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[TEXTO 2] Fuser, I A Geopolítica do Petróleo

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Capítulo 6 
A GEOPOLÍTICA GLOBAL DO PETRÓLEO 
42.775 
6.1 O petróleo como recurso estratégico 
 Principal insumo energético no século 20 e também neste início de 
século 21, o petróleo se insere no cenário internacional com base em 
duas lógicas simultâneas: a econômica e a estratégica. A lógica 
econômica se vincula à sua condição de matéria-prima 
indispensável para o setor produtivo e para os serviços de todos os 
tipos. Sua exploração se sustenta em enormes investimentos, 
gerando recursos bilionários para o mercado de capitais, o que 
reforça ainda mais a inserção da indústria petrolífera em uma visão 
econômico-financeira liberal, cujo objetivo supremo é o lucro. Já a 
lógica estratégica tem a ver com o fato de que o petróleo é um 
recurso raro, não-renovável, desigualmente distribuído pelo planeta 
e, sobretudo, essencial para sobrevivência, a segurança e o bem-estar 
de todos os Estados. 
 Nesse sentido, não pode ser encarado com uma simples 
mercadoria. O petróleo contribui para determinar a hierarquia no 
cenário internacional. “Para os países importadores de petróleo, a 
garantia das entregas de petróleo é a base da segurança econômica. 
Já entre os países exportadores, a posse das reservas petrolífera é o 
elemento dominante no pensamento econômico”, escreveu o 
cientista político Michael T. Klare1. No comércio mundial do 
petróleo, as políticas dos Estados na busca de poder e de riqueza se 
misturam com os interesses privados de grandes empresas 
capitalistas – elas mesmas, com muita freqüência, instrumentos de 
estratégias estatais. 
 A crescente valorização dos hidrocarbonetos traz sérias 
implicações para o cenário geopolítico internacional. Há muita 
controvérsia em torno da ideia de que estamos no limiar de uma 
“corrida mundial” pelo controle das fontes de energia. Alguns 
especialistas argumentam que, na medida em que o comércio de 
petróleo ocorre nos marcos de um mercado global integrado, torna-
se menos relevante o controle político sobre os países produtores ou 
a nacionalidade das empresas que exploram os recursos 
energéticos2. Já os autores que alertam para o risco de conflitos 
interestatais por energia enfatizam o papel da China na busca do 
acesso direto a reservas de petróleo e gás natural por meio de 
contratos com governos estrangeiros e da presença de empresas 
petroleiras chinesas, todas elas estatais, em projetos de exploração 
em um grande número de países, especialmente na África. 
 Entre os episódios recentes que salientam o predomínio das 
considerações geopolíticas sobre os cálculos meramente comerciais 
 
1 KLARE, Michael T. Resource Wars: The New Landscape of Global Conflict. New 
York: Metropolitan Books, Henry and Holt Company, 2001, p. 35. 
2 MORSE, Edward. “The New Geopolitics of Oil”, The National Interest, 
Washington, Winter 2003-2004. 
quando está em jogo o controle de recursos energéticos, merece 
destaque a tentativa de compra, em 2005, da petrolífera 
estadunidense Unocal pela empresa chinesa CNOOC (China 
National Offshore Oil Corporation, em que o Estado detém 73% das 
ações). A Unocal, com sede na Califórnia, era uma companhia 
tradicional, com 115 anos de existência, dona de 1,8 bilhões de 
petróleo em reservas localizadas essencialmente no Sudeste 
Asiático, no Golfo do México e do Mar Cáspio. A Unocal havia 
recebido de outra empresa estadunidense, a Chevron, uma proposta 
de compra irresistível, no valor de US$ 16,8 bilhões, e se preparava 
para fechar o negócio, quando a CNOOC entrou em cena, com uma 
oferta de US$18,5 bilhões. Do ponto de vista da Chevron, a 
transação era importantíssima, pois a incorporação do estoque de 
hidrocarbonetos da Unocal a ajudaria a compensar a exaustão 
gradativa das suas reservas. Imediatamente, iniciou-se uma 
campanha política, articulada pela Chevron e por congressistas 
conservadores, para convencer o Congresso de que o controle da 
China sobre uma parcela –ainda que relativamente pequena – dos 
suprimentos estadunidenses constituiu uma ameaça à segurança 
nacional dos EUA. Finalmente, o Congresso condicionou o ingresso 
de empresas chineses no setor de energia a uma rigorosa 
investigação sobre a política energética da China, formando uma 
comissão que tinha quatro meses para apresentar suas conclusões. 
Como o prazo legal para a decisão dos acionistas da Unocal era de 
apenas duas semanas, a decisão legislativa teve o efeito prático de 
inviabilizar a oferta da CNOOC, que desistiu do negócio. Sozinha na 
parada, a Chevron comprou a Unocal, em um desenlace que revela 
ao mesmo tempo a preocupação dos estrategistas dos EUA com o 
avanço econômico da China e a hipocrisia do discurso liberal do 
“livre comércio”, utilizado pelos ideólogos do capitalismo sempre 
que se trata de abrir os mercados dos países em desenvolvimento 
aos investimentos e mercadorias dos países centrais. 
 Na visão do cientista político Michael T. Klare, o episódio da 
Unocal revela a crescente influência que o temor da escassez de 
energia exerce sobre o comportamento dos Estados: 
“No novo sistema internacional de poder que se está se 
esboçando, podemos prever que a luta por energia 
deverá suplantar todas as demais considerações, que os 
líderes nacionais estarão dispostos até mesmo a atitudes 
extremas para garantir os suprimentos energéticos para 
os seus países e que a autoridade estatal sobre os 
assuntos de energia deverá se expandir tanto no plano 
doméstico quanto no da política externa. O petróleo 
deixará de ser essencialmente uma mercadoria, vendida 
e comprada no mercado internacional, para se tornar um 
recurso estratégico cuja aquisição, produção e 
distribuição irão, cada vez mais, absorver o tempo, o 
esforço e a atenção das mais altas autoridades civis e 
militares3.” 
 Só o tempo dirá se a busca simultânea das empresas petroleiras 
dos EUA, da China e da Rússia por maior acesso e controle de 
recursos energéticos levará a um confronto estratégico no contexto 
de um quadro mundial de escassez. Entre os analistas que vêem 
com ceticismo a previsão de uma “guerra por recursos”4, encontra-
se o analista Daniel Yergin, defensor da ideia de que os EUA não 
precisam se preocupar com a atuação de supostos concorrentes no 
exterior. “O investimento da China e da Índia no desenvolvimento 
de novos fornecedores de energia ao redor do mundo não é uma 
ameaça e sim algo a ser estimulado porque significa que haverá 
mais energia disponível para todos nos próximos anos”, escreveu5. 
Yergin recomenda às autoridades de Washington um esforço para 
envolver a China e a Índia no sistema global de comércio e 
investimento em energia, buscando inclusive o seu ingresso na 
Agência Internacional de Energia (AIE). 
 
 
3 KLARE, 2008, p.7. 
4 Título do livro de Michael T. Klare, Resource Wars,- The New Landscape of Global 
Conflict, New York, Metropolitan Books, 2001. 
5 YERGIN, Daniel, Energy Under Stress. In: CAMPBELL, Kurt M.; PRICE, 
Jonathon, The Global Politics of Energy. Washington: The Aspen Institute, 2008, 
p.39. 
 
6.2 Uma disputa com três jogadores principais: EUA, China e 
Rússia 
 
 Nesse novo tabuleiro geopolítico da energia, três atores assumem 
um papel central: os EUA, a Rússia e a China. 
 a)Estados Unidos – Nos EUA, os sucessivos governantes encaram 
com crescente preocupação a dependência dos suprimentos de 
energia importados, em especial o petróleo –matéria-prima que já 
foi definida como “o calcanhar-de-aquiles do império”. A trajetória 
do país nesse terreno é significativa:de maior exportador mundial 
de petróleo, ao final da II Guerra Mundial, os EUA hoje dia 
importam seis em cada dez barris do combustível que consomem, e 
sua hegemonia política se vê ameaçada pela incapacidade de 
controlar os preços e a oferta do insumo mais importante para a 
economia global. No entanto, como observa o analista francês 
Philippe Sébille-Lopez, “se o petróleo constitui realmente uma das 
raríssimas fraquezas da superpotência americana, os Estados 
Unidos são contudo a única potência a dispor atualmente não só de 
uma política energética e dos meios econômicos e militares dessa 
política no plano mundial, mas também no plano da segurança do 
seu encaminhamento”6. 
 
6 SÉBILLE-LOPEZ, Philippe. Geopolíticas do Petróleo. Lisboa: Instituto Piaget, 
2007, p.41. 
 A política energética dos EUA é formulada na perspectiva das 
grandes companhias petroleiras estadunidenses (integrantes, 
juntamente com a BP e a Shell, do grupo chamado de “Big Oil”) e 
dos políticos que comandam os dois partidos relevantes, Democrata 
e Republicano, ambos fartamente beneficiados pelas doações de 
campanha das empresas petroleiras. O principal objetivo das 
autoridades de Washington, formulado no início do século XXI, é 
garantir uma oferta internacional de combustíveis em volumes cada 
vez maiores, de modo a atender ao projetado aumento da demanda 
durante as próximas décadas, até que a chamada “transição 
energética” se realize, com a substituição do petróleo por outras 
fontes de energia. Conforme já foi exposto no Capítulo 5, os EUA se 
orientam pela política que ficou conhecida como “estratégia da 
máxima extração”, entendida como um esforço de longo prazo para 
ampliar o controle sobre as reservas de hidrocarbonetos existentes 
no exterior ou, ao menos, persuadir os governos dos países dotados 
de recursos energéticos a permitir os investimentos estrangeiros 
necessários para aumentar a produção e expandir as exportações7. 
 A “estratégia da máxima extração” tem como foco principal o 
Golfo Pérsico, onde se concentra a maior parte das reservas 
provadas de petróleo. Na ocasião do lançamento da National Energy 
Policy, em 2001, o indispensável aumento da oferta de combustível 
daquela região esbarrava em sérios obstáculos políticos, dos quais o 
 
 
7 KLARE, 2004, p.83. 
mais grave era a presença de Saddam Hussein, um inimigo 
ostensivo dos EUA, à frente do governo do Iraque, país onde se 
situa a terceira maior reserva petrolífera do mundo, superada 
apenas pelas reservas da Arábia Saudita e do Irã8. Essa circunstância 
constitui, comprovadamente, o principal motivo para a invasão do 
Iraque por forças anglo-estadunidenses em 2003. Apesar da 
resistência de forças insurgentes iraquianas à ocupação, o que 
prolongou o conflito por nove anos e causou imensos custos 
(humanos, econômicos e políticos), a ação militar afastou um rival 
incômodo dos EUA na disputa pela hegemonia no Golfo Pérsico e 
trouxe o Iraque de volta ao mercado internacional9 do petróleo, ao 
mesmo tempo em que garantiu o controle de suas imensas reservas 
de hidrocarbonetos por transnacionais, com destaque para as 
empresas estadunidenses e britânicas. 
 A mesma lógica ajuda a entender a campanha dos EUA contra o 
regime teocrático iraniano. O Irã também poderia contribuir para o 
alívio da escassez de petróleo no futuro, se não fosse alvo de um 
boicote internacional promovido pelos EUA e seus aliados 
europeus. Ocorre que, por motivos políticos, o chamado “Ocidente” 
rejeita a normalização da presença do Irã no mercado global de 
combustíveis, já que a ampliação da receita petroleira iraniana 
 
8 De acordo com a edição de 2011 do BP Statistical Review of World Energy, a Arábia Saudita possui em suas 
reservas 264 barris de petróleo, o Irã, 137 bilhões de barris, e o Iraque, 115 bilhões. 
9 Durante a maior parte do período entre as duas guerras contra os Estados Unidos (1990-91 e 2003), o 
Iraque era autorizado a comercializar sua produção mediante um estrito controle internacional, nos termos 
do esquema denominado “petróleo por comida”. 
levaria ao fortalecimento do regime de Teerã – o principal 
adversário à hegemonia dos EUA no Oriente Médio. 
 Complicadores políticos também afetam a aplicação da política 
energética estadunidense em outras partes do globo. Na Ásia 
Central, os EUA e seus aliados da União Europeia atuam com o 
objetivo de afastar as ex-repúblicas soviéticas da região do Mar 
Cáspio (várias delas dotadas de promissoras reservas de 
hidrocarbonetos) da esfera de influência da Rússia e garantir que o 
petróleo e o gás natural produzidos naquela região tenham como 
destino preferencial a Europa. Na busca desses objetivos, o principal 
instrumento é a construção de uma rede de gasodutos ligando 
diretamente os fornecedores da Ásia Central à Turquia, o único país 
do Oriente Médio a integrar a Organização do Tratado do Atlântico 
Norte (Otan, a aliança militar liderada pelos EUA). Na América 
Latina, os EUA buscam a garantia do acesso de suas empresas aos 
recursos energéticos lá existentes da forma mais lucrativa possível, 
de acordo com as regras liberais do mercado capitalista. Por isso, o 
governo estadunidense combate de todas as formas o “nacionalismo 
de recursos”, incorporado à política de Estado em diversos países 
sul-americanos a partir do início do século atual. Trata-se, acima de 
tudo, de neutralizar a influência do presidente venezuelano Hugo 
Chávez, que utiliza a posição privilegiada do seu país como um dos 
maiores produtores mundiais de petróleo para desafiar a hegemonia 
regional dos EUA. 
 b) China – A garantia dos recursos energéticos necessários para 
manter o crescimento econômico e ampliar as capacidades militares 
do país é um objetivo situado no topo das prioridades estratégicas 
chinesas. Em 2030, calcula-se que a China precisará de 15 milhões de 
barris de petróleo diários, dos quais apenas 4 milhões serão 
produzidos internamente. Diante do duro desafio de obter os 
restantes 11 milhões de barris, o governo chinês adotou três 
prioridades estratégicas10: 
- diversificar os fornecedores externos de energia, de modo a 
reduzir o impacto de um eventual corte de suprimentos, por 
motivos naturais ou políticos; 
 - utilizar, ao máximo possível, o petróleo e o gás natural 
transportados por via terrestre (oleodutos e gasodutos), em vez de 
meios marítimos, a fim de diminuir sua vulnerabilidade a um 
bloqueio naval ou a sanções econômicas (por exemplo, um embargo 
imposto pelos EUA em represália a ações militares da China contra 
Taiwan); 
- lançar suas empresas petrolíferas estatais ou semi-estatais em um 
enorme esforço para obter o controle de reservas de hidrocarbonetos 
pelo mundo afora. 
 O empenho chinês em diversificar as fontes de suprimento de 
petróleo se traduz na mudança ocorrida a partir de 1996, quando 
 
10
 KLARE, 2008, p.75. 
apenas três países fornecedores (Indonésia, Omã e Iêmen) 
respondiam por 2/3 das suas importações. Hoje, o leque dos 
fornecedores é bem mais variado, incluindo, além dos antigos 
parceiros, Irã, Cazaquistão, Angola, Sudão e Venezuela. Nota-se, 
nessa lista, a presença de países que mantêm relações conflituosas 
com os EUA. Sem dúvida, esse comércio desagrada ao governo 
estadunidense – inclusive porque, algumas vezes,as transações 
envolvem a venda de armas chinesas –, mas também, 
paradoxalmente, acaba sendo compatível com os objetivos de 
política energética dos EUA. Como observou o analista Philippe 
Sébille-Lopez, os estrategistas de Washington “sabem perfeitamente 
que é preciso, a qualquer preço, estimular a oferta mundial, 
sobretudo onde suas próprias sanções impedem as companhias 
internacionais de cumprirem esse papel”11. 
 No tocante ao objetivo chinês de priorizar os abastecimentos 
terrestres, os olhares de Pequim estão voltados para as ricas reservas 
de hidrocarbonetos da Rússia e dos países da Ásia Central. Nesse 
terreno, a estratégia da China se encontra em harmonia com os 
interesses da Rússia, seu parceiro na Organização de Cooperação de 
Xangai (OCX). 
 
........................................................................... 
 
11
 SÉBILLE-LOPEZ, 2007, p.268. 
SAIBA MAIS 
A Organização de Cooperação de Xangai (OCX) foi criada em 2001, 
por iniciativa da China, para lidar com questões de segurança e 
resolver conflitos fronteiriços, mas direcionada, cada vez mais, para 
a meta geopolítica de bloquear a influência dos EUA na Ásia Central 
e, especialmente, impedir a instalação de bases militares 
estadunidenses por lá. Os membros do OCX são China, Rússia, 
Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Usbequistão. O Irã 
participa como membro observador. 
..................................................................................... 
 
 As declarações de um importante especialista chinês, Yan 
Xuetong, diretor do Instituto de Estudos Internacionais na 
Universidade de Tsinghua, em seminário no Instituto de Estudos do 
Pacífico Asiático (um dos braços da Academia de Ciências Sociais da 
China), em 2011, lançam luz sobre a estratégia chinesa na Ásia 
Central: 
“Criamos a Organização de Cooperação de Xangai com o 
objetivo de resistir à intenção estratégica dos EUA de 
estender seu controle militar até a Ásia Central. A 
intenção dos EUA de por a Ásia Central sob sua esfera 
de influência militar foi abortada. Com a OCX, as 
relações entre China e países da região melhoraram 
muito. Para estabelecer com os países à sua volta 
relações ao estilo das relações que há na OCX, a China 
deve (…) criar parcerias estratégicas muito firmes com 
aqueles países. Sem isso, a China não conseguirá 
construir relações internacionais mais amigáveis que as 
que os EUA constroem12”. 
 Desde o início do atual século, a China e a Rússia têm procurado 
compartilhar os benefícios do acesso aos suprimentos baratos de 
energia da Ásia Central. A Rússia está construindo gasodutos para 
exportar energia da Sibéria Oriental para os mercados asiáticos, 
mais próximos das reservas de gás daquela região dos que a Europa. 
Já o gás natural russo extraído da Sibéria Ocidental, mais próximo 
do próximo do continente europeu, continuará sendo exportado 
para a Europa, a menos que os preços na Ásia se tornem tão 
compensadores a ponto de justificar a construir de gasodutos que 
desviem o fluxo de gás do oeste para o leste. 
 O estreitamento dos vínculos entre China e Rússia no campo da 
energia é motivo de preocupação em Washington, conforme se 
depreende desse comentário de dois analistas estadunidenses muito 
próximos à Casa Branca, Amy Myers Jaffe e Ronald Soligo: 
 “Embora ainda sejam necessários alguns anos até que a 
Rússia construa toda a enorme infra-estrutura necessária 
para ampliar seu fornecimento de energia para a China, 
a intensificação do relacionamento entre a Rússia e a 
 
12”Energia e geopolítica: a batalha pela Ásia Central”, Asia Times Online, M. K. 
Bhadrakúmar, 9 de junho de 2011. 
China poderá se tornar problemático para os EUA no 
futuro. No mais extremo dos cenários, um conflito 
militar entre Ocidente e uma aliança russo-chinesa – 
talvez motivado por questões territoriais ou outro 
assunto sem relação com energia – pode levar Moscou a 
utilizar sua vendas de energia para a Europa como uma 
ameaça, o que aumentará a gravidade daquelo 
conflito”13. 
 A busca chinesa do acesso, controle e exploração de novas 
reservas é uma tarefa que mobiliza as três principais companhias 
petrolíferas dirigidas pelo Estado: a China National Petroleum 
Corporation (CNPC), a China National Petrochemical Corporation 
(Sinopec) e a China National Offshore Oil Corporation (CNOOC). 
Essas empresas combinam o controle e a propriedade estatais com a 
participação do capital privado em um grande número de empresas 
subsidiárias, dotadas de um alto grau de autonomia operacional e 
financeira. Em última instância, porém, todas elas se orientam por 
estratégias estatais e estão voltadas para a prioridade máxima da 
busca de recursos energéticos no exterior. 
 As autoridades chinesas costumam dar preferência às alianças 
com as empresas nacionais de petróleo (NOCs, na sigla em inglês) 
de países produtores, como a Saudi Aramco, a Nigerian National 
 
13
 MYERS, Amy; SOLIGO, Ronald. Militarization of Energy: Geopolitical Threats to the Global Energy System, 
Energy Forum – James A. Baker III Institute for Public Policy of Rice University, Houston (TX), 2008, p.37. 
 
Petroleum Corporation, a Gazprom (Rússia), a PdVSA (Venezuela) e 
Petrobras. Um exemplo típico é o acordo de “parceria petroleira 
estratégica” firmado em 1999 entre a Sinopec e a Saudi Aramco. Por 
esse acordo, a Sinopec se compromete a investir no 
desenvolvimento de campos de gás natural e petróleo na Arábia 
Saudita, enquanto a Aramco ingressa como sócia em refinarias e 
usinas petroquímicas na China. Outra iniciativa importante é o 
acordo de cooperação da empresa chinesa CNPC com o governo 
venezuelano a fim de desenvolver a exploração de petróleo extra-
pesado na Faixa do Orenoco. 
 c) Rússia – Graças às suas exportações de petróleo e gás e também 
ao aumento do preço desses produtos, a Rússia logrou um 
impressionante crescimento econômico desde meados da década de 
1990. Nas próximas décadas, deverá elevar ainda mais sua 
dimensão estratégica, na medida em que as dificuldades nos 
suprimentos de energia em outras regiões do mundo tornarão suas 
reservas ainda mais importantes. As autoridades russas, sob a 
liderança de Vladimir Putin, adotaram uma estratégia de inserção 
internacional que tem como principal alicerce o uso do imenso 
potencial do país no terreno da energia para recuperar a posição de 
grande potência que a Rússia exercia no período da Guerra Fria, 
como núcleo político e geoeconômico da extinta União Soviética. 
 O elemento principal nesse projeto é o alto grau de dependência 
da Europa em relação aos suprimentos de energia da Rússia, 
fornecidos por uma rede de gasodutos e oleodutos. A Alemanha, 
por exemplo, recebe da Rússia 40% do gás e 20% do petróleo que 
consome. O Leste Europeu e os países bálticos (Lituânia, Estônia e 
Letônia), assim como a Ucrânia e Belarus, são ainda mais 
dependentes dos suprimentos russos de energia – um legado do 
período soviético. O acelerado crescimento econômico da China, da 
Índia e de outros países asiáticos também contribui com os objetivos 
da política externa de Moscou, já que grande parte das reservas 
russas de hidrocarbonetos se situa no leste da Sibéria, o que facilita 
as exportações para o mercado asiático. No médio prazo, a Rússia 
poderá vir a ser um grande fornecedor de gás e petróleo para China, 
Coréia do Sul, Índia, Japão e países do Sudeste Asiático. 
 A importância da Rússia como atorgeopolítico se sustenta, em 
grande medida, na sua posição central no cenário energético na 
Eurásia. O país, que separa geograficamente a Europa da Ásia, 
controla a maioria das rotas construídas no período soviético e 
mantém vínculos privilegiados com as ex-repúblicas soviéticas do 
entorno do Mar Cáspio, quase todas elas dotadas de reservas 
significativas de petróleo e gás natural. Nessa região, a Rússia trava 
uma intensa disputa com os EUA, que desde o fim da União 
Soviética, em 1991, tratam de aproveitar o anseio dos governantes 
dos jovens Estados da Ásia Central por maior autonomia perante 
Moscou para atraí-los ao campo geopolítico de influência 
estadunidense. Esse esforço se expressa, no terreno econômico, 
pelos contratos bilionários de empresas anglo-estadunidenses para 
exploração de hidrocarbonetos no Azerbaijão, Cazaquistão e outros 
países, e também pela construção de gasodutos voltados para a 
exportação de recursos energéticos diretamente para a Europa, sem 
passar pela Rússia ou pelo Irã. Em oposição ao projeto estratégico 
estadunidense, a Rússia está firmemente empenhada em impedir o 
avanço dos EUA na Ásia Central, de modo a manter a Europa 
dependente de remessas energéticas sob o controle russo e, ao 
mesmo, estabelecer uma posição privilegiada também como 
fornecedora de hidrocarbonetos para os países asiáticos. 
 A Rússia também pretende elevar o seu poder geoestratégico por 
meio da colaboração com o Irã. Moscou tem fornecido equipamento 
e tecnologia militar ao regime dos aiatolás e tem utilizado o seu 
poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas para 
bloquear sanções contra as supostas atividades nucleares iranianas. 
Embora o Irã e a Rússia sejam competidores em potencial pelo 
acesso aos mercados europeus de gás, a possibilidade de uma 
aliança entre os dois no terreno da energia pode representar uma 
séria ameaça à política energética dos EUA e da União Europeia. 
 
6.3 O grande jogo dos gasodutos na Eurásia 
 O contexto geopolítico da Ásia Central tem sido comparado, com 
frequência, ao “Grande Jogo”, como ficou conhecida a prolongada 
disputa, no século 19, entre o Império Britânico e a Rússia czarista, 
duas potências imperialistas empenhadas em estender os seus 
domínios coloniais sobre aquela região, aproveitando-se do recuo 
do Império Otomano (turco), em declínio. Hoje, o “Grande Jogo” é 
muito mais complexo. Entre outros motivos porque, em primeiro 
lugar, é necessário levar em conta um terceiro jogador importante, a 
China. Em segundo lugar, porque na atualidade os recursos em 
disputa se encontram sob a jurisdição de Estados soberanos, em 
lugar dos canatos do século XIX, formas débeis de poder tribal. 
Finalmente, não se trata, agora, de anexações territoriais, mas de 
negócios nos quais o desafio é compatibilizar os interesses de 
múltiplos atores, o que jamais pode ser obtido simplesmente pela 
coerção. 
 Na versão atual do Grande Jogo, as rotas do transporte de energia 
desempenham um papel tão importante quanto o controle direto 
sobre a exploração de hidrocarbonetos. Nesse sentido, desenvolve-
se uma corrida em que EUA e Rússia, cada qual por seu lado, 
empenham-se na instalação redes concorrentes de oleodutos e 
gasodutos com roteiros cuidadosamente traçados para fortalecer 
seus interesses geopolíticos. Na década de 2000, a principal cartada 
dos EUA foi a construção do oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan (BTC), 
que leva o petróleo do Azerbaijão até um porto da Turquia no 
Mediterrâneo, passando, no trajeto de 1.760 quilômetros, pela 
Geórgia – três países firmemente situados na área de influência 
direta dos EUA. A obra, que custou US$ 3,6 bilhões (financiados 
graças ao apoio do governo dos EUA), foi apenas o primeiro passo 
na implementação da política estadunidense de “múltiplos dutos” 
para transportar ao Ocidente os recursos energéticos da Ásia 
Central. Conforme explicou em 1999 o secretário de Energia dos 
EUA, Bill Richardson, o BTC não é “apenas mais um oleoduto”, mas 
“uma estrutura energética que promove os interesses nacionais de 
segurança dos Estados Unidos”14. Não por acaso, a região do Mar 
Cáspio é citada, no documento oficial estadunidense National Energy 
Policy, de 2001, como uma das fontes da diversificação dos 
suprimentos de energia dos EUA, do mesmo modo que a África15. 
 Até 2012, somente o gás do Azerbaijão era transportado pelo BTC, 
mas os EUA tinham planos de estender o oleoduto ao redor ou por 
baixo do Mar Cáspio para canalizar o fornecimento de 
hidrocarbonetos do Cazaquistão, que atualmente fluem através da 
Rússia. Outro projeto de Washington é o de duplicar o sistema de 
tubos do BTC, agregando a ele um gasoduto, que se chamaria Baku-
Tbilissi-Erzorum, em referência ao porto na Turquia onde seria 
instalada uma usina de liquefação de gás para o seu transporte à 
Europa, em navios-metaneiros. 
 O sucesso do gasoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan estimulou os EUA e a 
União Europeia a levarem adiante projetos ainda mais ambiciosos. 
 
14
 SÉBILLE-LOPEZ. 2007, p.182. 
15
 ESTADOS UNIDOS, The White House. Reliable, Affordable, and Environmentally Sound Energy for 
America’s Future – Report of the National Energy Policy Development Group, 16 de maio de 2001. 
Entre eles, destaca-se o consórcio multinacional para a construção 
do gasoduto Nabucco, projetado para transportar gás natural do 
Mar Cáspio para a Europa Ocidental sem atravessar a Rússia. O 
traçado do Nabucco tem seu ponto inicial no campo gasífero off shore 
de Shah Deniz, operado pela BP no litoral do Azerbaijão, 
estendendo-se por 3.300 quilômetros – distância equivalente ao 
trajeto entre São Paulo e Fortaleza – através da Geórgia, Turquia, 
Bulgária, Romênia e Hungria, terminando em Baumgarten, na 
Áustria. Mas o Nabucco enfrenta difíceis obstáculos, a começar pelo 
custo multibilionário, que mantém a captação de recursos 
financeiros paralisada desde o início da crise econômica global, em 
2008. Existe também o receio dos possíveis investidores quanto aos 
conflitos étnicos e geopolíticos na Geórgia, onde minorias russas 
protagonizam movimentos separatistas com o apoio de Moscou. 
Outro complicador diz respeito à incerteza em relação à fonte dos 
suprimentos do Nabucco, já que as reservas do Azerbaijão se 
mostram insuficientes para atender o BTC e o Nabucco ao mesmo 
tempo. A solução é recorrer às reservas de gás natural do 
Turcomenistão, que, no entanto, parece firmemente integrado ao 
projetos de energia da Rússia e da China. 
 Divergências dentro da UE dificultam ainda mais a viabilização 
do Nabucco. A Alemanha, ansiosa por assegurar os seus 
suprimentos energéticos, já deixou claro que sua prioridade é a 
parceria com a Rússia no projeto do Nordstream, um gasoduto de 
US$ 12 bilhões que está sendo construído por baixo do Mar Báltico, 
ligando diretamente a cidade russa de Vysborg a Greifswald, na 
Alemanha, sem passar pelos países bálticos, Polônia ou Suécia. A 
construção do Nordstream, cujo principal executivo é o ex-primeiro-
ministro alemão Gerhard Schroeder, deverá aprofundar a 
dependência da Alemanha em relação aos suprimentos energéticos 
da Rússia, num contexto em que a demanda europeia por gás 
natural importado deverá crescer dos atuais 40% para 70% em 
202016. Essa perspectiva desagrada especialmente os estrategistas de 
Washington, temerosos de que o adensamento das relações entre a 
Rússia e a Alemanha no campo energético enfraqueça a aliança 
entre a UE e os EUA, erodindo os alicerces da Otan e a liderança 
estadunidense na Europa. 
 Os russos, em resposta às incursõeseuro-estadunidenses na Ásia 
Central, também desenvolvem projetos de novos dutos para o 
transporte de hidrocarbonetos na região. A aposta principal é o 
gasoduto South Stream, resultado de uma parceria entre a Gazprom 
(russa) e a ENI (italiana). Seu trajeto passará por baixo do Mar 
Negro, entre a Rússia e Bulgária, seguindo para a Grécia e a Itália. 
Um acordo para a construção do South Stream foi assinado pelos 
presidentes da Rússia, da Bulgária e da Sérvia em 2008. Outro 
projeto importante é o Blue Stream, um gasoduto de 1.213 
quilômetros entre a localidaade de Izobilnoi, perto de Stavropol, na 
 
16
 STENT, 2008, p. 84. 
Rússia, e a capital da Turquia, Ancara, através de Samsun, no litoral 
turco. A obra inclui um trecho de 396 quilômetros abaixo do Mar 
Negro, a 2.150 metros de profundidade, o que a torna o tubo mais 
profundo do mundo, entre oleodutos e gasodutos. O Blue Stream, 
em funcionamento desde 2002, é o resultado de um contrato entre a 
Turquia e a Rússia que prevê um aumento progressivo das remessas 
de gas natural russo à Turquia até atingir, em 2010, 16 milhões de 
metros cúbicos diários. O empreendimento é presidido pela 
empresa russa Gazprom e teve sua maior parte financiada pela 
companhia petrolífera italiana ENI17. 
 A Gazprom adquire, dessa maneira, uma influência crescente 
sobre o fornecimento de gás natural para a Europa. Ainda assim, 
persiste no ar uma pergunta decisiva, que a especialista 
estadunidense Angela Stent formulou nos seguintes termos: “Será a 
Rússia capaz de produzir gás natural suficiene para atender ao 
mesmo tempo o crescente consumo doméstico e os volumes a serem 
exportados pelos gasodutos¿18”. A produção gasífera da Gazprom 
tem crescido a uma proporção de 2% ao ano e a empresa está muito 
longe de realizar os investimentos necessários para ampliar a 
exploração de gás nos níveis requeridos para atender seus contratos 
com a Europa Ocidental. Acredita-se que a Rússia pretende tirar o 
máximo proveito de sua posição geográfica privileigiada, como elo 
de ligação entre a Ásia e a Europa, para utilizar os recursos de seus 
 
17
 SÉBILLE-LOPEZ, 2007, p.181. 
18
 STENT< 2008, p.84. 
vizinhos da região do Mar Cáspio, que seriam então revendidos e 
exportados pela rede de gasodutos sob controle de Moscou, 
preservando ao mesmo tempo as reservas russas ainda não 
exploradas para aproveitamento em décadas futuras, quando se 
prevê que os preços dos hidrocarbonetos alcancem patamares muito 
mais elevados que os atuais. 
 Outra preocupação entre os estrategistas pró-EUA diz respeito ao 
risco de que a Rússia venha se valer da dependência da Europa 
Ocidental em relação aos recursos energéticos russos para impor 
concessões políticas aos governos importadores. De acordo com 
Angela Stent, esse receio se justifica ao menos em parte, conforme 
ela explica: 
 “A Rússia e a Europa mantém uma relação de 
interdependência assimétrica, na qual a Europa é, 
supostamente, mais vulnerável a evetuais cortes de 
fornecimento do que a Rússia é vulnerável à perda das 
receitas europeias. (...) A verdade é que a Rússia e a 
Europa dependem uma da outra e assim permanecerão 
pelo futuro previsível. A diferença é que a Europa parece 
dispor de menos meios para exercer pressão sobre a 
Rússia. Afinal, o governo de uma Alemanha democrática 
não poderia ameaçar a Rússia com o corte de suas 
importações de gás se isso fosse deixar a população da 
Baviera – estado alemão que recebe quase a totalidade da 
sua energia da Rússia – no escuro e passando frio19”. 
 Até o momento, as tensões geopolíticas em torno de 
suprimentos de energia se limitaram aos episódios de interrupção 
das remessas de gás natural da Rússia para a União Europeia pelos 
gasodutos que atravessam a Ucrânia e outros países do Leste 
Europeu. Em janeiro de 2006, uma disputa em torno dos preços do 
gás exportado pela Rússia para a Ucrânia resultou no fechamento 
do principal gasoduto que abastece o centro e o leste da Europa, 
provocando uma crise energética no período mais frio do inverno. A 
Rússia, na ocasião, cortou as remessas de gás para o país vizinho em 
resposta à recusa do governo ucraniano em aceitar uma elevação de 
preços com base nas cotações internacionais – a Ucrânia pagava 
cerca de US$ 50 para cada 1 mil metros cúbicos de gás, quando os 
preços cobrados da Europa Ocidental eram superiores a US$ 220 
pelo mesmo volume. A Ucrânia reagiu desviando uma parte do gás 
russo que passava por seu território em direção ao oeste a fim de 
atender à demanda doméstica, o que gerou desabastecimento em 
vários países. 
 Evidentemente, o ato de força praticado por Moscou 
transcende as divergências comerciais. O conflito energético russo-
ucraniano só faz sentido no contexto dos atritos políticos a partir da 
chamada Revolução Laranja, ocorrida dois anos antes, em que os 
 
19
 STENT, 2008, p.87. 
ucranianos substituíram, com apoio dos EUA, um governo pró-
russo por dirigentes decididos a reduzir a influência russa no país e 
a aproximá-lo do Ocidente, buscando até a mesmo a adesão à Otan. 
A crise regional de 2006 – sucedida por várias outras, quase ao ritmo 
de uma por inverno20 -- realçou a importância estratégia da Rússia 
como ator geopolítico que ocupa o epicentro do cenário energético 
na Eurásia. Com a vitória do candidato pró-russo Viktor 
Yanukovitch nas eleições presidenciais da Ucrânia em fevereiro de 
2010, os dois países se aproximaram no plano político, o que 
automaticamente fez desaparecer os conflitos no campo da energia. 
 Mas um foco permanente de tensão continua ativo na Geórgia, 
palco de um breve conflito militar entre tropas russas e georgianas, 
em 2008. Essa pequena república ex-soviética se tornou uma aliada 
estratégica dos EUA a partir da década de 1990, quando o governo 
do presidente Bill Clinton atribuiu à Geórgia o papel de “corredor 
energético”, dentro do esforço de promover a exportação dos 
hidrocarbonetos da Ásia Central para a Europa à margem do 
território russo. Para garantir a segurança da rede de gasodutos e 
 
20Crises regionais semelhantes se repetiram no inverno de 2006/2007, quando a 
Rússia ameaçou cortar os suprimentos da Bielorússia e da Geórgia – que se 
renderam às exigências russas de revisão dos preços –, e, outra vez, no início de 
2009, situação em que alguns países da Europa Ocidental ficaram sem gás 
devido a uma nova disputa entre os governos russo e ucraniano. 
 
oleodutos que começou a ser construída através da Geórgia, o 
governo estadunidense financiou a construção de um forte 
dispositivo militar georgiano, treinado e equipado pelos EUA. Mais: 
em uma iniciativa que irritou profundamente as autoridades russas, 
propôs o ingresso da Geórgia como membro pleno da Otan, em 
ritmo rápido. 
 Ocorre que, como legado do período soviético, a Geórgia enfrenta 
duas complicadas questões territoriais não-resolvidas, que 
resultaram em movimentos separatistas nas províncias da Abkházia 
e Ossétia do Sul, cujos habitantes – etnicamente russos – recusam a 
autoridade política georgiana e reivindicam a incorporação dessas 
regiões à Rússia. Em 7 de agosto de 2008, após uma série de 
escaramuças entre forças governamentais e milícias separatistas, o 
presidente georgiano Mikheil Saakashvili enviou tropas que 
invadiram a província separatista da Ossétia do Sul, em um esforço 
para capturar sua capital, Tskhinvali. Foi o motivoque o presidente 
russo Vladimir Putin estava aguardando para fazer valer a 
hegemonia da Rússia na região e, por tabela, demonstrar a 
vulnerabilidade dos dutos ocidentais através da Geórgia. As forças 
armadas russas intervieram no conflito e derrotaram facilmente o 
exército georgiano, em poucos dias de combates. Uma trégua foi 
assinada, mas a Rússia reconheceu a soberania das duas províncias 
em disputa. A derrota militar e política da Geórgia sinalizou 
claramente para os atores externos e para os demais governos da 
Ásia Central que a Rússia está disposta a usar todos os meios, 
inclusive militares, para manter sob seu controle os recursos 
energéticos da região. 
 
6.4 A corrida para a África 
 Com a crescente valorização comercial dos recursos de energia a 
partir do início do século XXI e o aumento das preocupações 
estratégicas decorrentes do risco de escassez de petróleo, a África 
tem se tornado um foco da cobiça das principais companhias 
internacionais de hidrocarbonetos. A disputa pelo controle das ricas 
reservas africanas envolve tanto as empresas tradicionais, com 
matriz nos EUA e Europa, quanto companhias estatais da China e 
de outros países emergentes, empenhadas na disputa por acordos 
com os governantes africanos para a exploração do petróleo e do gás 
natural. As empresas chinesas obtiveram nos últimos dez anos 
direitos de exploração petroleira em Angola, Chade, Guiné 
Equatorial, Líbia e Nigéria, além de já liderarem a produção nos 
ricos campos petrolíferos do Sudão. 
 Conforme explica Michael T. Klare, o passado colonial da África 
gera condições privilegiadas para os investidores estrangeiros, que 
lá obtêm margens de lucros e regras mais favoráveis do que as 
vigentes em outras partes do mundo: 
 “O que torna a África tão tentadora atualmente é 
exatamente o mesmo que a levou a atrair predadores 
estrangeiros nos séculos anteriores: a vasta abundância 
de matérias-primas vitais em um continente 
profundamente dividido, politicamente débil e 
ostensivamente aberto à exploração internacional. (...) 
Por causa das sua história atormentada, a África carece 
das defesas contra a exploração estrangeira dos recursos 
que outras regiões previamente colonizadas 
estabeleceram com o tempo. A descolonização da região 
é relativamente recente – as colônias portuguesas, por 
exemplo, só conquistaram a independência em 1975. 
Com poucos profissionais qualificados, os países 
africanos não tiveram escolha senão a de recorrer às 
corporações estrangeiras para colocar em operação os 
imensos projetos de oil e gás implantados nos últimos 
anos. Não surpreende, portanto, que as companhias 
transnacionais achem muito mais vantajoso fazer 
negócios na África do que no Oriente Médio, na 
Venezuela ou até no Mar Cáspio, onde estatais como 
como a Aramco, a PdVSA e a KaiMunaiGaz operam sob 
rigorosa supervisão governamental, limitando as 
oportunidades por acordos muito lucrativos”21. 
 
21
 KLARE, 2008, p.146-147. 
 Devido aos laços coloniais que sobreviveram à independência, as 
empresas europeias se destacam entre os investidores estrangeiros. 
Petroleiras francesas, especialmente a Total, tem forte presença nas 
antigas colônias da França, como o Gabão e a República do Congo. 
A presença preponderante da BP e da anglo-holandesa Shell na 
Nigéria se explicam, igualmente, pelo fato de se tratar de um país 
que até 1960 pertencia ao Império Britânico. As empresas dos EUA 
estão presentes na África desde a descolonização, mas só passaram a 
encarar o continente africano como prioritário no final da década de 
1990. Não por acaso, o governo do presidente George W. Bush 
decidiu, em 2007, estabelecer um comando militar específico para 
defender os interesses dos EUA na África, o Africom, a exemplo dos 
centros de operações que as forças armadas estadunidenses já 
mantinham em outros continentes. 
 Com proteção militar e impulsionadas pela perspectivas de altos 
lucros, as principais petrolíferas dos EUA desencadearam uma 
ofensiva para se implantar na África. A ExxonMobil e a Chevron 
lideram essa corrida, com a aquisição de reservas promissoras na 
costa oeste do continente. Na atualidade, a África Ocidental 
constitui a principal fonte petróleo bruto dessas duas empresas. Em 
Angola, a ExxonMobil é a principal operadora na exploração off 
shore. Um único bloco, o maior em águas profundas angolanas, é 
responsável, sozinho, por 9% de toda a produção petroleiroa da 
empresa no mundo22. Outras petrolíferas estadunidenses também 
estão se aproveitando das oportunidades existentes na África para 
desenvolver seus próprios projetos de produção. É o caso da 
Occidental (Oxy), da ConocoPhillips, da Amerada Hess e da 
Marathon. 
 A chegada das empresas petroleiras chinesas, no início do atual 
século, fortaleceu os governos africanos nas negociações com as 
transnacionais. Em contraste com o Big Oil – corporações privadas 
movidas pela lógica da maximização dos lucros – a CNOOC, a 
CNPC e Sinopec são companhias estatais ou, ao menos, controladas 
pelo governo. Operam no exterior como agentes dos interesses 
nacionais da China, sempre com o foco na busca de segurança 
energética por meio da diversificação dos fornecedores e do controle 
de reservas de hidrocarbonetos em outros países. Dessa maneira, as 
empresas chinesas se mostram mais dispostas do que suas 
competidoras ocidentais a ceder nas na negociação com os governos 
dos países hospedeiros em temas delicados como a partilha da 
renda petroleira, definida nas taxas de royalties e de impostos. Os 
investidores chineses também costumam oferecer créditos a juros 
baixos, construção de escolas e hospitais, facilidades no acesso de 
outras exportações africanas ao mercado consumidor da China e, 
principalmente, obras de infra-estrutura. 
 
22
 KLARE, 2008, p.160-161. 
 Um exemplo significativo dos meios de persuasão utilizados pelas 
estatais chinesas é o episódio do ingresso da Sinopec em Angola, em 
2004, por meio da compra de 50% de um bloco petrolífero off shore 
até então controlado na sua totalidade pela BP, na condição de 
empresa operadora. A BP pretendia vender a metade da sua 
participação para a ONGV Videsh, subsidiária da India’s Oil and 
Natural Gas Corporation. Mas o negócio mudou de rumo quando a 
empresa nacional de petróleo angolana, Sonangol, determinou que a 
parcela fosse entregue à Sinopec, em recompensa pelo empréstimo 
de US$ 2 bilhões que o governo chinês ofereceu ao governo 
angolano, praticamente sem cobrar juros23. Já no Sudão – principal 
exportador de petróleo para a China –, a companhia chinesa CNPC 
construiu uma refinaria e uma rede de oleodutos. O principal 
diferencial entre a China e os países ocidentais no que se refere aos 
investimentos de energia do Sudão se situa no terreno político. 
Além de vender armas ao governo sudanês, a China bloqueou, no 
Conselho de Segurança da ONU, as propostas de sanções 
econômicas contra o regime do presidente sudanês Omar Ahmed 
Al-Bashir, acusado de cometer violações aos direitos humanos na 
repressão aos rebeldes separatistas no sul e no oeste do país. 
 Os empreendimentos estrangeiros de exploração dos recursos 
energéticos da África também enfrentam sérias complicações 
políticas na Nigéria, país que possui as maiores reservas africanas 
 
23
 KLARE, 2008, p.168. 
de petróleo e gás natural. A renda obtida com essas riquezas é 
cronicamente apropriada pela elite militare pelos grupos civis a ela 
vinculados, que controlam o país desde a independência, em 1960. 
Mas a exploração, concentrada no delta do Rio Níger, deixa escassos 
benefícios para os habitantes locais. A revolta com a injusta 
distribuição da receita dos hidrocarbonetos tem alimentado a 
formação de grupos armados na área onde operam as 
transnacionais. Atualmente, a região é palco da insurgência 
protagonizada pelo Movimento pela Emancipação do Delta do 
Níger, que promove atos de sabotagem contra as empresas 
estrangeiras, incluindo frequentes sequestros de engenheiros e 
técnicos envolvidos na exploração do petróleo. Essas ações levaram 
a Shell e a BP a suspenderem as atividades na região em 2007, por 
falta de segurança. Ainda assim, a Shell continua a liderar o grupo 
das petroleiras estrangeiras na Nigéria, graças à operação do campo 
off shore de Bonga, a maior fonte de petróleo do país24. 
 
 
 
24
 KLARE, 2008, p.154.

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