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História do Brasil

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História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
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História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
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Índice: 
 
1. A Expansão Marítima Portuguesa ............................................................................ 7 
1.1 A recuperação européia no século XV ............................................................. 7 
1.2 A Formação Política de Portugal...................................................................... 7 
1.3 O périplo africano............................................................................................. 9 
1.4 O caminho das especiarias.............................................................................. 11 
1.5 O império marítimo português ....................................................................... 12 
2 Os Primeiros Tempos da Colonização ................................................................... 15 
2.1 Os povos indígenas antes da chegada dos europeus....................................... 15 
2.2 O período pré-colonial (1500-1532)............................................................... 16 
2.3 As Capitanias Hereditárias ............................................................................. 17 
2.4 O Governo Geral ............................................................................................ 18 
2.5 Os jesuítas na Colônia .................................................................................... 19 
2.6 A invasão francesa do Rio de Janeiro............................................................. 19 
3 Economia e Sociedade no Brasil Colônia .............................................................. 21 
3.1 Controvérsias sobre a sociedade colonial ....................................................... 21 
3.2 Estado e Igreja na Colônia.............................................................................. 21 
3.3 A Escravidão Colonial.................................................................................... 22 
3.3.1 A Escravidão dos Índios ......................................................................... 22 
3.3.2 A Escravidão dos Africanos ................................................................... 23 
3.3.3 Ideologia e Economia da Escravidão...................................................... 24 
3.3.4 A Vida dos Escravos .............................................................................. 25 
3.4 Economia Colonial ......................................................................................... 26 
3.5 A Economia Canavieira.................................................................................. 28 
3.5.1 A Sociedade Açucareira ......................................................................... 30 
3.5.2 A pecuária no sertão ............................................................................... 31 
4 O Brasil no Século XVII ........................................................................................ 32 
4.1 O Brasil no Tempo dos Filipes (1580-1640) .................................................. 32 
4.1.1 O Fim da Dinastia de Avis ..................................................................... 32 
4.1.2 A Conquista do Norte do Brasil ............................................................. 32 
4.1.3 As Missões Jesuítas no Centro Sul ......................................................... 33 
4.2 O Brasil Holandês........................................................................................... 34 
4.2.1 A Guerra dos Oitenta Anos .................................................................... 34 
4.2.2 A Guerra do Açúcar no Nordeste ........................................................... 34 
4.2.3 O período de Nassau............................................................................... 35 
4.2.4 A Restauração Pernambucana ................................................................ 36 
4.3 As Bandeiras Paulistas ................................................................................... 36 
4.3.1 As Expedições de Apresamento Indígena .............................................. 36 
4.3.2 O Papel da Escravidão Indígena............................................................. 37 
4.3.3 A Conquista Territorial do Interior......................................................... 38 
5 O Brasil no Século XVIII ....................................................................................... 40 
5.1 Sociedade e Economia da Mineração............................................................. 40 
5.1.1 A Colonização das Minas ....................................................................... 40 
5.1.2 As Minas e o Império Português ............................................................ 40 
5.1.3 A economia brasileira durante a mineração. .......................................... 41 
5.1.4 A Economia Mineira .............................................................................. 42 
5.1.5 O Barroco Mineiro ................................................................................. 42 
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 3 
5.1.6 A Economia de Abastecimento .............................................................. 43 
5.2 A Crise do Império Português ........................................................................ 43 
5.2.1 A Crise do Antigo Regime ..................................................................... 43 
5.2.2 Os Tratados de Limites........................................................................... 44 
5.2.3 As Reformas de Pombal ......................................................................... 45 
5.3 As Sedições na Colônia. ................................................................................. 46 
5.3.1 As Luzes e a Contestação do Absolutismo............................................. 46 
5.3.2 A Inconfidência Mineira......................................................................... 47 
5.3.3 A Conjuração dos Alfaiates.................................................................... 49 
6 Independência e Primeiro Reinado......................................................................... 51 
6.1 A Corte Portuguesa no Brasil ......................................................................... 51 
6.1.1 A Transferência da Corte........................................................................ 51 
6.1.2 A Política Joanina................................................................................... 51 
6.1.3 Transformações culturais........................................................................ 53 
6.1.4 A Revolução Pernambucana................................................................... 54 
6.2 A Independência da Brasil.............................................................................. 55 
6.2.1 A Revolução Liberal do Porto................................................................ 55 
6.2.2 O Processo da Independência ................................................................. 56 
6.2.3 A Guerra da Independência .................................................................... 58 
6.2.4 O reconhecimento internacional da Independência................................ 59 
6.3 O Primeiro Reinado ........................................................................................ 60 
6.3.1 A Transição............................................................................................. 60 
6.3.2 A Confederação do Equador................................................................... 61 
6.3.3 A Guerra da Cisplatina ........................................................................... 62 
6.3.4 Abdicação de Dom Pedro I..................................................................... 63 
7 O Segundo Reinado ................................................................................................64 
7.1 O Período Regencial ....................................................................................... 64 
7.1.1 O Avanço Liberal ................................................................................... 64 
7.1.2 O Regresso Conservador ........................................................................ 66 
7.2 As Revoltas do Período Regencial ................................................................. 66 
7.2.1 A Cabanagem ......................................................................................... 67 
7.2.2 A Revolta dos Malês .............................................................................. 67 
7.2.3 A Sabinada.............................................................................................. 68 
7.2.4 A Balaiada .............................................................................................. 68 
7.2.5 A Guerra dos Farrapos............................................................................ 69 
7.2.6 A Permanência da Unidade .................................................................... 70 
7.3 O Governo Pessoal de Dom Pedro II ............................................................. 71 
7.3.1 A Maioridade.......................................................................................... 71 
7.3.2 A Revolta Liberal de 1842...................................................................... 72 
7.3.3 A Revolução Praieira.............................................................................. 72 
7.3.4 Parlamentarismo às Avessas................................................................... 73 
7.4 Café, Ferrovias e Imigração............................................................................ 74 
7.4.1 A Expansão do Café ............................................................................... 74 
7.4.2 Modernização Capitalista ....................................................................... 75 
7.4.3 A Cafeicultura no Oeste Paulista............................................................ 76 
7.4.4 Os Imigrantes.......................................................................................... 77 
7.5 A Guerra do Paraguai ..................................................................................... 78 
7.5.1 As Interpretações da História ................................................................. 78 
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 4 
7.5.2 Relações Internacionais no Prata............................................................ 79 
7.5.3 A Ofensiva Paraguaia ............................................................................. 80 
7.5.4 A Guerra de Posições ............................................................................. 81 
7.5.5 A Ofensiva do Império ........................................................................... 81 
7.5.6 Conseqüências do Conflito..................................................................... 82 
7.6 A Abolição...................................................................................................... 82 
7.6.1 O Fim do Tráfico Negreiro..................................................................... 82 
7.6.2 O Fim da Escravidão .............................................................................. 83 
7.7 A Proclamação da República.......................................................................... 86 
7.7.1 A Crise do Império ................................................................................. 86 
7.7.2 O Republicanismo .................................................................................. 86 
7.7.3 A Crise com a Igreja............................................................................... 87 
7.7.4 A Crise Militar........................................................................................ 88 
7.7.5 O Golpe Republicano ............................................................................. 89 
8 A Primeira República ............................................................................................. 91 
8.1 A República da Espada................................................................................... 91 
8.1.1 Primeiros Momentos da República......................................................... 91 
8.1.2 A Constituição de 1891 .......................................................................... 92 
8.1.3 O Encilhamento ...................................................................................... 93 
8.1.4 O Governo Deodoro da Fonseca ............................................................ 93 
8.1.5 O Governo Floriano Peixoto .................................................................. 94 
8.1.6 A Revolução Federalista......................................................................... 94 
8.1.7 A Revolta da Armada ............................................................................. 95 
8.2 Economia e Política na Primeira República ................................................... 96 
8.2.1 A Política dos Governadores .................................................................. 96 
8.2.2 A Política dos Coronéis .......................................................................... 96 
8.2.3 O Café com Leite.................................................................................... 97 
8.2.4 A Crise Financeira .................................................................................. 99 
8.2.5 Os Planos de Valorização do Café ....................................................... 100 
8.2.6 As Fronteiras Nacionais ....................................................................... 100 
8.3 Indústria e Imigração .................................................................................... 102 
8.3.1 A Grande Imigração ............................................................................. 102 
8.3.2 Mudanças na Agricultura...................................................................... 103 
8.3.3 Industrialização..................................................................................... 103 
8.3.4 A Borracha na Amazônia ..................................................................... 104 
8.4 Movimentos Sociais na Primeira República................................................. 105 
8.4.1 Os Movimentos Messiânicos................................................................ 105 
8.4.2 Canudos (1893-1897) ........................................................................... 107 
8.4.3 Contestado (1911-1915) ....................................................................... 108 
8.5 Movimentos Sociais Urbanos....................................................................... 109 
8.5.1 A Reforma Urbana do Rio de Janeiro .................................................. 109 
8.5.2 A Reforma Sanitária e a Revolta da Vacina ......................................... 110 
8.5.3 A Revolta da Chibata............................................................................ 111 
8.5.4 O Anarquismo ...................................................................................... 112 
8.5.5 A Greve de 1917................................................................................... 113 
8.5.6 O Partido Comunista do Brasil............................................................. 114 
8.6 O Nascimento do Samba .............................................................................. 115 
8.6.1 As origens ............................................................................................. 115 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 5 
8.6.2 O chorinho ............................................................................................ 116 
8.6.3 O samba do Rio de Janeiro ...................................................................117 
8.7 O Tempo dos Tenentes ................................................................................. 118 
8.7.1 Dissidências na Política das Oligarquias .............................................. 118 
8.7.2 Os Levantes Tenentistas ....................................................................... 119 
8.7.3 A Coluna Prestes .................................................................................. 121 
8.8 A Revolução de 1930 ................................................................................... 121 
8.8.1 A Revolução de 1923 ........................................................................... 121 
8.8.2 O Partido Democrático ......................................................................... 122 
8.8.3 A Crise do Café .................................................................................... 123 
8.8.4 A Ruptura do Café com Leite............................................................... 124 
8.8.5 A marcha da Revolução........................................................................ 124 
9 A Era Vargas ........................................................................................................ 127 
9.1.1 O Governo Provisório........................................................................... 127 
9.1.2 A Revolução de 1932 ........................................................................... 129 
9.1.3 A Constituição de 1934 ........................................................................ 130 
9.1.4 O Integralismo ...................................................................................... 131 
9.1.5 O Levante Comunista de 1935 ............................................................. 132 
9.1.6 A Repressão Política............................................................................. 133 
9.1.7 O Golpe do Estado Novo...................................................................... 134 
9.2 A Era do Rádio ............................................................................................. 134 
9.2.1 A Idade de Ouro do Samba................................................................... 136 
9.3 O Estado Novo ............................................................................................. 137 
9.3.1 O Trabalhismo ...................................................................................... 138 
9.3.2 O Controle da Opinião Pública............................................................. 140 
9.3.3 A Política Industrial.............................................................................. 142 
9.3.4 A Política Externa................................................................................. 143 
9.3.5 A Invasão Cultural Norte-Americana................................................... 144 
9.3.6 O Brasil na Guerra................................................................................ 145 
9.3.7 A Queda do Estado Novo ..................................................................... 146 
10 O Período Democrático (1945-1964) ............................................................... 149 
10.1 Democracia e Radicalização Política (1945-1954) ...................................... 149 
10.1.1 A Democratização ................................................................................ 149 
10.1.2 O Governo Dutra .................................................................................. 150 
10.1.3 A Volta de Vargas ................................................................................ 151 
10.1.4 A Morte de Vargas ............................................................................... 153 
10.1.5 O Golpe Legalista................................................................................. 154 
Os Anos JK (1956-1961).......................................................................................... 155 
Cinqüenta Anos em Cinco.................................................................................... 156 
10.1.6 A Crise Financeira ................................................................................ 157 
10.1.7 A Sucessão de JK ................................................................................. 157 
10.2 A Crise da Democracia (1961-1964)............................................................ 158 
10.2.1 O Governo Jânio Quadros .................................................................... 158 
10.2.2 Os Movimentos Sociais ........................................................................ 159 
10.2.3 A Política Institucional ......................................................................... 160 
10.2.4 O Período Parlamentarista .................................................................... 161 
10.2.5 O Governo Jango .................................................................................. 162 
10.2.6 O Golpe Militar de 1964....................................................................... 162 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 6 
10.2.7 A questão do “populismo”.................................................................... 163 
11 A Ditadura Militar (1965-1985) ....................................................................... 165 
11.1.1 A Estrutura do Regime ......................................................................... 165 
11.1.2 O Governo Castelo Branco................................................................... 165 
11.1.3 1968, O Ano Rebelde ........................................................................... 167 
11.1.4 O Início da Luta Armada ...................................................................... 168 
11.1.5 O AI-5................................................................................................... 169 
11.2 Os Anos de Chumbo (1968-1974)................................................................ 169 
11.2.1 A Junta Militar e a Tortura ................................................................... 169 
11.2.2 O Governo Médici ................................................................................ 170 
11.2.3 O Milagre Econômico .......................................................................... 171 
11.2.4 O Ufanismo .......................................................................................... 172 
11.2.5 A Imprensa e a Censura........................................................................ 173 
11.3 A Crise da Ditadura (1974-1985) ................................................................. 173 
11.3.1 Abertura Lenta e Gradual ..................................................................... 173 
11.3.2 Política Econômica de Geisel ............................................................... 176 
11.3.3 Renascimento do Movimento Operário................................................ 177 
11.3.4 O Governo Figueiredo e o Agravamento da Crise ............................... 177 
11.3.5 A Continuidade da Abertura................................................................. 178 
11.3.6 A Campanha das Diretas ...................................................................... 179 
11.3.7 A Eleição de Tancredo e Sarney........................................................... 179 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
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1. A Expansão Marítima Portuguesa 
 
1.1 A recuperação européia no século XV 
Até o final do século XV, nada prenunciava que a Europa iria dominar o mundo nos 
quatrocentos anos seguintes. Na época da descoberta da América, outras regiões do Velho Mundo, 
como China, Índia e Islã, possuíam economias mais dinâmicas, populações maiores, centros 
urbanos mais importantes e técnicas mais avançadas do que as européias. O fato que transformou a 
Europa no centro do poder mundial foi a conquista do continente americano. Essa conquista 
resultou de sua expansãoeconômica, demográfica e tecnológica, ao mesmo tempo em que as 
reforçou. A descoberta e a colonização do Brasil por Portugal foi parte desse processo: um capítulo 
a mais do domínio da América pelos europeus. 
No século XIV, antes da grande expansão marítima, uma grave crise ameaçou seriamente a 
sobrevivência da civilização européia. Essa crise teve varias dimensões e causas, entre as quais se 
destaca um período excepcional de invernos longos e frios que, por vários anos, atingiram o 
continente, provocando quebra das colheitas e fome. Além disso, sobreveio uma série de outras 
catástrofes, como a Peste Negra, devastadora epidemia que exterminou um terço da população do 
continente; as invasões dos nômades mongóis, que desorganizaram a produção agrícola e as 
relações de comércio; e a Guerra dos Cem Anos, que opôs as dinastias governantes da Inglaterra e 
França. Tais desastres simultâneos quase levaram a Europa ao colapso. 
No entanto, ao iniciar o século XV, com o fim da epidemia, da ameaça mongol e da guerra, 
e com a melhora das condições climáticas, a situação de desvantagem relativa da Europa começou a 
ser revertida. A população voltou a crescer, as cidades se repovoaram, e o comércio tornou-se 
novamente ativo. A recuperação 
comercial contou com dois pólos de 
dinamismo: a Liga Hanseática, 
associação de cidades mercantis em 
torno do Mar Báltico, ao norte; e as 
cidades do Mar Mediterrâneo, ao sul, em 
especial duas cidades-Estado italianas, 
Veneza e Gênova. 
Os comerciantes da Liga 
Hanseática obtinham matérias primas 
do extremo norte do continente, como 
madeiras e minério de ferro, e as 
revendiam para o restante da Europa. 
Essas trocas eram intermediadas por 
cidades como Frankfurt, Bruges, 
Antuérpia e Londres. Os mercadores 
italianos, por sua vez, compravam especiarias, seda, marfim e porcelanas nas cidades islâmicas do 
Mar Mediterrâneo, e os revendiam no norte do continente. Nessa época, Lisboa, capital do reino de 
Portugal, teve grande crescimento, por causa de sua posição intermediária na navegação entre o 
Mediterrâneo e o Norte da Europa. Ali se instalaram mercadores e banqueiros venezianos e 
genoveses que contribuíram para tornar a cidade um ativo centro de comércio. 
1.2 A Formação Política de Portugal 
O desenvolvimento do comércio em Lisboa e no Porto, no século XV, não é a única 
explicação para o pioneirismo marítimo de Portugal. Também contribuíram outros fatores, ligados 
à formação política do país. O Estado português surgiu na luta contra os muçulmanos, que haviam 
dominado a Península Ibérica no século VIII. No ano de 1128, Afonso Henriques, um dos nobres 
1: Veneza, imagem de Bolognino Zaltieri, 1565. 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 8 
guerreiros que lutavam contra os mouros, rompeu com a coroa de Leão e Castela, com a qual tinha 
relação de vassalagem, e foi aclamado primeiro rei de Portugal. Seu feudo, o Condado 
Portucalense, tornou-se a porção original do território português. 
Durante o reinado de Dom Afonso e de seus 
sucessores, por quase duzentos anos, os portugueses 
mantiveram-se em guerra simultânea contra dois inimigos, 
os castelhanos e os mouros. Tal situação de beligerância 
permanente subordinou o Estado português à autoridade 
do monarca, que também era o supremo chefe militar. A 
submissão da nobreza e do território a uma única 
autoridade monárquica era um fato singular na Europa 
Ocidental daquela época. 
O Estado português, precocemente centralizado, 
possuía características incomuns ao restante da Europa. 
Os nobres só obtinham terras por meio da doação pessoal 
do rei que, em alguns casos, podia tomá-las de volta. 
Diferente do que ocorria em outras partes do continente, 
onde cada domínio senhorial tinha suas próprias leis 
fundamentadas nos costumes, em Portugal as leis eram 
únicas, aplicadas pelo rei ou por seus prepostos nos 
concelhos das cidades. Além disso, a maior parte das terras 
do reino pertencia ao soberano (terras reguengas), e não à 
nobreza. 
Por isso, muitos estudiosos, entre eles o sociólogo 
brasileiro Raymundo Faoro, acreditam não ter existido um 
verdadeiro feudalismo em Portugal. Faoro propôs chamar o sistema social e político português da 
Idade Média de patrimonialismo, pois, ao invés do emaranhado de relações contratuais envolvendo o 
rei e a nobreza, típicas do feudalismo, ali era como se o reino fosse patrimônio pessoal do monarca. 
O espírito de cruzada, isto é, a crença na guerra como missão religiosa, foi uma 
característica ideológica marcante de Portugal, presente desde seus primórdios até a colonização do 
Brasil. O fato de o Estado português ter surgido na luta contra os muçulmanos, chamados de infiéis 
por não professarem a religião cristã, deu-lhe uma 
justificativa religiosa para sua existência e para as guerras 
de conquista que se seguiram. 
A Revolução de Avis foi um conflito ocorrido entre 
1383 e 1385, que opôs duas linhagens da dinastia 
governante de Portugal. Além de ter consolidado o 
regime absolutista, esta revolução influiu diretamente nas 
grandes navegações dos séculos XV e XVI. A guerra 
começou por causa de uma luta sucessória entre o rei de 
Castela, que pretendia anexar Portugal, e João, filho 
bastardo do rei Pedro I e mestre da ordem religiosa de 
Avis. A nobreza proprietária de terras aliou-se ao 
pretendente castelhano, enquanto os comerciantes, os 
concelhos das cidades e a população mais pobre lutaram 
ao lado de João. 
A guerra terminou em 1385 com a vitória do 
Mestre de Avis e a sobrevivência de Portugal como 
Estado independente. Quase toda a antiga nobreza 
morreu durante a guerra, tendo sido substituída por 
comerciantes, fidalgos cavaleiros e plebeus, nobilitados 
pelo príncipe vencedor. 
A ascensão ao trono do príncipe bastardo, com o 
nome de Dom João I, marcou o início da dinastia de Avis, 
2 - Dom João, Mestre de Avis, primeiro rei 
da dinastia de Avis (1385-1580). 
3 - reconstituição de uma caravela 
portuguesa do século XV 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 9 
que comandou a grande aventura oceânica de Portugal. A guerra civil consolidou a convergência de 
interesses entre os mercadores das cidades e o rei. Essa aliança foi mais um dos fatores que 
possibilitaram a expansão ultramarina do século XV. 
 
1.3 O périplo africano 
A centralização do Estado, o surgimento 
precoce do absolutismo, a aliança entre os mercadores 
e a monarquia e o espírito de cruzada são alguns dos 
fatores que contribuíram para o pioneirismo marítimo 
português. Contudo, se o contexto do século XV não 
for compreendido, tais razões, vistas isoladamente, não 
fazem sentido. Naquela época, a Europa passava por 
uma fase de crescimento econômico e demográfico, 
com reativação das rotas comerciais, desenvolvimento 
das cidades e acumulação de capital por mercadores e 
banqueiros, em especial italianos e alemães. A expansão 
portuguesa foi, dessa maneira, parte dessa expansão 
maior da Europa. 
No final do século XIV, os portugueses 
adotaram e aperfeiçoaram várias tecnologias criadas 
por outras civilizações eurasiáticas. Instrumentos de 
navegação como a bússola, o quadrante, o astrolábio e 
a balestrilha, todos invenções chinesas, foram trazidos 
até a Europa pelos italianos. Cartas de navegação 
árabes foram aprimoradas, com acréscimo de novos conhecimentos, por cartógrafos genoveses e 
portugueses. A caravela, fundamental à expansão marítima, foi uma invenção portuguesa que 
resultou do aperfeiçoamento de barcos usados na navegação do Mediterrâneo. Nesse caso, os 
portugueses combinaram a vela triangular ou latina, desenvolvida pelos árabes, com a vela redonda 
européia. O resultado foi a invenção de uma embarcação pequena, rápida e fácil de manobrar, 
capaz de navegar em ziguezague contra o vento. 
A primeira grandeexpedição militar 
portuguesa fora da Europa, considerada por 
muitos como o início da aventura ultramarina, foi 
a conquista do porto árabe de Ceuta, no norte da 
África, em 1415. Esta cidade situa-se próxima ao 
Estreito de Gibraltar, passagem entre o Mar 
Mediterrâneo e o Oceano Atlântico. Era o ponto 
final das caravanas que atravessavam o deserto do 
Saara, trazendo marfim, escravos e, sobretudo, 
ouro das regiões mais distantes da África. A 
tomada de Ceuta foi liderada pelo príncipe Dom 
Henrique, filho de Dom João, e contou com 
dezenas de nobres cavaleiros, que buscavam 
honrarias e saques de guerra. Essa expedição, 
como quase todas as que vieram depois, foi 
financiada por banqueiros genoveses estabelecidos 
em Lisboa. 
Depois da conquista, mercadores 
portugueses, especialmente judeus, instalaram-se 
em Ceuta, para ter maior acesso à riqueza trazida 
pelas caravanas. O Estado português, por meio de 
tributos cobrados sobre os comerciantes, também 
4 - O infante Dom Henrique 
5 - mapa português da costa ocidental da África, de 
1470 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 10 
obtinha uma parte da riqueza gerada pelo comércio. Essa articulação entre Estado, nobreza 
guerreira, banqueiros italianos e mercadores judeus esteve presente em todas as demais expedições 
de navegação e conquista, até o século XVI. 
O contato com as caravanas despertou, entre os portugueses, o desejo de chegar até a fonte 
do “ouro do Sudão”, isto é, do ouro trazido pelos árabes do outro lado do Saara. O acesso direto a 
essa riqueza daria muito poder a Portugal, pois a África era a fonte quase exclusiva do metal para a 
Europa. No século XV, o ouro era essencial para comprar especiarias, sedas e porcelanas do 
Oriente, pois os asiáticos não tinham interesse em quaisquer outros bens produzidos pelos 
europeus. Com esse objetivo, logo após 
a tomada de Ceuta, os portugueses 
começaram a circunavegação do 
continente africano. 
Além da busca por riquezas, a 
Coroa, o clero e a nobreza procuravam 
pelo Reino do Preste João, um 
mitológico reino cristão que existiria em 
terras africanas, além do Islã. Os 
portugueses acreditavam que, uma vez 
encontrado, poderiam fazer aliança com 
ele numa cruzada para retomar a Terra 
Santa dos infiéis. Esse fato demonstra 
que a mentalidade medieval ainda era dominante entre os portugueses, e que, nas viagens marítimas, 
as motivações religiosas não estavam separadas da busca por riquezas. 
As conquistas eram vistas como guerra santa. O saque, o tributo sobre os lucros e o 
domínio pessoal sobre terras e povos eram os prêmios justos que os nobres receberiam pelas 
vitórias. Embora a ampliação do comércio fosse um incentivo essencial para as expedições, os 
nobres não tomavam parte diretamente da atividade mercantil. O comércio era considerado indigno 
e, por isso, deixado a cargo dos judeus e italianos. 
O infante Dom Henrique foi personagem central dos descobrimentos portugueses, desde a 
conquista de Ceuta, em 1415, até sua morte, em 1460. Era dirigente da Ordem de Cristo, criada em 
Portugal para substituir a antiga Ordem dos Cavaleiros Templários, da época das Cruzadas. A 
Ordem de Cristo, subordinada diretamente ao rei de Portugal e coordenada por Dom Henrique, foi 
responsável por organizar todas as expedições marítimas e a colonização das novas terras entre os 
séculos XV e XVI, inclusive o 
Brasil. Esse fato mostra, mais uma 
vez, que as viagens e conquistas 
marítimas eram concebidas como 
cruzadas, embora isso não diminua 
a importância dos interesses 
mercantis. 
As expedições portuguesas 
também se aventuraram pelo alto 
mar. Em 1419, navegadores 
portugueses descobriram a Ilha da 
Madeira, a 660 km da costa 
africana, no meio do Oceano 
Atlântico. Em 1439, o arquipélago 
dos Açores, ainda mais distante, foi 
descoberto e concedido como 
capitania ao infante Dom 
Henrique. Para incentivar o 
povoamento dessas ilhas, Portugal 
adaptou antigos dispositivos 
medievais, como o sistema de 
7 - A viagem de Vasco da Gama 
6 - desenho da feitoria de Arguim, construída pelos portugueses. 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 11 
donatarias e as sesmarias (doações de grandes porções de terra para cultivo). No século XVI, essas 
instituições foram transplantadas para o Brasil. Assim, as ilhas atlânticas funcionaram como 
verdadeiros laboratórios para a posterior colonização do território brasileiro. 
Em 1434, depois de 15 
expedições fracassadas, o comandante 
português Gil Eanes conseguiu um 
grande feito: ultrapassou o temível 
Cabo Bojador, na costa africana. Esse 
acidente geográfico era, até então, o 
limite sul dos navegadores europeus. 
Além dos fortes ventos que o varriam, 
brumas permanentes impediam que 
fossem vistos os bancos de areia e 
pedra que ali existiam, o que 
tornavam freqüentes os naufrágios. 
A ultrapassagem do Bojador 
permitiu aos portugueses explorar 
toda a costa norte ocidental africana. 
Puseram-se em contato com povos nativos e caravanas, de quem passaram a comprar diretamente 
ouro, escravos e outros bens. Em pontos estratégicos da costa, a Coroa portuguesa ergueu feitorias 
(núcleos de comércio) cercadas por muralhas e guardadas por canhões e soldados, onde os 
africanos faziam escambo com os mercadores portugueses. Em 1445, ergueram a feitoria de 
Arguim, no Cabo Branco e, em 1482, uma grande fortaleza, São Jorge da Mina, na Costa do Ouro. 
O tráfico marítimo de escravos africanos começou em 1442, quando a primeira carga 
negreira chegou ao porto de Lisboa. Os primeiros escravos foram obtidos em incursões de 
apresamento pelo interior do continente. Porém, algum tempo depois, os portugueses não se deram 
mais ao trabalho de capturá-los: puseram-se em contato com os traficantes locais e passaram a 
comprá-los. A escravidão era bastante difundida em todo o continente africano bem antes da 
chegada dos europeus. Por isso, a presença de compradores portugueses no litoral apenas fez 
aumentar a intensidade de práticas que já existiam, como o apresamento e o tráfico de escravos. 
Pela ideologia de cruzada que motivava as navegações, a escravidão negra era justificada 
como resultado de “guerra justa”, ou seja, como os africanos não eram cristãos, era considerado 
legítimo escravizá-los. Em Portugal, os escravos eram utilizados em trabalhos públicos, domésticos, 
no cultivo de açúcar – que começou a ser praticado nas ilhas atlânticas em 1470 –, ou vendidos para 
as cidades italianas. 
1.4 O caminho das especiarias 
Foi durante o reinado de D. 
João II (1481-1495) que os 
portugueses buscaram o caminho 
marítimo para as Índias. No início 
desse período, os navegadores 
portugueses já haviam chegado até o 
Golfo da Guiné, próximo à linha do 
Equador, na costa ocidental africana. 
Em 1488, um emissário do rei 
português, Pero da Covilhã, 
percorreu por terra a Índia, Arábia e 
Etiópia (identificada como o Reino 
do Preste João), fazendo chegar 
informações a Lisboa. Graças a elas, 
os portugueses descobriram que, se 
conseguissem alcançar as Índias pelo 
8 - cultivo de pimenta na costa do Malabar, na Índia. Gravura do século 
XV. 
Parte do mundo que 
cabia a Portugal
Parte do mundo que 
cabia à Espanha
Linha de 
Tordesilhas 
1494
9 - divisão do mundo pelo Tratado de Tordesilhas (1494) 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 12 
contorno da África, teriam acesso direto à fonte das especiarias. 
 Especiarias eram temperos exóticos, como o açafrão, a noz moscada, gengibre e, 
principalmente, pimenta da Índia. Muito apreciadas e valorizadas na Europa, eram consideradas 
artigos de luxo, usadas para conservar o sabor dos alimentos. Seu alto preço decorria de sua 
raridade, pois só eram cultivadas nas regiões quentes do clima de monções, como nacosta ocidental 
da Índia e nas Ilhas Molucas, na Indonésia. Além da Europa, também a China e o mundo islâmico 
apreciavam esses gêneros. 
Desde a Antiguidade, uma intrincada rede mercantil, que se estendia pelo Oceano Índico e 
o interior da Ásia, transportava especiarias em juncos chineses, caravanas, barcos indianos, árabes e 
galeras venezianas, ligando as poucas áreas produtoras aos muitos centros consumidores. Na 
Europa, eram distribuídas com exclusividade pelos venezianos, que as traziam de cidades como 
Cairo e Damasco, pontos finais das caravanas que vinham da Ásia. 
Em 1487, uma importante conquista deu aos portugueses a certeza de que teriam, em 
breve, o sonhado acesso às riquezas das Índias. A expedição comandada por Bartolomeu Dias 
dobrou o Cabo das Tormentas, local de encontro das correntes marítimas do Atlântico e Índico e 
ponto extremo da África, rebatizado de Cabo da Boa Esperança. Contudo, o navegador não 
prosseguiu viagem até a Índia, por recusa de sua tripulação. 
Somente dez anos depois, Vasco da Gama completou a viagem até a Índia. A rota usada 
por este comandante foi mais rápida que a de Bartolomeu Dias. Ao invés de navegar ao longo da 
costa africana, cruzou o Atlântico até próximo da costa brasileira, a favor dos alísios do norte e, em 
seguida, levado pelos ventos de oeste, chegou ao Cabo da Boa Esperança. Esse percurso foi 
chamado de “a volta do mar”. Em seguida, indo em direção ao norte, na costa oriental da África, 
Vasco da Gama conheceu as grandes cidades mercantis de Sofala e Melinde. Com base em 
informações de pilotos árabes, chegou a Calicute, na Índia, no dia 17 de abril de 1498. Nessa 
cidade, um dos maiores entrepostos mercantis do Oceano Índico, foi recebido pelo samorim 
(governante local), que pouco se interessou pelas mercadorias trazidas pelos portugueses. 
 
1.5 O império marítimo português 
A descoberta da América por Cristóvão Colombo, em 1492, à frente de uma frota 
espanhola, pôs a Espanha na corrida pelo caminho das Índias. O papa Alexandre VI, que era 
espanhol, publicou, em 1493, a bula Inter Coetera, dividindo todas as terras não cristãs, descobertas 
ou por descobrir, entre as duas grandes potências marítimas, Portugal e Espanha. Pela bula papal, a 
divisão do mundo seria feita por um meridiano traçado a 100 léguas a oeste da ilha de Cabo Verde. 
A Portugal caberiam todas as terras 
situadas a leste da linha, enquanto à 
Espanha caberia a parte a oeste. 
O rei João II protestou 
contra a divisão, pois acreditava 
existirem terras ao sul das ilhas 
descobertas por Colombo. Por isso, 
no ano seguinte, Espanha e 
Portugal assinaram o Tratado de 
Tordesilhas, retificando a divisão 
papal. Por esse tratado, nova 
partilha foi feita por um meridiano 
traçado a 370 léguas a oeste da ilha 
de Cabo Verde. Dessa maneira, sem 
que soubessem, os reis ibéricos 
estavam repartindo o território da 
América do Sul entre as duas 
coroas. 10 - A primeira missa no Brasil, óleo de Vítor Meirelles. 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 13 
Em 1500, partiu de Lisboa uma segunda expedição para as Índias, comandada por Pedro 
Álvares Cabral. A armada de Cabral, equipada com dez naus e três caravelas, desviou-se muito para 
Oeste na “volta do mar”, provavelmente de forma intencional, pois na viagem de Vasco da Gama 
foram observados indícios de terra naquele rumo. O navegador encontrou, assim, a costa do Brasil, 
aportando no sítio da atual cidade de Santa Cruz Cabrália (BA) em abril. O verdadeiro objetivo da 
armada de Cabral, no entanto, era a Índia, aonde o navegador chegou em setembro do mesmo ano. 
Em seguida, carregou suas naus com especiarias e voltou a Portugal. 
Nas primeiras décadas do século XVI, no entanto, a nova terra descoberta pouco 
interessou a Portugal. O domínio do comércio de especiarias da Ásia era muito mais importante, 
pois lhe dava grande vantagem em relação às demais nações européias. Quando da chegada dos 
portugueses, as rotas de comércio no Oceano Índico eram controladas por cidades-Estado 
indonésias, indianas e árabes. Os portugueses enviaram expedições armadas contra elas, e quase 
todas acabaram dominadas. Entre 1505 e 1507, conquistaram Sofala e Moçambique, na costa leste 
da África, localidades ricas em marfim e escravos e escalas obrigatórias na rota das especiarias. Em 
1510, tomaram Goa, que se tornou o maior centro de comércio da Índia. Anos depois, adquiriram, 
após negociação com o soberano local, outra cidade indiana, Diu. 
Em 1511, os portugueses apoderaram-se de Málaca, porto situado no estreito que é 
passagem obrigatória entre os oceanos Índico e Pacífico. Em todos estes lugares, construíram 
feitorias protegidas por fortalezas, para que não fossem retomados pelos nativos. Por volta de 1530, 
o tráfego no Índico já estava quase todo sob controle lusitano. 
 
 
11 - O Império Marítimo Português 
 
Como civilizações tão avançadas, como a Índia e os reinos islâmicos, puderam ser vencidos 
por um país tão pequeno como Portugal? Em primeiro lugar, porque não havia, no Índico, Estados 
centralizados que controlassem toda a atividade mercantil. As rotas asiáticas de comércio eram 
mantidas por uma multiplicidade de pequenos reinos e cidades-Estado, cuja resistência aos 
portugueses foi muito tênue e fragmentada. Além disso, na Índia, os Estados do interior do 
subcontinente se interessavam pouco pelo comércio marítimo. Na cultura hindu, a navegação era 
considerada atividade impura, reservada às castas inferiores. Por isso, os soberanos indianos não 
acreditavam que valesse a pena defender as rotas oceânicas das investidas lusitanas. 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 14 
A partir de meados do século XVI, Portugal estendeu sua rede mercantil até a China e 
Japão. Nesses países, contudo, enfrentou a oposição de Estados poderosos, protegidos por armadas 
e exércitos superiores aos de Portugal. Incapazes de dominar o comércio marítimo, como fizeram 
no Índico, tiveram que obter concessões dos governos locais para participar do comércio regional. 
Assim, com permissão do Imperador da China, fundaram a feitoria de Macau, em 1557, e se 
estabeleceram em Nagasaki, no Japão, em 1560. Barcos portugueses passaram a fazer o comércio 
de seda e prata entre Japão e China. Nessa época, o Império Marítimo Português atingiu o apogeu, 
estendendo-se pela Europa, América, África e Ásia e pelos três oceanos. 
 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 15 
2 Os Primeiros Tempos da Colonização 
2.1 Os povos indígenas antes da chegada dos europeus 
Quando os portugueses 
chegaram ao Brasil, a população nativa, 
estimada em um milhão de habitantes, 
era formada por quatro troncos étnico-
linguísticos: tupi-guaranis, jês, aruaks e 
karibs. Dentre eles, os tupi-guaranis e os 
jês (chamados de tapuias pelos tupis) 
constituíam a maior parte da população. 
Os tupi-guaranis eram 
originários da bacia amazônica, de onde 
migraram, a partir do ano 1000, em 
direção ao sul, pelos vales do rio 
Guaporé, Chaco e Pantanal do Mato 
Grosso. Dividiram-se em dois ramos: os 
guaranis, que povoavam os atuais 
territórios do Paraguai, Paraná, Santa 
Catarina e Rio Grande do Sul, e os tupis, 
que se espalharam pelo litoral brasileiro, 
de São Paulo até a Amazônia, e pelo vale 
do rio São Francisco. A migração tupi 
confrontou os jês, habitantes mais 
antigos dessas áreas, que recuaram para 
as porções mais interiores do território 
brasileiro. 
Os tupis organizavam-se em tribos, que ora se aliavam, ora travavam guerras entre si. As 
guerras tinham função ritual e eram muito freqüentes. Ocorriam, por exemplo, para que os homens 
pudessem obter mulheres fora de sua tribo. Entre determinados grupos, era comum a antropofagia 
ritual dos inimigos capturados em combate. 
Os povos que viviam no 
Brasilnão eram estratificados em 
classes sociais. A única divisão do 
trabalho que havia era sexual: 
enquanto as mulheres se incumbiam 
da agricultura, cerâmica e tecelagem, 
os homens cuidavam da guerra e da 
caça. Viviam em aldeias semi-
sedentárias, nas quais eram 
construídas grandes moradias (ocas), 
cada uma delas ocupada por uma 
família. As ocas cercavam um grande 
pátio central, onde eram realizadas 
danças cerimoniais e rituais religiosos. 
Em torno da aldeia, eram construídas 
paliçadas, para protegê-la dos ataques 
de tribos hostis. Os chefes eram 
escolhidos entre os guerreiros mais 
corajosos. 
Os tupis cultivavam milho, feijão, amendoim, mandioca e abóbora, em clareiras abertas por 
queimadas no meio da floresta, e armazenavam suas colheitas em grandes vasos de cerâmica. Não 
Tupinambá
Tu
pin
am
bá
Tupinambá
Guaranis
Guaranis
Mundurucu
Manau
Pareci
Yanomami
Tupinambá
Tu
pin
am
bá
Tupinambá
Guaranis
Guaranis
Mundurucu
Manau
Pareci
Yanomami
Kayapó do 
Sul Botocudo
Aimoré
Kaingang
Bororo
Xavante
Acroá
Timbira
Tabajara
Cariri
Kayapó do 
Sul Botocudo
Aimoré
Kaingang
Bororo
Xavante
Acroá
Timbira
Tabajara
Cariri
Povos tupi-guaranis
Povos jês
12 - etnias indígenas no Brasil na época da chegada dos europeus 
13 - tupinambás realizando o ritual da antropofagia. Gravura de Theodor 
de Bry (1564) 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 16 
dominavam a metalurgia e, por isso, a derrubada das matas era feita com fogo e machados de pedra. 
Plantavam nessas áreas abertas por três ou quatro anos. Em seguida, abandonavam-nas em favor de 
novas clareiras e reiniciavam o ciclo de cultivos. Não domesticavam animais, e complementavam 
sua alimentação com caça e coleta de frutas, raízes e folhas das matas e cerrados. Por habitarem o 
litoral, os tupis foram o primeiro povo nativo a entrar em contato com os portugueses. 
Ao tomar conhecimento da existência dos índios, os europeus travaram uma grande 
discussão religiosa e filosófica sobre como enquadrar essa nova humanidade, que não era citada na 
Bíblia ou nos textos clássicos dos gregos. Ordens religiosas, como a Companhia de Jesus, tendiam a 
ver nos índios almas puras, “papéis em branco”, nas palavras do jesuíta Manuel da Nóbrega. Nessa 
concepção, os índios seriam um ramo da humanidade isento de pecados, vivendo em liberdade e 
harmonia com a natureza edênica dos trópicos, e que, por isso, mereciam a salvação pela catequese. 
Por isso, o Papa proibiu a escravização dos índios em 1537. 
Essa concepção influenciou, posteriormente, os iluministas dos séculos XVII e XVIII, em 
suas idéias sobre o “estado de natureza”, isto é, a liberdade primordial da humanidade. Muitos 
colonizadores, por outro lado, tendiam a considerar os índios como subumanos ou mesmo 
diabólicos, por causa de costumes como a nudez e a antropofagia. No entendimento desses 
colonos, a natureza não-humana dos índios justificava sua escravização e extermínio. 
2.2 O período pré-colonial (1500-1532) 
Ao desembarcar na costa brasileira, 
em 1500, a armada comandada por Pedro 
Álvares Cabral incluiu a nova terra no 
Império Português, cuja extensão global já 
havia sido definida pelo Tratado de 
Tordesilhas. No entanto, a colonização do 
novo território só começou três décadas 
depois, em 1532. 
Logo após tomar conhecimento da 
existência de terras a oeste do Atlântico, a 
Coroa portuguesa enviou, em 1501, a 
primeira expedição de reconhecimento. 
Comandada por André Gonçalves, contava 
com o piloto genovês Américo Vespúcio. 
Gonçalves e Vespúcio percorreram 760 
léguas da costa, cartografando e dando 
nomes aos acidentes geográficos que 
encontraram no trajeto, pelos quais, desde 
então, tornaram-se conhecidos, como Bahia de Todos os Santos e Rio de Janeiro. 
A Terra de Santa Cruz era usada, de início, como escala na carreira da Índia, como eram 
conhecidas as viagens anuais de Portugal ao Oriente, que começaram a ocorrer em 1500. Não 
havia, então, grande interesse em colonizar a nova terra, uma vez que a maior promessa de riqueza 
estava no comércio com as Índias. 
Não obstante, os portugueses começaram a extrair pau-brasil, madeira comum na Mata 
Atlântica que os europeus usavam para produzir corantes de tecidos. Os índios, cada vez mais 
munidos de machados e facões que recebiam dos europeus, abatiam as árvores e levavam os 
troncos para a costa, onde eram trocados por mais ferramentas e outros artefatos com os 
comerciantes. Estes eram, na maioria, cristão-novos (judeus convertidos), que recebiam concessões 
oficiais da Coroa para praticar a exploração. Um deles, Fernão de Noronha, deteve o monopólio da 
atividade até 1505 e recebeu, a título de sesmaria, o arquipélago que hoje leva seu nome. Para fazer 
escambo com os índios, os portugueses ergueram feitorias no Rio de Janeiro, Cabo Frio e 
Itamaracá. 
Desde 1504, a extração do pau-brasil também era praticada pelos franceses. Luís XII, rei da 
França, não aceitava a divisão do mundo entre as duas potências ibéricas. Por isso, não coibia, e até 
14 - índios derrubando pau brasil, gravura de André Thevet 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 17 
estimulava, os mercadores de seu país a visitar a costa brasileira em busca da matéria prima. Os 
franceses procuraram estabelecer boas relações com as tribos tupis, em especial com os 
tupinambás, que habitavam a costa do Rio de Janeiro e Recôncavo Baiano. Graças à sua 
colaboração, puderam manter-se em atividade por muito tempo, a despeito das expedições 
punitivas enviadas por Portugal. Em 1516, numa dessas expedições, a armada comandada por 
Cristóvão Jacques aprisionou três galeões franceses na costa da Bahia, além de ter afundado outras 
embarcações na foz do Rio da Prata. 
2.3 As Capitanias Hereditárias 
A decisão da Coroa portuguesa 
de começar a colonizar o Brasil resultou 
da necessidade de encontrar novas 
fontes de recursos para compensar o 
déficit cada vez maior nas contas do 
Estado. A manutenção do imenso 
império marítimo, que se estendia do 
Japão às ilhas do Atlântico, gerava 
gastos elevados com armadas, fortalezas 
e a manutenção de centenas de 
burocratas e militares espalhados pelas 
mais de sessenta possessões 
portuguesas. 
Os problemas financeiros 
também eram agravados pelo luxo da 
corte de Lisboa e pelos altos salários e 
generosos privilégios recebidos pelos 
seus muitos burocratas, nobres e 
cortesãos. Além dos fatores financeiros, 
a decisão de dar início à ocupação do 
Brasil também considerou a presença 
ostensiva de traficantes franceses de 
pau-brasil no litoral. Os portugueses 
temiam perder para eles o território 
descoberto. 
Em 1531, Martim Afonso de 
Souza, nobre veterano das campanhas 
militares nas Índias, foi enviado à frente 
de uma expedição para dar início à 
colonização. Ao longo de sua viagem 
pela costa brasileira, construiu fortes, enviou entradas (expedições de reconhecimento) para o 
interior do território e, ao final de sua jornada, fundou São Vicente, a primeira vila do Brasil, no 
litoral do atual estado de São Paulo. 
Poucos anos depois, em 1534, a Coroa dividiu o território em quinze Capitanias Hereditárias, 
delimitadas por faixas lineares de terra perpendiculares ao meridiano de Tordesilhas e demarcadas a 
partir do litoral. Cada capitania foi cedida a um capitão ou donatário, em sua maioria militares da 
baixa nobreza e veteranos de missões na Índia. O sistema de capitanias já tinha um século de 
existência, pois havia sido usado na colonização dos arquipélagos dos Açores, na Ilha da Madeira e 
em Cabo Verde. 
No período colonial, as leis e os poderes das autoridades tinham a forma de delegações do 
poder pessoal do Rei aos seus súditos, efetivadas por documentos comocartas régias, forais e 
bandos. No Brasil, os donatários recebiam do soberano a Carta de Doação, por meio da qual eram 
estabelecidos seus direitos e obrigações. Por meio da Carta, obtinham a jurisdição sobre o território, 
o direito de condenar plebeus à morte, criar vilas e doar sesmarias. Por outro lado, eram-lhe 
15 - Mapa das capitanias Hereditárias de 1586 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 18 
vedadas a venda ou alienação da capitania, e o Rei podia cancelar a doação quando quisesse. O Foral 
era um documento dirigido aos colonos, estabelecendo seus direitos e deveres perante o donatário e 
o Rei. 
As sesmarias eram grandes porções de terra, geralmente três por três léguas1 em quadro 
(quase 400 quilômetros quadrados), dadas a particulares, com a obrigação de que fossem cultivadas 
em cinco anos. Caso não fossem utilizadas, eram retomadas pelo capitão-geral e podiam ser doadas 
novamente a outro proprietário. Não havia restrições de sangue ou de nobreza para quem quisesse 
se tornar sesmeiro, isto é, dono de uma sesmaria. A única condição exigida era que fosse cristão. 
Até 1548, a maioria das capitanias não havia gerado povoamento ou atividades econômicas 
relevantes. Em algumas, os donatários e colonos sofreram ataques de índios, como no Espírito 
Santo, Bahia e Ilhéus, e foram expulsos. Noutros casos, como no litoral norte (Rio Grande, Ceará, 
Maranhão e Pará), os donatários nem sequer se interessaram em tomar posse das doações que, por 
isso, foram devolvidas à Coroa. Apenas duas capitanias, São Vicente e Pernambuco, prosperaram. 
O sucesso de São Vicente explica-se pelo acesso privilegiado que seu donatário, Martim 
Afonso de Souza, tinha aos recursos do Estado, graças ao prestígio pessoal que gozava junto à 
Corte. Além disso, a costa da capitania era povoada pelos índios tupiniquins, que se aliaram aos 
portugueses. Esse fator, em especial, foi o que possibilitou a sobrevivência de povoações 
permanentes, como as vilas de São Vicente, Santos e, a partir de 1554, São Paulo. 
No caso de Pernambuco, a prosperidade se deveu à fertilidade natural dos solos do litoral 
da Zona da Mata, conhecidos como solos de massapé, e pela proximidade geográfica com a 
Europa. Esses fatores favoreceram a agricultura da cana de açúcar e a atividade dos engenhos, 
iniciados dias depois da posse da capitania pelo donatário Duarte Coelho. 
2.4 O Governo Geral 
Em 1548, o rei D. João III 
decidiu criar o Governo Geral do 
Brasil, no intuito de centralizar a 
administração da colônia. Contribuíram 
para essa decisão os déficits financeiros 
e o crescente endividamento do Reino, 
gerados pelos custos militares e 
administrativos do império marítimo, 
assim como o insucesso parcial da 
experiência das capitanias hereditárias. 
Além disso, a descoberta de 
ouro no Peru pelo espanhol Francisco 
Pizarro e, sobretudo, das riquíssimas 
minas de prata em Potosí, na atual 
Bolívia, em 1541, fizeram os 
portugueses acreditarem na 
possibilidade de localizarem metais preciosos na parte que lhes cabia da América do Sul. 
Tomé de Souza, ex-governador da Índia, foi nomeado primeiro governador geral do Brasil. 
Em 1549, chegou à Bahia à frente de uma expedição colonizadora com mais de 1.000 pessoas. No 
Recôncavo Baiano, fundou a cidade de São Salvador, para que se tornasse a sede do Governo Geral 
e do primeiro bispado do Brasil. Por meio de um Regimento, unificou as jurisdições de todas as 
capitanias, que passaram a se subordinar ao Governo. 
O documento também criava os cargos de ouvidor, responsável pela justiça; provedor mor, 
que supervisionava a arrecadação; e capitão mor, responsável pela guarda da costa. Logo depois da 
construção de Salvador, foram plantadas as primeiras lavouras de cana e erguidos os primeiros 
engenhos no Recôncavo. 
 
1
 Antiga medida portuguesa de distâncias, equivalente a 6,6 km. 
16 - Salvador, estampa de Reys Boeck, 1624 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 19 
2.5 Os jesuítas na Colônia 
A Companhia de Jesus, fundada em 1540 pelo espanhol Ignácio de Loyola, tornou-se a 
principal ordem religiosa da Igreja Católica durante a Contra Reforma. Um de seus mandamentos 
mais importantes era a total obediência ao Papa, o que acabou por torná-la autônoma frente aos 
governos absolutistas da Europa. Os jesuítas eram muito disciplinados, e subordinavam-se a uma 
hierarquia semelhante à das organizações militares. Influenciados pela doutrina de Santo Tomás de 
Aquino, acreditavam na força da conversão pela palavra e iluminação divina. Seu objetivo era 
converter o maior número possível de fiéis e, assim, tornar a Igreja mais forte na luta contra a 
Reforma protestante. 
Os jesuítas acreditavam que a 
América, com sua grande população 
indígena, poderia se tornar uma grande 
fortaleza da fé católica. Por isso, tornou-
se a principal frente missionária da 
Companhia. Para esses religiosos, os 
índios viviam em estado natural e eram 
puros e, por isso, suas almas mereciam a 
salvação. Sua conversão, ou catequese, 
deveria ser feita pela educação 
escolástica, o que fez dos colégios 
instituições centrais nas missões 
inacianas. Essas concepções relativas 
aos índios eram contrárias aos interesses 
dos colonos, que desejavam escravizá-
los. Por esta razão, choques entre jesuítas e colonos foram comuns em todo o período colonial. 
A expedição do primeiro governador geral ao Brasil foi acompanhada por um grupo de 
missionários jesuítas, chefiados pelo padre Manuel da Nóbrega. No período do segundo 
governador geral, Duarte da Costa (1553-1558), Nóbrega e outro jesuíta, José de Anchieta, foram 
responsáveis pela primeira iniciativa de catequese dos índios, ao fundarem São Paulo, o primeiro 
núcleo colonial do interior do Brasil. São Paulo surgiu como um povoado em torno de um colégio 
no planalto do Piratininga, além da Serra do Mar, na capitania de São Vicente. A fundação de São 
Paulo e a catequese dos índios 
tupiniquins, que viviam na região, 
foram facilitadas pela ação de um 
náufrago português, João Ramalho, que 
se tornou chefe indígena ao se casar 
com a filha do cacique local, o chefe 
Tibiriçá. 
2.6 A invasão francesa do 
Rio de Janeiro 
Como já foi visto, desde os 
primeiros anos do século XVI, 
navegadores franceses, em sua maioria 
comerciantes da Bretanha e 
Normandia, freqüentavam a costa 
brasileira em busca de pau-brasil. 
Contudo, foi somente em 1555 que o 
almirante Nicolas Durand de 
Villegagnon tomou a iniciativa de 
fundar uma colônia francesa no Brasil. 
O local escolhido foi a ilha de Seregipe, 
17 - Nóbrega e Anchieta na cabana de Pindobuçu, quadro de Benedito 
Calixto 
18 - ataque português à ilha de Seregipe. Gravura de 1560. 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 20 
na entrada da Baía da Guanabara, pois ali viviam os índios tupinambás, aliados dos franceses. Nesse 
lugar, Villegagnon fundou um núcleo colonial denominado França Antártica. 
A colônia foi financiada por investidores privados, quase todos nobres franceses, embora 
contasse também com a simpatia e o apoio do rei da França, Henrique II. Naquela época, a Europa 
vivia o auge das guerras religiosas, e conflitos entre católicos e protestantes eram comuns na 
França. Nesse contexto, mais de 600 colonos calvinistas (huguenotes) foram atraídos para a colônia. 
A eles foram oferecidas liberdade de culto e a oportunidade de se livrarem das perseguições que 
sofriam. 
Os portugueses decidiram dar fim à colônia francesa durante o mandato do terceiro 
governador geral, Mem de Sá (1558-1572). Em 1559, uma expedição marítima foi enviada para 
destruir o núcleo da ilha de Seregipe, sob o comando do próprio governador. Dois mil 
combatentes, entre portugueses e índios tememimós, atacarama colônia francesa, que resistiu por 
dois dias antes de se render. 
Em seguida, Estácio de Sá, sobrinho de Mem de Sá, recebeu em doação a capitania do Rio 
de Janeiro, desmembrada da antiga capitania de São Vicente. Ali, em 1563, fundou a cidade de São 
Sebastião do Rio de Janeiro, na entrada da Baía da Guanabara, para garantir a defesa contra novas 
incursões estrangeiras. Em 1567, um ataque dos franceses e tamoios destruiu o povoado, que foi, 
por isso, transferido para o Morro do Castelo, situado no interior da Baia da Guanabara. A nova 
localização possibilitava melhor defesa, por permitir a vigilância da entrada da baía. 
A derradeira batalha contra os franceses na região ocorreu em Cabo Frio, em 1575, quando 
400 portugueses, aliados a 700 índios, esmagaram a Maison de Pierre, o último reduto francês. O 
episódio marcou também a destruição da Confederação dos Tamoios, a grande aliança tupinambá 
que apoiava os franceses. Mais de 1.500 índios morreram nessa batalha, a maioria deles executados 
impiedosamente pelos portugueses. 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 21 
3 Economia e Sociedade no Brasil Colônia 
 
3.1 Controvérsias sobre a sociedade colonial 
Nas décadas de 1970 e 1980, historiadores como Caio Prado Júnior e Fernando Novaes 
acreditavam que a colonização teria servido a um único propósito: a produção de riquezas para a 
metrópole portuguesa. Esse era, segundo esses autores, o “sentido” da colonização. Todo o 
dinamismo da colônia estaria subordinado à lógica da economia de exportação, cujo objetivo era a 
acumulação de capital na metrópole. O trinômio latifúndio, monocultura/mineração e escravidão 
resumiria a essência da experiência colonial: 
Nos últimos anos, essas idéias foram revistas e, em parte, superadas. Novas descobertas, 
feitas por autores como Ciro Flamarion Cardoso, João Fragoso e Manolo Florentino, mostraram 
que a vida colonial era muito diversificada e complexa e, por isso, não se resumia apenas à 
agricultura e mineração destinadas à exportação. Esses historiadores tiveram acesso a novos 
documentos do período colonial, que não eram antes acessíveis ou valorizados, como inventários 
post-mortem e arquivos guardados na Torre do Tombo, em Portugal. 
Segundo esses pesquisadores, a colônia contava com uma grande população livre, formada 
por libertos, brancos pobres, pequenos proprietários, agregados e comerciantes, que 
movimentavam uma complexa economia interna. Essa parte da sociedade colonial produzia 
gêneros essenciais, como alimentos, vestimentas, artefatos de couro, animais de transporte, que 
eram consumidos no próprio mercado interno. Embora a escravidão fosse a relação de trabalho 
dominante, coexistia com outras formas, como o trabalho familiar nas pequenas posses de terra, a 
parceria e o assalariamento periódico. A constatação dessa diversidade social e econômica no 
período colonial, da qual fazia parte setores com outras motivações que não a acumulação de capital 
pela metrópole, impede que se fale de um único “sistema colonial”: 
Esses autores mostraram que, 
na colônia, as diferenças regionais 
eram maiores, e a estrutura social mais 
diversificada, do que concebiam os 
autores marxistas da segunda metade 
do século XX. 
Essa mudança de concepção 
é parte de uma transformação maior 
do pensamento, que vem ocorrendo 
desde os anos 90 do século passado, 
na qual as grandes explicações 
sistemáticas estão sendo abandonadas 
em favor da admissão de que os fatos 
históricos têm múltiplas causas, cujos 
resultados são sempre singulares. No 
lugar de rotular períodos e experiências históricas (“feudalismo”, “sistema colonial”, “acumulação 
primitiva de capital”), a grande tarefa dos historiadores, hoje, é entender o que realmente se passou, 
com todas as cores, emoções e vida que cada acontecimento teve. 
 
3.2 Estado e Igreja na Colônia 
No Brasil colonial, Igreja e Estado, embora estivessem ligados, eram instituições com 
poderes distintos. A Igreja era responsável pela maior parte do controle sobre a vida cotidiana das 
pessoas. O ensino, por exemplo, era ministrado exclusivamente por colégios mantidos por ordens 
religiosas, não existindo, portanto, escolas laicas. Outros aspectos da vida social, como batismo, 
19 - Casa de Câmara e Cadeia em Porto Seguro (BA). 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 22 
casamento e funerais, também eram regulados pela igreja. Era por meio desses rituais religiosos que 
os indivíduos passavam a ter existência oficial para a sociedade. 
O Padroado Real foi uma instituição criada em Portugal, pela Igreja de Roma, durante a 
expansão marítima. Por intermédio dele, o Papa delegou ao Rei a função de criar dioceses, nomear 
bispos e cobrar o dízimo devido à Ordem de Cristo. Para desempenhar essas funções, criou-se um 
órgão do Estado, denominado Mesa de Consciência e Ordens, à qual todo o clero secular (isto é, não 
ligado às ordens religiosas) se subordinava. 
Nas vilas e cidades, o poder local era exercido nas Câmaras Municipais, instituições que 
existiam desde a Idade Média e reproduzidas no Brasil. A construção de uma Casa de Câmara e 
Cadeia dava à localidade o status de vila. Assim, ela passava a ter direito a um termo (território 
municipal) demarcado. Não era o tamanho da população ou estrutura urbana o que diferenciava 
uma vila de uma cidade e, sim, o fato de que estas, diferente daquelas, sediavam dioceses ou 
bispados. 
Os vereadores das câmaras municipais eram escolhidos por votações das quais 
participavam apenas os homens bons, isto é, homens de posses que atestassem “pureza de sangue” 
(que não tivessem antepassados negros, indígenas, judeus ou árabes) e ausência de “defeitos 
mecânicos” (que não houvessem realizado trabalho braçal em nenhum momento de suas vidas). 
3.3 A Escravidão Colonial 
A escravidão existiu no Brasil, e em grande parte do continente americano, por mais de três 
séculos. Foi a experiência que mais profundamente marcou a sociedade brasileira: criou riquezas, 
povoou o país, gerou uma rica mistura de culturas, mas também deixou uma herança de 
mentalidades arcaicas, banalização da violência e racismo, com a qual convivemos até hoje. 
A escravidão na América não foi inventada durante a colonização, mas resultou de práticas 
que já existiam na Europa, antes da descoberta do Novo Mundo. Embora não fosse a forma 
dominante de sujeição ao poder pessoal, não era estranha aos europeus da Idade Média. Por 
exemplo, escravos muçulmanos eram explorados nas minas e plantações comerciais mantidas pelas 
cidades italianas no Mediterrâneo. Neste e em todos os outros casos, a prática era justificada pelo 
fato de os escravos, capturados em guerras tidas como “justas”, não serem cristãos. 
Dentre as várias formas de servidão pessoal existentes na Europa, os portugueses optaram 
no Brasil pela escravidão por um motivo fundamental. Havia um paradoxo entre a enorme extensão 
de terras disponíveis e a falta de trabalhadores que se dispusessem voluntariamente a cultivá-las, 
submetendo-se ao poder de grandes proprietários. Noutras palavras, escravizar pessoas, obrigando-
os a jornadas intensivas de trabalho, era a única maneira de gerar riqueza concentrada na vastidão 
do Novo Mundo. 
3.3.1 A Escravidão dos Índios 
No início da colonização, os 
índios foram os primeiros a serem 
explorados como escravos. Os colonos 
os capturavam em expedições de 
apresamento, ou os negociavam com 
tribos inimigas, após terem sido 
aprisionados em guerras. A partir do 
final do século XVI, os africanos (negros 
da Guiné) foram, aos poucos, 
substituindo os índios (negros da terra). 
Todavia, a escravidão indígena ainda 
sobreviveu por muitos anos nas regiões 
mais pobres da colônia, como em São 
Paulo, que só começou a receber 
escravos africanos no século XVIII, e 
na Amazônia, onde, atéo início do 
20 - Escravos índios. Litografia de Debret. 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 23 
século XIX, ainda se faziam “descimentos” de índios capturados na floresta. 
Do final do século XVI em diante, o aumento da exploração econômica, em especial pela 
atividade da cana de açúcar, gerou uma demanda por escravos superior ao que a captura de 
indígenas poderia suprir. Por isso, aumentou o tráfico de escravos pelo Oceano Atlântico, e os 
africanos passaram a predominar sobre os nativos. Vários fatores explicam essa substituição, entre 
eles a alta mortalidade dos índios, provocada pelas doenças trazidas pelos colonizadores, e a 
destruição de sua organização social, econômica e cultural, nas guerras ou no convívio com os 
europeus. Por causa dessa verdadeira catástrofe demográfica e social, houve rápido decréscimo da 
população indígena do Brasil entre os séculos XVI e XIX, o que tornava cada vez mais difícil a 
captura de escravos nativos. 
Antes do contato com os europeus, os índios viviam da caça e coleta nas matas e cerrados, 
complementando parcialmente suas economias com uma agricultura rudimentar. Uma vez 
escravizados, não estavam adaptados, nem dispunham de preparo técnico, para trabalhar em 
monoculturas agrícolas ou exploração mineral. Por terem maior ligação com o território e os povos 
nativos, tendiam a fugir e resistir mais à escravização do que os africanos. 
Outro fator que inibiu a escravização dos índios foi a proteção que as ordens religiosas 
davam a eles, em especial a Companhia de Jesus. Conflitos entre jesuítas, que desejavam reduzir os 
índios em aldeias e evangelizá-los, e os colonos, que queriam escravizá-los, foram constantes entre 
os séculos XVI e XVIII. Os padres da Companhia, por exemplo, foram banidos de São Paulo pelos 
colonos, em 1640, por causa de sua recusa em ceder os índios das aldeias aos fazendeiros. No 
Maranhão, durante a Revolta de Beckman, em 1684, os jesuítas também foram expulsos pelos 
fazendeiros. 
Também a Coroa, influenciada pelos religiosos, tendia a criar leis que protegessem os 
índios. Em 1680, a escravidão indígena foi abolida por decreto real, mas a lei foi praticamente 
ignorada. Em 1758, o Marquês de Pombal determinou outra proibição, desta vez com maior efeito 
prático. 
3.3.2 A Escravidão dos Africanos 
Os portugueses começaram a 
traficar escravos da África em 1442. 
Trazidos das feitorias de Arguim, Axim 
e São Jorge da Mina, eram vendidos em 
Portugal ou nas ilhas do Atlântico, em 
especial Madeira e Cabo Verde, onde se 
começava a praticar a agricultura da 
cana de açúcar. No Brasil, os primeiros 
escravos africanos foram trazidos em 
1532, na expedição colonizadora de 
Martim Afonso de Souza. Continuaram 
a chegar, ainda em pequeno número, 
nos anos seguintes, junto com os 
primeiros povoadores. Somente a partir 
de 1570, estabeleceu-se o comércio negreiro regular entre o Brasil e a África. 
A preferência dos portugueses pelos africanos se devia, em primeiro lugar, ao fato da 
Coroa poder taxar o tráfico transatlântico e, assim, obter ganhos, o que era mais difícil quando os 
escravizados eram os índios. Em segundo lugar, a prática da escravidão já era antiga na África, 
muito anterior à chegada dos europeus. Ao estabelecer feitorias negreiras na costa, os portugueses 
incentivaram as expedições de captura, feitas por caçadores de escravos locais. 
Com isso, a partir do século XV, desenvolveu-se na África uma importante economia 
baseada no escambo de escravos. Alguns reinos negreiros tornaram-se muito poderosos, como 
Ashanti e Daomé, situados no Golfo da Guiné. Outro fator que contribuiu para a preferência 
européia pelos africanos foi sua destreza no manejo da agricultura, pecuária e metalurgia, uma vez 
que eram originários de sociedades nas quais essas práticas eram muito antigas. 
21 - Castelo de São Jorge da Mina, no Gana. 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 24 
Durante o século XVI, 
a maioria dos escravos trazidos 
para o Brasil veio da costa da 
Guine (Bissau, Cacheu) e da 
Costa da Mina. Desenvolveu-
se, nos portos africanos, a 
prática do escambo, isto é, a 
troca direta de escravos por 
manufaturas produzidas na 
Europa (tecidos, ferramentas, 
armas de fogo) ou no Brasil 
(fumo e cachaça). Do início do 
século XVII em diante, a 
origem dos cativos se 
diversificou. Os portos da 
África Central e Meridional 
(Luanda, Benguela e Cabinda) tornaram-se os maiores exportadores, embora escravos também 
viessem de Moçambique, embarcados na “carreira da Índia”. A Costa da Mina, no entanto, 
manteve-se como o principal fornecedor para o Recôncavo Baiano até o século XIX. 
O trafico negreiro transatlântico, chamado de trato dos viventes ou infame comércio pelas 
crônicas da época, ocorria em condições subumanas. Isso ocorria porque o objetivo dos negreiros 
era realizar lucro máximo a cada carregamento. Assim, lotavam os porões dos navios com o maior 
número possível de cativos, mesmo que isso significasse a morte de muitos deles por sede, 
desnutrição ou doenças durante a travessia. Alguns estudos estimam em 15%, em média, os mortos 
ao final da viagem, em relação ao total de embarcados. 
Os principais portos por onde os escravos chegavam ao Brasil, no período colonial, eram 
Recife, Salvador, São Luis e Rio de Janeiro. Logo em seguida ao desembarque, os cativos eram 
colocados à venda em mercados, dos 
quais o Valongo, no Rio de Janeiro do 
século XIX, tornou-se o mais famoso. 
Algumas vezes, senhores de escravos os 
adquiriam diretamente nesses locais, 
porém o mais comum era que 
traficantes de outras regiões os 
comprassem, para revendê-los com 
lucro em outras partes do Brasil. O 
transporte, ou tráfico interno, era feito 
por barcos, ao longo da costa, ou por 
tropas de mulas, quando o destino era o 
interior do país. De 1570, quando o 
tráfico começou, até 1850, data de sua 
extinção, foram trazidos cerca de 4 
milhões de africanos para o Brasil. 
 
3.3.3 Ideologia e Economia da Escravidão 
Não houve nenhuma região do Brasil que não tenha tido escravidão. Diferente de outros 
países, como México e Estados Unidos, nos quais se limitou a determinadas partes do território, no 
Brasil a escravidão foi elemento central na formação da população, economia, mentalidades e 
cultura. Os escravos eram explorados em todos os tipos de atividade, desde as domésticas, 
passando pelo comércio, agricultura, pecuária, até a indústria. Correspondiam à parte motora da 
sociedade, isto é, a eles eram delegados todos os tipos de trabalho braçal. Por isso, o trabalho físico 
22 - Navio negreiro. Gravura de Rugendas. 
23 - Uma senhora e seus escravos em seu lar. Litografia de Debret. 
História do Brasil Luís Bustamante 
 
 
 25 
era ideologicamente associado à escravidão e, por isso, considerado indigno, chamado de “defeito 
mecânico” nos documentos da época. 
Essa visão pouco dignificante do trabalho 
existia inclusive entre as pessoas pobres. Também 
elas, assim que podiam, adquiriam escravos para se 
livrarem da obrigação do esforço físico. Até mesmo 
os ex-cativos, uma vez alforriados, tratavam de 
economizar recursos para comprarem seus próprios 
escravos. Dessa forma, embora tenham existido 
grandes senhores de imensos plantéis humanos, o 
mais comum era a fragmentação da posse de 
escravos nas mãos de milhares de pequenos 
proprietários de um ou dois cativos. A escravidão, 
portanto, era um valor compartilhado por toda a 
sociedade colonial, e não apenas restrito à elite. 
As atividades econômicas mais lucrativas, 
tais como a agricultura de gêneros voltados para a 
exportação e a mineração do ouro, tendiam a concentrar maior número de escravos. Por isso, as 
regiões que tiveram as maiores populações de cativos no período colonial foram aquelas

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