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Titularidade dos Direitos Fundamentais

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Curso de Direitos Fundamentais, 7ª edição
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11.1
“O homem, na verdade, é reconhecido e consagrado, com plenitude de direitos, por ser, efetivamente,
um milagre.”
Pico della Mirandola, no livro A dignidade do homem, de 1486
Objetivos do capítulo: comentar alguns aspectos em torno da titularidade dos direitos fundamentais, verificando
a problemática envolvendo a possibilidade do exercício de direitos fundamentais por estrangeiros não residentes,
por pessoas jurídicas, inclusive de direito público, entre outros assuntos correlatos.
O SER HUMANO COMO TITULAR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
“Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a
felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos
outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover todas as nossas
necessidades.”
Charles Chaplin – “O Último Discurso” (no filme O grande ditador)
Qualquer pessoa, em regra, pode ser titular de direitos fundamentais, não importando a cor da pele, a condição financeira, a
orientação sexual, a idade, a nacionalidade ou qualquer outro atributo. Não é necessário sequer que a pessoa seja plenamente
capaz. Pode ser menor de idade, idoso, portador de deficiência mental etc. Basta que seja um ser humano.
Nesse sentido, o art. 1o do Pacto de San José da Costa Rica prevê o seguinte:
“Artigo 1o Obrigação de respeitar os direitos
1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir
seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de
raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer natureza, origem nacional ou social, posição
econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
2. Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.”
Vale ressaltar que até mesmo os nascituros (fetos e embriões) são protegidos pelo ordenamento jurídico-constitucional, já
que eles são seres humanos em potencial. Nesse sentido, por exemplo, merece ser citado um curioso caso no qual a Comissão
de Ex-Presos Políticos de São Paulo reconheceu o direito à indenização a uma pessoa que havia sofrido torturas quando ainda
estava na barriga da mãe durante o regime militar. Do mesmo modo, merece menção, a título de curiosidade, o Habeas Corpus
32.159/RJ, impetrado em favor de um nascituro, que foi conhecido e deferido pelo Superior Tribunal de Justiça para proteger o
seu direito de nascer.1
Alguns direitos, inclusive, se projetam mesmo após a morte, como o direito à imagem, à honra, ao nome, entre outros.
Podem ser citados vários julgamentos em que houve a proteção de direitos fundamentais de pessoas já mortas. Por exemplo,
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no Caso Oreco, o STJ entendeu que a Editora Abril teria violado o direito de imagem do falecido jogador de futebol Oreco, ao
incluí-lo, sem autorização dos herdeiros, em um álbum de figurinhas que homenageava os “Heróis do Tri”.2
Do mesmo modo, entendeu-se, no Caso Garrincha, que os filhos do famoso jogador seriam parte legítima para defender o
direito à honra e à imagem do pai falecido, que havia sido retratado de forma supostamente decadente na biografia Estrela
solitária: um brasileiro chamado Garrincha, escrito por Ruy Castro. No acórdão, ficou ementado que a honra e a imagem
“permanecem perenemente lembradas nas memórias, como bens imortais que se prolongam para muito além da vida”.3
Finalmente, merece ser mencionado o Caso Iara Iavelberg, que era companheira do guerrilheiro Carlos Lamarca e ativa
militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), um dos mais violentos grupos de combate à ditadura, no período
do regime militar. Em agosto de 1971, Iara foi morta por policiais do DOI/ CODI, em Salvador. Segundo a versão oficial,
divulgada pelos órgãos de segurança na época, ela teria se suicidado após ser descoberta pelos policiais. De acordo com o
jornalista Élio Gaspari, o corpo de Iara ficou numa gaveta do necrotério de Salvador por mais de um mês, para atrair Lamarca.
Depois, foi levado para São Paulo, num caixão lacrado. A família não pôde abri-lo.
Iara, que era judia, foi enterrada na ala dos suicidas no Cemitério Israelita de São Paulo, de costas para a área central e longe
do túmulo do pai, sem as cerimônias tradicionais dispensadas aos demais mortos. Vale ressaltar que o suicídio é considerado um
dos mais graves crimes pelas leis judaicas.
Como havia indícios de que Iara não teria se suicidado, os seus familiares pediram à direção do cemitério a exumação do
corpo. O pedido foi negado, pois os judeus só permitem a exumação em casos de transferência dos restos mortais para Israel,
para enterro próximo a parentes ou se a sepultura for profanada, o que não era o caso.
A família de Iara, não conformada com a postura dos controladores do cemitério, ingressou no Judiciário paulista, obtendo
uma ordem judicial para a exumação do corpo. O intuito era esclarecer as condições da morte da guerrilheira, para tentar
descobrir se houve mesmo o alegado suicídio.
Após longa batalha judicial, a exumação do corpo foi autorizada após decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os
médicos da Universidade de São Paulo, que examinaram o corpo, concluíram ser “improvável que a morte de Iara Iavelberg
tenha ocorrido por suicídio”.
Com isso, os restos mortais de Iara puderam ser transferidos da ala dos suicidas para a área comum do Cemitério Israelita,
resgatando a dignidade da guerrilheira.
Esses exemplos demonstram que os direitos fundamentais podem se projetar para além da vida.
OS ESTRANGEIROS NÃO RESIDENTES
O caput do art. 5o da Constituição de 88 diz que os direitos fundamentais são assegurados aos “brasileiros e estrangeiros
residentes no País”. A locução é infeliz. Ela diz bem menos do que deveria dizer. Ou será que os estrangeiros não residentes no
País não teriam direitos fundamentais?
Defender a interpretação literal da referida expressão poderia levar ao absurdo de se considerar que apenas os brasileiros e
os estrangeiros residentes no país, do sexo masculino, poderiam ser titulares de direitos fundamentais. Afinal, o texto não
menciona nem as brasileiras nem as estrangeiras.
Na verdade, a Constituição não pode ser interpretada “em tiras ou em pedaços”, como sempre lembra o Min. Eros Grau do
STF. Por isso, a expressão brasileiros e estrangeiros residentes no País deve ser analisada junto com o princípio da dignidade
da pessoa humana. A partir do momento em que o constituinte positivou o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1o,
inc. III), pretendeu-se atribuir direitos fundamentais a todos os seres humanos, independentemente de nacionalidade.
Assim, mesmo os estrangeiros (ou estrangeiras) que estejam no país apenas de passagem – fazendo turismo, por exemplo –
podem ser titulares dos direitos fundamentais previstos na Constituição.4 Naturalmente, eles também podem fazer uso de todos
os instrumentos processuais de proteção a esses direitos, salvo naqueles casos em que a própria Constituição limitou o
exercício. Certamente, um estrangeiro não residente não poderia ingressar com ação popular, por exemplo, pois, nesse caso, a
legitimidade ativa é restrita aos cidadãos (art. 5o, inc. LXXIII), e o estrangeiro (até mesmo o que reside aqui no país) não possui
cidadania (no sentido eleitoral), já que a nacionalidade brasileira é condição de elegibilidade (art. 14, § 3o, inc. III, da CF/88).
No mais, não havendo qualquer norma constitucional impeditiva, o estrangeiro não residente pode ingressar, em princípio,com
qualquer ação constitucional de defesa de seus direitos fundamentais. Nesse sentido, o STF, já nos idos de 1958, assinalou que
“o estrangeiro, embora não residente no Brasil, goza do direito de impetrar mandado de segurança”.5
Aliás, até um estrangeiro que nem mesmo esteja no território brasileiro pode, eventualmente, ser titular de direitos
fundamentais. Imagine, por exemplo, a situação de um estrangeiro que tenha investimentos no país. Naturalmente, ele é titular
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de inúmeros direitos decorrentes de sua condição, como o direito de propriedade, os direitos tributários, os direitos processuais
etc., e pode invocá-los em seu favor perante os tribunais nacionais sem qualquer problema.6 Isso sem falar que existe um direito
fundamental que é próprio de estrangeiros não residentes: o direito de asilo político, previsto no art. 4o, inc. X, da Constituição
de 88.
A Constituição, em nenhum momento, diz expressamente que os estrangeiros não residentes no país não podem exercer os
direitos fundamentais. Apenas silencia a respeito. Assim, levando em conta o espírito humanitário que inspira todo o
ordenamento constitucional, conclui-se que qualquer pessoa pode ser titular de direitos fundamentais. O importante é que a
pessoa esteja, de algum modo, sob a jurisdição brasileira.7
Além disso, mesmo que se interprete restritivamente o caput do art. 5o, os estrangeiros não residentes no país poderiam ser
titulares de direitos fundamentais por força do já citado art. 1o do Pacto de San José da Costa Rica, que considera que todo ser
humano pode ser titular desses direitos.
Esse raciocínio vale para qualquer direito fundamental e não apenas para os direitos previstos no art. 5o.
Nesse sentido, merece ser transcrita a ementa de interessante julgado do Tribunal Regional Federal da 4a Região que
reconheceu o direito à saúde a um estrangeiro que estava no país em situação irregular, determinando que o Sistema Único de
Saúde (SUS) custeasse o seu transplante de medula:
“SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. TRANSPLANTE DE MEDULA. TRATAMENTO GRATUITO PARA
ESTRANGEIRO. ART. 5o DA CF.
O art. 5o da Constituição Federal, quando assegura os direitos e garantias fundamentais a brasileiros e estrangeiros
residente no País, não está a exigir o domicílio do estrangeiro.
O significado do dispositivo constitucional, que consagra a igualdade de tratamento entre brasileiros e estrangeiros, exige
que o estrangeiro esteja sob a ordem jurídico-constitucional brasileira, não importa em que condição.
Até mesmo o estrangeiro em situação irregular no País encontra-se protegido e a ele são assegurados os direitos e
garantias fundamentais (TRF 4a Região, AG 2005040132106/PR, j. 29/8/2006).”
Mais recentemente, o STF tomou uma decisão semelhante, ao entender que “a assistência social prevista no artigo 203,
inciso V, da Constituição Federal beneficia brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os
requisitos constitucionais e legais” (STF, RE 587.970, rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 20/4/2017, Acórdão
Eletrônico DJe-215 divulg 21/9/2017 public 22/9/2017).
E nem se pense que esse posicionamento reflete uma mentalidade infantil típica da cordialidade brasileira. Até mesmo em
um país individualista e ultranacionalista como os EUA, entende-se que os estrangeiros ilegais também podem ser titulares de
direitos fundamentais. Por exemplo, no Caso Plyler vs. Doe, a Suprema Corte daquele país reconheceu a inconstitucionalidade
de uma lei do Texas que negava educação pública às crianças que não haviam ingressado legalmente no país. A Corte,
acolhendo a alegação de um grupo de crianças do México, reconheceu que a lei texana era inconstitucional por violar a cláusula
da igualdade.8
DIREITOS FUNDAMENTAIS COM TITULARIDADE RESTRITA
Em princípio, o exercício do direito fundamental independe de qualquer requisito. Isso não significa dizer, contudo, que não
possam existir direitos fundamentais cuja titularidade é restrita a determinada categoria de pessoas.
Por exemplo, existem alguns direitos fundamentais que são restritos às presidiárias.9 Há, ainda, alguns direitos restritos aos
portadores de deficiência,10 aos idosos11 e às mulheres,12 por exemplo. Do mesmo modo, os direitos trabalhistas, obviamente,
somente podem ser titularizados por quem é trabalhador. A Constituição de 88 também restringiu o direito de não ser
extraditado tão somente aos brasileiros natos.13 Na mesma linha, pode-se dizer que o direito de votar somente pode ser exercido
pelos maiores de 16 anos, sendo vedado o alistamento eleitoral de estrangeiros e, durante o período do serviço militar
obrigatório, dos conscritos.14
Há, inclusive, alguns direitos fundamentais restritos a pessoas jurídicas. Assim, a título ilustrativo, o direito de impetrar
mandado de segurança coletivo somente pode ser exercido por “a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em
defesa dos interesses de seus membros ou associados” (art. 5o, inc. LXX, da CF/88). De igual modo, o art. 8o, III, da
Constituição de 88 estabelece que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria,
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inclusive em questões judiciais ou administrativas”. Pode-se mencionar, ainda, o direito próprio das associações de não serem
compulsoriamente dissolvidas, a não ser por decisão judicial transitada em julgado (art. 5o, inc. XIX, da CF/88), bem como a
proteção contra a interferência estatal em seu funcionamento (art. 5o, inc. XVIII, da CF/88).
AS PESSOAS JURÍDICAS COMO TITULARES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Já que as pessoas jurídicas foram mencionadas, deve-se reconhecer que elas também podem ser titulares de direitos
fundamentais, naquilo em que for compatível com a sua natureza.
Não seria muito lógico dizer, por exemplo, que a cláusula constitucional que proíbe a tortura, a pena de morte ou a
extradição deveria ser aplicada às pessoas jurídicas, pois esses direitos somente são compatíveis com a natureza das pessoas
físicas. Igualmente, as empresas, embora sejam pessoas no sentido jurídico, não possuem o direito de votar nem de serem
votadas, pois o exercício dos direitos políticos é restrito aos cidadãos. Também nesse sentido, a Súmula 365 do STF estabelece
que “pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular”.
Por outro lado, é possível reconhecer que as empresas são capazes de ser titulares de direitos ligados a sua atividade
econômica, como o direito de propriedade, o direito à livre iniciativa e os direitos de caráter fiscal (garantias constitucionais do
contribuinte).
Igualmente normal é reconhecer que uma empresa jornalística, por exemplo, seja titular do direito de liberdade de imprensa.
Do mesmo modo, uma igreja, organizada formalmente como pessoa jurídica, é, sem dúvida, titular dos direitos de religião,
inclusive a imunidade tributária sobre “templos de qualquer culto” (art. 150, inc. IV, b, da CF/88).
Há certos direitos fundamentais que, em princípio, seriam titularizados apenas por pessoas físicas, mas que, eventualmente,
podem favorecer pessoas jurídicas. A título ilustrativo, hoje se reconhece que as empresas podem exigir indenização por dano
moral15 ou mesmo que podem ser beneficiárias da gratuidade da Justiça.16 De igual modo, o artigo 52 do novo Código Civil diz:
“aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”.
AS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITOPÚBLICO
E as pessoas jurídicas de direito público podem ser titulares de direitos fundamentais?
Essa questão é de grande complexidade, pois, em princípio, é completamente paradoxal considerar que o Estado seja, ao
mesmo tempo, sujeito ativo e passivo de direitos fundamentais. É uma situação até meio esquizofrênica, já que o Estado estaria
invocando direitos fundamentais para se proteger dele mesmo! Na verdade, os direitos fundamentais, por natureza, são
instrumentos de proteção contra o Estado e não a favor do Estado.17 Apesar disso, o entendimento majoritário é de que existem
alguns direitos fundamentais que podem ser titularizados por pessoas jurídicas de direito público.
Essa ideia – por mais estranha que seja – pode ser assimilada com mais facilidade se se pensar que os direitos fundamentais
visam não somente à proteção da dignidade da pessoa humana, mas também à limitação do poder. E, em determinadas
hipóteses, até mesmo o Estado estará em uma situação de sujeição ao poder. A título de exemplo, quando a Fazenda Pública é
parte litigante em um processo judicial, ela está sujeita ao poder do juiz. Daí por que se entende que as garantias constitucionais
de caráter processual (ampla defesa, contraditório, tutela efetiva etc.) também se aplicam em favor da Fazenda Pública, até
porque o Poder Judiciário tem o dever de observar a Constituição, mesmo que em benefício do próprio Estado.
Nesse mesmo sentido, tem-se entendido que pessoas jurídicas de direito público podem ingressar com mandado de
segurança caso também sejam vítimas do abuso do poder de outro ente estatal.18
Imagine a seguinte situação: a União, de forma abusiva, deixa de repassar para determinado Município as verbas do Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef). Em uma hipótese assim, é perfeitamente aceitável que se
reconheça ao referido Município o direito fundamental de impetrar o mandado de segurança contra o ato federal abusivo. O ente
municipal poderia, inclusive, alegar, na sua argumentação, uma violação ao direito à educação, embora os verdadeiros titulares
desse direito sejam os alunos e não o próprio Município.
Logo, as pessoas jurídicas de direito público, excepcionalmente, quando estiverem em uma posição de sujeição, poderão
invocar as normas constitucionais que consagram direitos fundamentais para se protegerem do abuso do poder de outro ente
estatal.
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TITULARIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS
Merece ser mencionada ainda a problemática questão envolvendo a titularidade dos direitos sociais.
Existe uma corrente doutrinária e jurisprudencial, a meu ver correta, que defende que somente aquelas pessoas em
desvantagem social poderão exigir do Estado a prestação dos serviços que decorrem dos direitos econômicos, sociais e culturais
(saúde, educação, moradia, alimentação etc.). Nesse sentido, Paul Singer chega a defender que os direitos sociais são direitos
condicionais: vigem apenas para quem depende deles para ter acesso à parcela da renda social, condição muitas vezes
fundamental para sua sobrevivência física e social – e, portanto, para o exercício dos demais direitos.19
Na verdade, todas as pessoas podem ser titulares dos direitos sociais. No entanto, o Estado somente é obrigado a
disponibilizar os serviços de saúde, educação, assistência social etc. para aqueles que não têm acesso a esses direitos por conta
própria. Desse modo, apenas as pessoas que não podem pagar pelos serviços de saúde, de educação etc. podem, em dadas
circunstâncias, exigir judicialmente o cumprimento da norma constitucional. Mais à frente, quando for analisada a dimensão
subjetiva dos direitos fundamentais e a possibilidade de efetivação judicial dos direitos socioeconômicos, esse aspecto será
explicado com detalhes (Parte III).
RELAÇÕES ESPECIAIS DE SUJEIÇÃO
Ainda dentro dessa mesma temática envolvendo a titularidade dos direitos fundamentais, vale tecer alguns comentários
sobre as chamadas relações especiais de sujeição.
As relações especiais de sujeição ou de poder são aquelas situações em que a necessidade de viabilizar o adequado
funcionamento de determinadas instituições exige uma limitação mais intensa de direitos fundamentais específicos dos
indivíduos que as integram.20
Como exemplos desse tipo de relações, podem ser apontadas as relações jurídicas em que se inserem os funcionários
públicos, os presos, os militares e os estudantes. Nesses casos, a eficiência administrativa (em relação aos servidores públicos),
a segurança (em relação aos presos), a hierarquia militar (em relação aos militares) e a disciplina educacional (em relação aos
estudantes) justificam maior restrição a determinados direitos fundamentais titularizados por indivíduos nessas situações, a fim
de viabilizar o funcionamento da instituição em que estão inseridos.
Assim, ilustrando com alguns exemplos, a liberdade de expressão dos servidores públicos, em certos casos, não tem a
mesma abrangência da dos outros cidadãos, podendo ser restringida para que se exija deles que mantenham sigilo quanto aos
fatos e informações a que tiveram acesso em razão da função desempenhada, sempre que isso for justificado. Tome-se como
exemplo a situação de funcionários do Judiciário que tenham acesso a processos judiciais sigilosos ou de funcionários do Banco
Central que, em razão de sua atividade, possuem acesso a informações financeiras altamente confidenciais. Nesses casos, a
liberdade de expressão desses funcionários, no que se refere a essas informações sigilosas, não tem a mesma dimensão da
liberdade de expressão titularizada pelos demais cidadãos.
Do mesmo modo, os presos não podem exercer o direito à liberdade de reunião ou ao sigilo de comunicações na mesma
extensão que as pessoas em geral, sob pena de comprometer-se a segurança das prisões e de viabilizar-se a prática de crimes em
seu interior.
Na mesma linha, a necessidade de manutenção da disciplina e da hierarquia no âmbito das instituições militares justifica que
o regime aplicável às pessoas que as integram envolva restrição ao exercício de alguns direitos, como o direito de greve, de
sindicalização e de livre manifestação do pensamento.21 Aliás, com relação aos militares, a Constituição expressamente
estabelece uma série de limitações ao exercício de direitos fundamentais. Por exemplo, no próprio texto constitucional está
previsto que “não caberá habeas-corpus em relação a punições disciplinares militares” (art. 142, § 2o), ou então que “ao militar
são proibidas a sindicalização e a greve” (art. 142, § 3o, inc. IV). Além disso, os militares poderão ser presos mesmo sem ordem
judicial, em caso de “transgressão militar ou crime propriamente militar”, conforme autoriza o art. 5o, inc. LXI.22
De certo modo, o mesmo raciocínio aplica-se aos estudantes que, por estarem em processo educacional, podem sofrer
restrições a alguns direitos. Assim, por exemplo, a sua liberdade de locomoção pode ser limitada, obrigando-os a permanecerem
em sala de aula até um momento determinado.
A doutrina não faz menção às crianças de modo geral como inseridas nas relações especiais de sujeição, mas é inegável que,
sobre elas, até mesmo por sua incapacidade civil, incide uma série de restrições que as impedem de exercitar inúmeros direitos
fundamentais. Assim, por exemplo, elas não podem trabalhar (salvo como aprendizes a partir de 14 anos), não podem frequentar
determinados lugares (como boates ou casas noturnas), não podem comprar produtos específicos ainda que lícitos (como
cigarros ou bebidas, por exemplo), nem podem ter acesso a determinadas formas de manifestações artísticas destinadas ao
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público adulto (como revistas, filmes ou peças de teatro que contenham cenas de sexo, por exemplo). Essas restrições são
nitidamente justificadas em razão do dever de proteção contido no art. 227 da Constituição, já que uma criança ainda não tem
maturidade para exercer, com plenitude, a sua autonomia privada.23 Há várias normas no Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei no 8.069/90) regulamentando essas medidas.
Finalmente, já concluindo, para evitar mal-entendidos, é preciso enfatizar, conforme já dito, que os indivíduos, em
quaisquer situações que se encontrem, permanecem titulares de direitos. Assim, a relação especial de sujeição não estabelece
uma autorização genérica para que o Estado opere compressões nos direitos de forma injustificada.
O que ocorre é que nessas situações há motivos relevantes capazes de autorizar certas limitações específicas a determinados
direitos fundamentais, aplicando-se, no caso, o princípio da proporcionalidade para verificar se essa limitação é compatível com
a Constituição. No momento oportuno (Parte IV), o princípio da proporcionalidade será analisado detidamente e certamente
essa matéria será compreendida com mais facilidade.
OS DIREITOS DOS ANIMAIS
“Chegará o dia em que um crime contra um animal será considerado um crime contra a própria
humanidade.”
Leonardo da Vinci
Para finalizar esta parte do Curso de direitos fundamentais, vale fazer algumas considerações acerca dos direitos dos
animais. Afinal, os animais podem ser considerados sujeitos de direitos? Em outras palavras: os direitos fundamentais também
podem ser titularizados por seres não humanos?
Como se sabe, a noção original de dignidade da pessoa humana foi moldada e construída a partir da concepção de que o
“homem é a medida de todas as coisas”. Feitos à imagem e semelhança de Deus, os homens seriam criaturas divinas especiais
ocupando um lugar de destaque no universo, até porque o planeta Terra seria o centro de tudo.
Essa concepção de mundo, bastante cômoda por fornecer algum sentido especial da nossa existência, foi paulatinamente
sendo destruída pelas descobertas científicas.
Primeiro, vieram Copérnico, Kepler, Galileu, entre outros, que demonstraram que a Terra gira em torno do Sol e não o
contrário. Logo, se existisse um centro para o universo, esse centro seria ocupado pelo Sol e não pela Terra.
Depois, vieram os astrônomos com seus poderosos telescópios que demonstraram que a Via Láctea é apenas mais uma entre
bilhões de outras galáxias que compõem o universo (cerca de 140 bilhões), muitas delas bem maiores do que a nossa. “Nossa
galáxia, a Via Láctea, é apenas uma entre bilhões de outras, sendo sua posição perfeitamente irrelevante. Nosso planeta não
ocupa uma posição especial no sistema solar, nosso Sol não ocupa uma posição especial em nossa galáxia, e nossa galáxia não
ocupa uma posição especial no Universo.”24
Além disso, dentro da linha temporal do universo, ainda somos apenas bebês. A Terra tem cerca de 4,6 bilhões de anos,
enquanto os homens existem há apenas alguns milhares de anos.
Para perceber a nossa insignificância temporal, faça o seguinte exercício: abra os braços como o Cristo Redentor. Agora
tente imaginar que a história do universo é representada como uma linha do tempo esticada entre as mãos na extremidade dos
seus dois braços estendidos. Uma lixa de unha seria capaz de apagar toda a existência humana com um único aparar de unhas.25
“Nós fazemos parte de apenas cerca de 0,0001% da história da terra.”26 Logo, há várias criaturas que chegaram muito antes de
nós.
Em um contexto menos cosmológico, Charles Darwin apresentou provas convincentes de que os homens seriam apenas uma
evolução natural dos primatas, que, na luta pela vida (struggle for life), conseguiram desenvolver algumas habilidades
diferenciadoras, como a capacidade de raciocinar e de se comunicar.
Um século depois de Darwin, com a descoberta do DNA e com o mapeamento do genoma humano, ficou efetivamente
demonstrado que não somos muito diferentes, em essência biológica, dos nossos ancestrais primatas:
“Por mais complexa que seja, no nível químico a vida é curiosamente trivial: carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio,
um pouco de cálcio, uma pitada de enxofre, umas partículas de outros elementos bem comuns – nada que você não
encontre na farmácia próxima –, e isso é tudo de que você precisa. A única coisa especial nos átomos que o constituem é
constituírem você. É o milagre da vida.”27
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Será que somos mesmo apenas “filhos do carbono e do amoníaco”, como defendia pessimistamente o poeta Augusto dos
Anjos? Somos apenas “lixo nuclear” ou “refugos estelares”, como dizem os astrofísicos mais realistas?
Não é bem assim. Na verdade, a própria ciência, responsável pela destruição dos mitos da criação, cuidou de encontrar
respostas para tornar mais relevante nosso papel no universo. Como defende Simon Singh, parece que as forças que controlam a
evolução do universo foram ajustadas cuidadosamente para que existíssemos.28 O princípio antrópico – prossegue Singh –
declara que qualquer teoria cosmológica deve levar em conta o fato de que o universo evoluiu para nos conter.29
No mesmo sentido, Bryson explica:
“Para estar aqui agora, vivo no século XXI e suficientemente inteligente para saber disso, você também teve de ser o
beneficiário de uma cadeia extraordinária de boa sorte biológica. A sobrevivência na Terra é um negócio extremamente
difícil. Das bilhões e bilhões de espécies de seres vivos que existiram desde a aurora do tempo, a maioria – 99,99% – não
está mais aqui”.30
Seguindo essa mesma linha de reflexão, Marcelo Gleiser chega à conclusão de que:
“somos mesmo raros, que a vida é um privilégio e que a inteligência é uma centelha do divino que carregamos conosco.
Com o poder vem a responsabilidade: se somos raros, devemos fazer todo o possível para preservar o que temos, para
preservar nossa casa, nosso maravilhoso planeta, que nos permitiu chegar até aqui. Temos o dever não só de preservar a
vida aqui, mas de criar uma ética cósmica, de espalhá-la pela galáxia, de fazer do cosmo uma entidade humana. Talvez
seja esse o nosso destino: povoar o universo de vida, celebrando a cada dia sua criatividade inigualável. Se as estrelas
nos deram a poeira da qual somos feitos, e o Sol a energia para animá-la com vida, cabe a nós louvá-la. Disso depende o
futuro de nossa espécie e, talvez, da vida no universo.”31
Se é certo que essa nova visão, baseada no princípio antrópico, consegue justificar o reconhecimento da dignidade humana
sob uma ótica bem mais científica, não se pode negar que ela também serve para fortalecer a crença de que os animais também
merecem proteção jurídica. Afinal, os animais, tanto quanto os seres humanos, possuem algumas características que os fazem
dignos de respeito e consideração. Os animais, por exemplo, são capazes de sentir dor e manifestar esse sentimento, há animais
que conseguem se comunicar, e alguns têm até consciência da sua própria existência. Portanto, não seria exagerado afirmar que
existe uma dignidade animal.32
Aliás, nesse sentido, a própria Constituição brasileira, ao consagrar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
positivou expressamente uma norma que determina que o poder público, para assegurar a efetividade desse direito, deve
“proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a
extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (art. 225, § 1o, inc. VII, da CF/88). Houve, portanto, clara proteção
constitucional em favor dos animais.
Com base na referida norma constitucional, o Supremo Tribunal Federal julgou umimportante caso envolvendo a chamada
“farra do boi”.33
Tratava-se de uma ação civil pública, proposta por quatro organizações não governamentais de defesa dos animais,34 contra
o Estado de Santa Catarina, na qual as autoras pretendiam obrigar o Poder Público a tomar medidas concretas para proibir a
prática da festa denominada “farra do boi”. De acordo com as autoras, a referida festa ocasionava a crueldade dos animais,
ferindo o mencionado art. 225, § 1o, inc. VII, da Constituição de 88, que impõe ao poder público a obrigação de proteger a
fauna, proibindo práticas que submetam os animais à crueldade.
O Estado de Santa Catarina, em sua defesa, argumentou, entre outras coisas, que a “farra do boi” era uma manifestação
cultural bastante entranhada em significativas parcelas da sociedade catarinense, especialmente as de origem ou descendência
açoriana. Para reforçar sua tese, o Estado apresentou um estudo multidisciplinar (Comissão de Estudos da “Farra do Boi”),
tecendo considerações históricas, sociológicas e etnográficas sobre o evento, a fim de demonstrar que não se tratava de uma
prática tão cruel quanto se imaginava e, portanto, merecia a proteção estatal, em nome do valor cultural nela contido. Citou, em
favor da tese que defendia, o art. 215 da Constituição Federal, que obriga ao Estado apoiar as manifestações culturais.35
O STF, ao julgar o caso, entendeu que a obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais,
incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não afasta a necessidade de observar a norma constitucional que veda
prática que acabe por submeter os animais à crueldade, de modo que a “farra do boi” não seria constitucionalmente aceitável.36
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Imagem da “farra do boi” em Santa Catarina. O evento foi proibido pelo STF após ficar comprovado que era demasiadamente
cruel aos animais. Na foto, o animal é o boi.
No mesmo sentido, o STF já declarou a inconstitucionalidade de normas estaduais que regulamentavam a chamada “briga
de galo”, entendendo que essa prática violaria o dever estatal previsto no art. 225, § 1o, inc. VII, da Constituição de 88:
“CONSTITUCIONAL. MEIO AMBIENTE. ANIMAIS: PROTEÇÃO: CRUELDADE. ‘BRIGA DE GALOS’.
I. – A Lei 2.895, de 20.03.98, do Estado do Rio de Janeiro, ao autorizar e disciplinar a realização de competições entre
‘galos combatentes’, autoriza e disciplina a submissão desses animais a tratamento cruel, o que a Constituição Federal
não permite: C.F., art. 225, § 1o, VII.
II. – Cautelar deferida, suspendendo-se a eficácia da Lei 2.895, de 20.03.98, do Estado do Rio de Janeiro.”37
Mais recentemente, ao analisar a constitucionalidade de uma lei estadual que regulamentava a vaquejada, prática tradicional
e muito comum no nordeste do país em que pessoas montadas em cavalos perseguem um boi para derrubá-lo em um local
específico, o STF entendeu que tal prática causaria maus-tratos aos animais, razão pela qual concluiu pela inconstitucionalidade
da lei, por violação do art. 225 da CF/1988 (STF, ADI 4.983/CE, 2016). Tal decisão gerou uma reação social e política que
traduz bem o conceito de um fenômeno conhecido como backlash. Logo após a decisão da Corte, foi aprovada uma lei federal
elevando a vaquejada “à condição de manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural imaterial” (Lei nº
13.364/2016). Em seguida, foi aprovada uma emenda constitucional para deixar explícita que a vaquejada não constituiria
maus-tratos aos animais. Trata-se, como se nota, de um exemplo preciso do fenômeno do backlash político à atuação judicial.
Diante desse quadro, vê-se que ainda estamos longe de poder afirmar, com absoluta certeza, que os animais são titulares de
direitos fundamentais. Diante do direito brasileiro, eles são, na verdade, objetos de tutela constitucional e, portanto, constituem
bens de valor jurídico a serem protegidos pelo fato de possuírem atributos de seres vivos, mas não são propriamente sujeitos de
direitos. A Constituição ainda é antropocêntrica, ou seja, centrada no ser humano, embora isso não retire a legitimidade da luta
pela inclusão de todos os seres vivos como merecedores de determinados direitos, algo ainda a ser conquistado.38
Curso de Direitos Fundamentais, 7ª edição
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 O referido Habeas Corpus tinha como pano de fundo a polêmica questão do aborto de fetos anencéfalos. Por enquanto, não é tão importante
conhecer as questões de mérito dessa discussão, o que será feito no momento oportuno. Basta saber que até mesmo os fetos podem ser
favorecidos pelos direitos fundamentais, inclusive através das ações constitucionais.
 STJ, RESP 113.963/SP, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. 20/9/2005.
 STJ, 521.697/RJ, rel. Min. César Asfor Rocha, j. 18/9/2003.
 Em sentido contrário: “Inexistência de violação à isonomia. a Constituição Federal dispondo literalmente sobre a igualdade de tratamento entre
brasileiros e estrangeiros residentes no país, norma que expressamente não inclui em seu alcance a situação de estrangeiros não residentes no
país” (TRF 3, HC 16.239-SP, rel. Juiz Peixoto Júnior, j. 8/6/2004).
 STF, MS 4.706/DF, rel. Min. Ari Franco, j. 31/7/1958.
 Nesse sentido, em um julgamento de 1957, o STF entendeu que “o direito de propriedade é garantido a favor do estrangeiro não residente” (STF,
RE 33.319/DF, rel. Min. Cândido Motta, j. 7/11/1957).
 A esse respeito, vale citar o seguinte acórdão do Supremo Tribunal Federal, envolvendo a extradição de um estrangeiro: “a essencialidade da
cooperação internacional na repressão penal aos delitos comuns não exonera o Estado brasileiro – e, em particular, o Supremo Tribunal Federal –
de velar pelo respeito aos direitos fundamentais do súdito estrangeiro que venha a sofrer, em nosso País, processo extradicional instaurado por
iniciativa de qualquer Estado estrangeiro. O extraditando assume, no processo extradicional, a condição indisponível de sujeito de direitos, cuja
intangibilidade há de ser preservada pelo Estado a que foi dirigido o pedido de extradição (o Brasil, no caso).
O Supremo Tribunal Federal não deve autorizar a extradição, se se demonstrar que o ordenamento jurídico do Estado estrangeiro que a requer
não se revela capaz de assegurar, aos réus, em juízo criminal, os direitos básicos que resultam do postulado do ‘due process of law’ (RTJ 134/56-
58 – RTJ 177/485-488), notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes
perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante” (STF, Ext953/RFA, Rel. Min. Celso de Mello, j. 28/9/2005).
 Cf. SUNSTEIN, Cass R. The second bill of rights: FDR’s revolution and why we need it more than ever. New York: Basic Books, 2004, p. 150.
Vale ressaltar, contudo, que, em matéria de saúde, o sistema norte-americano é um dos mais injustos do mundo. Há, inclusive, um ótimo
documentário, produzido pelo cineasta Michael Moore, chamado Sicko (2007), que retrata as distorções do sistema de saúde – público e privado
– nos Estados Unidos. Lá, cerca de 40% da população não possuem plano de saúde nem é assistida pelo Estado.
 “Art. 5o L – às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.”
 A título meramente exemplificativo, podem ser citados os seguintes dispositivos constitucionais: “Art. 7o, XXXI – proibição de qualquer
discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”; “Art. 37, VIII –a lei reservará percentual dos
cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”; “Art. 203, V – a garantia de um
salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”; “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de: [...] III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.”
 Por exemplo: “Art. 230, § 2o Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.”
 “Art. 7o, XX – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei.”
 “Art. 5o, LI – nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de
comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”. Vale ressaltar que “não será concedida extradição
de estrangeiro por crime político ou de opinião” (art. 5o, inc. LII).
 “Art. 14, § 2o Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos.”
 Nesse sentido, há a Súmula 227 do STJ: “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.
 “A Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos EREsp 388.045/RS, consolidou entendimento no sentido de que as
pessoas jurídicas podem ser beneficiárias da assistência judiciária gratuita de que trata a Lei 1.060/50. Em se tratando de entidade filantrópica, de
assistência social ou similares, basta o requerimento e a declaração do estado de pobreza, a qual goza de presunção juris tantum, incumbindo,
portanto, à parte ex adversa a prova em contrário. De outro turno, tratando-se de pessoas jurídicas com fins lucrativos, cabe ao requerente
comprovar a impossibilidade de pagamento dos encargos do processo, sem comprometer a sua existência” (STJ, REsp 656.274/ SP, rel. Min.
DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/5/2007, DJ 11/6/2007 p. 264).
 Nessa mesma linha, a Corte Constitucional alemã já decidiu que “os direitos fundamentais não são por princípio aplicáveis às pessoas jurídicas de
direito público ao realizarem tarefas públicas [...]. Se os direitos fundamentais se referem à relação dos indivíduos para com o poder público,
então é com isso incompatível tornar o Estado, ele mesmo, parte ou beneficiário dos direitos fundamentais. O Estado não pode ser, ao mesmo
tempo, destinatário e titular dos direitos fundamentais” (cf. SCHWAB, Jürgen. Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional
Alemão.Montevideo: Konrad Adenauer Stiftung, 2006, p. 170). Aqui no Brasil, seguindo uma lógica semelhante, o STF sumulou o entendimento
de que “a garantia da irretroatividade da lei, prevista no artigo 5o, inc. XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela entidade
estatal que a tenha editado” (Súmula 654).
 Por outro lado, há entendimento do STF negando aos entes públicos legitimidade ativa para impetrar o mandado de injunção: “outorgar ao
Município legitimidade ativa processual para impetrar mandado de injunção seria elastecer o conceito de direitos fundamentais além daquilo que
a natureza jurídica do instituto permite” (STF, AGRMI 595/MA, rel. Min. Carlso Velloso, DJ 23/4/99). Há, contudo, entendimento contrário:
“Não se deve negar aos Municípios, peremptoriamente, a titularidade de direitos fundamentais e a eventual possibilidade de impetração das ações
constitucionais cabíveis para sua proteção. Se considerarmos o entendimento amplamente adotado de que as pessoas jurídicas de direito público
podem, sim, ser titulares de direitos fundamentais, como, por exemplo, o direito à tutela judicial efetiva, parece bastante razoável vislumbrar a
hipótese em que o Município, diante de omissão legislativa do exercício desse direito, se veja compelido a impetrar mandado de injunção. A
titularidade de direitos fundamentais tem como consectário lógico a legitimação ativa para propor ações constitucionais destinadas à proteção
efetiva desses direitos” (STF, MI 725/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 10/5/2007).
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 SINGER, Paul. A cidadania para todos. In: PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla (Org.). A história da cidadania. São Paulo: Contexto, 2003, p. 191.
 Sobre o assunto, vale conferir PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar,
2006, p. 385-429.
 Os exemplos foram fornecidos por PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, p. 385-429.
 “Art. 5o, inc. LXI: ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo
nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.”
 “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
 GLEISER, Marcelo. A dança do universo: dos mitos de criação ao big-bang. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 353.
 SINGH, Simon. Big bang. São Paulo: RCB, 2006, p. 439.
 BRYSON, Bill. Uma breve história de quase tudo. São Paulo: Quetzal, 2004, p. 484. Para ilustrar a dimensão irrisória da participação humana
no Planeta Terra, Marcelo Gleiser faz a seguinte ilustração: vamos imaginar que a Terra não tenha 4,6 bilhões de anos, mas apenas 46 anos.
Nessa escala, nada podemos afirmar concretamente sobre a vida na primeira década de existência da Terra. A vida surgiu há pelo menos 35 anos,
quando a Terra tinha onze anos. Montanhas e oceanos se formaram, e durante muito tempo a vida permaneceu em seu estado primitivo. Seres
multicelulares surgiram há vinte anos. A vida floresceu nos oceanos há apenas seis anos, e saiu da água há quatro. Plantas e animais dominaram a
superfície há dois anos. Os dinossauros atingiram o auge de sua existência há um ano, e quatro meses depois estavam extintos. Macacos
humanoides se transformaram em humanoides macacos na semana passada, e a última Idade do Gelo ocorreu há alguns dias. Nossa espécie –
Homo sapiens – surgiu cerca de uma hora atrás. E a renascença, junto com nossos heróis, Copérnico, Galileu, Kepler e Newton, aconteceu há
apenas três minutos! (GLEISER, Marcelo. Poeira das estrelas. Rio de Janeiro: Globo, 2006, p. 224-225).
 BRYSON, Bill. Uma breve história de quase tudo. São Paulo: Quetzal, 2004, p. 12.
 SINGH, Simon. Big bang. São Paulo: RCB, 2006, p. 451.
 SINGH, Simon. Big bang. São Paulo: RCB, 2006, p. 451. O filósofo canadense John Leslie imaginou o cenário do pelotão de fuzilamento para
elucidar o princípio antrópico. Imagine que você foi acusado de traição e está esperando para ser executado diante de um pelotão de vinte
soldados. Você ouve a ordem para disparar, vê os vinte fuzis atirararem e então percebe que nenhuma bala o atingiu. A lei diz que você pode ir
embora, livre, em tal situação, mas, à medida que caminha para liberdade, começa a se perguntar por que ainda está vivo. Será que todas as balas
erraram por acaso? Será que esse tipo de coisa acontece uma vez a cada 10 mil execuções, ou você apenas teve muita sorte? Ou haveria um
motivo por trás de sua sobrevivência?Será que todos os vinte integrantes do pelotão de fuzilamento erraram deliberadamente porque acreditavam
na sua inocência? Ou será que, quando as miras dos fuzis foram calibradas na noite anterior, houve um erro de alinhamento, de modo que todos
os fuzis dispararam dez graus para a direita do alvo? Você pode passar o resto da sua vida presumindo que a execução fracassada foi produto
apenas do acaso, mas será difícil não associar algum significado mais profundo à sua sobrevivência (SINGH, Simon. Big bang. São Paulo: RCB,
2006, p. 451-452).
 BRYSON, Bill. Uma breve história de quase tudo. São Paulo: Quetzal, 2004, p. 12.
 GLEISER, Marcelo. Poeira das estrelas. Rio de Janeiro: Globo, 2006, p. 275.
 Para uma visão interessante em defesa da dignidade dos animais, vale a leitura do polêmico livro: SINGER, Peter. Ética prática. São Paulo:
Martins Fontes, 1998.
 STF, RE 153.541-1-SC, rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio.
 São elas: APANDE – Associação Amigos de Petrópolis – Patrimônio, Proteção aos Animais, Defesa da Ecologia; LDZ – Liga de Defesa dos
Animais; SOZED – Sociedade Zoológica Educativa; e APA – Associação Protetora dos Animais.
 Eis o texto constitucional: “Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e
apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.”
 A ementa do acórdão é a seguinte: “COSTUME – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ESTÍMULO – RAZOABILIDADE – PRESERVAÇÃO DA
FAUNA E DA FLORA – ANIMAIS – CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais,
incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inc. VII do art. 225 da Constituição Federal,
no que veda a prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado ‘farra do
boi’ (STF, RE 153.541-1-SC, rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio).” Veja-se trecho do voto do Min. Marco Aurélio, relator para o acórdão, que
sintetiza o argumento vencedor: “é justamente a crueldade o que constatamos ano a ano, ao acontecer o que se aponta como folguedo sazonal. A
manifestação cultural deve ser estimulada, mas não a prática cruel. Admitida a chamada ‘farra do boi’, em que uma turba ensandecida vai atrás do
animal para procedimentos que estarrecem, como vimos, não há poder de polícia que consiga coibir esse procedimento. Não vejo como chegar-se
à posição intermediária. A distorção alcançou tal ponto que somente uma medida que obstaculize terminantemente a prática pode evitar o que
verificamos neste ano de 1997. O Jornal da Globo mostrou um animal ensanguentado e cortado invadindo uma residência e provocando
ferimento em quem se encontrava no interior. Entendo que a prática chegou a um ponto a atrair, realmente, a incidência do disposto no inciso VII
do artigo 225 da Constituição Federal. Não se trata, no caso, de uma manifestação cultural que mereça o agasalho da Carta da República. Como
disse no início de meu voto, cuida-se de uma prática cuja crueldade é ímpar e decorre das circunstâncias de pessoas envolvidas por paixões
condenáveis buscarem, a todo custo, o próprio sacrifício do animal”.
 STF, ADI no 1.856/MC, rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 22/9/2000.
 A título de curiosidade, a Constituição do Equador, aprovada em 2008, foi a primeira do mundo a reconhecer que a natureza (Pacha Mama) é
titular de direitos fundamentais formalmente reconhecidos pelo Estado, a nível constitucional. Do mesmo modo, no caso Pueblo Indígena Kichwa
de Sarayaku Vs. Ecuador (2012), a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu que o Equador teria violado diversos direitos humanos
do Povo Sarayaky ao permitir a exploração petrolífera em um território pertencente à comunidade indígena sem consultá-la, nem levar em conta
Curso de Direitos Fundamentais, 7ª edição
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os fortes laços sociais e espirituais daquela comunidade com a natureza. O relevante desse caso foi reconhecimento de que o valor a ser protegido
não seria meramente individual (dos membros da tribo enquanto indivíduos), mas de toda a comunidade enquanto sujeito coletivo com uma
identidade cultural particular a justificar uma proteção especial. Daí a conclusão: “La Corte considera que la falta de consulta al Pueblo
Sarayaku afectó su identidad cultural, por cuanto no cabe duda que la intervención y destrucción de su patrimonio cultural implica una falta
grave al respeto debido a su identidad social y cultural, a sus costumbres, tradiciones, cosmovisión y a su modo de vivir, produciendo
naturalmente gran preocupación, tristeza y sufrimiento entre los mismos” (p. 69). Assim, os direitos humanos deveriam ser compreendidos em
sua dimensão coletiva a fim de proteger não apenas os indivíduos enquanto tais, mas toda a identidade cultural e espiritual que os vincula,
devendo a comunidade ser tratada como autêntica titular e sujeita coletiva de direitos (CIDH, Sentencia Pueblo Indígena Kichwa de Sarayaku Vs.
Ecuador. CDH-12.465/207, 25 de julho de 2012. A decisão pode ser lida em: <http://tinyurl.com/pgzwdsc>. Acesso em: 30 nov. 2017).
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