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Capítulo 6 A GEOPOLÍTICA GLOBAL DO PETRÓLEO 42.775 6.1 O petróleo como recurso estratégico Principal insumo energético no século 20 e também neste início de século 21, o petróleo se insere no cenário internacional com base em duas lógicas simultâneas: a econômica e a estratégica. A lógica econômica se vincula à sua condição de matéria-prima indispensável para o setor produtivo e para os serviços de todos os tipos. Sua exploração se sustenta em enormes investimentos, gerando recursos bilionários para o mercado de capitais, o que reforça ainda mais a inserção da indústria petrolífera em uma visão econômico-financeira liberal, cujo objetivo supremo é o lucro. Já a lógica estratégica tem a ver com o fato de que o petróleo é um recurso raro, não-renovável, desigualmente distribuído pelo planeta e, sobretudo, essencial para sobrevivência, a segurança e o bem-estar de todos os Estados. Nesse sentido, não pode ser encarado com uma simples mercadoria. O petróleo contribui para determinar a hierarquia no cenário internacional. “Para os países importadores de petróleo, a garantia das entregas de petróleo é a base da segurança econômica. Já entre os países exportadores, a posse das reservas petrolífera é o elemento dominante no pensamento econômico”, escreveu o cientista político Michael T. Klare1. No comércio mundial do petróleo, as políticas dos Estados na busca de poder e de riqueza se misturam com os interesses privados de grandes empresas capitalistas – elas mesmas, com muita freqüência, instrumentos de estratégias estatais. A crescente valorização dos hidrocarbonetos traz sérias implicações para o cenário geopolítico internacional. Há muita controvérsia em torno da ideia de que estamos no limiar de uma “corrida mundial” pelo controle das fontes de energia. Alguns especialistas argumentam que, na medida em que o comércio de petróleo ocorre nos marcos de um mercado global integrado, torna- se menos relevante o controle político sobre os países produtores ou a nacionalidade das empresas que exploram os recursos energéticos2. Já os autores que alertam para o risco de conflitos interestatais por energia enfatizam o papel da China na busca do acesso direto a reservas de petróleo e gás natural por meio de contratos com governos estrangeiros e da presença de empresas petroleiras chinesas, todas elas estatais, em projetos de exploração em um grande número de países, especialmente na África. Entre os episódios recentes que salientam o predomínio das considerações geopolíticas sobre os cálculos meramente comerciais 1 KLARE, Michael T. Resource Wars: The New Landscape of Global Conflict. New York: Metropolitan Books, Henry and Holt Company, 2001, p. 35. 2 MORSE, Edward. “The New Geopolitics of Oil”, The National Interest, Washington, Winter 2003-2004. quando está em jogo o controle de recursos energéticos, merece destaque a tentativa de compra, em 2005, da petrolífera estadunidense Unocal pela empresa chinesa CNOOC (China National Offshore Oil Corporation, em que o Estado detém 73% das ações). A Unocal, com sede na Califórnia, era uma companhia tradicional, com 115 anos de existência, dona de 1,8 bilhões de petróleo em reservas localizadas essencialmente no Sudeste Asiático, no Golfo do México e do Mar Cáspio. A Unocal havia recebido de outra empresa estadunidense, a Chevron, uma proposta de compra irresistível, no valor de US$ 16,8 bilhões, e se preparava para fechar o negócio, quando a CNOOC entrou em cena, com uma oferta de US$18,5 bilhões. Do ponto de vista da Chevron, a transação era importantíssima, pois a incorporação do estoque de hidrocarbonetos da Unocal a ajudaria a compensar a exaustão gradativa das suas reservas. Imediatamente, iniciou-se uma campanha política, articulada pela Chevron e por congressistas conservadores, para convencer o Congresso de que o controle da China sobre uma parcela –ainda que relativamente pequena – dos suprimentos estadunidenses constituiu uma ameaça à segurança nacional dos EUA. Finalmente, o Congresso condicionou o ingresso de empresas chineses no setor de energia a uma rigorosa investigação sobre a política energética da China, formando uma comissão que tinha quatro meses para apresentar suas conclusões. Como o prazo legal para a decisão dos acionistas da Unocal era de apenas duas semanas, a decisão legislativa teve o efeito prático de inviabilizar a oferta da CNOOC, que desistiu do negócio. Sozinha na parada, a Chevron comprou a Unocal, em um desenlace que revela ao mesmo tempo a preocupação dos estrategistas dos EUA com o avanço econômico da China e a hipocrisia do discurso liberal do “livre comércio”, utilizado pelos ideólogos do capitalismo sempre que se trata de abrir os mercados dos países em desenvolvimento aos investimentos e mercadorias dos países centrais. Na visão do cientista político Michael T. Klare, o episódio da Unocal revela a crescente influência que o temor da escassez de energia exerce sobre o comportamento dos Estados: “No novo sistema internacional de poder que se está se esboçando, podemos prever que a luta por energia deverá suplantar todas as demais considerações, que os líderes nacionais estarão dispostos até mesmo a atitudes extremas para garantir os suprimentos energéticos para os seus países e que a autoridade estatal sobre os assuntos de energia deverá se expandir tanto no plano doméstico quanto no da política externa. O petróleo deixará de ser essencialmente uma mercadoria, vendida e comprada no mercado internacional, para se tornar um recurso estratégico cuja aquisição, produção e distribuição irão, cada vez mais, absorver o tempo, o esforço e a atenção das mais altas autoridades civis e militares3.” Só o tempo dirá se a busca simultânea das empresas petroleiras dos EUA, da China e da Rússia por maior acesso e controle de recursos energéticos levará a um confronto estratégico no contexto de um quadro mundial de escassez. Entre os analistas que vêem com ceticismo a previsão de uma “guerra por recursos”4, encontra- se o analista Daniel Yergin, defensor da ideia de que os EUA não precisam se preocupar com a atuação de supostos concorrentes no exterior. “O investimento da China e da Índia no desenvolvimento de novos fornecedores de energia ao redor do mundo não é uma ameaça e sim algo a ser estimulado porque significa que haverá mais energia disponível para todos nos próximos anos”, escreveu5. Yergin recomenda às autoridades de Washington um esforço para envolver a China e a Índia no sistema global de comércio e investimento em energia, buscando inclusive o seu ingresso na Agência Internacional de Energia (AIE). 3 KLARE, 2008, p.7. 4 Título do livro de Michael T. Klare, Resource Wars,- The New Landscape of Global Conflict, New York, Metropolitan Books, 2001. 5 YERGIN, Daniel, Energy Under Stress. In: CAMPBELL, Kurt M.; PRICE, Jonathon, The Global Politics of Energy. Washington: The Aspen Institute, 2008, p.39. 6.2 Uma disputa com três jogadores principais: EUA, China e Rússia Nesse novo tabuleiro geopolítico da energia, três atores assumem um papel central: os EUA, a Rússia e a China. a)Estados Unidos – Nos EUA, os sucessivos governantes encaram com crescente preocupação a dependência dos suprimentos de energia importados, em especial o petróleo –matéria-prima que já foi definida como “o calcanhar-de-aquiles do império”. A trajetória do país nesse terreno é significativa:de maior exportador mundial de petróleo, ao final da II Guerra Mundial, os EUA hoje dia importam seis em cada dez barris do combustível que consomem, e sua hegemonia política se vê ameaçada pela incapacidade de controlar os preços e a oferta do insumo mais importante para a economia global. No entanto, como observa o analista francês Philippe Sébille-Lopez, “se o petróleo constitui realmente uma das raríssimas fraquezas da superpotência americana, os Estados Unidos são contudo a única potência a dispor atualmente não só de uma política energética e dos meios econômicos e militares dessa política no plano mundial, mas também no plano da segurança do seu encaminhamento”6. 6 SÉBILLE-LOPEZ, Philippe. Geopolíticas do Petróleo. Lisboa: Instituto Piaget, 2007, p.41. A política energética dos EUA é formulada na perspectiva das grandes companhias petroleiras estadunidenses (integrantes, juntamente com a BP e a Shell, do grupo chamado de “Big Oil”) e dos políticos que comandam os dois partidos relevantes, Democrata e Republicano, ambos fartamente beneficiados pelas doações de campanha das empresas petroleiras. O principal objetivo das autoridades de Washington, formulado no início do século XXI, é garantir uma oferta internacional de combustíveis em volumes cada vez maiores, de modo a atender ao projetado aumento da demanda durante as próximas décadas, até que a chamada “transição energética” se realize, com a substituição do petróleo por outras fontes de energia. Conforme já foi exposto no Capítulo 5, os EUA se orientam pela política que ficou conhecida como “estratégia da máxima extração”, entendida como um esforço de longo prazo para ampliar o controle sobre as reservas de hidrocarbonetos existentes no exterior ou, ao menos, persuadir os governos dos países dotados de recursos energéticos a permitir os investimentos estrangeiros necessários para aumentar a produção e expandir as exportações7. A “estratégia da máxima extração” tem como foco principal o Golfo Pérsico, onde se concentra a maior parte das reservas provadas de petróleo. Na ocasião do lançamento da National Energy Policy, em 2001, o indispensável aumento da oferta de combustível daquela região esbarrava em sérios obstáculos políticos, dos quais o 7 KLARE, 2004, p.83. mais grave era a presença de Saddam Hussein, um inimigo ostensivo dos EUA, à frente do governo do Iraque, país onde se situa a terceira maior reserva petrolífera do mundo, superada apenas pelas reservas da Arábia Saudita e do Irã8. Essa circunstância constitui, comprovadamente, o principal motivo para a invasão do Iraque por forças anglo-estadunidenses em 2003. Apesar da resistência de forças insurgentes iraquianas à ocupação, o que prolongou o conflito por nove anos e causou imensos custos (humanos, econômicos e políticos), a ação militar afastou um rival incômodo dos EUA na disputa pela hegemonia no Golfo Pérsico e trouxe o Iraque de volta ao mercado internacional9 do petróleo, ao mesmo tempo em que garantiu o controle de suas imensas reservas de hidrocarbonetos por transnacionais, com destaque para as empresas estadunidenses e britânicas. A mesma lógica ajuda a entender a campanha dos EUA contra o regime teocrático iraniano. O Irã também poderia contribuir para o alívio da escassez de petróleo no futuro, se não fosse alvo de um boicote internacional promovido pelos EUA e seus aliados europeus. Ocorre que, por motivos políticos, o chamado “Ocidente” rejeita a normalização da presença do Irã no mercado global de combustíveis, já que a ampliação da receita petroleira iraniana 8 De acordo com a edição de 2011 do BP Statistical Review of World Energy, a Arábia Saudita possui em suas reservas 264 barris de petróleo, o Irã, 137 bilhões de barris, e o Iraque, 115 bilhões. 9 Durante a maior parte do período entre as duas guerras contra os Estados Unidos (1990-91 e 2003), o Iraque era autorizado a comercializar sua produção mediante um estrito controle internacional, nos termos do esquema denominado “petróleo por comida”. levaria ao fortalecimento do regime de Teerã – o principal adversário à hegemonia dos EUA no Oriente Médio. Complicadores políticos também afetam a aplicação da política energética estadunidense em outras partes do globo. Na Ásia Central, os EUA e seus aliados da União Europeia atuam com o objetivo de afastar as ex-repúblicas soviéticas da região do Mar Cáspio (várias delas dotadas de promissoras reservas de hidrocarbonetos) da esfera de influência da Rússia e garantir que o petróleo e o gás natural produzidos naquela região tenham como destino preferencial a Europa. Na busca desses objetivos, o principal instrumento é a construção de uma rede de gasodutos ligando diretamente os fornecedores da Ásia Central à Turquia, o único país do Oriente Médio a integrar a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, a aliança militar liderada pelos EUA). Na América Latina, os EUA buscam a garantia do acesso de suas empresas aos recursos energéticos lá existentes da forma mais lucrativa possível, de acordo com as regras liberais do mercado capitalista. Por isso, o governo estadunidense combate de todas as formas o “nacionalismo de recursos”, incorporado à política de Estado em diversos países sul-americanos a partir do início do século atual. Trata-se, acima de tudo, de neutralizar a influência do presidente venezuelano Hugo Chávez, que utiliza a posição privilegiada do seu país como um dos maiores produtores mundiais de petróleo para desafiar a hegemonia regional dos EUA. b) China – A garantia dos recursos energéticos necessários para manter o crescimento econômico e ampliar as capacidades militares do país é um objetivo situado no topo das prioridades estratégicas chinesas. Em 2030, calcula-se que a China precisará de 15 milhões de barris de petróleo diários, dos quais apenas 4 milhões serão produzidos internamente. Diante do duro desafio de obter os restantes 11 milhões de barris, o governo chinês adotou três prioridades estratégicas10: - diversificar os fornecedores externos de energia, de modo a reduzir o impacto de um eventual corte de suprimentos, por motivos naturais ou políticos; - utilizar, ao máximo possível, o petróleo e o gás natural transportados por via terrestre (oleodutos e gasodutos), em vez de meios marítimos, a fim de diminuir sua vulnerabilidade a um bloqueio naval ou a sanções econômicas (por exemplo, um embargo imposto pelos EUA em represália a ações militares da China contra Taiwan); - lançar suas empresas petrolíferas estatais ou semi-estatais em um enorme esforço para obter o controle de reservas de hidrocarbonetos pelo mundo afora. O empenho chinês em diversificar as fontes de suprimento de petróleo se traduz na mudança ocorrida a partir de 1996, quando 10 KLARE, 2008, p.75. apenas três países fornecedores (Indonésia, Omã e Iêmen) respondiam por 2/3 das suas importações. Hoje, o leque dos fornecedores é bem mais variado, incluindo, além dos antigos parceiros, Irã, Cazaquistão, Angola, Sudão e Venezuela. Nota-se, nessa lista, a presença de países que mantêm relações conflituosas com os EUA. Sem dúvida, esse comércio desagrada ao governo estadunidense – inclusive porque, algumas vezes,as transações envolvem a venda de armas chinesas –, mas também, paradoxalmente, acaba sendo compatível com os objetivos de política energética dos EUA. Como observou o analista Philippe Sébille-Lopez, os estrategistas de Washington “sabem perfeitamente que é preciso, a qualquer preço, estimular a oferta mundial, sobretudo onde suas próprias sanções impedem as companhias internacionais de cumprirem esse papel”11. No tocante ao objetivo chinês de priorizar os abastecimentos terrestres, os olhares de Pequim estão voltados para as ricas reservas de hidrocarbonetos da Rússia e dos países da Ásia Central. Nesse terreno, a estratégia da China se encontra em harmonia com os interesses da Rússia, seu parceiro na Organização de Cooperação de Xangai (OCX). ........................................................................... 11 SÉBILLE-LOPEZ, 2007, p.268. SAIBA MAIS A Organização de Cooperação de Xangai (OCX) foi criada em 2001, por iniciativa da China, para lidar com questões de segurança e resolver conflitos fronteiriços, mas direcionada, cada vez mais, para a meta geopolítica de bloquear a influência dos EUA na Ásia Central e, especialmente, impedir a instalação de bases militares estadunidenses por lá. Os membros do OCX são China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Usbequistão. O Irã participa como membro observador. ..................................................................................... As declarações de um importante especialista chinês, Yan Xuetong, diretor do Instituto de Estudos Internacionais na Universidade de Tsinghua, em seminário no Instituto de Estudos do Pacífico Asiático (um dos braços da Academia de Ciências Sociais da China), em 2011, lançam luz sobre a estratégia chinesa na Ásia Central: “Criamos a Organização de Cooperação de Xangai com o objetivo de resistir à intenção estratégica dos EUA de estender seu controle militar até a Ásia Central. A intenção dos EUA de por a Ásia Central sob sua esfera de influência militar foi abortada. Com a OCX, as relações entre China e países da região melhoraram muito. Para estabelecer com os países à sua volta relações ao estilo das relações que há na OCX, a China deve (…) criar parcerias estratégicas muito firmes com aqueles países. Sem isso, a China não conseguirá construir relações internacionais mais amigáveis que as que os EUA constroem12”. Desde o início do atual século, a China e a Rússia têm procurado compartilhar os benefícios do acesso aos suprimentos baratos de energia da Ásia Central. A Rússia está construindo gasodutos para exportar energia da Sibéria Oriental para os mercados asiáticos, mais próximos das reservas de gás daquela região dos que a Europa. Já o gás natural russo extraído da Sibéria Ocidental, mais próximo do próximo do continente europeu, continuará sendo exportado para a Europa, a menos que os preços na Ásia se tornem tão compensadores a ponto de justificar a construir de gasodutos que desviem o fluxo de gás do oeste para o leste. O estreitamento dos vínculos entre China e Rússia no campo da energia é motivo de preocupação em Washington, conforme se depreende desse comentário de dois analistas estadunidenses muito próximos à Casa Branca, Amy Myers Jaffe e Ronald Soligo: “Embora ainda sejam necessários alguns anos até que a Rússia construa toda a enorme infra-estrutura necessária para ampliar seu fornecimento de energia para a China, a intensificação do relacionamento entre a Rússia e a 12”Energia e geopolítica: a batalha pela Ásia Central”, Asia Times Online, M. K. Bhadrakúmar, 9 de junho de 2011. China poderá se tornar problemático para os EUA no futuro. No mais extremo dos cenários, um conflito militar entre Ocidente e uma aliança russo-chinesa – talvez motivado por questões territoriais ou outro assunto sem relação com energia – pode levar Moscou a utilizar sua vendas de energia para a Europa como uma ameaça, o que aumentará a gravidade daquelo conflito”13. A busca chinesa do acesso, controle e exploração de novas reservas é uma tarefa que mobiliza as três principais companhias petrolíferas dirigidas pelo Estado: a China National Petroleum Corporation (CNPC), a China National Petrochemical Corporation (Sinopec) e a China National Offshore Oil Corporation (CNOOC). Essas empresas combinam o controle e a propriedade estatais com a participação do capital privado em um grande número de empresas subsidiárias, dotadas de um alto grau de autonomia operacional e financeira. Em última instância, porém, todas elas se orientam por estratégias estatais e estão voltadas para a prioridade máxima da busca de recursos energéticos no exterior. As autoridades chinesas costumam dar preferência às alianças com as empresas nacionais de petróleo (NOCs, na sigla em inglês) de países produtores, como a Saudi Aramco, a Nigerian National 13 MYERS, Amy; SOLIGO, Ronald. Militarization of Energy: Geopolitical Threats to the Global Energy System, Energy Forum – James A. Baker III Institute for Public Policy of Rice University, Houston (TX), 2008, p.37. Petroleum Corporation, a Gazprom (Rússia), a PdVSA (Venezuela) e Petrobras. Um exemplo típico é o acordo de “parceria petroleira estratégica” firmado em 1999 entre a Sinopec e a Saudi Aramco. Por esse acordo, a Sinopec se compromete a investir no desenvolvimento de campos de gás natural e petróleo na Arábia Saudita, enquanto a Aramco ingressa como sócia em refinarias e usinas petroquímicas na China. Outra iniciativa importante é o acordo de cooperação da empresa chinesa CNPC com o governo venezuelano a fim de desenvolver a exploração de petróleo extra- pesado na Faixa do Orenoco. c) Rússia – Graças às suas exportações de petróleo e gás e também ao aumento do preço desses produtos, a Rússia logrou um impressionante crescimento econômico desde meados da década de 1990. Nas próximas décadas, deverá elevar ainda mais sua dimensão estratégica, na medida em que as dificuldades nos suprimentos de energia em outras regiões do mundo tornarão suas reservas ainda mais importantes. As autoridades russas, sob a liderança de Vladimir Putin, adotaram uma estratégia de inserção internacional que tem como principal alicerce o uso do imenso potencial do país no terreno da energia para recuperar a posição de grande potência que a Rússia exercia no período da Guerra Fria, como núcleo político e geoeconômico da extinta União Soviética. O elemento principal nesse projeto é o alto grau de dependência da Europa em relação aos suprimentos de energia da Rússia, fornecidos por uma rede de gasodutos e oleodutos. A Alemanha, por exemplo, recebe da Rússia 40% do gás e 20% do petróleo que consome. O Leste Europeu e os países bálticos (Lituânia, Estônia e Letônia), assim como a Ucrânia e Belarus, são ainda mais dependentes dos suprimentos russos de energia – um legado do período soviético. O acelerado crescimento econômico da China, da Índia e de outros países asiáticos também contribui com os objetivos da política externa de Moscou, já que grande parte das reservas russas de hidrocarbonetos se situa no leste da Sibéria, o que facilita as exportações para o mercado asiático. No médio prazo, a Rússia poderá vir a ser um grande fornecedor de gás e petróleo para China, Coréia do Sul, Índia, Japão e países do Sudeste Asiático. A importância da Rússia como atorgeopolítico se sustenta, em grande medida, na sua posição central no cenário energético na Eurásia. O país, que separa geograficamente a Europa da Ásia, controla a maioria das rotas construídas no período soviético e mantém vínculos privilegiados com as ex-repúblicas soviéticas do entorno do Mar Cáspio, quase todas elas dotadas de reservas significativas de petróleo e gás natural. Nessa região, a Rússia trava uma intensa disputa com os EUA, que desde o fim da União Soviética, em 1991, tratam de aproveitar o anseio dos governantes dos jovens Estados da Ásia Central por maior autonomia perante Moscou para atraí-los ao campo geopolítico de influência estadunidense. Esse esforço se expressa, no terreno econômico, pelos contratos bilionários de empresas anglo-estadunidenses para exploração de hidrocarbonetos no Azerbaijão, Cazaquistão e outros países, e também pela construção de gasodutos voltados para a exportação de recursos energéticos diretamente para a Europa, sem passar pela Rússia ou pelo Irã. Em oposição ao projeto estratégico estadunidense, a Rússia está firmemente empenhada em impedir o avanço dos EUA na Ásia Central, de modo a manter a Europa dependente de remessas energéticas sob o controle russo e, ao mesmo, estabelecer uma posição privilegiada também como fornecedora de hidrocarbonetos para os países asiáticos. A Rússia também pretende elevar o seu poder geoestratégico por meio da colaboração com o Irã. Moscou tem fornecido equipamento e tecnologia militar ao regime dos aiatolás e tem utilizado o seu poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas para bloquear sanções contra as supostas atividades nucleares iranianas. Embora o Irã e a Rússia sejam competidores em potencial pelo acesso aos mercados europeus de gás, a possibilidade de uma aliança entre os dois no terreno da energia pode representar uma séria ameaça à política energética dos EUA e da União Europeia. 6.3 O grande jogo dos gasodutos na Eurásia O contexto geopolítico da Ásia Central tem sido comparado, com frequência, ao “Grande Jogo”, como ficou conhecida a prolongada disputa, no século 19, entre o Império Britânico e a Rússia czarista, duas potências imperialistas empenhadas em estender os seus domínios coloniais sobre aquela região, aproveitando-se do recuo do Império Otomano (turco), em declínio. Hoje, o “Grande Jogo” é muito mais complexo. Entre outros motivos porque, em primeiro lugar, é necessário levar em conta um terceiro jogador importante, a China. Em segundo lugar, porque na atualidade os recursos em disputa se encontram sob a jurisdição de Estados soberanos, em lugar dos canatos do século XIX, formas débeis de poder tribal. Finalmente, não se trata, agora, de anexações territoriais, mas de negócios nos quais o desafio é compatibilizar os interesses de múltiplos atores, o que jamais pode ser obtido simplesmente pela coerção. Na versão atual do Grande Jogo, as rotas do transporte de energia desempenham um papel tão importante quanto o controle direto sobre a exploração de hidrocarbonetos. Nesse sentido, desenvolve- se uma corrida em que EUA e Rússia, cada qual por seu lado, empenham-se na instalação redes concorrentes de oleodutos e gasodutos com roteiros cuidadosamente traçados para fortalecer seus interesses geopolíticos. Na década de 2000, a principal cartada dos EUA foi a construção do oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan (BTC), que leva o petróleo do Azerbaijão até um porto da Turquia no Mediterrâneo, passando, no trajeto de 1.760 quilômetros, pela Geórgia – três países firmemente situados na área de influência direta dos EUA. A obra, que custou US$ 3,6 bilhões (financiados graças ao apoio do governo dos EUA), foi apenas o primeiro passo na implementação da política estadunidense de “múltiplos dutos” para transportar ao Ocidente os recursos energéticos da Ásia Central. Conforme explicou em 1999 o secretário de Energia dos EUA, Bill Richardson, o BTC não é “apenas mais um oleoduto”, mas “uma estrutura energética que promove os interesses nacionais de segurança dos Estados Unidos”14. Não por acaso, a região do Mar Cáspio é citada, no documento oficial estadunidense National Energy Policy, de 2001, como uma das fontes da diversificação dos suprimentos de energia dos EUA, do mesmo modo que a África15. Até 2012, somente o gás do Azerbaijão era transportado pelo BTC, mas os EUA tinham planos de estender o oleoduto ao redor ou por baixo do Mar Cáspio para canalizar o fornecimento de hidrocarbonetos do Cazaquistão, que atualmente fluem através da Rússia. Outro projeto de Washington é o de duplicar o sistema de tubos do BTC, agregando a ele um gasoduto, que se chamaria Baku- Tbilissi-Erzorum, em referência ao porto na Turquia onde seria instalada uma usina de liquefação de gás para o seu transporte à Europa, em navios-metaneiros. O sucesso do gasoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan estimulou os EUA e a União Europeia a levarem adiante projetos ainda mais ambiciosos. 14 SÉBILLE-LOPEZ. 2007, p.182. 15 ESTADOS UNIDOS, The White House. Reliable, Affordable, and Environmentally Sound Energy for America’s Future – Report of the National Energy Policy Development Group, 16 de maio de 2001. Entre eles, destaca-se o consórcio multinacional para a construção do gasoduto Nabucco, projetado para transportar gás natural do Mar Cáspio para a Europa Ocidental sem atravessar a Rússia. O traçado do Nabucco tem seu ponto inicial no campo gasífero off shore de Shah Deniz, operado pela BP no litoral do Azerbaijão, estendendo-se por 3.300 quilômetros – distância equivalente ao trajeto entre São Paulo e Fortaleza – através da Geórgia, Turquia, Bulgária, Romênia e Hungria, terminando em Baumgarten, na Áustria. Mas o Nabucco enfrenta difíceis obstáculos, a começar pelo custo multibilionário, que mantém a captação de recursos financeiros paralisada desde o início da crise econômica global, em 2008. Existe também o receio dos possíveis investidores quanto aos conflitos étnicos e geopolíticos na Geórgia, onde minorias russas protagonizam movimentos separatistas com o apoio de Moscou. Outro complicador diz respeito à incerteza em relação à fonte dos suprimentos do Nabucco, já que as reservas do Azerbaijão se mostram insuficientes para atender o BTC e o Nabucco ao mesmo tempo. A solução é recorrer às reservas de gás natural do Turcomenistão, que, no entanto, parece firmemente integrado ao projetos de energia da Rússia e da China. Divergências dentro da UE dificultam ainda mais a viabilização do Nabucco. A Alemanha, ansiosa por assegurar os seus suprimentos energéticos, já deixou claro que sua prioridade é a parceria com a Rússia no projeto do Nordstream, um gasoduto de US$ 12 bilhões que está sendo construído por baixo do Mar Báltico, ligando diretamente a cidade russa de Vysborg a Greifswald, na Alemanha, sem passar pelos países bálticos, Polônia ou Suécia. A construção do Nordstream, cujo principal executivo é o ex-primeiro- ministro alemão Gerhard Schroeder, deverá aprofundar a dependência da Alemanha em relação aos suprimentos energéticos da Rússia, num contexto em que a demanda europeia por gás natural importado deverá crescer dos atuais 40% para 70% em 202016. Essa perspectiva desagrada especialmente os estrategistas de Washington, temerosos de que o adensamento das relações entre a Rússia e a Alemanha no campo energético enfraqueça a aliança entre a UE e os EUA, erodindo os alicerces da Otan e a liderança estadunidense na Europa. Os russos, em resposta às incursõeseuro-estadunidenses na Ásia Central, também desenvolvem projetos de novos dutos para o transporte de hidrocarbonetos na região. A aposta principal é o gasoduto South Stream, resultado de uma parceria entre a Gazprom (russa) e a ENI (italiana). Seu trajeto passará por baixo do Mar Negro, entre a Rússia e Bulgária, seguindo para a Grécia e a Itália. Um acordo para a construção do South Stream foi assinado pelos presidentes da Rússia, da Bulgária e da Sérvia em 2008. Outro projeto importante é o Blue Stream, um gasoduto de 1.213 quilômetros entre a localidaade de Izobilnoi, perto de Stavropol, na 16 STENT, 2008, p. 84. Rússia, e a capital da Turquia, Ancara, através de Samsun, no litoral turco. A obra inclui um trecho de 396 quilômetros abaixo do Mar Negro, a 2.150 metros de profundidade, o que a torna o tubo mais profundo do mundo, entre oleodutos e gasodutos. O Blue Stream, em funcionamento desde 2002, é o resultado de um contrato entre a Turquia e a Rússia que prevê um aumento progressivo das remessas de gas natural russo à Turquia até atingir, em 2010, 16 milhões de metros cúbicos diários. O empreendimento é presidido pela empresa russa Gazprom e teve sua maior parte financiada pela companhia petrolífera italiana ENI17. A Gazprom adquire, dessa maneira, uma influência crescente sobre o fornecimento de gás natural para a Europa. Ainda assim, persiste no ar uma pergunta decisiva, que a especialista estadunidense Angela Stent formulou nos seguintes termos: “Será a Rússia capaz de produzir gás natural suficiene para atender ao mesmo tempo o crescente consumo doméstico e os volumes a serem exportados pelos gasodutos¿18”. A produção gasífera da Gazprom tem crescido a uma proporção de 2% ao ano e a empresa está muito longe de realizar os investimentos necessários para ampliar a exploração de gás nos níveis requeridos para atender seus contratos com a Europa Ocidental. Acredita-se que a Rússia pretende tirar o máximo proveito de sua posição geográfica privileigiada, como elo de ligação entre a Ásia e a Europa, para utilizar os recursos de seus 17 SÉBILLE-LOPEZ, 2007, p.181. 18 STENT< 2008, p.84. vizinhos da região do Mar Cáspio, que seriam então revendidos e exportados pela rede de gasodutos sob controle de Moscou, preservando ao mesmo tempo as reservas russas ainda não exploradas para aproveitamento em décadas futuras, quando se prevê que os preços dos hidrocarbonetos alcancem patamares muito mais elevados que os atuais. Outra preocupação entre os estrategistas pró-EUA diz respeito ao risco de que a Rússia venha se valer da dependência da Europa Ocidental em relação aos recursos energéticos russos para impor concessões políticas aos governos importadores. De acordo com Angela Stent, esse receio se justifica ao menos em parte, conforme ela explica: “A Rússia e a Europa mantém uma relação de interdependência assimétrica, na qual a Europa é, supostamente, mais vulnerável a evetuais cortes de fornecimento do que a Rússia é vulnerável à perda das receitas europeias. (...) A verdade é que a Rússia e a Europa dependem uma da outra e assim permanecerão pelo futuro previsível. A diferença é que a Europa parece dispor de menos meios para exercer pressão sobre a Rússia. Afinal, o governo de uma Alemanha democrática não poderia ameaçar a Rússia com o corte de suas importações de gás se isso fosse deixar a população da Baviera – estado alemão que recebe quase a totalidade da sua energia da Rússia – no escuro e passando frio19”. Até o momento, as tensões geopolíticas em torno de suprimentos de energia se limitaram aos episódios de interrupção das remessas de gás natural da Rússia para a União Europeia pelos gasodutos que atravessam a Ucrânia e outros países do Leste Europeu. Em janeiro de 2006, uma disputa em torno dos preços do gás exportado pela Rússia para a Ucrânia resultou no fechamento do principal gasoduto que abastece o centro e o leste da Europa, provocando uma crise energética no período mais frio do inverno. A Rússia, na ocasião, cortou as remessas de gás para o país vizinho em resposta à recusa do governo ucraniano em aceitar uma elevação de preços com base nas cotações internacionais – a Ucrânia pagava cerca de US$ 50 para cada 1 mil metros cúbicos de gás, quando os preços cobrados da Europa Ocidental eram superiores a US$ 220 pelo mesmo volume. A Ucrânia reagiu desviando uma parte do gás russo que passava por seu território em direção ao oeste a fim de atender à demanda doméstica, o que gerou desabastecimento em vários países. Evidentemente, o ato de força praticado por Moscou transcende as divergências comerciais. O conflito energético russo- ucraniano só faz sentido no contexto dos atritos políticos a partir da chamada Revolução Laranja, ocorrida dois anos antes, em que os 19 STENT, 2008, p.87. ucranianos substituíram, com apoio dos EUA, um governo pró- russo por dirigentes decididos a reduzir a influência russa no país e a aproximá-lo do Ocidente, buscando até a mesmo a adesão à Otan. A crise regional de 2006 – sucedida por várias outras, quase ao ritmo de uma por inverno20 -- realçou a importância estratégia da Rússia como ator geopolítico que ocupa o epicentro do cenário energético na Eurásia. Com a vitória do candidato pró-russo Viktor Yanukovitch nas eleições presidenciais da Ucrânia em fevereiro de 2010, os dois países se aproximaram no plano político, o que automaticamente fez desaparecer os conflitos no campo da energia. Mas um foco permanente de tensão continua ativo na Geórgia, palco de um breve conflito militar entre tropas russas e georgianas, em 2008. Essa pequena república ex-soviética se tornou uma aliada estratégica dos EUA a partir da década de 1990, quando o governo do presidente Bill Clinton atribuiu à Geórgia o papel de “corredor energético”, dentro do esforço de promover a exportação dos hidrocarbonetos da Ásia Central para a Europa à margem do território russo. Para garantir a segurança da rede de gasodutos e 20Crises regionais semelhantes se repetiram no inverno de 2006/2007, quando a Rússia ameaçou cortar os suprimentos da Bielorússia e da Geórgia – que se renderam às exigências russas de revisão dos preços –, e, outra vez, no início de 2009, situação em que alguns países da Europa Ocidental ficaram sem gás devido a uma nova disputa entre os governos russo e ucraniano. oleodutos que começou a ser construída através da Geórgia, o governo estadunidense financiou a construção de um forte dispositivo militar georgiano, treinado e equipado pelos EUA. Mais: em uma iniciativa que irritou profundamente as autoridades russas, propôs o ingresso da Geórgia como membro pleno da Otan, em ritmo rápido. Ocorre que, como legado do período soviético, a Geórgia enfrenta duas complicadas questões territoriais não-resolvidas, que resultaram em movimentos separatistas nas províncias da Abkházia e Ossétia do Sul, cujos habitantes – etnicamente russos – recusam a autoridade política georgiana e reivindicam a incorporação dessas regiões à Rússia. Em 7 de agosto de 2008, após uma série de escaramuças entre forças governamentais e milícias separatistas, o presidente georgiano Mikheil Saakashvili enviou tropas que invadiram a província separatista da Ossétia do Sul, em um esforço para capturar sua capital, Tskhinvali. Foi o motivoque o presidente russo Vladimir Putin estava aguardando para fazer valer a hegemonia da Rússia na região e, por tabela, demonstrar a vulnerabilidade dos dutos ocidentais através da Geórgia. As forças armadas russas intervieram no conflito e derrotaram facilmente o exército georgiano, em poucos dias de combates. Uma trégua foi assinada, mas a Rússia reconheceu a soberania das duas províncias em disputa. A derrota militar e política da Geórgia sinalizou claramente para os atores externos e para os demais governos da Ásia Central que a Rússia está disposta a usar todos os meios, inclusive militares, para manter sob seu controle os recursos energéticos da região. 6.4 A corrida para a África Com a crescente valorização comercial dos recursos de energia a partir do início do século XXI e o aumento das preocupações estratégicas decorrentes do risco de escassez de petróleo, a África tem se tornado um foco da cobiça das principais companhias internacionais de hidrocarbonetos. A disputa pelo controle das ricas reservas africanas envolve tanto as empresas tradicionais, com matriz nos EUA e Europa, quanto companhias estatais da China e de outros países emergentes, empenhadas na disputa por acordos com os governantes africanos para a exploração do petróleo e do gás natural. As empresas chinesas obtiveram nos últimos dez anos direitos de exploração petroleira em Angola, Chade, Guiné Equatorial, Líbia e Nigéria, além de já liderarem a produção nos ricos campos petrolíferos do Sudão. Conforme explica Michael T. Klare, o passado colonial da África gera condições privilegiadas para os investidores estrangeiros, que lá obtêm margens de lucros e regras mais favoráveis do que as vigentes em outras partes do mundo: “O que torna a África tão tentadora atualmente é exatamente o mesmo que a levou a atrair predadores estrangeiros nos séculos anteriores: a vasta abundância de matérias-primas vitais em um continente profundamente dividido, politicamente débil e ostensivamente aberto à exploração internacional. (...) Por causa das sua história atormentada, a África carece das defesas contra a exploração estrangeira dos recursos que outras regiões previamente colonizadas estabeleceram com o tempo. A descolonização da região é relativamente recente – as colônias portuguesas, por exemplo, só conquistaram a independência em 1975. Com poucos profissionais qualificados, os países africanos não tiveram escolha senão a de recorrer às corporações estrangeiras para colocar em operação os imensos projetos de oil e gás implantados nos últimos anos. Não surpreende, portanto, que as companhias transnacionais achem muito mais vantajoso fazer negócios na África do que no Oriente Médio, na Venezuela ou até no Mar Cáspio, onde estatais como como a Aramco, a PdVSA e a KaiMunaiGaz operam sob rigorosa supervisão governamental, limitando as oportunidades por acordos muito lucrativos”21. 21 KLARE, 2008, p.146-147. Devido aos laços coloniais que sobreviveram à independência, as empresas europeias se destacam entre os investidores estrangeiros. Petroleiras francesas, especialmente a Total, tem forte presença nas antigas colônias da França, como o Gabão e a República do Congo. A presença preponderante da BP e da anglo-holandesa Shell na Nigéria se explicam, igualmente, pelo fato de se tratar de um país que até 1960 pertencia ao Império Britânico. As empresas dos EUA estão presentes na África desde a descolonização, mas só passaram a encarar o continente africano como prioritário no final da década de 1990. Não por acaso, o governo do presidente George W. Bush decidiu, em 2007, estabelecer um comando militar específico para defender os interesses dos EUA na África, o Africom, a exemplo dos centros de operações que as forças armadas estadunidenses já mantinham em outros continentes. Com proteção militar e impulsionadas pela perspectivas de altos lucros, as principais petrolíferas dos EUA desencadearam uma ofensiva para se implantar na África. A ExxonMobil e a Chevron lideram essa corrida, com a aquisição de reservas promissoras na costa oeste do continente. Na atualidade, a África Ocidental constitui a principal fonte petróleo bruto dessas duas empresas. Em Angola, a ExxonMobil é a principal operadora na exploração off shore. Um único bloco, o maior em águas profundas angolanas, é responsável, sozinho, por 9% de toda a produção petroleiroa da empresa no mundo22. Outras petrolíferas estadunidenses também estão se aproveitando das oportunidades existentes na África para desenvolver seus próprios projetos de produção. É o caso da Occidental (Oxy), da ConocoPhillips, da Amerada Hess e da Marathon. A chegada das empresas petroleiras chinesas, no início do atual século, fortaleceu os governos africanos nas negociações com as transnacionais. Em contraste com o Big Oil – corporações privadas movidas pela lógica da maximização dos lucros – a CNOOC, a CNPC e Sinopec são companhias estatais ou, ao menos, controladas pelo governo. Operam no exterior como agentes dos interesses nacionais da China, sempre com o foco na busca de segurança energética por meio da diversificação dos fornecedores e do controle de reservas de hidrocarbonetos em outros países. Dessa maneira, as empresas chinesas se mostram mais dispostas do que suas competidoras ocidentais a ceder nas na negociação com os governos dos países hospedeiros em temas delicados como a partilha da renda petroleira, definida nas taxas de royalties e de impostos. Os investidores chineses também costumam oferecer créditos a juros baixos, construção de escolas e hospitais, facilidades no acesso de outras exportações africanas ao mercado consumidor da China e, principalmente, obras de infra-estrutura. 22 KLARE, 2008, p.160-161. Um exemplo significativo dos meios de persuasão utilizados pelas estatais chinesas é o episódio do ingresso da Sinopec em Angola, em 2004, por meio da compra de 50% de um bloco petrolífero off shore até então controlado na sua totalidade pela BP, na condição de empresa operadora. A BP pretendia vender a metade da sua participação para a ONGV Videsh, subsidiária da India’s Oil and Natural Gas Corporation. Mas o negócio mudou de rumo quando a empresa nacional de petróleo angolana, Sonangol, determinou que a parcela fosse entregue à Sinopec, em recompensa pelo empréstimo de US$ 2 bilhões que o governo chinês ofereceu ao governo angolano, praticamente sem cobrar juros23. Já no Sudão – principal exportador de petróleo para a China –, a companhia chinesa CNPC construiu uma refinaria e uma rede de oleodutos. O principal diferencial entre a China e os países ocidentais no que se refere aos investimentos de energia do Sudão se situa no terreno político. Além de vender armas ao governo sudanês, a China bloqueou, no Conselho de Segurança da ONU, as propostas de sanções econômicas contra o regime do presidente sudanês Omar Ahmed Al-Bashir, acusado de cometer violações aos direitos humanos na repressão aos rebeldes separatistas no sul e no oeste do país. Os empreendimentos estrangeiros de exploração dos recursos energéticos da África também enfrentam sérias complicações políticas na Nigéria, país que possui as maiores reservas africanas 23 KLARE, 2008, p.168. de petróleo e gás natural. A renda obtida com essas riquezas é cronicamente apropriada pela elite militare pelos grupos civis a ela vinculados, que controlam o país desde a independência, em 1960. Mas a exploração, concentrada no delta do Rio Níger, deixa escassos benefícios para os habitantes locais. A revolta com a injusta distribuição da receita dos hidrocarbonetos tem alimentado a formação de grupos armados na área onde operam as transnacionais. Atualmente, a região é palco da insurgência protagonizada pelo Movimento pela Emancipação do Delta do Níger, que promove atos de sabotagem contra as empresas estrangeiras, incluindo frequentes sequestros de engenheiros e técnicos envolvidos na exploração do petróleo. Essas ações levaram a Shell e a BP a suspenderem as atividades na região em 2007, por falta de segurança. Ainda assim, a Shell continua a liderar o grupo das petroleiras estrangeiras na Nigéria, graças à operação do campo off shore de Bonga, a maior fonte de petróleo do país24. 24 KLARE, 2008, p.154.
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