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Miguel Mahfoud (org) Daniel Marinho Drummond Juliana Mendanha Brandªo John Keith Wood Raquel Wrona Rosenthal Roberta Oliveira e Silva Vera Engler Cury Walter Cautella Junior Plantªo Psicológico: novos horizontes Todos os direitos desta ediçªo estªo reservados à E D I T O R A C . I . L T D A . Rua FlorinØia, 38 ` gua Fria 02334-050 Sªo Paulo SP Tele/fax: 11 6950-4683 LaPS Laboratório de Psicologia Social/UFMG ' 1999 by Miguel Mahfoud 1“ ediçªo, outubro de 1999 Revisªo Miguel Mahfoud Daniel Marinho Drummond Capa e Diagramaçªo Na capa Juliana de Souza Vaz Paul Klee, Caminho Principal e Caminhos SecundÆrios (1929) Coleçªo C. e A. Vowinckel Ediçªo do CD-ROM Apoio tØcnico Daniel Marinho Drummond SUM`RIO Autores ......................................................................................................... 5 PrefÆcio ......................................................................................................... 7 Introduçªo ................................................................................................. 11 Plantªo de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae: uma proposta de atendimento aberto à comunidade Raquel Wrona Rosenthal ............................................................... 15 Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia Miguel Mahfoud............................................................................ 29 Plantªo Psicológico na escola: presença que mobiliza Miguel Mahfoud, Daniel Marinho Drummond, Juliana Mendanha Brandªo, Roberta Oliveira e Silva .................................................................................................. 49 Pesquisar processos para aprender experiŒncias: Plantªo Psicológico à prova Miguel Mahfoud, Daniel Marinho Drummond, Juliana Mendanha Brandªo, Roberta Oliveira e Silva .................................................................................................. 81 Plantªo Psicológico em Hospital PsiquiÆtrico: Novas Consideraçıes e desenvolvimento Walter Cautella Junior.................................................................... 97 Plantªo Psicológico em Clínica-Escola Vera Engler Cury ......................................................................... 115 Psicólogos de plantªo... Vera Engler Cury ......................................................................... 135 5 AUTORES Autores Daniel Marinho Drummond Ø psicólogo, mestrando no Programa de Pós-Graduçªo em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais. John Keith Wood Ph.D. em Psicologia pelo The Union Institute (E.U.A.), foi professor na California State University em San Diego (E.U.A.) onde tambØm fez plantªo psicológico no Hospital e no Centro de Aconselhamento, e, no Brasil, foi professor no Programa de Pós-Graduaçªo em Psicologia Clínica da PUC-Campinas. Amigo íntimo e colaborador direto de Carl Rogers por quinze anos desenvolvendo uma Psicologia de grandes grupos e vÆrios projetos internacionais. Juliana Mendanha Brandªo Ø psicóloga pela Universidade Federal de Minas Gerais, pós- graduanda em Psicopedagogia pelo Centro UniversitÆrio de Belo Horizonte. 6 Plantªo Psicológico: novos horizontes Miguel Mahfoud Ø professor adjunto do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia e CiŒncias Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, Doutor em Psicologia pela Universidade de Sªo Paulo. Raquel Wrona Rosenthal Ø psicóloga pela PUC-SP, com Especializaçªo em Aconselhamento Psicológico pela Universidade de Sªo Paulo e Curso de Estudos Avançados da Abordagem Centrada na Pessoa (Rosenberg/Wood). Coordenadora do Curso de Especializaçªo em Abordagem Centrada na Pessoa promovido pelo Centro de Psicologia da Pessoa em Sªo Paulo. Psicoterapeuta e facilitadora de grupos. Roberta Oliveira e Silva Ø psicóloga pela Universidade Federal de Minas Gerais. Vera Engler Cury Ø professora do Instituto de Psicologia e Fonoaudiologia da PUC- Campinas, Coordenadora do Departamento de Psicologia Clínica, Doutora em Psicologia pela PUC-Campinas. Walter Cautella Junior Ø psicólogo, mestrando pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Sªo Paulo, Chefe do Departamento de Psicologia e Psicoterapia da Casa de Saœde Nossa Senhora de FÆtima, Coordenador e supervisor do programa de estÆgios em psicologia institucional e Presidente do Centro de Estudos daquela mesma instituiçªo. 7 PrefÆcio PREF`CIO Este livro traz boas novas. Primeiramente, apresenta evidŒncias de que o Plantªo Psicológico Ø um serviço viÆvel para atender adolescentes, estudantes universitÆrios e outros membros da comunidade, abastados ou nªo. O contato com esse serviço ajuda as pessoas a lidarem efetivamente com os predicamentos da vida, nªo os tratando como problemas que requerem tratamento psiquiÆtrico. Por exemplo, uma pessoa em uma crise espiritual nªo estÆ confrontando um problema. Nªo estÆ tendo um comportamento normal ou anormal. É um predicamento envolvendo questıes filosóficas, buscando significados, identidade. O psicólogo Prof. Dr. Miguel Mahfoud ilustra este ponto de vista em um relato sobre experiŒncias em um colØgio. Plantªo seria um espaço onde o aluno pudesse buscar ajuda para rever, repensar e refletir suas questıes. Naturalmente, tal atividade 8 Plantªo Psicológico: novos horizontes nªo Ø apenas uma conversa entre amigos. Em situaçıes onde uma forma diferente de psicoterapia Ø mais apropriada, a pessoa recebe a indicaçªo de um(a) profissional competente. Uma outra boa nova Ø que plantªo psicológico pode promover uma experiŒncia de aprendizagem eficaz para estagiÆrios(as). Confrontando a pessoa inteira no contexto completo da sua existŒncia, o estagiÆrio(a) necessariamente deve ampliar sua visªo do papel da psicoterapia. O filósofo e matemÆtico inglŒs Alfred North Whitehead observou que, O conhecimento de segunda-mªo do mundo instruído Ø o segredo da sua mediocridade. O tipo de problemas que as pessoas enfrentam sªo, em geral, de primeira-mªo. A ajuda que necessitam Ø de ordem prÆtica. Esta forma de aprendizagem Ø prÆtica. Assim, ambos os participantes o plantonista e o indagador(a) participam e se beneficiam de uma educaçªo intuitiva cujo objetivo Ø a auto-realizaçªo. Em um encontro de pessoa a pessoa como este, onde se procura dirigir a melhor parte de si mesmo à melhor parte do outro com o propósito de curar a mente, o corpo e a natureza, a essŒncia da psicoterapia estÆ, de fato, sendo redefinida. O mesmo observa Walter Cautella Junior, descrevendo seu trabalho em um hospital psiquiÆtrico: A experiŒncia do plantªo psicológico leva a instituiçªo a reformar sua visªo do indivíduo institucionalizado. HÆ promessas de mais boas novas. A palavra plantªo vem do francŒs planton, quando era aplicado em linguagem militar para designar a pessoa que ocupa uma posiçªo fixa, alerta dia e noite. Seu uso moderno refere-se ao suporte, fora do horÆrio normal, oferecido por mØdicos em hospitais ou, como aqui, por um psicólogo. AlØm disso, sua relevância estÆ no 9 fato de que a origem da palavra planton vem do latin: plantare, plantar. Um significado dessa palavra refere-se a planta do pØ. Assim, o plantªo psicológico pode ser visto como tendo seus pØs no chªo. Sendo prÆtico. Respondendo às necessidades imediatas dos clientes (que poderªo ser psicológicas ou de qualquer outra ordem). O segundo sentido de plantar, Ø meter um organismo vegetal na terra para enraizar. Essa Ø outra característica do Plantªo Psicológico descrito neste livro: estar plantado na cultura brasileira com suas deficiŒncias e seus nutrientes. Principalmente, Ø um organismo vivo e crescendo. Assim, como lembram as palavras de Prof.a. Dr.a Vera E. Cury, Uma Øtica das relaçıes interpessoais, sutil mas poderosa, feita de pequenos gestos e acenos suaves, simplese ainda assim determinada, parece conduzir os projetos do Plantªo Psicológico. Se for possível ficar imune e nªo se deixar restringir por dogmas e modismos filosóficos poderÆ continuar a se desenvolver efetivamente de acordo com as necessidades da populaçªo desse tempo e lugar. John Keith Wood Jaguariœna, Agosto 1999 PrefÆcio 11 INTRODU˙ˆO 1 MAHFOUD, Miguel. A vivŒncia de um desafio: plantªo psicológico. In: ROSENBERG, Rachel Lea (Org.). Aconselhamento p s i c o l ó g i c o centrado na pessoa. Sªo Paulo: EPU, 1987, p.75-83. (SØrie Temas BÆsi- cos de Psicologia, Vol. 21) Introduçªo Frutos Maduros do Plantªo Psicológico Miguel Mahfoud Desde a primeira sistematizaçªo nos idos de 1987 1 da inicial experiŒncia de Plantªo Psicológico no Brasil, que se apresentava como desafio a ser vivenciado, como semente que muda de cor e se alastra no terreno de sempre com brotos frÆgeis mas injetando a verde esperança que tudo transforma, desde entªo a proposta de um Aconselhamento Psicológico aberto às mudanças de nosso tempo, de nossa cultura e de nossa realidade social foi brotando e formando raízes. Que solo seria o mais propício ao desenvolvimento de algo que prometia vitalidade senªo o nosso próprio, nossa terra, nossos desafios sociais, institucionais? Aprender da experiŒncia a partir de um empenho com a realidade assim como ela Ø para de dentro transformÆ- la. Assim, em nosso solo brasileiro a experiŒncia de Plantªo Psicológico tomou corpo de maneira original. O presente livro quer comunicar a sistematizaçªo de um exercício de aprendizagem a partir da experiŒncia 12 Plantªo Psicológico: novos horizontes de empenho em diferentes contextos institucionais. Diversas experiŒncias de Plantªo Psicológico que dªo vida a uma modalidade de Aconselhamento Psicológico que aceitou romper os limites estabelecidos pelo descompromisso teorizado de tantas psicologias, pelo reducionismo sentimental de algumas propostas de psicologia que se querem humanistas. Veremos aqui os desafios serem enfrentados em novos horizontes. Tantos desafios permanecem os mesmos para a psicologia desde muito: desafios sociais como as dificuldades econômicas e de trabalho, desafios educacionais, desafios de uma psicologia humanista atuante dentro das instituiçıes... A novidade vem da vitalidade da experiŒncia mesma de um atendimento que aceita outros parâmetros para orientar seu desenvolvimento. Os novos horizontes sªo indicados pela própria aprendizagem significativa sistematizada com rigor para acolher a vitalidade que com surpresa emerge. Queremos que o leitor possa entrar em contato com a vitalidade da experiŒncia, e com a força provocadora que algo acontecido de fato pode nos comunicar: a força do possível. Mais do que modelos, encontramos aqui provocaçıes. Uma das provocaçıes significativas Ø a integraçªo de trabalhos de base humanista inserido em instituiçıes. Tantas vezes ouvimos o refrªo quase automaticamente repetido de que as instituiçıes tŒm objetivos diversos daqueles que movem a Psicologia Humanista jÆ que esta quer acentuar a centralidade da pessoa e seus processos autŒnticos. As experiŒncias aqui comunicadas indicam uma possibilidade de trabalhos claramente de base humanista que aceitam com nossos próprios sujeitos o desafio de continuamente buscar, no contexto assim como se apresenta, a afirmaçªo dos interesses propriamente humanos. Se realmente fosse impossível para nós, de que maneira poderíamos esperar 13 Introduçâo que fosse possível para nossos clientes? Se nªo fosse possível para nós, só nos restaria propor o atendimento psicológico como espaço alternativo, e por isso inevitavelmente alienante. Encontramos aqui experiŒncias que podem abrir novos horizontes neste sentido. Em se tratando de uma novidade que estava apenas brotando, por muitos anos a comunidade psi acolheu a proposta de Plantªo Psicológico como algo alternativo. No sentido que seria algo outro em relaçªo ao estabelecido como campo seguro e próprio do saber e da tØcnica psicológica. Desconfianças, dœvidas, reticŒncias... cultivadas em compasso de espera, atØ que os frutos amadurecessem e se pudesse conhecer de fato esse Plantªo. O próprio Conselho Federal de Psicologia chegou a se pronunciar em documento oficial, classificando Plantªo Psicológico dentre as tØcnicas alternativas emergentes. Alternativa de maneira distinta daquelas de origem confusa ou exotØrica, mas entendida como proposta inovadora, que em certa medida rompe parâmetros estabelecidos por tØcnicas tradicionais e que ainda estava aguardando uma avaliaçªo mais rigorosa de sua eficÆcia pelas instituiçıes de ensino superior e de pesquisa. Pois bem, os frutos amadureceram e sªo aqui oferecidos. Amadureceram no trabalho sistemÆtico, na observaçªo atenta, na sistematizaçªo com rigor metodológico com base em pesquisas de base fenomenológica. Sªo esses frutos que agora, aqui, sªo oferecidos à comunidade para que possamos promover a experiŒncia de Plantªo Psicológico com uma concepçªo clara, de maneira tal a possibilitar sua correspondente avaliaçªo. Neste sentido este livro dÆ um passo histórico. JÆ nªo podemos falar em Plantªo Psicológico tØcnica alternativa. O atual e crescente interesse documentado pela presença de mesas redondas e/ou de comunicaçªo 14 Plantªo Psicológico: novos horizontes de pesquisa sobre Plantªo Psicológico em diversos congressos nacionais e regionais jÆ era um indício dessa mudança. A apresentaçªo dessas experiŒncias sistematizadas e pesquisadas colocam um ponto final. É claro que trata-se de um ponto final só no carÆter de alternativo. Sabemos bem que estamos no início. Plantªo tem ainda muito em que crescer para exprimir toda sua potencialidade. Os primeiros frutos maduros apresentam o Plantªo; e sabemos, agora mais do que nunca, que vale a pena cultivÆ-lo, que hÆ terreno propício, que hÆ horizonte amplo onde mirar. Bom terreno, boas sementes, bons frutos... : bom proveito! 15 O Plantªo Psicológico no Instituto Sedes Sapientiae O Plantªo de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae: uma proposta de atendimento aberto à comunidade Raquel Wrona Rosenthal No final da dØcada de 70, parte do grupo de profissionais que antes se reunia como Grupo de Psicologia Humanista, decide constituir no Instituto Sedes Sapientiae, o Centro de Desenvolvimento da Pessoa, CDP. Estimulado pelo entusiasmo de Rachel Lea Rosenberg, o CDP desenvolvia programas de estudos teóricos, grupos de supervisªo e reflexªo sobre a prÆtica clínica, promovia workshops abertos ao pœblico, ciclos de encontros de profissionais paulistas e tambØm encontros nacionais, constituindo-se em importante referŒncia para os interessados em discutir e aprofundar o conhecimento da ACP, Abordagem Centrada na Pessoa. Sempre atenta ao potencial transformador da ACP, considerando tanto a dimensªo individual quanto a social / comunitÆria, Dra. Rosenberg propıe a criaçªo de um serviço de Plantªo de Psicólogos, inspirado nas experiŒncias das walk-in clinics, surgidas nos Estados 16 Plantªo Psicológico: novos horizontes 1 ROGERS, Car l Ramson. As Condi- çıes necessÆrias e suficientes para a mudança terapŒu- tica da personali- dade. In: WOOD, John Keith et alii (Org.s). Aborda- gem centrada na pessoa, Vitória: Fundaçªo Ceciliano Abel de Almeida / Universidade Fede- ral do Espírito San- to, 1995, p.157-179. 2 ROGERS, Car l R a m s o n . Psicoterapia e consulta psico- lógica , 1“ “ ed . , Sªo Paulo: Martins Fontes, 1987 (Cole- çªo Psicologia e Pedagogia), p.207- 208. Unidos para prestar atendimento imediato à comunidade. AtØ entªo o Serviço de Aconselhamento Psicológico, no Instituto de Psicologia da USP, sob sua coordenaçªo, jÆ vinha oferecendo o que chamava plantªo, e que consistia, naquele caso,em uma disponibilidade mais atenciosa de recepçªo aos clientes que procuravam inscriçªo para atendimento regular em aconselhamento psicológico. Daí surgiram as primeiras reflexıes sobre as potencialidades de um serviço de Plantªo Psicológico: o poder transformador da escuta atenciosa, nªo diretiva, centrada no cliente, confiante na tendŒncia ao desenvolvimento das potencialidades inerentes à pessoa (tendŒncia atualizante), e na possibilidade dessa tendŒncia ser estimulada, mesmo atravØs de um œnico encontro com o profissional, desde que este œltimo possa oferecer sua presença inteira, atravØs de sua própria congruŒncia, capacidade de empatia e aceitaçªo incondicional do outro, atitudes pilares da ACP. 1 É de Carl Rogers, o criador a Abordagem Centrada na Pessoa, a ponderaçªo: Se atendermos à complexidade da vida humana com olhar justo, temos que reconhecer que Ø altamente improvÆvel que possamos reorganizar a estrutura da vida de um indivíduo. Se pudermos reconhecer este limite e nos abstivermos de desempenhar o papel de Deus, poderemos oferecer um tipo muito precioso de ajuda, de esclarecimento, mesmo num curto espaço de tempo. Podemos permitir ao cliente que exprima seus problemas e sentimentos de forma livre, e deixÆ-lo com o reconhecimento das questıes que enfrenta. 2 Muitas pessoas, em determinada circunstância de suas vidas, poderiam se beneficiar ao encontrar essa interlocuçªo diferenciada, que lhes propiciasse uma oportunidade tambØm de escutar a si mesmos, 17 O Plantªo de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae 3 INSTITUTO S E D E S SAPIENTIAE: Carta de Princípios, s/d (mineo.). identificando e reconhecendo seus próprios sentimentos e possibilidades de auto direçªo, no momento em que enfrentam a dificuldade, sem que necessariamente tenham que se submeter a atendimento sistemÆtico, prolongado, como tradicionalmente oferecem as psicoterapias. Coube a mim a coordenaçªo e supervisªo do Plantªo de Psicólogos do CDP, oferecido pela primeira vez em agosto de 1980, como um dos chamados cursos de expansªodo Instituto Sedes Sapientiae. O curso tinha duraçªo semestral, e prestava, atravØs de seus alunos, atendimento psicológico aberto à populaçªo. O Instituto Sedes Sapientiae ou Sedes, como hoje o chamamos, fundado em Sªo Paulo em 1975, Ø um importante centro de prestaçªo de serviços, ensino e pesquisa ligados às Æreas da Psicologia e da Educaçªo, tendo como compromisso assumir sua parcela de responsabilidade na transformaçªo qualitativa da realidade social, estimulando todos os valores que acelerem o processo histórico no sentido de justiça social, democracia, respeito aos direitos da pessoa humana 3 Feliz associaçªo de ideais, nosso Plantªo tinha lugar certo para acontecer! As atividades iniciaram-se pela seleçªo dos plantonistas. Os critØrios adotados pediam que fossem psicólogos, que conhecessem os fundamentos da ACP, que tivessem experiŒncia mínima de um ano em atendimento clínico e estivessem especialmente sensibilizados pela natureza do serviço proposto. ContÆvamos com um grupo de doze plantonistas e uma supervisora e estabelecemos o horÆrio das 20 às 22 horas, às segundas e quintas-feiras 18 Plantªo Psicológico: novos horizontes 4 BELLAK, Leopold & SMALL, Leonard. Psicoterapia de EmergŒncia e P s i c o t e r a p i a Breve, Porto Ale- gre: Artes MØdicas, 1980. para os atendimentos e nossas reuniıes. Dedicamos aproximadamente um mŒs e meio ao planejamento e à divulgaçªo do novo serviço, período em que pudemos compartilhar nossas expectativas e fantasias, aplacando nossa ansiedade, acentuada pela ausŒncia de bibliografia específica sobre plantªo psicológico. Nªo havia qualquer mençªo, nas diversas bibliotecas especializadas que consultamos, às walk-in clinics das quais Rachel Rosenberg nos falara. Sabíamos que a possibilidade de psicoterapias de curta duraçªo vinha sendo considerada por autores que adotavam diferentes abordagens, como por exemplo, os trabalhos de Bellak e Small, 4 de orientaçªo psicanalítica. As Psicoterapias Breves vinham tendo, desde a dØcada de 70, grande implemento e pesquisa, mas nada de sistemÆtico havia sobre outras experiŒncias de curta duraçªo ou mesmo de sessıes œnicas de atendimento. Dra.Rosenberg, ao refletir sobre variaçıes no tempo de atendimento, apontava o carÆter preventivo de uma intervençªo no momento oportuno: A duraçªo prevista para um atendimento possivelmente eficaz em terapia tem sofrido modificaçıes de vÆrias espØcies. Comprovaçıes empíricas de resultados satisfatórios justificam o uso de atendimentos com um nœmero prØ-determinado ou mÆximo de horas. Cria-se uma metodologia específica para este tipo de atendimento em linhas teóricas variadas [...], o atendimento de curta duraçªo se insere como aplicaçªo natural, bem sucedida e cada vez mais utilizada. Mesmo no caso de problemas graves ou dificuldades antigas, conclui-se que o princípio de tudo-ou-nada ou seja ,terapia profunda e prolongada ou nenhuma assistŒncia psicoterÆpica nªo tem real validade. Especialmente em pontos 19 O Plantªo de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae 5 ROSENBERG, Rachel Lea. Terapia para Agora. In ROGERS, Carl Ramson & R O S E N B E R G , Rachel Lea. A Pessoa como Centro, Sªo Paulo: E.P.U., 1977, p.52. 6 Madre Cristina, nascida CØlia SodrØ Dória, cônega de Santo Agostinho, educadora, psicó- loga e fundadora do Instituto Sedes S a p i e n t i a e , personalidade ines- quecível para a Psicologia e para a História brasileiras. críticos do desenvolvimento ou da vivŒncia, uma intervençªo adequada tem, alØm de efeitos terapŒuticos, carÆter preventivo de conflitos maiores posteriores. 5 Alguns alunos supunham que, devido ao carÆter imediato do atendimento, certamente receberíamos muitos clientes em crise emocional aguda e insistiam na necessidade de contarmos com um psiquiatra plantonista. Precisamos esclarecer que nossa proposta nªo era criar um serviço para emergŒncias psiquiÆtricas e sim oferecer escuta imediata, recebendo a pessoa no momento da dificuldade, sem que necessariamente a intensidade dessa dificuldade tivesse atingido um ponto crítico que representasse ameaça iminente à sua integridade ou à de outros; nªo era destinado ao suicida em potencial, como sugeria a divulgaçªo recente do CVV, Centro de Valorizaçªo da Vida, cuja equipe de plantonistas era constituída por leigos em psicologia e prestava atendimento inicial por telefone. Por precauçªo, tratamos de pesquisar e organizar uma relaçªo de instituiçıes e serviços particulares de psiquiatria, caso viØssemos a necessitar. A preocupaçªo de Madre Cristina 6 era de que o novo serviço nªo viesse aumentar as jÆ enormes filas de espera para psicoterapia naquela clínica, tªo solicitada devido à tradicional qualidade dos serviços prestados. Insistíamos em esclarecer que a intençªo nªo era fazer triagem, embora pudØssemos, eventualmente, realizar encaminhamentos. O Plantªo Psicológico nªo foi concebido como uma alternativa tampªo para acabar com filas de espera em serviços de assistŒncia psicoterapŒutica, jÆ que nªo pretende substituir a psicoterapia. Nªo acreditamos que uma œnica sessªo seja capaz de resolver sØrios problemas emocionais ou promover resultados reconstrutivos da personalidade. Somente mais tarde Ø que viemos a descobrir as possibilidades terapŒuticas do plantªo. 20 Plantªo Psicológico: novos horizontes 7 um destes cartazes e n c o n t r a - s e digitalizado no CD- ROM anexo ao livro. Fizemos vÆrias reuniıes em torno de aspectos Øticos das formas de divulgaçªo: tratava-se de uma nova proposta e aberta à comunidade em geral. Como divulgÆ-la, transmitindo sua originalidade e acessibilidade, sem banalizÆ-la? Optamos pela impressªo de cartazes 7 , que foram afixados em diversas escolas, igrejas,hospitais, bibliotecas pœblicas e faculdades com o destaque: Psicólogos de Plantªo e o texto: Somos um grupo de psicólogos prontos para ouvir, trocar idØias, esclarecer dœvidas. Enfim, estar com vocŒ no momento em que sentir que um psicólogo pode ajudar. Seguia-se o nome da psicóloga responsÆvel e seu nœmero de inscriçªo no CRP, o endereço e horÆrios do atendimento. Os plantonistas visitaram as salas de aula do Sedes onde se desenvolviam outros cursos, para anunciar o atendimento e esclarecer dœvidas a respeito. Os primeiros a nos procurar foram justamente alguns alunos desses cursos, uns motivados por questıes pessoais, outros, pelo interesse profissional em conhecer melhor o Plantªo. Houve uma divulgaçªo num programa da TV Cultura, uma reportagem extensa que entrevistou plantonistas e supervisora, e que, infelizmente, só foi ao ar às vØsperas da interrupçªo do serviço devido às fØrias. Este fator diminuiu o impacto de sua repercussªo, pois os clientes que nos procuraram em seguida à ediçªo do programa da TV nªo puderam ser atendidos. O jornal Folha de Sªo Paulo publicou reportagem do jornalista Paulo SØrgio Scarpa sobre o Plantªo Psicológico, destacando sua utilidade pœblica. Interessante assinalar que a seçªo onde se inseriu a matØria 21 O Plantªo de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae 8 Estas matØrias se encontram digita- lizadas no CD-ROM anexo ao livro. intitulava-se A Folha e as respostas da sociedade à crise(07/11/81). Outras mençıes ao serviço jÆ haviam sido feitas por esse mesmo jornal, em ediçªo de 16/01/ 81 e em seu caderno Folhetim, cuja ediçªo ,em 20/ 09/81, era dedicada ao tema Desemprego e Insegurança 8 . Hoje, passados 19 anos, podemos reconhecer, com tristeza, a atualidade desses temas. O primeiro grupo de doze plantonistas trabalhou de agosto a dezembro de 1980, dividido em sub-grupos de seis que se alternavam entre atendimento e supervisªo: enquanto metade prestava plantªo às segundas- feiras, a outra parte reunia-se para supervisªo; às quintas-feiras, invertiam-se as funçıes. A supervisªo tambØm era acessível ao plantonista durante o transcorrer de um atendimento, caso precisasse dela. A duraçªo de uma sessªo de atendimento poderia variar de uma a duas horas, dependendo de haver ou nªo outros clientes à espera. Dispœnhamos de sete salas, sendo seis destinadas ao atendimento e uma para as reuniıes de supervisªo. Madre Cristina, confiante na importância da iniciativa, ofereceu-se para recepcionar os clientes. Assim, quem procurava o Plantªo Psicológico, mesmo nas noites mais frias do inverno, encontrava-a logo à entrada do Sedes, sentada atrÆs de uma pequena mesa, apoiada num travesseiro para respaldar suas costas, que tªo vigorosamente suportaram, com coragem e dignidade, as pressıes da luta por justiça social em nosso país. Cabia a ela indicar ao cliente o andar e a sala de atendimento, o que fazia com calor e firmeza, jÆ despertando nele uma disposiçªo receptiva ao encontro com o profissional. No primeiro semestre de 1981 foi feita nova seleçªo de plantonistas e alguns dos ex-alunos, entusiasmados que estavam, se re-inscreveram. 22 Plantªo Psicológico: novos horizontes Novamente, para o terceiro curso, no segundo semestre de 1981, tivemos re-inscriçıes. Em 1982 nªo foi renovada a proposta. A supervisora, preparando-se para sua terceira gravidez, embevecida que estava pelo novo, decidiu-se pela dedicaçªo mais intensa às suas filhas, enquanto se afastava do Sedes, levando muito para refletir a respeito de seus plantıes e suas plantinhas. Mais tarde, Ø convidada a oferecer Plantªo Psicológico aos funcionÆrios do mesmo instituto, atividade que desenvolveu atØ dezembro de 97. Esse convite atesta o reconhecimento da importância da proposta e a repercussªo que o Plantªo Psicológico alcançou dentro daquela instituiçªo . Trataremos aqui de apresentar como foi desenvolvido o Plantªo Psicológico aberto à comunidade. OS CLIENTES Nos trŒs semestres do Plantªo de Psicólogos, realizamos 145 atendimentos, sendo 28 retornos. Tínhamos estabelecido trŒs retornos como possibilidade mÆxima para cada cliente no mesmo semestre. Entendíamos que, caso nos procurasse com maior freqüŒncia, isto indicaria a conveniŒncia de encaminhÆ- lo à psicoterapia. Tínhamos uma relaçªo de instituiçıes que prestavam atendimento gratuito, como era nosso caso, e tambØm uma relaçªo de psicoterapeutas dispostos a trabalhar por honorÆrios simbólicos. Das 117 pessoas que nos procuraram, 52% eram mulheres e 48% homens. Predominaram os solteiros; o nível de escolaridade dos clientes variou de semi- alfabetizados a curso superior completo; 17% eram profissionais liberais (advogado, economista, psicólogo, fisioterapeuta), e o restante composto por outras ocupaçıes (escriturÆrio, comerciÆrio, comerciante, motorista, vendedor, feirante, office-boy, tØcnicos em 23 O Plantªo de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae serviços diversos). Procurou-nos tambØm uma pessoa que declarou como ocupaçªo, ser pedinte. Meses depois, a plantonista que o atendeu o encontraria num dos ônibus urbanos, recolhendo esmolas entre os passageiros. Após cada atendimento, era solicitado ao cliente que depositasse numa urna um comentÆrio escrito, sem necessidade de se identificar. Dos 68 depoimentos recolhidos, destacamos alguns, para ilustrar a repercussªo imediata ao encontro: Eu nunca havia participado de uma entrevista com psicólogos. Fiquei atØ com receio pois nªo sabia como iria iniciar a conversa. Entretanto, foi mais fÆcil do que imaginava. O à vontade com que a psicóloga conduziu o bate-papo propiciou-me externar praticamente tudo o que vinha me inquietando, chegando mesmo a tirar conclusıes ou elucidar dœvidas com o simples desabafo de minhas preocupaçıes. Senti-me pois tªo satisfeita como se tivesse recebido um presente de Natal . Nªo acho que o atendimento recebido tenha resolvido o meu problema, mas tenho plena convicçªo de que abriu- me algumas portas, deu-me algumas luzes e fez-me refletir. Creio que agora estou mais apto a resolvŒ-lo e muito otimista por saber que posso. Acho que existem muitas pessoas que deveriam fazer esta prØ-anÆlise antes de se definir pelo terapeuta. Nªo fez minha cabeça. Como Ø bom ter e sentir que podemos sentar e conversar com uma pessoa. Falar de nossos problemas sem pensar que vamos ser censurados. 24 Plantªo Psicológico: novos horizontes Achei ótima a idØia desse Plantªo. Psicólogos ouvindo pessoas em casos de emergŒncia emocional. Deve continuar e se expandir em vÆrios locais e ser divulgado e ensinado, dado como curso nas escolas de Psicologia. Acho essa iniciativa muito vÆlida e isso, acredito eu, vem a ressaltar ainda mais o papel, ainda que às vezes reprimido do psicólogo na sociedade. Acredito que mesmo sendo um só encontro, estes 50 ou 60 minutos que sejam, nossas 23 horas restantes e dias posteriores serªo melhores. De maneira geral, os comentÆrios aludiam à importância de ser ouvido, faziam referŒncias ao alívio pelo desabafo, sugeriam que o atendimento deveria ser pago, apontavam a necessidade de maior divulgaçªo do serviço e a ampliaçªo dos horÆrios de atendimento e alguns revelaram frustraçªo da expectativa de que pudessem receber atendimento prolongado. OS PLANTONISTAS Os plantonistas se referiam com freqüŒncia à sua experiŒncia como estagiÆrios durante o tempo da faculdade, declarando o quanto sofreram ao se desligar do cliente por ocasiªo da conclusªo do curso de graduaçªo. Agora, a questªo do vínculo, a separaçªo do cliente, a ansiedade em funçªo desse œnico encontro, a imprevisibilidade quanto a outra oportunidade (sessªo seguinte) para eventual reparaçªo de sua atuaçªo, tudo era discutido sistematicamente nas supervisıes. Suponho que uma das conseqüŒncias dessas dificuldades dosalunos foi o nœmero de encaminhamentos realizados e a quantidade de intervençıes de natureza diretiva, com tendŒncia a oferecer respostas e sugestıes. Outra questªo diz respeito à superaçªo do estereótipo de que uma relaçªo de ajuda psicológica 25 O Plantªo de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae deva se estender no tempo, de que profundidade e intensidade sejam diretamente proporcionais à duraçªo do atendimento. A possibilidade de que uma intervençªo de natureza breve pudesse ser suficiente para o cliente nªo era claramente percebida pelos alunos, limitaçªo que podemos atribuir à formaçªo que receberam nos cursos de Psicologia, onde a habilitaçªo do psicólogo estava mais voltada para a atividade clínica da psicoterapia ou do psicodiagnóstico atravØs de testes. TambØm em relaçªo às intervençıes diretivas observamos, muitas vezes, que o sentimento de impotŒncia do plantonista diante de clientes de menor poder aquisitivo, levou-os a adotar atitudes paternalistas e, de certa forma, desvalorizantes para o cliente; houve casos em que o aluno procurava encontrar soluçıes imediatas, dar conselhos e sugestıes ou mesmo insistir em encaminhamentos muitas vezes nªo percebidos como necessÆrios pelo próprio cliente. Liesel Lioret, psicóloga que pouco tempo depois iniciaria tambØm como supervisora o atendimento psicológico do tipo plantªo em postos de saœde atravØs da Clínica das Faculdades Sªo Marcos, fez a seguinte reflexªo sobre sua experiŒncia: A questªo dos valores do psicólogo Ø importante em qualquer processo psicoterapŒutico, mas quando se trata de sua vontade de ajudar pessoas com problemas de subsistŒncia, a visªo que ele tem da pobreza e de seu próprio lugar na sociedade modela seus objetivos explícitos e implícitos e suas atitudes. O psicólogo tem a tendŒncia a se preocupar mais com o como de sua atuaçªo do que com o porquŒ, ou seja, com as implicaçıes pessoais e ideológicas de suas intervençıes. Por exemplo, nªo terÆ a mesma postura se acredita que uma tomada de consciŒncia individual possa ser um fator de mudança, ou se acredita que somente uma mudança social e política possa trazer 26 Plantªo Psicológico: novos horizontes 9 Extraído de rela- tório pessoal nªo publicado (1982). ParÆgrafo aqui reproduzido sob permissªo da autora. soluçıes para as situaçıes individuais.[...] Ele deve, mais do que nunca, estar atento às incongruŒncias de seus sentimentos com os pressupostos intelectuais: atØ que ponto ele realmente confia nos recursos da pessoa para enfrentar suas dificuldades e modificar seu mundo? 9 O SERVI˙O E O CURSO Quanto à estruturaçªo do serviço, que acompanhava o calendÆrio dos cursos do Instituto Sedes Sapientiae, percebemos que a proposta semestral, com constantes interrupçıes devido às fØrias, alØm de truncar o afluxo de clientes, tornava muito curto o período de preparaçªo do plantonista, preparaçªo que nos parece requerer bastante empenho, especialmente no que diz respeito às bases conceituais da Abordagem Centrada na Pessoa e aos valores pessoais do profissional. Isto pôde ser confirmado pelo nœmero de re-inscriçıes dos alunos para os semestres seguintes, evidenciando que nªo só reconheciam a relevância e efetividade do Plantªo Psicológico, como tambØm a consciŒncia que tinham da necessidade de aperfeiçoamento. O tempo breve da relaçªo com o cliente talvez torne mais perceptível, tanto para o supervisor como para o próprio aluno, o grau de consistŒncia na adoçªo da ACP como referencial para sua atuaçªo. A ausŒncia de solidez na atitude centrada na pessoa prejudicarÆ a qualidade da relaçªo de ajuda, gerando no plantonista comportamentos incongruentes e condutas diretivas ALGUMAS CONSIDERA˙ÕES SOBRE O PLANTˆO Nossas próprias descobertas antecipam o que diria mais tarde o rabino e escritor Nilton Bonder: A grande descoberta deste sØculo para as CiŒncias Humanas Ø a descoberta terapŒutica da escuta. Nªo hÆ melhor entendimento que alguØm possa nos prestar do 27 O Plantªo de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae 10 BONDER, Nilton Elul, O mŒs da escuta, Kol Boletim Informativo da Comunidade Judaica do Brasil, Rio de Janeiro, Ano III, n.7, agosto 1998, p.1. que servir-nos de ouvido para as falas baixas e quase imperceptíveis de nossa existŒncia 10. Ouvir pode sugerir uma atitude passiva, mas nªo Ø. Ouvir implica acompanhar, estar atento, estar presente. Presença inteira. Que quer dizer presença inteira? Todos sabemos o que significa presença parcial. Quantas vezes duvidamos que nosso interlocutor esteja realmente nos ouvindo? Mesmo que alguØm, ao ser questionado VocŒ estÆ mesmo me ouvindo? seja capaz de repetir literalmente aquilo que acaba de ouvir, a repetiçªo soarÆ vazia, oca de sentido, se sua presença estiver cindida. Ser capaz de repetir neste caso nªo significa ser bom ouvinte. É sutil, mas às vezes podemos atØ perceber, sem mesmo ter consciŒncia de que percebemos - pela própria densidade de olhar do outro, pelo tipo de brilho desse olhar - a denœncia da parcialidade da presença. Um olhar nosso ao olhar do interlocutor poderÆ revelÆ-la. A repetiçªo, mesmo quando se torne uma reproduçªo, isto Ø, quando procure re-produzir, sintetizando o conteœdo daquilo que foi ouvido, eventualmente em outras palavras, torna-se oca, Ø apenas e simplesmente um eco. Eco, a ninfa da mitologia grega, evitava a companhia dos homens e dos deuses e nªo se importava com o Amor. Pª, apaixonado por ela e irritado com sua indiferença, fez que os pastores da regiªo a despedaçassem, espalhando os despojos pelas campinas. Eco, dispersada por muitos lugares, limita- se a repetir os sons que se produzem por perto. Ouvir realmente, e nªo apenas ecoar, requer concentraçªo do plantonista (terapeuta, ouvinte etc.). Nªo Ø possível ouvir estando disperso como Eco. E nªo estou me referindo a concentraçªo apenas como capacidade de focalizar a atençªo (no cliente ou na fala do cliente), mas quero ressaltar a concentraçªo do terapeuta em si mesmo. 28 Plantªo Psicológico: novos horizontes Proponho refletirmos sobre concentraçªo como congruŒncia. Parece estranho? CongruŒncia pode ser entendida como o alinhamento de vÆrias esferas sobre um mesmo eixo. Psicologicamente falando, significaria ter as dimensıes do pensar, sentir e agir, alinhadas em torno do mesmo eixo, ter todos os centros num mesmo centro. CongruŒncia Ø portanto con-centraçªo, tomar dentro de si como œnico centro, o mesmo eixo de alinhamento. É alinhamento interno, concentraçªo, presença inteira. A Abordagem Centrada na Pessoa, enfatizando as qualidades da relaçªo (aceitaçªo incondicional, empatia e congruŒncia) como fator mobilizador do crescimento (tendŒncia atualizante) se confirma como perfeito referencial para o Plantªo Psicológico, modalidade de atendimento que vem abrir tambØm novas perspectivas de contribuiçªo social para o psicólogo. Relembrando a expressªo tªo rica de sentidos do Prof. Miguel Mahfoud, podemos confirmar o Plantªo Psicológico como presença que mobiliza. 29 Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia 1 O presente texto foi originalmente apresentado no VIII Encuentro Latino- americano del Enfo- que Centrado en la Persona, promovido pela Universidade Iberoamericana da Cidade do MØxico e pela Universidade Autônoma de Aguascalientes, em Aguascal ientes , MØxico, em 1996, com apoio da FAPEMIG. Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia Miguel Mahfoud O desempenho profissional Ø fruto possível de raízes filosóficas, e Ø verdade que se conhece a Ærvore pelos frutos. Mas se o fruto-desempenho profissional nªo morrer, ficarÆ só; se morrer um pouco, para uma reflexªo mais profunda e para se misturar com o que dÆ vida, produzirÆ cem por um. Por isso quero agradecer a possibilidade de compartilhar experiŒncias1 , a oportunidade de pensar um pouco mais no que faço; oportunidade de me enriquecer pela consciŒncia de que tambØm eu fui plantado e que tambØm eu sou Ærvore com raiz e fruto, e oportunidade de comunicar. O sentido mais profundo do fruto nªo Ø semear de novo? A Educaçªo tem pedido tØcnicas à Psicologia. Mas o risco Ø o de nªo se clarear a finalidade geral da educaçªo, respondendo segundo objetivos precisos mas inadequados a essa finalidade. Ou seja, o risco Ø o de nªo explicitarmos (nem a nós mesmos) que a 30 Plantªo Psicológico: novos horizontes finalidade da educaçªo Ø a formaçªo da pessoa, e querermos responder a tantas demandas com diversos objetivos definidos (aumento do rendimento escolar, auxílio na expressªo verbal e escrita, aplacamento de comportamentos anti-sociais...) que podem nos ocupar muito, podemos atØ obter resultados, mas poderíamos ainda assim nªo estar respondendo à verdadeira finalidade da educaçªo. Se a explicitarmos, daremo- nos a oportunidade de que ela ilumine objetivos, mØtodos e tØcnicas. E, ainda mais importante, daremos a nós mesmos a oportunidade de sermos educadores, isto Ø, testemunhas de uma consciŒncia ampla possível, que jÆ começa a ser uma rota de orientaçªo dentro da desorientaçªo cultural em que vivemos, e que as nossas crianças e adolescentes nªo tŒm como evitar. É nesse sentido que um pouco ousadamente evitei assumir uma funçªo psico-pedagógica na escola em que trabalhei. É preciso salientar que ali tínhamos uma condiçªo de trabalho incomum, nªo sendo chamados a desempenhar as funçıes de orientaçªo educacional, ou coordenaçªo pedagógica ou disciplinar - funçıes estas exercidas por outros profissionais. Pude entªo me preocupar com uma contribuiçªo propriamente psicológica no âmbito escolar. Devido à minha formaçªo marcada pela Abordagem Centrada na Pessoa logo quis que tambØm na escola a psicologia pudesse contribuir primeiramente constituindo um espaço para o aluno como pessoa. Um espaço onde se retomasse a finalidade da educaçªo atravØs da formaçªo da pessoa naquele contexto, assim como Ø, com todos os seus recursos e limites, jÆ. Em um contexto institucional cristalizado e tantas vezes inevitavelmente partícipe da desorientaçªo cultural que todos vivemos, eu quis ser psicólogo e educador ao testemunhar o valor e a potŒncia inovadora e criadora da pessoa que cresce com consciŒncia de si e da realidade. 31 Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia 2 Cf. MAHFOUD, Miguel. A VivŒncia de um Desafio: Plantªo Psicoló- gico. In Rosenberg, R.L.(Org.), Acon- selhamento Psi- cológico Centra- do na Pessoa, Sªo Paulo: EPU, 1987, pp.75-83. (SØrie Temas BÆsi- cos de Psicologia, Vol. 21) Assumindo isso como finalidade, a tØcnica de atendimento breve que tem sido chamada de Plantªo Psicológico 2 serviu como mØtodo de presença entre os alunos e professores. Sabemos bem que a imagem de um Serviço de psicologia dentro da escola Ø visto por todos como algo muito diferente disso que propomos, e assim quisemos afirmar essa nova ótica para todos, mas principalmente - e a partir - dos alunos, a quem aquele Serviço de psicologia queria servir. Preparamos, entªo, folhetos de divulgaçªo da proposta, que penso possam ajudar a explicar a vocŒs tambØm um pouco do que vem a ser um Plantªo Psicológico na escola. Aos alunos de nível colegial foi entregue um folheto com trechos da mœsica Quase sem querer do grupo Legiªo Urbana, e alguns comentÆrios apresentando o Plantªo Psicológico. Trazia os seguintes dizeres: Tenho andado distraído, Impaciente e indeciso E ainda estou confuso. ... Quantas chances desperdicei Quando o que eu mais queria Era provar pra todo mundo Que eu nªo precisava Provar nada pra ninguØm ... Como um anjo caído Fiz questªo de esquecer Que mentir pra si mesmo É sempre a pior mentira. Mas nªo sou mais Tªo criança a ponto de saber Tudo. ... 32 Plantªo Psicológico: novos horizontes 3 As i lustraçıes dos panfletos apresentados neste capítulo sªo de Durval Cordas, a quem agradecemos a autorizaçªo para publicaçªo. Sei que às vezes uso Palavras repetidas Mas quais sªo as palavras Que nunca sªo ditas? de Quase Sem Querer (Dado Villa-Lobos/ Legiªo Urbana) PLANTˆO PSICOLÓGICO NO COLÉGIO uma ajuda para quem nªo quer viver desperdiçando chances (com os amigos, com a família, no colØgio...) um espaço para procurar ouvir em si as palavras mais profundas e verdadeiras. uma possibilidade para todo aluno que nªo quer viver quase sem querer. Os pedidos de encontro com o psicólogo podem ser feitos pessoalmente todas as 3as e 6as feiras nos intervalos da manhª na sala 45 (próximo à biblioteca e à informÆtica). Ou por escrito, todos os dias deixando na portaria do ColØgio um bilhete destinado ao psicólogo Miguel Mahfoud contendo seu nome, nœmero e classe, data e assinatura. Querendo, apareça! JÆ o folheto preparado e entregue aos alunos de nível ginasial foi o seguinte 3 : 33 Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia 34 Plantªo Psicológico: novos horizontes 35 Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia 36 Plantªo Psicológico: novos horizontes 37 Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia 38 Plantªo Psicológico: novos horizontes A resposta dos alunos foi bastante positiva. No início a curiosidade sobre minha pessoa e sobre o tipo de atendimento era o mais marcante, e vagarosamente foi se instalando como um espaço para as pessoas, mais do que para os problemas. Isso fez com que mesmo quando precisÆvamos chamar alguØm para conversar por pedidos da coordenaçªo pedagógica ou disciplinar, ou por pedido de algum professor, a disponibilidade de tratar dos problemas era jÆ diferente, porque o interesse era por ele, e nªo por suas notas ou comportamentos. Entªo atØ suas notas e comportamentos eram discutidos; suas queixas interminÆveis, ouvidas; mas sua pessoa continuava a ser o centro, e a resposta à situaçªo assim como Ø ainda cabe a ele, que pode agora ter alguØm a quem se referir, com quem se avaliar, em quem se apoiar. A consciŒncia ampla do educador ali frente ao aluno se traduz tambØm em disponibilidade e cumplicidade para que o aluno viva com realismo e com cuidado consigo mesmo. De modo geral isso Ø mobilizado rapidamente e o psicólogo permanece como referŒncia para o aluno na escola, tambØm para outras ocasiıes mais tarde, e a experiŒncia permanece como referŒncia dentro do aluno - espero para sempre. A consciŒncia de si e da realidade pede, antes de mais nada, discriminaçªo. Quem Ø quem na escola? Com quem vocŒ pode contar? Quais sªo os recursos disponíveis na rede de relacionamentos? Mas se provoco os alunos a estarem atentos à realidade e ao cuidado consigo mesmos e à sua presença na escola, Ø porque procuro fazer o mesmo ali. TambØm eu preciso discriminar bem, e aprender a reconhecer as diferentes contribuiçıes dos vÆrios professores e coordenadores que convivem muito mais diretamente com os alunos do que eu, e por isso podem ser um contato importante para o meu trabalho e para diferentes formas de ajuda a alunos em dificuldade. Eles podem 39 Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia 4 Este fo lheto encontra-se degita- lizado no CD-ROM que acompanha o livro. me dar feed-back de minhas intervençıes, podem cooperar quando tambØm eles se abrem a um tipo de compreensªo dos acontecimentos que considere o lado dos alunos e as outras dimensıes normalmente deixadas à margem da sala de aula. Na verdade a manutençªo desse tipo de proposta pede um empenho constante, e disponibilidade a manter um diÆlogo continuamente retomado com os professores, com os alunos e com o conjunto da instituiçªo - para se esclarecer a linha do trabalho, e para que se tenha atençªo com o sentido que o trabalho vai tomandopara a instituiçªo: COM OS PROFESSORES Quanto aos professores, Ø fÆcil que em um primeiro momento eles sintam que somos defensores dos alunos, e quase nos vejam como inimigos. Sentem- se incompreendidos. ChamÆ-los a colaborar conosco na atençªo com os alunos nem sempre Ø potente para romper aquela impressªo. Às vezes Ø preciso que eles vejam alguns passos que estªo sendo dados pelo aluno e que se liguem diretamente a seu trabalho. Dedicar-se a explicitÆ-los nem sempre Ø fÆcil, mas Ø sempre importante. COM OS ALUNOS Quanto aos próprios alunos, Ø importante retomar a proposta de que eles próprios podem nos procurar, e estar atentos às tensıes que nossa presença suscita entre eles, para poder lidar com elas tambØm enquanto escola no seu conjunto, alØm do âmbito de atendimento individual ou de pequenos grupos. Como exemplo, apresento a vocŒs um folheto 4 que lançamos quando uma outra psicóloga foi trabalhar comigo no ColØgio, e aproveitamos para lidar tambØm com a tensªo existente entre os alunos, ligada ao fato de que alguns deles se encontravam conosco. 40 Plantªo Psicológico: novos horizontes 41 Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia 42 Plantªo Psicológico: novos horizontes 43 Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia 44 Plantªo Psicológico: novos horizontes Assim, brincamos um pouco com a tensªo, e o projeto foi re-proposto. COM A INSTITUI˙ˆO Quanto à necessidade de recolocar continuamente a proposta, a nível institucional a questªo tambØm nªo Ø simples. Às vezes nos sentimos um pouco marcianos. Mas o trabalho vai sempre no sentido de responder às demandas da instituiçªo retomando sempre o ponto de partida da centralidade da pessoa. De fato, isso Ø muito desafiador e criativo. Criamos mØtodos e instrumentos novos ao procurar responder aos pedidos e necessidades da instituiçªo retomando a finalidade da educaçªo e as contribuiçıes da Psicologia. Gostaria de citar dois exemplos: 1) O primeiro se refere a um pedido que a direçªo da escola nos fez de nos ocuparmos de Orientaçªo Profissional, sugerindo a aplicaçªo de testes. Na nossa visªo, para aqueles alunos, o problema se localizava no tema da escolha. Sendo alunos de classe sócio-econômica A, poderiam escolher o que quisessem - mas na verdade nªo podem escolher porque nªo sabem o que querem, ou porque o caminho profissional jÆ estÆ traçado por herança familiar (a empresa da família, o consultório do pai...). Nªo queríamos aplicar testes, porque nªo os ajudaria em nada a enfrentar o problema de nªo se conhecerem, e o de assumirem conscientemente um caminho para si na vida e na sociedade. Nªo queríamos substituí-los nessa tarefa de escolha que Ø tªo importante, e assinala uma passagem para o mundo adulto. A atençªo a isso nos deu criatividade para utilizar, dentro de nossa abordagem, instrumentos criados a partir de outros parâmetro teóricos. Utilizamos textos da cultura brasileira, por exemplo o da mœsica Caçador de Mim (SØrgio Magro/Luís 45 5 Cf. MARTINS, C.R. Psicologia do Comportamento Vocacional. Sªo Paulo: EPU/EDUSP, 1978. 6 FRANKL, V. E. Psicoterapia e sentido da vida: fundamentos da logoterapia e anÆlise existen- cial . Sªo Paulo: Quadrante, 1973 Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia Carlos SÆ) como imagem da busca de si que aquele momento de escolha envolve; ou o poema Que Ø o Homem? de Carlos Drummond de Andrade para abrir espaço a uma pergunta sobre si e sobre o mundo num horizonte amplo. Mas desenvolvemos um novo mØtodo de Orientaçªo Vocacional adaptando o MØtodo de História de Vida apresentado por Julius Huizinga no IV Fórum Internacional da Abordagem Centrada na Pessoa, no Rio de Janeiro em 1989. Pedimos aos alunos para desenharem o grÆfico de sua história de vida, assinalando as experiŒncias mais significativas desde o nascimento atØ o momento presente, avaliando-as como positivas ou negativas em diferentes graus. Depois pedimos que redijam um texto apresentando um dia comum no futuro, cerca de 15 anos mais a frente. Desse trabalho Ø possível extrair o critØrio pessoal com o qual cada um deles olha, avalia e se engaja na própria vida. Entªo se propıe enfrentar a questªo da escolha profissional com aqueles critØrios pessoais, tendo em vista as profissıes que mais favoreceriam a expressªo e o desenvolvimento de suas características; ao invØs de perseguir a questªo de onde ele deveria se encaixar para poder ser feliz - questªo esta que parte de uma posiçªo alienada e alienante. Só depois de explicitados esses critØrio e mobilizado esse processo de busca Ø que utilizamos, eventualmente, testes de personalidade (como o de Pfister) e o Modelo de Holland 5 de grupos profissionais associados a características de personalidade. A proposta Ø a de enriquecer e ampliar a reflexªo sobre si como ser-no-mundo, œnico e irrepetível, 6 ao invØs de esperar daqueles instrumentos uma resposta. 2) Outro exemplo, para nós muito significativo, foi quanto à dificuldade da instituiçªo em trabalhar explicitamente a questªo das drogas, que preocupa muito a todos - direçªo, professores, pais e alunos. 46 Plantªo Psicológico: novos horizontes 8 MAHFOUD, Miguel & BRANDˆO, Sílvia Regina. Educaçªo Afetiva. In. I Con- gresso Interno do Instituto de Psicologia da USP, Sªo Paulo, 1991, p. Z6. 7 Cf. CARLINI, E.A.; CARLINI-COTRIN, B. & SILVA FILHO, A.R., Sugestıes para programas de prevençªo ao abuso de drogas no Brasil, Sªo Paulo: CEBRID, 1990. Frente à necessidade de um trabalho de prevençªo ao uso de drogas e frente às dificuldades institucionais de tratar do tema, nos pareceu mais adequado procurar utilizar o mØtodo que vem sendo chamado de Educaçªo Afetiva 7 , que procura modificar fatores pessoais considerados disponentes à utilizaçªo de drogas (como auto-estima, identidade, resistŒncia a pressªo de grupo etc.) sem necessariamente enfocar o tema drogas. Assim, Sílvia Regina Brandªo e eu elaboramos o primeiro material brasileiro de Educaçªo Afetiva 8 , sempre retomando a questªo da centralidade da pessoa, e abordando principalmente o tema da identidade a partir da existŒncia, do ser-no-mundo e o tema da conjugaçªo entre desejo e limite. SITUA˙ˆO DESAFIADORA Para terminar, eu nªo seria verdadeiro comigo mesmo se nªo citasse uma situaçªo que para mim tem sido muito difícil e desafiadora: trata-se da situaçªo de morte de alunos, em particular quando hÆ suspeita de suicídio. Por um lado retomo com muita força a questªo da finalidade da educaçªo no que se refere à formaçªo da pessoa e à formaçªo de uma consciŒncia ampla de si e da realidade. Uma morte assim nos coloca em xeque, tolhe a possibilidade de lutar e de construir com aquela pessoa, significa que ela nªo aceitou a referŒncia que quisemos propor e evidencia o mistØrio da liberdade do homem. Mas tambØm nesse momento a nossa contribuiçªo de adultos, educadores e psicólogos passa pela consciŒncia ampla que podemos testemunhar. E consciŒncia ampla nesse momento significa poder ficar frente ao mistØrio da vida e da morte, perplexos, ao lado dos adolescentes desorientados. E isso só Ø possível para nós adultos se com eles retomamos a œltima frase do caderno Educaçªo Afetiva: retomar 47 Plantªo Psicológico na escola: uma experiŒncia sempre o que Ø importante para mim, me ajuda a fazer escolhas, me ajuda a verificar as pessoas e os grupos que mais podem me ajudar a nunca deixar de desejar e batalhar para ser feliz. Isso nªo Ø dado por nenhuma identidade social, por nenhuma formaçªo universitÆria e por poder algum. Isso só pode ser dado por uma companhia viva, de horizonte de vida amplo, à qual cada um de nós pode ou nªo aceitar pertencer. Passa por aí o sentido do nosso trabalho, que nªo serÆ dado pela instituiçªo em que trabalhamos, mas aocontrÆrio, serÆ a instituiçªo que crescerÆ com sentido se o carregarmos conosco ao vivermos ali. Parafraseando a introduçªo do caderno Educaçªo Afetiva, quero desejar a cada um de vocŒs o mesmo que desejo àqueles com quem trabalho: que tambØm o seu trabalho ajude a encontrarmos caminhos sempre novos - para cada um e para a convivŒncia entre nós - na constante batalha para ser feliz!. 49 Plantªo Psicológico na escola: presença que mobiliza 1 Expressamos o reconhecimento dos plantonistas que colaboraram em uma primeira siste- matizaçªo desta e x p e r i Œ n c i a : Alessandra R. Alvarenga, Ivana Carla B. C. Santos, Lil ian Rocha da Silva, Romina Magalhªes, Ronnara Kelles Ribeiro e Tânia Coelho de Alcântara. Plantªo Psicológico na escola: presença que mobiliza Miguel Mahfoud Daniel Marinho Drummond Juliana Mendanha Brandªo Roberta Oliveira e Silva Comunicar uma experiŒncia1, explicitar seu mØtodo, ressaltar a potencialidade de uma proposta, dar visibilidade a um processo real: sªo objetivos do presente capítulo. Impactar-se com a força do possível que emerge de uma experiŒncia: eis a motivaçªo destas pÆginas. ExperiŒncia, Ø claro, se dÆ em tempo, espaço e contexto social determinados; e da compreensªo de seus elementos fundamentais depende a continuidade de sua presença mobilizadora ao longo do tempo. Na verdade, se assim nªo fosse, nem ao menos poderíamos chamÆ-la de experiŒncia. Procuramos, entªo, aqui, explicitar o palmilhar de um percurso feito. Compartilhado o caminho com o leitor, a continuidade da experiŒncia jÆ serÆ objeto de atençªo de todos nós, cada qual em seu tempo, espaço e contexto social. TEMPO, ESPA˙O E CONTEXTO SOCIAL Relatamos aqui a implantaçªo de um Serviço de Plantªo Psicológico em uma escola pœblica de segundo 50 Plantªo Psicológico: novos horizontes 2 A experiŒncia aqui relatada se deu em 1997. 3 Confira o capítulo Plantªo Psicoló- gico na escola: uma experiŒncia, de Miguel Mahfoud, neste mesmo livro. grau num bairro operÆrio na periferia de Belo Horizonte (MG) 2 , estabelecendo um campo de estÆgio da disciplina Aconselhamento Escolar: Plantªo Psicológico no curso de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais, a partir da proposta de Plantªo Psicológico no contexto escolar elaborada pelo professor 3 . Trata-se de uma aplicaçªo original cunhada em comum entre professor e estagiÆrios iniciada e levada a cabo com atençªo a potencializar os recursos pessoais e materiais que aquele grupo e aquela instituiçªo apresentavam. Trata-se, entªo, nªo de aplicaçªo mecânica de um novo modelo, mas de atualizaçªo de uma atençªo viva às pessoas que compunham a equipe, de maneira tal que atentas à própria experiŒncia se colocassem no contexto escolar mobilizando a mesma atençªo; de maneira tal que disponíveis ao encontro com o novo se inserissem na escola despertando o desejo de encontro e de crescimento que constitui todo homem; de maneira tal que atentos aos movimentos de transformaçªo e crescimento se desenrolando entre nós da equipe, se dispusessem a observar, acolher e facilitar, com curiosa e discreta abertura, cada movimento promovido no contexto institucional. Aquela escola específica foi escolhida por estar inserida em uma comunidade muito ativa em termos de movimentos sociais, comunitÆrios e culturais. A própria escola foi idealizada e construída pela comunidade local (construída enquanto instituiçªo mas tambØm enquanto espaço físico). Poder contar com esse perfil dinâmico e mobilizador da comunidade para o desenvolvimento do nosso trabalho foi uma das intençıes, de maneira tal que as relaçıes entre o atendimento individual, a instituiçªo e a comunidade em que estªo inseridos fossem objeto de atençªo; de maneira tal que o atendimento aos alunos dentro daquela escola pudesse concretamente contribuir 51 Plantªo Psicológico na escola: presença que mobiliza ainda que de maneira simples com um movimento social mais amplo que, por posicionamento político e cultural, valorizamos. Estabelecemos um contrato com a escola, atravØs de sua diretora, oferecendo um Serviço de atendimento em Plantªo Psicológico nas dependŒncias da escola, nos horÆrios normais de aulas, para receber alunos que solicitassem ajuda psicológica. Em contrapartida, a escola garantiria alguns aspectos fundamentais para o andamento do trabalho: espaço físico adequado para acomodaçªo dos estagiÆrios onde pudessem ser feitos os atendimentos; autorizaçªo aos alunos para saírem de sala de aula para procurar o Serviço; o nªo encaminhamento dos alunos ao Plantªo Psicológico por parte de professores e direçªo. Uma vez que para atingir nossos objetivos de mobilizar os alunos era fundamental abrir para eles um espaço em que a busca por ajuda pudesse ser livre de qualquer imposiçªo ou limitaçªo de horÆrios por parte da escola, era fundamental que eles tivessem a liberdade de procurar-nos no momento que fizesse mais sentido para eles, do modo que achassem melhor, para falar sobre o que desejassem. A diretoria da escola recebera de bom grado a proposta e sentia-se honrada em ser o pœblico nœmero um de um projeto piloto em Belo Horizonte, em conjunto com a nossa universidade. PREPARAR: DA APREENSˆO À ATITUDE DE ESCUTA PROFUNDA Habitualmente, ao se pensar em presença de psicólogos no contexto escolar emergem duas concepçıes: a da intervençªo psico-sociológica tradicionalmente considerada com planejamento a partir de uma leitura diagnóstica da instituiçªo e a da intervençªo de base clínica, voltada a favorecer a superaçªo de dificuldades localizadas no aluno, em seu desenvolvimento e/ou saœde mental. Essas concepçıes 52 Plantªo Psicológico: novos horizontes se apresentam insistentemente a quem se dispıe a adentrar aquele contexto, e a proposta de um modelo outro, baseado em acolher as demandas dos alunos enquanto pessoas normalmente desconhecidas antes que se inicie o trabalho e que procura acompanhar as ressonâncias institucionais de mobilizaçıes pessoais que se verificarªo só a partir da intervençªo nªo pode deixar de provocar apreensªo. A proposta de Plantªo Psicológico em si mesma jÆ requer uma abertura ao nªo-planejado; quando se acrescenta a vinculaçªo institucional a ser delineada no decorrer do processo, a exigŒncia de disponibilidade a acompanhar um processo sem um planejamento prØvio Ø ainda maior. Frente à inevitÆvel apreensªo, uma sugestªo: observar atentamente para conhecer; ouvir profundamente para facilitar a expressªo do que de mais significativo serÆ trazido a nós; estar realmente presente, disponível, e atentar à mobilizaçªo que pode nascer daí. Contato com literatura especializada e relatos de experiŒncias de intervençıes nessa modalidade de Aconselhamento Psicológico (cf. Mahfoud, 1987, 1989, 1992; Mahfoud, Morato & Eisenlohr, 1993), ajudaram que se estabelecesse uma posiçªo de ativo empenho com a proposta que Ø mesmo um tanto desconcertante , respaldados tambØm na literatura fundamental acerca da Abordagem Centrada na Pessoa elaborada por Rogers. A proposta era disponibilizar-se em termos de tempo e de escuta. Ou seja, os estagiÆrios comporiam uma equipe sempre presente na escola: estariam literalmente de plantªo ali à disposiçªo dos alunos, cobrindo todos os horÆrios de funcionamento daquela instituiçªo, disponíveis ao atendimento à pessoa do aluno no momento em que ele estivesse precisando de ajuda, nªo sendo assim necessÆrio marcar horÆrio com antecedŒncia e nªo estaria implicada necessariamente 53 Plantªo Psicológico na escola: presença que mobiliza uma continuidade de atendimento. O que dirige o percurso Ø a necessidade da pessoa, garantida a permanŒncia da disponibilidade da equipe de plantonistas e contando com a iniciativa dos próprios alunos buscarem atendimento quando fizer sentidopara eles. Mas afinal o que estaríamos oferecendo neste serviço? Um espaço onde o aluno pudesse buscar ajuda para rever, repensar e refletir suas questıes. O objetivo era possibilitar aos alunos a oportunidade de se cuidar, de estarem atentos ao que Ø realmente importante para eles naquele momento, e entªo de se posicionarem diante disso. O psicólogo neste tipo de serviço nªo estÆ ali atento a solucionar algum problema mas procura estar presente acolhendo a pessoa e escutando- a ativamente, possibilitando com isso que ela se mobilize frente à sua situaçªo; procura estar centrado na pessoa mais do que no problema. Esse momento de preparaçªo fora fundamental do ponto de vista do mØtodo, pois pôde ficar claro que ouvir escuta ativa, profunda Ø uma intervençªo, e que aquilo que verbalizamos para a pessoa, aquilo que pontuamos ou refletimos devolvendo para ela Ø uma intervençªo complementar à escuta, vem como que acoplada. A escuta, enquanto postura bÆsica, Ø saber ouvir o outro, estar preparado e disponível para receber a vivŒncia que estiver trazendo, tomando-a em sua complexidade original, em seus mœltiplos horizontes, de maneira tal a facilitar que a pessoa examine com cuidado as diversas facetas de sua experiŒncia. Essa escuta solicita de nós uma atençªo a uma multiplicidade de perspectivas, mas sobretudo requer uma atençªo à perspectiva que aquela pessoa escolhe ou pode no momento examinar para adentrar sempre mais profundamente na própria experiŒncia; e isso requer mais respeito ao caminho empreendido pela própria pessoa do que qualquer habilidade preditiva por parte do plantonista. Abertura ao novo 54 Plantªo Psicológico: novos horizontes incansavelmente emergente em cada pessoa que examina sua vivŒncia; abertura maravilhada diante do mistØrio da liberdade de cada ser humano, e daquele ali em particular: Ø o primeiro passo para entrar em contato com a realidade das pessoas. Nos permitimos entrar em contato com o ouvir nªo só do ponto de vista teórico (cf. Rogers, 1983; Amatuzzi, 1990) mas reconhecendo nossa experiŒncia, sabendo que estÆ em nós o recurso fundamental para facilitar que o outro se escute a si próprio. Reconhecemos, entªo, o fundamento do Plantªo Psicológico naquela atitude que propicia a facilitaçªo de um processo que Ø do cliente, e portanto a funçªo do psicólogo nªo Ø conduzir esse processo mas acompanhÆ-lo. Mas, na prÆtica, o que seria ouvir? O que representaria esse tipo de atençªo para com o outro ali diante de mim? Preocupaçªo primÆria e fonte de ansiedade para os iniciantes em atendimento psicológico, mas preocupaçªo e ansiedade em outra medida sempre presente tambØm para quem, por anos a fio, busca se colocar diante do outro com a abertura confiante necessÆria para que se dŒ um processo na direçªo do crescimento e da mobilizaçªo, para que se dŒ um processo de mudança em funçªo do sentido tªo próprio àquele que pede ajuda. E na supervisªo nªo poderia ser diferente: atentar para os recursos ali presentes, enquanto pessoa, e acolhŒ-los, sobretudo para que cada estagiÆrio pudesse descobrir-se como terapeuta no decorrer do contato com o outro, mobilizando seus próprios recursos afetivos e intelectuais. Todos nós, diante desse tipo de escuta, livres de interpretaçıes, generalizaçıes e prØ- concepçıes, estaríamos mais propícios a nos perceber e perceber o outro. O grande segredo Ø o aprendizado com a própria experiŒncia. E esse segredo se revela efetivamente só com o decorrer do próprio trabalho. 55 Plantªo Psicológico na escola: presença que mobiliza CONTATOS INICIAIS Nos primeiros contatos de toda a equipe do Plantªo Psicológico com a escola confirmamos, da parte deles, o interesse e a disponibilidade em colaborar. PorØm, jÆ de início eram perceptíveis as expectativas da instituiçªo quanto ao trabalho: a de que responderíamos a demandas prØ-definidas por eles, ligadas ao que consideravam ser os problemas mais graves, recorrentes e emergenciais como, por exemplo, abuso de Ælcool e gravidez na adolescŒncia. Nos parecia natural que frente à novidade da proposta, surgisse na escola juntamente à disponibilidade e abertura alguma dificuldade em colocar-se numa perspectiva diferente, centrada no aluno e a partir de um posicionamento diverso por parte da Psicologia. Demo-nos conta de que nªo era preciso que a escola entendesse, imediatamente, tudo o que iríamos fazer ali: o fundamental naquele momento Ø que aceitasse o desafio e possibilitasse nossa atuaçªo. Afinal, quem de nós sabia o que estava por vir? Era o início de nossa presença ali; e sabíamos que clarificar, continuamente, nossa proposta era mesmo parte de nosso trabalho. No vivo da interaçªo com a instituiçªo íamos repropondo e reafirmando os princípios e os fundamentos. Era imprescindível que fôssemos firmes em nossa proposta assim como nas exigŒncias necessÆrias para colocÆ-la em prÆtica. E entªo, melhor do que argumentar seria mostrar a que viemos. APRESENTANDO A PROPOSTA Organizamos uma apresentaçªo da equipe de plantonistas e de nossa proposta para os alunos que sabíamos ser œtil a todo o quadro da escola. Evitamos passar de sala em sala, ou reunir a todos para explicar o que Ø Plantªo Psicológico. A apresentaçªo da proposta ao pœblico interessado precisava ter impacto para marcar nossa presença e nosso trabalho entre eles, sem deixar 56 Plantªo Psicológico: novos horizontes tambØm de explicitar com clareza nosso objetivo. AlØm do quŒ, era preciso desmistificar a Psicologia, aproximÆ- la da realidade daqueles adolescentes, mostrando a eles que psicólogo nªo Ø pra doido, como muitas pessoas costumam pensar, mas para todos que tenham interesse em se conhecer melhor, olhar para si e se reconhecer em suas vivŒncias, cuidar para vivŒ-las de um modo mais saudÆvel e consciente; era preciso afirmar que estaríamos ali disponíveis para acompanhÆ-los em sua experiŒncia. Para alcançar tal objetivo elaboramos uma apresentaçªo que fosse clara e próxima dos alunos, procurando utilizar uma linguagem própria da idade deles e que pudesse abarcar ao mÆximo a realidade em que vivem. Utilizamos recursos musicais e teatrais pois, alØm de provocar certo impacto, era uma maneira em que nos sentíamos muito à vontade. EstÆvamos lançando mªo de nossos próprios recursos, oferecendo nossa disponibilidade, cada um podendo se colocar com o que tem para oferecer tornando o grupo uma equipe coesa e disponível, cada um com suas diferenças, facilitando assim que as diversidades se aproximassem. Essa forma de se apresentar aconteceu nos trŒs turnos, aproveitando o horÆrio do recreio, por considerarmos ser o momento em que poderíamos estar mais próximos dos alunos e para passar a mensagem que estÆvamos propondo um espaço realmente voltado a eles na escola. Preparamo-nos sem que os alunos soubessem; apenas a diretoria estava ciente do que iríamos fazer. Quando tocou o sinal para o recreio e os alunos começaram a sair das salas e se dirigirem para o pÆtio nós começamos a tocar uma mœsica e iniciamos a apresentaçªo, distribuímos panfletos com a letra de uma mœsica composta por nós e no verso uma explicaçªo do que seria o Plantªo Psicológico. Utilizamos algumas mœsicas jÆ conhecidas, com temÆtica bem jovem e atual, que traziam questıes propícias a se mobilizar em direçªo a se cuidar, como por exemplo as de Legiªo Urbana, Kid Abelha, 57 Plantªo Psicológico na escola: presença que mobiliza Lulu Santos, Ultraje a Rigor. Criamos tambØm algumas mœsicas-paródia e atØ compusemos O Rap do Plantªo. Seguem alguns exemplos: Rap do Plantªo Cheguei em casa da escola tô cansado de estudar Meu pai nªo me entende nªo adianta conversar Minha mªe me repreende nªo tenho com quem falar Liguei pra namorada e ela nªo estava lÆ Procurei por meus amigos Me disseram: Sai pra lÆ! NinguØm Quer me entender NinguØm Quer me responder Emminha cabeça tudo roda e eu nªo sei o que fazer Quem sou? De onde vim? Pra onde vou? O que fazer, o que fazer? Nªo consigo esclarecer tÆ difícil de entender Nªo consigo me acalmar tÆ difícil de aguentar Mil problemas me esquentam Mil questıes me atormentam E os outros no meu pØ Cada um com seu palpite Minha cabeça dÆ um nó E nªo hÆ quem acredite E eu? O que que eu faço desta vida? E eu? Qual vai ser a minha história? E eu? 58 Plantªo Psicológico: novos horizontes Reggae do Plantªo (Paródia de Pensamento, do grupo Cidade Negra) Eu preciso falar do que se passa aqui dentro Vou procurar o plantªo Preciso de alguØm que me escute e me entenda PrÆ eu tambØm me entender É este mundo É minha vida Quero mudar Quero aproveitar Quem nªo se cuida Nªo curte a vida Fica parado sem sair do lugar Exibem poesia as palavras de um rei Faça sua parte Que eu te ajudarei Twist do Plantªo (Paródia de Twist and Shout) Vou conversar no Plantªo (no Plantªo) Nªo sei se tem soluçªo (soluçªo) É um espaço pra mim (para mim) É disto que eu tô afim. Ah... Ah... Ah... Ah... Ah... Melô do Plantªo No plantªo falar Ø bªo Muito bªo (Repete 3x) Muito bªo. No plantªo falar Ø bªo. 59 Plantªo Psicológico na escola: presença que mobiliza 4 Uma breve ediçªo em vídeo de filma- gens feitas durante estas apresenta- çıes estÆ incluída no CD-ROM anexo ao livro. As mœsicas tambØm podem ser ouvidas jÆ integra- das ao vídeo ou atravØs de um CD- player convencio- nal (faixas 2, 3, 4, e 5) Pretendíamos criar um momento de apresentaçªo em que eles se reconhecessem e pudessem estar mais atentos à explicaçªo que iríamos dar posteriormente sobre o Serviço. Elaboramos uma dramatizaçªo que pudesse representar bem a vivŒncia de um adolescente incompreendido em sua própria casa e que por fim resolve buscar ajuda no Plantªo Psicológico como meio de pensar e refletir sobre suas questıes. De início os alunos pareciam espantados e aos poucos foram se ambientando, começaram a interagir conosco cantando as mœsicas e batendo palmas, e atØ mesmo dançando. Nos entremeios de uma mœsica e outra e o teatro íamos falando de forma espontânea quem Øramos nós e o que estÆvamos fazendo ali. Procuramos tocÆ-los no que diz respeito à vivŒncia de ser adolescente cheio de questıes, dœvidas, inquietaçıes e à dificuldade de contar com alguØm que possa estar junto com ele acompanhando-o nessa experiŒncia. EstÆvamos propondo a eles que uma maneira legal de se cuidar, de manter-se bem em meio aos problemas e dificuldades, Ø dar-se a oportunidade de falar dessas coisas, pensando sobre elas e sobre como eles podem estar vivendo de forma consciente cada situaçªo, podendo atØ passar a vŒ-la de modo diferente. Divulgamos assim o Serviço de forma descontraída sem perder a seriedade do nosso compromisso com a proposta. 4 OS ATENDIMENTOS E AS DEMANDAS No dia seguinte à apresentaçªo da proposta aos alunos, os estagiÆrios começaram a ficar de plantªo, na sala disponibilizada pela escola, e imediatamente os atendimentos começaram. Os estagiÆrios se dividiam pelos trŒs turnos de aulas, de segunda a sexta-feira, e tambØm no sÆbado de manhª, o que fazia com que sempre houvesse um ou dois estagiÆrios na sala do Plantªo, disponíveis para os alunos. 60 Plantªo Psicológico: novos horizontes Nos atendimentos procurÆvamos acompanhar a organizaçªo própria dos alunos, pois era centrando na experiŒncia destes que descobríamos como proceder. Esta atençªo ao movimento que os alunos faziam ao buscar o Plantªo Psicológico nos indicava como responder à este movimento. Sendo assim, o nœmero de alunos que participava de uma sessªo, a duraçªo desta, a marcaçªo de uma nova, e o próprio andamento de cada sessªo acompanhavam a necessidade do momento e nªo uma regra prØ-estabelecida. O que mantínhamos firme sempre era nossa disponibilidade para ouvi-los, ajudÆ-los a examinar sua experiŒncia, e a proposta de que o Plantªo Psicológico era para qualquer aluno que quisesse se cuidar. Atendemos entªo indivíduos e grupos, em uma ou mais de uma sessªo, que duraram de quinze minutos a uma hora e meia. Nos casos em que os alunos voltavam, sendo atendidos diversas vezes, e se percebia uma necessidade de ajuda que ia alØm da proposta de atendimento em Plantªo Psicológico (ver abaixo a categoria Incômodo com a maneira de ser e de reagir à situaçıes), nós os encaminhÆvamos para Serviços ou clínicas sociais que oferecessem psicoterapia a um baixo custo ou gratuitamente. Foram poucos os casos encaminhados, jÆ que na maioria nªo houve esta necessidade. Ao final do primeiro semestre, realizados atendimentos no período de abril a junho, havíamos atendido 11,9% do total de alunos da escola (124 de um total de 1035), em 134 sessıes (ver tabela I na próxima pÆgina). Note que o nœmero de alunos atendidos e de sessıes Ø diferente, jÆ que um aluno pode ter sido atendido em mais de uma sessªo e vÆrios alunos, em grupo, podem ter sido atendidos em uma œnica sessªo. Para chegarmos a este total de alunos atendidos contabilizamos as sessıes efetivas, (ou seja, aquelas em que os alunos haviam se movimentado frente à alguma questªo) deixando de lado, para efeito 61 Plantªo Psicológico na escola: presença que m obiliza TABELA I Dados quantitativos sobre cada turno ALUNOS MATRICULADOS Nœmero de alunos matriculados em cada turno % de alunos matriculados em relaçªo ao nœmero total de alunos da escola Nœmero de pessoas atendidas no turno Manhª ALUNOS ATENDIDOS ATENDIMENTOS (SESSÕES) % de pessoas atendidas no turno em rela-çªo ao total de alunos ma- triculados no mesmo turno % de pessoas atendidas no turno em re- laçªo ao total de pessoas atendidos na escola Nœmero de atendimentos no turno % de atendimentos no turno em relaçªo ao total de atendimentos na escola 423 40,9% 31 7,3% 25 36 26,9 Tarde 126 12,2% 46 36,5% 37,1 14 10,4 Noite 486 46,9% 47 9,7% 37,9 84 62,7 Total 1035 100% 134 100% 100% 124 100% 62 Plantªo Psicológico: novos horizontes de contagem, as situaçıes em que os alunos passavam rapidamente pela sala do Plantªo Psicológico para dizer olÆ, espiar, ou fazer um comentÆrio, e aquelas em que os alunos permaneciam conosco por algum tempo conversando fiado ou querendo saber mais sobre nossa proposta, fazendo perguntas do tipo O que Ø mesmo o Plantªo?. Vale dizer que algumas situaçıes como estas serviram como via de acesso à ajuda, ou seja, o aluno chegava como quem nªo quer nada para logo em seguida, jÆ ambientado, conseguir falar de si, transformando a visita em um atendimento, que era entªo contabilizado. Durante todo o semestre os atendimentos eram discutidos nos encontros semanais de supervisªo. Para cada sessªo ou atendimento era feito um relatório escrito. Nestes encontros, alØm dos atendimentos, conversÆvamos tambØm sobre a instituiçªo em seus diferentes âmbitos, ou seja, falÆvamos dos professores, da diretoria, dos turnos, do que observÆvamos enquanto estÆvamos na escola. Queríamos estar atentos para as repercussıes que nossa presença estava tendo na escola. Isto tambØm era parte de nossa proposta de Plantªo Psicológico. Ao escutar os alunos, estÆvamos intervindo tambØm na instituiçªo, ajudando estes a se dar conta de suas necessidades frente à escola, o que poderia mobilizÆ- los a atuar nesta para transformÆ-la. Ao escutar a instituiçªo em cada um de seus âmbitos estÆvamos tambØm intervindo, pois surgiam entªo respostas que poderiam ser dadas ao grupo. Um exemplo disto foi nossa atuaçªo diferenciada em relaçªo à características singulares que o turno da tarde tinha em relaçªo aos outros turnos: No turno da tarde funcionavam trŒs turmas, todas do primeiro ano do segundo grau, totalizando cento e vinte e seis
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