maior 29 BRASIL, LEI N° 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/Leis/ LEIS_2001/L10216.htm>. Acesso em: 31 de janeiro de 2014. 34 bem que um ser humano possui, em segundo plano uma vez que se não estão presentes esses três direitos de suma importância, de que vale a liberdade? A lei também versa sobre as internações psiquiátricas e dispõe que só serão realizadas mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. O artigo 6°30, parágrafo único e seus incisos tratam dos tipos de internação psiquiátrica que segue: Art. 6o Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica: I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário; II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça. Em 26 de dezembro de 2002, a Portaria n.º 2391/GM31 foi publicada e regulamenta o controle das internações psiquiátricas involuntárias (IPI) e voluntárias (IPV) de acordo com o disposto na Lei 10.216, de 6 de abril de 2002, e os procedimentos de notificação da Comunicação das IPI e IPV ao Ministério Público pelos estabelecimentos de saúde, integrantes ou não do SUS. Nesta portaria, há mais um tipo de internação psiquiátrica além dos três já mencionados pela Lei 10.216, trata-se da internação psiquiátrica voluntária que se torna involuntária, conforme expões o Art. 3°32 da portaria: Art. 3º Estabelecer que ficam caracterizadas quatro modalidades de internação: - Internação Psiquiátrica Involuntária (IPI); - Internação Psiquiátrica Voluntária (IPV), - Internação Psiquiátrica Voluntária que se torna Involuntária (IPVI), - Internação Psiquiátrica Compulsória (IPC). § 1º Internação Psiquiátrica Voluntária é aquela realizada com o consentimento expresso do paciente. § 2º Internação Psiquiátrica Involuntária é aquela realizada sem o consentimento expresso do paciente. 30 BRASIL, LEI N° 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Leis/ LEIS_2001/L10216.htm>. Acesso em: 31 de janeiro de 2014. 31 Portaria n.º 2391/GM Em 26 de dezembro de 2002. http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2002/ Gm/GM-2391.htm. Acesso em 13 de Maio de 2014. 32 Idem. 35 § 3º A Internação Psiquiátrica Voluntária poderá tornar-se involuntária quando o paciente internado exprimir sua discordância com a manutenção da internação. § 4º A Internação Psiquiátrica Compulsória é aquela determinada por medida judicial e não será objeto da presente regulamentação. A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se localize o estabelecimento. Tanto a Lei 10.216/01 como a Portaria em questão versam sobre as notificações que devem ser feitas nos casos de internação involuntária, mas, o Art. 4°33 da portaria é um pouco mais abrangente: Art.4º Estabelecer que as internações involuntárias, referidas no art. 3.º § 2º, deverão ser objeto de notificação às seguintes instâncias: I – ao Ministério Público Estadual ou do Distrito Federal e Territórios onde o evento ocorrer, II – à Comissão referida no art. 10. A atuação do Ministério Público tem grande importância no que tange a internação involuntária. No prazo de 72 horas da internação, o Ministério Público Estadual deverá ser notificado e este órgão deve acompanhar o paciente durante sua internação até o momento da alta. O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento. A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários. 33 Portaria n.º 2391/GM Em 26 de dezembro de 2002. http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2002/ Gm/GM-2391.htm. Acesso em 13 de Maio de 2014. 36 A portaria n.º 2391/GM34 estabelece normas a serem seguidas pelos médicos responsáveis pela internação involuntária. Deve ser observado o sigilo das informações, em formulário próprio (Termo de Comunicação de Internação Psiquiátrica Involuntária), que deverá conter laudo de médico especialista pertencente ao quadro de funcionários do estabelecimento de saúde responsável pela internação. O parágrafo único do Art. 5° da portaria n°. 2391/GM35 institui o que deverá conter na Comunicação de Internação Psiquiátrica Involuntária: Art. 5° Parágrafo único. O laudo médico é parte integrante da Comunicação de Internação Psiquiátrica Involuntária, a qual deverá conter obrigatoriamente as seguintes informações: I - identificação do estabelecimento de saúde; II - identificação do médico que autorizou a internação; III - identificação do usuário e do seu responsável e contatos da família; IV - caracterização da internação como voluntária ou involuntária; V - motivo e justificativa da internação; VI - descrição dos motivos de discordância do usuário sobre sua internação; VII - CID; VIII - informações ou dados do usuário, pertinentes à Previdência Social (INSS); IX - capacidade jurídica do usuário, esclarecendo se é interditado ou não; e X - informações sobre o contexto familiar do usuário; XI - previsão estimada do tempo de internação No caso em que a internação voluntária se torne involuntária, o Ministério Público também deverá ser notificado, tendo que, igualmente ao caso da internação involuntária, acompanhar a internação do paciente até o momento de sua alta. O Art. 1036 e seus parágrafos tratam a respeito da constituição de uma Comissão Revisora das Internações Psiquiátricas Involuntárias e a participação do Ministério Público Estadual no que se refere ao SUS (Sistema Único de Saúde): Art.10. Estabelecer que o gestor estadual do SUS constituirá uma Comissão Revisora das Internações Psiquiátricas Involuntárias, com a participação de integrante designado pelo Ministério Público Estadual, que fará o acompanhamento dessas internações, no prazo de setenta e duas horas após o recebimento da comunicaçãopertinente. 34 Portaria n.º 2391/GM Em 26 de dezembro de 2002. http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2002/ Gm/GM-2391.htm. Acesso em 13 de Maio de 2014. 35 Idem. 36 Idem. 37 § 1° A Comissão deverá ser multiprofissional, sendo integrantes dela, no mínimo, um psiquiatra ou clínico geral com habilitação em Psiquiatria, e um profissional de nível superior da área de saúde mental, não pertencentes ao corpo clínico do estabelecimento onde ocorrer a internação, além de representante do Ministério Público Estadual. É relevante e desejável que dela também façam parte representantes de associações de direitos humanos ou de usuários de serviços de saúde mental e familiares. § 2° Se necessário, poderão ser constituídas Comissões Revisoras das Internações Psiquiátricas Involuntárias, em âmbito microrregional, municipal ou por regiões administrativas de municípios de grande porte. Tais dispositivos foram criados, exatamente, para garantir que não haja internações involuntárias desnecessárias, violando assim, os direitos fundamentais do paciente. O Ministério Público poderá solicitar informações complementares ao autor do laudo e à direção do estabelecimento, realizar entrevistas com o internado, seus familiares ou quem mais julgar apropriado, podendo permitir outros especialistas a examinar o internado, com vistas a oferecerem parecer escrito. A Comissão Revisora realizará até o sétimo dia da internação, a revisão de cada internação psiquiátrica involuntária, dando laudo de confirmação ou suspensão do regime de tratamento adotado e remetendo cópia ao estabelecimento de saúde responsável pela internação, no prazo de vinte e quatro horas. Já o Diretor do estabelecimento deverá enviar mensalmente ao gestor estadual do SUS, listagem contendo o nome do paciente internado e o número da notificação da Internação Psiquiátrica Involuntária (IPI e IPVI), ressalvados os cuidados de sigilo. Há quase 7 anos, foi criada a Lei Nº 11.34337, de 23 de agosto de 2006, que Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad - prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. 37 LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb /prop_mostrarintegra?codteor=790351&filename=LegislacaoCitada+-PL+7663/2010. Acesso em 18 de maio de 2014. 38 Art. 4o São princípios do Sisnad: I - o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto à sua autonomia e à sua liberdade; O Art. 4° da Lei N° 11.34338 mais uma vez reforça a garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana e reforça o respeito à autonomia e liberdade. 38 LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb /prop_mostrarintegra?codteor=790351&filename=LegislacaoCitada+-PL+7663/2010. Acesso em 18 de maio de 2014. 39 5 LIBERDADE OU INTERNAÇÃO? O tema principal abordado neste trabalho é causa de muitas opiniões controvertidas, tanto por profissionais da área da saúde e do direito como por familiares e populares usuários e não usuários de substâncias psicoativas. A internação compulsória, quando não há a necessidade de autorização da família, é rara no Brasil. No dia 24 de maio, pela primeira vez, um dependente de crack foi internado compulsoriamente em São Paulo, desde que o plantão especial de juízes, advogados e médicos começou no Centro de Referência de Álcool e Drogas (Cratod), no dia 21 de janeiro. Após uma análise clínica, e sem ter conhecimento sobre a família do dependente químico, o médico Dr. Ronaldo Laranjeira, especialista no tratamento contra drogas, solicitou à Justiça a internação compulsória de um dependente químico. A autorização do juiz foi proferida no dia 23 de maio. Para que não ocorra a violação dos direitos fundamentais com a internação compulsória ou involuntária de um dependente químico, é necessário que se faça um laudo médico, uma avaliação clínica e anamnese (investigação sobre a história de vida) para cada indivíduo. Os dispositivos legais existentes nos ajudam a entender que o dependente internado involuntariamente não será deixado à mercê da instituição que o acolheu, sempre haverá fiscalização da Comissão Revisora e do Ministério Público Estadual para averiguar se de fato a internação involuntária é adequada para aquele paciente, se deve ou não ser suspensa ou se alguma outra providência deve ser tomada. A instituição acolhedora também deverá prestar contas ao Ministério Público Estadual mensalmente, relatando o desenvolvimento do paciente na internação e a necessidade de alguma providência a ser tomada. Não há como proteger o direito à liberdade de uma pessoa se esta já não mais estiver viva, portanto, deverá primeiramente proteger o seu direito à vida e à saúde para depois o direito à liberdade ser prioridade. 40 A desintoxicação é apenas o primeiro estágio do tratamento da dependência e, por si só faz pouco para mudar o abuso de drogas a longo prazo. Mas a partir da desintoxicação pode-se administrar com segurança os sintomas físicos agudos de abstinência e, em alguns casos, abrir o caminho para um tratamento efetivo da dependência química a longo prazo, a desintoxicação sozinha é incomunmente suficiente para ajudar dependentes a ficarem em abstinência por longo período. Por esta razão, os pacientes devem ser encorajados a continuar o tratamento após a desintoxicação. Se as estratégias de motivação e incentivo, iniciado quando o paciente foi internado para o tratamento são melhoradas, mas também pode melhorar a adesão ao tratamento. Especialistas na área da saúde mostram que em alguns estágios da dependência, o dependente perde o discernimento do que é ou não adequado para ele. O uso nocivo e indiscriminado de uma ou mais substâncias pode ocasionar outras doenças crônicas e mentais, deixando-o à margem da morte, se colocando em risco e muitas vezes colocando outras pessoas em risco seja algum familiar, amigos e até mesmo desconhecidos, pois perdem a noção do perigo, do certo e do errado. Muitos cometem desde pequenos delitos até crimes mais graves por estarem sob o efeito da droga e/ou para obter recursos para adquiri-la. A falta de esclarecimento sobre o assunto faz com que muitos sejam contra a internação involuntária ou compulsória por entenderem que os dependentes que forem submetidos a esse tipo de internação estarão “presos”, violando o direito à liberdade, contudo, deve-se refletir um pouco mais profundamente a respeito do assunto, pois a internação (vista como uma prisão para muitos) é para cuidar, para ajudar o dependente a conseguir ficar abstinente e sair da zona de risco a qual ele se encontrava no momento da internação. 41 Arthur Guerra de Andrade39, presidente-executivo do CISA (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool) e professor da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC), diz: De forma geral, a internação involuntária é um procedimento médico realizada no mundo todo há muitos anos que obedece a critérios super objetivos. A visão médica não vai deixar esse paciente se matar. O médico, no mundo todo, não acha que é um direito do ser humano se matar, pois entende que esse paciente está doente e tem de ser internado. Depois daquele momento de fissura e excesso, quando estiver recuperado, o paciente vai dizer: ‘Obrigado, doutor’. A internação
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