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Prévia do material em texto

a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial
organizadores
josé geraldo silveira bueno
katya mitsuko zuquim braghini
kazumi munakata
silvia márcia ferreira meletti
..................................................................................................................................................................
Esta edição recebeu apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP.
..................................................................................................................................................................
Todos os textos estão idênticos aos originais recebidos pela Editora e sob responsabilidade dos 
Autores e Organizadores.
..................................................................................................................................................................
Proibida a reprodução total ou parcial desta edição, por qualquer meio ou forma, em língua portuguesa 
ou qualquer outro idioma, sem a devida menção acerca desta edição (créditos completos de Autoria, 
Organização e Edição), sendo vedados quaisquer usos para fins comerciais.
..................................................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
Produção: Junqueira&Marin Editores 
 www.junqueiraemarin.com.br 
Coordenação: Prof. Dr. Dinael Marin
Capa/Diagramação/Editoração: ZEROCRIATIVA
Revisões: Organizadores
................................................................................................................................................................
Conselho Editorial da Junqueira&Marin Editores:
Profa. Dra. Alda Junqueira Marin (coord.)
Profa. Dra. Adriane Knoblauch
Prof. Dr. Antonio Flavio Barbosa Moreira
Profa. Dra. Dirce Charara Monteiro
Profa. Dra. Fabiany de Cássia Tavares Silva
Profa. Dra. Geovana Mendonça Lunardi Mendes
Profa. Dra. Graça Aparecida Cicillini
Prof. Dr. José Geraldo Silveira Bueno
Profa. Dra. Luciana de Souza Gracioso
Profa. Dra. Luciana Maria Giovanni
Profa. Dra. Maria das Mercês Ferreira Sampaio
Profa. Dra. Maria Isabel da Cunha
Prof. Dr. Odair Sass
Profa. Dra. Paula Perin Vicentini
Profa. Dra. Suely Amaral Mello
..................................................................................................................................................................
SUMÁRIO 
Prefácio 
Rosalba Maria Cardoso Garcia
Apresentação 
José Geraldo Silveira Bueno
Katya Mitsuko Zuquim Braghini
Kazumi Munakata
Silvia Márcia Ferreira Meletti
PARTE UM
EDUCAÇÃO ESPECIAL COMO OBJETO 
DE PESQUISA HISTÓRICA 
Capítulo 1 
Instituição e educação especial: perspectiva 
histórico-pedagógica 
Justino Pereira de Magalhães 
Capítulo 2 
Os cegos, “esses infelizes”: sujeitos, instituições 
e circulação de conhecimentos pedagógicos 
(séculos XIX e XX) 
Helder Manuel Guerra Henriques 
PARTE DOIS
PESQUISAS SOBRE O 
CAMPO PEDAGÓGICO 
9
16
25
26
58
104
Capítulo 3 
Inclusão escolar de alunos com deficiência 
intelectual e expectativas de aprendizagem: 
análise do documento oficial da Secretaria 
Municipal de Educação de São Paulo 
Patrícia Tanganelli Lara 
Capítulo 4 
Alfabetização de alunos com deficiência 
intelectual: um estudo sobre estratégias de 
ensino utilizadas no ensino regular 
Mirian Célia Castellain Guebert 
Capítulo 5 
Avaliação diagnóstica nos alunos com baixo 
rendimento: ações colaborativas entre 
educação e saúde 
Viviane Ferrareto da Silva Pires 
PARTE TRÊS
DEFICIÊNCIA, POLÍTICAS E
MEIO SOCIAL 
Capítulo 6 
Educação de adultos com deficiência 
intelectual grave: entre a exclusão social e o 
acesso aos direitos de cidadania 
Lucélia Fagundes Fernandes Noronha 
105
145
166
195
196
Capítulo 7 
Surdez, trajetórias sociais e a construção das 
identidades 
Carla Cazelato Ferrari 
Capítulo 8 
Os Programas de Livro e as políticas 
públicas de acesso à leitura na perspectiva da 
educação especial 
Tatiana de Andrade Fulas 
PARTE QUATRO
PESQUISAS COM BASE EM DADOS 
ESTATÍSTICOS OFICIAIS 
Capítulo 9 
Indicadores sociais, escolarização de alunos 
com deficiência e a pesquisa educacional 
Silvia Márcia Ferreira Meletti 
Capítulo 10 
Censo escolar da educação básica: uma 
análise das trajetórias de alunos com 
deficiência intelectual matriculados na rede 
municipal de Londrina-PR (2007-2015) 
Jéssica Germano 
223
252
285
286
320
Capítulo 11 
Escolarização de alunos com deficiência 
intelectual: as estatísticas educacionais como 
expressão das políticas de educação especial 
no Brasil (2007-2012) 
Ricardo Schers de Goes 
Capítulo 12 
Deficiência, raça e gênero: uma análise de 
indicadores educacionais brasileiros 
Michelle Melina Gleica Del Pino Nicolau 
Pereira 
Capítulo 13 
A filantropia e a segregação na educação 
especial: um olhar a partir dos indicadores 
educacionais brasileiros 
Natália Gomes dos Santos 
PARTE CINCO
A PESQUISA BIBLIOGRÁFICA EM 
EDUCAÇÃO ESPECIAL 
Capítulo 14 
O Repositório de Livros de Educação Especial 
das Bibliotecas Universitárias – LIEEB 
José Geraldo Silveira Bueno e Carla Cazelato 
Ferrari 
341
371
399
426
427
Capítulo 15 
Pesquisa bibliográfica: análise de resumos 
acadêmicos sob a teoria de Raymond Williams 
‒ o ensino-aprendizagem de surdos no Brasil 
Geane Izabel Bento Botarelli 
Capítulo 16 
Os caminhos percorridos que resultaram na 
tese intitulada “A produção acadêmica sobre 
deficiência intelectual: um balanço das teses 
defendidas entre 1993 e 2015” 
Pâmela Carolina Martins Tezzele 
Capítulo 17 
Veiculação da produção científica sobre o 
autismo no Brasil: embates e tensões 
Katia Cristina Luz 
Capítulo 18 
Análise da produção intelectual em Educação 
e Letras/Linguística: um balanço de teses e 
dissertações sobre o ensino-aprendizagem de 
inglês para alunos com deficiência 
Vinícius Neves de Cabral 
SOBRE OS AUTORES
447
474
506
536
558
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 9
PREFÁCIO
Inicio manifestando minha alegria em escrever o 
prelúdio de uma importante publicação reunindo reflexões 
acerca da educação especial. A coletânea que tenho a 
honra de prefaciar conjuga elementos importantes para a 
pesquisa educacional, dentre as quais ressalto: 1) resulta 
de um evento de socialização de produção acadêmica, o VI 
Seminário Internacional: a produção do conhecimento no 
campo da educação especial organizado pelo Programa de 
Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade 
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-
SP; 2) proporciona o intercâmbio com pesquisas realizadas 
em outro país, no caso, Portugal; 3) reúne um conjunto 
de trabalhos produzidos por pesquisadores que, em sua 
extensa maioria, estão articulados mediante o grupo de 
pesquisa Processos de escolarização, desigualdades 
sociais e diversidade cultural (PUC-SP), liderado pelo 
professor José Geraldo Silveira Bueno; 4) boa parte dos 
trabalhos que a constituem é derivada de dissertações e 
teses. Em síntese, os textos em tela resultam de trabalho 
de produção sistemática e coletiva de conhecimento, 
sob a coordenação de um pesquisador experiente e 
fomentador de novas questões e horizontes à pesquisa 
educacional, guardando entre si características que 
marcam essa contribuição de forma singular. Outrossim, 
a produção intelectual do professor José Geraldo 
perpassa todos os textos, quer seja como referencial que 
contribuiu para as reflexões desenvolvidas, quer seja 
na condução impressa por sua orientação acadêmica.
a produçãodo conhecimento
no campo da
educação especial10
Na atual conjuntura brasileira, permeada por cortes 
orçamentários para a área social, retração dos recursos 
para a área da educação e fomento à pesquisa, e com 
a ascensão de um pensamento conservador, considero 
uma demonstração de força e resistência persistir com 
a estratégia do trabalho coletivo, na universidade ou em 
qualquer outra instituição.
A coletânea em tela, em seu conjunto, abraça 
demandas de suma importância e relevância acadêmica 
e social para a área da educação, ao mesmo tempo em 
que difunde um posicionamento político e teórico de 
reconhecer e afirmar a educação especial como campo de 
conhecimento e objeto de pesquisa. Já aprendemos com 
a história que em momentos como esses que estamos 
vivendo, aqueles que estão nas margens dos processos 
sociais são os primeiros a serem atingidos. Levar adiante a 
pesquisa acadêmica de forma coletiva e difundir o campo 
de conhecimento educação especial pode se revelar 
importante estratégia de luta pela educação pública 
para uma parcela significativa da população brasileira.
Instigada pela defesa da educação especial como 
campo de conhecimento, que foi apreendida como 
um fio condutor dos trabalhos que constituem esta 
coletânea, realizei um estudo de pequena monta na base 
corrente de dados do Diretório de Grupos de Pesquisa 
- DGP do Conselho Nacional de Desenvolvimento 
Científico e Tecnológico – CNPq.1 Efetuei duas buscas 
1 Consulta em http://lattes.cnpq.br/web/dgp, realizada em 22 de maio de 
2018. Os dados registrados são referentes ao ano de 2016. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 11
inserindo no campo “buscar grupos” o descritor 
“educação especial” utilizando como um primeiro filtro 
a “grande área” Ciências Humanas nas duas buscas: 
a primeira com um segundo filtro “área” – Educação 
e a segunda busca com um segundo filtro “área” – 
Psicologia. A opção pelo procedimento deve-se ao 
fato de que consultando os dados já sistematizados 
no próprio Diretório,2 identificamos que do total de 
8.091 grupos registrados na grande área das Ciências 
Humanas, o maior contingente corresponde à área da 
Educação com 3.595 grupos, que representa 44,43% da 
grande área. Em segundo lugar, localizamos a área de 
História, com 912 grupos registrados, o que corresponde 
a 11,27% da grande área Ciências Humanas. A terceira 
área mais expressiva na grande área é a Psicologia com 
884 grupos registrados (10,92%). As demais áreas das 
Ciências Humanas conforme a classificação do DGP/
CNPq (sociologia, geografia, filosofia, antropologia, 
ciência política, teologia e arqueologia) não foram 
consideradas nesse estudo, devendo ser exploradas em 
outra oportunidade. A área de História foi descartada do 
estudo no procedimento principal, o qual foi definido 
como a verificação do quantitativo de grupos de cada 
área a partir do descritor “educação especial”, uma vez 
que não foi localizado nenhum registro nessa busca.
Localizei, a partir da busca com o descritor “educação 
especial”, 201 grupos registrados na área de Educação e 
2 Consulta em http://lattes.cnpq.br/web/dgp/painel-dgp/, realizada em 22 
de maio de 2018. Os dados registrados são referentes ao ano de 2016. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial12
29 grupos na área da Psicologia, totalizando 230 grupos de 
pesquisa na grande área Ciências Humanas em atividade 
no Brasil com pesquisas nesse campo. Em uma segunda 
filtragem buscamos dentre os grupos já identificados, 
aqueles que contêm o termo “educação especial” em sua 
denominação, a partir da qual localizamos 59 grupos na área 
da educação e três grupos de pesquisa na área da Psicologia, 
totalizando 62 grupos com essa característica. Identificamos 
que 168 grupos mencionavam a educação especial como 
palavras-chaves, ou nas linhas de pesquisa ou ainda nas 
descrições das ações desenvolvidas pelos pesquisadores.
Tais dados podem conduzir a uma análise de que 
somente 62 de 230 grupos se dedicam à pesquisa sobre 
educação especial como foco principal, a ponto de a 
denominação do grupo conter o termo específico. Por 
outro lado, os mesmos dados podem revelar que o campo 
da educação especial vem sendo mais pesquisado a partir 
dos aportes teóricos e metodológicos comuns à área da 
educação, constituídos pelos fundamentos da história, 
filosofia, sociologia, economia, psicologia. Os grupos 
analisados que não contém o termo “educação especial” 
em sua denominação ressaltam como foco principal 
de estudos, entre outros, a formação de professores, 
o currículo, a política educacional, a didática, o 
desenvolvimento humano, a aprendizagem, o que pode 
significar que a educação especial vem sendo absorvida 
nos grupos de pesquisa e nos programas de pós-graduação 
como um objeto de estudo com as características gerais 
da área da educação, mas com particularidades que são 
próprias a um campo de conhecimento.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 13
Inseridos nos processos de pesquisa da área da 
educação, os estudos apresentados na coletânea em 
foco contém diferentes abordagens atuando no campo 
de conhecimento da educação especial de forma 
ampla, a saber: bibliográfica, histórica, documental, 
pesquisa de campo, estudos de indicadores sociais 
e estatísticas educacionais, estudos de trajetórias 
sociais e estudantis. No desenvolvimento de tarefa 
tão importante, os pesquisadores debruçaram-se 
sobre dados quantitativos e qualitativos, mobilizaram 
produções acadêmicas e análises diversas, 
aglutinados por temas que contém em si uma agenda 
de pesquisas.
A partir da leitura dos 18 capítulos que compõem as 
cinco partes da coletânea de textos, dentre as muitas 
temáticas problematizadas, elencamos aquelas que 
consideramos presentes de forma transversal, aqui 
expostas em seis agrupamentos:
1 A questão institucional: história das instituições 
educacionais, o conflito assistencial e educacional, a 
manutenção de atendimentos segregados mediante as 
políticas de perspectiva inclusiva, a filantropia como 
parte da política pública, a educação especial pública 
na escola regular;
2 O currículo: o desafio da diversidade/diferença/
expectativas de aprendizagem, o dilema adaptações/
diferenciações curriculares no processo de 
escolarização;
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial14
3 Os/as professores/as: papéis destinados aos professores 
e às professoras no campo da educação especial; a 
natureza e a qualidade do intercâmbio entre professores 
da educação especial e demais docentes;
4 Acesso à cultura formal: alfabetização e interação com 
a linguagem escrita, a produção de material de leitura/
diversidade humana, acesso à cultura letrada;
5 Objetivação ensino/aprendizagem: resultados de 
aprendizagem/qualidade de ensino, avaliação 
diagnóstica/desempenho individual considerado 
individualmente ou socialmente;
6 Estudantes: incorporação de estudantes com deficiência 
no sistema escolar, relação presença no ambiente 
escolar/particularidades, conflito direito à igualdade/
direito à diferença, relação identidade social/trajetória 
social, tematização da deficiência e da escolarização 
das pessoas com deficiência face aos processos de 
produção da desigualdade social associada às questões 
de raça e gênero.
Nossa intenção não foi reduzir a produção em 
apreciação a seis agrupamentos temáticos, mas demonstrar 
a fertilidade dos estudos nela contemplados, os quais, ao 
mesmo tempo articulam elementos clássicos do debate 
educacional com questões contemporâneas da área.
Já do ponto de vista teórico, os estudos que 
constituem esse trabalho têm em comum o esforço 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 15
de reiterar a importância de a educação especial, 
como campode conhecimento, ser pensada mediante 
referenciais sociológicos, imprimindo dessa forma 
uma marca, uma forma própria de ler o fenômeno 
estudado, o que singulariza sua contribuição.
Como comentário final, mas não menos importante, 
ressalto a análise crítica presente em todo o texto 
acerca dos resultados educacionais e escolares 
das políticas de educação especial na perspectiva 
inclusiva no Brasil sem ferir o princípio do direito 
à educação escolar, reafirmando a necessidade 
histórica de acesso aos processos de escolarização, à 
cultura humana que se acessa mediante a escola, sem 
perder de vista que tais processos se realizam numa 
sociedade desigual.
Generosamente, o Programa de Pós-Graduação 
em Educação: História, Política, Sociedade da 
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – 
PUC-SP, mediante a produção desse trabalho, se faz 
presente nesse momento, honrando a sua história de 
contribuições acadêmicas e políticas, ao oferecer 
um rico e abrangente material de estudo que poderá 
fomentar densos debates entre aqueles que se propõem 
a fazer avançar o campo de conhecimento da educação 
especial. 
ROSALBA MARIA CARDOSO GARCIA
Viña del Mar, Chile, Maio de 2018.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial16
APRESENTAÇÃO
O livro A produção do conhecimento no campo 
da educação especial é o resultado das investigações 
acadêmicas oriundas de três diferentes grupos de 
pesquisas que trabalham com o tema da educação especial 
e que compuseram o quadro de intercâmbios, nacionais e 
internacionais, agrupados no “VI Seminário Internacional: 
a produção do conhecimento no campo da Educação 
Especial”, acontecido nos dias 19, 20 e 21 de fevereiro 
de 2018, sob o financiamento da FAPESP e do CNPq. 
Este evento dá continuidade a uma sequência 
histórica de Seminários Internacionais promovidos pelo 
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: 
História, Política, Sociedade (EHPS), da Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo, que desde 1995, 
tem realizado encontros acadêmicos de altíssimo nível, 
cujas temáticas envolveram questões que contribuem 
para o adensamento da pesquisa em educação. 
Nesses encontros foram discutidos temas como o 
“Banco Mundial e as políticas educacionais” (I Seminário - 
1995), sobre o impacto do órgão no adensamento da lógica 
do campo econômico na educação; “Novas Políticas 
Educacionais” (II Seminário – 1996), dando enfoque 
aos impactos das reformas educacionais, destacando o 
papel do Estado na elaboração de tais políticas; “Escola 
e Cultura” (III Seminário – 2008), estudando a escola 
nas suas recíprocas relações com a cultura, integrado 
por debates sobre diversidade cultural e currículo; “A 
escola, desigualdades, diversidades” (IV Seminário – 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 17
2011), preocupado com a constituição e organização das 
práticas educativas em relação aos problemas oriundos 
das condições sociais e econômicas da população e 
da diversidade cultural que caracteriza a sociedade 
contemporânea; “Educação e Regimes Ditatoriais: 50 
anos do golpe militar no Brasil” (V Seminário – 2014), 
que analisou as consequências de regimes autoritários 
para a sociedade em geral e, especialmente, para a 
educação e para a cultura, rememorando o golpe militar 
no Brasil ocorrido em 1964. 
Intelectuais de diferentes países passaram pelos 
respectivos seminários, fortalecendo os debates sobre o 
campo educacional, tais como: Michael Apple (EUA), 
José Gimeno Sacristán (Espanha), Christian Laville 
(Canadá), Anne-Marie Chartier (França), José Luiz 
Coraggio (Argentina), Thomas Popkewitz (EUA), 
Munanga Kabengele (Brasil), Bernard Lahire (França), 
Clarice Nunes (Brasil), Pablo Pineau (Argentina), 
Antón Costa (Espanha), Circe Bittencourt (Brasil), Alda 
Junqueira Marin (Brasil), Thomas Skrtic (EUA), Noam 
Chomsky (EUA), Manuel Antonio Garreton (Chile), 
Carolina Kaufmann (Argentina), Paolo Bianchini 
(Itália), Maria Ligia Coelho Prado (Brasil), Dalmo 
Dallari (Brasil) e muitos outros. 
No ano de 2018 o “VI Seminário Internacional: 
A produção do conhecimento no campo da educação 
especial” reuniu um conjunto de textos a partir do 
trabalho de pesquisadores efetivado pela parceria entre o 
PEPG-EHPS com a Universidade Estadual de Londrina 
(UEL) e centros internacionais de conhecimento, tais 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial18
como a Universidade de Lisboa e o Instituto Politécnico 
de Portalegre (Portugal). Vemos aqui o trabalho do Prof. 
Dr. José Geraldo Silveira Bueno, com 25 anos de uma 
trajetória de estudos, pesquisas e formação de doutores 
e mestres na área da educação especial, a partir de seu 
trabalho na linha de pesquisa “Processos de escolarização, 
desigualdades sociais e diversidade”. Verifica-se 
também a rica interlocução acadêmica constante com a 
Profa. Dra. Silvia Marcia Ferreira Meletti (UEL) por sua 
atuação concentrada na educação escolar e nas políticas 
educacionais, com ênfase na Educação Especial, 
principalmente no estudo de indicadores educacionais. 
O Prof. Dr. Kazumi Munakata, que com o projeto “A 
educação dos sentidos na escola contemporânea brasileira 
(séculos XIX-XX): projetos, práticas, materialidades”, 
tem aberto um caminho de pesquisas, na história da 
educação, no sentido de pensar como se faz a educação 
de quem está desprovido de um ou mais sentidos. 
O livro, portanto, apresenta o trabalho conjunto 
de grupos de pesquisa, sociólogos e historiadores da 
educação, que, por meio da interlocução interdisciplinar 
e do debate acadêmico, procurou dar força analítica às 
investigações nesse campo de pesquisa e criar novos 
horizontes de investigação. O debate tanto analisou 
as questões políticas e sociais que visam ampliar as 
oportunidades educacionais de sujeitos marginalizados 
socialmente, quanto criticou a característica seletiva da 
escola brasileira, que, em sua trajetória conservadora, 
visa à manutenção das condições sociais de dominação. 
Aqui, vemos a educação especial sendo discutida por 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 19
diferentes caminhos: educação de alunos com deficiência 
intelectual e com necessidades educacionais especiais; 
expectativas em relação as suas aprendizagens; análises 
de documentos oficiais, estatísticas; estudos sobre as 
estratégias de ensino utilizadas no ensino regular; a 
exclusão social e o acesso aos direitos de cidadania; 
indicadores sociais; análises das iniciativas políticas; 
análise histórica de materiais didáticos, estado da arte 
da produção acadêmica no Brasil; um panorama da 
literatura educacional ocupada com o tema etc.
O seu conteúdo está dividido em categorias formuladas 
para o Seminário, tratando de:
• Educação especial como objeto de pesquisa histórica;
• Pesquisas sobre o campo pedagógico;
• Deficiência, políticas e meio social;
• As pesquisas com base em dados estatísticos oficiais;
• A pesquisa bibliográfica em educação especial.
Abrindo a coletânea, temos os estudos sobre a 
educação especial como objeto de pesquisa histórica 
com a participação de dois convidados internacionais. 
O primeiro trabalho é do professor Justino Pereira de 
Magalhães, que faz uma perspectiva histórico-pedagógica 
da relação entre Instituição, pensada como educação 
fundamental e como reeducação, e a educação especial. 
Levando em conta a ascensão da cultura escrita, centrada 
no triângulo antropomórfico formado por cérebro, mão 
e visão, o que tornou notórios os condicionamentos 
de natureza cognitiva e fisiológica, o texto explica a 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial20
criação de métodos e sistemas de comunicação verbal 
especializada, para cegos e para surdos, gerando novas 
manifestações de escrita e a linguagem gestual. Ao 
final, apresentatanto a crise do que o autor chama de 
instituição e a percepção da “evolução substantiva e 
semântica” da Educação Especial, nas últimas décadas. 
O segundo trabalho é do professor Helder Manuel Guerra 
Henriques, que procura compreender quais modelos 
pedagógicos e culturais relacionados com o ensino dos 
cegos circularam entre o Brasil e Portugal, na transição 
entre os séculos XIX e XX. Sua base documental foi 
encontrada na primeira instituição portuguesa, fundada 
em 1863, a acolher crianças, jovens e adultos cegos, 
conhecido como Asilo de Cegos de Castelo de Vide.
Em relação ao campo pedagógico, visando 
compreender a inclusão escolar de alunos com deficiência 
intelectual e expectativas de aprendizagem, temos aqui 
a análise do documento Referencial de Avaliação sobre 
a Aprendizagem do Aluno com Deficiência Intelectual 
(RAADI) em cotejamento com orientações destinadas 
aos alunos considerados normais, investigado por 
Patrícia Tanganelli Lara. Logo em seguida, Mirian Célia 
Castellain Guebert apresenta análise sobre os processos 
de alfabetização de alunos com deficiências em salas 
de ensino regular. Por fim, a avaliação diagnóstica 
nos alunos com baixo rendimento, tendo como campo 
empírico a rede pública do município de Santo André, é 
analisada por Viviane Ferrareto da Silva Pires. 
As discussões sobre deficiência, políticas e meio 
social foram introduzidas pela análise de Lucélia 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 21
Fagundes Fernandes Noronha a respeito da educação 
de adultos com deficiência intelectual grave, entre os 
processos de exclusão social e o acesso aos direitos 
de cidadania. Já a pesquisadora Carla Cazelato Ferrari 
apresenta um estudo sobre as trajetórias sociais de 
surdos e a construção de suas identidades. A autora 
mostra como as condições objetivas de pessoas 
surdas revelam trajetórias diversificadas, bem como a 
construção de identidades sociais distintas, levando-as 
até mesmo a utilizar diferentes formas de comunicação, 
como a língua oral ou a língua de sinais. A investigação 
de Tatiana de Andrade Fulas mostra os Programas de 
Livros e as políticas públicas de acesso à leitura na 
perspectiva da Educação Especial. No texto, vê-se que 
a legislação é insuficiente para resolver as questões de 
acessibilidade, principalmente no que diz respeito aos 
editais dos Programas de Livros, já que os títulos em 
Braille e Libras, disponibilizados pelo governo federal, 
formam um acervo mínimo em comparação ao acervo 
disponível para alunos sem deficiência. 
Os indicadores sociais, escolarização de alunos com 
deficiência e a pesquisa educacional são estudados 
por Silvia Marcia Ferreira Meletti e abre a série de 
pesquisas que consideram os dados estatísticos oficiais. 
No caso, foram analisadas as recomendações dos 
organismos internacionais no que se refere à educação 
de pessoas com deficiência e a política de educação 
especial vigente no Brasil. Resulta do estudo que o 
acesso desta população a qualquer tipo de escola não 
está garantido e que formas de atendimento segregado 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial22
marcam a educação especial no Brasil. Em seguida, 
Jéssica Germano fez uma análise geral dos microdados 
do Censo Escolar da Educação Básica do município 
de Londrina de modo a perceber como é inconstante 
a trajetória de alunos com deficiência na cidade, 
pelos registros de ausência de aulas, instabilidade na 
frequência das matrículas, falta de registros escolares 
etc. Em outro estudo, Ricardo Schers de Goes apresenta 
a escolarização de alunos com deficiência intelectual, 
principalmente a partir das estatísticas educacionais. 
Faz um panorama sobre a expansão das matrículas 
de alunos com deficiência intelectual no ensino 
regular em regiões do Brasil em relação aos alunos 
com necessidades educacionais especiais (NEE), 
evidenciando a influência da categoria nos resultados 
dos levantamentos estatísticos no Brasil. O trabalho 
de Michelle Melina Gleica Del Pino Nicolau Pereira 
investiga os indicadores educacionais brasileiros, no 
que se refere às matrículas de pessoas com deficiência 
visual, auditiva, física e intelectual na educação básica, 
no ano de 2012, com base nos dados do Censo Escolar, 
em relação a gênero e raça. Para fechar este quadro, 
Natália Gomes dos Santos estudou a filantropia e a 
segregação na educação especial, analisando os dados 
de instituições especiais deste tipo, por dependência 
administrativa, categoria da escola especial, tipo de 
necessidade educacional especial e etapa de ensino. 
A autora destaca a predominância da filantropia nos 
serviços da área, o que acaba por justificar o estímulo 
financeiro para a manutenção desses espaços. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 23
O Repositório de Livros de Educação Especial das 
Bibliotecas Universitárias, pesquisa feita por José 
Geraldo Silveira Bueno e Carla Cazelato Ferrari, abre 
o bloco sobre a pesquisa bibliográfica em educação 
especial. Este trabalho teve por objetivo apresentar o 
resultado do levantamento, organização e classificação 
de livros que se voltaram especificamente para a 
educação especial, constantes dos acervos de diversas 
bibliotecas universitárias brasileiras. Resulta dessa ação 
um banco de dados on line de acesso livre à pesquisa em 
geral. Logo em seguida, Geane Izabel Bento Botarelli 
mostra a sua pesquisa bibliográfica a partir da leitura 
de resumos acadêmicos sobre o ensino-aprendizagem 
de surdos no Brasil, tomando-os como um gênero 
literário à maneira pensada por Raymond Williams. 
Dois pesquisadores, Pâmela Carolina Martins Tezzele, 
e logo em seguida, Vinicius Neves de Cabral estão 
preocupados com a produção acadêmica, no sentido de 
apresentar balanços sobre a produção na área. A primeira 
autora tem como foco a deficiência intelectual a partir 
do levantamento de teses e dissertações defendidas 
entre 1993 e 2015, estando elas concentradas nas área 
de Educação, Saúde e Psicologia. O segundo autor 
pesquisou 178 programas de pós-graduação da áreas de 
Educação e Letras/Linguística com o intuito de entender 
como é apresentado o ensino-aprendizagem de Inglês 
para alunos com deficiência. Ainda neste grupo, vemos o 
trabalho de Katia Cristina Luz que percebeu a ocorrência 
de uma luta simbólica entre a medicina e a psicologia 
na busca de caracterização do que significa o autismo 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial24
e as consequências sociais de ampliação do termo para 
“transtorno do espectro do autismo”. 
BOA LEITURA!
os organizadores
PARTE UM
EDUCAÇÃO ESPECIAL COMO OBJETO DE 
PESQUISA HISTÓRICA
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial26
CAPÍTULO 1 
INSTITUIÇÃO E EDUCAÇÃO ESPECIAL: 
PERSPECTIvA HISTÓRICO-PEDAGÓGICA 
Justino Pereira de Magalhães 
Pensar e rePresentar a diferença 
Pensar a diferença é, antes do mais, representá-la. 
E tal como sucede com outros objectos epistêmicos, 
também com a diferença humana “le langage de la 
science est en état de révolution sémantique permanente” 
(BACHELARD, 1971, p. 192). A epistemologia da 
diferença humana envolve uma dupla perspectiva: 
compreensão e explicação como manifestação do 
humano; contemplação e ação (teoria e prática), como 
campo científico e técnico. A educação tem sido referente 
fundamental para a caracterização da diferença. A 
deficiência é um domínio do campo da educação. Pensar 
e representar a diferença humana, na dupla acepção 
de simbolizar e agir, é uma operação de comparação e 
aplicação da norma; mas é também integrar e projetar 
quadros de ação. A noção de mutação é fundamental para 
entender a evolução na caracterização e nas modalidades 
de diferenciação, acolhimento, socialização, integração.
Há uma semânticada deficiência, mas só muito 
lentamente tem vindo a ser superado o binômio 
normais e anormais, e mais lentamente a confusão entre 
anormalidade e deficiência. A deficiência e a integração são 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 27
categorias com história; a inclusão é fundamentalmente 
sociopolítica. Em que medida o enfoque na inclusão 
tem condicionado a história da integração? Esta dúvida 
metódica decorre de um conjunto de princípios que os 
especialistas têm vindo a equacionar, nomeadamente 
quando pensam o institucional escolar. No quadro 
escolar, a inovação pedagógica vem possibilitando a 
inclusão, através de diferentes modos de integração, 
combinando as dimensões política, sociocultural, 
institucional, científica, pedagógica.
De modo necessariamente sumário, é possível 
estabelecer uma diacronia que inclui noções básicas de 
reeducação. Na viragem do século XIX e primeiras décadas 
do século XX, foram implementados novos sistemas de 
educação, em regime de instituição, congregando, entre 
outros domínios científico-pedagógicos, a psicologia, a 
sociologia, a didática. Até aos anos 80 do século XX, 
o regime de instituição foi prevalecente, dando curso 
a pedagogias de educação especial e de reeducação. 
Desde a década de 1980 que tem estado em curso uma 
evolução substantiva e semântica da educação especial, 
no sentido de integração por inclusão, nomeadamente 
através da aproximação entre neurociências e cognição 
e de uma criteriosa utilização das Novas Tecnologias de 
Informação e Comunicação (NTIC).
Neste contexto, David Rodrigues adverte que a 
inclusão não decorre diretamente da evolução da 
integração (RODRIGUES, 2006). Também José Geraldo 
Bueno tem chamado a atenção para a complexidade e as 
contradições subjacentes ao movimento de participação-
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial28
exclusão, pois que este movimento tem estado baseado 
na “homogeneização para a produtividade” (BUENO, 
2011, p. 76). Mônica Kassar, por sua vez, chama a atenção 
para a conveniência de equacionar, em simultâneo, 
deficiência, integração e inclusão (KASSAR, 2012). 
Com efeito, à continuidade histórica da produtividade 
decorrente da industrialização e da terciarização, 
acentuada pela evolução tecnológica e pelo urbanismo, 
vieram associar-se a prevalência dos elementos 
intelectual e cerebral e, mais recentemente, também 
a computadorização. O desenvolvimento da cultura 
escrita como informação, comunicação e participação, 
acentuado pela escolarização, tornou legítima a 
utilização do Quociente Intelectual como diferenciador 
e instrumento de racionalidade pedagógica.
No que reporta à educação especial, há ainda outra 
continuidade, que é o institucional escolar. Desde o 
movimento iluminista e literácito, iniciado no século 
XVIII, a integração escolar possibilitou o reconhecimento 
dos indivíduos como sujeitos; a participação cívica; 
a atividade produtiva. A integração escolar, enquanto 
habilitação literácita e instituição educativa, trouxe 
aproximações à inclusão. Neste sentido, a instituição 
educativa, ainda que frequentemente reduzida a 
institucionalização, assume pleno significado quando 
interpretada nos planos estrutural e conjuntural. Houve 
diferentes modalidades, tempos e circunstâncias 
de institucionalidade, combinando o uniforme e o 
específico, o transversal e o circunstancial. A inclusão dá 
sentido à integração, pois que estar integrado é ser parte. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 29
É estar preparado e assumir um papel ou mesmo uma 
função. Em consequência, as virtualidades da integração 
poderão não ser inteiramente obtidas com a inclusão. 
Enquanto não diferenciação, a inclusão dá sentido à 
integração, mas, paradoxalmente, a aparente facilidade 
que subjaz a alguns ambientes de inclusão pode redundar 
em debilidade educativa.
A psicanálise a as convenções sobre direitos humanos 
foram os principais meios para a melhoria das sequências 
processuais e para as mutações na semântica da deficiência. 
No passado recente, também o desenvolvimento e a 
aplicação das Tecnologias de Informação e Comunicação 
(TIC) têm favorecido alterações no domínio da diferença. 
No plano histórico-pedagógico, a semântica da deficiência 
contempla a sequência de diferenciar/categorizar; 
caracterizar/integrar; conhecer/incluir.
da semântica da diferença 
Tomando a educação e, muito especificamente, o 
educacional escolar como norma, ação e gradação, a 
diferença humana, particularmente para os segmentos 
populacionais escolarizáveis, tem sido apresentada sob 
modalidade escalar, seccionando um eixo de contiguidade 
e progressão. Esta progressão privilegia a relação entre o 
desenvolvimento intelectual e o pedagógico. A diferença 
humana foi pensada de modo distinto, em diferentes 
tempos históricos, sendo possível assinalar linhas de 
continuidade, mas também reconhecer e levar em 
consideração rupturas e transformações.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial30
Associada à combinação histórico-pedagógica, há 
uma semântica da diferença humana que inclui distintos 
aspectos e mutações, tendo em atenção as circunstâncias 
temporais, sociais, políticas. Em traços breves, o 
século XVIII ficou assinalado pelo reconhecimento 
da escola como meio de aculturação e modelação nas 
práticas da leitura e da escrita; no reconhecimento da 
participação literácita; na configuração de perfis letrados 
e profissionais associados à cultura escrita. A busca de 
normalidade fez evidenciar o anormal, mas o campo da 
anormalidade permaneceu mergulhado no sincretismo. 
Para os cegos e para os surdos-mudos, foram entretanto 
implementadas modalidades de participação na 
produção material e na economia. Desde o século XVIII 
foram criadas e formalizadas linguagens e métodos 
de aculturação, formação e integração. O institucional 
escolar foi referente e medida.
Rompendo com o sincretismo, no decurso do século 
XIX foram introduzidas as noções de distinção e 
classificação, ligadas a ciências médicas, higienismo, 
fisiologia, psicologia, ciências jurídicas, pedagogia, 
antropometria. A configuração fisiológica e a capacidade 
cerebral foram tomadas como referência e base de 
classificação. Mas foram o desenvolvimento mental 
e, particularmente, a capacidade intelectual que, 
desde os primeiros anos do século XX, passaram a 
constituir o principal fator de separação, diferenciação, 
gradação. Com a aplicação da psicologia experimental, 
associada à pedagogia científica, foram criados meios e 
implementados instrumentos de observação, medição, 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 31
diagnóstico e experimentação. A pedagogia científica 
integrava, entre outras inovações, a lei dos Centros de 
Interesse, estruturada por Édouard Claparède; os estádios 
de desenvolvimento, estruturados por Jean Piaget; a 
interação entre pensamento e linguagem tal como tinha 
sido teorizada por Leontiev Vigotsky; a estrutura de um 
currículo básico, aplicando a pedagogia dos Centros de 
Interesse de Ovide Decroly.
A escala métrica de idade mental criada por Binet, em 
1905, devidamente revista em 1908 e publicada por Simon 
em 1911 (Escala de Binet-Simon), era composta de trinta 
testes agrupados por idades. Para além do reconhecimento 
de graus de deficiência profundos, foi também utilizada 
para distinguir graus de oligofrenia. Em 1912, o psicólogo 
alemão William Stern fez uso do termo Quociente de 
Inteligência (QI) para medir a relação entre idade mental 
e idade cronológica (cf. COSTA, 1945-1946, p. 24). Em 
1916, o psicólogo norte-americano Lewis Terman, ao 
rever a Escala de Binet-Simon – no que ficou conhecido 
como Revisão Stanford (RS), dado ser patrocinada 
pela Universidade Stanford –, fez correspondero QI 
a um índice de desenvolvimento mental expresso em 
1.000 QI. A aplicação do Quociente Intelectual veio 
permitir uma gradação que foi utilizada para distinguir 
o fisiológico e o intelectual, mas, sobretudo, para 
graduar o Desenvolvimento Intelectual. Na sequência, 
outros coeficientes foram criados, como a Constante 
Pessoal de Yerkes (cf. COSTA, 1945-1946, p. 19-63).
Ao adaptar a Escala de Desenvolvimento Intelectual, 
Terman fez a seguinte aplicação: QI superiores a 140 – 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial32
quase gênio ou gênio; de 120 a 140 – inteligência muito 
superior; de 110 a 120 – inteligência superior; de 90 a 110 
– inteligência normal ou média; de 80 a 90 – atrasado, 
raramente classificável de debilidade mental; de 70 a 80 – 
zona marginal de deficiência, que abrange, por vezes, casos 
classificáveis de atrasados e, com frequência, de debilidade 
mental; inferiores a 70 – debilidade mental definida. 
Segundo Terman, as subdivisões da debilidade mental 
compreendem: de 50 a 70 ‒ cretinismo; 20 ou 25 a 50 – 
imbecilidade; inferiores a 20 ou 25 – idiotia (apud COSTA, 
1945-1946, p. 27). À luz da Escala de Binet, a debilidade 
mental era problema escolar nos níveis compreendidos 
entre 50 e 70 (cf. PLANCHARD, 1982, p. 308-309).
O Quociente Intelectual constituiu o instrumento 
fundamental na caracterização dos deficientes e na 
orientação de terapias e quadros curriculares. Foi 
assumido por políticas e regulamentos de diferentes 
países. A barreira dos 70-80 QI estabelecia a principal 
separação. Assim, por exemplo, na Suécia, havia, por 
meados do século XX, escolas especiais que acolhiam 
cerca de 2.500 crianças com QI entre 40 e 70. E havia 
quinhentas classes especiais frequentadas por 6 mil 
crianças cujo QI oscilava entre 70 e 80 (cf. CARLOS, 
1947-1948, p. 189). A distinção entre escola especial 
e classe especial (também dita de aperfeiçoamento) é 
aqui determinante, pois que frequentemente a escola 
especial era internato, com localização e configuração 
próprias. Na Dinamarca, na sequência da lei de 20 de 
maio de 1933, foram criadas, no âmbito do Ministério 
do Trabalho e dos Assuntos Sociais, Comissões de 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 33
Assistência: aos débeis mentais; aos cegos; aos surdos; 
aos epilépticos (cf. CARLOS, 1947-1948, p. 109). Foi 
também criada uma comissão para assistência a crianças 
difíceis, subnormais e normais. No âmbito de cada 
comuna, havia uma comissão de proteção à infância, a 
quem cabia dar encaminhamento a situações de carência 
familiar ou de deficiência somática ou psíquica.
Desde finais do século XIX e, com maior intensidade, 
a partir das primeiras décadas do século XX, pensar 
o sistema escolar era também pensar a temática da 
deficiência, como objeto específico e à luz da pedagogia 
científica. Escrevendo em 1915, Faria de Vasconcelos, 
que havia fundado e dirigido a Escola Nova de Bierges 
(Bélgica) – instituição que Adolphe Ferrière considerou 
modelo de Escola Nova, consignou de forma peremptória: 
“Numa Escola Nova aplica-se rigorosamente o princípio 
de que nenhuma criança com deficiência é aceite para 
bem de todos” (VASCONCELOS, 2015, p. 217). E, 
na sequência, explicitava que todos os alunos eram 
admitidos a título provisório. Em Portugal, também 
Victor Fontes (que veio a ser o diretor do Instituto 
Aurélio da Costa Ferreira, destinado à Saúde Mental 
Infantil), numa conferência proferida em 1935, a convite 
da Liga Portuguesa de Profilaxia Social, fez uso das 
denominações crianças normais e crianças anormais e 
foi categórico no seu juízo: “A convivência e o ensino 
em comum de normais e anormais é prejudicial para 
ambos” (FONTES, 1939, p. 212).
Pensar a escola é pensar a instituição educativa. O 
escolar era referente fundamental. De acordo com a 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial34
definição consignada por Raymond Boudon e François 
Boudon (1982), no Dictionnaire Critique de Sociologie, 
“Les institutions désignent toutes les activités régies par 
des anticipations stables et réciproques” (apud DUBET, 
2008, p. 115). Integrado na instituição, o educando 
concilia internalidade e sociabilidade, objetivação e 
subjetividade. Ao dominar as tensões da experiência 
escolar, o aluno torna-se autor da sua própria educação: 
“En ce sens, l’école se transforme comme bien d’autres 
mondes sociaux, ceux de la famille ou du travail par 
exemple, en transférant les mécanismes de socialisation 
des institutions vers les individus” (DUBET, 2008, p. 
17). A instituição concilia as noções de acolhimento 
(proteção), educação e reeducação. No fundamental, a 
instituição educativa é instituição total. Este era o sentido 
que o internato assumia enquanto Escola Nova. 
Deste modo, tomando a instituição como base 
da educação, cuja institucionalização corresponde e 
perpassa a longa modernidade, falar de diferença humana 
e equacionar a educação diferenciada é necessariamente 
analisar e historiar as modalidades de instituição. Assim, 
para caracterizar a diferença, ao desenvolvimento 
intelectual e à pedagogia torna-se necessário acrescentar 
o institucional educativo.
Até o final da Segunda Guerra Mundial, as caracterizações, 
as terapias e as pedagogias decorreram sob o signo da 
especificidade e da segmentação. Deste modo, constituíam 
modalidade de integração. A institucionalização era a 
modalidade mais frequente, correspondendo a uma das 
seguintes configurações, enunciadas num crescente de 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 35
institucionalidade: classe especial (aperfeiçoamento); 
escola especial (frequentemente em regime de internato 
para crianças deslocadas); internato (internato-escola); 
internato-oficina; internato vitalício. Estas modalidades 
de institucionalização permanecem em vigor até a 
atualidade, em praticamente todos os países, como informa 
a Organização Mundial de Saúde no Report de 2011.
Na sequência do prolongamento escolar, associado 
à escola compreensiva e dando curso aos objetivos de 
participação cívica e econômica plenas, começava, 
por meados do século, a ser equacionada a temática 
da inclusão, em particular da inclusão escolar. Para 
alguns sistemas educativos, nomeadamente para os mais 
desenvolvidos, a inclusão constituiria uma otimização 
da integração social, cívica, profissional. O institucional 
escolar era um racional, modelo e meio. Desde as 
primeiras décadas da segunda metade do século XX que, 
quer ao nível das convenções internacionais, quer no 
interior dos sistemas nacionais de educação, equacionar 
a inclusão não mais deixou de ser também equacionar a 
desigualdade e a exclusão, mormente em relação à escola.
Para o Brasil, em dezembro de 1961 foi finalmente 
promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 
Nacional, que consagrava o conceito “Educação de 
Excepcionais”. Um pouco por todo o mundo dito 
desenvolvido, a década de 1980 ficou marcada por um 
grande investimento na formação profissional e numa 
ampliação dos benefícios sociais, quer diretamente aos 
deficientes, quer a empresas e instituições que lhes dessem 
emprego. O ano de 1981 foi declarado Ano Internacional 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial36
do Deficiente. Em 1983, a Organização Internacional do 
Trabalho (OIT) consagrou a Convenção 159 à readaptação 
profissional e emprego de pessoas deficientes. As 
décadas de 80 e 90 do século XX ficaram marcadas pela 
convergência entre a ação dos particulares e a do Estado.
A integração correspondeu, em boa parte, a 
um processo individual e grupal, que contou com 
caracterização, especialização, formação, participação. 
A integração está condicionada aos próprios indivíduos. 
Todavia, desfocada da integração, a inclusão, em virtude 
daabrangência e da descaracterização, pode secundarizar 
o programa formativo e trazer novas desigualdades. A 
inclusão passa pela capacitação dos indivíduos, no que 
é fundamental a cultura escrita e, particularmente, a 
literacia escolar, pois que constitui base de uma cidadania 
responsável, autônoma, comprometida, ética. Relevante 
tem sido também a efetiva participação dos indivíduos 
na produção material.
Permanece, no entanto, o desafio de uma teoria 
democrática que contemple um multiculturalismo crítico, 
pois que a pertença e a existência numa determinada 
identidade grupal e cultural não garante a efetividade 
dessa experiência e menos a plena realização do 
humano; configura uma identidade e um conhecimento, 
mas não um (re)conhecimento, ficando comprometida 
a condição de capabilidade, tão cara a Ricoeur (2004, 
p. 215-236). A representação identitária, a idealização 
e a autonomização decorrem da oportunidade social e 
das potencialidades científicas e técnicas, aplicadas ao 
quadro pedagógico, à economia, à produção material. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 37
Há neste quadro um primado ético, que não é possível 
abordar aqui.
inovação Pedagógica e integração 
O princípio fundamental da inovação pedagógica e 
científica, entre finais do século XIX e meados do século 
XX, radicou na melhoria do acesso e na generalização 
do educacional escolar básico. Centrada na escola, a 
inovação pedagógica foi possibilitando que o maior 
número de indivíduos tivesse acesso e pudesse fruir 
do normativo e do currículo escolar. Em consequência, 
as inovações pedagógicas eram aplicadas ao ensino 
regular e ao ensino especial. O desafio da anormalidade 
influenciou a pedagogia científica.
Parte fundamental da inovação pedagógica 
foi resultado de experiências que serviram 
simultaneamente o ensino regular e o ensino especial, 
não deixando de se questionar em que medida o ensino 
especial não serviu de ensaio e de experimentação, 
com objetivo de generalização. A inovação pedagógica 
também foi orientada para a vulgarização do núcleo 
curricular básico, junto de diversos públicos. No 
essencial, aquilo que veio sendo designado como 
novos métodos foi a criação de modos e processos 
facilitadores de ensino-aprendizagem. Se o ensino 
normalizado continha desafios, não era desafio menor 
proporcionar uma educação anormal que pudesse ser 
levada aos anormais? (perguntava, em 1911, Émile 
Bellot no verbete “Arriérés”). A inovação pedagógica, 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial38
quando não partiu explicitamente do incidente e do 
problemático, como sucedeu com Makarenko ao 
fundar uma cooperativa-fábrica para crianças e jovens 
delinquentes, visou à melhoria geral do ensino. O 
sistema orgânico e pedagógico-didático, criado por 
Decroly, abria ao ensino ativo e intuitivo. Conciliava o 
holístico e o sincrético, combinava forma e globalidade, 
favorecia a análise e a recomposição. Partindo do local 
e do concreto para o abstrato e, enfim, graduando a 
aproximação à realidade (nomes, ligação, relação, 
simbolização) através da disposição gradual dos centros 
de interesse, servia o ensino normal e o ensino especial. 
Favorecia a generalização de uma norma aceitável 
reificada num medium cultural como currículo escolar.
A inovação pedagógica tornou-se fundamental 
para a própria realização escolar. Com efeito, a escola 
promove a aculturação escrita, mas, correlativamente, 
determina a norma linguística e esta tem repercussão 
na comunicação oral e escrita. Assim, em face da 
normalização linguística e escolar, surgem alinhamentos, 
mas também irregularidades e dificuldades de diversa 
ordem, seja na adaptação e na conformação gestual, 
seja na incapacidade ou no retardamento em aprender, 
seja, por fim, na impossibilidade de adaptação e na 
incapacidade para aprender. A dislexia é uma anomalia 
gerada no universo da aculturação escrita. A inovação 
pedagógica permitiu divulgar e facilitar o acesso ao 
conhecimento formal e à inserção escolar através 
de melhorias pedagógicas e técnicas; melhorias no 
método; adequação curricular. Em torno da escola foram 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 39
criadas novas estruturas pedagógicas, nomeadamente, 
as escolas especiais e as classes de aperfeiçoamento.
Houve pedagogos que encontraram analogias entre 
tomar como referência a criança normal e o anormal 
adulto. E houve pedagogos que procuraram responder 
às dificuldades da aprendizagem de modo progressivo e 
abrangente como sucedeu com as pedagogias de Maria 
Montessori e de Ovide Decroly. No que reporta ao método, 
à materialidade, à plasticidade, os itens e os requisitos 
pedagógicos são fundamentalmente os mesmos, para o 
ensino regular e para o ensino especial, mas pensados, 
representados, aplicados de modo especial. As propostas 
pedagógicas de Fröebel serviram à educação sensorial 
e abriram à lição de coisas como reconhecimento do 
meio, nomeação, seriação e progressiva abstração. A 
exercitação entre o sensorial e o simbólico, através dos 
dons, das formas e de jogo normalizado, surge referida 
em relatórios de meados do século XX, sobre instituições 
de ensino especial, belgas e suecas (CARLOS, 1947-
1948, p. 192). A pedagogia de Decroly, especificamente 
a perspectiva global ideovisual e os centros de interesse, 
associados à intuição e à indução, foi utilizada por 
instituições de ensino especial da Bélgica, da Holanda, 
da Suécia, da Suíça. As virtualidades da pedagogia de 
Decroly faziam-se sentir na organização do ambiente 
escolar por centros de interesse e no ensino de um 
mínimo de ler, escrever, contar, através do método global 
(CARLOS, p. 99, 101, 105, 107, 137, 192). A ambiência, 
a gradação e a harmonia gestual, cultivadas por Maria 
Montessori, serviram para a aquisição de mobilidade e 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial40
coordenação motora e sensorial. As virtualidades desta 
pedagogia surgem referidas nalgumas cooperativas 
italianas (CARLOS, p. 164). Também as pedagogias de 
projeto, como a experiência de Dalton, serviram para 
comunidades escola-oficina, em contextos de município. 
Assim sucedia com a Escola Municipal de Amsterdã (A. 
H. Gerhard-School), destinada a crianças psicopatas de 
inteligência normal ou acima do normal (CARLOS, p. 
132). Esta escola estava articulada com uma fábrica e com 
estabelecimentos comerciais. Na Suécia, os métodos de 
Vinetka e de Haase foram utilizados no ensino especial, 
nomeadamente no ensino do cálculo (CARLOS, p. 192).
A inovação técnica e pedagógica foi, com efeito, 
racional, condição e meio de diversificação para 
manter no sistema regular de ensino a generalidade 
dos públicos infantojuvenis e para valorizar a escola 
como fator de desenvolvimento. Assumindo-se como 
fonte de literacia, a escola gerou coletivos. Na França, 
secundando iniciativas entretanto implementadas 
noutros países, a lei de 15 de abril de 1909 combinava 
a utilização da Escala de Binet-Simon e o elemento 
pedagógico-escolar. Os alunos foram distribuídos por 
segmentos. O fator pedagógico emergiu como referência 
e modo de intervenção. Aquela lei, no artigo 12, fez 
reconhecer a categoria de Arriérés Scolaires – crianças 
que, atingida a idade escolar, os pais e educadores 
recusavam ou retardavam a inscrever na escola; ou 
crianças que, entrando na escola, os professores iam 
observando e sinalizando como alunos retardados em 
relação ao ritmo dos outros (apud NATHAN & DUROT, 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 41
1914, p. 126). Os alunos assim referenciados eram 
submetidos à observação de uma comissão formada 
pelo inspetor municipal, o diretor ou mestre de uma 
escola de aperfeiçoamento, um médico escolar. Esta 
comissão fixava o grau deeducabilidade e o aluno era 
encaminhado para uma escola de aperfeiçoamento, cuja 
pedagogia incidia no método intuitivo.
A integração escolar através da especialização não 
preveniu inteiramente as desigualdades e também não 
assegurou que o racional escolar, enquanto método 
e potencial cognitivo e formativo, orientado para a 
prossecução dos estudos, fosse assimilado de modo 
uniforme. O movimento de universalização escolar, 
obtida em meados do século XX, deu lugar a um ciclo 
histórico-pedagógico de crítica sobre o modelo que se 
revelou limitado em face da diversificação do institucional 
escolar. Nas últimas décadas do século XX, esta crise 
tornou-se correlativa de certa desvalorização institucional 
e da massificação das Novas Tecnologias de Informação 
e Comunicação. Tais instabilidades e mudanças tiveram 
manifesta repercussão na transformação das pedagogias 
de integração em pedagogias de inclusão.
A escola está profundamente associada à cultura 
escrita e constitui o principal meio de modernização 
da sociedade contemporânea. Tradicionalmente, foi 
o referente para a determinação e a caracterização da 
diferença humana e muito particularmente da deficiência. 
As necessidades educacionais especiais (NEE) são 
determinadas e caracterizadas em função do educacional 
escolar. Nos planos global, nacional e local, as principais 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial42
declarações de princípio e linhas programáticas, políticas, 
pedagógicas, sociais, desenvolvimentistas, foram 
definidas e convencionadas tendo a escola no horizonte. 
A associação entre escolarização e desenvolvimento 
acentuou-se com as noções de utilidade e produtividade, 
já referidas. Desde meados do século XX que o 
investimento em capital humano forçou a investimentos 
na formação profissional. A adaptação e as melhorias 
psicopedagógicas fizeram com que, no campo da educação 
e no âmbito da formação profissional, os processos de 
predição, prevenção, compensação assumissem maior 
pertinência. O desenvolvimento da economia, associado 
à melhoria técnica e a novos modos de produção e 
profissionalização, trouxe maior seletividade e mais 
oferta de atividades produtivas e de serviços a que podiam 
concorrer também os indivíduos com deficiência, quando 
devidamente preparados no plano escolar e profissional.
A crise do modelo e do institucional escolar a 
partir das últimas décadas do século XX, enquanto, 
por um lado, vem forçando à diversidade, nos planos 
etnocultural, pedagógico-didático, em parte apoiada nas 
Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, por 
outro, acentua a normalização e a conformação, como 
condições para novos quadros de flexibilidade. Observa-
se que a quebra de prestígio escolar torna menos radical a 
noção e as consequências da educação especial, inclusive 
em termos de estigma pessoal e social. No entanto, esta 
constatação envolve um paradoxo, pois que toda a perda 
de investimento científico e educativo não deixa de gerar 
novas desigualdades.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 43
instituição e educação esPecial 
Na transição do século XIX, consentânea, como 
referido, com a emergência e a constituição das 
Ciências Sociais e Humanas, as orientações científicas e 
pedagógicas convergiam no sentido de aprofundamento 
do diagnóstico e previsão do ensino e da terapia a 
ministrar. Da combinação do elemento científico com o 
elemento pedagógico resultou um princípio orientador 
de institucionalização, adequando a pedagogia à 
especificidade dos casos. Recorde-se que, na França, 
nos termos do artigo 12 da lei de 1909, que previa a 
criação de classes de aperfeiçoamento, seriam formadas 
comissões compostas pelo inspetor primário municipal, 
o diretor ou mestre de uma escola de aperfeiçoamento e 
um médico. Cabia a estas comissões determinar quais as 
crianças que seriam mantidas nas escolas públicas e quais 
as que seriam admitidas na escola de aperfeiçoamento. 
Seria convidado um representante da família para 
acompanhar o exame da criança e preparado um dossiê 
de que constassem as dificuldades de diagnóstico e de 
prevenção. Os critérios pedagógicos e médicos eram 
acompanhados da aplicação de testes psicológicos. Nos 
Estados Unidos da América, a psicometria fazia parte da 
psicologia experimental.
Por toda a Europa, estavam então em curso 
deliberações políticas favoráveis à implementação de 
pedagogias diferenciadas que incluíam internatos, escolas 
especiais, classes de aperfeiçoamento. Estas pedagogias 
tinham implicações na formação de professores. Numa 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial44
conferência que proferiu em Paris, em 1914, V. H. 
Friedel, inspetor para o ensino especial, fez um balanço 
do ensino especial na Europa e nos Estados Unidos. 
Informou que o modelo das escolas de aperfeiçoamento 
alemãs, em que a criação de classes de aperfeiçoamento 
acompanhava o ensino regular e era obra dos municípios, 
estava a ser adotado pelos países do Norte da Europa 
e nos Estados Unidos (FRIEDEL, 1914, p. 338).
Em Portugal, a criação de programas discriminados 
para os diferentes “tipos” de crianças não foi estabelecida 
nas primeiras décadas do século XX. No entanto, 
as instituições foram se organizando em função de 
diferentes categorias de deficiência: deficientes mentais, 
visuais, auditivos, motores. Durante o século XIX, tinha 
havido iniciativas de diverso tipo destinadas ao ensino 
de cegos e de surdos-mudos. Na década de 20 do século 
XIX foi criado o Instituto de Surdos-Mudos e Cegos, 
confiado a Aron Borg, e que, depois, foi integrado à 
Casa Pia de Lisboa. No início do século XX havia em 
Portugal dois asilos para cegos, dois institutos para 
cegos, dois institutos para surdos (ALVES, 2012). Em 
1913, por impulso de Aurélio da Costa Ferreira, entrou 
em funcionamento, na Casa Pia de Lisboa, um “Curso 
Normal” destinado à formação de professores. Nessas 
primeiras décadas do século passado, não obstante o 
avanço da ciência, permanecia alguma indeterminação no 
tratamento pedagógico entre delinquência e deficiência 
(cf. MARTINS, 2014, 2016).
Em 1935, o Instituto Aurélio da Costa Ferreira foi 
submetido a um plano de remodelação, vindo a reabrir 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 45
em 1942 sob a direcção de Victor Fontes. Funcionava 
como Dispensário de Higiene Mental para todo o país. 
Na sequência do decreto-lei de 3 de agosto de 1946, 
foram criadas as primeiras “classes especiais junto das 
escolas primárias”, sob orientação daquele Instituto, que, 
equipado com modernos meios de diagnóstico, passou a 
receber, em consulta, crianças de todo o país. Entre 1942 
e 1963 ali foi publicado o boletim A Criança Portuguesa. 
Antes disso, em 1941, entrara em funcionamento uma 
Escola de Reeducação – Albergaria de Lisboa, que 
acolhia cem rapazes e quarenta moças.
Na primeira metade do século XX e até aos anos 1960, 
associada à melhoria da capacidade de diagnóstico, 
a prática educativa habitual foi a de criar instituições 
especializadas. Na generalidade dos países, a assistência 
à infância deficiente e à infância com problemas de 
conduta constituía um setor especializado, exigindo 
técnicos e serviços especialmente preparados. A 
formação de professores das classes especiais, auxiliares 
e assistentes tinha vindo a merecer particular atenção. 
Eram preparados através de cursos e seminários, 
contando depois com períodos de experimentação. Em 
regra, eram os médicos da família, o médico escolar 
ou o professor primário que assinalavam as primeiras 
anomalias nas crianças. Os diferentes países europeus 
dispunham de instituições de terapêutica e reeducação 
de crianças com anomalias mentais.
Os internatos destinados a crianças difíceis recebiam 
um número de crianças que oscilavaentre os 25 e os 70 
internados, nos casos da Dinamarca e da Suécia, variando 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial46
os níveis mentais entre QI 70 e 140. Frequentemente, 
os deficientes com QI inferior a 50 ficavam toda a vida 
nos internatos. Os internatos para os portadores de 
baixos QI eram grandes instituições de tipo hospitalar. 
Para os casos em que houve reeducação, as instituições 
tendiam a preparar a saída dos internos, procurando uma 
ocupação e acompanhando os egressos durante os dois 
ou três primeiros meses.
Em final da década de 1940, havia na Bélgica 
trinta internatos de educação especial, inspecionados 
pelo Ministério da Justiça. O governo tinha criado um 
Fundo Comum para a Educação Especial, que dispunha 
de uma comissão em cada província. Os pedidos de 
admissão eram dirigidos aos presidentes das comunas. 
Algumas congregações religiosas dispunham de 
Institutos de Educação Especial, nomeadamente para o 
gênero feminino. A Dinamarca dispunha de internatos 
particulares e de classes especiais – em Copenhague, 
havia 137 classes especiais. Todas as escolas, incluindo 
as regulares, se beneficiavam de médico escolar e de 
enfermeira escolar. Na Holanda, havia 150 escolas 
especiais e dez internatos especializados. Os diagnósticos 
eram realizados por centros médico-pedagógicos. Na 
Inglaterra, na sequência do Educational Act de 1944, foram 
criadas 11 categorias de deficientes: cegos; com acuidade 
diminuída; surdos; com acuidade auditiva diminuída; 
débeis; diabéticos; com atrasos intelectuais; epiléticos; 
inadaptados; com deficiências físicas (estropiados); 
com defeitos na fala. As crianças cegas, surdas, 
epiléticas, estropiadas e afásicas deveriam ser educadas 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 47
em escolas especiais. As crianças cegas e epiléticas 
deveriam ser preferentemente educadas em internatos.
Em Portugal, havia então 14 classes especiais junto 
das escolas de Lisboa e duas no Porto. A partir da década 
de 60 do século XX, o Estado Português, através do 
Instituto de Assistência a Menores, criou uma série de 
estabelecimentos destinados à reeducação e à integração 
de crianças com deficiência. Entre 1965 e 1970, foram 
criados ou remodelados os seguintes estabelecimentos: 
8 para deficientes visuais; 10 para deficientes auditivos; 
11 para deficientes mentais. Medicina, Pedagogia e 
Psicologia cruzavam-se em abordagens interdisciplinares 
do fenômeno e dos diferentes casos. Em meados da 
década de 1970, estavam já em funcionamento duzentos 
estabelecimentos para deficientes: 74 de iniciativa 
particular e 124 de iniciativa do Estado. A noção de 
educação especial surgiu na sequência do Warnock 
Report (cf. COSTA, 1981).
A educação especial, que tradicionalmente havia 
sido objeto de declarações de direitos, proclamações, 
regulamentos, passou mais recentemente a ser objeto, 
também e fundamentalmente, de convenções, de que são 
particularmente notórios os casos dos Estados Unidos 
da América e do Brasil. Para os Estados Unidos da 
América, a noção de convenção está subjacente ao IDEA 
(Individuals with Disabilities Education Act), cujas 
versões datam de 1975, 1978 e 2004. Este quadro político-
educativo tem repercussão no FAPE (Free Appropriate 
Individualized Education Program). De IDEA faz parte 
uma revisão das categorias de deficiência (Disability – 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial48
14 categories). Para o Brasil, assume relevo a aprovação 
do documento Política Nacional de Educação Especial 
na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008).
Assim, pois, da combinação do elemento científico 
com o elemento pedagógico resultou um princípio 
orientador de institucionalização, adequando a pedagogia 
à especificidade dos casos. As categorias utilizadas para 
caracterizar a deficiência tinham vindo a mudar. Havia 
contestação em face da utilização de certas categorias, 
dado serem redutoras na caracterização dos indivíduos. 
Correlativamente, era necessário combater a noção de 
espectro. Estando a escola destinada a acolher todas 
as crianças, foi em face da escola que, uma vez mais, 
esta questão se levantou de modo consequente. A lenta 
transferência do enfoque no indivíduo para o enfoque 
no ecossistema (material, sociocultural, comunitário) em 
que o indivíduo cresce e se educa tem sido determinante 
para as questões de inclusão.
Busca de novo Paradigma 
De modo sumário, pode-se concluir que o referente 
escolar foi tomado em consideração desde o século 
XVIII e, com ele, foi sendo sistematicamente retomada 
a questão da capacidade mental. Na longa duração, 
houve uma constelação de princípios e critérios que 
foi sendo mantida, ainda que se observem mutações na 
prevalência de um ou mais daqueles critérios. Há, assim, 
uma sequência formada por trabalho, socialização, 
Quociente Intelectual (classificação e gradação escolar), 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 49
integração (institucional e profissional), inclusão, 
aceitação/preparação ambiental e grupal. Estão em 
destaque: revolução científica e social; escola (o 
institucional escolar) e inovação pedagógica; psicanálise 
e subjetivação; convenção político-educativa.
Desde finais do século XIX que a noção de atrasados 
(arriérés) resulta e é acentuada em função da escola. O 
primado da escola foi reforçado pela psicometria: “En 
langage scolaire [les arriérés] ce sont les écoliers qui, pour 
une cause quelconque, trouvent notablement en retard, 
dans leurs études, sur leurs camarades de même âge” 
(BELLOT, 1911, p. 105). O atraso escolar, “l’arriération”, 
levou à distinção entre dois grandes grupos: os educados 
fora da escola e os atrasados. Entre os estabelecimentos 
educativos não escolares, em regra internatos, 
contavam-se hospícios destinados a idiotas, epiléticos, 
anormais incuráveis; asilos-escola (educação especial) 
destinados a cegos e a surdos-mudos; escolas-oficina. 
Entre os atrasados (“arriérés”) era possível distinguir 
os deficientes intelectuais (diminuídos) e os instáveis 
(temperalmente inquietos). A partir das últimas décadas 
do século XIX foram sendo criadas, para os atrasados 
escolares, escolas especiais e classes de aperfeiçoamento. 
Projeções feitas com base na Escala de Binet permitiram 
inferir que, na população europeia, seria esperado 
que, para povoações com cerca de 50 mil habitantes, 
houvesse um internato para alguns deficientes e uma 
escola de aperfeiçoamento para cada um dos gêneros.
Ciclicamente, a modalidade “internato” suscitou 
reservas. Escrevendo, em 1911, sobre Arriérés 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial50
scolaires, Émile Bellot admitia que o internato não era 
o ideal, pois que não é bom que um deficiente instável 
fique perpetuamente em contato com o espectáculo da 
anormalidade de que padece. Ao contrário, era necessário 
multiplicar os contatos com a infância normal, “pour qu’il 
y trouve exemple et secours” (BELLOT, 1911, p. 104). 
Concluía, então, que a experiência tinha demonstrado que 
tudo há a ganhar com as classes de aperfeiçoamento. O 
sistema de classes anexas com acompanhamento médico 
era preferível ao internato. Fundamental era, no entanto, 
que, quer fosse em internato, quer fosse em pequenas 
escolas, as classes especiais fossem tratadas com uma 
pedagogia adequada no que reportava à distribuição do 
tempo, programas, métodos. Para cegos e surdos-mudos, 
cedo a questão continuou centrada na linguagem, na 
socialização, na formação profissional.
Entretanto, o modelo alemão de classes de 
aperfeiçoamento, contíguas às classes regulares, foi 
adotado na generalidade dos países. Após a Segunda 
Guerra Mundial, a debilidade e a educação especial 
tornaram-se objeto de novos avanços científicos e de 
abundante bibliografia.A noção de perfil psicológico 
assente na multifactorialidade também foi aplicada 
ao deficiente. A educação especial foi assumida em 
diferentes países. Foi criado um ensino mais prolongado 
para diminuídos motores, para os amblíopes e para 
diminuídos mentais que tivessem sofrido dificuldades no 
ensino regular. O ensino especial foi também prolongado 
para cegos ou surdos, bem como para crianças com 
deficiências da fala (LABREGèRE, s.d., p. 435).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 51
Nos anos 70 do século XX, enquanto, por um lado, 
foram desenvolvidos exames minuciosos com intenção 
de programar uma intervenção educativa especializada, 
por outro, foi sendo desenvolvida uma sensibilidade 
pedagógica ecológica. Essa orientação tendeu a substituir 
a intervenção terapêutica no paciente por uma intervenção 
junto e a partir dos meios (familiares, grupo, classe), 
com o intento de maior integração dos diminuídos na 
escola regular. A educação especial tornou-se matéria de 
convenção e adequação, nos planos político, normativo 
e curricular. As políticas escolares compreensivas, 
subsequentes à Segunda Guerra Mundial, haviam ficado 
associadas à inovação pedagógica. Aquém de meados 
do século XX, a situação alterou-se rapidamente, no 
sentido de um ensino especial. Em 1968 foi aprovada 
a Declaração dos Direitos Gerais e Particulares do 
Deficiente Mental. A década de 1980 ficou marcada 
por um grande investimento na educação especial e na 
formação profissional, como referido.
Entre 7 e 10 de junho de 1994, reuniram-se em 
Salamanca, na Espanha, representantes de 92 governos 
e de 25 organizações internacionais. Foi aprovada a 
Declaração de Salamanca que proclamou o princípio de 
uma “Escola para Todos”. Na base desta declaração estava 
o argumento de que o “handicap é uma noção relativa; 
existe num contexto preciso; difere em consonância 
com as condições socioeconômicas e culturais; evolui 
no tempo” (AFONSO, 1997, p. 36). Como objetivo 
central foi proclamado o da “plena inclusão”, que 
envolve “combater as atitudes discriminatórias, criar 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial52
comunidades de acolhimento, construir uma sociedade 
integradora e conseguir uma educação para todos” 
(AFONSO, p. 35). Superando um diagnóstico clínico 
tendente a classificar o tipo de deficiência, na atualidade 
ganharam nova visibilidade a perspectiva integrada do 
percurso de vida do sujeito; a relação com o contexto 
em que se insere; as competências cognitivas; o 
perfil emocional; as manifestações de participação e 
responsabilidade pessoal, comunitária, humana.
A dialética entre integração e inclusão não está 
todavia resolvida. Se a integração constituiu um desafio 
à educação especial, continuando muitos países a manter 
a diversidade de instituições criadas, a inclusão pode 
trazer algum recuo em matéria de compromisso social 
e estatal. Não é, porém, essa a intenção subjacente às 
convenções internacionais, que consignam uma revisão 
da integração à luz do primado da inclusão, como bem 
salientam as teses de conceituados especialistas, com 
relevo para as de David Rodrigues e José Geraldo 
Bueno. É sob o signo da diferença que deve ser abordada 
a educação inclusiva, como adverte Mônica Kassar 
(2012). Num outro estudo de que é coautora, Mônica 
Kassar privilegia a dialética entre deficiência, inclusão, 
integração (cf. KASSAR & MAGARIO, 2017).
Em síntese, mais do que uma questão de semântica, 
trata-se de um novo paradigma centrado na pessoa como 
ser total, que tome em atenção o contexto e o meio, 
que retire o máximo benefício do avanço científico, 
técnico, pedagógico para a capacitação do indivíduo. 
Reconhecimento e capacitação formam o binômio 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 53
fundamental da integração; o aprofundamento da 
integração é fundamental para fazer avançar a inclusão.
concluindo 
De fato, a solução continua associada à inovação, 
nos planos pedagógico, científico, técnico, cultural. 
A Sociedade da Informação e do Conhecimento se 
assenta numa tecnologia de acesso e processamento 
do conhecimento – as Tecnologias de Informação e 
Conhecimento. Uma cidadania humanista e democrática 
não pode deixar de reequacionar o complexo: literacia 
escolar (humanística, científica, técnica), inovação, 
sociedade. A literacia escolar tem sido chave para o 
binômio inovação-inclusão, mas permanece o desafio 
de conciliar diversidade e normatividade escolar. 
Tal desiderato só será solúvel com a revalorização da 
instituição educativa.
Falar de inovação pedagógica e do institucional 
escolar é também, e de novo, trazer os professores 
ao centro – paladinos de humanitude; inventores de 
estratégias didáticas e pedagógicas; construtores de 
pessoalidades; edificadores do humano. O institucional 
escolar é determinante na correlação integração-
inclusão. Equacionar e idealizar um programa 
democrático centrado no sujeito, na linha de Jürgen 
Habermas ou na linha de John Rawls, ou ainda na 
base da capabilidade, como ressalvou Paul Ricoeur, é 
privilegiar as capacidades de informação, comunicação, 
argumentação, participação. É tomar a cultura escrita e, 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial54
particularmente, a literacia escolar como base de uma 
cidadania responsável, autônoma, comprometida, ética.
Cada ser humano comporta a sua especificidade e a 
educação é o percurso interminável de tornar-se pessoa, 
desafiando a humanitude. Meio fundamental para a 
integração, o institucional escolar confere identidade, 
habilita para a participação, sedimenta a personalização. 
A crise do escolar e o aligeiramento da integração não 
favorecem a inclusão. Enfim, são séculos a lidar com 
a diferença e a aprofundar os caminhos da igualdade 
humana. Por isso, não ficará mal recordar aqui as palavras 
ditas pela raposa ao principezinho, na história de Antoine 
de Saint-Exupéry: “Foi o tempo que dedicaste à tua rosa 
que a fez tão importante”. 
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a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial58
CAPÍTULO 2 
OS CEGOS, “ESSES INFELIzES”:
SUJEITOS, INSTITUIÇõES E CIRCULAÇÃO DE 
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS 
(SÉCULOS XIX E XX) 
helder Manuel guerra henriques 
introdução 
A modernidade pode ser interpretada como um 
período de mudança e adaptação relativamente a uma 
forma tradicional de estar na vida, tendencialmente 
substituída por uma nova organização social, justificada 
pelos princípios da racionalidade do Homem, que a partir 
do século XVIII, inspirada no Iluminismo, procurou, 
através do Estado, padronizar hábitos, comportamentos 
e valores utilizando para o efeito saberes, técnicas e 
mecanismos específicos adequados à individualidade, 
com o objetivo maior de construir uma determinada 
normalidade social coletiva. A este propósito Giddens 
afirma que “a modernidade altera radicalmente a 
natureza da vida social cotidiana e afeta os aspectos 
mais pessoais da nossa experiência” (1994, p. 1). Neste 
sentido, concretiza que as transformações envolvidas na 
modernidade, tanto na sua extencionalidade, quanto na 
sua intencionalidade, “são mais profundas que a maioria 
dos tipos de mudança característicos dos períodos 
precedentes” (GIDDENS, 1994, p. 10). 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 59
Ao longo da modernidade, verificamos a emergência 
e a consolidação da figura do Estado-nação e do seu 
interesse em estar cada vez mais próximo das populações. 
Esta proximidade, mais não significa do que uma 
forma de vigiar os indivíduos e controlar a sociedade 
como um todo. Para que este controle intencional se 
pudesse verificar foi atribuído à escola um lugar central 
no processo de organização da sociedade ocidental 
(HENRIQUES & VILHENA, 2015). 
A escola que transmite um conjunto importante de 
conhecimentos mas que, através dos seus agentes, cumpre 
um papel de entidade normalizadora e moralizadora da 
sociedade. No decorrer da modernidade, a escola serviu 
a esse propósito de padronizar os sujeitos e torná-los 
socialmente adequados. Na esteira de Michel Foucault, 
Ribeiro (2009) afirma mesmo que:
A escola, peça fundamental da máquina de reprodução 
social, que continuadamente orienta as capacidades 
dos alunos para as competências exigidas pela norma, 
constrói-se como um espaço de fabricação de indivíduos 
capazes de assentarem a sua conduta na submissão aos 
interesses do Estado (RIBEIRO, 2009, p. 54). 
Este processo de reprodução e normalização social, 
referido no excerto do texto anterior, levado a efeito, 
com maior intensidade prática, a partir do século 
XVIII, colocou em evidência um conjunto de sujeitos 
que não correspondiam ao padrão social da época e 
que, por isso, eram considerados pessoas diferentes. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial60
Assim, simultaneamente, verificou-se uma tendência 
centrípeta em termos da padronização dos sujeitos 
e, concomitantemente, observou-se uma tendência 
centrífuga em face de um conjunto de sujeitos que se 
“localizavam” ao centro: referimo-nos a todos os sujeitos 
considerados diferentes e que, de alguma forma, podiam 
constituir um perigo à nova ordem pública instalada e 
em processo de consolidação. 
É neste contexto que podemos incluir todos aqueles 
considerados como uma “anomalia social”, isto é, 
crianças e jovens desiguais. Remetendo à escala de 
Decroly, simplificada por Diniz (2004), estamos a falar 
de (1) anormais, por defeito ou lesão orgânica (aleijados, 
atrofiados etc.); (2) anormais, por defeito sensorial 
(cegos, surdos-mudos etc.); (3) anormais, por defeito 
mental (idiotas, imbecis etc.); (4) anormais, por defeito 
das faculdades afetivas (loucos morais); (5) anormais, 
por defeitos particulares do sistema nervoso (epiléticos 
etc.); (6) anormais, por deformação operada pelo meio 
(DINIZ, 2004, p. 250). Como se percebe, estamos 
perante grupos de sujeitos devidamente identificados, 
classificados e, na sequência, institucionalizados de 
acordo com a tipologia da “anomalia social” de modo 
a responder aos anseios e receios de uma população 
considerada normal. Mas coloca-se a seguinte questão: 
afinal, como se pode definir a anormalidade? 
Podemos afirmar a dificuldade em definir uma 
fronteira clara e objetiva relacionada com o conceito 
de anormalidade. Contudo, este é um conceito fluido, 
líquido e que pode ter variáveis no espaço e no tempo 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 61
que dificultam a consensualização, pelo menos numa 
perspetiva “universalista”, de uma “definição total” do 
conceito. Esta questão é, desde logo, colocada em 1905 
por Claparède, quando afirma que: 
Para os filósofos, moralistas, o normal é aquele que é 
como deve ser; é o bom, o justo. […] Para os biólogos, 
o normal possui duas acepções: uma acepção empírica; 
normal é o que se encontra mais frequentemente na 
espécie […]; e uma acepção teleológica, para a qual é 
normal o que concorre para a conservação do indivíduo 
ou da espécie” (CLAPARèDE, 1905, p. 229, tradução 
nossa). 
Assim, numa tentativa muito simplista de definir o 
conceito plural que estamos a tratar, consideramos, neste 
texto, que os anormais são todos aqueles que constituem 
um corpo estranho à sociedade e que, por consequência, 
provocam ansiedade, receios, medo ou angústias, 
sensação de incontrolabilidade da ordem pública junto dos 
sujeitos que cumpremos desígnios da regularidade. É o 
caso de todos aqueles, por exemplo, que por dificuldades 
sensoriais eram considerados anormais. Neste caso, 
é a condição biológica, hereditária ou adquirida, que 
instiga o olhar diferente da sociedade e que, por sua vez, 
constrói a partir dessa condição um conjunto de teias 
discursivas capazes de etiquetar os indivíduos devido à 
ausência de um dos sentidos, às dificuldades inerentes 
dessa condição e ao olhar produzido sobre esses quasi-
marginais. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial62
A visibilidade destes “seres estranhos” potenciam 
a estigmatização em relação ao que apresenta traços 
diferentes do conjunto padronizado apresentando-se e 
constituindo-se, a partir desse momento, uma relação 
desigual entre o “eu – normal” e o “outro – diferente”. 
O olhar diferenciado sobre a figura do “outro” conjuga-
se, desde logo, com uma noção de perigo que deve ser 
imediatamente controlado, potenciando a figura do 
preconceito. A este propósito Boto (2011), apoiando-
se em Bobbio (1992, p. 203), fala-nos desta ideia 
que, segundo a autora, remete-nos à intolerância, à 
discriminação “contra alguém que, por razões físicas, 
etárias, sexuais ou raciais, é percebido como desigual” 
(BOTO, 2011, p. 32). Deste modo, Boto (2011) é 
peremptória quando afirma que “o preconceito é, por sua 
vez, um conjunto de opiniões que são acolhidas de modo 
acrítico passivo pela tradição, pelo costume ou por uma 
autoridade cujos ditames são aceitos sem discussão” 
(BOTO, 2011, p. 32). 
Esta constatação que a historiadora e filósofa da 
educação faz nos remete imediatamente à ideia de 
estigma. De fato, quando pensamos em grupos de 
pessoas diferentes, ao longo da história, e mesmo no 
tempo presente, imediatamente emergem matrizes 
culturais cristalizadas que fazem a maioria da população 
assumir uma posição de receio em face do elemento que 
pode ser “diferente” fisicamente pela ausência de um dos 
sentidos (como exemplo, cegos e surdos-mudos). 
Como afirma Goffman (1988), esta visão 
preconceituosa ou estigmatizada pode surgir por 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 63
referência a um atributo específico, como a falta de 
visão, “que [torna o indivíduo] diferente de outros 
que se encontram numa categoria em que pudesse ser 
incluído, sendo, até, de uma espécie menos desejável” 
(GOFFMAN, 1988, p. 12). Ainda assim, esta ideia de 
estigma permite, por outro lado, a compreensão de 
todo um universo de relações, discursos e narrativas 
que envolvem aquele que é considerado “diferente” 
ou que transporta uma “anomalia social”. De acordo 
com Rangel e Louzada (2015), as relações sociais das 
pessoas “diferentes” com as regulares, no âmbito do 
pensamento moderno, caraterizam-se pela ideia de 
imperfeição, ineficiência, improdutividade, pobreza ou 
mendicância (RANGEL & LOUZADA, 2015, p. 115). 
Estamos, portanto, a verificar que o cego, esse 
elemento estranho à sociedade, constrói a sua identidade 
por referência àquilo que julga que a sociedade pensa 
dele e da sua imperfeição. É neste sentido que Amado 
(2008) considera, na sua abordagem, o binómio 
perfeição-imperfeição, afirmando que os cegos. 
São diferentes do conceito de homem completo, 
entenda-se, na total propriedade das suas capacidades. 
Estão excluídos da possibilidade de comunicar pela 
leitura e escrita, de se deslocar em autonomia, de 
exercer uma função social activa [...] (AMADO, 2008, 
p. 27-28). 
Construído este excerto de texto introdutório, 
colocamos as seguintes questões de partida: como se 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial64
lidou com essas crianças e jovens anormais, por “defeito 
sensorial”, nomeadamente os cegos, principalmente na 
transição entre as centúrias de oitocentos e de novecentos? 
De que modo se procurou a sua normalização? Que 
protagonistas podemos realçar? Que lugar ocupou nesse 
processo o conhecimento científico, em particular a 
Pedagogia? Que influências recebeu o ensino dos cegos 
em Portugal?
Colocadas as questões orientadoras, prosseguimos 
o nosso trabalho ancorados, do ponto de vista teórico, 
ao campo da História da Educação e, em particular, da 
História Social da Infância. Utilizamos um conjunto de 
autores de referência para iluminar os nossos problemas 
(BOTO, 2011; CARVALHO & Ó, 2010; FERNANDES, 
1989, 2004; HENRIQUES & VILHENA, 2015; 
FOUCAULT, 2008; GOFFMAN, 1988; ALVES, 2012; 
AMADO, 2007, 2012; RANGEL & LOUZADA, 
2015; entre outros). Este trabalho é alimentado por um 
corpus documental que podemos definir em três níveis: 
fontes de arquivo, onde assumem destaque livros de 
atas, livros de matrículas, livros de correspondência, 
entre outros; imprensa, com destaque para o Jornal dos 
Cegos (1895-1920); e fontes oriundas de uma biblioteca 
pedagógica, assim como imagens fotográficas da época, 
ilustrativas do discurso. Optamos por circunscrever 
o nosso objeto de estudo ao espaço geográfico 
português, utilizando, para o efeito, o exemplo do 
Asilo de Cegos de Castelo de Vide, no distrito de 
Portalegre (Portugal). A abordagem metodológica 
é baseada nos princípios da análise socio-histórica, 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 65
onde procuramos verificar o estado da arte, colocar 
os problemas, identificar as fontes, recolher os dados, 
interpretá-los, analisá-los e pô-los em formato de texto. 
Defendemos que o Asilo de Cegos de Castelo de 
Vide integrou o movimento filantrópico oitocentista 
e procurou, através da constituição de uma escola 
profissional, impulsionar a educação dos cegos 
em Portugal, tornando-se um importante palco de 
apropriação de ideias pedagógicas, baseado numa 
formação sobretudo profissional desse público, onde 
estão presentes diversas influências estrangeiras. 
o cego nas franjas da sociedade: o caminho da 
normalização 
No contexto da modernidade, o processo de adequação 
social provocou a emergência da diferença. Foram postos 
em evidência os grupos de sujeitos “diferentes”, como é 
o caso dos cegos, objeto de estudo deste trabalho, ou dos 
surdos-mudos. Era necessário encontrar formas de ir ao 
encontro destes seres humanos “diferentes” daquilo que 
era considerado normal, isto é, a propriedade dos cinco 
sentidos. Neste caso, é a ausência de um dos sentidos, 
hereditária ou adquirida, que torna este grupo diferente 
e com potencial de “anormalidade”. É esta característica 
potencial que permite ao conjunto social regular, de 
acordo com Foucault (2008), agir sobre o seu corpo 
de um modo legitimado e aplicar “certos exercícios de 
poder”, entre os quais a tentativa de corrigir, ou pelo 
menos de oferecer a oportunidade àquele ser humano 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial66
diferente de tornar-se útil e produtivo de acordo com 
uma sociedade liberal, nova, marcada pelos princípios 
da racionalidade e do progresso. 
A segunda metade do século XVIII e o século XIX 
foram os momentos ideais para se desenvolver um 
movimento racional de filantropia, em lugar do espírito 
caritativo anterior, na civilização ocidental. É no 
interior deste movimento humanitário e de filantropia 
que encontramos as principais respostas institucionais 
para o acolhimento de cegos, em Portugal, na 
modernidade. Em associação com este movimento, 
verificamos o desenvolvimento dos princípios médico-
higienistas, propícios à emergência e à consolidação 
de novos saberes que encontraram na infância e na 
cegueira uma possibilidade de mapear o corpo “e os 
territórios da alma” (CARVALHO & Ó, 2009.). Em 
articulação, a Pedagogia surgiu como elemento maior 
com capacidade de analisar, classificar e exercer um 
poder corretivo, mas sobretudo produtivo, de modo a 
transformar estes seres quasi-marginais em sujeitos, 
socialmente, quasi-normais.Na sequência, ao longo da modernidade a emergência 
da diferença exigiu uma resposta rápida e eficaz 
em face daqueles que eram considerados elementos 
estranhos à sociedade, todavia com um potencial de 
utilidade social. É neste contexto que se integra o grupo 
que pretendemos analisar: aqueles que não possuíam 
um sentido, nomeadamente a visão, tendo sido 
encontradas, para estes “seres diferentes”, soluções 
institucionais capazes de responder às necessidades 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 67
psicológicas e biológicas dos cegos e, por outro lado, 
à necessidade de conhecer mais e melhor esse ser que 
não era considerado regular. 
Rangel e Louzada (2015) são esclarecedoras quando 
afirmam que as instituições asilares criadas assumiram 
o trabalho como um mecanismo de emancipação 
social, de recolhimento das mazelas sociais, isolando 
os cegos no interior de muros, “em função da promessa 
de bem-estar social feito pela revolução política e 
científica moderna” (RANGEL & LOUZADA, 2015, 
p. 115). Acrescentam que deste modo se chega ao 
higienismo “em associação plena entre o político e o 
científico; o disciplinamento de toda a sociedade por 
meio de mecanismos que operam em sentido macro, 
o institucional, e, no sentido micro, nos corpos dos 
sujeitos” (RANGEL & LOUZADA, 2015,p. 115-116). 
É deste modo, na relação entre o Estado, a ciência, 
as instituições e os sujeitos, que se constrói uma teia de 
regimes de verdade que propõe tomar o corpo do sujeito, 
interná-lo num contexto técnico-institucional e aplicar-
lhe, por via da ciência, as normas sociopolíticas e morais 
emanadas pelo Estado. Este processo foi aplicado na vida 
da população cega ou que possuía outra anomalia que 
podia pôr em causa a ordem e a regularidade impostas 
socialmente. Os contextos técnico-institucionais 
assumem-se como plataformas de intensidade política, 
biológica, psicológica, moral e, também, educacional. 
O movimento filantropo, em articulação com 
o Estado e os saberes emergentes, constituiu 
circunstância bastante para a “invenção” de vários 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial68
contextos técnico-institucionais em que circularam 
diversos saberes (morais, científicos etc.), capazes 
de aproximar da perfeição ‒ leia-se de alguém que 
possui todos os sentidos ‒ o grupo dos cegos. 
Como sabemos, o ensino dos cegos encontra-se, na 
origem, associado a Valentin Haüy (1745-1822), na 
França, que numa perspectiva filantrópica constituiu, em 
Paris, o Instituto dos Jovens Cegos, no ano de 1784. De 
acordo com Alves (2012), este era um “instituto modelar 
[que] viria a transformar-se num centro de inovação, 
porquanto seria o aluno Luís Braille (1809-1852), cego 
desde os três anos, que criaria um código de pontos em 
relevo denominado de sistema Braille, hoje difundido 
por todo o globo” (ALVES, 2012, p. 347). Além de Paris, 
encontramos outras instituições de referência no ensino 
dos cegos com destaque para Madri, Londres, Milão ou, 
do outro lado do Atlântico, no caso brasileiro, o Instituto 
Benjamin Constant. 
O Jornal dos Cegos, em setembro de 1898, 
apresenta um conjunto de dados relevantes sobre as 
diversas instituições que existiam em todo o mundo 
dedicadas ao ensino e recolhimento deste grupo cujo 
título é “Instituto de Cegos – Escolas, Officinas e 
Asylos existentes no mundo em 1898 – Aos quaes foi 
distribuído o número impresso em relevo do Jornal 
dos Cegos commemorativo do IV centenário do 
descobrimento da Índia” (JORNAL DOS CEGOS, nº 
35, p. 273-284, 1898). Neste artigo Branco Rodrigues 
identifica 368 instituições que tinham como objetivo 
lidar com os cegos. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 69
Curiosamente, identifica no caso português apenas dois 
estabelecimentos que, na verdade, eram parte integrante um 
do outro: “331. Castello de Vide – Asylo de Nossa Senhora 
da Esperança, para cegos e cegas, instituído em 1863. Escola 
para Creanças cegas. 332. Castello de Vide – Officinas 
Branco Rodrigues, instituídas em 1895, para creanças 
cegas” (JORNAL DOS CEGOS, nº 35, p. 283, 1898)1. 
1 Na verdade, Branco Rodrigues omite a existência de um importante 
estabelecimento dedicado ao ensino dos cegos em Portugal: o Asilo-Escola 
António Feliciano Castilho, fundado em 1888 na cidade de Lisboa. Cf. Amado, 
M. R. (2007). Escritos em Branco. Rupturas da Ciência e da Pedagogia no 
Portugal Oitocentista – O ensino para cegos no Asilo-Escola António Feliciano 
Castilho (1888-1930). Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade 
de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. 
Tabela 1 – Identificação do número de estabelecimentos existente no mundo em 1898 de acordo 
com Branco Rodrigues 
País Número de Institutos País Número de Institutos
Alemanha 47 Itália 18
Austrália 2 México 1
Áustria 12 Noruega 4
Bélgica 9 Portugal 2
Brasil 1 Rússia 22
Canadá 3 Suécia 7
Dinamarca 3 Suíça 4
Egito 1
Estados Unidos 48 Total 368
França 39
Grã-Bretanha: Escócia 7
Inglaterra 104
Irlanda 8
Espanha 9
Holanda 7
Fonte: Jornal dos Cegos, nº 35, p. 283, setembro de 1898.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial70
os contextos técnico-institucionais Para cegos em 
Portugal: entre o asilar e o educativo 
A arte de governar o outro tornava-se um exercício 
mais difícil com aqueles que não se encontravam no 
espectro da regularidade. Como afirma Amado (2007), 
seguindo a sua afiliação teórica foucaultiana: 
O anormal, o louco, o excluído são, no entanto, mais 
difíceis de gerir. Não era possível alguém ser louco 
e culpado, como controlar? Passou a ser necessária a 
utilização de uma análise, de um conhecimento, de um 
parecer técnico para situar o diferente e poder controlá-lo. 
A normalização possível (AMADO, 2007, p. 28). 
O controlo sobre o sujeito diferente, ao longo da 
modernidade, concretizou-se, em grande medida, pela 
figura da institucionalização. Uma forma de isolar esses 
indivíduos e de mais facilmente se perceberem determinados 
comportamentos e o seu potencial de desvio em face do 
instituído. Era necessário encontrar espaços e mecanismos 
capazes de responder a esta ansiedade social onde os diferentes 
saberes pudessem observar, classificar, propor exercícios de 
poder capazes de produzir uma determinada normalidade.
Ao longo do século XIX encontramos um conjunto 
de iniciativas, de matriz asilar, dedicadas àqueles que 
não possuíam visão e que passamos, sumariamente, a 
identificar e a caracterizar. 
No contexto da modernidade, a primeira instituição 
que surgiu em Portugal dedicada, em parte, ao 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 71
recolhimento e ao ensino dos cegos foi o Instituto de 
Surdos-Mudos e Cegos. De acordo com Fernandes 
(1989) (texto republicado por Felgueiras e Ferreira em 
2004), “apenas por volta de 1822 começa o problema da 
educação de crianças deficientes a colocar-se na política 
educativa” (FERNANDES, 2004, p. 706). Nesta época, 
afirmava-se a necessidade de criar “cadeiras oficiais de 
instrução de crianças surdas-mudas” (FERNANDES, 
2004, p. 706). Apenas no ano seguinte, em 1823, foi 
criado o primeiro estabelecimento oficial dedicado ao 
ensino de surdos-mudos e cegos em Portugal. Apesar 
das dúvidas, terá sido sob o patrocínio régio, no âmbito 
do movimento filantrópico da época, que terá sido criado 
tal instituto. A criação do Instituto de Surdos-Mudos e 
Cegos esteve ligada à vinda para Portugal dos irmãos 
Borg: Pedro Aron Borg e José Hermano Borg. Pedro 
Borg tinha fundado uma instituição similar na Suécia, 
ajudado pelo seu irmão, e essa experiência poderia 
constituir uma mais-valia para a edificação do novo 
projeto sociopedagógico português (FERNANDES, 
2004, p. 707). Intervenientesportugueses também 
estiveram ligados a este instituto, como José Crispim da 
Cunha, que foi professor e ainda diretor da instituição. 
No seguimento de Fernandes (2004), a organização 
pedagógica assentava-se no princípio da diferenciação 
do gênero, uma vez que “João Hermano Borg ocupava-
se da seção feminina e Crispim da Cunha da seção 
masculina” (FERNANDES, 2004, p. 715). 
O ensino neste estabelecimento encontrava-se 
dividido entre a parte da manhã e a parte da tarde. Na 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial72
primeira metade do dia, assumia preferência a instrução 
literária (das 8h30 até às 10h e das 11h ate às 13h); 
na segunda metade do dia, apostava-se na formação 
de matriz profissional, com destaque para os diversos 
ofícios manuais. 
Poucos anos depois do seu início, no contexto 
político difícil de final da década de 20 da centúria de 
oitocentos, o Instituto de Surdos-Mudos e Cegos vê-se 
a braços com dificuldades financeiras e com um projeto 
de integração à Casa Pia de Lisboa, acabando por 
sucumbir aos discursos vigentes sobre a onerabilidade 
do instituto e terminando esta breve experiência oficial 
de “educação especial” em Portugal. 
Depois da primeira experiência institucional dirigida 
ao recolhimento e ensino de surdos-mudos e cegos 
em Portugal, apenas em 1863 vamos encontrar, no 
Alentejo, em Castelo de Vide, outra instituição: o Asilo 
de Cegos de Castelo de Vide. É sobre esta instituição 
que procuraremos construir um retrato mais alargado. 
Figura 1 – vista panorâmica de Castelo de vide (1914)
Fonte: Arquivo da Fundação de Nossa Senhora da Esperança (AFNSE).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 73
O Asilo de Cegos de Castelo de Vide foi instituído 
no Alto Alentejo, em Castelo de Vide, sob a invocação 
de Nossa Senhora da Esperança, por João Diogo Juzarte 
Sameiro, natural daquela localidade, cuja inauguração 
aconteceu em 20 de julho de 1863. O instituidor deixou 
90 contos de réis para garantir o seu objetivo principal, 
que era o recolhimento de cegos de ambos os sexos, com 
vantagem para os habitantes originários daquela região. 
Em 20 de novembro de 1866 os primeiros estatutos 
foram confirmados por Carta Régia de D. Luís. 
 
 
O Asilo de Cegos de Castelo de Vide, nos seus 
primeiros anos de vida, define-se essencialmente pelo 
seu caráter assistencialista (asilar). Nos seus estatutos 
do período oitocentista podemos verificar que “os fins 
d’este instituto são unicamente prestar consolação 
e socorro aos infelizes cegos, seja qual for o sexo e a 
edade” (1885, art. 2º). A admissão dos cegos implicava 
um escrutínio que a direção do asilo deveria fazer. Pode-
se ler que “para qualquer cego ser admittido no asylo 
deverá primeiramente provar perante a direção d’elle: 1º 
Figura 2 ‒ Asilo de Cegos de Castelo de Vide (Desenho e gravura de Caetano Alberto).
Fonte: Jornal dos Cegos, nº 34, p. 269, agosto de 1898.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial74
Pobreza absoluta. 2º Morigeração. 3º Que não padece 
moléstia alguma contagiosa, em consequência da qual 
se arrisque a saúde dos outros asylados” (1885, art. 3°).
Como podemos inferir, os tempos iniciais da vida deste 
estabelecimento de recolha de cegos ficaram marcados 
por uma visão essencialmente assistencialista. A ideia 
era isolar, esconder estes sujeitos que eram considerados 
“infelizes”, dada a ausência de um dos seus sentidos: a visão. 
A sua entrada na instituição implicava a construção 
de um cadastro que permitia à direção concluir se era, ou 
não, pertinente tornar-se um sujeito institucionalizado. 
Nesta fase não verificamos a importância dada às questões 
educativas, todavia a ciência está bem presente. Note-se 
que era necessária a presença de um médico, em regra 
o médico municipal, 
que averiguava dois 
aspetos: o primeiro, 
se efetivamente era 
ou não cego, ou se 
possuía baixa visão; 
o segundo tinha a 
ver com as doenças 
infectocontagiosas 
que poderiam 
desenvolver-se no 
quadro institucional. 
Até o ano de 1880 
os dados solicitados 
eram os seguintes: 
nome, filiação, idade, Figura 3 – Matrícula da asilada nº 1 (1863). 
Fonte: AFNSE ‒ Livro de Matrículas nº 1.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 75
naturalidade, estado civil, profissão, data de admissão e 
um campo para as observações. Depois de 1880 verifica-
se a introdução de um novo campo que se prende às 
questões do corpo, onde se questiona se o sujeito foi ou 
não vacinado.
Entre 1863 e 1895, nesta primeira fase de matriz 
assistencialista, encontramos 201 registos no Livro 
de Matrículas. A maioria dos asilados eram pessoas 
com idade avançada (cerca de setenta anos de idade), 
naturais da vila de Castelo de Vide ou do distrito de 
Portalegre, eram maioritariamente viúvo/as (embora 
também tenhamos verificado a existência de um 
conjunto significativo de pessoas solteiras), sem 
recursos e suporte familiar, acabavam os seus dias 
naquele contexto institucional. 
Encontramos também algumas crianças de tenra idade 
que deram entrada na instituição e que ali se mantiveram 
durante vários anos. Percebemos que algumas dessas 
crianças, no último quartel do século XIX, eram 
encaminhadas para o Asilo-Escola António Feliciano 
Castilho, dado que nesta fase do Asilo de Cegos de 
Castelo de Vide o ensino não era ainda uma prioridade. 
Neste contexto institucional havia uma vertente 
disciplinar muito forte. Todos deviam respeitar os 
espaços a que, no interior do asilo, estavam destinados. 
Caso não o fizessem, ou desobedecessem a algum dos 
funcionários ou regentes, eram castigados, por exemplo, 
com períodos de reclusão ou até mesmo a expulsão, 
como aconteceu frequentemente nos primeiros anos de 
atividade. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial76
um asilo-escola:
a escola Profissional Branco rodrigues 
O final da centúria de oitocentos ficou marcado pela 
emergência de um novo paradigma, mais inclusivo, para 
os cegos. A educação ganhou uma importância central 
no processo de “normalização” do sujeito portador de 
cegueira. A perceção de que a educação podia ter um 
papel decisivo na conquista de maior autonomia pessoal 
e social e desenvolvimento intelectual e profissional 
encontrou um enorme suporte na figura do tiflólogo 
Branco Rodrigues, em conjunto com o médico Aniceto 
de Oliveira Xavier, o padre António José Ferreira da 
Trindade, o tesoureiro José 
da Assumpção Mimoso 
e, ainda, os vogais do 
asilo Henrique do Carmo 
Gonçalves e António José 
Repenicado, o regente padre 
Severino Diniz Porto, entre 
outros.
José Cândido Branco Ro-
drigues foi um dos protago-
nistas mais relevantes para o 
desenvolvimento do ensino 
dos cegos em Portugal. Com 
origem em famílias liberais 
e burguesas, percorreu um 
conjunto significativo de 
países com o intuito de co-
Figura 4 – José Cândido Branco Rodrigues(1861-1926). Figura 4 – José Cândido 
Branco Rodrigues(1861-1926).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 77
nhecer mais e melhor o problema da cegueira e as possi-
bilidades de ensinar esse grupo de sujeitos. Branco Ro-
drigues nasceu em Lisboa, em 1861, falecendo em 1926. 
O motivo do interesse de Branco Rodrigues pelas pro-
blemáticas que estamos a discutir neste texto prende-se, 
segundo Alves (2012), ao falecimento do seu avô José 
Rodrigues, que esteve cego na parte final da sua vida 
durante, aproximadamente, 15 anos (ALVES, 2012, p. 
348). Esta circunstância terá, pelo menos assim indica a 
literatura, contribuído para dedicar a sua vida “à causa 
dos cegos” (ALVES, 2012, p. 348).
O tiflólogo português frequentou, embora não 
concluindo, a Universidade de Coimbra. Esta 
circunstância, porém, não constituiu um problema, tendo 
se tornado umdos mais influentes e ativos lutadores em 
prol dos cegos, chegando mesmo a influenciar os políticos 
da época de modo a estabelecer “o ensino official dos cegos 
no nosso paiz” (JORNAL DOS CEGOS, nº 1, p. 3, 1895). 
Em 1895 Branco Rodrigues visitou o Asilo de Cegos 
de Castelo de Vide. Ali teve a oportunidade de verificar 
o trabalho realizado pelo regente Severino Diniz Porto 
que, desde 1894, promovia um trabalho notável “para 
os cegos de menor edade, que existiam naquelle asylo” 
(JORNAL DOS CEGOS, nº 3, p. 17, 1896). De acordo 
com o próprio Branco Rodrigues, nesta instituição foram 
aplicados “os mais modernos processos de ensino e 
obteve brilhantes resultados a ponto de levar ao lyceu 
de Portalegre dois alumnos que alcançaram, no anno 
passado, distinção no exame de instrucção primária. 
Para este anno já tem preparados mais tres alumnos” 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial78
(JORNAL DOS CEGOS, nº 3, p. 17, 1896). Também o 
livro de visitas da época apresenta esse contato inicial 
de Branco Rodrigues com o Asilo de Cegos de Castelo 
de Vide, publicado posteriormente no Jornal dos Cegos: 
Eu que acabo de visitar officialmente os principaes 
estabelecimentos de ensino e de protecção que existem 
na Europa, destinados aos cegos, posso, com verdadeiro 
orgulho pátrio, confessar que vim encontrar no meu 
paiz um instituto que me maravilhou, não só pelas 
condições em que foi fundado, como também pelos 
assombrosos resultados que tem obtido com a recente 
introducção de ensino literario e musical (JORNAL 
DOS CEGOS, nº 9, p. 66, 1896). 
O contato de Branco Rodrigues com esta instituição e 
com o próprio Severino Diniz Porto constituiu o início de 
um projeto sociopedagógico que havia de ter seguimento 
com o apoio do industrial António José Repenicado. 
Branco Rodrigues, através do periódico Jornal dos 
Cegos, também fundado por si, documenta-nos sobre 
esse novo projeto realizado no interior de Portugal: a 
fundação da primeira Escola Profissional para Cegos, cujo 
“benemérito fundador quis que fosse dado o nome de – 
Branco Rodrigues” (JORNAL DOS CEGOS, nº 3, p. 17, 
1896). Para Branco Rodrigues era necessário encontrar 
novas formas de olhar para os cegos, e para isso refere que: 
Não basta dar-lhes a alimentação do corpo, é preciso 
mais aos cegos, talvez, do que aos videntes, cultivar-
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 79
lhes o espírito e dar-lhes um modo de vida, como agora 
acaba de ser posto em prática pelo benemérito director, 
António José Repenicado (JORNAL DOS CEGOS, nº 
9, p. 67, 1896). 
Na verdade, é neste momento que a instituição 
transita de um caráter asilar, assistencialista e caritativo 
para uma dimensão de natureza educativa, onde o 
interesse central era a autonomia e a utilidade do sujeito 
cego, em particular das crianças, no interior de uma 
comunidade, à semelhança do que acontecia em algumas 
das instituições existentes na Europa. 
Esta direcção, porém, pensou que as creanças que 
lá estavam asyladas precisavam mais do que isso: 
precisavam luz n’aquelles cerebros, condemnados a 
viver nas mais horriveis trevas; precisavam trabalho, 
que os livrasse da ociosidade que os torturava; 
precisavam de ter esperança em um futuro mais risonho 
do que aquelle que lhes podia dar um asylo de inválidos 
(JORNAL DOS CEGOS, nº 10, p. 78, 1896). 
Nesta instituição de matriz asilar, em 1896 contavam-
se 11 alunos do sexo masculino e 3 do sexo feminino. 
Aos alunos que haviam concluído a instrução primária 
ensinava-se Francês, Geografia, História, Língua 
Portuguesa e Matemática. Contavam, ainda, com uma 
aula de Música. Vicente Marçal, professor de música, 
desenvolvia um “prodigioso trabalho”, tornando-se 
mesmo “assombroso” o elevado número de “partituras 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial80
que a fanfarra dos alumnos cegos desempenha, com 
uma mestria e perfeição que causa verdadeiro espanto” 
(JORNAL DOS CEGOS, nº 3, p. 18, 1896). 
Apesar do papel de Severino Diniz Porto na promoção 
da educação literária e musical dos alunos cegos, “nunca 
poderiam melhorar de situação, se não fosse a idea nobre 
do benemérito instituidor da Escola Profissional Branco 
Rodrigues” (Jornal dos Cegos, nº 3, janeiro de 1896, 
p. 18), António José Repenicado. Assim, a criação da 
nova escola e das respectivas oficinas permitiu ao cego 
“trabalhar, o producto do seu trabalho pertence-lhe e, 
como o asylo lhe satisfaz todas as suas necessidades, 
o cego pode economisar o que ganhar, pode juntar um 
peculio, e com esse peculio pode sahir de asylo” e, 
consequentemente, “constituir família e fruir de todas as 
felicidades do lar doméstico” (JORNAL DOS CEGOS, 
nº 3, p. 19, 1896). 
O trabalho surge neste contexto como um elemento 
de dignidade da vida humana, sobretudo para aqueles 
que não possuíam um sentido. Assim, trabalhar, tornar-
se produtivo, constitui uma forma de procurar entrar 
no universo da normalidade, tal como a constituição 
de uma família. Todavia, esse desígnio apenas poderia 
ser alcançado através de um conhecimento plural ‒ 
conhecimento literário, musical e profissional. 
A Escola Profissional Branco Rodrigues, em Castelo 
de Vide, parece inspirar-se em várias instituições 
estrangeiras visitadas por Branco Rodrigues. Aliás, no 
terceiro número do Jornal dos Cegos, de janeiro de 
1896, onde é publicado um texto sobre o começo dessa 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 81
escola, surge imediatamente outro texto sobre a Escola 
Braille em Saint-Mundé, nos arredores de Paris, onde 
“o cego é considerado como um operário, e deve, com o 
producto do seu trabalho, pagar todas as suas despesas” 
(JORNAL DOS CEGOS, nº 3, p. 20, 1896). 
A organização do espaço do Asilo de Cegos de Castelo 
de Vide consistia já numa separação por idades e gênero. 
No rés do chão encontravam-se os dormitórios e o 
refeitório para os cegos do sexo masculino. As camaratas 
eram adequadas aos cegos de diversas idades e aqui se 
encontravam “os adultos completamente separados das 
creanças” (JORNAL DOS CEGOS, nº 10, p. 74, 1896). 
Neste contexto institucional as crianças deveriam usar 
um uniforme composto por uma “blusa de riscado azul 
e branco. Todos possuem uma medalha com a effigie de 
Nossa Senhora da Esperança” (JORNAL DOS CEGOS, 
nº 10, p. 74, 1896). Em 1896, o asilo era frequentado 
por 12 rapazes e 3 moças, embora no total fossem 
computados 43 cegos e a sua capacidade máxima fosse 
de 100 sujeitos institucionalizados. 
Figura 5 – à esquerda representações do sistema Braille no Jornal dos Cegos;
do lado direito, exemplo do funcionamento do Cubarithmo.
Fonte: Jornal dos Cegos, nº 4 e 5, fevereiro e março de 1896, p. 25 e 33.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial82
Do ponto de vista pedagógico, o ensino dos cegos, 
impulsionado pelo padre Severino Diniz Porto no 
Asilo de Cegos de Castelo de Vide, baseava-se no 
sistema Braille “o único universalmente adoptado em 
todas as escolas de cegos do mundo” (JORNAL DOS 
CEGOS, nº 10, p. 79, 1896). De acordo com Branco 
Rodrigues: 
O mechanismo d’este alphabeto é simplicissimo, e todas 
as pessoas que o queiram aprender para o ensinar aos 
cegos, ou ler o que elles escrevem, podem fazê-lo com 
grande facilidade; tem sobre todos os outros caracteres 
que foram usados pelos cegos [...] a vantagem de poder 
ser escripto assás rapidamente por meio de um punção 
e de uma pauta especial (JORNAL DOS CEGOS, nº 4, 
p. 26, 1896). 
No que respeita à comunicação entre cegos e 
“videntes” “usa-se o systema empregado no Instituto 
Nacional dos Cegos de Paris, que é um dos melhores 
que se tem descoberto” (o sistema Braille-Ballu) 
(JORNAL DOS CEGOS, nº 4, p. 26, 1896). Por seu 
lado, o ensino da arithmetica utilizava o Cubarithmopara facilitar o cálculo, “uma maravilhosa e recente 
invenção de M. Martin, actual diretor do Instituto de 
Paris” (JORNAL DOS CEGOS, nº 4, p. 26, 1896). Além 
disso, todos os alunos aprendiam a língua materna, 
uma língua estrangeira (o francês), a geometria, a 
história [as disciplinas liceais], acrescentando ainda a 
formação musical que contribuía para a aprendizagem 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 83
de um instrumento e para a “fanfarra dirigida por um 
hábil professor, D. Vicente Marçal”2. 
De acordo com o regulamento do Asilo de 1902, 
o cotidiano dos cegos era preenchido de uma forma 
bastante disciplinada. Promovia-se o princípio da 
mente sã em corpo são. Para o efeito, era essencial o 
banho, o convívio social, o respeito e o cumprimento 
de um conjunto de normas e deveres. O dia a dia das 
crianças cegas era marcado pela disciplina, destacando-
se o levantar pelas seis horas da manhã, no inverno, e 
pelas cinco horas da manhã no verão. Deviam também 
2 Dom Vicente Marçal, de origem espanhola, era considerado um artista e 
“benemérito professor de música do Instituto dos Cegos, d’aquella vil-
la” (Jornal dos Cegos, nº 43, p. 341 ss., maio de 1899). Deve-se a este 
professor “o grau de adiantamento dos alunos d’aquelle pio estabelec-
imento, que pode rivalisar com as melhores instituições congéneres do 
estrangeiro, pela completa educação literária, profissional e musical, que 
ali é ministrada às creanças cegas”. Dirigia a fanfarra do Asilo de Cegos 
de Castelo de Vide e “durante as festas do Centenário da Índia teve o pú-
blico da capital ocasião de apreciar o seu prodigioso trabalho” (Jornal dos 
Cegos, nº 43, p. 341 ss., maio de 1899).
Figura 6 – Alunos cegos (à esquerda) em formação musical para tocar na Fanfarra do Asilo; (à 
direita) Alunos cegos em momento de aprendizagem de um ofício mecânico nas oficinas da Escola 
Profissional Branco Rodrigues em Castelo de vide (1896). Fonte: AFNSE.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial84
frequentar uma missa diária, de caráter obrigatório, no 
coro da igreja anexa. No refeitório eram obrigados a 
fazer silêncio e a andar com a cabeça descoberta. Depois, 
faziam novamente as orações, e também no final do dia. 
Cabia ao asilado a função de fazer a sua própria cama, 
“depois de lavada pelo ar”. 
Do ponto de vista pedagógico, o regulamento de 1902, 
falava da obrigatoriedade da frequência da instrução 
primária, das vantagens da aprendizagem e da formação 
musical, assim como da necessidade de aprender um 
ofício de modo a garantir a sua subsistência futura. 
A este propósito, da aprendizagem de um ofício, 
Branco Rodrigues publica um texto em 1897 intitulado 
“A primeira educação das creanças cegas”, em que 
afirmava a importância do trabalho na possibilidade de 
atingir a felicidade dessas crianças, argumentando que: 
Não há creança nenhuma cega a quem os seguintes 
conselhos deixem de ser applicaveis. Se os paes 
seguirem taes conselhos, seus filhos poderão chegar 
um dia a ganhar honradamente a sua vida. Se os 
não seguirem, seus filhos serão infelizes quando 
reconhecerem que são entes inuteis por não poderem 
ganhar a vida pelo trabalho. Essas creanças acusarão 
seus paes por não lhes terem dado a primeira educação, 
e por terem sido a verdadeira causa da sua desgraça 
(BRANCO RODRIGUES, 1897, p. 153). 
No seguimento deste conselho, Branco Rodrigues 
estabelece o modo como a criança cega devia adquirir a 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 85
sua autonomia. Segundo o tiflólogo, a criança cega devia 
ser ensinada a andar “na mesma idade em que se ensinam 
as que têm vista”. De igual modo, a criança cega devia 
ser ensinada a vestir-se, a despir-se sozinha, a lavar-se 
e a assoar-se, uma vez que “tudo isto pode a creança 
cega fazer com tanta facilidade como a que tem vista”. 
No mesmo sentido, a criança devia habituar-se a comer 
sozinha com os respetivos talheres, primeiro o garfo e 
depois a faca, e acrescenta que “este ensino deve ser 
bastante minucioso, visto a creança não poder imitar os 
gestos das outras pessoas”. Na perspetiva do seu corpo, 
também deveria ser habituado a posições saudáveis, não 
devendo, por exemplo, “costumar-se a esfregar os olhos, 
a balouçar a cabeça, a estar curvadas”. Afirma Branco 
Rodrigues a importância de a criança cega brincar, 
devendo as crianças ser ensinadas a jogar através da 
estimulação do uso do tato e do ouvido, acrescentando 
que “os jogos das escondidas e da cabra-cega são muito 
bons, se o cego tiver duas ou três pessoas para jogar com 
elle”. Também devem ser estimulados os passeios ao ar 
livre de forma a evitar uma vida sedentária. No que diz 
respeito, especificamente, à educação destas crianças, 
refere que: 
A creança deve aprender o mais cedo possível a tornar-
se útil em casa, encarregando-se de trabalhos que 
possa executar, especialmente de trabalhos manuaes, 
como crochet, rendas etc. Ainda que estes trabalhos 
não possam ser aproveitados, servirão contudo para 
desenvolver a destreza das mãos. Educaremos a 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial86
creança cega como sendo destinada a viver entre 
pessoas com vista e como devendo, pelos seus hábitos, 
pelo seu trabalho, differir d’ellas o menos possível. 
Deve-se falar muitas vezes à creança cega, porque, 
como ella não pode ler na physionomia de seus paes 
a ternura de que é objecto, tem necessidade de ouvir 
a sua voz mais amiudadamente do que qualquer outra 
creança. [...]. Podemos dar à creança cega a instrução 
moral e religiosa, na mesma idade que as ministramos 
às que têm vista. [...] É mais importante do que para 
as que têm vista estarem sempre occupadas, quer 
seja com brinquedos, quer seja com o trabalho. [...]. 
Exercitaremos muito a memória da creança cega 
[...]. Como os cegos não podem fazer idea das coisas 
materiaes senão pelo tacto, devemos fazer com que 
elles apalpem em todas as direções os objectos que 
quizermos tornar conhecidos [...]. Quando a creança 
cega tenha attingido a idade em que as crianças com 
vista começam a frequentar a escola, ensinala-emos 
então a ler e a escrever (BRANCO RODRIGUES, 
1897, p. 155) 
O excerto anterior coloca a criança cega sempre 
em relação com os padrões considerados normais. A 
criança cega é aquela que não deve ser diferenciada 
pela ausência de um dos sentidos. Antes, devem ser 
criadas as condições necessárias para o desenvolvimento 
dos outros sentidos dessas crianças. Neste processo, 
percebe-se a importância da pedagogia – das lições de 
coisas ‒ através dos objetos que permitissem atingir 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 87
esse desígnio. A valorização do tato é considerada 
fundamental no processo de aprendizagem deste grupo. 
Atualmente, encontramos ainda na herdeira da instituição 
asilar, associado, por exemplo, ao ensino da geografia, 
quadros parietais construídos propositadamente para que 
as crianças cegas tivessem a oportunidade de conhecer a 
pátria onde nasceram. Verificamos também a existência 
de uma importante coleção de ornitologia que serviu 
para desenvolver as capacidades das crianças cegas 
através do tato. 
 
A Universidade de Coimbra e o Museu de Lisboa 
foram os principais beneméritos que possibilitaram 
a constituição desta relevante coleção ornitológica 
constituída entre o último quartel do século XIX e o 
começo do século XX.
Assim, como afirma Amado (2008), o ensino dos cegos 
constituiu um pilar fundamental com vista à autonomia 
dos sujeitos institucionalizados e à sua integração social: 
Figura 7 – à esquerda quadro parietal em relevo para o ensino da geografia; à direita, elemento 
que integra atualmente a coleção de ornitologia da Fundação de Nossa Senhora da Esperança, 
herdeira do Asilo deCegos de Castelo de vide (Portugal). Fonte: AFNSC. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial88
De qualquer forma, era primordial o ensino porque 
era este que daria a autonomia ao internado, quer 
através do domínio do saber, quer através da mera 
aprendizagem social correcta, deixando de ser um 
excluído e intelectualmente desconsiderado. O ensino 
profissional, esse, era um investimento muito directo 
na autonomia e rendimentos próprios dos alunos e 
sua demonstração e rentabilização social imediata 
(AMADO, 2008, p. 109). 
A articulação entre o ensino de natureza intelectual com 
a aprendizagem de um oficio constituíam os elementos 
fundamentais ao processo conducente à normalização do 
indivíduo, onde as novas metodologias pedagógicas e a 
utilização de um alfabeto de circulação internacional – o 
sistema Braille –, assim como o trabalho, constituíram 
elementos relevantes para a inclusão social daqueles 
sujeitos. 
a circulação do conhecimento:
o Periódico e as BiBliotecas de cegos – 
Breves incursões exPloratórias 
Um dos aspectos mais relevantes da ação de Branco 
Rodrigues teve a ver com a incorporação de “atualidades 
pedagógicas” em Portugal relacionadas com o ensino 
dos cegos. Para o efeito, utilizou dois mecanismos: 
o primeiro, que consistiu na criação de um periódico 
dedicado aos problemas e necessidades dos cegos; e, 
o segundo, numa perspectiva mais institucional, que 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 89
passou pela criação de bibliotecas específicas para o 
ensino dos cegos. 
Relativamente ao primeiro aspecto podemos referir 
que o Jornal dos Cegos: Revista de educação e ensino 
intellectual e profissional dos cegos foi fundado por 
José Cândido Branco Rodrigues em 1895, e constituiu 
um importante instrumento de valorização da “causa 
dos cegos” em Portugal. Afirma o tiflólogo que, com 
este periódico, poderia “informar os [...] leitores, do 
movimento, hoje importante, de todas essas associações 
e escolas. Tratarei de todas as questões relativas à 
educação, ensino intelectual e profissional dos cegos” 
(JORNAL DOS CEGOS, nº 1, 1895). 
Podemos identificar duas importantes fases do 
periódico: a fase do começo, que pode ser enquadrada 
temporalmente entre 1895 e 1902, onde o Jornal dos 
Cegos assumia uma periodicidade mensal. Como 
afirmam Henriques & Almeida (no prelo): 
Os primeiros sessenta e dois números, que abrangiam um 
intervalo de tempo de Novembro de 1895 a Dezembro 
de 1900, têm numeração e paginação continuadas 
perfazendo no seu nº 62 quinhentas e duas páginas. De 
Janeiro de 1901 a Dezembro de 1902, a numeração, 
quer dos fascículos quer das páginas, recomeça do nº 
1 a cada novo ano, embora não exista indicação formal 
de que se trata de uma nova série. Cada número avulso 
tinha o custo de 3$500 e o preço da assinatura anual 
era de 500 réis. Até ao n.º 50, o escritório e a redação 
funcionaram na Livraria Catholica, Rocio-Lisboa, 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial90
tendo a partir do nº 51 a redação sob a responsabilidade 
da Livraria J. A. Pacheco, Rocio-Lisboa. Em Janeiro de 
1902 a redação voltou à Livraria Catholica. A impressão 
foi sempre feita na Typographia Casa Portugueza, 139, 
São Roque, em Lisboa. 
Nesta primeira fase do periódico os lucros da sua 
venda revertiam a favor do Asilo de Cegos de Castelo 
de Vide. Não é por acaso que grande parte do periódico 
diz respeito ao que acontecia naquela instituição, dada 
a ligação que Branco Rodrigues possuía com a mesma. 
Neste período podemos encontrar no periódico 
assuntos relacionados com a educação das crianças cegas, 
instituições de cegos e muita bibliografia e contribuições 
de origem estrangeira que inspiravam a ação cotidiana 
de Branco Rodrigues, que procurou incorporar essas 
“novidades” em Portugal e, em concreto, em Castelo de 
Vide. 
Figura 8 – A primeira página do primeiro número publicado em novembro de 1895. à direita uma 
visão parcial da biblioteca dos cegos existente atualmente na Fundação de Nossa Senhora da 
Esperança em Castelo de vide (Portugal). 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 91
A segunda fase da vida deste periódico, sobretudo a 
partir de 1903, foi marcada pela mudança da periodicidade 
do jornal e pelo gradual afastamento de Branco Rodrigues 
de Castelo de Vide. O Jornal dos Cegos passou a ser 
publicado anualmente e Branco Rodrigues abraçou novos 
projetos, tendo assumido a criação de novos institutos de 
cegos em Portugal, nomeadamente em Lisboa e no Porto. 
No geral, acompanhamos Castelo (2005) quando afirma 
que este periódico teve a preocupação, entre outras, de 
publicar “estudos vários de natureza científica [constituindo 
uma] das preocupações deste jornal que analisa a cegueira 
sob múltiplos aspectos (físico, psicológico, afetivo e 
intelectual), divulgando em simultâneo, os respectivos 
meios de combate tanto do ponto de vista clínico como 
profiláctico” (cf. CASTELO, 2005, ficha nº 327). 
O segundo elemento fundamental para ampliar o 
conhecimento dos cegos foi a criação de bibliotecas nas 
diversas instituições onde Branco Rodrigues passou. 
Desde logo, através do Jornal dos Cegos, dá-nos conta, 
por duas vezes, de catálogos de livros das Bibliotecas de 
Lisboa e do Porto. Apresenta em 1907 o “Catálogo das 
Bibliotecas das Escolas de Cegos de Lisboa e do Porto”, 
a que acrescenta no ano seguinte (1908) o catálogo de 
“Obras Manuscritas e Impressas em Relevo”, retomando 
a publicação deste “inventário” em 1915, com a 
designação de “Catálogos da Biblioteca dos Cegos – 
Livros em Relevo Pelo Sistema Braille”.
Nestas publicações identificamos centenas de 
livros: clássicos da literatura portuguesa (Alexandre 
Herculano, Almeida Garrett, Camilo Castelo Branco, 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial92
Júlio Dinis, Luís de Camões ou António Feliciano de 
Castilho); livros de origem portuguesa dedicados à 
infância (Adolfo Coelho ou António Xavier Pereira 
Coutinho); obras de autores portugueses especializados 
na problemática dos cegos (José Cândido Branco 
Rodrigues), entre muitos outros. Verificou-se, também, 
uma presença muito relevante de obras de origem 
estrangeira: publicações francesas (obras publicadas 
pela Associação Valentin Hauy; obras de La Fontaine, 
Maurice de La Sizeranne, Adolphe Ribaux ou 
Alexandre Dumas), publicações espanholas (Miguel de 
Cervantes Saavedra, Fernán Caballero) ou publicações 
italianas (Mascagni, Dante, Barbè, Adriani). 
No entanto, o conjunto que nos parece mais 
significativo, revelando a sua importância para a 
educação dos cegos, corresponde ao conjunto de obras 
dedicadas à música. A título de exemplo, verifica-se no 
“Catálogo da Biblioteca Musical do Instituto de Cegos 
de Lisboa” um conjunto de compositores clássicos de 
grande importância cujas obras eram essencialmente 
para serem acompanhadas com instrumentos musicais 
(principalmente o piano). Destacam-se os nomes de 
Chopin, Strauss, Beethoven, entre muitos outros. 
De acordo com Alves (2012), a Biblioteca da Escola 
do Estoril, em 1915, possuía mais de 1.500 exemplares. 
Segundo a autora: 
As obras literárias totalizavam 977 volumes. No 
que respeitava à temática musical, esta encontrava-
se catalogada por obras para ópera, valsas, minuete, 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 93
sonatas, adágios, marchas, entre muitas outras, 
destinadas ao Piano, num total geral de 277; para o 
Canto, um total de 206 volumes e para Órgão estavam 
inventariadas, marchas nupciais, fúnebres, ofertório, 
canto pastoral e prece a Nossa Senhora, entre outras, 
um total de 98 volumes (ALVES, 2012, p. 398). 
Em Castelo de Vide, também se iniciou a constituição 
da Biblioteca da Escola Profissional Branco Rodrigues,em meados da década de 90 do século XIX. De acordo 
com os dados recolhidos, além de Branco Rodrigues, 
assumiu um papel de relevo, na constituição da biblioteca 
do asilo de Castelo de Vide, Maria da Madre de Deus 
Figura 9 – Dona Maria de Madre de Deus Pereira Coutinho.
Fonte: Jornal dos Cegos, vol. XXI, p. 1, 1917.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial94
Pereira Coutinho3, considerada “a primeira typhlologa 
portugueza, que tantos serviços tem prestado à causa dos 
cegos, a maior propagandista do Systema Braille no nosso 
paíz [...]” (JORNAL DOS CEGOS, nº 36, p. 287, 1898).
O seu interesse pelas problemáticas dos cegos 
prende-se, de acordo com o redator do Jornal dos Cegos 
(vol. XXI, 1917), com o fato de ter ficado cega aos 15 
anos de idade. Esta circunstância permitiu que dirigisse 
a sua ação para a escrita de “inúmeros livros pelo 
sistema Braille, copiando as obras escolhidas dos mais 
célebres autores” (vol. XXI, p. 2, 1917). As primeiras 
referências que encontramos relacionadas com a 
constituição da Biblioteca de Castelo de Vide dizem 
respeito ao conjunto de livros que a tiflóloga Maria da 
Madre de Deus ofereceu, escritas em Braille “pelo seu 
próprio punho”, para a Biblioteca dos Cegos de Castelo 
de Vide. Foram essas obras escolhidas pela benemérita: 
Compêndio de Doutrina Cristã, Método de Leitura e 
Escrita de Branco Rodrigues (2 exemplares), Le génie 
du Christianisme, de Chateaubriand (extratos), Orações 
a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e a São José, 
Relógio da Paixão, ou como se obtém o amor de Deus, 
Pio Exercício da Agonia de Nosso Senhor Jesus Cristo, 
Orações pelas almas do Purgatório, livro de contos, 
Octilia, lenda flamenga, trechos de autores portugueses 
em prosa e verso, última corrida de touros em Salvaterra 
de Rebello da Silva, O poder do arrependimento, A festa 
3 Maria da Madre de Deus Pereira Coutinho, de origem aristocrata, nasceu 
em 3 de fevereiro de 1859 e faleceu em 18 de maio de 1917. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 95
e a caridade, de Thomaz Ribeiro, Leituras populares 
(extratos) e Poesias, de João de Lemos. Percebe-se o 
sentido moralista, de inspiração cristã, que estas obras 
incorporam e que podiam ser transmitido aos cegos. 
Além das obras referidas verificamos que ainda hoje 
existem, no espaço onde estão os livros, títulos que 
foram transcritos para o Braille por Maria da Madre de 
Deus Pereira Coutinho, de que são exemplo os livros 
Meditações sobre o Evangelho, de autoria de Bossuet 
(transcrito em 18 de outubro de 1898), Os Lusíadas 
– Canto Primeiro, de Luís de Camões (transcrito em 
1899), ou mesmo um artigo intitulado “Ensino dos 
Cegos em Castello de Vide” de autoria de Branco 
Rodrigues. 
Nesta biblioteca podemos encontrar um conjunto 
muito diversificado de exemplares com origem 
estrangeira (Alemanha, Itália, França, Espanha). Aliás, 
os livros mais antigos incorporados na biblioteca do 
Asilo são de origem francesa e datam das décadas 
de 60 e 80 do século XIX. Identificamos a obra 
de J. Guadet intitulada Tableau Chronologique de 
L’Histoire Ancienne depuis les premiers temps jusqu’à 
la destruction de l’empire, escrito por “M. Le Ministre 
de l’instruction publique que pour l’enseignement 
des lycées”, e o Livre de lecture et d’instruction pour 
l’adolescent – Devoir et travail (1885), de autoria de G. 
Bruno, transcrito por L. Braille no âmbito do Instituto 
Nacional dos Jovens Cegos de Paris. Estes livros 
apresentam uma especificidade que tem a ver com a 
importância da “universalização” do sistema Braille 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial96
naquela época. Ambos começam com uma folha onde 
se estabelece a relação entre o alfabeto “normal” e a 
sua transcrição. 
Nesta biblioteca também verificamos a existência de 
um conjunto de livros produzidos no Brasil, segundo o 
sistema Braille, que constituem, logo depois dos livros 
produzidos em Portugal, no Centro de Produção para o 
Livro dos Cegos (Porto), o principal núcleo com origem 
estrangeira. Na verdade, esse núcleo é constituído 
por livros de influências diversas, mas impressos em 
relevo em São Paulo, pela Fundação para o Livro do 
Cego no Brasil. Identificamos cerca de uma centena de 
livros produzidos em São Paulo, muitos deles enviados 
como “Oferta da Secretaria de Educação e Cultura da 
Prefeitura do Município de São Paulo em colaboração 
Figura 10 – à esquerda encontramos um exemplar de um dos livros do século XIX onde podemos 
verificar a existência de uma primeira folha explicativa do sistema Braille; do lado direito, temos 
um conjunto de volumes escritos em braille que constituíam a obra A cabana do Pai Tomás, de 
autoria de Harriet Beecher Towe. Fonte: AFNSE.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 97
com a Fundação para o Livro do Cego no Brasil”, 
encontrando-se neste momento na Fundação de Nossa 
Senhora da Esperança, herdeira do antigo Asilo e da 
respetiva biblioteca. 
Através desses livros identificamos um conjunto 
de autores que marcam presença no núcleo de obras 
brasileiras, transcritas para o sistema Braille, e que 
contribuíram para o ensino dos cegos naquela instituição. 
Evidenciam-se, a título de exemplo, autores como José 
Alencar, Rubens Rodrigues dos Santos, Francisco 
Marins, Maria Clarice Villac (Violeta Maria), Raimundo 
de Menezes, Francisco de Barros Júnior, Afrânio Peixoto 
ou Jorge Amado. Os romances assumem um lugar 
relevante no conjunto de livros identificados. Muitos 
dos livros desse gênero literário também se encontravam 
associados a determinados territórios do Brasil como 
o Paraná, Ceará ou, por exemplo, São Paulo (no caso 
paulista, destacamos o trabalho de Rubens Rodrigues dos 
Figura 11 – Exemplo de duas obras existentes na biblioteca do Asilo de Cegos de Castelo de vide de 
origem brasileira. Do lado esquerdo obra de Francisco de Ramos Júnior; do lado direito, obra de 
Afrânio Peixoto. Fonte: AFNSE.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial98
Santos, publicado originalmente no periódico O Estado 
de S. Paulo, intitulado “Diário de um Flagelado das 
Sêcas”)4. Verifica-se também a existência de coletâneas 
de poesias, obras relacionadas com contos policiais 
ou edições generalistas associadas especificamente ao 
conto brasileiro5. 
Este é um primeiro esboço relacionado com a 
biblioteca que chegou até nós e com o lugar que ocupou 
na formação daqueles que passaram no Asilo de Cegos 
de Castelo de Vide. A existência desta biblioteca, e a 
aposta na sua constituição logo desde o final do século 
XIX, revela um projeto maior que foi assumido para 
auxiliar, por um lado, e permitir a emancipação, por 
outro, o público que servia à instituição. Outros olhares 
podem, e devem, ser construídos.
considerações finais 
Atualmente os estudos relacionados com a inclusão/
exclusão social têm assumido uma enorme importância 
na clarificação dos processos relacionados com a 
aprendizagem daqueles que não eram considerados 
“normais” ao longo da modernidade (CURA 
GONZALEZ, 2012). Neste período, quebraram-se 
lógicas tradicionais e impuseram-se novas formas de 
4 A obra referida é constituída por um conjunto de reportagens publicadas 
a partir de 20 de julho de 1958 no periódico e, posteriormente, em livro.
5 Por exemplo, Joias da Poesia Brasileira, obra organizada por Cecília 
Sack. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 99
entender, representar e projetar a sociedade ocidental 
e, em particular, o lugar da infância nessa sociedade. 
Potenciou-se a emergência de “diversas infâncias” e de 
políticas e contextos técnico institucionais adequados à 
tipologia e à singularidade de cada criança considerada 
diferente. Como afirma Padilla Arroyo (2016), há hoje 
um “interés crecientepor este sector de la infancia” 
(PADILLA ARROYO, 2016, p. 23), que permite discutir 
a relação entre o Estado, os movimentos filantrópicos e 
sociais, os sujeitos e as instituições com o propósito de 
normalizar aquele que é “diferente”. 
A emergência da visibilidade dos problemas da 
infância que não possui, por exemplo, uma determinada 
capacidade sensorial, como é o caso dos cegos, constituiu 
uma oportunidade para se discutir os mecanismos 
normalizadores sobre estes sujeitos, mas também para 
pensar os contextos em que foram colocados e os meios 
utilizados para se tornarem seres úteis e produtivos. 
Ao longo do texto identificamos duas dimensões 
articuladas entre si e objetivadas na instituição em análise. 
A primeira dimensão diz respeito a uma fase inicial do 
Asilo de Cegos de Castelo de Vide, onde se assumiu a 
preocupação central de recolher cegos da região de modo 
a retirá-los da miséria, da mendicidade e de se tornarem 
potenciais ameaças à ordem pública instituída. Esta 
primeira fase foi caraterizada, essencialmente, por uma 
visão assistencialista em face do público em questão. 
A segunda dimensão é caraterizada pela emergência 
da educação no contexto institucional de Castelo de 
Vide. Mais do que recolher as crianças e os jovens cegos, 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial100
a criação da Escola Profissional Branco Rodrigues 
tornou possível oferecer as condições necessárias para 
se adequarem a uma sociedade em transformação. 
Esse processo de normalização foi conduzido por 
vários protagonistas, onde se destaca a ação de José 
Cândido Branco Rodrigues, de Severino Diniz Porto 
ou António Repenicado, que potenciaram o ensino 
dos cegos em Portugal e trouxeram um conjunto de 
influências estrangeiras através de viagens realizadas 
pelo próprio Branco Rodrigues, da criação de um jornal 
próprio dedicado à causa dos cegos ou da constituição 
de bibliotecas nos asilos fomentando a circulação do 
conhecimento cultural e pedagógico sobre os cegos e 
as formas de normalizar este grupo, tornando-o mais 
apto a viver em sociedade no decorrer do arco temporal 
analisado. Na Escola Profissional Branco Rodrigues, 
além da formação de cariz intelectual ou literária, apostou-
se na formação musical e na aprendizagem de ofícios 
manuais capazes de potenciar a “felicidade” dos cegos e 
de desenvolver a sua autonomia pessoal e social, assim 
como abrir a possibilidade de constituir uma família. 
A pedra angular deste texto é exatamente a 
possibilidade de inclusão dessas pessoas, aparentemente 
condenadas a uma vida “infeliz”, através da educação, 
e, em concreto, de uma educação manual/profissional/
oficinal, alcançarem uma vida normalizada, útil e 
produtiva no interior de uma sociedade que procurava 
vigiar e controlar, por qualquer circunstância, 
todos aqueles que eram considerados diferentes e 
potencialmente perigosos.  
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 101
referências6 
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Estudo histórico-pedagógico da educação de Surdos-Mudos 
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de Educadores Portugueses. Porto: ASA, 2005, pp. 1211 a 1212.
6 As fontes documentais utilizadas encontram-se citadas ao longo do texto. 
Foram consultados, principalmente, os Arquivos da Fundação de Nossa 
Senhora da Esperança; a Biblioteca da Fundação de Nossa Senhora da 
Esperança; a Biblioteca Nacional de Portugal; a Hemeroteca Digital de Lisboa. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial102
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a produção
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no campo da
educação especial 103
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de inclusão da diferença. Doutoramento em História. Porto: FLUP, 
2009.
PARTE DOIS
PESQUISAS SOBRE O CAMPO PEDAGÓGICO 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 105
CAPÍTULO 3 
INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS 
COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E 
EXPECTATIvAS DE APRENDIzAGEM: 
ANÁLISE DO DOCUMENTO OFICIAL DA 
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE 
SÃO PAULO 
PatríCia tanganelli lara 
introdução 
A inclusão de alunos com deficiência intelectual 
requer das escolas uma reflexão sobre suas práticas 
pedagógicas e suas estratégias didáticas para a aquisição 
dos conhecimentos científicos deste público específico 
da educação especial.
O presente capítulo tem como tema a expectativa de 
aprendizagem que a escola pública municipal de São 
Paulo tem de alunos com deficiência intelectual inseridos 
em classes do ensino regular, a partir da análise de um 
documento norteador intitulado Referencial de Avaliação 
sobre a Aprendizagem do Aluno com Deficiência Intelectual 
(RAADI) – Ensino Fundamental I (SãO PAULO, 2008a), 
baseado nas Orientações Curriculares – Proposição de 
Expectativas de Aprendizagem – Ensino Fundamental I 
(SãOPAULO, 2007) para a avaliação da aprendizagem.
Com base nas contribuições de Vygotsky (1997, 2007, 
2009), em especial, no que diz respeito aos conceitos 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial106
de zona de desenvolvimento proximal e exploração da 
capacidade de abstração dos alunos com deficiência 
intelectual, o texto apresenta considerações sobre a 
irreversibilidade das limitações dos alunos com deficiência 
intelectual contidas nas expectativas de aprendizagem.
Políticas de inclusão Para a área da educação 
Embora o direito a uma educação de qualidade para 
todos e a preocupação com as questões relacionadas 
às pessoas com deficiência tenham surgido desde a 
promulgação de nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases 
da Educação Nacional (BRASIL, 1961), não se pode 
negar que, após a promulgação da Constituição Federal 
(BRASIL, 1988), ocorreu o incremento da efetivação 
da educação como “direito de todos”, por meio do 
acesso praticamente universal ao ensino fundamental. 
Da mesma forma, no inciso III do artigo 208 temos o 
“atendimento educacional especializado aos portadores 
de deficiência, preferencialmente na rede regular de 
ensino” (BRASIL, 1988), que passou a ser uma das 
prioridades efetivas das políticas educacionais, como 
comprovam os números oficiais do Instituto Nacional 
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira 
(INEP): em 1987, resumiam-se a 159.492 mil matrículas 
(75.122 em classes comuns do ensino regular e 84.370 
em escolas e classes especiais) e, em 2013, alcançaram a 
cifra de 843.342 (648.921 em classes comuns do ensino 
regular e 194.421 em escolas ou classes especiais). O 
último Censo Escolar, publicado em fevereiro de 2017, 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 107
indicava que 82% dos alunos com deficiência, transtornos 
globais do desenvolvimento ou altas habilidades/
superdotação estão incluídos nas classes comuns. 
Em 2001, o Conselho Nacional de Educação – CNE, 
atendendo aos dispositivos legais que regulam a sua ação, 
publicou a Resolução CNE/CEB n° 2, de 11 de setembro de 
2001, instituindo as Diretrizes Nacionais para a Educação 
Especial na Educação Básica, normatizando a educação 
dos alunos que apresentem “necessidades educacionais 
especiais”, determinando, em seu artigo 2°, que:
os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, 
cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos 
educandos com necessidades educacionais especiais, 
assegurando as condições necessárias para uma 
educação de qualidade para todos (BRASIL, 2001). 
Considera ainda que, por 
educação especial, modalidade da educação escolar, 
entende-se um processo educacional definido por uma 
proposta pedagógica que assegure recursos e serviços 
educacionais especiais, organizados institucionalmente 
para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns 
casos, substituir os serviços educacionais comuns, 
de modo a garantir a educação escolar e promover o 
desenvolvimento das potencialidades dos educandos 
que apresentam necessidades educacionais especiais, 
em todas as etapas e modalidades da educação básica 
(BRASIL, 2001). 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial108
Apesar da resolução, como não poderia deixar de ser, 
por constitucional, abrir a possibilidade de atendimento 
em salas e classes especiais, determina em seu artigo 
7°, também, que o “atendimento aos alunos com 
necessidades educacionais especiais deve ser realizado 
em classes comuns do ensino regular, em qualquer etapa 
ou modalidade da Educação Básica” (BRASIL, 2001).
A partir da publicação da Política Nacional de 
Educação Especial na Perspectiva da Educação 
Inclusiva (BRASIL, 2008), foram elaborados o Decreto 
nº 6.571/08 e a Resolução nº 4/2009, que instituem as 
diretrizes operacionais para o atendimento educacional 
especializado na educação básica, operacionalizando a 
nova política educacional.
Por meio das Diretrizes do Atendimento Educacional 
Especializado na Educação Básica, modalidade de 
Educação Especial (BRASIL, 2009), as questões 
da inclusão escolar dos alunos com deficiência têm 
recebido atenção especial por parte dos municípios no 
que se refere à identificação, elaboração e organização 
de recursos pedagógicos e de acessibilidade para a 
participação ativa dos alunos nas atividades escolares.
A Política Nacional de Educação Especial na 
Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL. MEC.
SEESP, 2008) redundou em um conjunto de ações, com 
destaque para o Programa de Implantação de Salas de 
Recursos Multifuncionais, o Programa Educação Inclusiva: 
direito a diversidade e o Programa Incluir que, segundo o 
ministério, têm por objetivo a expansão dos fundamentos 
inclusivos na política de Educação Especial no Brasil. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 109
Garcia e Michels (2011), entre outros autores, 
encaram o Programa de Implantação de Sala de 
Recursos Multifuncionais como um dos programas 
mais importantes da atual política de educação especial, 
definido como o lócus por excelência do Atendimento 
Educacional Especializado (AEE).
Embora a ênfase da ação da sala de recursos 
multifuncionais recaia, fundamentalmente, sobre o 
atendimento de alunos por professor especializado, a 
abrangência do Atendimento Educacional Especializado 
é, segundo as normas vigentes, muito mais ampla, tal 
como determinam os incisos do artigo 13 da Resolução 
CNE/ CEB nº 04/2009: 
I – identificar, elaborar, produzir e organizar serviços, 
recursos pedagógicos, de acessibilidade e estra-
tégias considerando as necessidades específicas 
dos alunos público-alvo da Educação Especial;
II – elaborar e executar plano de Atendimento 
Educacional Especializado, avaliando a 
funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos 
pedagógicos e de acessibilidade;
III – organizar o tipo e o número de atendimentos aos 
alunos na sala de recursos multifuncionais;
IV – acompanhar a funcionalidade e a aplicabilidade 
dos recursos pedagógicos e de acessibilidade 
na sala de aula comum do ensino regular, bem 
como em outros ambientes da escola;
V – estabelecer parcerias com as áreas intersetoriais na 
elaboração de estratégias e na disponibilização 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial110
de recursos de acessibilidade;
VI – orientar professores e famílias sobre os recursos 
pedagógicos e de acessibilidade utilizados pelo 
aluno;
VII – ensinar e usar a tecnologia assistiva de forma 
a ampliar habilidades funcionais dos alunos, 
promovendo autonomia e participação;
VIII – estabelecer articulação com os professores da 
sala de aula comum, visando à disponibilização 
dos serviços, dos recursos pedagógicos e de 
acessibilidade e das estratégias que promovem a 
participação dos alunos nas atividades escolares 
(BRASIL, 2009, art. 13). 
Portanto, esse professor tem muitas atribuições, 
cabendo a ele a interlocução entre a mediação 
pedagógica, na sala de recursos, com o aluno com 
deficiência, e a articulação com o professor da sala de 
aula comum, priorizando os processos de aprendizagem 
e desenvolvimento desse aluno. 
Nesse sentido, Lopes (2010), quando indica adequação 
curricular como um caminho para a efetivação do direito do 
aluno com deficiência intelectual ter acesso às atividades 
escolares, além de enfatizar a sala de recursos como serviço 
de apoio da educação especial, refere-se ao trabalho que deve 
ser executado pelo professor especializado na capacitação 
docente para inclusão. Ao investigar a “capacitação dos 
professores” da ou para a educação especial no estado do 
Paraná, a autora aponta que ele contemplava um número 
limitado de docentes de cada Núcleo Regional de Educação: 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 111
Os professoresao participarem de um evento assumiam 
a responsabilidade de socializar os conteúdos recebidos 
com os seus pares no município e, algumas vezes, até 
mesmo na região. O que deve ser questionado, tendo em 
vista que, os professores, ao retornarem de tais eventos, 
enfrentavam dificuldades para realizar o repasse, dada 
a necessidade de retomar suas atividades cotidianas 
próprias de suas funções nas escolas (LOPES, 2010, p. 87). 
A autora utiliza o termo capacitação dos professores 
para apontar as ações de formação continuada ou de 
educação continuada. Marin (1995), ao apresentar 
algumas reflexões sobre a terminologia referente à 
educação continuada ao longo dos anos, adverte quanto 
aos termos utilizados e explicita que a capacitação pode 
remeter ao seu significado de convencimento ou da 
persuasão e comenta: 
Os profissionais da educação não podem, e não 
devem, ser persuadidos ou convencidos de ideias; eles 
devem conhecê-las, analisá-las, criticá-las, até mesmo 
aceitá-las, mas mediante o uso da razão. [...] pelo 
convencimento ou pela persuasão, estará ocorrendo 
doutrinação, no sentido pejorativo do termo, ou seja, 
inculcação de ideias, processos e atitudes como verdades 
a serem simplesmente aceitas. A adoção dessa concepção 
desencadeou entre nós, inúmeras ações de “capacitação” 
visando à “venda” de pacotes educacionais ou 
propostas fechadas aceitas acriticamente em nome da 
inovação e da suposta melhoria (MARIN, 1995, p. 17). 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial112
A formação continuada de professores na área da 
educação especial é um tema que merece debate crítico 
diante das necessidades presentes no cotidiano escolar, 
principalmente quanto ao acesso dos alunos com 
deficiência intelectual ao currículo escolar.
Moscardini (2011), em sua investigação sobre o 
processo de inclusão escolar dos alunos com deficiência 
intelectual, observou as atividades realizadas pelos alunos 
que frequentavam o ensino fundamental e o Atendimento 
Educacional Especializado (AEE), destacando o 
distanciamento existente entre o ensino fundamental e o 
AEE, o que impossibilitava a estruturação de propostas 
comuns de trabalho que pudessem contribuir para o 
desenvolvimento cognitivo do aluno com deficiência. 
De acordo com a pesquisa realizada, o autor comenta: 
nota-se uma clara discrepância quanto ao norteamento 
atribuído às dinâmicas traçadas nessas realidades, 
haja vista que enquanto a SRM1 procura instituir 
práticas que busquem desenvolver nas crianças a 
sua autonomia, gabaritando esses sujeitos com as 
habilidades acadêmicas necessárias para que façam 
frente às demandas inerentes à atividade escolar, 
o ensino fundamental toma como foco central das 
suas iniciativas a aprendizagem de conhecimentos 
científicos, procurando promover a assimilação desses 
conteúdos pelos sujeitos com deficiência intelectual 
(MOSCARDINI, 2011, p. 133). 
1 O autor se refere à sala de recursos multifuncionais (SRM).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 113
Da mesma forma, Effgen (2011) analisa as 
possibilidades de articulação entre o currículo 
escolar e a escolarização de alunos com deficiência e 
transtornos globais do desenvolvimento em processos 
de inclusão escolar, nos anos iniciais do ensino 
fundamental, verificando a necessidade de formação 
continuada como uma ação para a implementação 
de práticas pedagógicas inclusivas e reflexões 
sobre a articulação do Atendimento Educacional 
Especializado com a sala de aula de ensino comum. 
Como se pode notar, esses estudos procuram 
evidenciar o intercâmbio entre o professor da sala de 
AEE e o professor regente de classe, especialmente 
no que se refere à adoção de adaptações curriculares 
compatíveis com as características dos alunos com 
necessidades educacionais especiais. 
Quanto ao Atendimento Educacional Especializado, 
Bueno (2012) afirma que 
a educação especial, concebida como Atendimento 
Educacional Especializado, enfatizada por meio 
de salas de recursos multifuncionais, centra 
suas atividades nas manifestações e dificuldades 
originárias da deficiência (BUENO, 2012, p. 295). 
O autor critica a centralidade no atendimento 
individual e a pouca importância ao trabalho 
colaborativo com o professor regente da classe comum.
Embora o Ministério da Educação, por meio 
dos Parâmetros Curriculares Nacionais/Adaptações 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial114
Curriculares/Estratégias para a Educação de Alunos com 
Necessidades Educacionais Especiais (BRASIL, 1997) 
resguarde o caráter de flexibilidade e dinamicidade 
que o currículo escolar deve ter, para atender todos, o 
documento das Adaptações Curriculares não atinge o 
nível operacional da sala de aula comum.
Considerando as políticas de inclusão escolar e as 
alternativas construídas pelos municípios, visando qualificar 
as práticas pedagógicas dos professores em sala de aula, 
com o público de alunos com deficiência intelectual, a 
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, por meio 
da equipe de educação especial, elaborou o Referencial 
sobre Avaliação de Aprendizagem na área da Deficiência 
Intelectual (RAADI) (SãO PAULO, 2008a) com o 
objetivo de oferecer ao professor subsídios e indicativos, 
com base nas Orientações Curriculares e Expectativas 
de Aprendizagem do Ensino Fundamental – Ciclo I, para 
que busque alternativas de avaliação da aprendizagem 
a partir da base curricular do ensino fundamental. 
Nessa perspectiva, o ensino escolar é concebido como 
favorecedor do desenvolvimento e pode levar a 
criança a um estágio mais complexo de interação, 
comportamento e funcionamento intelectual. [...]. 
Cabe à escola criar as condições necessárias para o 
desenvolvimento do aluno e para a superação de seu 
próprio limite (SãO PAULO, 2008a, p. 23). 
De acordo com esse documento, a escola tem a 
tarefa de levar os alunos com deficiência intelectual à 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 115
inserção cultural, significando suas atitudes, sua fala, 
seu desenho, suas produções e sua aprendizagem (SÃO 
PAULO, 2008a), cabendo à escola e aos professores 
Aproximá-los dos outros, não afastá-los; levá-los ao 
conhecimento, não negar-lhes; conhecer seus processos 
de aprendizagem e sua peculiaridade, enfatizarem suas 
competências e suas conquistas e não compará-los 
e diminuí-los [em] frente aos outros (SãO PAULO, 
2008a, p. 26). 
A possibilidade de acesso ao currículo escolar pelo aluno 
com deficiência intelectual, matriculado na escola regular, 
remete às questões das potencialidades de cada um por 
meio da mediação pedagógica e o resultado da avaliação 
realizada por meio do documento orientador RAADI.
Em 2013, a Rede Municipal de Ensino de São Paulo 
implementa a Reorganização Curricular através do 
Programa Mais Educação São Paulo. Em janeiro de 2014 
é publicado o documento “Programa Mais Educação 
São Paulo – Subsídios para sua implementação” (SãO 
PAULO, 2014).
Com o objetivo de “servir de referência aos 
planejamentos e à elaboração dos Projetos Político-
Pedagógicos das Unidades Educacionais” (SãO 
PAULO, 2014, p. 8), o documento orienta a atual política 
educacional fundamentando as práticas pedagógicas, 
apresentando uma reflexão sobre o currículo e a inclusão.
Conforme o documento “Programa Mais Educação 
São Paulo – Subsídios para sua implementação”, a 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial116
discussão curricular está fundada em uma palavra 
principal: inclusão. A inclusão em termos pedagógicos 
é fundamental para a inclusão de educandos com 
deficiência e a antecede. A inclusão aqui compreendida 
se organiza em torno de três questões: consideração 
de tempos, ritmos e características dos educandos. 
Sem considerar essas questões paraTODOS, não há 
inclusão possível de educandos com deficiência. Não 
é possível estabelecer mediação sem saber com quem 
se está falando – e esse é o grande desafio da educação 
contemporânea. Para tanto, é necessário estabelecer 
na Unidade Educacional um ambiente de investigação 
cognitiva, que se debruce sobre a seguinte questão: 
Como o educando – criança, jovem ou adulto – pensa, 
representa, se comunica, faz relações e abstrai? (SÃO 
PAULO, 2014, p. 11). 
Compreendendo o currículo como um movimento 
em um “processo socio-histórico cultural”, considera 
a avaliação para a aprendizagem, que deve ocorrer 
continuamente durante os ciclos de aprendizagem.
Esse documento conta com 21 Notas Técnicas que 
explicitam as orientações para a implementação da nova 
política. 
A Nota Técnica nº 9, intitulada “Avaliação dos 
Estudantes com Deficiência, Transtorno Global 
do Desenvolvimento (TGD) e Altas Habilidades/
Superdotação, Matriculados na Rede Municipal de 
Ensino (RME) de São Paulo”, não apresenta um novo 
modelo ou plano para a avaliação dos alunos público-
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 117
alvo da educação especial, reconhecendo a escola 
como detentora de um saber acumulado sobre o tema, 
ressaltando que 
a Rede Municipal de Ensino produziu documentos 
específicos: RAADI – Referencial sobre Avaliação 
da Aprendizagem na área da Deficiência Intelectual 
no Ensino Fundamental I e II. No entanto, todos os 
estudantes com deficiência, transtornos globais do 
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, têm 
direito à avaliação para aprendizagem, com respeito à 
diversidade, inerente à condição humana. O Referencial 
pode ser utilizado como norteador das ações para 
avaliação, não apenas dos estudantes com deficiência 
intelectual, mas também dos que têm outras deficiências/
TGD, respeitadas suas especificidades, sempre que 
se julgar apropriado e eficiente, podendo a Unidade 
Educacional buscar outros instrumentos que melhor 
atendam às necessidades do aluno e/ou seu Projeto 
Político-Pedagógico. O RAADI é um documento 
com importante valor teórico, sendo que a leitura e a 
problematização dos artigos introdutórios, bem como 
das orientações para elaboração de relatórios descritivos, 
podem ser úteis para auxiliar a documentação do processo 
avaliativo destes estudantes (SãO PAULO, 2014, p. 92). 
O documento amplia a avaliação, por meio do 
RAADI, para todos os alunos com deficiência e/ou 
Transtorno Global do Desenvolvimento, apesar de sua 
especificidade na área da deficiência intelectual.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial118
Portanto, a escola possui um papel importante para o 
desenvolvimento dos alunos com deficiência intelectual, 
inseridos, hoje, dentro de uma política nacional de 
inclusão escolar. 
Considerando, portanto, que as orientações 
estabelecidas pela RME-SP procuram operacionalizar as 
estratégias de ensino voltadas para alunos com deficiência 
intelectual inseridos em classes do ensino regular e de que a 
responsabilidade pelo apoio ao professor regente de classe 
cabe ao professor da sala de recursos multifuncionais, 
subsidiadas pelas orientações contidas no RAADI. 
Baseados na perspectiva histórico-cultural, indagamos 
se o Referencial sobre Avaliação da Aprendizagem na 
área da Deficiência Intelectual (SãO PAULO, 2008a) 
oferece subsídios efetivos para a prática docente a fim de 
que se dê o desenvolvimento do pensamento abstrato dos 
alunos com deficiência intelectual, inseridos em classes 
do ensino regular. Assim, é premente compreender a 
função da escola na perspectiva da teoria vygotskiana.
a escola e o aluno com deficiência intelectual na 
PersPectiva de vygotsky 
Segundo a Associação Americana de Incapacidades 
Intelectuais e do Desenvolvimento (AAIDD, 2006), a 
deficiência intelectual é uma incapacidade caracterizada 
por uma limitação significativa no funcionamento 
intelectual e no comportamento adaptativo, expressa 
em habilidades conceituais, sociais e práticas, originada 
antes dos 18 anos de idade.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 119
De acordo com a AAIDD (2006), a incapacidade 
relaciona-se a uma limitação pessoal, que representa 
desvantagem substancial em relação ao funcionamento 
em sociedade. De acordo com Milanez (2008), a 
incapacidade deve ser considerada dentro de um 
contexto ambiental, de fatores pessoais e da necessidade 
de suportes individualizados. Conforme a autora: 
O funcionamento intelectual geral é definido pelo 
quociente de inteligência (QI ou equivalente) obtido 
mediante avaliação com um ou mais testes de 
inteligência padronizados e de administração individual. 
Um funcionamento intelectual significativamente 
abaixo da média é definido como um QI de cerca de 
70 ou menos (aproximadamente dois desvios-padrão 
abaixo da média). [...] Portanto, é possível diagnosticar 
a deficiência intelectual em indivíduos com QIs 
entre 70 e 75, que exibem déficits significativos 
no comportamento adaptativo. O funcionamento 
adaptativo pode ser influenciado por vários fatores, 
incluindo educação, motivação, características de 
personalidade, oportunidades sociais e vocacionais 
e transtornos mentais e condições médicas gerais, 
que podem coexistir com a deficiência intelectual 
(MILANEZ, 2008, p. 46). 
Apesar de o sistema da AAMR ser adotado como 
referência para classificar a deficiência intelectual, 
Vygotsky (2007, p. 100) questiona os testes diagnósticos 
defendendo a ideia de que o aprendizado humano pressupõe 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial120
uma natureza social específica e um processo através do 
qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles 
que as cercam. Para o autor, portanto, o uso de testes 
Determina o nível de desenvolvimento mental no 
qual o processo educacional deveria se basear e 
cujos limites não deveriam ser ultrapassados. Esse 
procedimento orientava o aprendizado em direção ao 
desenvolvimento de ontem, em direção aos estágios de 
desenvolvimento já completados. O erro deste ponto 
de vista foi descoberto mais cedo na prática do que na 
teoria (VYGOTSKY, 2007, p. 101). 
Vygotsky (2007) critica os estudos que consideravam 
as “crianças mentalmente retardadas”2 incapazes de 
ter pensamentos abstratos, em que o ensino deveria se 
basear no uso de métodos concretos: 
Demonstrou-se que o sistema de ensino baseado 
somente no concreto – um sistema que elimina do ensino 
tudo aquilo que está associado ao pensamento abstrato 
– falha em ajudar as crianças retardadas a superar 
as suas deficiências inatas, além de reforçar essas 
deficiências, acostumando as crianças exclusivamente 
ao pensamento concreto e suprindo, assim, os 
rudimentos de qualquer pensamento abstrato que essas 
crianças ainda possam ter (VYGOTSKY, 2007, p. 101). 
2 Vygotsky (2007) apresentava o termo crianças mentalmente retardadas, 
hoje designadas crianças com deficiência intelectual.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 121
O autor considera que a escola não deveria medir 
esforços para levar as crianças com deficiência intelectual 
à elaboração de pensamentos abstratos, desenvolvendo 
nelas o que está intrinsecamente faltando no seu próprio 
desenvolvimento, e, desse modo, “o concreto passa agora 
a ser visto somente como um ponto de apoio necessário 
e inevitável para o desenvolvimento do pensamento 
abstrato – como um meio, e não como um fim em si 
mesmo” (VYGOTSKY, 2007, p. 102). 
Assim, Vygotsky (2007) discorre sobre o “bom 
aprendizado” que não deve estar baseado nos níveis de 
desenvolvimento que já foram atingidos, mas naqueles 
que se adiantam ao desenvolvimento, por meio da zona 
de desenvolvimento proximal. Neste aspecto, o autor 
indica que “o aprendizado desperta vários processosinternos de desenvolvimento, que são capazes de 
operar somente quando a criança interage com pessoas 
em seu ambiente e quando em cooperação com seus 
companheiros” (VYGOTSKY, 2007, p. 103).
O autor aponta que o aprendizado não é 
desenvolvimento, entretanto, 
O aprendizado adequadamente organizado resulta 
em desenvolvimento mental e põe em movimento 
vários processos de desenvolvimento que, de outra 
forma, seriam impossíveis de acontecer. Assim, o 
aprendizado é um aspecto necessário e universal do 
processo de desenvolvimento das funções psicológicas 
culturalmente organizadas e especificamente humanas 
(VYGOTSKY, 2007, p. 103). 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial122
O autor enfatiza que o desenvolvimento nas 
crianças nunca acompanha o aprendizado escolar 
da mesma maneira, existindo, portanto, relações 
dinâmicas altamente complexas entre os processos de 
desenvolvimento, que devem estar baseadas no conceito 
de zona de desenvolvimento proximal, sendo esta 
conceituada como 
a distância entre o nível de desenvolvimento real, que 
se costuma determinar através da solução independente 
de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, 
determinado através da solução de problemas sob 
a orientação de um adulto ou em colaboração com 
companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 2007, p. 97). 
A zona de desenvolvimento proximal contém funções 
que estão em processo de maturação, assim, “aquilo que 
é zona de desenvolvimento proximal hoje será o nível 
de desenvolvimento amanhã – ou seja, aquilo que uma 
criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz 
de fazer sozinha amanhã” (VYGOTSKY, 2007, p. 98).
Na perspectiva de Vygotsky, a educação tem um papel 
prático no desenvolvimento das crianças com deficiência 
intelectual, demandando um trabalho criativo, de 
organização e formas especiais, apontando como tarefa 
do docente em desenvolver não uma única capacidade de 
pensar, como a observação, a atenção, a memória, o juízo 
etc., mas “muitas capacidades particulares de pensar em 
campos diferentes; não em reforçar a nossa capacidade 
geral de prestar atenção, mas em desenvolver diferentes 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 123
faculdades de concentrar a atenção sobre diferentes 
matérias” (VYGOTSKY, 2005, p. 31).
O autor adverte que, apesar das crianças com 
deficiência intelectual apresentarem pouca capacidade 
de pensamento abstrato, os docentes não devem limitar 
o seu ensino aos meios visuais. Um sistema de ensino 
baseado apenas em meios visuais não auxilia a criança 
a superar uma capacidade natural, mas consolida tal 
incapacidade: 
A criança atrasada, abandonada a si mesma, não pode 
atingir nenhuma forma evolucionada de pensamento 
abstrato; e precisamente por isso a tarefa concreta 
da escola consiste em fazer todos os esforços para 
encaminhar a criança nesta direção, para desenvolver o 
que lhe falta (VYGOTSKY, 2005, p. 38). 
Vygotsky enfatiza que é necessário utilizar os aspectos 
visuais na aprendizagem, mas que esta deve considerar 
uma etapa do desenvolvimento do pensamento abstrato, 
“como meio e não como um fim em si”.
A criança com deficiência intelectual não se apresenta 
de forma homogênea, assim o atraso no desenvolvimento 
não pode ser posto em um mesmo plano, porque se 
constitui de uma estrutura complexa. O autor saliente que 
Hay que esclarecer cuál es el retraso cultural frente 
al que nos encontramos, cuál es su estructura, cuales 
son el significado y los mecanismos de los procesos 
de construcción de esta estructura, cuál es la conexión 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial124
dinámica de sus síntomas singulares, de los complejos 
con los que se conforma el cuadro del retraso mental 
del niño y la diferencia entre los tipos de niños 
mentalmente retrasados (VYGOTSKY, 1997, p. 144). 
A influência de um ambiente propício à aprendizagem 
e a atuação do professor, com uma ação pedagógica 
intencionada, com o estabelecimento de vínculos, 
a troca de experiências, a coletividade perante o 
desenvolvimento das funções psicológicas superiores, 
caracteriza para o autor os processos compensatórios da 
personalidade em formação das crianças com deficiência 
intelectual.
A criança é capaz de realizar muito mais por meio 
de um trabalho em colaboração do que por si mesma. 
Em colaboração, a criança apresenta resultados mais 
significativos e consegue superar suas dificuldades, 
resolvendo com mais facilidade todas as tarefas previstas: 
La mayor o menor posibilidad que tiene el niño para 
pasar de lo que puede hacer por sí mismo a lo que es 
capaz de hacer en colaboración constituye el síntoma 
indicador más sensible para caracterizar la dinámica del 
desarrollo y del éxito en su actividad mental. Coincide 
plenamente con la zona de su desarrollo próximo. 
(VYGOTSKY, 2001, p. 240). 
Os espaços educativos devem considerar o aluno 
com deficiência intelectual com potencial criativo, sem 
restringir o currículo a situações somente concretas, para 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 125
possibilitar a aquisição dos conhecimentos científicos e 
revelar as peculiaridades do pensamento infantil.
o documento e a metodologia de Pesquisa 
A metodologia de pesquisa adotada caracteriza-se 
pelo estudo e, consequentemente, análise do documento 
Referencial sobre Avaliação da Aprendizagem na área 
da Deficiência Intelectual – Ensino Fundamental I (SãO 
PAULO, PMSP, 2008a), e das Orientações Curriculares 
– Proposição de Expectativas de Aprendizagem – Ensino 
Fundamental I (SãO PAULO, SME, 2007), realizada 
com base nas contribuições de Vygotsky, em especial a 
exploração da capacidade de abstração dos alunos com 
deficiência intelectual.
Para a análise documental e a organização técnica da 
coleta e classificação dos dados, este artigo se apoiou 
nas contribuições de Bardin (2011), em especial no que 
se refere à representação condensada da informação, 
que permite, “por classificação em palavras-chave, 
descritores ou índices, classificar os elementos de 
informação dos documentos, de maneira muito restrita” 
(BARDIN, 2011, p. 52).
Bardin (2011) complementa que a indexação é 
regulada segundo uma 
escolha adaptada ao sistema e ao objetivo da 
documentação em causa. Por meio de uma entrada que 
serve de pista, as classes permitem dividir a informação, 
constituindo as “categorias de uma classificação, na 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial126
qual estão agrupados os documentos que apresentam 
alguns critérios comuns, ou que possuem analogias no 
seu conteúdo” (BARDIN, 2011, p. 52). 
Portanto, os procedimentos para a análise dos dados 
seguiram as etapas de classificação-indexação, por meio 
da representação condensada da informação, conforme 
os objetivos elencados na pesquisa.
Os componentes analisados na pesquisa foram 
categorizados segundo o critério léxico (BARDIN, 
2011), cuja classificação das palavras se deu levando-
se em conta “o seu sentido, com emparelhamento dos 
sinônimos e dos sentidos próximos” (BARDIN, 2011, p. 
147). Para realizar esta classificação foram utilizados os 
conceitos de Lentidão e Redução advindos dos objetivos 
presentes nas Orientações Curriculares e aqueles 
solicitados no Referencial de Avaliação dos alunos com 
deficiência intelectual inseridos nas salas de aula comum.
fontes de Pesquisa 
Esta pesquisa teve como fonte o Referencial sobre 
Avaliação da Aprendizagem na área da Deficiência 
Intelectual – Ensino Fundamental I (RAADI) (SãO 
PAULO, 2008a), estando este baseado nas Orientações 
Curriculares – Proposição de Expectativas de Aprendizagem 
– Ensino Fundamental I (SãO PAULO, 2007). 
A fim de realizar a análise das expectativas 
de aprendizagem, que a Secretaria Municipal de 
Educaçãode São Paulo tem dos alunos com deficiência 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 127
intelectual, inicialmente o estudo analisou o Programa 
de Orientações Curriculares. Os documentos municipais 
não estavam sincronizados com a perspectiva nacional, 
que apresenta como conteúdo do currículo uma base 
nacional comum e uma parte diversificada que devem 
considerar “a realidade local, as necessidades dos alunos, 
as características regionais da sociedade, da cultura e da 
economia”, conforme o artigo 12 da Resolução CNE/
CEB (BRASIL, 2010): 
Art. 12 Os conteúdos curriculares que compõem a 
base nacional comum e a parte diversificada têm 
origem nas disciplinas científicas, no desenvolvimento 
das linguagens, no mundo do trabalho, na cultura e 
na tecnologia, na produção artística, nas atividades 
desportivas e corporais, na área da saúde e ainda 
incorporam saber como os que advêm das formas 
diversas de exercício da cidadania, dos movimentos 
sociais, da cultura escolar, da experiência docente, do 
cotidiano e dos alunos (BRASIL, 2010). 
Apresenta os componentes curriculares que devem se 
articular com as áreas de conhecimento de Linguagens, 
Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas, 
contudo não restringe anualmente o conteúdo que deve 
ser trabalhado e alcançado.
Diante de um Programa tão singular, que objetivava 
reorientar o currículo da escola ano a ano, a partir de 2007 
a SME-SP realizou um intensivo programa de formação 
em serviço para a sua implementação. Em parceria com 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial128
as Diretorias de Orientação Técnica Regionais – atual 
Divisão Pedagógica –, os Coordenadores Pedagógicos 
das Unidades Escolares foram convocados no horário 
de trabalho para participar de reuniões de formação. 
Estes Coordenadores Pedagógicos eram formados com 
o propósito de preparar e orientar os professores nas 
escolas para a efetiva implementação do Programa.
O Programa de Orientação Curricular do Ensino 
Fundamental da Secretaria Municipal de Educação, 
por meio das 13 Diretorias Regionais de Educação, 
envolvendo representantes da rede de ensino que, 
por sua vez, eram assessorados por especialistas nas 
diferentes áreas/níveis de ensino, resultou na produção 
das Orientações Curriculares – Proposição de 
Expectativas de Aprendizagem do Ensino Fundamental 
I (SãO PAULO, 2007), com o objetivo de garantir a 
aprendizagem de todos os alunos em todas as áreas do 
conhecimento, e apresentou, de forma descritiva, como o 
professor deveria trabalhar para alcançar as expectativas 
de aprendizagem destinadas aos alunos com deficiência 
intelectual, planejadas para cada ano escolar.
Ao citar a questão da avaliação nas diferentes áreas 
do conhecimento, o documento apresenta a proposta de 
uma avaliação formativa que 
busca qualificar o ensino e a aprendizagem, pois exige 
a participação das instituições e todos os envolvidos, 
enfatiza aspectos qualitativos, institui movimentos de 
superação das dificuldades sob o olhar complexo das 
relações que se dão no âmbito escolar. Avaliar para 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 129
descobrir e propor soluções. Avaliar para compreender 
os processos pedagógicos implicados no ensino (SãO 
PAULO, 2007, p. 135). 
Apesar de não especificar os instrumentos de avaliação 
que o professor deve utilizar, o documento enfatiza o 
“olhar atento e a observação acurada” para encontrar as 
melhores estratégias pedagógicas. Assim enfatiza que 
“Não se trata de saber se ele dominou este ou aquele 
tópico, mas se o conjunto dessas aprendizagens resultou 
num uso eficaz da língua para a comunicação” (SÃO 
PAULO, 2007, p. 136). 
A política de avaliação implementada pela Secretaria 
Municipal de Educação, como condição necessária para 
a tomada de decisões em termos de (re)definições de 
ações, estabelecia indicadores para avaliar os processos 
e impactos das ações por meio da Prova São Paulo e 
do Programa de Acompanhamento e Avaliação dos 
programas desenvolvidos.
Na área da educação especial, o aspecto analisado 
no Programa de Orientação Curricular do Ensino 
Fundamental da Secretaria Municipal de Educação 
voltou-se às ações de apoio pedagógico e apoio à 
inclusão com vistas a promover a equidade de direitos, e, 
consequentemente, o aprendizado a todos os educandos 
com ou sem deficiência (SÃO PAULO, 2008b).
Em 2008, criou-se um grupo de trabalho para 
a elaboração do Referencial sobre Avaliação da 
Aprendizagem na área da Deficiência Intelectual 
(RAADI), tomando como base todas as ações que 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial130
estavam sendo desenvolvidas no Programa de Orientação 
Curricular.
A implementação do RAADI, para a avaliação de 
todos os alunos com deficiência intelectual inseridos nas 
salas de aula comum, concretizou-se após a publicação 
do Decreto Municipal nº 51.778/2010. 
O documento apresenta indicadores e referenciais 
de adaptação curricular, com o objetivo de atender às 
necessidades do processo de avaliação da aprendizagem 
de alunos com deficiência intelectual inseridos na sala 
de aula comum.
O RAADI (SãO PAULO, 2008a) está organizado 
da seguinte forma: Introdução; Parte I: Conceito de 
Deficiência Intelectual: novas perspectivas; Parte II: 
As implicações da Teoria Histórico-Cultural na área 
da Deficiência Intelectual; Parte III: A escolarização e 
Avaliação na área da Deficiência Intelectual; Parte IV: 
Terminalidade Específica: algumas considerações; Parte 
V: Referencial sobre Avaliação de Aprendizagem na área 
da Deficiência Intelectual e Bibliografia.
Os indicadores avaliativos presentes no Referencial da 
Aprendizagem são compostos por três áreas: a Instituição 
Escolar: Análise da Necessidade de Adequações 
Específicas ‒ esta parte consta da análise das seguintes 
dimensões: a instituição escolar e a análise do contexto 
de aprendizagem; as Áreas do desenvolvimento do aluno 
com deficiência intelectual: aspectos da percepção, 
motricidade, desenvolvimento verbal, memória e 
desenvolvimento socioafetivo; e as Áreas curriculares do 
1º ao 5º ano: a partir das expectativas de aprendizagem 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 131
geral, e conta com os componentes curriculares de 
Língua Portuguesa, Matemática, Natureza e Sociedade, 
Artes e Educação Física.
Na área Avaliação da Instituição escolar é realizada 
uma pesquisa sobre o aluno e suas necessidades dentro 
da unidade escolar. Ela se subdividide em três partes: I – 
Conhecimento prévio sobre o aluno; II – Definição das 
necessidades específicas do aluno; e III – Definição do 
cronograma de ações. Já no item Avaliação do Contexto 
de aprendizagem, são analisados também três aspectos: 
I – Sala de aula; II – Recursos de ensino e aprendizagem; 
e III – Estratégias metodológicas.
Para realizar a análise da aquisição do conteúdo 
escolar dos alunos com deficiência intelectual, a 
área Áreas Curriculares, que abarca os componentes 
curriculares de Língua Portuguesa, Matemática, Natureza 
e Sociedade, o professor deve utilizar uma legenda 
diante das expectativas presentes na avaliação: RS – 
realiza satisfatoriamente; RP – realiza parcialmente; CA 
– realiza com ajuda; NAG – conteúdo não apresentado 
ao grupo; NAA – conteúdo não apresentado ao aluno; 
NR – não realiza.
Como o foco central deste estudo foi o de analisar as 
orientações contidas no Referencial sobre Avaliação da 
Aprendizagem na área da Deficiência Intelectual – Ensino 
Fundamental I (SãO PAULO, SME, 2008a), cotejando-
as com aquelas contidas nas Orientações Curriculares – 
Proposição de Expectativas de Aprendizagem – Ensino 
Fundamental I, esta pesquisa analisou 1.096 expectativas 
de aprendizagem, em que se efetuou o cruzamento entre 
a produçãodo conhecimento
no campo da
educação especial132
os anos escolares e a quantidade de excertos de cada 
área dos dois documentos. Para a apresentação neste 
artigo, foi realizada a seleção de dois excertos, pela 
restrição do espaço, sobre os quais se realizou a análise 
das concepções presentes no RAADI, baseada nas 
contribuições de Vygotsky.
O documento considera a multidimensionalidade, em 
seus diferentes contextos, para possibilitar a inserção 
de alunos com deficiência intelectual no currículo 
escolar, considerando e prevendo os níveis de apoio 
pedagógico que se farão necessários durante o processo 
de aprendizagem.
Com o objetivo de ampliar o universo de análise 
conceitual da deficiência intelectual, levando-se em 
conta a prática social e os níveis de apoio necessários para 
garantir o desenvolvimento do aluno com deficiência, a 
Parte II do documento baseia-se teoricamente na Teoria 
Histórico-Cultural de Vygotsky.
Apresentando as contribuições de Vygotsky quanto 
ao conceito de zona de desenvolvimento real e proximal, 
enfatiza a importância da mediação do outro para o 
desenvolvimento da pessoa com deficiência intelectual, 
responsabilizando a escola por criar estratégias 
pedagógicas para o desenvolvimento do aluno a fim de 
que este supere seus limites.
Considerando o sujeito histórico, inserido 
culturalmente no mundo, o documento apresenta a 
importância de dar significado às atividades dos alunos 
com deficiência intelectual, assim como a sua fala, seu 
desenho, suas produções e sua aprendizagem.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 133
O RAADI avalia tanto o potencial de aprendizagem dos 
alunos com deficiência intelectual quanto sua evolução no 
decorrer do ano escolar. Pela restrição do espaço, e porque são 
representativos dos demais para compreender as expectativas 
de aprendizagem que a Secretaria Municipal de Educação 
tem do aluno com deficiência intelectual, na seção Discussão 
e Resultados será apresentada a análise do cotejamento 
realizado quanto à produção escrita das expectativas 
presentes nas Orientações Curriculares e no RAADI.
discussão e resultados 
Como o foco central deste estudo foi o de analisar 
as orientações contidas no Referencial sobre Avaliação 
da Aprendizagem na área da Deficiência Intelectual – 
Ensino Fundamental I (SãO PAULO, SME, 2008a), 
cotejando-as com aquelas contidas nas Orientações 
Curriculares – Proposição de Expectativas de 
Aprendizagem – Ensino Fundamental I, a pesquisa 
analisou 1.096 expectativas de aprendizagem, em 
que se efetuou o cruzamento entre os anos escolares 
e a quantidade de excertos de cada área dos dois 
documentos. Para essa apresentação foram selecionados 
dois excertos: produção oral e produção escrita.
Nas expectativas de Aprendizagem – produção oral, 
quanto a exploração oral e produção oral, o quadro abaixo 
apresenta as expectativas de aprendizagem contidas 
nas Orientações Curriculares e aquelas presentes no 
Referencial sobre Avaliação da Aprendizagem na área 
da Deficiência Intelectual. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial134
Em relação ao desenvolvimento da Escuta e Produção 
Oral, por meio da exploração de diferentes gêneros 
textuais, espera-se que os alunos reconheçam textos 
de diferentes gêneros e que os recontem, apropriando-
Quadro 1 – Cotejamento dos excertos das Orientações Curriculares e do Referencial sobre Avaliação da 
Aprendizagem na área da Deficiência Intelectual (RAADI) quanto a produção oral
Orientações Curriculares RAADI
1º Ano P54 – Reconhecer textos de diferentes 
gêneros, apropriando-se das características 
do texto-fonte. 
Expectativas conforme os gêneros 
indicados para o 1º Ano
P29 – Recontar contos de repetição, 
apropriando-se das características do texto-
fonte (Esfera literária (prosa) – conto 
tradicional, conto acumulativo, literatura 
infantil).
P54* – Recontar textos de diferentes 
gêneros, com o apoio do professor, 
colega ou figuras, percebendo as 
características do texto-fonte.
2º Ano P54 – Recontar textos de diferentes 
gêneros, apropriando-se das características 
do texto-fonte.
Expectativas conforme os gêneros 
indicados para o 2º Ano
P41 – Recontar contos tradicionais, 
apropriando-se das características do texto-
fonte (gêneros focalizados em sequências 
didáticas/projetos: Conto Tradicional).
P54* – Recontar textos de diferentes 
gêneros, com o apoio do professor, 
colega ou figuras, percebendo as 
características do texto-fonte.
3º Ano P54 – Recontar textos de diferentes 
gêneros, apropriando-se das características 
do texto-fonte.
Expectativas conforme os gêneros 
indicados para o 3º Ano
P48 – Recontar contos tradicionais, 
apropriando-se das características do texto-
fonte.
P54* – Participar do recontar textos 
de diferentes gêneros, com o apoio do 
professor, colega ou figuras, 
percebendo as características do 
texto-fonte.
4º Ano P54 – Recontar textos de diferentes 
gêneros, apropriando-se das características 
do texto-fonte.
Expectativas conforme os gêneros 
indicados para o 4º Ano
P49 – Recontar fábulas, apropriando-se 
das características do texto-fonte.
P54* – Participar do recontar textos 
de diferentes gêneros, com o apoio do 
professor, colega ou figuras, 
percebendo as características do 
texto-fonte.
5º Ano P54 – Recontar textos de diferentes 
gêneros, apropriando-se das características 
do texto-fonte.
Expectativas conforme os gêneros 
indicados para o 5º Ano
P66 – Recontar lendas e mitos, 
apropriando-se das características do texto-
fonte.
P54* – Participar do recontar textos 
de diferentes gêneros, com o apoio do 
professor, colega ou figuras, 
percebendo as características do 
texto-fonte.
Fonte: Elaboração da autora.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 135
se das características do texto-fonte que pode advir de 
um conto tradicional, acumulativo, da literatura infantil, 
entre outros. 
As expectativas de aprendizagem do RAADI também 
se referem ao reconto de textos de diferentes gêneros, 
com o apoio do professor, colega ou figuras, percebendo 
as características do texto-fonte. O documento apresenta 
a necessidade da presença do professor para que o aluno 
com deficiência intelectual alcance esta expectativa de 
aprendizagem escolar.
O RAADI apresenta expectativas de trabalho 
coletivo, com o apoio do professor para recontar as 
histórias. Assim como diz Vygotsky (1997), a maior 
ou menor possibilidade de ter a criança, para passar 
do que pode fazer por si mesmo e o que é capaz de 
fazer em colaboração, constitui o sintoma indicador 
para caracterizar a dinâmica do desenvolvimento e do 
êxito em sua atividade mental, coincidindo plenamente 
com a zona de desenvolvimento proximal. Do ponto 
de vista do ensino, o apoio deve ser oferecido para 
não ser mais necessário, ou seja, o aluno deve superar 
a necessidade deste apoio e, desse modo, realizar as 
atividades propostas.
As crianças com deficiência intelectual apresentam 
limitações para a abstração, contudo elas necessitam 
de mecanismos de formação de conceitos abstratos 
para se adaptarem. Vygotsky (1997) alerta que as 
limitações alcançam um maior grau quando seu 
mecanismo de formação de conceitos está dominado 
por um pensamento concreto, em situações concretas. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial136
Para a formação de conceitos complexos é necessário 
o apoio para que isso seja desenvolvido. Neste aspecto, 
o RAADI apresenta em suas expectativas para os 
alunos com deficiência intelectual a ajuda e o auxílio 
do professor ou dos alunos e expõe a necessidade de 
momentos de trabalho em grupo como no terceiro ano, 
por exemplo.
Vygotsky ressalta que um trabalho criativo e inspirador 
pode ocorrer através de uma composição coletiva.Ao 
apresentar o trabalho realizado por Tolstói, Vygotsky 
(2009) relata que as crianças compunham, criavam as 
figuras dos personagens, descreviam a aparência deles, 
uma série de detalhes. A criança, conforme o autor, 
brincava quando compunha.
A produção do texto coletivo é uma das etapas para a 
construção de um texto de forma independente, contudo 
não há a expectativa de que os alunos com deficiência 
intelectual apresentem sozinhos alguma produção. Eles 
sempre terão o apoio para que isto seja possível. 
Quadro 2 – Cotejamento dos excertos das Orientações Curriculares e do Referencial sobre Avaliação da 
Aprendizagem na área da Deficiência Intelectual (RAADI) quanto a produção escrita
Orientações Curriculares RAADI
1º Ano P24 – Produzir novo texto a partir de 
modelo, levando em conta o gênero e o seu 
contexto de produção, ditando-o ao 
professor ou escrevendo de acordo com 
sua hipótese de escrita. 
Expectativas conforme os gêneros 
indicados para o 1º Ano
P 25 – Produzir novo conto de repetição a 
partir de declaque de modelo, levando em 
conta o gênero e o seu contexto de 
produção, ditando-o ao professor ou 
escrevendo de acordo com a hipótese de 
escrita (Esfera literária (prosa) – conto 
tradicional, conto acumulativo, literatura
infantil).
P34 – Produzir nova parlenda a partir de 
modelo, levando em conta o gênero e o seu 
contexto de produção, ditando-o ao 
professor ou escrevendo de acordo com a 
hipótese de escrita (Esfera literária (verso) 
– cantiga, trava-língua, adivinha, trova).
P24* – Registrar o texto produzido 
(receita, bilhete, lista) a partir da 
produção coletiva e com base no 
texto produzido, mesmo que não
fielmente.
2º Ano P24 – Produzir novo texto a partir de 
modelo, levando em conta o gênero e o seu 
contexto de produção, ditando-o ao 
professor ou escrevendo de acordo com 
sua hipótese de escrita.
Expectativas conforme os gêneros 
indicados para o 2º Ano
P17 – Produzir novo verbete a partir de 
modelo, levando em conta o gênero e o seu 
contexto de produção, ditando-o ao 
professor ou escrevendo de acordo com a 
hipótese de escrita.
P46 – Produzir nova cantiga a partir de 
modelo, levando em conta o gênero e o seu 
contexto de produção, de acordo com sua 
hipótese de escrita.
P24* – Registrar o texto produzido 
(receita, bilhete, lista) a partir da 
produção coletiva e com base no 
texto produzido, mesmo que não 
fielmente.
3º Ano P24 – Produzir novo texto a partir de 
modelo, levando em conta o gênero e o seu 
contexto de produção, ditando-o ao 
professor ou escrevendo de acordo com 
sua hipótese de escrita.
Expectativas conforme os gêneros 
indicados para o 3º Ano
P52 – Produzir novo poema a partir de 
modelo levando em conta o gênero e o seu 
contexto de produção.
P24* – Registrar o texto produzido 
(receita, bilhete, lista) a partir da 
produção coletiva e com base no 
texto produzido, mesmo que não
fielmente.
4º Ano P24 – Produzir novo texto a partir de 
modelo, levando em conta o gênero e o seu 
contexto de produção, ditando-o ao 
professor ou escrevendo de acordo com 
sua hipótese de escrita.
Expectativas conforme os gêneros 
indicados para o 4º Ano
P43 – Produzir fábulas a partir de 
P24* – Registrar o texto produzido 
(receita, bilhete, lista) a partir de 
modelo oferecido pelo professor.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 137
Quadro 2 – Cotejamento dos excertos das Orientações Curriculares e do Referencial sobre Avaliação da 
Aprendizagem na área da Deficiência Intelectual (RAADI) quanto a produção escrita
Orientações Curriculares RAADI
1º Ano P24 – Produzir novo texto a partir de 
modelo, levando em conta o gênero e o seu 
contexto de produção, ditando-o ao 
professor ou escrevendo de acordo com 
sua hipótese de escrita. 
Expectativas conforme os gêneros 
indicados para o 1º Ano
P 25 – Produzir novo conto de repetição a 
partir de declaque de modelo, levando em 
conta o gênero e o seu contexto de 
produção, ditando-o ao professor ou 
escrevendo de acordo com a hipótese de 
escrita (Esfera literária (prosa) – conto 
tradicional, conto acumulativo, literatura
infantil).
P34 – Produzir nova parlenda a partir de 
modelo, levando em conta o gênero e o seu 
contexto de produção, ditando-o ao 
professor ou escrevendo de acordo com a 
hipótese de escrita (Esfera literária (verso) 
– cantiga, trava-língua, adivinha, trova).
P24* – Registrar o texto produzido 
(receita, bilhete, lista) a partir da 
produção coletiva e com base no 
texto produzido, mesmo que não
fielmente.
2º Ano P24 – Produzir novo texto a partir de 
modelo, levando em conta o gênero e o seu 
contexto de produção, ditando-o ao 
professor ou escrevendo de acordo com 
sua hipótese de escrita.
Expectativas conforme os gêneros 
indicados para o 2º Ano
P17 – Produzir novo verbete a partir de 
modelo, levando em conta o gênero e o seu 
contexto de produção, ditando-o ao 
professor ou escrevendo de acordo com a 
hipótese de escrita.
P46 – Produzir nova cantiga a partir de 
modelo, levando em conta o gênero e o seu 
contexto de produção, de acordo com sua 
hipótese de escrita.
P24* – Registrar o texto produzido 
(receita, bilhete, lista) a partir da 
produção coletiva e com base no 
texto produzido, mesmo que não 
fielmente.
3º Ano P24 – Produzir novo texto a partir de 
modelo, levando em conta o gênero e o seu 
contexto de produção, ditando-o ao 
professor ou escrevendo de acordo com 
sua hipótese de escrita.
Expectativas conforme os gêneros 
indicados para o 3º Ano
P52 – Produzir novo poema a partir de 
modelo levando em conta o gênero e o seu 
contexto de produção.
P24* – Registrar o texto produzido 
(receita, bilhete, lista) a partir da 
produção coletiva e com base no 
texto produzido, mesmo que não
fielmente.
4º Ano P24 – Produzir novo texto a partir de 
modelo, levando em conta o gênero e o seu 
contexto de produção, ditando-o ao 
professor ou escrevendo de acordo com 
sua hipótese de escrita.
Expectativas conforme os gêneros 
indicados para o 4º Ano
P43 – Produzir fábulas a partir de 
P24* – Registrar o texto produzido 
(receita, bilhete, lista) a partir de 
modelo oferecido pelo professor.
provérbios, levando em conta o gênero e o 
seu contexto de produção.
P57 – Em duplas ou coletivamente, 
produzir em versos fábulas ou contos 
conhecidos, levando em conta o gênero e o 
seu contexto de produção.
5º Ano P23 – Produzir texto levando em conta o 
gênero e o seu contexto de produção.
Expectativas conforme os gêneros 
indicados para o 5º Ano
P7 – Produzir roteiro levando em conta o 
gênero e o seu contexto de produção.
P42 – Produzir notícia de fato relevante, 
levando em conta o gênero e o seu 
contexto de produção.
P71 – Produzir poema, levando em conta o 
gênero e o seu contexto de produção.
P23* – Produzir texto simples, com 
apoio, levando em conta o gênero
(receita, lista, bilhete) com base em 
sua hipótese de escrita.
Fonte: Elaboração da autora.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial138
Neste excerto de produção escrita verifica-se a 
necessidade de um planejamento para os alunos com 
deficiência intelectual inseridos na sala de aula comum 
completamente diferente daqueles alunos ditos normais. 
Os alunos com deficiência intelectual continuarão com 
as atividades de receita, lista e bilhete durante todo o 
Ensino Fundamental. 
A produção escrita é bem mais abstrata. Conforme 
Vygotsky, “a escrita representa grandes dificuldades 
por possuir leis próprias, que se diferenciam 
parcialmente das leis da oralidade e ainda são pouco 
acessíveis para a criança” (VYGOTSKY, 2009, 
p. 64). O autor complementa que “ao aprender a 
escrever, a criança precisa se desligar do aspecto 
sensorial da fala e substituir palavras por imagens 
de palavras” (VYGOTSKY, 2008, p. 123).
Os alunoscom deficiência intelectual apresentam 
limitações para a abstração, contudo ela necessita 
de mecanismos de formação de conceitos abstratos 
para a sua adaptação. Vygotsky (1995) alerta que 
as limitações alcançam um maior grau quando seu 
mecanismo de formação de conceitos está dominado 
por um pensamento concreto, em situações concretas. 
Para a formação de conceitos complexos é necessário 
o apoio para que isso seja desenvolvido. Neste aspecto 
o RAADI apresenta em suas expectativas para os 
alunos com deficiência intelectual a ajuda e o auxílio 
do professor ou dos alunos e expõe a necessidade de 
momentos de trabalho em grupo como no terceiro ano, 
por exemplo.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 139
considerações finais 
A elaboração e a disseminação, pela rede de ensino 
da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, de 
um documento que traz a adaptação curricular para o 
ensino de alunos com deficiência intelectual, incluídos 
no ensino regular, constitui-se em uma iniciativa tida 
como um avanço no que se tem produzido em relação a 
propostas dessa natureza, na medida em que teve como 
base uma proposta curricular específica para a rede em 
geral.
O documento propõe a verificação de um conjunto 
de exigências organizativas, que devem estar no 
centro das ações diante da necessidade dos alunos com 
deficiência intelectual, como, por exemplo, a análise do 
número de alunos na classe em que o aluno será ou está 
matriculado, o suporte pedagógico especializado e a 
metodologia e didática do professor para que os alunos 
possam aprender.
Para este artigo foi selecionado dois excertos de 
expectativas de aprendizagem específicas de linguagem 
escrita dos cinco anos escolares a que se destinam, por 
meio do quadro que coloca lado a lado as expectativas 
das Orientações Curriculares e do RAADI (Quadro 2).
Quanto ao desenvolvimento do pensamento abstrato 
na área curricular para os alunos com deficiência 
intelectual, fica definido que ele deve ser alcançado com 
apoio e só podem expressar esse aprendizado por meio 
da linguagem oral (Quadro 1). Sendo assim, verifica-
se que as suas possíveis insuficiências cognitivas não 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial140
os impedem de incorporar conteúdos cada vez mais 
complexos. Fica a cargo do professor o caminho para 
desenvolver processos de mediação que, ao longo do 
tempo, levem à aquisição de forma autônoma, o que 
dispensaria o apoio.
Então, mais do que um problema de ordem cognitiva 
dos alunos, parece que a baixa aprendizagem reside nos 
processos pedagógicos utilizados nesta área. Portanto, 
se a formulação de expectativa de aprendizagem de 
determinado conteúdo escolar indica que ela só se 
concretizará com apoio do professor ou de colegas 
não deficientes, e não se faz qualquer menção à 
possibilidade de responder sem esse apoio, isto contraria 
a base teórica que sustenta o RAADI, quanto à zona de 
desenvolvimento proximal em que “o que a criança é 
capaz de fazer hoje em cooperação, será capaz de fazer 
sozinha amanhã” (VYGOTSKY, 2009, p. 129). 
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a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 145
CAPÍTULO 4 
ALFABETIzAÇÃO DE ALUNOS COM 
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: UM 
ESTUDO SOBRE ESTRATÉGIAS DE ENSINO 
UTILIzADAS NO ENSINO REGULAR 
mirian célia castellain gueBert 
introdução 
A pesquisa teve por finalidade identificar as 
estratégias de ensino utilizadas por professores de alunos 
diagnosticados com deficiência intelectual, incluídos 
em sala de aula no Ensino Fundamental e que estão em 
processo de alfabetização.
A opção por estudar as estratégias utilizadas pelos 
professores para ensinar deficientes intelectuais na escola 
regular se dá pelo fato de considerar que a deficiência 
intelectual se caracteriza pelo significativo atraso em seu 
processo cognitivo. Ademais, quanto às recomendações 
oficiais (Brasil 1997; Brasil, 1998; Brasil, 2007), autores 
consagrados como Carvalho (2004), Stainback (1999), 
Pacheco (2006), González (2008) indicam que, para um 
rendimento escolar satisfatório, esses alunos necessitam 
de estratégias e de organização curricular diferenciadas, 
podendo utilizar adaptações curriculares que levem em 
consideração as características cognitivas dos alunos.
A Declaração de Salamanca (1994) reconhece 
que todos podem aprender juntos, em uma escola que 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial146
possibilite a aprendizagem de todos os alunos, considera 
fundamental a participação dos pais, a formação 
dos professores e as organizações das pessoas com 
deficiência, na pronta identificação de como aprender 
melhor e quais estratégias de intervenção atendem às 
necessidades educacionais nas escolas integradoras no 
Brasil denominadas inclusivas.
Tanto a Declaração de Salamanca (1994) quanto a 
LDBEN (BRASIL, 1996), embora não determinem que as 
pessoas com deficiências tenham que, obrigatoriamente, 
ser atendidas nas escolas regulares, definem que a 
inclusão de alunos com necessidades educacionais 
especiais no ensino regular seja a forma preferencial nas 
escolas regulares.
No entanto, reconhecem que a inclusão escolar 
demanda modificações intensas na política educacional. 
Não se pode negar que um dos aspectos enfatizados é a 
modificação da organização escolar refletida nas práticas 
pedagógicas desenvolvidas no interior das escolas, 
para que todos possam aprender, independentemente 
de suas características. Os documentos indicam que as 
necessidades educativas especiais devem incorporar uma 
“pedagogia centrada no aluno” – logo, as organizações 
escolares devem efetuar adaptações necessárias para 
cada aluno, com o objetivo de que eles tenham sucesso 
em sua vida acadêmica. Para tanto, os programas de 
ensino devem ser adaptados às necessidades dos alunos 
e não o contrário. Por consequência, as escolas devem 
oferecer opções curriculares que atendam diferentes 
interesses e necessidades. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 147
O documento denominado Parâmetros Curriculares 
Nacionais – Adaptações Curriculares, publicado 
pelo MEC em 1998, a partir do que considera como 
“significativas experiências pedagógicas desenvolvidas 
no país”, indica providências e recomendações a serem 
utilizadas pelo sistema escolar brasileiro, objetivando 
a qualidade no processo de escolarização de todos os 
alunos (BRASIL. MEC, 1998). 
Em primeiro lugar, na perspectiva de “Educação Para 
Todos”, recomenda que a escola deva enfrentar o desafio 
de “garantir o acesso e a apropriação do saber, com vistas 
a atingir as finalidades da educação escolar”. 
Enfatiza, ainda, que há necessidade de concretizar 
o caráter de flexibilidade e dinamização do currículo 
escolar, e que este favoreça a interatividade e a eficiência 
que precisa ser alcançada por todos os alunos e pela 
escola (BRASIL. MEC, 1998). 
Nesta perspectiva, a escola tem como função 
desenvolver práticas que apontem alternativas para 
lidar com as necessidades específicas dos alunos, a 
partir das adaptações razoáveis, isto é, com tratamento 
diversificado dentro do mesmo currículo, “respeitando a 
diversidade, mantendo a ação pedagógica para que todos 
os alunos possam aprender juntos”.
O documento considera que a aprendizagem escolar 
está diretamente vinculada ao currículo, organizado para 
orientar os níveis de ensino e as ações docentes. 
Desta forma, as orientações oficiais recomendam que 
a escola regular modifique não apenas as atitudes e as 
expectativas em relação a esses alunos, mas se organize 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial148
para se constituir como escola real – que dê conta das 
especificidades dos alunos que atende, promovendo 
sua aprendizagem e seu desenvolvimento integral – por 
meio da flexibilização curricular, com a identificação 
das necessidades pedagógicas e com rede de apoio que 
favoreça o processo educacional. 
Esta flexibilidade curricular constitui possibilidade 
de atuar perante as dificuldades de aprendizagem dos 
alunos. Não se trata de um novo currículo e sim um 
currículo “dinâmico, com planificações pedagógicas e 
ações eficazes dos docentes”, tendo como critérios para 
esta adaptação: o que o aluno deve aprender; como e 
quando aprender; que formas de organização do ensino 
são mais eficientes para o processo de aprendizagem; 
como e quando avaliar o aluno (BRASIL. MEC, 1998, 
p. 33). 
Entendendo que o processo de educação é uma 
prática social, e que a escolarização é uma necessidade 
cultural, este processo deve ser organizado para atender 
às características dos alunos, por meio de estratégias 
que possibilitem a aprendizagem como resultado de um 
processo de mediação junto a todos os alunos. 
Ao planejar as atividades a serem desenvolvidas 
com os alunos com deficiência, outro aspecto a ser 
considerado são os trabalhos simultâneos, cooperativos 
e participativos, respeitando o grau de intensidade da 
programação curricular, chamados de rede de apoio. 
Neste sentido, a definição das adaptações curriculares 
são “carregadas de significados”, apesar de constituírem 
modificações pequenas no currículo, facilmente 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 149
realizadas pelos professores no planejamento das 
atividades docentes e constituírem ajustes do contexto 
normal da sala de aula – pois é fundamental que o aluno 
aprenda o conteúdo elaborado, para que a escola cumpra 
sua função social e curricular e os envolvidos possam 
obter sucesso em sua escolarização (BRASIL. MEC, 
1998). 
Estas modificações englobam o planejamento e 
a atuação do docente, selecionando, organizando 
e introduzindo estratégias específicas, assim como 
realizando alterações didáticas, organizando ações 
diferenciadas em sala de aula, que devem respeitar 
as características de cada aluno em seu processo de 
escolarização. 
Ao considerar que o currículo é vivo e que implica 
formas de ensinar e de avaliar os diferentes conteúdos, o 
professor deve reconhecer que adaptações metodológicas 
precisam ser realizadas. Nesse processo, deve situar o 
aluno no grupo a que pertence, por meio da adoção de 
métodos e técnicas de ensino específicas, com apoio de 
recursos físicos para realizar as atividades propostas, 
que devem favorecer o trabalho cooperativo com iguais 
possibilidades de execução, já que o processo se diz 
inclusivo. 
A adaptação curricular só se concretizaráa partir 
da premissa de um currículo funcional – em que a 
aprendizagem ocorre de forma gradual, significativa e 
sistematizada, para que a escola possibilite que todos 
aprendam juntos –, mas são necessárias medidas 
pedagógicas possíveis, que visem ao atendimento das 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial150
necessidades educacionais, para que os alunos com 
características diferentes possam aprender. 
Em 2007 o Ministério da Educação publicou a coleção 
denominada “Atendimento Especializado – Deficiência 
Intelectual”. O documento defende a escola como 
instituição formal, em que todo o processo de mediação 
favoreça a construção do conhecimento de forma 
intencional e deliberada, e na qual tanto os professores 
quanto os alunos devem conhecer os objetivos explícitos 
do processo de escolarização – sendo que estes objetivos 
devem ser perseguidos considerando o tempo escolar 
(ano letivo) e o planejamento (desenvolvimento da 
aula), para que o professor possa ensinar e o aluno possa 
aprender. 
Para garantir um processo de escolarização como 
este, é necessário que os professores façam escolhas 
metodológicas, definam recursos didáticos relevantes 
para a realização do trabalho coletivo, considerando 
também as características dos alunos com deficiência em 
seu processo de escolarização (BRASIL. MEC, 2007). 
Segundo a publicação, estas escolhas representam 
a busca de soluções e, neste sentido, a adaptação de 
currículos e de atividades para o processo avaliativo deve 
ser considerada, quando os currículos e as atividades se 
referem a alunos com deficiência intelectual. 
Ao assumirem o caráter substitutivo da educação 
especial, as práticas adaptativas funcionam como 
reguladores externos para as aprendizagens, ao 
estarem subsidiadas por procedimentos de ensino 
que buscam atender às necessidades dos alunos com 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 151
deficiência intelectual, submetendo-os aos processos de 
escolarização. 
Como se pode perceber, ambos os documentos 
recomendam que as estratégias desenvolvidas pelos 
professores em sala de aula devem garantir que todos 
os alunos aprendam, independentemente de suas 
características, entre eles os caracterizados como 
deficientes intelectuais. 
Por outro lado, quando propuseram adaptações 
curriculares e de procedimentos didáticos como 
uma possibilidade na escolarização dos alunos com 
deficiência intelectual, as recomendações do Ministério 
da Educação (BRASIL. MEC, 1998; BRASIL. MEC, 
2007) permaneceram no âmbito geral, sem algum 
detalhamento preciso que ofereça aos professores 
subsídios para definir “o que fazer” efetivamente 
no sentido de propiciar meios para que esses alunos 
aprendam na escola regular. 
Para Carvalho (2000), o que necessita ser modificado 
no processo de escolarização é a postura dos profissionais 
ante a deficiência – que levem em conta as características 
individuais, principalmente dos alunos que apresentam 
algum tipo de necessidade específica em seu aprendizado. 
No entanto, cabe à escola a responsabilidade para 
garantir o processo de aprendizagem para todos os 
alunos, respeitando as diferenças, o que implica seu 
reconhecimento com base na percepção do outro como 
sujeito da aprendizagem. Entretanto, o reconhecimento 
das diferenças nos processos de aprendizagem envolve 
inúmeras e complexas barreiras existentes na organização 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial152
do processo de escolarização. As mais significativas são 
de cunho atitudinal, mas também incidem “no currículo 
e nas adaptações curriculares, na avaliação contínua 
do trabalho, na intervenção psicopedagógica e na 
qualificação da equipe de educadores” (CARVALHO, 
2000, p. 77). 
Ao estabelecer o elo entre o não saber e o saber 
elaborado, entre o planejamento e as práticas 
pedagógicas, as adaptações curriculares não devem 
ser entendidas como um conjunto de conhecimentos 
que a escola deve transmitir aos alunos, mas como um 
conjunto de experiências que a escola (como instituição 
formal) dispõe aos alunos, para potencializar o seu 
desenvolvimento. 
Neste sentido, para Carvalho (2000) as adaptações 
curriculares são encaradas como modificações realizadas 
pelos professores intencionalmente organizadas, de um 
lado, e, de outro, de forma quase espontânea, por meio 
da dinâmica das ações que envolvem a prática docente 
na sala de aula, visando responder às necessidades de 
cada aluno. 
Em um currículo flexível e aberto às adaptações é 
condição fundamental para atender às necessidades 
educativas de qualquer aluno – condição sine qua non 
para a equalização das oportunidades a todos que buscam 
uma escola de qualidade.
Todas essas orientações parecem demonstrar que, para 
que a aprendizagem do conteúdo escolar seja acessível ao 
aluno com deficiência intelectual, é preciso que ocorram 
adaptações didáticas que levem em consideração as 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 153
dificuldades inerentes aos seus déficits intelectuais. 
Nessa perspectiva e, considerando a aprendizagem da 
língua escrita como um dos requisitos básicos para a 
progressão a níveis mais altos de escolaridade, constata-
se a necessidade de identificar as estratégias utilizadas 
por professores no processo de alfabetização de alunos 
com deficiência intelectual.
a Pesquisa 
A pesquisa implicou coleta de dados sobre a prática 
docente, para identificar as estratégias de ensino 
utilizadas por professores alfabetizadores em suas salas 
de aula. 
Devido ao dinamismo de uma aula, optou-se por 
utilizar a observação direta, com registro por meio 
de gravações que seguiram a seguinte sistemática: a) 
Duas gravações semanais de 30 minutos das atividades 
desenvolvidas pelo professor, por meio da técnica 
de “Plano Geral (PG)” (BRASIL, MENMOCINE, 
2010); b) Transcrição das gravações, registrando-se 
especialmente as estratégias utilizadas pelo professor; 
c) Organização do material coletado, por meio de 
categorias estabelecidas a posteriori (BARDIN, 
1994), que congregaram as estratégias e as práticas 
de ensino.
A partir das categorias estabelecidas, os dados 
coletados foram analisados para cotejamento em 
dois eixos: atividades para os alunos e a relação entre 
conteúdo e forma. Em cada categoria, procurou-se 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial154
identificar a estratégia de ensino predominante nas 
práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula. 
Os dados foram descritos considerando: a) a cena; e 
b) a prática do professor e a identificação da estratégia 
predominante – como podem ser verificados nas cenas 
abaixo descritas.
considerações soBre o camPo emPírico 
A escolha do campo empírico é uma questão de 
pesquisa a ser considerada, pois os problemas enfrentados 
têm de ser equacionados sem, no entanto, influir sobre 
seus objetivos mais amplos. A negativa de duas escolas 
para a realização da coleta de dados provocou em mim 
uma mistura de decepção e preocupação. 
Decepção porque, ao escolher uma escola reputada 
como de boa qualidade, com indicações de trabalho 
diferenciado com alunos com deficiência intelectual, 
minha expectativa era a de que a instituição e o professor 
se sentiriam valorizados.
Entretanto, não foi o que ocorreu, pois nas três 
primeiras instituições, por motivos distintos, não obtive 
autorização para ali realizar a minha investigação. 
E preocupação por considerar que a falta de um campo 
empírico bem ajustado aos meus objetivos poderia 
prejudicar a minha investigação. 
A terceira instituição que procurei abriu suas portas, 
e as gravações iniciais parecem mostrar que o trabalho 
de alfabetização efetuado pela professora selecionada é, 
efetivamente, de muito boa qualidade, o quepermitiu 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 155
analisar se este trabalho basta para que um aluno com 
deficiência intelectual se beneficie efetivamente de 
um processo de ensino qualificado. Foi possível obter 
respostas para minhas indagações – as adaptações que a 
professora faz para esse aluno, como se efetiva o serviço 
de apoio e que resultados são alcançados?
Com relação ao procedimento de coleta de dados – as 
videogravações –, a experiência inicial me mostrou que 
o campo de pesquisa se torna ideal quando viabiliza as 
coletas dos dados. No entanto, sabe-se que o trabalho 
científico se dará pela análise que se fizer com estes 
dados. 
Embora parte das práticas pedagógicas atuais se 
caracterize por uma classificação e estruturas precárias, 
de todo um discurso ideológico sobre a não imposição 
de padrões pedagógicos preestabelecidos, tal como 
Bernstein (1988) demonstra em relação ao ensino 
pré-escolar e anos iniciais do Ensino Fundamental, 
o dinamismo da sala de aula não pode ser analisado, 
segundo ele, de forma dicotômica (pedagogia visível 
× pedagogia invisível), pois elas se completam. Este é 
um cuidado a se tomar quando descrever as estratégias 
observadas. 
Ao contrário, esses conceitos devem ser utilizados 
como ferramentas teóricas que permitam, dentro desse 
dinamismo, classificar essas estratégias como contendo 
classificação e estrutura mais ou menos precária ou 
mais ou menos adequada. Com base nas argumentações 
acima, e considerando as recomendações oficiais 
em relação a modificações curriculares e adoção de 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial156
procedimentos didáticos, elas são gerais e pouco 
operacionais; a escolarização é a base em que se assenta 
todo o ensino posterior e que pouco tem se investigado 
sobre esse tema; que parece haver um conflito entre as 
práticas pedagógicas atualmente em uso (caracterizadas 
mais como invisíveis do que como visíveis); que para 
o aluno com deficiência intelectual, por suas próprias 
limitações, a falta de uma classificação e estrutura mais 
explícita possa tornar o ensino sem sentido para ele. 
A pesquisa está em fase inicial de coleta de dados, as 
estratégias serão observadas e analisadas com o roteiro 
elaborado, em duas gravações de 30 minutos por semana, 
combinada com os profissionais que atuam no campo da 
pesquisa. Há necessidade de refletir junto à professora 
sobre suas práticas e para a realização das adaptações 
nas atividades a serem propostas ao aluno, objetivando 
sua escolarização. 
Cena 1 
A turma responde as atividades previamente descritas 
no quadro, e que foram lidas e explicadas pela professora. 
A atividade proposta tinha como objetivo interpretar o 
texto lido em conjunto pela turma. No quadro estavam 
escritas três questões referentes ao texto. Foi solicitado 
aos alunos que respondessem às questões em seus 
cadernos. A professora manteve sob seu controle as 
ações a serem desenvolvidas pelos educandos, e como 
estratégia identificou-se a cópia e a releitura do texto 
para atender ao solicitado, evidenciando a interpretação 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 157
da pergunta, relacionando-a às informações obtidas na 
leitura do texto. 
A atividade proposta contraria a recomendação 
oficial de que as atividades devem ser colaborativas. 
Ao potencializar desenvolvimento e aprendizagem 
por meio da linguagem e da interação, nega também 
a teoria de Vygotsky. A prática da professora expressa 
um modelo de planejamento que privilegia o conteúdo, 
não se preocupando com as diferentes formas de 
aprender de seus alunos. Não há nenhuma adaptação 
curricular evidenciada, ou adequação dos processos 
metodológicos.
Cena 2 
A aula se inicia com a solicitação da professora aos 
alunos para se organizarem em duplas. A professora 
retomou a organização das tarefas, relendo a organização 
do dia, escrita no quadro, assinalando as atividades que 
já haviam realizado, assim como o que ainda precisavam 
fazer.
A professora realiza diariamente a hora do conto. 
A professora iniciou a leitura de um capítulo do livro, 
selecionado pela turma no início do semestre. Ao 
terminar a leitura, solicitou aos alunos que escrevessem 
um texto a partir da leitura realizada, e orientou a turma 
para terem ótimas ideias, dizendo que ajudaria com um 
banco de palavras, que escreveu no quadro. 
Os alunos iniciaram suas produções. Um aluno 
perguntou à professora se poderia iniciar o texto com um 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial158
personagem falando, a professora aproveitou a questão 
para explicar o uso do travessão e letras maiúsculas, 
apresentando as regras da Língua Portuguesa. 
Nesta cena, percebe-se o fato de a professora 
retomar a atividade lembrando o que deveriam fazer. 
A cena também evidencia que a contextualização 
favorece a relação de teoria e prática, ao associar 
conceitos gramaticais e sua utilização na produção dos 
alunos. Utilizou, porém, a oralização e demonstração 
da escrita para os alunos, e não avançou a respeito da 
função da escrita – apenas esclareceu a necessidade 
de os alunos utilizarem adequadamente as regras da 
língua portuguesa em sua produção, negando o que 
deve ser entendido por alfabetização.
Para Ferreiro (1995), a escrita pode ser considerada 
uma representação da linguagem quando envolve um 
processo de diferenciação dos elementos e relações 
reconhecidas no objeto a ser apresentada, quando 
concebida como um código de transcrição que 
transforma as unidades sonoras em unidades gráficas, 
e assim a escrita coloca a percepção visual e auditiva 
em evidência. Logo, sua aprendizagem não pode 
ser mecânica, ou não se pode considerar somente os 
aspectos gráficos destas produções. 
Neste sentido, as produções dos alunos devem 
ser entendidas como resultado do processo de 
construção de significados de códigos, que unificam 
a linguagem escrita, possibilitando aprendizagem e 
desenvolvimento do processo de alfabetização. 
Tfouni define: 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 159
Alfabetização refere-se à aquisição da escrita enquanto 
aprendizagem de habilidades para leitura, escrita e 
as chamadas práticas de linguagem. Isto é levado a 
efeito, em geral, por meio do processo de escolarização 
e, portanto, da instrução formal. A alfabetização 
pertence, assim, ao âmbito do individual. O letramento, 
por sua vez, focaliza os aspectos socio-históricos 
da aquisição da escrita. Entre outros casos, procura 
estudar e descrever o que ocorre nas sociedades quando 
adotam um sistema de escritura de maneira restrita 
ou generalizada: procura ainda saber quais práticas 
psicossociais substituem as práticas “letradas” em 
sociedades ágrafas (TFOUNI, 1988, p. 9). 
Há uma diferença entre saber ler e escrever, ser 
alfabetizado, e viver na condição ou estado de quem 
sabe ler e escrever, ser letrado. Ou seja, uma pessoa que 
aprende a ler e a escrever, que se torna alfabetizada e que 
passa a fazer uso da leitura e da escrita, ao se envolver 
nas práticas sociais de leitura e de escrita – que a torna 
letrada – é diferente de uma pessoa que ou não sabe ler 
e escrever porque é analfabeta, ou porque, sabendo ler e 
escrever, não faz uso da leitura e da escrita, ou seja, ela é 
alfabetizada, mas não é letrada, não vive no estado ou na 
condição de quem sabe ler e escrever e também pratica 
a leitura e a escrita. 
Assim, embora alfabetizar e letrar sejam duas 
ações diferentes, não devem ser encaradas como 
completamente distintas, ao contrário: o ideal seria 
alfabetizar letrando. Ou seja: ensinar a ler e a escrever 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial160
no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, 
de modo queo indivíduo se torne, ao mesmo tempo, 
alfabetizado e letrado. 
O processo de letramento envolve dois fenômenos 
bastante diferentes, a leitura e a escrita, sendo cada 
um deles constituído de uma multiplicidade de 
habilidades, comportamentos, conhecimentos. Nesta 
perspectiva, a leitura se caracteriza por um conjunto 
de habilidades e comportamentos que se estende desde 
simplesmente decodificar sílabas ou palavras, até ler 
uma obra completa. A escrita implica um conjunto de 
habilidades e comportamentos que se estendem desde 
simplesmente escrever o próprio nome até escrever 
uma tese de doutorado. Assim, uma pessoa pode ser 
capaz de escrever, mas não ser capaz de escrever uma 
argumentação defendendo um ponto de vista. 
Segundo Soares (1998), há duas condições indicadas 
para que esse processo se concretize. A primeira 
condição é que haja escolarização real e efetiva e o 
acesso à escolaridade se amplie, para termos mais 
pessoas sabendo ler e escrever e, com a extensão da 
permanência na escola, possamos almejar um pouco 
mais do que simplesmente a mera alfabetização e 
possamos ter um efetivo processo de letramento. 
A segunda condição é que haja disponibilidade 
de material de leitura: material impresso posto à 
disposição, livrarias, preço acessível de livros, jornais 
e revistas, ampliação do número de bibliotecas, além de 
uma transformação efetiva das práticas desenvolvidas 
pelas escolas. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 161
Em relação ao processo de alfabetização de alunos 
com deficiência, como aspecto relevante poder-se-ia 
argumentar que não difere da aquisição da leitura e da 
escrita pelos demais educandos. Contribuições teóricas 
como as de Vygotsky (1994) se opõem à perspectiva 
rígida que considera impossível a aprendizagem 
acadêmica de alunos com deficiência intelectual.
Para Vygostsky (1994), a escrita ocupou um 
lugar restrito na prática escolar, em relação ao 
papel fundamental que desempenha no processo de 
desenvolvimento cultural da criança. Ou seja, este 
autor afirma que as práticas escolares ensinam a 
desenhar letras e a construir palavras com elas, mas 
não se ensina a linguagem escrita. 
A linguagem escrita é pouco estudada como 
um sistema particular de símbolos e signos, e cujo 
domínio é um ponto crítico em todo o desenvolvimento 
cognitivo e cultural da criança. 
Do ponto de vista pedagógico, as estratégias 
utilizadas para ensinar a escrita não permitem a 
observação desta transição, mas afirma-se que o 
desenvolvimento da linguagem escrita na criança 
ocorre pelo deslocamento do desenho de coisas para o 
desenho de palavras. Assim, é necessário que o ensino 
esteja organizado de forma que a leitura e a escrita se 
tornem significativas para as crianças, e que seu uso 
tenha relevância. 
Por outro lado, quanto ao aspecto social encontramos 
o sociólogo Bernstein (1984), que descreve dois 
conceitos teóricos que podem contribuir de forma 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial162
significativa para a análise de práticas docentes no que 
se refere ao conteúdo: a classificação e a estrutura. 
Para ele, classificação se refere às relações entre os 
conteúdos do currículo, em especial a diferenciação 
entre conteúdos: quanto mais forte ou muito marcada 
a classificação, mais os conteúdos se isolam uns dos 
outros, e quanto mais débil ou flexível a classificação, as 
fronteiras são menos marcadas, menos nítidas. 
Em contraposição, a estrutura se refere ao contexto 
em que se comunica o conhecimento, à clareza com que 
se distingue o que pode e o que não pode ser comunicado: 
estrutura forte, quando é mínimo o grau de controle de 
professores e alunos sobre a situação pedagógica, e 
estrutura fraca, quanto maior a autonomia de professores 
e alunos sobre a situação pedagógica. 
Estes conceitos remetem a análises das práticas 
docentes quanto à relevância da organização curricular 
e sua aplicabilidade junto aos alunos que estão em 
seus processos de escolarização, especificamente na 
construção da leitura e escrita.
considerações 
Com base nas argumentações, pode-se afirmar que, 
em relação à organização curricular e à adoção de 
procedimentos didáticos, as recomendações oficiais são 
gerais e pouco operacionais. 
O aprendizado de leitura e escrita é a base em que 
se assenta todo o ensino posterior e pouco tem se 
investigado sobre esse tema. Neste sentido, parece haver 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 163
um conflito entre as práticas pedagógicas atualmente 
em uso (atividades individuais e em grupos, cópias para 
responder a questões sem possibilidade de argumentação, 
produções de textos sem significados sociais para o aluno 
e para o professor, controle de ações dos professores 
sobre seus alunos): negam a formação para a cidadania 
e a autonomia e desconsideram as diferenças do capital 
cultural de cada aluno, bem como suas características 
cognitivas e de aprendizagens.
As cenas descritas são apenas uma amostra do que 
se observou em um ano de pesquisa. Evidenciam que 
professores – que se dizem inclusivos – utilizam em 
sala de aula estratégias que os alunos não percebem 
como diferenciadas. Isso os isola, deixa-os como únicos 
em suas especificidades, nega suas potencialidades 
e limitações, e exclui a variedade de conhecimentos 
pedagógicos essenciais e necessários para possibilitar o 
letramento dos alunos. 
Considera-se ainda que não basta formação 
acadêmica aos professores para que possibilitem a 
aprendizagem de todos os alunos. É necessária sua 
tomada de consciência, há necessidade de que o professor 
realize mediação adequada. Este educador deve ser um 
observador, crítico e estudioso de sua prática, no intuito 
de aprimorar sua atividade profissional, potencializando 
o desenvolvimento e a aprendizagem de todos os 
envolvidos no processo de escolarização.
Os dados estimulam novas investigações a respeito 
de como os estilos de ensino dos professores influenciam 
a aprendizagem dos alunos, como os alunos aprendem 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial164
quando não há mediação adequada, e ainda o que 
é inclusão escolar se os alunos estão em processos 
individuais, com mediações coletivas, negando suas 
características individuais. 
referências 
BRASIL. Lei n° 9.394/1996. Institui as Diretrizes e Bases da 
Educação Nacional. Brasília: MEC/SEESP, 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. 
Parâmetros curriculares nacionais: adaptações curriculares. 
Brasília: MEC/SEESP, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. 
Programa de capacitação de recursos humanos: deficiência 
intelectual. Brasília: MEC/SEESP, 1997.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. 
Deficiência intelectual: atendimento educacional especializado. 
Brasília: MEC/SEESP, 2007.
BARDIN, L. Análise do conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1994.
CARVALHO, R. Removendo barreiras para aprendizagem 
educação inclusiva. Porto Alegre: Mediação, 2000.
CARVALHO, G. O diagnóstico da deficiência intelectual no contexto 
de inclusão: uma proposta de avaliação psicopedagógica contextualizada 
e interventiva. Dissertação (Mestrado) ‒ Universidade de Brasília, 2001.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 165
CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE NECESSIDADES 
EDUCATIVAS ESPECIAIS. Declaração de Salamanca e linha 
de ação sobre necessidades educativas especiais. Salamanca: 
UNESCO/Ministerio de Educación y de la Ciencia, 1994.
FERREIRO, E.B.M Reflexões sobre alfabetização. 20ª ed. São 
Paulo: Cortez, 1995.
SOARES, M. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 17ª ed. 
São Paulo: Ática, 2001.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo 
Horizonte: Autêntica, 1998.TFOUNI, L. V. Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso. 
Campinas: Pontes, 1988.
VYGOSTSKY, L. S. A formação social da mente: o 
desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 5ª ed. São 
Paulo: Martins Fontes, 1994.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial166
CAPÍTULO 5 
AvALIAÇÃO DIAGNÓSTICA DE
ALUNOS COM BAIXO RENDIMENTO:
AÇõES COLABORATIvAS ENTRE
EDUCAÇÃO E SAúDE 
ViViane Ferrareto da silVa Pires 
introdução 
Este estudo originou-se da dissertação de mestrado 
defendida em 2016, no Programa de Estudos Pós-
Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, 
da PUC-SP, decorrente de minha atividade profissional 
como técnica educacional de rede municipal de 
ensino de Santo André, no Estado de São Paulo. Nela 
pude constatar o número expressivo de alunos que 
apresentavam baixo rendimento escolar e, dessa forma, 
encaminhados para avaliação no serviço de saúde, 
resultando em diagnósticos de patologias distintas, 
especialmente como deficientes intelectuais.
Bueno (2004) relata que, em geral, busca-se identificar 
nas características individuais dos alunos as causas de 
suas dificuldades no processo de escolarização, pois a 
visão mais disseminada nos meios educacionais é de 
que a escola cumpre seu papel e se alguns alunos não 
conseguem aprender, devem ser encaminhados aos 
serviços de saúde para que se verifique que tipo de 
problema apresentam.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 167
A apreciação que os professores fazem dos estudantes 
está intimamente ligada aos instrumentos utilizados 
para avaliação diagnóstica e aos mecanismos de ensino 
criados historicamente, cujos sistemas de classificação 
escolar acabam por legitimar a classificação social. 
Os instrumentos empregados no registro do 
desempenho escolar dos alunos nem sempre expressam 
seus reais conhecimentos e dificuldades, sendo também a 
manifestação da dicotomia entre ensino e aprendizagem 
(Bueno & Giovinazzo Jr., 2010, p. 98-99).
A pesquisa foi realizada no município de Santo André, 
localizado na Grande São Paulo, no período de 2012 a 2014. 
A coleta dos dados se baseou em três fontes de 
documentação: 
1. Relatório descritivo de Encaminhamento elaborado 
pelos professores, em que eles relatam a situação 
que justifica o encaminhamento para avaliação 
clínica; 
2. Escala de Avaliação de Sintomas (SNAP) e de 
Comportamento (TDAH), preenchidas tanto pelos 
professores como pelos pais e/ou responsáveis. É 
importante destacar que tanto o relatório descritivo 
de Encaminhamento quanto as duas escalas são 
enviados à equipe de saúde no primeiro dia de 
avaliação e entregues para o profissional que fará 
a anamnese;
3. Procedimentos e informações dos exames realizados 
pela equipe clínica multidisciplinar que resultaram 
nos diagnósticos concluídos.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial168
Os profissionais da saúde que realizaram o diagnóstico 
faziam parte de convênio entre a Secretaria de Educação 
do Município e a Faculdade de Medicina do ABC, 
que constituem o Centro de Atendimento Educacional 
Multidisciplinar (CAEM), cujo acompanhamento 
e suporte ficava a cargo do Centro de Atenção ao 
Desenvolvimento Educacional (CADE), da Secretaria 
Municipal de Educação.
inclusão escolar × fracasso escolar 
A inclusão escolar de alunos com deficiência 
passou a ser uma proposição internacional a partir da 
promulgação da Declaração de Salamanca, fruto da 
Conferência Mundial sobre necessidades educativas 
especiais em 1994 e que, apesar de basicamente centrada 
na educação de alunos com deficiências, considera que 
o termo necessidades educativas especiais congrega um 
universo muito mais amplo de crianças. 
Nesse sentido, inclui os alunos com deficiência dentro 
de um amplo espectro, na medida em que coloca nessa 
categoria crianças provenientes de diferentes condições 
culturais, econômicas, sociais, psíquicas e físicas.
Se por um lado isto pôde contribuir para que se 
ampliasse a visão da deficiência – para além dos 
impedimentos por ela produzidos, com a incorporação 
de questões de classe, raça e gênero –, por outro, 
permitiu que um número significativo de alunos com 
baixo rendimento escolar fossem diagnosticados como 
“deficientes”.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 169
Moysés e Collares (2011) sustentam que, no Brasil, 
uma das causas do fracasso escolar é atribuída às 
famílias, sendo outra causa a expansão quantitativa 
de acesso à escola, a partir dos anos 1970, assim 
como pelos processos mais atuais de redução da 
reprovação/repetência escolar (sistema de ciclos, 
progressão continuada etc.) que então produziram 
o processo de medicalização do fracasso escolar, 
que, “de um problema pedagógico e político, de 
ordem institucional, constitui grande obstáculo à 
transformação das práticas que regem o cotidiano 
escolar e à superação do fracasso” (MOYSÉS & 
COLLARES, 2011, p. 31).
Ou seja, ao invés de os procedimentos dos 
especialistas servirem para a delimitação efetiva das 
características dos alunos (negativas, mas também 
as positivas) – de forma a contribuir para o trabalho 
pedagógico –, têm servido para a reiteração da visão do 
professor, na medida em que estão centrados, única e 
exclusivamente, na busca do “problema”, redundando 
na patologização de alunos que perturbam o ambiente 
escolar: 
Na verdade, sob o manto da excepcionalidade são 
incluídos indivíduos com características as mais 
variadas, cujo ponto fundamental é o desvio da 
norma, não a norma abstrata, que determina a 
essência a-histórica da espécie humana, mas a 
norma construída pelos homens nas suas relações 
sociais (BUENO, 2004, p. 61, destaque do autor). 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial170
Na identificação histórica dos alunos que apresentam 
dificuldades relacionadas ao aprendizado dos conteúdos 
acadêmicos, bem como aos comportamentos valorizados 
e esperados pela escola, esse panorama parece 
permanecer, razão pela qual procuramos nas contribuições 
de Vygotsky (1983, 1998 e 2007) embasamento teórico 
para o desenvolvimento da pesquisa.
Uma das contribuições mais significativas desse autor 
foi o fato de não considerar o ambiente uma variável 
controlável, mas considerar as relações sociais como elas 
mesmas, constitutivas do sujeito psicológico, que não 
podem ser abstraídas, pois na abstração dessas relações 
o sujeito não é apreendido, porque suas expressões 
psicológicas exteriorizadas são sempre necessariamente 
sociais na medida em que a vida psíquica é a expressão 
da vida social (Vygotsky, 2007).
Para ele, tanto o instrumento quanto o signo possuem 
função mediadora, pois enquanto o instrumento é 
o condutor da atividade humana sobre o objeto da 
atividade, o signo constitui o meio da atividade interna 
dirigido para o controle do próprio indivíduo. Neste 
sentido, a função psicológica superior é, exatamente, a 
combinação entre o instrumento e o signo na atividade 
psicológica.
Mas o desenvolvimento das funções psíquicas não 
é fruto de um desenvolvimento individual, pois as 
funções psicológicas superiores se originam das relações 
sociais entre indivíduos: no início do processo de 
desenvolvimento são fundamentalmente interpessoais 
e somente após o estabelecimento de relações sociais 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 171
significativas essas funções são internalizadas pelos 
indivíduos.
Partindo desse princípio, Vygotsky (2007) 
considera que o pensamento tipicamente humano 
se constrói a partir da relação entre o indivíduo e o 
objeto, mediado pela ação do outro (interpessoal), 
que ele denominou como “nível de desenvolvimento 
real”. É na relação com o outro, pelos processos de 
mediação, que a criança se desenvolvepsiquicamente 
até conseguir realizar essa mesma operação de forma 
autônoma, alcançando o que ele denominou como 
“nível de desenvolvimento potencial”. A distância 
entre esses dois níveis foi por ele cunhada como “zona 
de desenvolvimento proximal”.
Assim é que, se é verdade que a aprendizagem 
depende do desenvolvimento, sua perspectiva 
interacionista obriga a que se considere que a 
aprendizagem influi decisivamente nos níveis de 
desenvolvimento. 
Ora, isso nos reporta à zona de desenvolvimento 
proximal, pois ao se avaliar o nível de desenvolvimento 
mental de um indivíduo por meio de testes 
padronizados, está se determinando o que ele já tem 
de apropriação de determinados conhecimentos, o que 
consegue fazer sozinho, ou seja, verifica-se o nível 
de desenvolvimento real, o tempo e a dificuldade na 
realização de determinada operação, sem que a ele 
sejam dadas oportunidades para que, pela mediação, 
a partir de seu conhecimento prévio, consiga realizar 
o proposto. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial172
Verifica-se assim a possibilidade de se repensar 
muitos dos encaminhamentos realizados por 
professores para avaliar estudantes que apresentam 
baixo rendimento escolar como se esse problema 
específico fosse inerente aos alunos e não estivesse 
atrelado ao seu processo de aprendizagem, com os 
conteúdos próprios da educação formal.
Por meio do exposto anteriormente, verificamos 
que os alunos com problemas de ajustamento (leia-se 
deficiência ou outros fatores) desafiam esta constituição 
já estabelecida, podendo ser veladamente excluídos 
do processo de aprendizagem no cotidiano da escola, 
nos vários ambientes escolares, nas relações e demais 
ações pedagógicas que permeiam a aprendizagem: 
As histórias desses indivíduos, verificáveis em suas 
anamneses e em seus relatórios escolares, são as 
histórias de suas deficiências, de suas dificuldades, 
de seus fracassos, de suas crises emocionais e de 
suas atitudes sociais inadequadas, enquanto que 
suas vidas, fora disso, nada são, nada valem, nada 
representa (BUENO, 2004, p. 51-52). 
Com a argumentação apresentada, pretendemos 
mostrar que a relação entre a caracterização de alunos 
com problemas escolares e o consequente processo 
diagnóstico realizado pelos serviços de saúde merece 
ser colocada sob crivo crítico, tema da presente 
investigação, bem como os procedimentos realizados 
para tal esclarecimento.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 173
o camPo emPírico selecionado e 
o Procedimento avaliativo
Em 2014 o município onde se deu a pesquisa 
possuía 33.392 alunos matriculados na rede municipal 
nas modalidades de Creche, Educação Infantil, Ensino 
Fundamental I e Educação de Jovens e Adultos (EJA), 
entre os quais 905 (2,5%) eram classificados como 
alunos com deficiência1. 
Nesta rede de ensino, o processo de avaliação de 
“alunos-problema” se iniciava pelo encaminhamento 
efetuado pelo professor, com base em relatório no qual 
indicava a situação do aluno, bem como duas escalas 
por ele preenchidas: TDAH (Transtorno do Déficit de 
Atenção e Hiperatividade), elaborada por Benczik 
(2000), e SNAP (sigla com as iniciais de seus autores: 
Swanson, Noolan e Pelham), da Universidade da 
Califórnia, que justificariam seu encaminhamento para 
o diagnóstico clínico. 
A partir desse encaminhamento, os profissionais 
da saúde que atuavam no Centro de Atendimento 
Educacional Multidisciplinar (fonoaudiólogo, 
neurologista, neuropsicólogo, psicólogo, psicopedagogo) 
realizavam as avaliações específicas, ao cabo das quais 
a equipe se reunia sob a direção de uma coordenadora, 
1 Esse número é relativamente reduzido, o que parece evidenciar o esforço 
da municipalidade em não estender para todo e qualquer aluno a marca 
das “dificuldades de aprendizagem”. No entanto, quando inicialmente 
caracterizado como tal, os procedimentos parecem indicar um processo 
intenso de medicalização do baixo rendimento escolar.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial174
que mediava as discussões dos casos avaliados, e cujo 
diagnóstico era concluído na terceira semana após o 
início dessa avaliação no CAEM, em uma reunião à 
qual compareciam os responsáveis pelo estudante, o 
Assistente Pedagógico (AP) da escola e o Professor 
Assessor de Educação Inclusiva (PAEI).
Procedimentos da Pesquisa 
Inicialmente decidiu-se por realizar a pesquisa no 
período de 2007 a 2014. Entretanto, após conversa 
informal com a coordenadora do CAEM, verificou-
se que, embora este convênio tenha sido firmado em 
2007, as avaliações foram realizadas nas dependências 
da Faculdade de Medicina do ABC (com consequente 
arquivamento nessa instituição) até julho de 2012. 
Somente após este período, com a constituição do CAEM, 
as avaliações passaram a ser realizadas em prédio próprio 
da Prefeitura Municipal, onde passaram a ser arquivados 
os prontuários dos alunos com toda a sua documentação.
Ao se constatar a dificuldade de acesso à documentação 
correspondente aos anos de 2007 a 2011 – por encontrar-
se nos arquivos da Faculdade de Medicina do ABC, cujas 
exigências burocráticas inviabilizariam sua utilização em 
razão do tempo disponibilizado –, o período delimitado 
foi reduzido. Isto porque, além da facilidade de acesso à 
documentação no CAEM, a coordenação desse serviço 
informou que o processo avaliativo continuava o mesmo 
desde o início do convênio, sendo utilizadas as mesmas 
escalas, os mesmos relatórios e registros. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 175
Dessa forma, os dados referentes ao novo período 
compõem uma massa crítica suficiente para análise, 
assim como a possibilidade de estudo de uma série 
histórica de três anos. 
A coordenadora da equipe de avaliação do CAEM 
pôde esclarecer como ocorria o processo de avaliação, 
assim como informou sobre a documentação utilizada e 
os registros decorrentes deste conjunto de informações 
escritas. 
O procedimento inicial consistiu no levantamento 
do número de alunos encaminhados para avaliação 
diagnóstica no CAEM e as queixas a eles relacionadas. 
Observou-se que havia pouca variação com relação às 
queixas, sendo elas preferencialmente relacionadas à 
dificuldade escolar, à aprendizagem e ao comportamento. 
As informações como o nome dos alunos, número 
dos prontuários, ano de cada avaliação e escola que 
frequentavam encontravam-se em formato digital em 
uma única planilha. As informações relativas à idade 
e às dificuldades apresentadas foram encontradas 
nos arquivos. As demais informações necessárias 
para a pesquisa estavam nos relatórios finais com os 
diagnósticos. No entanto, muitos deles não estavam 
digitalizados.
Posteriormente verificou-se a necessidade de ampliar a 
coleta de dados, acrescentando-se o campo “Observação” 
– para registrar os alunos que estavam sendo reavaliados 
após determinado período de intervenção terapêutica, 
para verificação do potencial cognitivo ou diagnóstico 
diferencial. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial176
A partir da coleta inicial dos diagnósticos, verificou-
se a necessidade de acrescentar ao campo “Diagnóstico” 
a identificação constante na CID – Classificação 
Internacional de Doenças (OMS, 2011), distinguindo os 
que faziam ou não parte dessa padronização.
Todas essas informações constantes das fontes 
supracitadas foram inseridas em software de tratamento 
estatístico: número do prontuário, ano da avaliação, 
idade, sexo, escolaridade, escola, queixa, avaliação 
psicológica, avaliação fonoaudiológica, avaliação 
psicopedagógica, diagnóstico e encaminhamentos, que 
redundaram em tabelas e gráficos que constituíram a 
matéria-prima desta pesquisa.
a análise dos dados 
A análise dos dados foi realizada tendo como baseconceitual de referência a abordagem de Vygotsky 
(2007), na perspectiva de que o desenvolvimento e a 
aprendizagem estão inter-relacionados e ocorrem através 
de processos de interação com o outro e mediação no 
espaço social, o que implicaria abordagem pedagógica 
que, além de descrever as dificuldades da criança, 
deveria incorporar a ação do outro como constituinte 
do desenvolvimento do que o autor denomina forma de 
pensamento tipicamente humano. 
Segundo Vygotsky, a cultura exerce uma função que 
reverbera no desenvolvimento. Assim, por meio da ação 
pedagógica e pela mediação e qualificação do currículo, 
conhecendo o aluno o professor poderia dar outro 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 177
significado ao chamado baixo rendimento e priorizar a 
aprendizagem.
aPresentação e análise dos resultados 
No período estudado foram encaminhados para avaliação 
diagnóstica 593 alunos. Destes, 41 não compareceram 
e 27 não concluíram a avaliação, razão pela qual foram 
retirados da amostra. Resultaram então 525 alunos.
Os não comparecimentos após o encaminhamento 
representam 4,5% dos alunos, demonstrando o interesse 
das famílias em auxiliar na solução dos problemas 
escolares de seus filhos. Isto se contrapõe a uma visão 
bastante disseminada pelos educadores das redes oficiais 
de ensino: a de que as famílias não se envolvem nas 
questões escolares. 
Esses encaminhamentos envolveram alunos a partir 
dos 2 anos de idade até a fase adulta, com grande 
concentração na faixa etária dos 6 aos 10 anos (67,7%), 
faixa etária que compreende o início do processo 
de escolarização, no que se refere principalmente à 
alfabetização e à matemática. 
Do total dos encaminhamentos, 372 estudantes eram 
do sexo masculino, correspondendo a 2,4 meninos 
para cada menina encaminhada – muito superior às 
estimativas, que calcula essa proporção em 1,5 menino 
para cada menina encaminhada2. Apenas na faixa etária 
2 Percentuais indicados pelo Laboratório de Neurociências da Universidade 
de São Paulo (SãO PAULO, USP, 2015).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial178
correspondente ao EJA o sexo feminino foi o mais 
encaminhado. Entretanto, a população feminina desse 
município também é maior nessa faixa etária.
A apresentação e análise dos resultados foram 
efetuadas por meio de quatro eixos de análise: 1) As 
queixas dos professores; 2) Os diagnósticos psicológicos; 
3) As escalas de caracterização do TDAH; e 4) Os 
diagnósticos de deficiência intelectual.
As queixas dos professores 
A Tabela 1 apresenta as queixas por meio das quais os 
professores identificaram os problemas de seus alunos 
no relatório de encaminhamento para a equipe clínica. 
Constatou-se que nos relatórios foram apontadas 
principalmente dificuldades de comportamento e 
escolares (56%), seguidas pelas de aprendizagem 
Tabela 1 ‒ Distribuição dos encaminhamentos 
por tipos de dificuldades relatadas na queixa
Dificuldade Quant. % Cons.
Comportamento 231 28,3 28,3
Escolares 225 27,6
Aprendizagem 157 19,3
Linguagem oral e escrita 82 10,1 67,6
Funções básicas 82 10,1
Desenvolvimento 4 0,5
Suspeita de autismo 2 0,2 4,1Reavaliação 32 3,9
TOTAL 815* 100
Fonte: Dados do CAEM (2012 a 2014). Tabela elaborada pela autora. 
* O total das queixas é superior ao número de alunos porque as queixas de 
muitos relatavam mais de uma dificuldade.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 179
(19,3%) e de linguagem e funções básicas (10,1% cada). 
No entanto, se considerarmos que as categorias – que 
os docentes denominam “escolares”, “aprendizagem”, 
“linguagem oral e escrita”, “funções básicas” e 
“desenvolvimento” – reportam-se à relação ensino-
aprendizagem, pode-se verificar que as queixas se voltam 
expressivamente para o baixo desempenho de alunos nas 
atividades acadêmicas (67,6%), seguidas ao longe pelas 
de “comportamento” (28,3%). 
Se distribuirmos essas incidências conforme a progressão 
escolar dos alunos, elas se modificam expressivamente, de 
acordo com os dados apresentados na Tabela 2 a seguir. 
Em termos de curva tendencial, pode-se verificar que, nas 
três categorias de dificuldades relatadas (comportamento, 
escolares e aprendizagem), envolvendo 624 classificações 
designadas pelos professores (praticamente 80% do 
total), ocorreu um crescimento expressivo dos 2 aos 10 
anos de idade, com decréscimo significativo a partir daí.
Ou seja, a maior parte das queixas relatadas ocorreu 
quando os alunos já estavam em idade para cursar 
Tabela 2 ‒ Dificuldade relatada na queixa e agrupamentos por idade
Faixa etária
Dificuldade
2 a 4 
anos
5 e 6 
anos
7 a 10 
anos
11 a 14
anos
Acima de 
15 TOTAL
Comportamento 25 55 136 11 4 231
Escolares 1 33 167 17 9 227
Aprendizagem 1 16 128 18 3 166
Linguagem oral e escrita 13 25 39 4 1 82
Funções básicas 5 9 52 2 0 68
Desenvolvimento 2 1 1 1 1 6
Hipótese de autismo 0 1 1 0 0 2
TOTAL 47 140 524 53 18 782
 Fonte: Dados do CAEM (2012 a 2014). Tabela elaborada pela autora.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial180
o Ensino Fundamental I, com 431 do total de 524 
encaminhamentos (70%).
Além disso, enquanto os dados sobre problemas 
de comportamento mostram um crescimento menos 
acentuado (o dobro dos encaminhamentos na idade pré-
escolar em relação à idade correspondente à creche e 
menos de três vezes da idade correspondente ao Ensino 
Fundamental I em relação à da pré-escola), o aumento 
dos encaminhamentos relacionados às queixas de 
dificuldades escolares ou de aprendizagem foram mais 
exponenciais: nas dificuldades escolares – 33 vezes 
mais incidente na idade pré-escolar do que na creche e 
5 vezes maior na faixa etária correspondente ao Ensino 
Fundamental I em relação à da pré-escola; dificuldades 
de aprendizagem: 16 vezes mais incidente na idade pré-
escolar do que na creche e 9 vezes maior na faixa etária 
correspondente ao Ensino Fundamental I em relação à 
da pré-escola. 
Por fim, o número de encaminhamentos de alunos 
acima dos 15 anos é muito reduzido, não permitindo 
alguma análise tendencial de incidência. Mas soa 
estranho que, numa rede de ensino com diversos recursos, 
somente tenham sido notadas as dificuldades de 18 
alunos em idade correspondente ao Ensino Médio e EJA 
– em faixa etária que também incluiu alunos adultos.
Os diagnósticos psicológicos 
Uma das expressões mais evidentes da medicalização 
do baixo rendimento escolar diz respeito aos instrumentos 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 181
de avaliação utilizados pelo campo da psicologia, 
evidenciados na Tabela 3 abaixo. 
Esses dados evidenciam que o diagnóstico 
psicológico foi firmado basicamente por meio das duas 
Escalas Weschler de Inteligência (WISC ou WAIS, 
conforme a idade do aluno), assim como pela Escala 
de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade 
(TDAH), acima dos 80%, com os percentuais de 
utilização dos demais instrumentos evidenciando um 
uso residual. 
Se suprimirmos os 81 prontuários em que não se 
obteve informações, o uso dos testes padronizados 
entre um total de 444 alunos supera esse total (436 + 
16 + 5 = 457), evidenciando que boa parte dos demais 
testes – que não o WISC ou o WAIS – foi aplicada 
como complemento destes últimos. Além disso, 
estes resultados parecem evidenciar que as avalições 
dinâmicas aplicadas somente em 45 alunos também 
serviram de complemento a esses mesmos testes 
padronizados. 
Segundo Nascimento e Figueiredo (2002): 
Tabela 3 ‒ Distribuição das avaliações psicológicas
pelo tipo de procedimento principal
 Fonte: Dados do CAEM (2012 a 2014). Tabela elaborada pela autora.
PROCEDIMENTO PRINCIPAL Total de
Alunos
Quant. %
WISC III ou WAIS 
Escala de TDAH
525 436434
83,0
82,7525
Escala Columbia e Escala Vineland 525 16 3,0
Outros testes 525 5 0,9
Observações lúdicas associadas à história de vida 525 45 8,6
Sem resposta 525 81 15,4
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial182
Instrumentos como as Escalas Weschsler de 
Inteligência, que estão entre os mais investigados e 
usados, são geralmente adaptados para outros países. A 
prática corrente de adaptar instrumentos desenvolvidos 
e normatizados em uma determinada cultura para uso 
em outra não está circunscrita somente a pesquisas 
transculturais, mas também para uso intracultural 
(Hambleton & Bollwark, 1991). Como afirmam Van de 
Vijver e Hambleton (1996), o processo de adaptação 
de testes psicológicos apresenta dificuldades, muitas 
das quais relacionadas às diferenças entre a cultura 
de origem do teste e a cultura para onde ele está 
sendo adaptado, sendo que, quanto maior a distância 
cultural, maior o número de dificuldades em se obter 
uma versão que seja equivalente (NASCIMENTO & 
FIGUEIREDO, 2002, p. 605). 
Crítica mais contundente sobre o uso de testes 
psicométricos é apresentada por Sass, para quem a 
psicometria é discutida como conhecimento científico 
da psicologia, deliberadamente aplicado para exercer 
o controle social do sujeito, e o conjunto de estímulos 
ou itens aos quais o indivíduo deve responder – o 
teste propriamente dito – constitui um dos fatores. 
Especificamente, entende-se a psicometria como um 
elemento importante da tecnologia – aqui admitida 
como modo de produção, “como a totalidade dos 
instrumentos, dispositivos e invenções que caracterizam 
a era da máquina, é assim, ao mesmo tempo, uma forma 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 183
de organizar e perpetuar (ou modificar) as relações 
sociais, uma manifestação do pensamento e dos padrões 
de comportamento dominantes, um instrumento de 
controle e dominação” (Marcuse, 1999, p. 73) – e um 
componente decisivo da racionalidade tecnológica, 
típica da sociedade industrial e administrativa, 
visto que a formação de indivíduos adaptados a tal 
racionalidade constitui também um fator tecnológico 
e condição para pôr em funcionamento e garantir a 
reprodução do sistema social (SASS, 2011, p. 973). 
Da mesma forma, Castorina acrescenta que a 
naturalização das aquisições cognitivas nas 
intervenções acadêmicas e na intervenção profissional 
da vida psíquica poderia estar em continuidade com 
uma naturalização mais primitiva.
[...] 
As práticas psicológicas que envolvem a naturalização 
têm um preciso efeito ideológico: deixam nas sombras 
os processos e dispositivos sociais envolvidos 
(CASTORINA, 2005, p. 27).(Tradução da autora). 
do
Por fim, mesmo no campo da psicologia, o uso 
massivo de testes padronizados de inteligência deve 
ser encarado com reservas, porque, segundo Vygotsky 
(2007), medem o pensamento fossilizado, isto é, 
situações-problema solucionadas pela criança de forma 
autônoma, ou seja, correspondentes ao seu nível de 
desenvolvimento.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial184
As escalas de caracterização do TDAH 
Além de uma parte inicial de identificação do aluno, 
a escala TDAH é subdividida em quatro campos, 
dentro dos quais são dispostas alternativas variadas que 
detalham cada uma das possíveis dificuldades:
1. Déficit de atenção – itens 1 a 16; 
2. Hiperatividade/Impulsividade – itens 17 a 28; 
3. Problemas de aprendizagem – itens 29 a 42; e
4. Comportamento antissocial – itens 43 a 49.
O preenchimento dos itens desses quatro campos 
é feito por meio de escala Lickert, com as seguintes 
alternativas: DT – Discorda Totalmente, D – Discorda; DP 
- Discorda Parcialmente; CP – Concorda Parcialmente; 
C – Concorda; e CT – Concorda Totalmente. 
Além dos dados de identificação, na parte inicial 
foi incluída uma questão com cinco alternativas, para 
o professor indicar a que mais se aproxima do tipo 
de problema identificado: “é agitado”; “apresenta 
dificuldades de atenção/concentração”; “apresenta 
dificuldades para aprender”; “apresenta todas as questões 
anteriores”; “não apresenta nenhuma das anteriores”. 
Embora a última alternativa permita que o professor 
não indique nenhuma das alternativas anteriores, a 
própria disposição das quatro questões anteriores dirige 
o foco do professor para determinado tipo de problema 
sem nenhuma qualificação – como, por exemplo, se em 
todas as atividades de classe ou em situações específicas, 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 185
se em momentos mais controlados ou em espaços mais 
livres etc.
No segundo campo, denominado Déficit de Atenção, 
os dez primeiros itens procuram avaliar atitudes 
positivas dos alunos (organização do material, respostas 
coerentes, acompanha o ritmo da sala, atenção durante 
as explicações etc.). No entanto, se o professor está 
encaminhando o aluno para uma avaliação externa, 
parece evidente que é bem grande a possibilidade de o 
professor indicar que o estudante apresenta dificuldades 
em algumas delas.
A Hiperatividade e a Impulsividade são avaliadas 
no terceiro campo e se relacionam a comportamento 
agitado, instável, déficit no sistema inibitório e baixo 
controle dos impulsos. Neste campo há 12 alternativas, 
sendo 9 de comportamentos considerados inadequados 
e 3 adequados, sendo que a ordem aqui é inversa à do 
campo anterior: primeiramente são apresentados os 
comportamentos inadequados para, ao final, serem 
expostos os três itens considerados adequados, estes muito 
mais genéricos do que os comportamentos inadequados. 
Os dois últimos campos parecem induzir ainda mais a 
caracterização negativa dos alunos, pois, se o professor 
está encaminhando determinado alunos para essa 
avaliação, com certeza é porque avalia que ele apresenta 
“problemas de aprendizagem” ou “de comportamento”.
A escala SNAP foi elaborada a partir dos sintomas 
do Manual de Diagnóstico e Estatística – IV Edição 
(DSM-IV), da Associação Americana de Psiquiatria, e é 
composta por 26 questões.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial186
Segundo os autores da adaptação da escala para o 
português, existem 
vários questionários que utilizam os referidos critérios 
da DSM-IV e que são usados para rastreio, avaliação da 
gravidade e frequência de sintomas e acompanhamento 
de tratamento, podendo ser respondidos por pais e/ou 
professores. Dentre eles, destacam-se o ADHD Rating 
Scale9, o Questionário de Conners10 e o SNAP-III11 
e IV12. Todos esses questionários têm em comum a 
utilização de escores quantitativos (também chamados 
de qualificadores), isto é, escores de gravidade para 
cada um dos sintomas arrolados, ao invés do simples 
cômputo da presença dos sintomas. Em geral, quando 
é utilizada uma escala de 4 pontos, a média obtida para 
a população geral cai entre zero (not at all, rarely) e 1 
(just a little). (MATTOS et al., 2006, p. 290-291). 
Apesar de procurarem valorizar a escala – por permitir 
ao respondente qualificar o comportamento do aluno 
desde a negativa completa até a mais evidente (“nem um 
pouco”, “um pouco”, “bastante”, “sempre”) –, fica claro 
que qualquer criança mais ativa deverá se encaixar em 
alguns desses comportamentos.
A análise dos conteúdos constantes nas escalas 
TDAH e SNAP revelou que não há contextualização dos 
comportamentos elencados, bem como preocupação na 
verificação de intercorrências sociais que possam induzir 
determinados comportamentos. Outra observação dessas 
escalas, com relação à forma de aplicação, é que deve 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 187
ser preenchida somente para alunos que o professor 
pretende encaminhar para avaliação diagnóstica. Ou 
seja, se o professor considera que o aluno apresenta 
problemas que justifiquemo seu encaminhamento, 
é claro que o professor deve, mesmo que de forma 
inconsciente, se prender muito mais às questões que 
indicam comportamentos considerados inadequados.
Além disso, se o critério para caracterização do 
TDAH é o comportamento dos colegas, mas se ele é 
aplicado somente aos alunos a serem encaminhados para 
avaliação, fica evidente que essa comparação é feita de 
forma extemporânea e muito pouco precisa.
Enfim, pode-se afirmar que os instrumentos 
utilizados induzem os professores a caracterizar os 
alunos de forma completamente descontextualizada, e 
considerar que o problema está nas suas características 
pessoais, constituindo elemento fundamental para sua 
patologização. 
Os diagnósticos de deficiência intelectual 
Com relação aos procedimentos de diagnóstico 
utilizados pelas três especialidades da equipe 
multiprofissional, constatou-se, em todas elas, a utilização 
maciça de testes padronizados. Segundo Vygotsky 
(2007), esse tipo de teste não leva em consideração as 
possibilidades que os processos de mediação pedagógica 
têm de influenciar no desenvolvimento infantil, naquela 
que ele denominou como zona de desenvolvimento 
proximal.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial188
Por outro lado, fica evidente que os alunos 
diagnosticados com deficiência intelectual não deveriam 
se enquadrar nos casos mais graves, na medida em 
que os professores precisaram conviver com eles para 
levantarem suspeitas de problemas pessoais que estariam 
interferindo na escolarização.
Na Tabela 4 são apresentados os dados sobre 
esses diagnósticos, cotejados com a quantidade de 
encaminhamentos efetuados. 
Com referência aos alunos diagnosticados como 
deficientes intelectuais, a constatação inicial foi a da 
elevada incidência em relação à população encaminhada: 
atingiu praticamente 22% do total, número muito 
superior às estimativas mais tradicionais – como, por 
exemplo, a de Dunn (apud BUENO, 2004, p. 129)3, que 
afirmava que essa deficiência representava 4% do total 
de todas as excepcionalidades.
3 Embora citada por Bueno em 2004, a obra de Dunn foi traduzida e publi-
cada no Brasil em 1971 e na categoria de excepcionais incluía os alunos 
com deficiência intelectual, da fala, da audição, da visão, ortopédicos, 
além dos distúrbios de aprendizagem, emocionais e os superdotados.
Tabela 4 ‒ Distribuição dos diagnósticos de deficiência intelectual por ano
Ano Encaminhamento Diagnóstico/DI %
2012 240 31 12,9
2013 117 38 32,5
2014 168 46 27,4
TOTAL 525 115 21,9
 Fonte: Dados do CAEM (2012 a 2014). Tabela elaborada pela autora.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 189
Se os estudos e estimativas mostram que em situações de 
normalidade não há razão plausível que justifique o aumento 
de deficiências – a não ser em períodos específicos de eventos 
concretos como, por exemplo, quando se disseminou o uso 
da talidomida ou nas epidemias de meningite –, pode-se 
afirmar que o processo de patologização de alunos com 
baixo rendimento escolar se intensificou.
Na Tabela 5, a seguir, verifica-se a distribuição 
do diagnóstico de Deficiência Intelectual por etapa e 
modalidade de ensino. 
Tabela 5 ‒ Diagnóstico de deficiência intelectual por faixa etária
Idade Quant. %
4 3 2,6
5 6 5,2
6 11 9,6
7 14 12,2
8 19 16,5
9 23 20,0
10 8 7,0
11 13 11,3
12 5 4,3
13 3 2,6
14 2 1,7
15 1 0,9
16 2 1,7
17 1 0,9
Adulto 4 3,5
TOTAL 115 100
 Fonte: Dados do CAEM (2012 a 2014). Tabela elaborada pela autora.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial190
Há elevada concentração de alunos diagnosticados 
como Deficientes Intelectuais quando frequentavam o 2º 
ciclo do Ensino Fundamental, ou seja, 3º, 4º e 5º anos, 
totalizando 59,2%. Esse dado intriga, na medida em que 
esses alunos não foram encaminhados para avaliação nos 
primeiros anos de escolarização, incluindo a Educação 
Infantil, permitindo supor ser mais um problema de 
baixo rendimento escolar do que de deficiência.
Vale a pena destacar, também, a incidência de 
diagnósticos de deficiência intelectual em alunos com 
mais de 12 anos de idade, incluindo aqui quatro adultos, 
ou seja, é paradoxal que uma rede que se funda na máxima 
de igualdade de oportunidades constate que 18 alunos 
sejam identificados como tal, o que redunda em duas 
possibilidades: ou os diagnósticos estão equivocados ou 
houve negligência do sistema de ensino em não efetuar 
esse diagnóstico em idade mais precoce.
considerações finais 
Os dados apresentados e analisados acima evidenciam 
que tanto o processo de encaminhamento de alunos 
caracterizados pelos docentes como “problemas”, 
quanto os diagnósticos dos serviços de saúde expressam 
o movimento de patologização do fracasso escolar, 
na medida em que todos os 525 alunos encaminhados 
foram diagnosticados como apresentando algum tipo de 
problema, quer sejam de ordem física, comportamental 
ou de aprendizagem e, entre eles, 115 foram classificados 
como alunos com deficiência intelectual.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 191
Cabe ressaltar, nestas considerações finais, que tanto 
os educadores como os profissionais clínicos da rede de 
ensino investigada expressam compromisso efetivo com 
a qualidade do ensino e acreditam que a relação entre a 
escola e o sistema de saúde contribuem para o melhor 
atendimento de alunos com problemas.
Ou seja, não se pretende aqui avaliar especificamente 
esses órgãos, mas tomá-los como expressão de uma 
perspectiva que tem se mostrado hegemônica em grande 
parte dos países tanto do Norte quanto do Sul, tal como 
afirma Castorina ao estabelecer relação entre a atividade 
acadêmica e profissional da psicologia e a sociedade 
calcada na mercadoria: 
[...] na vivência dos agentes sociais, os fenômenos 
psicológicos também lhe aparecem como determinado 
por causas internas., excluindo suas relações com 
a sociedade e sua história. Pode-se hipotetizar que 
a estrutura de nossa sociedade coisifica não só as 
atividades sociais propriamente ditas, mas também os 
fenômenos psicológicos que estão inextricavelmente 
associados com o contexto cultural e as práticas 
sociais (CASTORINA, 2005, p. 26). (Tradução da 
autora). 
Com base nessa argumentação, o autor conclui que, no 
caso das crianças “deficitárias”, a naturalização de suas 
dificuldades oculta a distribuição do capital cultural 
ou das medidas sociais que influem sobre seu acesso 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial192
diferencial a este capital. Isto é, o que estes mecanismos 
interferem nas suas dificuldades. Em síntese, tanto a 
origem como os efeitos da naturalização permanecem 
em grande parte desconhecidos para os próprios 
psicólogos (CASTORINA, 2005, p. 27). (Tradução da 
autora). 
Para finalizar este artigo, cabe reiterar a assertiva 
de Skrtic (1996), de que avanços no conhecimento 
prático da relação entre processos de escolarização e 
fracasso escolar parecem não pôr em xeque o que ele 
cunhou como “conhecimento teórico”, na medida em 
que as bases fundamentais permanecem as mesmas: as 
possibilidades de aprendizagem e de sucesso escolar, 
de todo e qualquer aluno, decorrem unicamente de dons 
individuais. 
referências 
BENCZIK, E. Manual da Escala de Transtorno de Déficit de 
Atenção/Hiperatividade: versão para professores. São Paulo: Casa 
do Psicólogo, 2000.
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PARTE TRÊS
DEFICIÊNCIA, POLÍTICAS E
MEIO SOCIAL 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial196
CAPÍTULO 6 
EDUCAÇÃO DE ADULTOS COM DEFICIÊNCIA 
INTELECTUAL GRAvE: ENTRE A EXCLUSÃO 
SOCIAL E O ACESSO AOS DIREITOS DE 
CIDADANIA 
luCélia Fagundes Fernandes noronha 
introdução 
Este estudo propõe discutir algumas questões 
envolvidas na compreensão e concretização da inclusão 
social das pessoas com deficiência. Para tanto, elegeu-se 
um grupo de pessoas com deficiência intelectual grave, 
educadas em instituição especializada. 
É importante ressaltar que, no momento atual, há uma 
tendência mundial que defende a inclusão escolar para 
todas as pessoas, sem restrição. No Brasil, essa posição é 
representada por autores como Sassaki (2006) e Mantoan 
(2008), entre outros. 
Segundo Sassaki (2006), uma escola inclusiva parte 
do pressuposto de que toda criança poderá estudar nela, 
que deverá estar disposta a se modificar para aceitar 
qualquer pessoa, buscando novas formas de ensinar, 
avaliar e designar atividades. Em síntese, seu papel é o 
de se adaptar aos alunos, e não esperar que os alunos a 
ela se adaptem. 
Em consonância, Mantoan (2008) considera que 
os caminhos até então percorridos para que a escola 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 197
brasileira acolha todos os alunos, indistintamente, têm 
se chocado com o caráter excludente, segregativo e 
conservador do nosso ensino. A autora afirma que 
a inclusão questiona não somente as políticas e 
organização da educação especial e da regular, mas 
também o próprio conceito de integração. Ela é 
incompatível com a integração, já que prevê a inserção 
escolar de forma radical, completa e sistemática. Todos 
os alunos, sem exceção, devem frequentar as salas de 
aula do ensino regular (MANTOAN, 2006, p.19). 
Em contraposição, para Bueno (2009) a educação 
inclusiva, por sua vez, não se efetuará simplesmente 
por decreto, sem que se avaliem as reais condições que 
possibilitem a inclusão gradativa, contínua, sistemática 
e planejada de crianças com necessidades educativas 
especiais nos sistemas de ensino. 
Deve ser gradativa, para que os sistemas de ensino 
possam ir se adequando às novas determinações, 
construindo novas práticas políticas, institucionais e 
pedagógicas, que garantam melhorias na qualidade de 
ensino para todos os alunos, não só para o alunado com 
necessidades educativas especiais.
Deve ser contínua no sentido tanto da ampliação 
constante do processo de inclusão, como na garantia de sua 
efetividade, considerando as realidades e necessidades 
concretas do alunado, de professores e escolas, para que 
não se baseie novamente nas dificuldades genéricas de 
alunos, professores e escolas. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial198
A inclusão dos alunos com deficiência na rede regular 
de ensino – sem uma reestruturação de suas práticas 
políticas, institucionais e pedagógicas – pode redundar 
em fracasso, pois este sistema apresenta problemas 
graves de qualidade, expressos pelos altos níveis de 
analfabetismo funcional, repetência, evasão e baixos 
níveis de aprendizagem.
Nessa perspectiva, acredita-se que a maior parte das 
pessoas com deficiência tem condição de ser incluída na 
rede regular de ensino. No entanto, uma pequena parcela 
dessa população – adultos e jovens que apresentam 
limitações extremas em sua capacidade adaptativa, e que 
praticamente não reúnem condições para executarem 
tarefas simples do dia a dia – pode não apresentar 
condições de usufruir dos benefícios da escola tal como 
ela está configurada, considerando idade e série.
Ao defender a igualdade de direitos e a cidadania 
dessas pessoas, não se pretende que lhes sejam oferecidas 
as mesmas oportunidades de acesso à escolarização 
formal ou de acesso ao mercado de trabalho. Propõe-se 
que seja assegurado o acesso a serviços de qualidade, 
capazes de atender às suas necessidades, para que vivam 
com dignidade e melhor qualidade.
Não se trata também de se opor à inclusão escolar 
e social da pessoa com deficiência, pois continua a 
ser um importante princípio norteador na sociedade a 
possibilidade de essas pessoas levarem uma vida o mais 
parecida possível com a das pessoas comuns. Reitera-se, 
porém, que a inclusão escolar da pessoa com deficiência 
pode ser tratada como um direito para quem possa se 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 199
beneficiar, e não um dever ao qual todos devem aderir 
sem discutir, sem questionar.
São muitas as discussões a respeito de legislações 
e documentos norteadores das propostas de educação 
inclusiva. Entre divergências e convergências de 
ambiguidades interpretativas, entretanto, parece 
evidente que, de alguma forma, esse material contempla 
a individualidade e reconhece a necessidade de 
diferentes ambientes de ensino, cuja tônica central é o 
atendimento de todos os alunos, preferencialmente, na 
rede regular de ensino, tal como dispõem a Declaração de 
Salamanca (Conferência Mundial sobre Necessidades 
Educacionais Especiais, 1994), a Constituição Federal 
(BRASIL, 1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da 
Educação Nacional (BRASIL, 1996). 
Considerando que, de acordo com os princípios 
básicos dos direitos humanos, todo ser humano tem 
direito às condições básicas de vida, não bastaque uma 
proposta educacional voltada a essa população garanta 
sua presença no ambiente escolar: deve-se proporcionar 
seu desenvolvimento e aprendizagem, contribuindo 
decisivamente para a melhoria de sua qualidade de 
vida.
Mediante o exposto acima, configura-se o seguinte 
problema de pesquisa: O acesso à cidadania – no sentido 
de garantir os direitos humanos de jovens e adultos 
com deficiência intelectual grave – é ampliado com a 
organização estrutural e práticas educativas correntes 
de instituição especializada, como espaço único de 
vida e interação social.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial200
Nessa perspectiva o estudo teve por objetivo: 
Descrever, classificar e analisar as práticas sociais e 
educativas levadas a efeito em instituição especializada, 
na educação de pessoas com deficiência intelectual grave, 
que aí residem, no sentido de verificar se propiciam 
autonomia a esses residentes e, consequentemente, a 
ampliação de seu acesso aos direitos humanos.
A coleta de dados foi realizada por meio dos 
seguintes procedimentos:
1. Análise dos documentos organizadores da 
instituição e das propostas, relatórios e avaliações 
de atividades educacionais e sociais; 
2. Levantamento e análise das trajetórias desses 
educandos, envolvendo as distintas atividades 
em que se envolveram/envolvem no dia a dia da 
instituição, que evidenciam suas possibilidades e 
limites de aprendizagem;
3. Levantamento, descrição e análise de atividades 
específicas (práticas educativas) propostas pela 
instituição a diferentes residentes, evidenciando os 
objetivos da proposta, aplicação, tempo e resultados;
4. Levantamento, descrição e análise de atividades 
recreativas fora do espaço institucional, 
procurando evidenciar a dinâmica da atividade, o 
comportamento e participação dos residentes e a 
estrutura e preparação da instituição para realização.
Esta investigação foi levada a efeito em entidade 
filantrópica criada em 1971 pela iniciativa de um grupo 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 201
de pais de pessoas com deficiência intelectual grave, 
sob a justificativa de criar um espaço institucional que 
pudesse favorecer o desenvolvimento de seus filhos, 
bem como propiciar-lhes bem-estar e segurança. 
A escolha de uma instituição privada não deve e não 
pode ser entendida como uma defesa da filantropia. Ela 
foi utilizada como campo empírico desta investigação 
em razão das adequadas condições estruturais e de 
funcionamento, e pela absoluta ausência do Estado 
na manutenção de espaços educacionais qualificados 
voltados a essa população. 
Os dados foram analisados com base nas contribuições 
teóricas de Martuccelli, Cury e Bittar, no que tange aos 
direitos de cidadania e educação; nas perspectivas teóricas 
de Martins, com respeito à exclusão e inclusão social; e, 
nas concepções de Vygotsky sobre desenvolvimento e 
aprendizagem. 
deficiência intelectual grave e PossiBilidades de 
aPrendizagem 
A partir de 1992, a Associação Americana de 
Deficiência Mental (AAMR/AAIDD) passou a considerar 
a deficiência intelectual não mais como um traço absoluto 
da pessoa que a tem, mas como uma das características 
que tem ao interagir com o seu meio ambiente físico 
e humano. Por sua vez, o ambiente deve se adaptar às 
necessidades especiais dessa pessoa, provendo-lhe o 
apoio intermitente, ilimitado, extensivo ou permanente de 
que ela necessita para funcionar nas áreas de habilidades 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial202
adaptativas: comunicação, cuidado pessoal, habilidades 
sociais, vida familiar, uso comunitário, autonomia, saúde 
e segurança, funcionalidade acadêmica, lazer e trabalho.
Sob essa perspectiva, considera-se com deficiência 
intelectual grave o sujeito que apresenta necessidades de 
apoio permanente para desenvolvimento de habilidades 
adaptativas. 
Nesse sentido, se pretendemos analisar práticas 
educativas concretas voltadas a pessoas com deficiência 
intelectual grave, em instituição especializada, para 
verificar até que ponto elas oferecem oportunidade para 
a ampliação de seus direitos humanos e de cidadania, há 
que se levar em consideração seus limites e possibilidades 
intelectuais, perspectiva para a qual são importantes as 
contribuições de Vygotsky (1997, 1983, 2003). 
direitos humanos, educação, inclusão social e 
exclusão social 
Na perspectiva de Martins (2009), não existe 
exclusão social, pois os problemas estão na inclusão, já 
que, para ele, todas as pessoas estão, de alguma forma, 
incluídas no meio social. Para o autor, as situações 
consideradas como de exclusão nada mais são do 
que ajustamento econômico, social e político: o que 
se denomina “exclusão” é “na verdade, o contrário 
da exclusão. Vocês chamam de exclusão aquilo que 
constitui o conjunto das dificuldades, dos modos e 
dos problemas de uma inclusão precária, instável e 
marginal” (MARTINS, 1999, p. 26).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 203
Segundo Cury (2005), políticas inclusivas supõem 
uma adequação efetiva ao conceito avançado de 
cidadania determinado pelo ordenamento jurídico do 
país; compreendendo a educação escolar como um 
espaço privilegiado para reafirmar a expansão do conceito 
para além dos direitos políticos de votar e ser votado, 
colocando-o à luz dos direitos humanos, nesse sentido, 
cidadania e nação são construções históricas, mas não 
são objetos de uma relação imanente e ontológica. 
Ainda segundo esse autor, avançar no conceito de 
inclusão supõe a generalização e a universalização de 
um conceito contemporâneo de direitos humanos, cujo 
lastro transcende o liame tradicional e histórico entre 
cidadania e nação: “colocar políticas inclusivas à luz 
da espécie humana é pô-las sob a guarda dos direitos 
humanos, cujo espectro e âmbito de aplicabilidade 
incorporam e transcendem os direitos dos cidadãos 
em seus espaços nacionais” (CURY, 2005, p. 12). Tal 
como afirma Bobbio(2004), “direitos do homem são 
aqueles cujo reconhecimento é condição necessária 
para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para 
desenvolvimento da civilização” (BOBBIO, 2004, p. 17).
Entender cidadania, para além da existência de 
direitos políticos, é uma questão preliminar importante 
para a construção desta reflexão. 
Segundo Bittar (2006), em decorrência da tradição 
moderna, a ideia de cidadania trouxe importantes 
aquisições para a experiência histórica das democracias, 
mas em parte não contemplou certas indagações que, 
constantemente, incomodam as práticas políticas: “Num 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial204
conceito mais político-jurídico tradicional, ser parte de 
um Estado soberano, cuja adesão lhe concede um certo 
status, bem como votar e poder ser votado, são as únicas 
condições para a definição de cidadania” (BITTAR, 
2006, p. 2).
Deve-se, portanto, superar a dimensão tradicional do 
conceito de cidadania, buscando superar suas limitações 
e deficiências, expandindo-o no sentido dos grandes 
dilemas políticos e contemporâneos, dos grandes 
desafios históricos desejados dos direitos humanos.
Os direitos das pessoas com deficiência vêm ganhando 
força na sociedade, de um lado pelos movimentos sociais 
em prol das minorias exploradas e expropriadas e, de 
outro, pelas próprias exigências da sociedade moderna 
de, continuamente, necessitar de indivíduos mais bem 
qualificados para exercer até atividades laborais muito 
simples. 
Apesar de os documentos internacionais e de a 
legislação e normas nacionais considerarem que existem 
determinadas deficiências que impedem uma inclusão 
escolar qualificada, formaram-se duas correntes entre os 
estudiosos: uma que defende a inclusão total e radical 
(SASSAKI, 2006; MANTOAN, 2006, 2008) e outraque, apesar de defender a inclusão escolar, considera 
que determinados sujeitos não reúnem condições para 
usufruir o que a escola regular pode oferecer (BUENO, 
1999, 2008; MENDES, 2006).
Entretanto, nenhuma dessas correntes tem se 
voltado ao estudo de pessoas com graves deficiências 
intelectuais, características das quais decorrem prejuízos 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 205
quase intransponíveis para o aprendizado de habilidades 
sociais básicas e de conteúdos escolares. 
Assim, cabe pôr em discussão o que se entende por 
direito à educação. Segundo Cury (2008), a educação 
escolar veio se constituindo como um dos direitos mais 
importantes da cidadania por suas funções maiores, 
quais sejam: ensino, aprendizagem e cidadania. Ele 
problematiza uma das questões centrais da cidadania: a 
relação entre o direito à igualdade e o direito à diferença: 
A dialética entre o direito à igualdade e o direito à 
diferença na educação escolar como dever do Estado e 
o direito do cidadão não é uma relação simples. De um 
lado é preciso fazer a defesa da igualdade como princípio 
de cidadania, da modernidade e do republicanismo. A 
igualdade é o princípio tanto da não discriminação quanto 
ela é o foco pelo qual homens lutaram para eliminar os 
privilégios de sangue, de etnia, de religião ou crença. Ela 
é o norte pelo qual as pessoas lutam para ir reduzindo as 
desigualdades e eliminando as diferenças discriminatórias. 
Mas isso não é fácil, já que a heterogeneidade é 
visível, é sensível, é imediatamente perceptível, o que 
não ocorre com a igualdade (CURY, 2002, p. 255). 
Dessa forma, a defesa da diferença não pode 
negar o direito à igualdade pois, em uma sociedade 
democrática, qualquer forma de discriminação sempre 
deve ser proibida. No entanto, parece absurdo pensar em 
igualdade absoluta, com a imposição de leis sobre todas 
as pessoas em todas as situações. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial206
Nesse sentido, apesar de reconhecer que o direito 
à diferença não pode deixar de ser levado em conta, o 
autor considera que “um tratamento diferenciado só se 
justifica perante uma situação objetiva e racional e cuja 
aplicação considere o contexto mais amplo” (CURY, 
2002, p. 256).
Para ele, o direito à diferença baseia-se no princípio 
da equidade, de forma que, como já se afirmava na 
Antiguidade Clássica, uma das formas de se fazer justiça 
é “tratar desigualmente os desiguais”: 
[...] a equidade não é uma suavização da igualdade. 
Trata-se de conceitos distintos porque estabelece uma 
dialética com a igualdade e a justiça, ou seja, entre 
o certo justo e o equitativo. Esse é o momento do 
equilíbrio balanceado que considera tanto as diferenças 
individuais de méritos quantos as diferenças sociais. 
Ela visa, sobretudo, à eliminação de discriminações 
(CURY, 2005, p. 15). 
No Brasil, a polêmica instaurada a respeito da 
inclusão de alunos com deficiência na escola regular tem 
sido muito forte entre aqueles que propugnam por uma 
inclusão total, como Mantoan (2006, 2008) e Sassaki 
(2006), e aqueles para quem a abertura de possibilidades 
de ensino especial, em determinados casos, é aceita 
(BUENO, 1999, 2008; MENDES, 2006).
O fato é que, tanto a Constituição Federal quanto 
a LDBEN, assim como o Estatuto da Criança e do 
Adolescente, bem como as recomendações internacionais 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 207
como a Declaração de Salamanca, em casos excepcionais 
permitem o encaminhamento de alunos para sistemas 
especiais.
Quem tem usufruído dessas possibilidades? No caso 
das deficiências sensoriais e físicas não neurológicas, 
com certeza as empresas privadas e profissionais 
prestadores de serviços de saúde, aliados a escolas 
privadas de elevada qualidade e correspondente custo 
financeiro.
No caso das deficiências intelectuais e físicas de 
fundo neurológico mais graves, esse atendimento está 
distribuído entre instituições filantrópico-assistenciais 
e raríssimas instituições residenciais, de alto custo de 
manutenção e, portanto, dirigidas às camadas sociais de 
alto poder aquisitivo.
método 
Esta investigação não pretende discutir se a 
instituição especializada pode ou não atender de forma 
mais qualificada pessoas com deficiência mental 
grave. Pretende, sim, utilizar a instituição como campo 
empírico de pesquisa, visando analisar as práticas sociais 
e educacionais ali desenvolvidas, no sentido de acesso 
aos direitos de cidadania de pessoas com prejuízos de 
cognição graves e evidentes, que podem expressar seus 
limites e que impedem sua inclusão no ensino regular.
Nesse sentido, em primeiro lugar procuramos 
caracterizar o processo pelo qual foram obtidos os 
dados (para análise) das práticas sociais e educativas 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial208
desenvolvidas na instituição, bem como o desempenho 
desses sujeitos no sentido de verificar suas potencialidades 
e limitações.
Para tanto, procuramos caracterizar o campo 
empírico em que ocorreu a investigação, seguido pela 
caracterização dos residentes e, por fim, os procedimentos 
de coleta de dados utilizados. 
descrição do camPo emPírico 
A investigação foi levada a efeito em uma entidade 
filantrópica criada em 1971, pela iniciativa de um grupo 
de pais de pessoas com deficiência intelectual grave, 
sob a justificativa de constituir um espaço institucional 
que pudesse favorecer o desenvolvimento de seus filhos, 
bem como propiciar-lhes bem-estar e segurança. 
A orientação inicial de seus fundadores foi a de 
implantar o sistema de MINICOMUNIDADE – 
pequenos lares para deficientes mentais profundos –, 
com no máximo 12 residentes em cada um. A ideia 
era de que funcionaria como um lar-escola, onde os 
internos passariam praticamente toda a sua vida, com 
raros momentos de visitas de familiares e praticamente 
nenhum retorno à residência familiar.
caracterização dos sujeitos 
No momento de realização da pesquisa (2012), a 
instituição atendia oito residentes, dos quais eram três 
homens e cinco mulheres, com idades entre 30 e 55 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 209
anos. Três deles foram encaminhados para a instituição 
em 1971 e aí residem desde essa época. Os outros cinco 
residentes ingressaram na instituição respectivamente 
em 1982, 1984, 1999, 2008 e 2011.
Procedimentos de coleta de dados 
Conforme a proposta da pesquisa, foram utilizados 
fundamentalmente os registros existentes na instituição, 
uma vez que praticamente todas as atividades 
desenvolvidas são anotadas pelos profissionais que 
trabalham com os residentes. Então, por meio de análise 
de conteúdo, procurou-se compreender o fenômeno 
estudado para além dos seus significados imediatos. 
A localização dos documentos que compõem o corpus 
do estudo seguiu as seguintes etapas:
• levantamento preliminar dos registros e relatórios da 
instituição;
• leitura exaustiva dos relatórios e registros da instituição, 
tanto com relação à sua organização, quanto com 
relação aos residentes; e
• seleção, organização e descrição dos documentos, que 
compõem o corpus deste estudo.
No início de 2010, na configuração das primeiras 
proposições e elaboração do projeto de pesquisa, foi 
feito um levantamento dos registros e relatórios nos 
arquivos da instituição, no intuito de verificar se o acervo 
permitiria trabalhar nessa perspectiva. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial210
A leitura exaustiva dos documentos, bem como a 
seleção, organização e descrições do corpus do estudo 
configuraram-se, no decorrer de 2012. 
No intuito de buscar respostas às perguntas 
norteadoras desse estudo foi organizado um conjunto de 
dados subdivididos em dois eixos:
• primeiroeixo – padrão de vida dos residentes na 
instituição;
• segundo eixo – atividades educativas desenvolvidas 
pela instituição.
A intenção era de que o material coletado em cada 
um desses eixos fosse organizado em categorias que 
expressassem, de um lado, a qualidade de vida dos sujeitos 
e, de outro, as atividades desenvolvidas, considerando 
tanto a finalidade e procedimentos utilizados, quanto o 
desempenho dos sujeitos. 
Padrão de vida dos residentes 
Para evidenciar o padrão de vida dos residentes 
na instituição, optamos por organizar e apresentar 
informações oriundas das seguintes fontes:
A – A programação da rotina diária da instituição e dados 
dos relatórios da psicopedagoga responsável pelo 
andamento geral da instituição; 
B – Dados dos relatórios individuais diários dos residentes, 
escritos ao final de cada dia pela atendente educacional 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 211
(cuidadora) responsável pelo plantão. O objetivo 
principal é informar as atendentes educacionais que 
assumem o plantão noturno e o plantão do dia seguinte 
sobre as atividades desenvolvidas e os comportamentos 
dos residentes, para que se possa dar continuidade ao 
trabalho desenvolvido. Nesta pesquisa, apresentaremos 
apenas três relatórios sobre residentes diferentes e dias 
diferentes, tomados aleatoriamente. 
C – Episódios relatados nos registros de ocorrências também 
foram aleatoriamente tomados. Neles são registradas 
as manifestações de agressão, autoagressão, variações 
no quadro geral de comportamento – relatadas por 
profissional presente na situação. 
A rotina diária da instituição evidencia um elevando 
padrão de vida dos residentes. Embora segregados e 
submetidos a uma rotina rígida, eles recebem cuidados 
praticamente individualizados. Há sempre algum 
funcionário para ajudá-los nas atividades que eles não 
têm como executar com independência e há supervisão 
nas que conseguem fazer sozinhos – com o objetivo de 
manter a integridade de cada um. 
A alimentação é balanceada, incluindo o que há de 
mais inovador acerca de nutrição funcional, priorizando 
produtos orgânicos, grãos, sem glúten e o mais natural 
possível. A cada seis meses a nutricionista solicita 
exames de todos os residentes e, a partir dos resultados, 
os cardápios são reformulados de acordo com a 
necessidade nutricional de cada um. Há também uma 
preocupação com os alimentos que podem influenciar o 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial212
comportamento dos residentes ou provocar alteração de 
humor. Há que se considerar que pouquíssimos brasileiros 
têm o privilégio de usufruir de um cardápio tão variado 
e nutritivo – tanto pelo elevado custo, quanto pela 
necessidade de uma rotina, disponibilidade de tempo, 
organização e disciplina para seguir rigorosamente as 
orientações de tal educação alimentar. 
Buscar mantê-los ocupados na maior parte do tempo 
– tanto nas atividades laborais mais simples como 
cuidar de si, nas atividades rotineiras da casa, atividades 
individuais ou em grupo, propostas pelos técnicos e 
educadores – podem propiciar autonomia aos sujeitos, 
ainda que limitada.
A rotina da instituição e as atividades propostas 
são elaboradas e acompanhadas por uma equipe 
multidisciplinar, composta por profissionais da saúde e 
educação, com formação e experiência em deficiência 
intelectual – aspecto relevante, já que muitas queixas em 
relação à educação inclusiva referem-se ao despreparo e 
à falta de formação dos profissionais. 
Algumas atividades programadas ocorrem fora do 
espaço institucional. Existem também passeios e saídas 
periódicas para consultas a médicos e dentistas, exames 
e visitas a familiares. Em relação às visitas de familiares 
aos residentes, não há restrição de dia e horário por parte 
da instituição, mas a maioria delas ocorre nos fins de 
semana e datas festivas. 
Os dados revelam uma engrenagem, um sistema 
voltado exclusivamente para as necessidades dessas 
pessoas. Esse sistema parece oferecer o que as famílias 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 213
contemporâneas – nas quais cada um de seus membros 
tem inúmeros afazeres – não têm condições de oferecer. 
Isso talvez explique a opção de encaminhar para uma 
instituição especializada um membro familiar que 
apresente deficiência intelectual grave. 
relatórios diários individuais 
Com relação à qualidade de vida e autonomia dos 
residentes, os relatórios individuais mostram uma 
rotina diária e o elevado padrão de vida dos residentes. 
Descrevem um ambiente acolhedor e agradável, além 
do cuidado individual, amparo e apoio dos atendentes 
sempre que necessário. Percebe-se o empenho em 
desenvolver as possibilidades de cada um. Ao retomar 
essa rotina, cada residente reconhece o espaço como seu, 
sua casa. 
Do ponto de vista das atividades educativas, percebe-
se o empenho em desenvolver as possibilidades de cada 
um, considerando suas limitações, e procurando oferecer 
a mediação necessária. As atividades são propostas com 
vistas aos possíveis ganhos em autonomia, mediante a 
participação e o envolvimento do residente. 
relatórios de ocorrências 
Os relatórios de ocorrências mostram que na 
instituição, embora o ambiente seja acolhedor e 
agradável, é também marcado por momentos de tensão e 
acontecimentos peculiares. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial214
Nas ocorrências relatadas, há intervenções imediatas 
dos profissionais, com a preocupação evidente em manter 
a integridade física e psicológica de todos. Mas também 
revela que os profissionais têm equilíbrio, formação 
adequada e afeto. Além de proteção e cuidado, percebe-
se um esforço em ouvir e acolher as manifestações dos 
residentes e seus desejos, expressos nas mais diversas 
formas de comunicação com o mundo que os cerca. 
atividades educativas (formalizadas) e desemPenho 
dos residentes 
Há de se considerar, então, que os dados evidenciam 
aprendizagem, desenvolvimento e autonomia, ainda que 
construídos lentamente, por intermédio da mediação dos 
profissionais.
Percebe-se que alguns residentes recebem as 
atividades propostas com flexibilidade e interesse e as 
reconhecem como benefício – a proposição de novas 
atividades é feita com justificativas, são contextualizadas 
e não determinadas pela rigidez curricular burocratizada. 
atividades não rotineiras 
As atividades de rotina diária fora da instituição 
e atividades não rotineiras evidenciaram ganhos 
terapêuticos e de lazer, e mostraram também que a 
instituição busca ampliar o quanto possível o convívio 
social dos residentes. No entanto, por mais que se fale 
que estamos vivendo um momento privilegiado, com a 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 215
mobilização da sociedade para incluir todas as pessoas, 
os dados apresentados pela instituição parecem indicar 
que isso ainda é algo distante.
Considerando a trajetória de cada um dos residentes, 
os relatos e comentários dos familiares e dos profissionais 
que participaram da atividade – descrevendo o 
comportamento dos residentes – é possível afirmar que o 
trabalho da instituição contribui significativamente para 
o desenvolvimento da autonomia, o que redunda em 
ampliação, mesmo que pequena, dos direitos humanos e 
de cidadania desses sujeitos. 
considerações finais 
A opção pelo tema constituiu-se um desafio, pois, 
com mais de dez anos de trabalho com pessoas com 
deficiência intelectual grave – e simultaneamente 
refletindo sobre esse trabalho por meio do conhecimento 
acadêmico (na graduação, no mestrado e no doutorado) 
–, foi possível acompanhar avanços acerca da inclusão 
escolar da pessoa com deficiência. 
Se por um lado a legislação e documentos 
norteadores da proposta indicavam possibilidadesde diversos ambientes de ensino – ressaltando que 
deve ocorrer, preferencialmente, na rede regular –, 
por outro lado, no meio acadêmico cristalizaram-se 
duas correntes teóricas: uma que defende a inclusão 
como um direito, mas que vislumbra uma educação de 
qualidade para todas as pessoas, e outra que defende 
a inclusão total e incondicional, blindada às críticas, 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial216
transformando debates em embates, desconsiderando 
possibilidades de discussão e, principalmente, 
embutindo na sociedade a proposta de educação 
inclusiva como unanimidade, transformando-a num 
tema recorrente e polêmico. 
Assim, foi de fundamental importância a possibilidade 
de produzir algum conhecimento acerca da educação 
especial para além dos estudos amplamente difundidos e 
constantemente pesquisados sobre a inclusão da pessoa 
com deficiência no ensino regular. 
Os dados revelaram que as pessoas com deficiência, 
da instituição pesquisada, vivem em ambiente segregado 
e não frequentam a rede regular de ensino, porém têm 
um elevado padrão de vida e estão inseridos em uma 
rotina diária, voltada exclusivamente ao atendimento de 
suas necessidades, visando à ampliação de acesso aos 
seus direitos humanos e à cidadania. Sendo assim, não 
estão excluídos socialmente – muito pelo contrário, têm 
uma qualidade de vida muito melhor que milhões de 
brasileiros.
Sobre esses aspectos, é possível uma aproximação 
com as considerações de Martins (2009), ao definir 
exclusão social como um conceito vazio. O autor afirma 
que o discurso atual sobre exclusão é, basicamente, 
um equívoco. Diz ainda que há uma fetichização 
conceitual da exclusão, elegendo-a como uma palavra 
mágica que explicaria tudo. Sendo assim, torna-se 
um conceito insuficiente e equivocado: “O conceito é 
inconceitual, impróprio e distorce o próprio problema 
que pretende explicar” (MARTINS, 1999, p. 27). 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 217
Desse modo, podemos deslocar o eixo da discussão de 
segregação como sinônimo de exclusão, para discutir que 
estar socialmente incluído pode ir além do estar junto, de 
frequentar o mesmo espaço educacional. Pode ser, talvez – 
dependendo das limitações e condições de vida do sujeito 
–, a possibilidade de se desenvolver, de aprender e viver 
dignamente, tendo seus direitos humanos garantidos. 
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a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 223
CAPÍTULO 7 
SURDEz, TRAJETÓRIAS SOCIAIS E A 
CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES 
Carla Cazelato Ferrari 
introdução 
A despeito de inúmeras medidas políticas que 
emergiram de um movimento sociopolítico de 
reivindicação de uma cultura própria da surdez, a 
educação de surdos no Brasil vem sofrendo mudanças 
nos últimos vinte anos com relação à prática de 
ensino nas escolas especializadas decorrente de 
uma perspectiva de ensino bilíngue1 que tem por 
base a vertente socioantropológica da surdez.
O reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais 
– Libras, pela Lei n° 10.436 (BRASIL, 2002), como 
meio legal de comunicação e expressão oriunda das 
comunidades surdas, o Decreto n° 5.626 (BRASIL, 
2005), que regulamenta a inclusão desta língua como 
disciplina obrigatória em cursos de nível médio 
e superior de formação de professores, além da 
regulamentação da profissão do tradutor intérprete 
pela Lei n° 12.319 (BRASIL, 2010), deflagram a 
1 O ensino bilíngue para surdos constitui-se no Brasil pelo aprendizado da 
língua portuguesa somente em modalidade escrita e da Língua Brasileira 
de Sinais, tal como a legislação destacada no parágrafo seguinte. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial224
mobilização em prol dos indivíduos que utilizam 
a Libras como forma prioritária de comunicação. 
Apesar de hegemônicos – tanto o movimento dos 
surdos em prol de uma cultura e identidade próprias, 
caracterizadas pela utilização da língua de sinais, quanto 
o movimento acadêmico que procurou dar sustentação 
teórica a essa perspectiva – encontraram opositores, 
seja por surdos que defendem a oralização, seja por 
pesquisadores que colocam em xeque a visão da surdez 
como diferença que se expressa por uma cultura própria, 
apartada e antagônica à cultura ouvinte2. 
Cabe levar em conta que aqueles que sinalizam 
compõem somente uma parcela das pessoas com perda 
auditiva profunda ou severa bilateral3. 
É dizer, nem todos os indivíduos surdos comunicam-se 
por meio da Libras, o uso da fala e leitura labial constitui-
se como modo de comunicação eficiente entre um grupo 
significativo de indivíduos surdos4. Cabe entender, 
também, que tanto a modalidade linguística visual-
motora quanto a falada estiveram atreladas à educação 
2 Para maiores detalhes sobre a corrente socioantropológica, consultar 
Skliar (1996, 1997), Perlin (2005), entre outros. Para a vertente que se 
contrapõe a essa visão, ver Bueno (1998, 2011), Mendonça (2007), entre 
outros. 
3 As perdas auditivas profunda ou severa bilateral correspondem a graus de 
perda acima de 70 decibéis, o que impossibilita o entendimento da fala. 
Para maiores informações consultar Russo et al., (2009).
4 Tal informação poderá ser comprovada com a apresentação dos resulta-
dos da pesquisa nas páginas seguintes. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 225
escolar de indivíduos surdos. Isto é, historicamente 
a educação de pessoas surdas esteve envolvida com 
a expectativa do sujeito em adquirir uma língua e se 
comunicar por meio dela. Para alguns, tal expectativa 
encaminhou-se para a língua oral, para outros, os sinais. 
Diante de tal cenário, a tese de doutorado cujo 
escrito tem por referência procurou compreender de 
que forma as condições sociais expressas em trajetórias 
diversificadas favoreceram a construção de identidades 
sociais distintas, tendo como parâmetro a decisão desses 
indivíduos em utilizar preferencialmente a língua oral ou 
a língua de sinais. 
Tendo por base a perspectiva de estudos críticos da 
educação de pessoas surdas, a partir da iniciativa de 
Bueno (1998), considera-se a surdez como deficiência 
e não somente como uma diferença, pois a perda da 
audição acarreta impedimentos auditivos importantes 
para a vida social, assim como não constitui a única 
marca na composição da identidade de uma pessoa surda 
porque, para qualquer sujeito (surdo ou não), marcas 
como condição de classe, raça, gênero, local de moradia 
e espaço social percorrido na trajetória de vida compõem 
elementos que se inscrevem na construção social da 
identidade.
São levados em consideração para esta produção 
textual os dados e análise dos depoimentos pessoais de 
três5 mulheres surdas, no que se refere a determinada 
5 A pesquisa, na íntegra, é composta por dois procedimentos de coleta de 
dados: foram coletadas informações de 24 pessoas surdas por meio de 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial226
época em que traçaram o início de suas trajetórias e o 
momento histórico-político, assim como os espaços 
sociais onde constituíram suas trajetórias. Trata-se, 
então, de parte dos achados da pesquisa já mencionada 
que toma para análise a construção social da identidade 
de indivíduos surdos por meio dos conceitos de trajetória 
e estratégia, cunhados por Bourdieu (1996), utilizando 
como procedimento sua organização em estações.
Tal escolha se deu por Bourdieu definir trajetória 
a partir da crítica que estabeleceu aos estudos que se 
utilizam dos procedimentos denominados história de 
vida, cujo entendimento sobre o conceito está calcado em 
uma trajetória singular e na sucessão de acontecimentos 
relacionados. Utilizando-se de uma metáfora para 
demonstrar o equívoco do procedimento citado, o autor 
expõe que é como “tentar explicar a razão de um trajeto 
no metrô sem levar em conta a estrutura da rede, isto 
é, a matriz das relações objetivas entre as diferentes 
estações” (BOURDIEU, 1996, p. 189). 
De outro modo, define trajetória como uma série de 
posições ocupadas, sucessivamente, por um indivíduo ou 
grupo, em um espaço social. Elucidando que, imersos em 
uma “trama de relações, práticas e significados sociais” 
– que presta à sua existência a ideia de unidade – os 
indivíduos também podem, ao longo da vida, deslocar-
se no espaço social. É dizer que o que lhe confere à 
um questionário on-line que traçou os perfis sociais desses indivíduos; 
após essa primeira etapa foram selecionados seis desses sujeitos para 
entrevistas de suas trajetórias sociais. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 227
existência a ideia de unidade são os mecanismos sociais, 
os quais tendem a estabelecer que certa ação ou postura, 
inscrita no mundo social, seja associada à identidade 
individual (BOURDIEU, 1996, p. 189). 
Assim, 
os acontecimentos biográficos definem-se antes como 
alocações e como deslocamentos no espaço social, isto 
é, mais precisamente, nos diferentes estados sucessivos 
da estrutura da distribuição dos diferentes tipos de 
capital que estão em jogo no campo considerado 
(BOURDIEU, 1996, p.74). 
Do mesmo modo, o conjunto de posições 
simultaneamente ocupadas por um indivíduo 
socialmente instituído e em um dado tempo exerce a 
função de sustentar o conjunto de atributos e atribuições 
que permitem ao agente intervir eficientemente em 
diferentes campos (BOURDIEU, 1996). 
A experiência e compreensão do que é o mundo 
social manifesta-se na prática. É no domínio prático 
da estrutura social que se dá o sentido à posição social 
ocupada e os limites do que se pode permitir a si mesmo. 
Isso quer dizer que, de “maneira mais geral, o espaço de 
posições sociais se retraduz em um espaço de tomadas 
de posição pela intermediação do espaço de disposições 
(ou do habitus)” (BOURDIEU, 1996, p. 21, grifo do 
autor). Os agentes sociais não são partículas que podem 
ser movimentadas mecanicamente por forças externas. 
São, na verdade, detentores de capitais que, conforme 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial228
as trajetórias e posições que ocupam socialmente (em 
virtude do volume e estrutura de capital), possuem uma 
inclinação a orientar-se ativamente para a preservação 
da distribuição do capital ou pela subversão dessa 
distribuição. Tal formulação não possui o sentido 
generalizador que atribui a todos os pequenos possuidores 
de capital virem a ser agentes sociais revolucionários, 
muito menos seu inverso, mas pode possibilitar entender 
o espaço social em seu conjunto (BOURDIEU & 
WACQUANT, 2005). 
É dentro desta ótica que Bourdieu (1996, p. 61) 
se refere aos processos de escolarização como um 
“modo de reprodução estatística”, ou seja, de tendência 
predominante de sucesso e fracasso escolar em relação 
à origem e trajetória social de cada um, alertando que 
os interesses de pais e filhos estão direcionados (aquém 
da consciência) a evitar a desclassificação social. Para 
isso conduzem inúmeras estratégias que possuem por 
finalidade manter a posição, segundo sua origem. Para 
tanto, o sentido real das estratégias reside no senso 
prático, no sentido do jogo, “como domínio prático da 
lógica ou da necessidade imanente de um jogo, que se 
adquire pela experiência de jogo e que funciona aquém 
da consciência e do discurso” (BOURDIEU, 1996, p. 79).
Para dar maior precisão ao conceito, o autor 
estabelece uma distinção entre regra, tal qual Lévi-
Strauss argumentava, e estratégia, no significado que 
ele procura estabelecer, na medida em que com essa 
não distinção “corre-se o risco de cair em um dos 
paralogismos mais funestos das ciências humanas, 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 229
aquele que consiste em tomar, segundo a velha fórmula 
de Marx, ‘as coisas da lógica pela lógica das coisas’” 
(BOURDIEU, 1996, p. 79).
Sobretudo, tendo como princípio básico que 
norteou a pesquisa ultrapassar a perspectiva de que 
a trajetória se restringe única e exclusivamente a um 
percurso linear, individual e relativamente organizado 
e planejado, serão expostos a caracterização das três 
mulheres surdas entrevistadas e dos espaços sociais, a 
organização da análise por estações e as considerações 
pertinentes aos resultados apresentados. 
a trajetória social como Processo de construção 
de identidades 
Tendo em vista a base teórica adotada e o objetivo de 
analisar a construção social da identidade de indivíduos 
surdos, os acontecimentos biográficos descritos 
expressam-se primeiro como alocações, mas também 
como deslocamentos no espaço social (BOURDIEU, 
1996, p. 74). 
Nesse sentido, serão abordados dados relativos à 
caracterização de três indivíduos (com os nomes fictícios 
Aline, Jaci e Lúcia), bem como às características dos 
lugares que apresentam tanto singularidades próprias 
de cada localidade como regularidades relacionadas 
às estruturas e aos mecanismos dos espaços sociais e 
presentes nas condições objetivas de existência dos 
indivíduos – compõem o espaço de coexistência de 
posições sociais e princípios de pontos de vista. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial230
Primeiro, cabe citar a mais jovem dentre os sujeitos 
entrevistados.
Aline é uma jovem branca de 20 anos, surda profunda 
desde o nascimento, falante e implantada, estudante de 
moda, solteira, moradora da região central da cidade de 
São Paulo, filha única de pais de uma fração da classe 
média, frequentadora dos encontros de implantados e de 
grupos de discussão feminista. 
Seus familiares mantiveram, durante sua infância e 
adolescência, residência na mesma localidade, no bairro 
Santa Cecília, que em períodos históricos anteriores 
foi uma região que reunia casarões de cafeicultores e a 
sede do governo do Estado de São Paulo, mas durante 
o período vivido por Aline a área já apresentava certa 
degradação nos edifícios e vias e grande concentração 
de moradores sem-teto (SãO PAULO, 2013b). Assim, 
recorrer ao bairro vizinho de Higienópolis para os 
estudos em uma escola particular de alto padrão e lazer 
com acesso a lojas, cinema e shopping, são escolhas 
inquestionáveis de sua família, mesmo que para isso 
sua mãe tivesse que trabalhar inclusive aos sábados. 
Em geral, Aline demonstra usufruir mais do bairro 
vizinho, por conta também da proximidade geográfica – 
de aproximadamente 800 metros de sua residência – do 
que de onde realmente reside, preferindo situar-se como 
moradora de Higienópolis e não do bairro Santa Cecília. 
Em seus relatos evidencia-se que sua origem social 
remete a uma ascendência de classe média. Seu pai atua 
profissionalmente como analista de sistemas e a mãe, 
como gerente de loja. Ambos acessaram o nível de ensino 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 231
superior, mas a mãe acabou não conseguindo concluí-lo 
por conta da gestação de Aline e pelo adensamento dos 
custos financeiros que desfavoreceu tal investimento.
De todo modo, é possível entender que as condições 
sociais de origem expressam que Aline pertence a um 
estrato superior da classe média, com ambos os pais 
exercendo ocupações valorizadas, residindo em um 
bairro, mas situando-se no bairro vizinho caracterizado 
como de população dessa camada social, expressa, por 
exemplo, pelo shopping Pátio Higienópolis ali situado. 
Jaci é uma senhora branca de 64 anos, falante, não 
utiliza aparelho de amplificação sonora e faz leitura 
labial. Sua composição familiar de origem era formada 
por cinco pessoas, sendo duas irmãs mais novas, pai 
procurador da Justiça e mãe professora. Mãe de dois 
filhos, hoje adultos, tornou-se viúva antes dos 30 
anos, e mesmo já tendo se aposentado até o momento 
da pesquisa, ocupa-se como bibliotecária, função que 
exerceu por toda a vida. 
Nasceu no município de São Caetano do Sul, região 
do ABC Paulista, mas durante o período de sua primeira 
infância a família se mudou para o bairro da Aclimação 
e logo depois para Moema, local onde firmaram 
residência. Nessa mesma época inicia-se na região a 
construção do Parque do Ibirapuera e alguns anos depois 
o shopping que leva o mesmo nome. Assim, o bairro vai 
se constituindo como uma das mais importantes áreas 
de cultura e lazer da cidade, além de ser considerada 
uma região nobre devido ao alto padrão de custo dos 
prédios, residências e comércio que ali se instalaram – 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial232
lojas de calçados e vestuário de marcas internacionais e 
restaurantes de renome.
A mudança da família para Moema deu-se com a 
compra de uma casa no bairro por causa da proximidade 
com a escola especial em que Jaci estudava, com o 
trabalho do pai proporcionando um cotidiano mais 
agradável e menos desgaste nos trajetos diários, e 
também por ser um local que foi se estabelecendo de 
acordo com as expectativas e necessidades da família. 
Jaci e sua mãe frequentavam um cinema que ficava a 
poucos metrosde sua residência, por exemplo. 
Sobretudo, entende-se que as condições sociais de 
origem de Jaci expressam que pertencia a uma família 
de classe média da segunda metade do século XX, 
com ambos os pais exercendo ocupações valorizadas, 
residindo em um bairro que foi se estabelecendo, em 
sincronia com sua trajetória socioeducacional, em uma 
região altamente valorizada. 
Já Lúcia é uma mulher de 34 anos, a única pessoa 
entrevistada que se autodeclara parda, surda profunda 
desde o nascimento, usuária da língua de sinais, casada, 
mãe de dois filhos (um ouvinte e um surdo), moradora do 
município de Mauá, quinta filha de um conjunto de nove 
irmãos, e instrutora de Libras em uma escola estadual 
em Santo André.
Como parte da região do Grande ABC, Lucia viveu 
sua infância e adolescência no bairro Jardim Zaíra, um 
dos mais populosos do município de Mauá. Localizado 
em região de mata atlântica, o município está em processo 
de estruturação de uma política de desenvolvimento 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 233
sustentável, uma vez que abriga várias nascentes de 
rios, como o Tamanduateí, e diversas áreas de proteção 
ambiental permanente. É relevante citar que na região a 
política de loteamento centrava-se em vender terrenos a 
preços baixos e fornecer material suficiente para o início 
da construção de uma casa popular (DIAS, 2012).
Esta localidade, que nas últimas décadas enfrenta 
sérios problemas sociais originados pela ocupação 
desordenada, aliada à falta de planejamento urbano, possui 
áreas irregulares, sem saneamento básico e ausência de 
investimentos em infraestrutura. Lá é onde Lúcia tem 
acesso aos bens de consumo (alimentação, vestuário 
etc.) necessários para o seu cotidiano, permanecendo 
no local após o casamento (BRASIL, 2016b).
Seu pai trabalhou como operador-chefe de uma 
empresa multinacional de produção de automóveis. Hoje 
é aposentado. Sua mãe se ocupava do lar e dos filhos. 
Ambos os pais completaram o ensino primário e ginasial 
(Ensino Fundamental). Tiveram nove filhos, sendo 
quatro ouvintes e cinco surdos. Lúcia é a quinta filha. 
Em seus relatos ela declara que seu grupo familiar 
chegou a apresentar dificuldades para a própria 
subsistência. Casou-se aos 25 anos. Tem dois filhos, um 
com 9 anos, ouvinte, e o outro com 6, surdo.
As condições sociais de origem expressam que Lúcia 
pertenceu a uma família de classe popular, com o pai 
exercendo ocupação qualificada e a mãe se dedicando 
aos afazeres domésticos e aos cuidados com os filhos, 
residindo em bairro periférico caracterizado pela 
ausência ou inconsistente infraestrutura básica.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial234
estações: moema, higienóPolis e jardim zaíra 
Para Jaci, Aline e Lúcia o local de moradia na 
infância constituiu-se como espaço de identificação e 
permanência por toda a vida.
Quando a família de Jaci se transferiu de São Caetano 
do Sul para o bairro de Moema, este local estava em 
plena formação, com iniciativas imobiliárias voltadas 
exclusivamente para os estratos superiores das camadas 
médias, o que correspondia exatamente às expectativas 
e necessidades de seu grupo social, tanto que, já na sua 
juventude, tornou-se um dos bairros mais valorizados 
da cidade. Durante a infância e juventude ela e sua mãe 
frequentavam um cinema a poucos quarteirões de sua 
casa; fez aulas de datilografia no bairro e o comércio 
local atendia às necessidades da família. Casou-se anos 
mais tarde e fixou residência na mesma região, bem 
perto do local onde trabalhou a vida toda.
No caso de Aline, residir em um bairro central um tanto 
degradado não a fazia se situar como moradora desse 
espaço, pois, dada sua origem familiar, identificava-se e 
usufruía dos serviços oferecidos no bairro vizinho. Ela 
acabava se deslocando para o bairro de Higienópolis para 
os estudos e lazer não somente por haver proximidade 
geográfica, mas também pela aproximação social que 
dava a seu grupo familiar a possibilidade efetiva de 
manutenção do status familiar.
É na relação social, mas também na relação com certo 
espaço social reificado que os agentes se constituem 
como tais, na medida em que os bens e serviços 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 235
(culturais, sociais etc.) são apropriados por esses sujeitos 
(BOURDIEU, 2012).
Assim como Jaci, Lúcia residiu a vida toda no 
mesmo bairro, no município de Mauá. No entanto, 
a falta de infraestrutura fez com que ela, em alguns 
momentos da vida, precisasse se deslocar para outras 
regiões para ter acesso ao ensino especializado e 
trabalho. Esses deslocamentos não representaram para 
Lúcia motivação suficiente para que mudasse o local de 
sua moradia.
Permaneceu na mesma região após o casamento, e 
declarou que sua escolha se deu porque ali lhe é muito 
familiar. Mais do que isso, levando em conta as chances 
efetivas de sua condição social, suas possibilidades 
somente permitiriam se transferir para outro local 
muito parecido com aquele ao que está habituada. 
Assim, racionaliza essa impossibilidade afirmando que 
está habituada ao local onde mora, valorizando-o: “É 
um lugar tranquilo, pois nasci e cresci ali, o cheiro é 
familiar”, o que contrasta com a realidade efetiva do 
Jardim Zaíra.
Cabe entender que o espaço social, além de organizar 
as representações e práticas dos agentes, vincula-se 
às suas propriedades determinantes, distinguindo e 
agrupando as pessoas em suas afinidades, desejos, 
simpatias, em suas disposições. Assim, a proximidade 
no espaço social engendra uma possibilidade objetiva, 
uma pretensão em existir como classe, como grupo 
social. Contudo, as distâncias ou aproximações 
também se constituem pelo espaço social reificado, 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial236
isto é, pelo espaço físico objetivado. Cada agente, 
como um ser tangível, está situado em um ponto 
do espaço físico, em um lugar cujas propriedades 
(sociais, culturais e outras) podem ser apropriadas, 
de acordo com sua posição em relação aos demais 
lugares (BOURDIEU, 1996, 2012).
Deste modo, o espaço social se manifesta 
diversamente, em oposições espaciais, e funciona sob 
o modo de “simbolização espontânea” desse espaço, 
definindo-se pela exclusão mútua de posições: 
Não há espaço, em uma sociedade hierarquizada, 
que não seja hierarquizado e que não exprima as 
hierarquias e as distâncias sociais, sob uma forma 
(mais ou menos) deformada e, sobretudo, dissimulada 
pelo efeito de naturalização que a inscrição durável 
das realidades sociais no mundo natural acarreta [...]. 
(BOURDIEU, 2012, p. 160, grifos do autor). 
Para Lúcia de um lado, e Jaci e Aline de outro, 
permanecer no mesmo espaço geográfico é identificar-
se como parte integrante desse espaço. Assim, a 
posição social dessas três mulheres revela-se pelo 
lugar do espaço físico em que estão, aspecto ainda mais 
manifesto no caso de Aline por se situar, de fato, no 
bairro vizinho em vez de naquele de sua residência.
Para dar continuidade aos resultados serão abordadas 
as experiências escolares e a condição da surdez 
vivenciada em grupos familiares de classe média, como 
são os casos de Aline e Jaci.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 237
a surdez em família de classe média e as 
exPeriências escolares 
No caso de Aline, nascida em 1996 e única filha do 
casal, a surdez foi percebida depois do primeiro ano 
de vida e possui causa indefinida, somente a suspeita 
familiar de alguma doença, também não definida, 
contraída pela mãe durante a gestação. Aline iniciou o 
trabalho de linguagem logo que a família descobriu sua 
surdez, o que se tornou uma prática rotineira durante sua 
infância e juventude. Duas vezes por semana a família de 
Aline a levava até a fonoaudióloga,para um atendimento 
particular de 45 minutos em cada sessão. 
A escolha do treino oral se deu pela orientação da 
própria fonoaudióloga e pelas expectativas da família 
com relação à sua inserção social. Os atendimentos 
com a fonoaudióloga, além de serem frequentes, eram 
reforçados pela mãe no tempo livre, em casa. Dessa 
forma, a leitura e o treino de fala tornaram-se atividades 
corriqueiras na vida de Aline, pois para seus pais a 
escolha pela fala proporcionaria mais recursos sociais 
do que os sinais. 
“Quando eu conheci a minha fono, ela disse pros meus 
pais: ‘Se fosse o meu filho eu ensinaria a falar. É muito 
mais difícil do que fazer a linguagem de sinais’. O 
meu pai ficou meio em dúvida, porque ele trabalhava 
na escola de surdos, só que fazia só um ano nesse 
emprego, tinha acabado de entrar, e como tem festa de 
final de ano e festa junina na escola, aí ele conhecia o 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial238
pessoal. Meus pais ficaram na dúvida, no começo, se 
eu devia estudar lá, mas eu fui crescendo e perceberam 
que valeu muito a pena eu ter feito a oralização. Se eu 
tivesse uma filha eu ia escolher a oralização também, 
eu acho que tem mais recursos, do que só com a 
Libras” (Aline). 
Assim, a oralização representou para Aline um 
trabalho a longo prazo, contínuo e árduo, sobretudo 
compensador. 
“Pra falar tem todos os fonemas, tem todo um esquema 
e pra escrever era mais [...] Só que é uma coisa estranha, 
eu não me lembro de quando começou, parecia que eu 
sempre soube ler. Depois que eu aprendi mesmo, foi 
muito fácil” (Aline). 
Aos 19 anos recorre à cirurgia de implante coclear, 
mesmo com algumas limitações financeiras e não sendo 
a idade mais indicada para o procedimento6, retornando 
ao trabalho de linguagem para que sua comunicação 
fosse aprimorada.
6 Conforme orientações dispostas na página eletrônica do Grupo de Im-
plante Coclear do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da 
Universidade de São Paulo – um dos grupos pioneiros na cirurgia do 
implante coclear no Brasil, que desenvolve estudo e acompanhamento 
de novecentas pessoas implantadas atualmente –, quanto mais precoce-
mente o surdo for implantado melhores serão os resultados na audição e 
fala. Tais informações estão dispostas no site: <http://www.implanteco-
clear.org.br/textos.asp?id=5>.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 239
Com relação à escolarização, Aline realizou todo o 
percurso escolar de base em uma instituição particular 
muito tradicional e de qualidade reconhecida, localizada 
no bairro de Higienópolis. Além do período de aulas que 
correspondia à série na qual estava matriculada, Aline 
permanecia na escola no contraturno, momento em que 
fazia aulas de ballet, inglês e artes, realizava lições de casa, 
esclarecia dúvidas, assim como brincava com os demais 
alunos com jogos tradicionais e atividades recreativas 
dirigidas: jogo de taco, circuitos com bolas, perna de pau etc.
Na adolescência a família passou a buscar outros tipos 
de investimento escolar, como o curso de inglês em uma 
escola específica para o ensino de línguas, que frequentou 
por dois anos. O que a impulsionou, anos mais tarde, a 
estudar de forma independente outras línguas, como a 
língua russa. Com a alta no treinamento de fala aos 16 
anos, a família passou a recorrer às aulas de reforço. A 
necessidade desse recurso se fez imprescindível, mesmo 
com o evidente interesse de Aline pelo aprendizado 
escolar, pois no Ensino Médio a prática dos professores 
em priorizar a explicação oral em momento de aula 
dificultava dar continuidade ao estudo fora da sala de 
aula, bem como as provas passaram a conter questões 
dos vestibulares de anos anteriores, o que reforçou a 
necessidade de apoio.
Aline concluiu o Ensino Médio e está se 
profissionalizando em moda, cursando a graduação em 
uma faculdade particular com pouca tradição no ensino 
superior, mas com importante renome como instituição 
de ensino básico.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial240
Com relação a Jaci, única pessoa surda da família, 
sua perda auditiva deveu-se a um antibiótico que a 
mãe tomou durante a gravidez. Desde a tenra infância 
até os dias atuais passou por intenso treinamento 
oral diário no meio familiar. Seus pais estavam 
sempre atentos a sua fala, compreensão das palavras, 
significados que eram comunicados.
Falar corretamente era essencial para a socialização 
de Jaci, de tal modo que a fez ser capaz de oralizar e 
se concentrar na leitura labial sem ser cansativo, já 
que a comunicação com as mãos não era apreciada 
pelos familiares. 
Você tinha vontade de fazer gestos ou sinais?
“Mamãe não gostava. Papai, quando estava no 
hospital, quase morrendo, falava assim: ‘Pronuncia 
o acento certo’. Me corrigiu até o último dia. 
Minha filha às vezes fala: ‘Se a vovó estivesse aqui 
ela ia brigar com você’. Meus filhos me corrigem, 
minhas irmãs me corrigem. [...] É bom. A base para 
pronunciar uma palavra, pra falar inglês, como 
pronuncia o ‘r’. Elas me ajudam bastante” (Jaci).
Você conhecia a associação de surdos nessa 
época? 
“A mamãe não deixava eu ir na Associação, porque 
era só Libras. O nível não era muito bom. A mamãe 
achava melhor eu ir na ACM, então ia lá por causa 
da ginástica, natação, fazia amizades com moços, 
moças” (Jaci). 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 241
As relações de amizade de Jaci estiveram continuamente 
atreladas aos contatos do meio familiar, como primos, 
amigos da escola e do clube esportivo a que a família era 
associada, privilegiando o contato com ouvintes e surdos 
falantes. Mais do que não gostar dos gestos ou sinais, 
o uso deste recurso de comunicação era entendido por 
sua família como inadequado para seus descendentes.
Jaci menciona de forma positiva a relação entre o 
treino de fala e o esforço empreendido para isso, sendo 
reconhecido por ela como satisfatório comparado 
a outros aprendizados, como a alfabetização. Cabe 
entender que seu treino de fala se dava em conjunto com 
a escolarização na instituição especializada, também 
muito reforçado em momentos de descontração e lazer 
no ambiente familiar. 
Jaci frequentou o ensino especializado durante os anos 
de 1955 a 1966, até completar o ensino primário e ginasial 
(Ensino Fundamental) com 14 anos, e ser encaminhada 
ao próximo nível de ensino, na época chamado ensino 
colegial. Não por acaso, Jaci fazia parte de um grupo 
privilegiado de alunos do ensino especializado, os quais 
tinham aulas extras de leitura. 
“De vez em quando tinha aula de leitura na biblioteca, 
mas era só para um grupo, não era pra toda a escola. 
Eram as primeiras classes, eram privilegiados. Uma 
menina que tava na outra sala era filha de uma senhora 
que ficou casada com o diretor da escola. A escola 
tinha muitos problemas financeiros, muitos alunos não 
podiam pagar. Dona Renata financiava a escola todo 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial242
ano, ela tirava dinheiro do próprio bolso pra não ficar 
no vermelho. Por isso que meu pai era voluntário. A 
minha mensalidade era mais cara que o salário da 
minha mãe como professora. Era muito cara” (Jaci). 
A mãe de Jaci ocupava-se frequentemente em 
esclarecer e fornecer apoio a seus aprendizados. Na 
adolescência o empenho aplicado na preparação para o 
vestibular deu ensejo a Jaci ter acesso ao ensino superior 
em colocação de destaque.
estações: 1960 e 1990 
Jaci e Aline são as com maior distanciamento em 
relação à idade, e consequentemente, à geração, visto 
que o nascimento e descoberta da surdez de Jaci ocorreu 
quarenta anos antes do nascimento de Aline.
No caso de Jaci, em meados dos anos 1960, estudar 
em determinada escola especial privada significava, alémde frequentar uma instituição de ensino reconhecida 
e mantida por famílias das camadas superiores da 
cidade, fazer parte de um grupo selecionado de alunos 
que recebiam aulas extras de leitura, passar a estudar 
em tempo integral para que ela e os colegas tivessem 
maior rendimento escolar, corresponder ao intenso 
investimento cultural e econômico de sua família, 
chegando a ganhar uma medalha de melhor aluna. Essa 
medalha teve um forte impacto emocional em Jaci, 
que lembrou com emoção do cartão que seu pai lhe 
presenteou em reconhecimento por seu esforço.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 243
Observa-se também o intenso processo de manutenção 
da herança cultural familiar que mobilizou os familiares 
a buscarem diminuir a marca da deficiência auditiva – 
com treinos e correções diárias de linguagem, além da 
valorização do contato social entre pares da mesma 
fração de classe (porção dominante da classe média) –, 
favorecendo inclinar-se a um destino social adequado 
ao padrão moral-religioso católico no qual é valorizada 
a constituição e manutenção do núcleo familiar. Esse 
padrão, aliado à profissão de nível superior, puderam 
garantir o sentido esperado de sua trajetória. Ao trabalhar 
durante quarenta anos no mesmo emprego, Jaci foi capaz 
de se manter no status social de seu grupo familiar, pois seu 
local de trabalho ainda possui muito prestígio social, além 
de permitir-lhe atender às exigências e responsabilidades 
que seu grupo social atribuía à função de mãe.
Assim, estudar em determinada escola especial 
privada estabeleceu-se como uma estratégia para evitar 
sua desclassificação social em relação ao seu grupo 
familiar, explicitada também na preocupação da mãe 
em fornecer complementos educacionais para que ela 
tivesse um futuro garantido.
É interessante, ainda, verificar que não havia 
nenhuma preocupação mais acentuada sobre uma 
possível desclassificação de suas duas irmãs ouvintes, 
pois para a família era “natural e previsível” que uma 
trajetória comum e sem percalços seria percorrida 
por elas, como aconteceu. Assim, mesmo que de 
forma pouco consciente, a distinção entre a ação 
familiar sobre as três irmãs e os resultados alcançados 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial244
mostram que esse estrato social se apropria de meios 
bastante adequados para superar as possibilidades de 
desclassificação de uma filha que possui uma marca 
biológica considerada negativa.
Para o grupo familiar de Aline o investimento na 
escolarização da filha se distingue do que foi estabelecido 
pela família de Jaci, pois em meados dos anos 1990 as 
escolas especializadas para surdos passavam por um 
redirecionamento na perspectiva socioeducacional, do 
oralismo para o bilinguismo.
O ano de nascimento de Aline é muito significativo 
no âmbito da educação de surdos, pois se comemoravam 
os dez anos da mudança de nome e perspectiva da 
Federação Nacional de Educação e Integração dos 
Deficientes Auditivos (FENEIDA) para se tornar a 
Federação Nacional de Educação e Integração dos 
Surdos (FENEIS)7, mostrando que se intensificava a 
mobilização que passava a defender a língua de sinais. 
Tanto é que, dois anos depois, em 1999, se fez público o 
manifesto “A educação que nós surdos queremos”, que 
tinha em uma de suas pautas principais o direito de toda 
criança surda aprender a língua de sinais8.
7 A FENEIS é a organização de surdos mais atuante na defesa do reconhe-
cimento e manutenção de uma comunidade surda usuária exclusivamente 
da língua de sinais, que expressaria a existência de uma comunidade 
surda constituída por uma “cultura surda” apartada da “cultura ouvinte”. 
Maiores informações em <http://www.feneis.com.br/>.
8 O manifesto “A educação que nós surdos queremos” pode ser encon-
trado na íntegra no site <http://docslide.com.br/documents/a-educa-
cao-que-nos-surdos-queremos.html>.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 245
Mais do que isso: o pai de Aline mantinha contato com 
a efervescente conjuntura do movimento pela afirmação 
da língua de sinais, uma vez que trabalhava em uma escola 
privada para surdos quando descobriu a surdez da filha. 
Tanto é que a família ficou em dúvida inicialmente, mas 
acabou escolhendo a oralização como meio de aquisição 
de linguagem para a filha. Tal direcionamento deveu-se 
às possibilidades da família, pois a surdez foi descoberta 
ainda no primeiro ano de vida (a precocidade é um fator 
relevante para o aproveitamento do treino de linguagem) 
e a família detinha condições objetivas para que a opção 
se realizasse, assim como pelos interesses associados que 
a posição social lhes inspirou, confirmados por Aline ao 
declarar que a oralização proporciona mais recursos do 
que a Libras.
Assim, a inserção da filha em uma escola de ensino 
regular qualificada, associada ao trabalho contínuo 
de oralização, constituiu-se como estratégia capaz de 
proporcionar sua efetiva incorporação em seu grupo 
social.
Por meio da produção ou apropriação dos meios 
simbólicos existentes, deve-se entender que a cultura 
pode tornar-se uma forma de capital, pois para cada 
forma de capital cultural há um valor atribuído, conforme 
os diferentes tipos de mercado (familiar, escolar, 
profissional etc.). Em decorrência, entende-se que a 
posse do capital cultural legítimo significa distinguir-se 
socialmente e elevar sua posição no espaço social, que 
é também poder usufruir de vantagens nas disputas por 
prestígio social. Sobretudo, quando a transmissão do 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial246
capital cultural ocorre domesticamente é que as famílias 
garantem o mais determinante dos investimentos 
educativos (BOURDIEU, 2015a,b).
Os grupos familiares de Jaci e Aline investiram 
intensamente na aquisição de capital cultural, 
principalmente em ambiente familiar onde o trabalho de 
linguagem oral era reforçado pelos pais no incentivo ao 
diálogo cotidiano, no acesso a diversas leituras e legendas 
e nas correções de pronúncia e uso das palavras.
algumas considerações 
Ao serem recolhidos alguns dados das trajetórias 
sociais de três mulheres surdas, ressaltadas em 
estações, a análise evidenciou que a posição social do 
grupo familiar de origem, a época em que a surdez foi 
constatada e as estratégias de investimento cultural e 
linguístico estabeleceram-se como fatores relevantes 
para a manutenção ou reclassificação de suas posições 
sociais.
As duas estações destacadas ilustram, em parte, a 
ideia que a pesquisa possibilitou afirmar: a constituição 
da identidade social de indivíduos surdos não se dá 
somente por uma única marca, mesmo quando essa se 
refere a uma deficiência ou à aquisição de linguagem por 
meio de uma modalidade de língua diferente. Pessoas 
surdas com diferentes posições nos estratos sociais 
percorrem trajetórias sociais distintas, pois tal percurso 
se estabelece conforme a relação entre as forças dos 
espaços sociais e o indivíduo.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 247
De acordo com os resultados analisados é possível 
afirmar: a constituição da identidade social e o uso 
preferencial pela língua de sinais ou língua oral se 
dá no decorrer da trajetória social da pessoa surda, 
de acordo com a posição social que ela ocupa em 
determinados espaços sociais e momento histórico-
político.
Nesse sentido, pode-se constatar que a apropriação 
e uso predominante da língua de sinais não foi o único 
elemento que constituiu a identidade social desses 
indivíduos com deficiência auditiva severa e profunda, 
assim como a apropriação e uso predominante da 
língua oral também não foi o único vetor responsável 
por uma inserção social mais qualificada.
Reconhecer que a língua de sinais é natural a 
toda e qualquer pessoa surdaé atribuir a diferentes 
pessoas, pertencentes a diferentes grupos sociais, 
características unificadoras, deixando de levar em 
conta que pessoas – surdas ou ouvintes – possuem 
construções identitárias distintas que se alteram ou se 
cristalizam no decorrer de suas trajetórias. 
Mais do que isso, procurar estabelecer identidade 
social unitária como escolha pessoal é uma das táticas 
ideológicas constituídas na luta de classes, com o 
gosto (ou preferência) tomado como natural, extraído 
de sua aparência e eficácia, convertendo as diferenças 
reais contidas nos modos de aquisição da cultura em 
diferenças da natureza.
Ao se tomar, formalmente, sujeitos de diferentes 
estratos sociais como iguais ante a escola, e a cultura, 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial248
imputa-se também “à desigualdade dos dons ou à 
aspiração desigual à cultura a representação desigual 
das diferentes camadas sociais nos diferentes níveis 
de ensino”, que, ao fim e ao cabo, está a serviço 
da legitimação dos privilégios de uns sobre outros 
(BOURDIEU & PASSERON, 2015, p. 45).
Por fim, ainda sob a guarida do sociólogo francês 
e seus colaboradores, cabe aqui firmar posição em 
relação aos limites da investigação social, dado que 
O modelo teórico é inseparavelmente construção 
e ruptura já que é necessário ter rompido com as 
semelhanças fenomenais para construir as analogias 
profundas e já que a ruptura com as relações aparentes 
pressupõe a construção de novas relações entre as 
aparências. [...] a experimentação vale o que vale a 
construção que ela coloca à prova e o valor heurístico 
e probatório de uma construção depende do grau em 
que ela permite romper com as aparências e, por 
conseguinte, conhecer as aparências ao reconhecê-las 
como aparências (BOURDIEU; CHAMBOREDON 
& PASSERON, 2004, p. 74). 
Reafirmo aqui a intenção da investigação cujos 
dados parciais foram apresentados, de procurar, por 
meio da construção das estações, evidenciar que 
os relatos dos entrevistados expressam apenas as 
aparências do que eles acreditam ser as suas trajetórias, 
mas que demandam a construção de categorias que 
permitam ultrapassá-las. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 249
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Porto Alegre: Mediação, 1996, v. 1, p. 153-169.
SKLIAR, C. Uma análise preliminar das variáveis que intervêm 
no projeto de educação bilíngue para os surdos. Espaço, Rio de 
Janeiro, v. 4, n° 6, p. 49-57, 1997.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial252
CAPÍTULO 8 
OS PROGRAMAS DO LIvRO E AS POLÍTICAS 
PúBLICAS DE ACESSO à LEITURA NA 
PERSPECTIvA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
tatiana de andrade Fulas
Os Programas do Livro, projeto do governo 
federal de compra e distribuição de obras didáticas e 
paradidáticas nas escolas da rede pública, tornam-se 
política de Estado e ganham novos contornos a partir 
da década de 1990, com foco na entrega sistemática 
de livros aos alunos e ampliação no atendimento a 
todos os níveis de ensino, bem como na formação 
da biblioteca escolar para o estímulo à leitura. Duas 
leis importantes para a educação de cegos e surdos 
se somam a esse período: a Lei nº 9.610/1998, que 
consolida a legislação dos direitos autorais e inclui o 
sistema Braille como uma das formas de reprodução 
que não infringe o direito do autor; e a Lei n° 
10.436/2002, que reconhece a Língua brasileira de 
sinais (Libras) como meio de expressão e comunicação 
dos surdos.
O acesso à leitura sempre foi o ponto-chave na 
história da educação dos cegos, tema bastante debatido 
entre filósofos, pensadores da educação, religiosos e 
diretores dos institutos de cegos de todo o mundo nos 
idos dos séculos XVIII e XIX, florescendo uma vívida 
criação de tipos de letras em relevo para impressão de 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 253
livros, até culminar no invento do código de pontos por 
Louis Braille. Ter domínio da leitura e de um método 
de escrita eram o ponto central na educação dos cegos. 
Na história da educação dos surdos, entretanto, a pedra 
de toque sempre foi o modo de comunicação mais 
adequado a ser-lhes ensinado: a língua de sinais ou a 
oralização (ou a combinação de ambos), e o bilinguismo 
(língua de sinais e a língua dominante do país). Os 
primeiros indícios desse debate começaram no século 
XVI, ganhando força nos séculos XVIII e XIX com os 
congressos internacionais,e não estaríamos errados em 
afirmar que perduram até os dias de hoje. O domínio da 
leitura e da escrita, habilidades fundamentais para quem 
vive em uma sociedade letrada, cuja língua dominante 
é a língua portuguesa, não é uma realidade na educação 
da maioria dos surdos brasileiros.
Embora o Brasil tenha avançado bastante em relação 
às políticas de afirmação dos direitos das pessoas 
com deficiência, sabe-se que a implementação das 
prescrições não ocorre no mesmo ritmo. Neste artigo 
pretendemos analisar a articulação entre a legislação 
que contempla a acessibilidade de leitura e os editais 
dos Programas do Livro, com a efetiva distribuição de 
obras em braille e Libras1 nas escolas da rede pública 
de ensino, partindo das seguintes questões: Que tipo 
de obras têm sido produzidas para os alunos cegos e 
1 Embora as políticas públicas abordem os diferentes graus de defi-
ciência visual e auditiva, o escopo do nosso trabalho está centrado na 
cegueira e na surdez.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial254
surdos? Como os editais tratam a questão do acesso à 
leitura? Quem produz esses materiais didáticos? Como 
tem sido o processo de seleção, compra e distribuição 
de livros? De que maneira o mercado editorial tem 
respondido a tal demanda? 
Para tentar responder a essas perguntas, o 
procedimento de pesquisa adotado foi a análise 
documental das seguintes fontes: legislação sobre 
acessibilidade de materiais didáticos, editais dos 
Programas do Livro, Guias dos Livros Didáticos, listas 
das obras adquiriras pelo Ministério da Educação 
(MEC), documentos produzidos pelos órgãos 
responsáveis pelas diretrizes da educação especial 
e dados da Imprensa Braille do Instituto Benjamin 
Constant (IBC). Além disso, houve pesquisa no acervo 
das bibliotecas do Instituto Nacional de Educação de 
Surdos (INES), da Biblioteca Nacional, do IBC, e da 
Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da 
Comunicação (DERDIC).
os Programas do livro e a acessiBilidade 
Os Programas do Livro são compostos de duas 
ações: o Programa Nacional do Livro Didático 
(PNLD), instituído pelo Decreto nº 91.542/1985, 
responsável pela distribuição de livros didáticos 
para os alunos de todos os níveis e modalidades da 
rede pública; e o Programa Nacional Biblioteca da 
Escola (PNBE), criado em 1997 para a compra de 
obras pedagógicas, periódicos e livros de literatura a 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 255
fim de compor o acervo da biblioteca escolar. Ambos 
os programas são estruturados por um rigoroso 
processo de seleção e avaliação − realizado por 
uma comissão técnica formada por professores de 
universidades públicas −, aquisição e distribuição das 
obras, sob responsabilidade do Fundo Nacional de 
Desenvolvimento da Educação (FNDE)2. 
Em 1985 articulou-se um projeto de lei que obrigasse 
as editoras a imprimir em braille uma parte da tiragem de 
todos os livros publicados. Após dez anos tramitando no 
Congresso Nacional, o projeto foi vetado e incorporado 
à legislação sobre os direitos autorais de 1998, com a 
ressalva de que não configuraria violação dos direitos do 
autor a impressão de livros em braille. Deste modo, abria-
se a oportunidade para o uso da lei nos Programas do Livro.
A primeira iniciativa do MEC para produção de 
livros em braille do PNLD ocorreu em 1999, em 
parceria com o Instituto Benjamin Constant (IBC), 
centro de referência nacional na área da deficiência 
visual, sendo o primeiro estabelecimento para 
2 O presidente Michel Temer, por meio do Decreto nº 9.099 de 18 de 
julho de 2017, implementou as seguintes mudanças nos Programas do 
Livro: a nomenclatura passou a ser Programa Nacional do Livro e do 
Material Didático (PNLD), integrando a aquisição de obras didáticas, 
pedagógicas, periódicos e de literatura no mesmo edital, extinguindo 
assim o PNBE. A reposição dos livros didáticos passa a ser de quatro 
anos (ante os três anos da regra anterior), e a avalição pedagógica 
deixa de ser feita pelas universidades públicas, passando para as mãos 
de professores que se inscreverem no site do MEC para tal função 
(BRASIL, 2017). Essas mudanças entraram em vigor a partir do PNLD 
2019, razão pela qual não estão sendo consideradas em nossa análise. 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial256
cegos fundado na época do Brasil Império, 
vinculado diretamente ao ministério. A proposta 
foi adaptar e transcrever para o braille vinte livros 
didáticos aprovados no PNLD para atender, de 
forma experimental, alunos cegos matriculados no 
ensino regular. Foram produzidos livros de 1ª a 4ª 
série, conforme mostra a Tabela 1. Em virtude dos 
diversos obstáculos encontrados durante a produção 
das obras, a equipe responsável deparou com a 
necessidade da elaboração de uma normatização da 
grafia braille que abrangesse as múltiplas linguagens 
presentes nos livros didáticos, como gráficos, 
tabelas, fotos, caça-palavras, tirinhas, mapas, 
entre outros. O resultado desse trabalho gerou dois 
documentos oficiais que são referência na produção 
de qualquer material em braille no Brasil: Normas 
técnicas para a produção de textos em braille (1999) 
e Grafia braille para língua portuguesa (2002). Em 
busca de uma tecnologia que auxiliasse a produção 
dos livros, a Imprensa Braille do IBC fez uma 
parceria com o Núcleo de Computação Eletrônica 
da Universidade Federal do Rio de Janeiro para 
a criação do software Braille Fácil, um editor de 
texto que permite a visualização do texto em braille 
na tela do computador, agilizando a produção do 
livro impresso (SANTOS et al., 2014). Com a 
experiência adquirida no projeto-piloto, o instituto 
aumentou gradativamente o volume de obras: entre 
2000 e 2001, adaptou 90 títulos didáticos de 1ª a 4ª 
série (Tabela 2).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 257
 
as novas Políticas de incentivo à leitura 
Em 2003, com a nova gestão do governo federal, 
mudanças profundas são implementadas nas políticas 
públicas de incentivo à leitura. A promulgação da Lei nº 
10.753, que institui a Política Nacional do Livro, define 
como base as seguintes diretrizes em seu artigo 1º: 
Tabela 1
Livros didáticos em braille produzidos pelo IBC (1999)
Disciplina
1ª 
série
2ª 
série
3ª 
série
4ª 
série Total
Língua Portuguesa - 1 1 - 2
Matemática - 1 1 - 2
Ciências 1 4 2 1 8
Estudos Sociais* 5 1 2 - 8
Total 6 7 6 1 20
*Embora na lista do IBC conste como Estudos Sociais, referem-se às 
disciplinas de História e Geografia.
Fonte: Elaboração da autora a partir dos dados disponíveis em: 
<http://www.ibc.gov.br>. Acesso em: 22 fev. 2015.
Tabela 2
Livros didáticos em braille produzidos pelo IBC 
(2000-2001)
Disciplina
1ª 
série
2ª 
série
3ª 
série
4ª 
série Total
Língua Portuguesa 5 7 6 5 23
Matemática 2 2 3 3 10
Ciências 6 6 5 6 23
História e Geografia* 13 8 7 6 34
Total 26 23 21 20 90
*A lista do IBC traz apenas os títulos das coleções agrupados em História 
e Geografia, não sendo possível identificar os volumes separadamente.
Fonte: Elaboração da autora a partir dos dados disponíveis em: 
<http://www.ibc.gov.br>. Acesso em: 22 fev. 2015.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial258
II ‒ o livro é o meio principal e insubstituível da difusão 
da cultura e transmissão do conhecimento, 
do fomento à pesquisa social e científica, 
da conservação do patrimônio nacional, da 
transformação e aperfeiçoamento social e da 
melhoria da qualidade de vida;
III ‒ fomentar e apoiar a produção, a edição, a difusão, 
a distribuição e a comercialização do livro;
 [...] 
IX ‒ capacitar a população para o uso do livro como 
fator fundamental para seu progresso econômico, 
político, social e promover a justa distribuição 
dosaber e da renda; 
 [...]
XII ‒ assegurar às pessoas com deficiência visual o 
acesso à leitura (BRASIL, 2003). 
Neste mesmo ano é ampliado o atendimento do PNLD, 
incluindo alunos do Ensino Médio e da Educação de 
Jovens e Adultos, e por meio da Resolução nº 24 do MEC/
FNDE, que dispõe sobre a impressão de livros em braille 
dos Programas do Livro, é aprovado o auxílio técnico e 
financeiro para a produção em mútua cooperação com 
instituições privadas sem fins lucrativos. 
Entre 2003 e 2004, por meio de uma parceria com a 
Fundação Dorina Nowill para Cegos, o IBC aumentou a 
produção de livros didáticos em braille, dessa vez ampliando 
o atendimento para alunos de 1ª a 8ª série, totalizando 128 
títulos (Tabela 3). Pela primeira vez, foram incluídos no 
lote de livros paradidáticos do PNBE intitulado “Literatura 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 259
em Minha Casa”, sendo trinta títulos do programa de 2001 
(4ª série) e quarenta da edição de 2002 (4ª e 5ª série)3.
A implementação da Política Nacional do Livro 
causou forte impacto no mercado editorial, uma vez que 
a proposta de capacitação e formação de leitores passava 
pelo consumo de literatura na escola. Conforme mostra 
a Tabela 4, é possível perceber que a partir dos anos 
2003 e 2004 houve um substancial aumento na compra 
de paradidáticos, tanto em valores financeiros como 
em número de livros adquiridos, além da ampliação no 
atendimento ao incluir alunos da Educação de Jovens e 
Adultos, Educação Infantil e Ensino Médio. Ademais, 
mudanças no formato do edital permitiram a pulverização 
de editoras participantes, rompendo com o monopólio 
dos grandes grupos editoriais4. 
3 Embora os livros do programa Literatura em Minha Casa fossem des-
tinados aos alunos de 4ª e 5ª série, na lista do IBC vários títulos foram 
direcionados aos alunos cegos de 5ª a 8ª série. 
4 Nos anos de 2001 e 2002 foram contempladas, em média, sete editoras. 
A partir de 2003, este número se ampliou para mais de setenta editoras.
Tabela 3
Livros didáticos em braille produzidos pelo IBC (2003-2004)
Disciplina 1ª série
2ª 
série
3ª 
série
4ª 
série
5ª 
série
6ª 
série
7ª 
série
8ª 
série Total
Língua Portuguesa 4 6 6 6 7 7 7 7 50
Matemática 2 2 2 2 2 2 2 2 16
Ciências 1 3 3 3 2 2 2 2 18
História 2 4 4 4 3 2 2 4 25
Geografia 1 3 3 3 3 2 2 2 19
Total 10 18 18 18 17 15 15 17 128
Fonte: Elaboração da autora a partir dos dados disponíveis em: <http://www.ibc.gov.br>. Acesso em: 22 
fev. 2015.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial260
Os editais dos Programas do Livro passaram a 
Tabela 4 
Programa Nacional Biblioteca da Escola ‒ PNBE (1998 a 2014)
Ano de 
distribuição
Livros 
adquiridos Investimento total Atendimento
1998 3.660.000 R$ 29.830.886,00 1ª a 8ª série
1999 3.924.000 R$ 24.727.241,00 1ª a 4ª série
2000 577.400 R$ 15.179.101,00 Professores 
2001 60.923.940 R$ 57.638.015,60 4ª e 5ª série (Literatura em Minha Casa)
2002 21.082.880 R$ 19.633.632,00 4ª série (Literatura em Minha Casa)
2003/2004* 47.582.518 R$ 87.073.760,30 4ª a 8ª série, EJA, Professores, Bibl. Mun.
2005 5.918.966 R$ 47.268.337,00 1ª a 4ª série
2006 7.233.075 R$ 46.509.183,56 5ª a 8ª série
2008** 8.601.932 R$ 65.283.759,50 Ed. Infantil, 1ª a 4ª série, EJA
2009 10.389.271 R$ 74.447.584,30 5ª a 8ª série, Ensino Médio
2010 1.241.458 R$ 9.869.621,25 Educação Especial
2010 10.660.701 R$ 48.766.696,45 Ed. Infantil, 1ª a 4ª série, EJA
2010 204.220 R$ 3.051.046,80 Dicionário Volpi
2011 5.585.414 R$ 70.812.088,00 6º ao 9º ano, Ensino Médio
2011 6.983.131 R$ 59.019.172,00 Professor 
2012 10.485.353 R$ 81.797.946,11 Ed. Infantil, 1º ao 5º ano, EJA
2013 7.426.531 R$ 86.381.384,21 6º ao 9º ano, Ensino Médio
2013 12.106.780 R$ 104.601.156,59 PNBE do Professor
2013 14.885.649 R$ 57.072.470,94 Periódicos
2014 19.394.015 R$ 92.362.863,86 Ed. Infantil, 1º ao 5º ano, EJA
2014*** 14.885.649 R$ 58.477.152,20 Periódicos
*Em 2003 foram criados vários projetos dentro do PNBE: Literatura em Minha Casa (4ª a 8ª série), 
Palavra de Gente (EJA), Casa de Leitura (bibliotecas em 3.659 municípios), Biblioteca do 
Professor.
**A partir de 2007 foi alterada a nomenclatura do PNBE. Até 2006 o nome do programa se referia 
ao ano de aquisição. Em 2007, passou a referir-se ao ano de atendimento.
*** Em 2015, 2016 e 2017 não houve compra de livros de literatura por meio do PNBE.
Fonte: Elaboração da autora a partir dos dados disponíveis em: 
<http://www.fnde.gov.br/programas/biblioteca-da-escola/biblioteca-da-escola-historico>. Acesso 
em: 22 fev. 2015.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 261
incorporar a legislação de acessibilidade de leitura 
gradativamente. No ano de 2004 foram lançados dois 
editais para aquisição de obras para 1ª a 4ª série com 
as seguintes prescrições: o PNBE 2005 incluiu uma 
cláusula em que a Secretaria de Educação Especial 
(SEESP) ficaria responsável por indicar as obras 
passíveis de adaptação ao braille, devendo as editoras 
assinar um termo de autorização, uma vez que a 
edição adaptada não entraria no cômputo da compra 
realizada pelo MEC/FNDE; e o edital do PNLD 
2007 determinava que a SEESP indicaria, no Guia do 
Livro Didático, as obras passíveis de adaptação para a 
escolha do professor5. Embora tal indicação não tenha 
constado do Guia, o IBC deu continuidade ao trabalho 
de produção de livros didáticos em braille, conforme 
mostram as Tabelas 7 e 8. 
Importante observar que a legislação em prol da 
acessibilidade de leitura abarcava apenas a deficiência 
visual e os livros em braille. A população surda, embora 
tenha conquistado o reconhecimento da Libras como 
língua de comunicação e expressão em 2002, seria 
incluída na discussão do acesso a materiais didáticos 
somente no Decreto n° 5.625/2005, cujo capítulo a 
respeito do uso e da difusão da Libras e da língua 
5 Os editais do PNBE são publicados, em média, um ano antes da dis-
tribuição dos livros nas escolas. Já os editais do PNLD são lançados com 
três anos de antecedência, em média, para que a seleção e avaliação sejam 
feitas a tempo de o MEC/FNDE produzir o Guia do Livro Didático, com a 
resenha das obras aprovadas, para que os professores escolham os livros, 
em geral no ano anterior à distribuição.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial262
portuguesa traz a seguinte prescrição: “disponibilizar 
equipamentos, acesso às novas tecnologias de informação 
e comunicação, bem como recursos didáticos para 
apoiar a educação de alunos surdos ou com deficiência 
auditiva” (BRASIL, 2005).
Nesse ínterim, uma iniciativa da editora Arara 
Azul, de Petrópolis, chamou a atenção para tal lacuna. 
Com financiamento do Fundo de Amparo à Pesquisa 
do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), por meio do 
edital Tecnologia na Pequena Empresa − TPE, de 
2002, a editora criou um projeto para produzir dez 
títulos clássicos da literatura brasileira em Português-
Libras no suporte livro com CD-ROM. O trabalho 
se desenvolveu ao longo de três anos e contou com 
a parceria da Federação Nacional de Educação e 
Integração dos Surdos (FENEIS), com o apoio do 
Ministério da Cultura e da SEESP/MEC, e com 
patrocínio da empresa IBM por meio da Lei Rouanet. 
Durante sua execução, foi criado um ambiente virtual 
com um fórum de discussões para que professores de 
vários estados pudessem avaliar os CDs e enviar suas 
sugestões e críticas, uma vez que se tratava de um 
projeto experimental e inédito de adaptação de textos 
literários para a língua de sinais. Ao fim do processo, 
com todos os ajustes possíveis incorporados à edição 
dos CDs, foram adquiridos em 2006 pelo MEC 15 mil 
coleções, distribuídas em 8.315 escolas, beneficiando 
36.616 alunos surdos de todo o Brasil e totalizando um 
investimentode 660 mil reais por meio da verba do 
PNBE (RAMOS, 2013).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 263
As discussões suscitadas por este projeto vinham ao 
encontro das reivindicações dos movimentos sociais 
que pleiteavam o acesso dos surdos à educação, com 
a presença de intérpretes de Libras em sala de aula e 
o ensino da língua portuguesa escrita como segunda 
língua, promovendo uma educação bilíngue. O decreto 
de 2005 supriu essa demanda ao incluir a língua de sinais 
como disciplina curricular nos cursos de licenciatura e 
a criação de cursos de graduação para a formação de 
professores de Libras. 
Ainda no ano de 2005, o edital do PNLD 2008 para 
obras de 5ª a 8ª série incluiu uma cláusula que mexeu 
com o mercado editorial: “O processo de adaptação, 
transcrição e impressão dos livros em braille, bem como 
dos livros em caracteres ampliados das obras adquiridas 
pelo FNDE, ficará a cargo dos detentores de direitos 
autorais” (BRASIL, 2005b, p. 11). O edital trazia apenas 
esta cláusula, sem especificar prazos, multas ou punições 
em caso de descumprimento. Não se sabe se houve uma 
possível negociação com MEC/FNDE para eximir os 
editores de tal obrigação, tampouco há registros sobre 
o pagamento de livros didáticos em braille nas relações 
de compras do FNDE. Esta cláusula não voltou a constar 
do demais editais do PNLD, nos fazendo concluir que 
o ônus pela produção dos livros em braille aprovados 
neste edital recaiu sobre o IBC, uma vez que a lista de 
obras impressas do instituto inclui o ano de 2008. 
Nos editais do PNBE e do PNLD publicados em 2006 
não constam cláusulas sobre acessibilidade. Podemos 
inferir dois fatos que justifiquem essa ação: a contínua 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial264
produção de livros didáticos em braille pelo IBC, 
conforme vemos nas Tabelas 7 e 8; e a recente aquisição 
das obras de literatura em Libras. Outro fato relevante é 
que, no ano de 2006, a editora Arara Azul propôs ao MEC 
a produção de um livro didático em Libras, algo nunca 
realizado em nenhum país, segundo Ramos (2013). 
A obra escolhida foi Trocando ideias: alfabetização 
e projetos, da editora Scipione, inserida nas compras 
do PNLD 2008. Em 2007, foram distribuídos 16.500 
exemplares da obra para alunos surdos das classes de 
alfabetização.
um novo ciclo de mudanças 
A partir de 2008, novas diretrizes de acessibilidade 
surgem nos Programas do Livro. O edital do PNLD 
2011, para aquisição de obras para os anos finais do 
Ensino Fundamental, incluiu a seguinte cláusula: 
7.1 As editoras ficam autorizadas a realizar a produção e 
a distribuição das suas obras aprovadas, com vistas 
à educação especial, no formato Libras, diretamente 
ou mediante contratação de instituição parceira, com 
aquisição assegurada pelo FNDE no âmbito do PNLD 
2011, sujeita a regulação e contratação específicas 
(BRASIL, 2008, p. 8). 
A inserção da cláusula de Libras, num primeiro 
olhar, parece ser uma conquista para a acessibilidade 
dos alunos surdos. Contudo, o que esta cláusula traz nas 
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 265
entrelinhas é a isenção de responsabilidade do MEC em 
fornecer tais livros às escolas, uma vez que remete ao 
modelo que vinha sendo desenvolvido pela editora Arara 
Azul. Ou seja, deixa a cargo das editoras produzir ou não 
livros didáticos em Libras, às suas próprias expensas, 
em conjunto com alguma instituição especializada na 
educação de surdos. Se tal produção ocorresse, o MEC/
FNDE garantiria a compra de tais obras. Não houve essa 
produção espontânea naquele ano, e os termos desta 
cláusula se mantiveram em todos os editais seguintes, 
incluindo o publicado em 2017. 
Nessa época, já estava em andamento a produção de 
mais alguns livros didáticos em Libras pela editora Arara 
Azul com aval do MEC. Em 2009 foi adaptada a Coleção 
Pitanguá, da editora Moderna, composta por livros de 
1ª a 4ª série das disciplinas de Português, Matemática, 
História, Geografia e Ciências, totalizando vinte volumes. 
O ambicioso trabalho durou quase dois anos e contou 
com a participação de 24 profissionais surdos e ouvintes 
dos estados do Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e 
Rio Grande do Sul. Também incluídos no PNLD 2008, a 
entrega nas escolas ocorreu apenas no ano seguinte, quando 
a produção foi finalizada. Em 2011, foram adaptados 
quatro volumes da Coleção Porta Aberta, da editora FTD, 
com obras de 1º e 2º ano nas disciplinas de Português e 
Matemática; e no mesmo ano foram adquiridos pelo MEC 
11 mil exemplares do Dicionário Enciclopédico Ilustrado 
Trilíngue, publicado pela Edusp (RAMOS, 2013; BRASIL, 
2015). Desde 2011 não houve novas publicações de livros 
didáticos em Libras.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial266
Um detalhe importante no edital do PNLD 2011 (5ª 
a 8ª série) é que, ao incluir a cláusula de Libras, foi 
excluída a cláusula sobre a impressão em braille. Em 
2008, já estava em fase de testes o software Mecdaisy, 
desenvolvido pela Universidade Federal do Rio de 
Janeiro a partir do modelo norte-americano Daisy, 
que possibilita a geração de livros digitais falados 
e sua reprodução em áudio sintetizado ou gravado. 
Esse software, lançado oficialmente em 2009, foi 
criado como uma alternativa para os livros do Ensino 
Fundamental II, cuja impressão em braille é mais 
volumosa e custosa.
No edital de livros de literatura também houve um fato 
marcante: em janeiro de 2008 foi publicado, no Diário 
Oficial da União, o PNBE Especial, para aquisição 
de “obras de orientação pedagógica aos docentes da 
Tabela 5
Livros didáticos e paradidáticos produzidos em Libras
Disciplina Série 2006 2007 2009 2011 Total
Biblioteca escolar 5ª a 8ª série 10 - - - 10
Alfabetização 1ª e 2ª série - 1 - - 1
Português 1ª a 4ª série - - 4 2* 6
Matemática 1ª a 4ª série - - 4 2* 6
Ciências 1ª a 4ª série - - 4 - 4
História 1ª a 4ª série - - 4 - 4
Geografia 1ª a 4ª série - - 4 - 4
Total 10 1 20 4 35
* Livros apenas para 1º e 2º anos. 
Fonte: Elaboração da autora a partir dos dados de Ramos (2013).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 267
educação especial bem como de obras de literatura 
infantil e juvenil para os alunos com necessidades 
educacionais especiais sensoriais” (BRASIL, 2008c, p. 
69). Poderiam ser inscritos livros com textos em verso 
– poemas, quadras, parlendas, cantigas, trava-línguas, 
adivinhas; textos em prosa – pequenas histórias, 
novelas, contos, crônicas, textos de dramaturgia, 
memórias, biografias; livros de imagens e de histórias 
em quadrinhos. Os formatos acessíveis dispostos no 
edital eram braille, Libras, áudio e caractere ampliado, 
com previsão de aquisição de 180 obras, sendo 60 
para Educação Infantil; 60 para Ensino Fundamental; 
e 60 para Ensino Médio, estando contemplados nessa 
quantidade os livros de orientação pedagógica. 
Neste programa, o processo de inscrição e avaliação 
das obras não é divulgado publicamente; os professores 
não participam da escolha dos livros – são os próprios 
avaliadores que selecionam as obras –; e a tiragem a ser 
comprada é determinada pelo FNDE/MEC com base no 
Censo Escolar. Em geral, os editais do PNBE são bastante 
disputados pelas editoras de paradidáticos, que produzem 
obras especialmente para a concorrência pública e usam 
seus diversos CNPJs para inscrever o maior número 
possível de títulos por selo editorial. Consequentemente, 
a quantidade de obras inscritas é sempre bastante 
superior à cota a ser comprada pelo MEC. Neste edital 
em particular, entretanto, somente 75 obras foram 
adquiridas, menos da metade pretendida pelo MEC. Por 
ter sido o primeiro edital de obras acessíveis, é possível 
que as editoras estivessem despreparadas, razão pela 
a produção

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