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DISCIPLINA: CRIMINOLOGIA AULA 4 Prof. Carlos Roberto Bacila 2 CONVERSA INICIAL As correntes da criminologia que estudaremos nesta aula fornecem elementos para profundas reflexões a respeito da dicotomia entre conceitos teóricos e a real aplicabilidade na sociedade. Poderemos observar como a busca por uma explicação total ou geral para os crimes sem considerar elementos fundamentais na análise pode distanciar profundamente a teoria da realidade. CONTEXTUALIZANDO Abordaremos alguns temas importantes, os quais você confere a seguir: 1. Criminologia radical ou marxista 2. Tolerância zero e direito penal do inimigo 3. Abolicionismo e funcionalismo 4. A ideologia da defesa social 5. Garantismo TEMA 1 – CRIMINOLOGIA RADICAL OU MARXISTA Essa teoria, também chamada de radical ou marxista, busca a aplicação da ideologia política e econômica para explicar o crime e suas causas. Ela sustenta a adoção do sistema comunista como única saída para a sociedade livrar-se do delito. O crime como fenômeno complexo e profundo, inclusive plural, não pode ser reduzido a uma explicação econômica ou política. Basta vermos os crimes praticados por ódio ou paixão, ciúme ou inveja ou os delitos sexuais e tantos outros que não se vinculam com a explicação radical do delito, como “a revolta do proletário oprimido contra o sistema capitalista cruel”. No livro Criminologia e Estigmas, dedicamos uma parte ao estudo de serial killers: 3 Andrei Chikatilo foi investigado inúmeras vezes; até o retrato falado do criminoso era idêntico à sua fisionomia, mas quando se chegava perto dele tratava-se de um professor, branco, gentil, fala mansa, educado, casado e vivendo num tempo em que a polícia russa acreditava que serial killers eram coisa de capitalismo e que numa sociedade comunista essas coisas não existiam. Ele soube aproveitar este engano de ser um normal que não portava estigmas. Não era suspeito na cabeça das pessoas. Logo, matou pelo menos 21 meninos, 14 meninas e 18 mulheres jovens de uma maneira tão brutal [...] (Bacila, 2015, p. 280). TEMA 2 – TOLERÂNCIA ZERO E DIREITO PENAL DO INIMIGO Conforme a expressão nos inclina a entender, tolerância zero foi um programa de política criminal adotado inicialmente na cidade de Nova York pelo prefeito Rudolph Giuliani, para aumentar significativamente o contingente policial e as prisões e coibir qualquer desvio das pessoas nas ruas, desde pichadores, moradores de rua, pessoa que praticassem furtos ou consumissem drogas. Essa política é baseada na teoria das janelas quebradas, de James Wilson e George Felling. A ideia é que se uma residência tem a vidraça quebrada e não é consertada, a tendência é a de novas depredações e saques ocorrerem. A crítica à tolerância zero é de que a criminalidade atingida é novamente a do vulnerável o qual atua nas ruas, enquanto criminosos do colarinho branco passeiam tranquilos nas calçadas limpas. O direito penal do inimigo é uma corrente desenvolvida principalmente por Günther Jakobs, com a finalidade de diminuir as garantias processuais para criminosos graves, como terroristas, classificados como “inimigos” do Estado. Assim como a política da tolerância zero, essa visão é muito criticada, pois posicionar alguém como “inimigo do Estado”, diminui-lhe o direito à defesa e até de provar que é inocente. TEMA 3 – ABOLICIONISMO E FUNCIONALISMO Conforme a própria palavra nos indica, abolicionismo está relacionado com a ideia de abolir ou extinguir o sistema penal. Os teóricos abolicionistas levam adiante duas propostas: 4 encaminhar os crimes para uma composição com a vítima; simplesmente extinguir o sistema penal. A conclusão de que a pena não tem auxiliado na prevenção de delitos, aliada ao fato de que é mais causadora de mal do que de benefícios à sociedade é a base do abolicionismo. Entre as críticas, destaca-se a elementar abertura do caminho da vingança privada individual ou coletiva diante da ausência explícita da atuação estatal. O funcionalismo no direito penal é o extremo oposto do abolicionismo. Com aquele, busca-se utilizar o direito penal como “função” de resolver questões sociais amplas. Claus Roxin defende um conceito mais ligado aos direitos humanos e à função de defesa de bens fundamentais da sociedade. Já Günther Jakobs sustenta a aplicação da pena como reafirmação da confiança no direito. A crítica que se faz a esta última posição é que essa reafirmação não guarda garantias comprometidas com conquistas iluministas. Assim, pode-se validar um direito democrático ou, num sentido inadequado, um direito autoritário (Bacila, 2015, p. 211). TEMA 4 – A IDEOLOGIA DA DEFESA SOCIAL A “defesa da sociedade” se faz, antes de tudo, com boa educação, bons valores e respeito ao outro. Muito melhor do que ter de combater o delito instalado é preveni-lo com a consciência de respeito ao outro e aos direitos alheios. Durante nove anos, pesquisei para escrever a biografia de Dale Carnegie. Nela, sustentei que o biografado foi um emancipador no seu tempo, ao procurar valorizar pessoas que eram historicamente estigmatizadas, tais como a mulher, o pobre, a pessoa de raça não predominante, aquele que possui deficiência física etc. (Bacila, 2015, p. 185-199). Na criminologia, a denominada “ideologia da defesa social” é exatamente o oposto dos princípios manifestados anteriormente. Atribui-se tal ideologia tanto à Escola Clássica quanto à Escola Positiva e até mesmo correntes mais atuais, a maneira distorcida de “demonizar” o crime, isto é, de trata-lo como um “mal” que deve ser combatido a todo custo e tal combate, como uma guerra santa, 5 deixa de ver que os crimes graves existem e devem ser combatidos. Porém, a maioria dos delitos praticados poderia ser evitada com investimento sério, profundo e verdadeiro na promoção de bons valores por intermédio da educação. TEMA 5 – GARANTISMO O garantismo é uma concepção atualmente muito ligada a Luigi Ferrajoli, o qual tem sua famosa obra Direito e Razão. Conforme a própria palavra diz, procura-se o máximo de garantias no processo penal que visem à proteção do indivíduo que é suspeito ou acusado. Nesse sentido, fala-se em maximalismo penal. O fundamento é bem consistente: a pessoa isolada contra o aparato de poder representado pela polícia, juiz, Ministério Público, prisão etc. fica fragilizada e deve ter mecanismos fortes de defesa, como o direito a advogado, ao silêncio, a não ter provas ilícitas produzidas contra si etc. Do outro lado, na esfera do Direito Penal, sustenta-se a função da ultima ratio ou subsidiariedade do Direito Penal, isto é, sendo um meio tão agressivo contra a pessoa, somente casos graves de condutas altamente lesivas podem ser criminalizados. Nesse sentido fala-se em um minimalismo penal. TROCANDO IDEIAS A criminologia crítica prevê a explicação dos crimes por meio de aspectos políticos e econômicos, e defende o sistema comunista como solução para a sociedade libertar-se do delito. Para a tolerância zero, um pichador seria duramente repreendido e responderia criminalmente pelo seu ato. No direito penal do inimigo, um terrorista teria suas garantias processuais diminuídas. Para o Abolicionismo o criminoso seria encaminhado para uma composição com a vítima ou não receberia pena alguma. Já o funcionalismo utiliza o direito penal para resolver questões sociais amplas. Na defesa social, o crime é um mal que deve ser combatido a todo custo, deixando-sea prevenção da criminalidade em segundo plano. O garantismo prevê a proteção do acusado, assegurando o máximo de garantias no processo penal (maximalismo); por outro lado, sustenta que somente delitos muito graves podem ser criminalizados (minimalismo). 6 Para melhor compreensão do conteúdo sugerimos os vídeos: EADELTA – Escola Nacional de Polícia Judiciária. A vida de Dale Carnegie e sua Filosofia de Sucesso. TVADFP Vídeos, 25 jun. 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XmwLPn3vTqg ENTREVISTA Dr. Carlos Bacila sobre a biografia de Dale Carnegie. Bacila, 12 jan. 2012. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JNfgcZRnv8M SÍNTESE Nesta aula, verificamos a grande diferença de conceitos existentes entre as teorias da criminologia, nos permitindo analisar diversos aspectos de cada uma delas, considerando seus aspectos ideológicos em contraponto com sua aplicação prática na sociedade. REFERÊNCIAS BACILA, C. R. A vida de Dale Carnegie e sua filosofia de sucesso. 2. ed. Curitiba: Belton, 2015. ______. Criminologia e estigmas: um estudo sobre os preconceitos. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2015. ______. Introdução ao Direito Penal e à Criminologia. Curitiba: InterSaberes, 2016.
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