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[Mahfoud] Plantão psicológico_novos horizontes

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Prévia do material em texto

Miguel Mahfoud (org)
Daniel Marinho Drummond
Juliana Mendanha Brandªo
John Keith Wood
Raquel Wrona Rosenthal
Roberta Oliveira e Silva
Vera Engler Cury
Walter Cautella Junior
Plantªo Psicológico:
novos horizontes
Todos os direitos desta ediçªo estªo reservados à
E D I T O R A C . I . L T D A .
Rua FlorinØia, 38 – ` gua Fria
02334-050 – Sªo Paulo – SP
Tele/fax: 11 6950-4683
LaPS – Laboratório de Psicologia Social/UFMG
' 1999 by Miguel Mahfoud
1“ ediçªo, outubro de 1999
 Revisªo Miguel Mahfoud
Daniel Marinho Drummond
Capa e Diagramaçªo
Na capa
Juliana de Souza Vaz
Paul Klee, Caminho Principal e Caminhos
SecundÆrios (1929) Coleçªo C. e A.
Vowinckel
Ediçªo do CD-ROM
Apoio tØcnico
Daniel Marinho Drummond
SUM`RIO
Autores ......................................................................................................... 5
PrefÆcio ......................................................................................................... 7
Introduçªo ................................................................................................. 11
Plantªo de Psicólogos no Instituto Sedes
Sapientiae: uma proposta de atendimento
aberto à comunidade
Raquel Wrona Rosenthal ............................................................... 15
Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia
 Miguel Mahfoud............................................................................ 29
Plantªo Psicológico na escola: presença que
mobiliza
Miguel Mahfoud, Daniel Marinho Drummond,
Juliana Mendanha Brandªo, Roberta Oliveira e
Silva .................................................................................................. 49
Pesquisar processos para aprender experiŒncias:
Plantªo Psicológico à prova
Miguel Mahfoud, Daniel Marinho Drummond,
Juliana Mendanha Brandªo, Roberta Oliveira e
Silva .................................................................................................. 81
Plantªo Psicológico em Hospital PsiquiÆtrico:
Novas Consideraçıes e desenvolvimento
Walter Cautella Junior.................................................................... 97
Plantªo Psicológico em Clínica-Escola
Vera Engler Cury ......................................................................... 115
Psicólogos de plantªo...
Vera Engler Cury ......................................................................... 135
5
AUTORES
Autores
Daniel Marinho Drummond Ø psicólogo, mestrando
no Programa de Pós-Graduçªo em Psicologia
da Universidade Federal de Minas Gerais.
John Keith Wood Ph.D. em Psicologia pelo The Union
Institute (E.U.A.), foi professor na California State
University em San Diego (E.U.A.) onde
tambØm fez plantªo psicológico no Hospital e
no Centro de Aconselhamento, e, no Brasil, foi
professor no Programa de Pós-Graduaçªo em
Psicologia Clínica da PUC-Campinas. Amigo
íntimo e colaborador direto de Carl Rogers por
quinze anos desenvolvendo uma Psicologia de
grandes grupos e vÆrios projetos internacionais.
Juliana Mendanha Brandªo Ø psicóloga pela
Universidade Federal de Minas Gerais, pós-
graduanda em Psicopedagogia pelo Centro
UniversitÆrio de Belo Horizonte.
6
Plantªo Psicológico: novos horizontes
Miguel Mahfoud Ø professor adjunto do Departamento
de Psicologia da Faculdade de Filosofia e
CiŒncias Humanas da Universidade Federal de
Minas Gerais, Doutor em Psicologia pela
Universidade de Sªo Paulo.
Raquel Wrona Rosenthal Ø psicóloga pela PUC-SP,
com Especializaçªo em Aconselhamento
Psicológico pela Universidade de Sªo Paulo e
Curso de Estudos Avançados da Abordagem
Centrada na Pessoa (Rosenberg/Wood).
Coordenadora do Curso de Especializaçªo em
Abordagem Centrada na Pessoa promovido
pelo Centro de Psicologia da Pessoa em Sªo
Paulo. Psicoterapeuta e facilitadora de grupos.
Roberta Oliveira e Silva Ø psicóloga pela Universidade
Federal de Minas Gerais.
Vera Engler Cury Ø professora do Instituto de
Psicologia e Fonoaudiologia da PUC-
Campinas, Coordenadora do Departamento de
Psicologia Clínica, Doutora em Psicologia pela
PUC-Campinas.
Walter Cautella Junior Ø psicólogo, mestrando pelo
Instituto de Psicologia da Universidade de Sªo
Paulo, Chefe do Departamento de Psicologia e
Psicoterapia da Casa de Saœde Nossa Senhora
de FÆtima, Coordenador e supervisor do
programa de estÆgios em psicologia institucional
e Presidente do Centro de Estudos daquela
mesma instituiçªo.
7
PrefÆcio
PREF`CIO
Este livro traz boas novas.
Primeiramente, apresenta evidŒncias de que o
Plantªo Psicológico Ø um serviço viÆvel para atender
adolescentes, estudantes universitÆrios e outros
membros da comunidade, abastados ou nªo.
O contato com esse serviço ajuda as pessoas
a lidarem efetivamente com os predicamentos da
vida, nªo os tratando como problemas que requerem
tratamento psiquiÆtrico. Por exemplo, uma pessoa
em uma “crise espiritual” nªo estÆ confrontando um
problema. Nªo estÆ tendo um comportamento
normal ou anormal. É um predicamento envolvendo
questıes filosóficas, buscando significados,
identidade.
O psicólogo Prof. Dr. Miguel Mahfoud ilustra
este ponto de vista em um relato sobre experiŒncias
em um colØgio. Plantªo seria “um espaço onde o
aluno pudesse buscar ajuda para rever, repensar e
refletir suas questıes”. Naturalmente, tal atividade
8
Plantªo Psicológico: novos horizontes
nªo Ø apenas uma conversa entre amigos. Em
situaçıes onde uma forma diferente de psicoterapia
Ø mais apropriada, a pessoa recebe a indicaçªo de
um(a) profissional competente.
Uma outra boa nova Ø que plantªo psicológico
pode promover uma experiŒncia de aprendizagem
eficaz para estagiÆrios(as). Confrontando a pessoa inteira
no contexto completo da sua existŒncia, o estagiÆrio(a)
necessariamente deve ampliar sua visªo do papel da
psicoterapia. O filósofo e matemÆtico inglŒs Alfred
North Whitehead observou que, “O conhecimento
de segunda-mªo do mundo instruído Ø o segredo da
sua mediocridade”. O tipo de problemas que as pessoas
enfrentam sªo, em geral, de primeira-mªo. A ajuda
que necessitam Ø de ordem prÆtica. Esta forma de
aprendizagem Ø prÆtica.
Assim, ambos os participantes – o plantonista
e o indagador(a) – participam e se beneficiam de uma
educaçªo intuitiva cujo objetivo Ø a auto-realizaçªo.
Em um encontro de pessoa a pessoa como este, onde
se procura dirigir a melhor parte de si mesmo à melhor
parte do outro com o propósito de curar a mente, o
corpo e a natureza, a essŒncia da psicoterapia estÆ, de
fato, sendo redefinida.
O mesmo observa Walter Cautella Junior,
descrevendo seu trabalho em um hospital
psiquiÆtrico: “A experiŒncia do plantªo psicológico
leva a instituiçªo a reformar sua visªo do indivíduo
institucionalizado”.
HÆ promessas de mais boas novas. A palavra
“plantªo” vem do francŒs planton, quando era aplicado
em linguagem militar para designar a pessoa que ocupa
uma posiçªo fixa, alerta dia e noite. Seu uso moderno
refere-se ao suporte, fora do horÆrio normal,
oferecido por mØdicos em hospitais ou, como aqui,
por um psicólogo. AlØm disso, sua relevância estÆ no
9
fato de que a origem da palavra planton vem do latin:
plantare, plantar.
Um significado dessa palavra refere-se a “planta
do pؔ. Assim, o plantªo psicológico pode ser visto
como tendo seus pØs no chªo. Sendo prÆtico.
Respondendo às necessidades imediatas dos clientes
(que poderªo ser psicológicas ou de qualquer outra
ordem).
O segundo sentido de “plantar,” Ø “meter um
organismo vegetal na terra para enraizar”. Essa Ø outra
característica do Plantªo Psicológico descrito neste
livro: estar plantado na cultura brasileira com suas
deficiŒncias e seus nutrientes. Principalmente, Ø um
organismo vivo e crescendo. Assim, como lembram
as palavras de Prof.a. Dr.a Vera E. Cury, “Uma Øtica
das relaçıes interpessoais, sutil mas poderosa, feita de
pequenos gestos e acenos suaves, simplese ainda assim
determinada, parece conduzir os projetos do Plantªo
Psicológico”.
Se for possível ficar imune e nªo se deixar
restringir por dogmas e modismos filosóficos poderÆ
continuar a se desenvolver efetivamente de acordo com
as necessidades da populaçªo desse tempo e lugar.
John Keith Wood
Jaguariœna, Agosto 1999
PrefÆcio
11
INTRODU˙ˆO
1
 MAHFOUD,
Miguel. A vivŒncia
de um desafio:
plantªo psicológico.
In: ROSENBERG,
Rachel Lea (Org.).
Aconselhamento
p s i c o l ó g i c o
centrado na
pessoa. Sªo Paulo:
EPU, 1987, p.75-83.
(SØrie Temas BÆsi-
cos de Psicologia,
Vol. 21)
Introduçªo
Frutos Maduros do Plantªo
Psicológico
Miguel Mahfoud
Desde a primeira sistematizaçªo – nos idos
de 1987
1
 – da inicial experiŒncia de Plantªo
Psicológico no Brasil, que se apresentava como
desafio a ser vivenciado, como semente que muda
de cor e se alastra no terreno de sempre com brotos
frÆgeis mas injetando a verde esperança que tudo
transforma, desde entªo a proposta de um
Aconselhamento Psicológico aberto às mudanças de
nosso tempo, de nossa cultura e de nossa realidade
social foi brotando e formando raízes.
Que solo seria o mais propício ao desenvolvimento
de algo que prometia vitalidade senªo o nosso próprio,
nossa terra, nossos desafios sociais, institucionais?
Aprender da experiŒncia a partir de um empenho com a
realidade assim como ela Ø para de dentro transformÆ-
la. Assim, em nosso solo brasileiro a experiŒncia de Plantªo
Psicológico tomou corpo de maneira original.
O presente livro quer comunicar a sistematizaçªo
de um exercício de aprendizagem a partir da experiŒncia
12
Plantªo Psicológico: novos horizontes
de empenho em diferentes contextos institucionais.
Diversas experiŒncias de Plantªo Psicológico que dªo
vida a uma modalidade de Aconselhamento Psicológico
que aceitou romper os limites estabelecidos pelo
descompromisso teorizado de tantas psicologias, pelo
reducionismo sentimental de algumas propostas de
psicologia que se querem humanistas.
Veremos aqui os desafios serem enfrentados em
novos horizontes. Tantos desafios permanecem os
mesmos para a psicologia desde muito: desafios sociais
como as dificuldades econômicas e de trabalho,
desafios educacionais, desafios de uma psicologia
humanista atuante dentro das instituiçıes... A novidade
vem da vitalidade da experiŒncia mesma de um
atendimento que aceita outros parâmetros para orientar
seu desenvolvimento. Os novos horizontes sªo
indicados pela própria aprendizagem significativa
sistematizada com rigor para acolher a vitalidade que
com surpresa emerge.
Queremos que o leitor possa entrar em contato
com a vitalidade da experiŒncia, e com a força
provocadora que algo acontecido de fato pode nos
comunicar: a força do possível. Mais do que modelos,
encontramos aqui provocaçıes.
Uma das provocaçıes significativas Ø a integraçªo
de trabalhos de base humanista inserido em instituiçıes.
Tantas vezes ouvimos o refrªo quase automaticamente
repetido de que as instituiçıes tŒm objetivos diversos
daqueles que movem a Psicologia Humanista jÆ que
esta quer acentuar a centralidade da pessoa e seus
processos autŒnticos. As experiŒncias aqui comunicadas
indicam uma possibilidade de trabalhos claramente de
base humanista que aceitam – com nossos próprios
sujeitos – o desafio de continuamente buscar, no
contexto assim como se apresenta, a afirmaçªo dos
interesses propriamente humanos. Se realmente fosse
impossível para nós, de que maneira poderíamos esperar
13
Introduçâo
que fosse possível para nossos clientes? Se nªo fosse
possível para nós, só nos restaria propor o atendimento
psicológico como espaço alternativo, e por isso
inevitavelmente alienante. Encontramos aqui
experiŒncias que podem abrir novos horizontes neste
sentido.
Em se tratando de uma novidade que estava
apenas brotando, por muitos anos a comunidade psi
acolheu a proposta de Plantªo Psicológico como algo
“alternativo”. No sentido que seria algo outro em
relaçªo ao estabelecido como campo seguro e próprio
do saber e da tØcnica psicológica. Desconfianças,
dœvidas, reticŒncias... cultivadas em compasso de
espera, atØ que os frutos amadurecessem e se pudesse
conhecer de fato esse Plantªo. O próprio Conselho
Federal de Psicologia chegou a se pronunciar em
documento oficial, classificando Plantªo Psicológico
dentre as tØcnicas alternativas emergentes. Alternativa
de maneira distinta daquelas de origem confusa ou
exotØrica, mas entendida como proposta inovadora, que
em certa medida rompe parâmetros estabelecidos por
tØcnicas tradicionais e que ainda estava aguardando uma
avaliaçªo mais rigorosa de sua eficÆcia pelas instituiçıes
de ensino superior e de pesquisa.
Pois bem, os frutos amadureceram e sªo aqui
oferecidos. Amadureceram no trabalho sistemÆtico, na
observaçªo atenta, na sistematizaçªo com rigor
metodológico com base em pesquisas de base
fenomenológica. Sªo esses frutos que agora, aqui, sªo
oferecidos à comunidade para que possamos promover
a experiŒncia de Plantªo Psicológico com uma
concepçªo clara, de maneira tal a possibilitar sua
correspondente avaliaçªo.
Neste sentido este livro dÆ um passo histórico.
JÆ nªo podemos falar em Plantªo Psicológico tØcnica
alternativa. O atual e crescente interesse documentado
pela presença de mesas redondas e/ou de comunicaçªo
14
Plantªo Psicológico: novos horizontes
de pesquisa sobre Plantªo Psicológico em
diversos congressos nacionais e regionais jÆ era um
indício dessa mudança. A apresentaçªo dessas
experiŒncias sistematizadas e pesquisadas colocam um
ponto final.
É claro que trata-se de um ponto final só no
carÆter de alternativo. Sabemos bem que estamos no
início. Plantªo tem ainda muito em que crescer para
exprimir toda sua potencialidade. Os primeiros frutos
maduros apresentam o Plantªo; e sabemos, agora mais
do que nunca, que vale a pena cultivÆ-lo, que hÆ terreno
propício, que hÆ horizonte amplo onde mirar.
Bom terreno, boas sementes, bons frutos... : bom
proveito!
15
O Plantªo Psicológico no Instituto Sedes Sapientiae
O Plantªo de Psicólogos no Instituto
Sedes Sapientiae: uma proposta de
atendimento aberto à comunidade
Raquel Wrona Rosenthal
No final da dØcada de 70, parte do grupo de
profissionais que antes se reunia como “Grupo de
Psicologia Humanista”, decide constituir no Instituto
Sedes Sapientiae, o Centro de Desenvolvimento da
Pessoa, CDP.
Estimulado pelo entusiasmo de Rachel Lea
Rosenberg, o CDP desenvolvia programas de estudos
teóricos, grupos de supervisªo e reflexªo sobre a
prÆtica clínica, promovia workshops abertos ao pœblico,
ciclos de encontros de profissionais paulistas e tambØm
encontros nacionais, constituindo-se em importante
referŒncia para os interessados em discutir e aprofundar
o conhecimento da ACP, Abordagem Centrada na
Pessoa.
Sempre atenta ao potencial transformador da
ACP, considerando tanto a dimensªo individual quanto
a social / comunitÆria, Dra. Rosenberg propıe a criaçªo
de um serviço de Plantªo de Psicólogos, inspirado
nas experiŒncias das walk-in clinics, surgidas nos Estados
16
Plantªo Psicológico: novos horizontes
1
 ROGERS, Car l
Ramson. As Condi-
çıes necessÆrias e
suficientes para a
mudança terapŒu-
tica da personali-
dade. In: WOOD,
John Keith et alii
(Org.s). Aborda-
gem centrada na
pessoa, Vitória:
Fundaçªo Ceciliano
Abel de Almeida /
Universidade Fede-
ral do Espírito San-
to, 1995, p.157-179.
2
 ROGERS, Car l
R a m s o n .
Psicoterapia e
consulta psico-
lógica , 1“
“
 ed . ,
Sªo Paulo: Martins
Fontes, 1987 (Cole-
çªo Psicologia e
Pedagogia), p.207-
208.
Unidos para prestar atendimento imediato à
comunidade. AtØ entªo o Serviço de Aconselhamento
Psicológico, no Instituto de Psicologia da USP, sob
sua coordenaçªo, jÆ vinha oferecendo o que chamava
“plantªo”, e que consistia, naquele caso,em uma
disponibilidade mais atenciosa de recepçªo aos clientes
que procuravam inscriçªo para atendimento regular
em aconselhamento psicológico. Daí surgiram as
primeiras reflexıes sobre as potencialidades de um
serviço de “Plantªo Psicológico”: o poder
transformador da escuta atenciosa, nªo diretiva,
centrada no cliente, confiante na tendŒncia ao
desenvolvimento das potencialidades inerentes à pessoa
(tendŒncia atualizante), e na possibilidade dessa
tendŒncia ser estimulada, mesmo atravØs de um œnico
encontro com o profissional, desde que este œltimo
possa oferecer sua presença inteira, atravØs de sua
própria congruŒncia, capacidade de empatia e aceitaçªo
incondicional do outro, atitudes pilares da ACP.
1
É de Carl Rogers, o criador a Abordagem
Centrada na Pessoa, a ponderaçªo:
“Se atendermos à complexidade da vida humana com
olhar justo, temos que reconhecer que Ø altamente
improvÆvel que possamos reorganizar a estrutura da
vida de um indivíduo. Se pudermos reconhecer este limite
e nos abstivermos de desempenhar o papel de Deus,
poderemos oferecer um tipo muito precioso de ajuda, de
esclarecimento, mesmo num curto espaço de tempo. Podemos
permitir ao cliente que exprima seus problemas e
sentimentos de forma livre, e deixÆ-lo com o reconhecimento
das questıes que enfrenta.” 2
Muitas pessoas, em determinada circunstância
de suas vidas, poderiam se beneficiar ao encontrar essa
interlocuçªo diferenciada, que lhes propiciasse uma
oportunidade tambØm de escutar a si mesmos,
17
O Plantªo de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae
3
 INSTITUTO
S E D E S
SAPIENTIAE: Carta
de Princípios, s/d
(mineo.).
identificando e reconhecendo seus próprios
sentimentos e possibilidades de auto direçªo, no
momento em que enfrentam a dificuldade, sem que
necessariamente tenham que se submeter a atendimento
sistemÆtico, prolongado, como tradicionalmente
oferecem as psicoterapias.
Coube a mim a coordenaçªo e supervisªo do
Plantªo de Psicólogos do CDP, oferecido pela primeira
vez em agosto de 1980, como um dos chamados
“cursos de expansªo”do Instituto Sedes Sapientiae. O
curso tinha duraçªo semestral, e prestava, atravØs de seus
alunos, atendimento psicológico aberto à populaçªo.
O Instituto Sedes Sapientiae ou Sedes, como hoje
o chamamos, fundado em Sªo Paulo em 1975, Ø um
importante centro de prestaçªo de serviços, ensino e
pesquisa ligados às Æreas da Psicologia e da Educaçªo,
tendo como compromisso
“assumir sua parcela de responsabilidade na
transformaçªo qualitativa da realidade social, estimulando
todos os valores que acelerem o processo histórico no sentido
de justiça social, democracia, respeito aos direitos da pessoa
humana” 3
Feliz associaçªo de ideais, nosso Plantªo tinha
lugar certo para acontecer!
As atividades iniciaram-se pela seleçªo dos
plantonistas. Os critØrios adotados pediam que fossem
psicólogos, que conhecessem os fundamentos da ACP,
que tivessem experiŒncia mínima de um ano em
atendimento clínico e estivessem especialmente
sensibilizados pela natureza do serviço proposto.
ContÆvamos com um grupo de doze
plantonistas e uma supervisora e estabelecemos o
horÆrio das 20 às 22 horas, às segundas e quintas-feiras
18
Plantªo Psicológico: novos horizontes
4
 BELLAK, Leopold
& SMALL, Leonard.
Psicoterapia de
EmergŒncia e
P s i c o t e r a p i a
Breve, Porto Ale-
gre: Artes MØdicas,
1980.
para os atendimentos e nossas reuniıes. Dedicamos
aproximadamente um mŒs e meio ao planejamento e à
divulgaçªo do novo serviço, período em que pudemos
compartilhar nossas expectativas e fantasias, aplacando
nossa ansiedade, acentuada pela ausŒncia de bibliografia
específica sobre plantªo psicológico. Nªo havia
qualquer mençªo, nas diversas bibliotecas
especializadas que consultamos, às walk-in clinics das
quais Rachel Rosenberg nos falara.
Sabíamos que a possibilidade de psicoterapias
de curta duraçªo vinha sendo considerada por autores
que adotavam diferentes abordagens, como por
exemplo, os trabalhos de Bellak e Small, 
4
 de orientaçªo
psicanalítica. As Psicoterapias Breves vinham tendo,
desde a dØcada de 70, grande implemento e pesquisa,
mas nada de sistemÆtico havia sobre outras experiŒncias
de curta duraçªo ou mesmo de sessıes œnicas de
atendimento.
Dra.Rosenberg, ao refletir sobre variaçıes no
tempo de atendimento, apontava o carÆter preventivo
de uma intervençªo no momento oportuno:
“A duraçªo prevista para um atendimento
possivelmente eficaz em terapia tem sofrido
modificaçıes de vÆrias espØcies. Comprovaçıes
empíricas de resultados satisfatórios justificam o uso
de atendimentos com um nœmero prØ-determinado
ou mÆximo de horas. Cria-se uma metodologia
específica para este tipo de atendimento em linhas
teóricas variadas [...], o atendimento de curta duraçªo
se insere como aplicaçªo natural, bem sucedida e cada
vez mais utilizada. Mesmo no caso de problemas graves
ou dificuldades antigas, conclui-se que o princípio de
tudo-ou-nada — ou seja ,terapia profunda e
prolongada ou nenhuma assistŒncia psicoterÆpica —
nªo tem real validade. Especialmente em pontos
19
O Plantªo de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae
5
 ROSENBERG,
Rachel Lea. Terapia
para Agora. In
ROGERS, Carl
Ramson &
R O S E N B E R G ,
Rachel Lea. A
Pessoa como
Centro, Sªo Paulo:
E.P.U., 1977, p.52.
6
 Madre Cristina,
nascida CØlia SodrØ
Dória, cônega de
Santo Agostinho,
educadora, psicó-
loga e fundadora do
Instituto Sedes
S a p i e n t i a e ,
personalidade ines-
quecível para a
Psicologia e para a
História brasileiras.
críticos do desenvolvimento ou da vivŒncia, uma
intervençªo adequada tem, alØm de efeitos terapŒuticos,
carÆter preventivo de conflitos maiores posteriores”.
5
Alguns alunos supunham que, devido ao carÆter
imediato do atendimento, certamente receberíamos
muitos clientes em crise emocional aguda e insistiam
na necessidade de contarmos com um psiquiatra
plantonista. Precisamos esclarecer que nossa proposta
nªo era criar um serviço para emergŒncias psiquiÆtricas
e sim oferecer escuta imediata, recebendo a pessoa no
momento da dificuldade, sem que necessariamente a
intensidade dessa dificuldade tivesse atingido um ponto
crítico que representasse ameaça iminente à sua
integridade ou à de outros; nªo era destinado ao suicida
em potencial, como sugeria a divulgaçªo recente do
CVV, Centro de Valorizaçªo da Vida, cuja equipe de
plantonistas era constituída por leigos em psicologia e
prestava atendimento inicial por telefone. Por
precauçªo, tratamos de pesquisar e organizar uma
relaçªo de instituiçıes e serviços particulares de
psiquiatria, caso viØssemos a necessitar.
A preocupaçªo de Madre Cristina 
6
 era de que
o novo serviço nªo viesse aumentar as jÆ enormes
filas de espera para psicoterapia naquela clínica, tªo
solicitada devido à tradicional qualidade dos serviços
prestados. Insistíamos em esclarecer que a intençªo nªo
era fazer triagem, embora pudØssemos, eventualmente,
realizar encaminhamentos. O Plantªo Psicológico nªo
foi concebido como uma alternativa “tampªo” para
acabar com filas de espera em serviços de assistŒncia
psicoterapŒutica, jÆ que nªo pretende substituir a
psicoterapia. Nªo acreditamos que uma œnica sessªo
seja capaz de resolver sØrios problemas emocionais
ou promover resultados reconstrutivos da
personalidade. Somente mais tarde Ø que viemos a
descobrir as possibilidades terapŒuticas do plantªo.
20
Plantªo Psicológico: novos horizontes
7
 um destes cartazes
e n c o n t r a - s e
digitalizado no CD-
ROM anexo ao livro.
Fizemos vÆrias reuniıes em torno de aspectos
Øticos das formas de divulgaçªo: tratava-se de uma
nova proposta e aberta à comunidade em geral. Como
divulgÆ-la, transmitindo sua originalidade e
acessibilidade, sem banalizÆ-la? Optamos pela
impressªo de cartazes
7
, que foram afixados em diversas
escolas, igrejas,hospitais, bibliotecas pœblicas e
faculdades com o destaque: “Psicólogos de Plantªo ”
e o texto:
“Somos um grupo de psicólogos prontos para ouvir, trocar
idØias, esclarecer dœvidas. Enfim, estar com vocŒ no
momento em que sentir que um psicólogo pode ajudar.”
Seguia-se o nome da psicóloga responsÆvel e
seu nœmero de inscriçªo no CRP, o endereço e horÆrios
do atendimento.
Os plantonistas visitaram as salas de aula do Sedes
onde se desenvolviam outros cursos, para anunciar o
atendimento e esclarecer dœvidas a respeito. Os
primeiros a nos procurar foram justamente alguns
alunos desses cursos, uns motivados por questıes
pessoais, outros, pelo interesse profissional em
conhecer melhor o Plantªo.
Houve uma divulgaçªo num programa da TV
Cultura, uma reportagem extensa que entrevistou
plantonistas e supervisora, e que, infelizmente, só foi
ao ar às vØsperas da interrupçªo do serviço devido às
fØrias. Este fator diminuiu o impacto de sua
repercussªo, pois os clientes que nos procuraram em
seguida à ediçªo do programa da TV nªo puderam
ser atendidos.
O jornal Folha de Sªo Paulo publicou reportagem
do jornalista Paulo SØrgio Scarpa sobre o Plantªo
Psicológico, destacando sua utilidade pœblica.
Interessante assinalar que a seçªo onde se inseriu a matØria
21
O Plantªo de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae
8
 Estas matØrias se
encontram digita-
lizadas no CD-ROM
anexo ao livro.
intitulava-se “A Folha e as respostas da sociedade à
crise”(07/11/81). Outras mençıes ao serviço jÆ haviam
sido feitas por esse mesmo jornal, em ediçªo de 16/01/
81 e em seu caderno “Folhetim”, cuja ediçªo ,em 20/
09/81, era dedicada ao tema “Desemprego e
Insegurança”
8
. Hoje, passados 19 anos, podemos
reconhecer, com tristeza, a atualidade desses temas.
O primeiro grupo de doze plantonistas
trabalhou de agosto a dezembro de 1980, dividido
em sub-grupos de seis que se alternavam entre
atendimento e supervisªo: enquanto metade prestava
plantªo às segundas- feiras, a outra parte reunia-se para
supervisªo; às quintas-feiras, invertiam-se as funçıes.
A supervisªo tambØm era acessível ao plantonista
durante o transcorrer de um atendimento, caso
precisasse dela. A duraçªo de uma sessªo de
atendimento poderia variar de uma a duas horas,
dependendo de haver ou nªo outros clientes à espera.
Dispœnhamos de sete salas, sendo seis destinadas
ao atendimento e uma para as reuniıes de supervisªo.
Madre Cristina, confiante na importância da
iniciativa, ofereceu-se para recepcionar os clientes. Assim,
quem procurava o Plantªo Psicológico, mesmo nas
noites mais frias do inverno, encontrava-a logo à
entrada do Sedes, sentada atrÆs de uma pequena mesa,
apoiada num travesseiro para respaldar suas costas,
que tªo vigorosamente suportaram, com coragem e
dignidade, as pressıes da luta por justiça social em
nosso país. Cabia a ela indicar ao cliente o andar e a
sala de atendimento, o que fazia com calor e firmeza,
jÆ despertando nele uma disposiçªo receptiva ao
encontro com o profissional.
No primeiro semestre de 1981 foi feita nova
seleçªo de plantonistas e alguns dos ex-alunos,
entusiasmados que estavam, se re-inscreveram.
22
Plantªo Psicológico: novos horizontes
Novamente, para o terceiro curso, no segundo
semestre de 1981, tivemos re-inscriçıes.
Em 1982 nªo foi renovada a proposta. A
supervisora, preparando-se para sua terceira gravidez,
embevecida que estava pelo novo, decidiu-se pela
dedicaçªo mais intensa às suas filhas, enquanto se
afastava do Sedes, levando muito para refletir a respeito
de seus plantıes e suas “ plantinhas”. Mais tarde, Ø
convidada a oferecer Plantªo Psicológico aos
funcionÆrios do mesmo instituto, atividade que
desenvolveu atØ dezembro de 97. Esse convite atesta
o reconhecimento da importância da proposta e a
repercussªo que o Plantªo Psicológico alcançou dentro
daquela instituiçªo .
Trataremos aqui de apresentar como foi
desenvolvido o Plantªo Psicológico aberto à
comunidade.
OS CLIENTES
Nos trŒs semestres do Plantªo de Psicólogos,
realizamos 145 atendimentos, sendo 28 retornos.
Tínhamos estabelecido trŒs retornos como possibilidade
mÆxima para cada cliente no mesmo semestre.
Entendíamos que, caso nos procurasse com maior
freqüŒncia, isto indicaria a conveniŒncia de encaminhÆ-
lo à psicoterapia. Tínhamos uma relaçªo de instituiçıes
que prestavam atendimento gratuito, como era nosso
caso, e tambØm uma relaçªo de psicoterapeutas
dispostos a trabalhar por honorÆrios simbólicos.
Das 117 pessoas que nos procuraram, 52% eram
mulheres e 48% homens. Predominaram os solteiros;
o nível de escolaridade dos clientes variou de semi-
alfabetizados a curso superior completo; 17% eram
profissionais liberais (advogado, economista, psicólogo,
fisioterapeuta), e o restante composto por outras
ocupaçıes (escriturÆrio, comerciÆrio, comerciante,
motorista, vendedor, feirante, office-boy, tØcnicos em
23
O Plantªo de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae
serviços diversos). Procurou-nos tambØm uma pessoa
que declarou como ocupaçªo, ser “pedinte”. Meses
depois, a plantonista que o atendeu o encontraria num
dos ônibus urbanos, recolhendo esmolas entre os
passageiros.
Após cada atendimento, era solicitado ao cliente
que depositasse numa urna um comentÆrio escrito, sem
necessidade de se identificar. Dos 68 depoimentos
recolhidos, destacamos alguns, para ilustrar a
repercussªo imediata ao encontro:
“Eu nunca havia participado de uma entrevista com
psicólogos. Fiquei atØ com receio pois nªo sabia como
iria iniciar a conversa. Entretanto, foi mais fÆcil do que
imaginava. O ‘à vontade’ com que a psicóloga conduziu
o bate-papo propiciou-me externar praticamente tudo o
que vinha me inquietando, chegando mesmo a tirar
conclusıes ou elucidar dœvidas com o simples desabafo de
minhas preocupaçıes. Senti-me pois tªo satisfeita como
se tivesse recebido um presente de Natal ”.
“Nªo acho que o atendimento recebido tenha resolvido o
meu problema, mas tenho plena convicçªo de que abriu-
me algumas portas, deu-me algumas luzes e fez-me refletir.
Creio que agora estou mais apto a resolvŒ-lo e muito
otimista por saber que posso”.
“Acho que existem muitas pessoas que deveriam fazer
esta ‘prØ-anÆlise’ antes de se definir pelo terapeuta”.
“Nªo fez minha cabeça”.
“Como Ø bom ter e sentir que podemos sentar e conversar
com uma pessoa. Falar de nossos problemas sem pensar
que vamos ser censurados”.
24
Plantªo Psicológico: novos horizontes
“Achei ótima a idØia desse Plantªo. Psicólogos ouvindo
pessoas em casos de emergŒncia ‘emocional’. Deve continuar
e se expandir em vÆrios locais e ser divulgado e ‘ensinado’,
dado como curso nas escolas de Psicologia”.
“Acho essa iniciativa muito vÆlida e isso, acredito eu,
vem a ressaltar ainda mais o papel, ainda que às vezes
reprimido do psicólogo na sociedade. Acredito que mesmo
sendo um só encontro, estes 50 ou 60 minutos que sejam,
nossas 23 horas restantes e dias posteriores serªo
melhores”.
De maneira geral, os comentÆrios aludiam à
importância de ser ouvido, faziam referŒncias ao alívio
pelo desabafo, sugeriam que o atendimento deveria
ser pago, apontavam a necessidade de maior divulgaçªo
do serviço e a ampliaçªo dos horÆrios de atendimento
e alguns revelaram frustraçªo da expectativa de que
pudessem receber atendimento prolongado.
OS PLANTONISTAS
Os plantonistas se referiam com freqüŒncia à
sua experiŒncia como estagiÆrios durante o tempo da
faculdade, declarando o quanto “sofreram” ao se
desligar do cliente por ocasiªo da conclusªo do curso
de graduaçªo. Agora, a questªo do vínculo, a separaçªo
do cliente, a ansiedade em funçªo desse œnico encontro,
a imprevisibilidade quanto a outra oportunidade
(sessªo seguinte) para eventual “reparaçªo” de sua
atuaçªo, tudo era discutido sistematicamente nas
supervisıes. Suponho que uma das conseqüŒncias
dessas dificuldades dosalunos foi o nœmero de
encaminhamentos realizados e a quantidade de
intervençıes de natureza diretiva, com tendŒncia a
oferecer respostas e sugestıes.
Outra questªo diz respeito à superaçªo do
estereótipo de que uma relaçªo de ajuda psicológica
25
O Plantªo de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae
deva se estender no tempo, de que profundidade e
intensidade sejam diretamente proporcionais à duraçªo
do atendimento. A possibilidade de que uma
intervençªo de natureza breve pudesse ser suficiente
para o cliente nªo era claramente percebida pelos
alunos, limitaçªo que podemos atribuir à formaçªo que
receberam nos cursos de Psicologia, onde a habilitaçªo
do psicólogo estava mais voltada para a atividade clínica
da psicoterapia ou do psicodiagnóstico atravØs de testes.
TambØm em relaçªo às intervençıes diretivas
observamos, muitas vezes, que o sentimento de
impotŒncia do plantonista diante de clientes de menor
poder aquisitivo, levou-os a adotar atitudes paternalistas
e, de certa forma, desvalorizantes para o cliente; houve
casos em que o aluno procurava encontrar soluçıes
imediatas, dar conselhos e sugestıes ou mesmo insistir
em encaminhamentos muitas vezes nªo percebidos
como necessÆrios pelo próprio cliente.
Liesel Lioret, psicóloga que pouco tempo
depois iniciaria tambØm como supervisora o
atendimento psicológico do tipo plantªo em postos
de saœde atravØs da Clínica das Faculdades Sªo
Marcos, fez a seguinte reflexªo sobre sua experiŒncia:
“A questªo dos valores do psicólogo Ø
importante em qualquer processo psicoterapŒutico, mas
quando se trata de sua ‘vontade de ajudar’ pessoas
com problemas de subsistŒncia, a visªo que ele tem
da ‘pobreza’ e de seu próprio lugar na sociedade modela
seus objetivos explícitos e implícitos e suas atitudes.
O psicólogo tem a tendŒncia a se preocupar mais com
o ‘como’ de sua atuaçªo do que com o ‘porquŒ”, ou
seja, com as implicaçıes pessoais e ideológicas de suas
intervençıes. Por exemplo, nªo terÆ a mesma postura
se acredita que uma tomada de consciŒncia individual
possa ser um fator de mudança, ou se acredita que
somente uma mudança social e política possa trazer
26
Plantªo Psicológico: novos horizontes
9
 Extraído de rela-
tório pessoal nªo
publicado (1982).
ParÆgrafo aqui
reproduzido sob
permissªo da
autora.
soluçıes para as situaçıes individuais.[...] Ele deve, mais
do que nunca, estar atento às incongruŒncias de seus
sentimentos com os pressupostos intelectuais: atØ que
ponto ele realmente confia nos recursos da pessoa para
enfrentar suas dificuldades e modificar seu mundo?”
9
O SERVI˙O E O CURSO
Quanto à estruturaçªo do serviço, que
acompanhava o calendÆrio dos cursos do Instituto
Sedes Sapientiae, percebemos que a proposta
semestral, com constantes interrupçıes devido às fØrias,
alØm de truncar o afluxo de clientes, tornava muito
curto o período de preparaçªo do plantonista,
preparaçªo que nos parece requerer bastante empenho,
especialmente no que diz respeito às bases conceituais
da Abordagem Centrada na Pessoa e aos valores
pessoais do profissional. Isto pôde ser confirmado
pelo nœmero de re-inscriçıes dos alunos para os
semestres seguintes, evidenciando que nªo só
reconheciam a relevância e efetividade do Plantªo
Psicológico, como tambØm a consciŒncia que tinham
da necessidade de aperfeiçoamento. O tempo breve
da relaçªo com o cliente talvez torne mais perceptível,
tanto para o supervisor como para o próprio aluno,
o grau de consistŒncia na adoçªo da ACP como
referencial para sua atuaçªo. A ausŒncia de solidez na
“atitude centrada na pessoa” prejudicarÆ a qualidade
da relaçªo de ajuda, gerando no plantonista
comportamentos incongruentes e condutas diretivas
ALGUMAS CONSIDERA˙ÕES SOBRE O PLANTˆO
Nossas próprias “descobertas” antecipam o que
diria mais tarde o rabino e escritor Nilton Bonder:
“A grande descoberta deste sØculo para as CiŒncias
Humanas Ø a descoberta terapŒutica da escuta. Nªo hÆ
melhor entendimento que alguØm possa nos prestar do
27
O Plantªo de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae
10
 BONDER, Nilton –
Elul, O mŒs da
escuta, Kol – Boletim
Informativo da
Comunidade Judaica
do Brasil, Rio de
Janeiro, Ano III, n.7,
agosto 1998, p.1.
que servir-nos de ouvido para as falas baixas e quase
imperceptíveis de nossa existŒncia” 10.
Ouvir pode sugerir uma atitude passiva, mas nªo
Ø. Ouvir implica acompanhar, estar atento, estar presente.
Presença inteira. Que quer dizer “presença inteira”?
Todos sabemos o que significa presença “parcial”.
Quantas vezes duvidamos que nosso interlocutor esteja
realmente nos ouvindo? Mesmo que alguØm, ao ser
questionado “VocŒ estÆ ‘mesmo’ me ouvindo?” seja
capaz de repetir literalmente aquilo que acaba de ouvir,
a repetiçªo soarÆ vazia, oca de sentido, se sua presença
estiver cindida. Ser capaz de repetir neste caso nªo
significa ser bom ouvinte. É sutil, mas às vezes podemos
atØ perceber, sem mesmo ter consciŒncia de que
percebemos - pela própria “densidade” de olhar do
outro, pelo tipo de brilho desse olhar - a denœncia da
“parcialidade” da presença. Um olhar nosso ao olhar
do interlocutor poderÆ revelÆ-la. A repetiçªo, mesmo
quando se torne uma reproduçªo, isto Ø, quando procure
“re-produzir”, sintetizando o conteœdo daquilo que foi
ouvido, eventualmente em outras palavras, torna-se oca,
Ø apenas e simplesmente um eco.
Eco, a ninfa da mitologia grega, evitava a
companhia dos homens e dos deuses e nªo se importava
com o Amor. Pª, apaixonado por ela e irritado com sua
indiferença, fez que os pastores da regiªo a
despedaçassem, espalhando os despojos pelas
campinas. Eco, dispersada por muitos lugares, limita-
se a repetir os sons que se produzem por perto.
Ouvir realmente, e nªo apenas “ecoar”, requer
concentraçªo do plantonista (terapeuta, ouvinte etc.).
Nªo Ø possível ouvir estando disperso como Eco. E
nªo estou me referindo a concentraçªo apenas como
capacidade de focalizar a atençªo (no cliente ou na
fala do cliente), mas quero ressaltar a concentraçªo
do terapeuta em si mesmo.
28
Plantªo Psicológico: novos horizontes
Proponho refletirmos sobre “concentraçªo”
como “congruŒncia”. Parece estranho? CongruŒncia
pode ser entendida como o alinhamento de vÆrias
esferas sobre um mesmo eixo. Psicologicamente
falando, significaria ter as dimensıes do pensar, sentir
e agir, alinhadas em torno do mesmo eixo, ter “todos
os centros num mesmo centro”. CongruŒncia Ø
portanto con-centraçªo, tomar dentro de si como œnico
centro, o mesmo eixo de alinhamento. É alinhamento
interno, concentraçªo, presença inteira.
A Abordagem Centrada na Pessoa, enfatizando as
qualidades da relaçªo (aceitaçªo incondicional, empatia e
congruŒncia) como fator mobilizador do crescimento
(tendŒncia atualizante) se confirma como perfeito
referencial para o “Plantªo Psicológico”, modalidade de
atendimento que vem abrir tambØm novas perspectivas
de contribuiçªo social para o psicólogo.
Relembrando a expressªo tªo rica de sentidos
do Prof. Miguel Mahfoud, podemos confirmar o Plantªo
Psicológico como presença que mobiliza.
29
Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia
1
 O presente texto
foi originalmente
apresentado no VIII
Encuentro Latino-
americano del Enfo-
que Centrado en la
Persona, promovido
pela Universidade
Iberoamericana da
Cidade do MØxico e
pela Universidade
Autônoma de
Aguascalientes, em
Aguascal ientes ,
MØxico, em 1996,
com apoio da
FAPEMIG.
Plantªo Psicológico na escola: uma
experiŒncia
Miguel Mahfoud
O desempenho profissional Ø fruto possível
de raízes filosóficas, e Ø verdade que se conhece a
Ærvore pelos frutos. Mas se o fruto-desempenho
profissional nªo morrer, ficarÆ só; se morrer um pouco,
para uma reflexªo mais profunda e para se misturar
com o que dÆ vida, produzirÆ cem por um.
Por isso quero agradecer a possibilidade de
compartilhar experiŒncias1
, a oportunidade de pensar
um pouco mais no que faço; oportunidade de me
enriquecer pela consciŒncia de que tambØm eu fui
plantado e que tambØm eu sou Ærvore com raiz e fruto,
e oportunidade de comunicar. O sentido mais
profundo do fruto nªo Ø semear de novo?
A Educaçªo tem pedido tØcnicas à Psicologia.
Mas o risco Ø o de nªo se clarear a finalidade geral da
educaçªo, respondendo segundo objetivos precisos
mas inadequados a essa finalidade. Ou seja, o risco Ø o
de nªo explicitarmos (nem a nós mesmos) que a
30
Plantªo Psicológico: novos horizontes
finalidade da educaçªo Ø a formaçªo da pessoa, e
querermos responder a tantas demandas com diversos
objetivos definidos (aumento do rendimento escolar,
auxílio na expressªo verbal e escrita, aplacamento de
comportamentos anti-sociais...) que podem nos ocupar
muito, podemos atØ obter resultados, mas poderíamos
ainda assim nªo estar respondendo à verdadeira
finalidade da educaçªo. Se a explicitarmos, daremo-
nos a oportunidade de que ela ilumine objetivos,
mØtodos e tØcnicas. E, ainda mais importante, daremos
a nós mesmos a oportunidade de sermos educadores,
isto Ø, testemunhas de uma consciŒncia ampla possível,
que jÆ começa a ser uma rota de orientaçªo dentro da
desorientaçªo cultural em que vivemos, e que as nossas
crianças e adolescentes nªo tŒm como evitar.
É nesse sentido que um pouco ousadamente
evitei assumir uma funçªo psico-pedagógica na escola
em que trabalhei. É preciso salientar que ali tínhamos
uma condiçªo de trabalho incomum, nªo sendo
chamados a desempenhar as funçıes de orientaçªo
educacional, ou coordenaçªo pedagógica ou disciplinar
- funçıes estas exercidas por outros profissionais. Pude
entªo me preocupar com uma contribuiçªo
propriamente psicológica no âmbito escolar.
Devido à minha formaçªo marcada pela
Abordagem Centrada na Pessoa logo quis que tambØm
na escola a psicologia pudesse contribuir primeiramente
constituindo um espaço para o aluno como pessoa. Um
espaço onde se retomasse a finalidade da educaçªo atravØs
da formaçªo da pessoa naquele contexto, assim como Ø,
com todos os seus recursos e limites, jÆ. Em um contexto
institucional cristalizado e tantas vezes inevitavelmente
partícipe da desorientaçªo cultural que todos vivemos,
eu quis ser psicólogo e educador ao testemunhar o valor
e a potŒncia inovadora e criadora da pessoa que cresce
com consciŒncia de si e da realidade.
31
Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia
2
 Cf. MAHFOUD,
Miguel. A VivŒncia
de um Desafio:
Plantªo Psicoló-
gico. In Rosenberg,
R.L.(Org.), Acon-
selhamento Psi-
cológico Centra-
do na Pessoa,
Sªo Paulo: EPU,
1987, pp.75-83.
(SØrie Temas BÆsi-
cos de Psicologia,
Vol. 21)
Assumindo isso como finalidade, a tØcnica de
atendimento breve que tem sido chamada de “Plantªo
Psicológico” 
2
 serviu como mØtodo de presença entre
os alunos e professores.
Sabemos bem que a imagem de um Serviço de
psicologia dentro da escola Ø visto por todos como
algo muito diferente disso que propomos, e assim
quisemos afirmar essa nova ótica para todos, mas
principalmente - e a partir - dos alunos, a quem aquele
Serviço de psicologia queria servir. Preparamos, entªo,
folhetos de divulgaçªo da proposta, que penso possam
ajudar a explicar a vocŒs tambØm um pouco do que
vem a ser um Plantªo Psicológico na escola.
Aos alunos de nível colegial foi entregue um
folheto com trechos da mœsica “Quase sem querer”
do grupo Legiªo Urbana, e alguns comentÆrios
apresentando o Plantªo Psicológico. Trazia os seguintes
dizeres:
“Tenho andado distraído,
Impaciente e indeciso
E ainda estou confuso.
...
Quantas chances desperdicei
Quando o que eu mais queria
Era provar pra todo mundo
Que eu nªo precisava
Provar nada pra ninguØm
...
Como um anjo caído
Fiz questªo de esquecer
Que mentir pra si mesmo
É sempre a pior mentira.
Mas nªo sou mais
Tªo criança a ponto de saber
Tudo.
...
32
Plantªo Psicológico: novos horizontes
3
 As i lustraçıes
dos panfletos
apresentados neste
capítulo sªo de
Durval Cordas, a
quem agradecemos
a autorizaçªo para
publicaçªo.
Sei que às vezes uso
Palavras repetidas
Mas quais sªo as palavras
Que nunca sªo ditas?”
de “Quase Sem Querer”
(Dado Villa-Lobos/ Legiªo Urbana)
PLANTˆO PSICOLÓGICO NO COLÉGIO
– uma ajuda para quem nªo quer viver
desperdiçando chances (com os amigos,
com a família, no colØgio...)
– um espaço para procurar ouvir em si as
palavras mais profundas e verdadeiras.
– uma possibilidade para todo aluno que nªo
quer viver “quase sem querer”.
Os pedidos de encontro com o
psicólogo podem ser feitos pessoalmente todas
as 3as e 6as feiras nos intervalos da manhª na
sala 45 (próximo à biblioteca e à informÆtica).
Ou por escrito, todos os dias deixando
na portaria do ColØgio um bilhete destinado
ao psicólogo Miguel Mahfoud contendo seu
nome, nœmero e classe, data e assinatura.
– Querendo, apareça!
JÆ o folheto preparado e entregue aos alunos
de nível ginasial foi o seguinte
3
:
33
Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia
34
Plantªo Psicológico: novos horizontes
35
Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia
36
Plantªo Psicológico: novos horizontes
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Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia
38
Plantªo Psicológico: novos horizontes
A resposta dos alunos foi bastante positiva. No
início a curiosidade sobre minha pessoa e sobre o tipo
de atendimento era o mais marcante, e vagarosamente
foi se instalando como um espaço para as pessoas, mais
do que para os problemas. Isso fez com que mesmo
quando precisÆvamos chamar alguØm para conversar por
pedidos da coordenaçªo pedagógica ou disciplinar, ou
por pedido de algum professor, a disponibilidade de
tratar dos problemas era jÆ diferente, porque o interesse
era por ele, e nªo por suas notas ou comportamentos.
Entªo atØ suas notas e comportamentos eram discutidos;
suas queixas interminÆveis, ouvidas; mas sua pessoa
continuava a ser o centro, e a resposta à situaçªo assim
como Ø ainda cabe a ele, que pode agora ter alguØm a
quem se referir, com quem se avaliar, em quem se apoiar.
A consciŒncia ampla do educador ali frente ao aluno se
traduz tambØm em disponibilidade e cumplicidade para
que o aluno viva com realismo e com cuidado consigo
mesmo. De modo geral isso Ø mobilizado rapidamente
e o psicólogo permanece como referŒncia para o aluno
na escola, tambØm para outras ocasiıes mais tarde, e a
experiŒncia permanece como referŒncia dentro do aluno
- espero para sempre.
A consciŒncia de si e da realidade pede, antes
de mais nada, discriminaçªo. Quem Ø quem na escola?
Com quem vocŒ pode contar? Quais sªo os recursos
disponíveis na rede de relacionamentos?
Mas se provoco os alunos a estarem atentos à
realidade e ao cuidado consigo mesmos e à sua presença
na escola, Ø porque procuro fazer o mesmo ali. TambØm
eu preciso discriminar bem, e aprender a reconhecer as
diferentes contribuiçıes dos vÆrios professores e
coordenadores que convivem muito mais diretamente
com os alunos do que eu, e por isso podem ser um
contato importante para o meu trabalho e para diferentes
formas de ajuda a alunos em dificuldade. Eles podem
39
Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia
4
 Este fo lheto
encontra-se degita-
lizado no CD-ROM
que acompanha o
livro.
me dar feed-back de minhas intervençıes, podem cooperar
quando tambØm eles se abrem a um tipo de compreensªo
dos acontecimentos que considere o lado dos alunos e
as outras dimensıes normalmente deixadas à margem
da sala de aula.
Na verdade a manutençªo desse tipo de
proposta pede um empenho constante, e
disponibilidade a manter um diÆlogo continuamente
retomado – com os professores, com os alunos e
com o conjunto da instituiçªo - para se esclarecer a
linha do trabalho, e para que se tenha atençªo com o
sentido que o trabalho vai tomandopara a instituiçªo:
COM OS PROFESSORES
Quanto aos professores, Ø fÆcil que em um
primeiro momento eles sintam que somos “defensores”
dos alunos, e quase nos vejam como inimigos. Sentem-
se incompreendidos. ChamÆ-los a colaborar conosco na
atençªo com os alunos nem sempre Ø potente para
romper aquela impressªo. Às vezes Ø preciso que eles
vejam alguns passos que estªo sendo dados pelo aluno e
que se liguem diretamente a seu trabalho. Dedicar-se a
explicitÆ-los nem sempre Ø fÆcil, mas Ø sempre importante.
COM OS ALUNOS
Quanto aos próprios alunos, Ø importante
retomar a proposta de que eles próprios podem nos
procurar, e estar atentos às tensıes que nossa presença
suscita entre eles, para poder lidar com elas tambØm
enquanto escola no seu conjunto, alØm do âmbito de
atendimento individual ou de pequenos grupos.
Como exemplo, apresento a vocŒs um folheto
4
que lançamos quando uma outra psicóloga foi trabalhar
comigo no ColØgio, e aproveitamos para lidar tambØm
com a tensªo existente entre os alunos, ligada ao fato
de que alguns deles se encontravam conosco.
40
Plantªo Psicológico: novos horizontes
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Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia
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Plantªo Psicológico: novos horizontes
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Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia
44
Plantªo Psicológico: novos horizontes
Assim, brincamos um pouco com a tensªo, e o
projeto foi re-proposto.
COM A INSTITUI˙ˆO
Quanto à necessidade de recolocar continuamente
a proposta, a nível institucional a questªo tambØm nªo Ø
simples. Às vezes nos sentimos um pouco “marcianos”.
Mas o trabalho vai sempre no sentido de responder às
demandas da instituiçªo retomando sempre o ponto
de partida da centralidade da pessoa. De fato, isso Ø
muito desafiador e criativo. Criamos mØtodos e
instrumentos novos ao procurar responder aos pedidos
e necessidades da instituiçªo retomando a finalidade da
educaçªo e as contribuiçıes da Psicologia.
Gostaria de citar dois exemplos:
1) O primeiro se refere a um pedido que a
direçªo da escola nos fez de nos ocuparmos de
Orientaçªo Profissional, sugerindo a aplicaçªo de testes.
Na nossa visªo, para aqueles alunos, o problema
se localizava no tema da escolha. Sendo alunos de classe
sócio-econômica “A”, poderiam escolher o que
quisessem - mas na verdade nªo podem escolher porque
nªo sabem o que querem, ou porque o caminho
profissional jÆ estÆ traçado por herança familiar (a
empresa da família, o consultório do pai...). Nªo
queríamos aplicar testes, porque nªo os ajudaria em nada
a enfrentar o problema de nªo se conhecerem, e o de
assumirem conscientemente um caminho para si na vida
e na sociedade. Nªo queríamos substituí-los nessa tarefa
de escolha que Ø tªo importante, e assinala uma passagem
para o mundo adulto.
A atençªo a isso nos deu criatividade para
utilizar, dentro de nossa abordagem, instrumentos
criados a partir de outros parâmetro teóricos.
Utilizamos textos da cultura brasileira, por exemplo o
da mœsica “Caçador de Mim” (SØrgio Magro/Luís
45
5
 Cf. MARTINS, C.R.
Psicologia do
Comportamento
Vocacional. Sªo
Paulo: EPU/EDUSP,
1978.
6
 FRANKL, V. E.
Psicoterapia e
sentido da vida:
fundamentos da
logoterapia e
anÆlise existen-
cial . Sªo Paulo:
Quadrante, 1973
Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia
Carlos SÆ) como imagem da busca de si que aquele
momento de escolha envolve; ou o poema “Que Ø o
Homem?” de Carlos Drummond de Andrade para abrir
espaço a uma pergunta sobre si e sobre o mundo num
horizonte amplo.
Mas desenvolvemos um novo mØtodo de
Orientaçªo Vocacional adaptando o MØtodo de História
de Vida apresentado por Julius Huizinga no IV Fórum
Internacional da Abordagem Centrada na Pessoa, no
Rio de Janeiro em 1989. Pedimos aos alunos para
desenharem o grÆfico de sua história de vida, assinalando
as experiŒncias mais significativas desde o nascimento
atØ o momento presente, avaliando-as como positivas
ou negativas em diferentes graus. Depois pedimos que
redijam um texto apresentando um dia comum no
futuro, cerca de 15 anos mais a frente. Desse trabalho Ø
possível extrair o critØrio pessoal com o qual cada um
deles olha, avalia e se engaja na própria vida. Entªo se
propıe enfrentar a questªo da escolha profissional com
aqueles critØrios pessoais, tendo em vista as profissıes
que mais favoreceriam a expressªo e o desenvolvimento
de suas características; ao invØs de perseguir a questªo
de onde ele deveria se encaixar para poder ser feliz -
questªo esta que parte de uma posiçªo alienada e
alienante. Só depois de explicitados esses critØrio e
mobilizado esse processo de busca Ø que utilizamos,
eventualmente, testes de personalidade (como o de
Pfister) e o Modelo de Holland
5
 de grupos profissionais
associados a características de personalidade. A proposta
Ø a de enriquecer e ampliar a reflexªo sobre si como
ser-no-mundo, œnico e irrepetível,
6
 ao invØs de esperar
daqueles instrumentos uma resposta.
2) Outro exemplo, para nós muito significativo,
foi quanto à dificuldade da instituiçªo em trabalhar
explicitamente a questªo das drogas, que preocupa
muito a todos - direçªo, professores, pais e alunos.
46
Plantªo Psicológico: novos horizontes
8
 MAHFOUD, Miguel
& BRANDˆO, Sílvia
Regina. Educaçªo
Afetiva. In. I Con-
gresso Interno
do Instituto de
Psicologia da
USP, Sªo Paulo,
1991, p. Z6.
7
 Cf. CARLINI, E.A.;
CARLINI-COTRIN,
B. & SILVA FILHO,
A.R., Sugestıes
para programas
de prevençªo ao
abuso de drogas
no Brasil, Sªo
Paulo: CEBRID,
1990.
Frente à necessidade de um trabalho de
prevençªo ao uso de drogas e frente às dificuldades
institucionais de tratar do tema, nos pareceu mais
adequado procurar utilizar o mØtodo que vem sendo
chamado de Educaçªo Afetiva
7
, que procura modificar
fatores pessoais considerados disponentes à utilizaçªo
de drogas (como auto-estima, identidade, resistŒncia a
pressªo de grupo etc.) sem necessariamente enfocar o
tema drogas.
Assim, Sílvia Regina Brandªo e eu elaboramos
o primeiro material brasileiro de Educaçªo Afetiva
8
,
sempre retomando a questªo da centralidade da pessoa,
e abordando principalmente o tema da identidade a
partir da existŒncia, do ser-no-mundo e o tema da
conjugaçªo entre desejo e limite.
SITUA˙ˆO DESAFIADORA
Para terminar, eu nªo seria verdadeiro comigo
mesmo se nªo citasse uma situaçªo que para mim tem
sido muito difícil e desafiadora: trata-se da situaçªo de
morte de alunos, em particular quando hÆ suspeita de
suicídio. Por um lado retomo com muita força a
questªo da finalidade da educaçªo no que se refere à
formaçªo da pessoa e à formaçªo de uma consciŒncia
ampla de si e da realidade. Uma morte assim nos coloca
em xeque, tolhe a possibilidade de lutar e de construir
com aquela pessoa, significa que ela nªo aceitou a
referŒncia que quisemos propor e evidencia o mistØrio
da liberdade do homem.
Mas tambØm nesse momento a nossa
contribuiçªo de adultos, educadores e psicólogos passa
pela consciŒncia ampla que podemos testemunhar. E
consciŒncia ampla nesse momento significa poder ficar
frente ao mistØrio da vida e da morte, perplexos, ao
lado dos adolescentes desorientados. E isso só Ø
possível para nós adultos se com eles retomamos a
œltima frase do caderno Educaçªo Afetiva: “retomar
47
Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia
sempre o que Ø importante para mim, me ajuda a fazer
escolhas, me ajuda a verificar as pessoas e os grupos
que mais podem me ajudar a nunca deixar de desejar e
batalhar para ser feliz”.
Isso nªo Ø dado por nenhuma identidade social,
por nenhuma formaçªo universitÆria e por poder
algum. Isso só pode ser dado por uma companhia
viva, de horizonte de vida amplo, à qual cada um de
nós pode ou nªo aceitar pertencer.
Passa por aí o sentido do nosso trabalho, que
nªo serÆ dado pela instituiçªo em que trabalhamos,
mas aocontrÆrio, serÆ a instituiçªo que crescerÆ com
sentido se o carregarmos conosco ao vivermos ali.
Parafraseando a introduçªo do caderno
Educaçªo Afetiva, quero desejar a cada um de vocŒs o
mesmo que desejo àqueles com quem trabalho: que
tambØm o seu trabalho “ajude a encontrarmos caminhos
sempre novos - para cada um e para a convivŒncia
entre nós - na constante batalha para ser feliz!”.
49
Plantªo Psicológico na escola: presença que mobiliza
1
 Expressamos o
reconhecimento dos
plantonistas que
colaboraram em
uma primeira siste-
matizaçªo desta
e x p e r i Πn c i a :
Alessandra R.
Alvarenga, Ivana
Carla B. C. Santos,
Lil ian Rocha da
Silva, Romina
Magalhªes, Ronnara
Kelles Ribeiro e
Tânia Coelho de
Alcântara.
Plantªo Psicológico na escola:
presença que mobiliza
Miguel Mahfoud
Daniel Marinho Drummond
Juliana Mendanha Brandªo
Roberta Oliveira e Silva
Comunicar uma experiŒncia1, explicitar seu
mØtodo, ressaltar a potencialidade de uma proposta, dar
visibilidade a um processo real: sªo objetivos do presente
capítulo. Impactar-se com a força do possível que emerge
de uma experiŒncia: eis a motivaçªo destas pÆginas.
ExperiŒncia, Ø claro, se dÆ em tempo, espaço e
contexto social determinados; e da compreensªo de seus
elementos fundamentais depende a continuidade de sua
presença mobilizadora ao longo do tempo. Na verdade,
se assim nªo fosse, nem ao menos poderíamos chamÆ-la
de experiŒncia. Procuramos, entªo, aqui, explicitar o
palmilhar de um percurso feito. Compartilhado o
caminho com o leitor, a continuidade da experiŒncia jÆ
serÆ objeto de atençªo de todos nós, cada qual em seu
tempo, espaço e contexto social.
TEMPO, ESPA˙O E CONTEXTO SOCIAL
Relatamos aqui a implantaçªo de um Serviço de
Plantªo Psicológico em uma escola pœblica de segundo
50
Plantªo Psicológico: novos horizontes
2
 A experiŒncia aqui
relatada se deu em
1997.
3
 Confira o capítulo
“Plantªo Psicoló-
gico na escola: uma
experiŒncia”, de
Miguel Mahfoud,
neste mesmo livro.
grau num bairro operÆrio na periferia de Belo Horizonte
(MG)
2
, estabelecendo um campo de estÆgio da
disciplina “Aconselhamento Escolar: Plantªo
Psicológico” no curso de Psicologia da Universidade
Federal de Minas Gerais, a partir da proposta de Plantªo
Psicológico no contexto escolar elaborada pelo
professor
3
.
Trata-se de uma aplicaçªo original – cunhada
em comum entre professor e estagiÆrios – iniciada e
levada a cabo com atençªo a potencializar os recursos
pessoais e materiais que aquele grupo e aquela instituiçªo
apresentavam. Trata-se, entªo, nªo de aplicaçªo
mecânica de um novo modelo, mas de atualizaçªo de
uma atençªo viva às pessoas que compunham a equipe,
de maneira tal que atentas à própria experiŒncia se
colocassem no contexto escolar mobilizando a mesma
atençªo; de maneira tal que disponíveis ao encontro
com o novo se inserissem na escola despertando o
desejo de encontro e de crescimento que constitui todo
homem; de maneira tal que atentos aos movimentos
de transformaçªo e crescimento se desenrolando entre
nós da equipe, se dispusessem a observar, acolher e
facilitar, com curiosa e discreta abertura, cada
movimento promovido no contexto institucional.
Aquela escola específica foi escolhida por estar
inserida em uma comunidade muito ativa em termos
de movimentos sociais, comunitÆrios e culturais. A
própria escola foi idealizada e construída pela
comunidade local (construída enquanto instituiçªo mas
tambØm enquanto espaço físico). Poder contar com
esse perfil dinâmico e mobilizador da comunidade para
o desenvolvimento do nosso trabalho foi uma das
intençıes, de maneira tal que as relaçıes entre o
atendimento individual, a instituiçªo e a comunidade
em que estªo inseridos fossem objeto de atençªo; de
maneira tal que o atendimento aos alunos dentro
daquela escola pudesse concretamente contribuir –
51
Plantªo Psicológico na escola: presença que mobiliza
ainda que de maneira simples – com um movimento
social mais amplo que, por posicionamento político e
cultural, valorizamos.
Estabelecemos um contrato com a escola,
atravØs de sua diretora, oferecendo um Serviço de
atendimento em Plantªo Psicológico nas dependŒncias
da escola, nos horÆrios normais de aulas, para receber
alunos que solicitassem ajuda psicológica. Em
contrapartida, a escola garantiria alguns aspectos
fundamentais para o andamento do trabalho: espaço
físico adequado para acomodaçªo dos estagiÆrios onde
pudessem ser feitos os atendimentos; autorizaçªo aos
alunos para saírem de sala de aula para procurar o
Serviço; o nªo encaminhamento dos alunos ao Plantªo
Psicológico por parte de professores e direçªo.
Uma vez que para atingir nossos objetivos de
mobilizar os alunos era fundamental abrir para eles
um espaço em que a busca por ajuda pudesse ser livre
de qualquer imposiçªo ou limitaçªo de horÆrios por
parte da escola, era fundamental que eles tivessem a
liberdade de procurar-nos no momento que fizesse
mais sentido para eles, do modo que achassem melhor,
para falar sobre o que desejassem.
A diretoria da escola recebera de bom grado a
proposta e sentia-se honrada em ser o pœblico nœmero
um de um projeto piloto em Belo Horizonte, em
conjunto com a nossa universidade.
PREPARAR: DA APREENSˆO À ATITUDE DE ESCUTA PROFUNDA
Habitualmente, ao se pensar em presença de
psicólogos no contexto escolar emergem duas
concepçıes: a da intervençªo psico-sociológica
tradicionalmente considerada – com planejamento a
partir de uma leitura diagnóstica da instituiçªo – e a da
intervençªo de base clínica, voltada a favorecer a
superaçªo de dificuldades localizadas no aluno, em seu
desenvolvimento e/ou saœde mental. Essas concepçıes
52
Plantªo Psicológico: novos horizontes
se apresentam insistentemente a quem se dispıe a
adentrar aquele contexto, e a proposta de um modelo
outro, baseado em acolher as demandas dos alunos
enquanto pessoas – normalmente desconhecidas antes
que se inicie o trabalho – e que procura acompanhar
as ressonâncias institucionais de mobilizaçıes pessoais
– que se verificarªo só a partir da intervençªo – nªo
pode deixar de provocar apreensªo.
A proposta de Plantªo Psicológico em si mesma
jÆ requer uma abertura ao nªo-planejado; quando se
acrescenta a vinculaçªo institucional a ser delineada no
decorrer do processo, a exigŒncia de disponibilidade
a acompanhar um processo sem um planejamento
prØvio Ø ainda maior. Frente à inevitÆvel apreensªo,
uma sugestªo: observar atentamente para conhecer;
ouvir profundamente para facilitar a expressªo do que
de mais significativo serÆ trazido a nós; estar realmente
presente, disponível, e atentar à mobilizaçªo que pode
nascer daí.
Contato com literatura especializada e relatos
de experiŒncias de intervençıes nessa modalidade de
Aconselhamento Psicológico (cf. Mahfoud, 1987, 1989,
1992; Mahfoud, Morato & Eisenlohr, 1993), ajudaram
que se estabelecesse uma posiçªo de ativo empenho
com a proposta – que Ø mesmo um tanto
desconcertante –, respaldados tambØm na literatura
fundamental acerca da Abordagem Centrada na Pessoa
elaborada por Rogers.
A proposta era disponibilizar-se em termos de
tempo e de escuta. Ou seja, os estagiÆrios comporiam
uma equipe sempre presente na escola: estariam
literalmente de plantªo ali à disposiçªo dos alunos,
cobrindo todos os horÆrios de funcionamento daquela
instituiçªo, disponíveis ao atendimento à pessoa do aluno
no momento em que ele estivesse precisando de ajuda,
nªo sendo assim necessÆrio marcar horÆrio com
antecedŒncia e nªo estaria implicada necessariamente
53
Plantªo Psicológico na escola: presença que mobiliza
uma continuidade de atendimento. O que dirige o
percurso Ø a necessidade da pessoa, garantida a
permanŒncia da disponibilidade da equipe de plantonistas
e contando com a iniciativa dos próprios alunos
buscarem atendimento quando fizer sentidopara eles.
Mas afinal o que estaríamos oferecendo neste
serviço? Um espaço onde o aluno pudesse buscar ajuda
para rever, repensar e refletir suas questıes. O objetivo
era possibilitar aos alunos a oportunidade de se cuidar,
de estarem atentos ao que Ø realmente importante para
eles naquele momento, e entªo de se posicionarem
diante disso. O psicólogo neste tipo de serviço nªo
estÆ ali atento a solucionar algum problema mas
procura estar presente acolhendo a pessoa e escutando-
a ativamente, possibilitando com isso que ela se
mobilize frente à sua situaçªo; procura estar centrado
na pessoa mais do que no problema.
 Esse momento de preparaçªo fora fundamental
do ponto de vista do mØtodo, pois pôde ficar claro
que ouvir – escuta ativa, profunda – Ø uma intervençªo,
e que aquilo que verbalizamos para a pessoa, aquilo
que pontuamos ou refletimos devolvendo para ela Ø
uma intervençªo complementar à escuta, vem como
que acoplada. A escuta, enquanto postura bÆsica, Ø
saber ouvir o outro, estar preparado e disponível para
receber a vivŒncia que estiver trazendo, tomando-a em
sua complexidade original, em seus mœltiplos
horizontes, de maneira tal a facilitar que a pessoa examine
com cuidado as diversas facetas de sua experiŒncia.
Essa escuta solicita de nós uma atençªo a uma
multiplicidade de perspectivas, mas sobretudo requer
uma atençªo à perspectiva que aquela pessoa escolhe
– ou pode –no momento examinar para adentrar sempre
mais profundamente na própria experiŒncia; e isso
requer mais respeito ao caminho empreendido pela
própria pessoa do que qualquer habilidade preditiva
por parte do plantonista. Abertura ao novo
54
Plantªo Psicológico: novos horizontes
incansavelmente emergente em cada pessoa que
examina sua vivŒncia; abertura maravilhada diante do
mistØrio da liberdade de cada ser humano, e daquele
ali em particular: Ø o primeiro passo para entrar em
contato com a realidade das pessoas.
Nos permitimos entrar em contato com o ouvir
nªo só do ponto de vista teórico (cf. Rogers, 1983;
Amatuzzi, 1990) mas reconhecendo nossa experiŒncia,
sabendo que estÆ em nós o recurso fundamental para
facilitar que o outro se escute a si próprio.
Reconhecemos, entªo, o fundamento do Plantªo
Psicológico naquela atitude que propicia a facilitaçªo
de um processo que Ø do cliente, e portanto a funçªo
do psicólogo nªo Ø conduzir esse processo mas
acompanhÆ-lo.
Mas, na prÆtica, o que seria ouvir? O que
representaria esse tipo de atençªo para com o outro
ali diante de mim? Preocupaçªo primÆria e fonte de
ansiedade para os iniciantes em atendimento
psicológico, mas preocupaçªo e ansiedade em outra
medida sempre presente tambØm para quem, por anos
a fio, busca se colocar diante do outro com a abertura
confiante necessÆria para que se dŒ um processo na
direçªo do crescimento e da mobilizaçªo, para que se
dŒ um processo de mudança em funçªo do sentido
tªo próprio àquele que pede ajuda.
E na supervisªo nªo poderia ser diferente:
atentar para os recursos ali presentes, enquanto pessoa,
e acolhŒ-los, sobretudo para que cada estagiÆrio pudesse
descobrir-se como terapeuta no decorrer do contato
com o outro, mobilizando seus próprios recursos
afetivos e intelectuais. Todos nós, diante desse tipo de
escuta, livres de interpretaçıes, generalizaçıes e prØ-
concepçıes, estaríamos mais propícios a nos perceber
e perceber o outro. O grande segredo Ø o aprendizado
com a própria experiŒncia. E esse segredo se revela
efetivamente só com o decorrer do próprio trabalho.
55
Plantªo Psicológico na escola: presença que mobiliza
CONTATOS INICIAIS
Nos primeiros contatos de toda a equipe do
Plantªo Psicológico com a escola confirmamos, da
parte deles, o interesse e a disponibilidade em colaborar.
PorØm, jÆ de início eram perceptíveis as expectativas
da instituiçªo quanto ao trabalho: a de que
responderíamos a demandas prØ-definidas por eles,
ligadas ao que consideravam ser os problemas mais
graves, recorrentes e emergenciais como, por exemplo,
abuso de Ælcool e gravidez na adolescŒncia.
Nos parecia natural que frente à novidade da
proposta, surgisse na escola – juntamente à
disponibilidade e abertura – alguma dificuldade em
colocar-se numa perspectiva diferente, centrada no
aluno e a partir de um posicionamento diverso por
parte da Psicologia. Demo-nos conta de que nªo era
preciso que a escola entendesse, imediatamente, tudo
o que iríamos fazer ali: o fundamental naquele momento
Ø que aceitasse o desafio e possibilitasse nossa atuaçªo.
Afinal, quem de nós sabia o que estava por vir? Era o
início de nossa presença ali; e sabíamos que clarificar,
continuamente, nossa proposta era mesmo parte de
nosso trabalho. No vivo da interaçªo com a instituiçªo
íamos repropondo e reafirmando os princípios e os
fundamentos. Era imprescindível que fôssemos firmes
em nossa proposta assim como nas exigŒncias
necessÆrias para colocÆ-la em prÆtica. E entªo, melhor
do que argumentar seria mostrar a que viemos.
APRESENTANDO A PROPOSTA
Organizamos uma apresentaçªo da equipe de
plantonistas e de nossa proposta para os alunos – que
sabíamos ser œtil a todo o quadro da escola. Evitamos
passar de sala em sala, ou reunir a todos para explicar o
que Ø Plantªo Psicológico. A apresentaçªo da proposta
ao pœblico interessado precisava ter impacto para marcar
nossa presença e nosso trabalho entre eles, sem deixar
56
Plantªo Psicológico: novos horizontes
tambØm de explicitar com clareza nosso objetivo. AlØm
do quŒ, era preciso desmistificar a Psicologia, aproximÆ-
la da realidade daqueles adolescentes, mostrando a eles
que psicólogo nªo Ø “pra doido”, como muitas pessoas
costumam pensar, mas para todos que tenham interesse
em se conhecer melhor, olhar para si e se reconhecer em
suas vivŒncias, cuidar para vivŒ-las de um modo mais
saudÆvel e consciente; era preciso afirmar que estaríamos
ali disponíveis para acompanhÆ-los em sua experiŒncia.
Para alcançar tal objetivo elaboramos uma
apresentaçªo que fosse clara e próxima dos alunos,
procurando utilizar uma linguagem própria da idade
deles e que pudesse abarcar ao mÆximo a realidade em
que vivem. Utilizamos recursos musicais e teatrais pois,
alØm de provocar certo impacto, era uma maneira em
que nos sentíamos muito à vontade. EstÆvamos
lançando mªo de nossos próprios recursos, oferecendo
nossa disponibilidade, cada um podendo se colocar
com o que tem para oferecer tornando o grupo uma
equipe coesa e disponível, cada um com suas diferenças,
facilitando assim que as diversidades se aproximassem.
Essa forma de se apresentar aconteceu nos trŒs
turnos, aproveitando o horÆrio do recreio, por
considerarmos ser o momento em que poderíamos estar
mais próximos dos alunos e para passar a mensagem que
estÆvamos propondo um espaço realmente voltado a eles
na escola. Preparamo-nos sem que os alunos soubessem;
apenas a diretoria estava ciente do que iríamos fazer.
Quando tocou o sinal para o recreio e os alunos
começaram a sair das salas e se dirigirem para o pÆtio nós
começamos a tocar uma mœsica e iniciamos a apresentaçªo,
distribuímos panfletos com a letra de uma mœsica
composta por nós e no verso uma explicaçªo do que
seria o Plantªo Psicológico. Utilizamos algumas mœsicas
jÆ conhecidas, com temÆtica bem jovem e atual, que traziam
questıes propícias a se mobilizar em direçªo a se cuidar,
como por exemplo as de Legiªo Urbana, Kid Abelha,
57
Plantªo Psicológico na escola: presença que mobiliza
Lulu Santos, Ultraje a Rigor. Criamos tambØm algumas
mœsicas-paródia e atØ compusemos “O Rap do Plantªo”.
Seguem alguns exemplos:
Rap do Plantªo
Cheguei em casa da escola tô cansado de estudar
Meu pai nªo me entende nªo adianta conversar
Minha mªe me repreende nªo tenho com quem falar
Liguei pra namorada e ela nªo estava lÆ
Procurei por meus amigos
Me disseram: Sai pra lÆ!
NinguØm
Quer me entender
NinguØm
Quer me responder
Emminha cabeça tudo roda e eu nªo sei o que fazer
Quem sou?
De onde vim?
Pra onde vou?
O que fazer, o que fazer?
Nªo consigo esclarecer tÆ difícil de entender
Nªo consigo me acalmar tÆ difícil de aguentar
Mil problemas me esquentam
Mil questıes me atormentam
E os outros no meu pØ
Cada um com seu palpite
Minha cabeça dÆ um nó
E nªo hÆ quem acredite
E eu?
O que que eu faço desta vida?
E eu?
Qual vai ser a minha história?
E eu?
58
Plantªo Psicológico: novos horizontes
Reggae do Plantªo
(Paródia de “Pensamento”, do grupo Cidade Negra)
Eu preciso falar do que se passa aqui dentro
Vou procurar o plantªo
Preciso de alguØm que me escute e me entenda
PrÆ eu tambØm me entender
É este mundo
É minha vida
Quero mudar
Quero aproveitar
Quem nªo se cuida
Nªo curte a vida
Fica parado sem sair do lugar
Exibem poesia as palavras de um rei
Faça sua parte
Que eu te ajudarei
Twist do Plantªo
(Paródia de “Twist and Shout”)
 Vou conversar no Plantªo (no Plantªo)
 Nªo sei se tem soluçªo (soluçªo)
 É um espaço pra mim (para mim)
 É disto que eu tô afim.
 Ah... Ah... Ah... Ah... Ah...
Melô do Plantªo
No plantªo falar Ø “bªo”
Muito “bªo” (Repete 3x)
Muito “bªo”.
No plantªo falar Ø “bªo”.
59
Plantªo Psicológico na escola: presença que mobiliza
4
 Uma breve ediçªo
em vídeo de filma-
gens feitas durante
estas apresenta-
çıes estÆ incluída
no CD-ROM anexo
ao livro. As mœsicas
tambØm podem ser
ouvidas jÆ integra-
das ao vídeo ou
atravØs de um CD-
player convencio-
nal (faixas 2, 3, 4, e
5)
Pretendíamos criar um momento de
apresentaçªo em que eles se reconhecessem e
pudessem estar mais atentos à explicaçªo que iríamos
dar posteriormente sobre o Serviço.
Elaboramos uma dramatizaçªo que pudesse
representar bem a vivŒncia de um adolescente
incompreendido em sua própria casa e que por fim
resolve buscar ajuda no Plantªo Psicológico como meio
de pensar e refletir sobre suas questıes.
De início os alunos pareciam espantados e aos
poucos foram se ambientando, começaram a interagir
conosco cantando as mœsicas e batendo palmas, e atØ
mesmo dançando. Nos entremeios de uma mœsica e
outra e o teatro íamos falando de forma espontânea
quem Øramos nós e o que estÆvamos fazendo ali.
Procuramos tocÆ-los no que diz respeito à vivŒncia
de ser adolescente cheio de questıes, dœvidas, inquietaçıes
e à dificuldade de contar com alguØm que possa estar
junto com ele acompanhando-o nessa experiŒncia.
EstÆvamos propondo a eles que uma maneira “legal” de
se cuidar, de manter-se bem em meio aos problemas e
dificuldades, Ø dar-se a oportunidade de falar dessas coisas,
pensando sobre elas e sobre como eles podem estar
vivendo de forma consciente cada situaçªo, podendo atØ
passar a vŒ-la de modo diferente. Divulgamos assim o
Serviço de forma descontraída sem perder a seriedade
do nosso compromisso com a proposta.
4
OS ATENDIMENTOS E AS DEMANDAS
No dia seguinte à apresentaçªo da proposta aos
alunos, os estagiÆrios começaram a ficar de plantªo, na
sala disponibilizada pela escola, e imediatamente os
atendimentos começaram. Os estagiÆrios se dividiam
pelos trŒs turnos de aulas, de segunda a sexta-feira, e
tambØm no sÆbado de manhª, o que fazia com que sempre
houvesse um ou dois estagiÆrios na sala do Plantªo,
disponíveis para os alunos.
60
Plantªo Psicológico: novos horizontes
Nos atendimentos procurÆvamos acompanhar a
organizaçªo própria dos alunos, pois era centrando na
experiŒncia destes que descobríamos como proceder.
Esta atençªo ao movimento que os alunos faziam ao
buscar o Plantªo Psicológico nos indicava como
responder à este movimento. Sendo assim, o nœmero
de alunos que participava de uma sessªo, a duraçªo desta,
a marcaçªo de uma nova, e o próprio andamento de
cada sessªo acompanhavam a necessidade do momento
e nªo uma regra prØ-estabelecida. O que mantínhamos
firme sempre era nossa disponibilidade para ouvi-los,
ajudÆ-los a examinar sua experiŒncia, e a proposta de
que o Plantªo Psicológico era para qualquer aluno que
quisesse ‘se cuidar’. Atendemos entªo indivíduos e
grupos, em uma ou mais de uma sessªo, que duraram
de quinze minutos a uma hora e meia.
Nos casos em que os alunos voltavam, sendo
atendidos diversas vezes, e se percebia uma necessidade
de ajuda que ia alØm da proposta de atendimento em
Plantªo Psicológico (ver abaixo a categoria “Incômodo
com a maneira de ser e de reagir à situaçıes”), nós os
encaminhÆvamos para Serviços ou clínicas sociais que
oferecessem psicoterapia a um baixo custo ou
gratuitamente. Foram poucos os casos encaminhados,
jÆ que na maioria nªo houve esta necessidade.
Ao final do primeiro semestre, realizados
atendimentos no período de abril a junho, havíamos
atendido 11,9% do total de alunos da escola (124 de
um total de 1035), em 134 sessıes (ver tabela I na
próxima pÆgina). Note que o nœmero de alunos
atendidos e de sessıes Ø diferente, jÆ que um aluno
pode ter sido atendido em mais de uma sessªo e vÆrios
alunos, em grupo, podem ter sido atendidos em uma
œnica sessªo. Para chegarmos a este total de alunos
atendidos contabilizamos as sessıes efetivas, (ou seja,
aquelas em que os alunos haviam se movimentado
frente à alguma questªo) deixando de lado, para efeito
61
Plantªo Psicológico na escola: presença que m
obiliza
TABELA I
Dados quantitativos sobre cada turno
ALUNOS MATRICULADOS
Nœmero de
alunos
matriculados
em cada
turno
% de alunos
matriculados
em relaçªo
ao nœmero
total de
alunos da
escola
Nœmero de
pessoas
atendidas no
turno
Manhª
ALUNOS ATENDIDOS ATENDIMENTOS (SESSÕES)
% de pessoas
atendidas no
turno em
rela-çªo ao
total de
alunos ma-
triculados no
mesmo turno
% de pessoas
atendidas no
turno em re-
laçªo ao
total de
pessoas
atendidos na
escola
Nœmero de
atendimentos
no turno
% de
atendimentos
no turno em
relaçªo ao
total de
atendimentos
na escola
423 40,9% 31 7,3% 25 36 26,9
Tarde 126 12,2% 46 36,5% 37,1 14 10,4
Noite 486 46,9% 47 9,7% 37,9 84 62,7
Total 1035 100% 134 100% 100% 124 100%
62
Plantªo Psicológico: novos horizontes
de contagem, as situaçıes em que os alunos passavam
rapidamente pela sala do Plantªo Psicológico para dizer
olÆ, espiar, ou fazer um comentÆrio, e aquelas em que
os alunos permaneciam conosco por algum tempo
conversando “fiado” ou querendo saber mais sobre
nossa proposta, fazendo perguntas do tipo “O que Ø
mesmo o Plantªo?”. Vale dizer que algumas situaçıes
como estas serviram como via de acesso à ajuda, ou
seja, o aluno chegava como quem nªo quer nada para
logo em seguida, jÆ ambientado, conseguir falar de si,
transformando a “visita” em um atendimento, que era
entªo contabilizado.
Durante todo o semestre os atendimentos eram
discutidos nos encontros semanais de supervisªo. Para
cada sessªo ou atendimento era feito um relatório
escrito. Nestes encontros, alØm dos atendimentos,
conversÆvamos tambØm sobre a instituiçªo em seus
diferentes âmbitos, ou seja, falÆvamos dos professores,
da diretoria, dos turnos, do que observÆvamos
enquanto estÆvamos na escola.
Queríamos estar atentos para as repercussıes
que nossa presença estava tendo na escola. Isto tambØm
era parte de nossa proposta de Plantªo Psicológico.
Ao escutar os alunos, estÆvamos intervindo tambØm
na instituiçªo, ajudando estes a se dar conta de suas
necessidades frente à escola, o que poderia mobilizÆ-
los a atuar nesta para transformÆ-la. Ao escutar a
instituiçªo em cada um de seus âmbitos estÆvamos
tambØm intervindo, pois surgiam entªo respostas que
poderiam ser dadas ao grupo.
Um exemplo disto foi nossa atuaçªo
diferenciada em relaçªo à características singulares que
o turno da tarde tinha em relaçªo aos outros turnos:
No turno da tarde funcionavam trŒs turmas,
todas do primeiro ano do segundo grau, totalizando
cento e vinte e seis

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