Buscar

Aula - Revisão de Políticas Públicas pelos Tribunais - Justicialização da Política

Prévia do material em texto

Revisão de Políticas Públicas pelos Tribunais - Justicialização da Política
O Poder Judiciário no Estado Social Democrático de Direito
No Estado liberal, o Judiciário deveria ser neutro em relação aos demais poderes. Já no Estado Social Democrático de Direito, o Judiciário deve estar alinhado com os objetivos do próprio Estado, não podendo mais se falar na neutralização de sua atividade. 
Ou seja, não se espera mais do Judiciário a sua não interferência, mas uma atuação proativa, a fim de fazer valer os fins previstos na Constituição. Dessa forma, o Poder Judiciário encontra-se constitucionalmente vinculado à política estatal.
Assim, considerando que a política pública é, como objeto de estudo da ciência do Direito, o instrumento que materializa os direitos fundamentais dispostos na Constituição Federal, podemos afirmar que a judicialização da política é um caminho sem volta, como comprova a jurisprudência do STF. 
Cabe-nos analisar as causas, os fundamentos e as críticas a esse fenômeno.
As causas da judicialização
Judicialização quer dizer que questões políticas e sociais não estão mais sendo decididas somente pelas instâncias políticas tradicionais – Executivo e Legislativo – mas também pelo Poder Judiciário. 
Inúmeras são as causas desse fenômeno. Algumas revelam uma tendência mundial, outras são oriundas do sistema institucional brasileiro.
Barroso aponta três principais causas da judicialização: a redemocratização do país, a constitucionalização abrangente e o modelo brasileiro de controle de constitucionalidade.
O processo de redemocratização do país, ao devolver à magistratura suas garantias e ao reavivar na sociedade o espírito da cidadania, fortaleceu o Judiciário e aumentou a demanda por justiça. 
O Judiciário deixou de ser um poder técnico para se transformar num poder político, com força para fazer valer a Constituição. A sociedade, com mais consciência e maior nível de informação, passou a buscar com mais frequência a proteção aos seus direitos.
A constitucionalização abrangente trouxe para o bojo da Constituição matérias que até então eram de decisão exclusiva da política majoritária. O receio de um retorno ao regime ditatorial fez com que o constituinte procurasse inserir o máximo de garantias na Constituição.
A Constituição brasileira é desconfiada do legislador. Afirma Barroso que constitucionalizar determinada matéria significa transformar Política em Direito. A partir do momento em que valores, objetos de prestação estatal, sejam transformados em normas constitucionais, passam a se converter numa pretensão jurídica, passível de ação judicial.
O controle de constitucionalidade brasileiro, caracterizado por ser um misto do sistema americano e europeu, congrega o controle incidental e difuso, pelo qual qualquer juiz ou tribunal pode – no caso concreto – deixar de aplicar uma lei por achá-la inconstitucional, e o concentrado, por meio do qual o Supremo Tribunal Federal declara a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo. 
Vários estudos apontam que os instrumentos de revisão judicial, desde a promulgação da Constituição Federal, tiveram um forte impacto na sociedade civil e se mostraram efetivos, indicando a consolidação dessa via de judicialização.
De acordo com a doutrina, não se deve confundir a politização do Judiciário com a política exercida pelo Legislativo e pelo Executivo. 
Uma justiça politizada passa a analisar as relações de meio e fim. O juiz, ao ver o mundo como um problema político, tem a obrigação de, ao proferir uma decisão, avaliar os resultados que ela irá provocar.
Neste sentido, a judicialização não é uma escolha do Judiciário, mas deriva de um modelo institucional vigente.
Este modelo, destaca-se, é oriundo da forma em que foi concebido e entendido o princípio da separação dos poderes na Constituição Federal de 1988, distinto da concepção original, implementado nos primórdios do estado liberal constitucional.
A Constituição Federal de 1988 e a relativização do princípio da separação dos poderes
A separação dos poderes, na concepção clássica, era vista como uma garantia. A divisão garantia que se evitasse a concentração de atribuições, e consequentemente, um governo autocrático. A separação, como fundamento da ordenação constitucional clássica, protegia os súditos contra o arbítrio do soberano e lhes oferecia uma visão clara das competências de cada órgão.
Hodiernamente, o princípio da tripartição dos poderes também é visto como garantia constitucional pelo ordenamento jurídico brasileiro, sendo considerado cláusula pétrea. Entretanto, na atual conjuntura constitucional, este princípio sofreu certa relativização. 
Atualmente, o princípio da separação dos poderes deve ser encarado como um sistema de freios e contrapesos. Esses freios, em alguns casos, assinalam num momento formas de equilíbrio, noutro interferência. Esse sistema foi contemplado pela Constituição Federal, no seu art. 2 º, quando dispõe que os poderes são independentes, mas também harmônicos entre si. 
Esse princípio foi relativizado em virtude das contradições e incompatibilidades que se encontra o Estado, perante o aumento das suas responsabilidades sociais e da posição em que deve se colocar para proteger não só os direitos à liberdade, mas também os direitos sociais e coletivos
O Judiciário, com a relativização desse princípio e, consequentemente, com o aumento de suas responsabilidades, passa a interferir nos demais Poderes. Quando o Judiciário invalida atos dos outros dois poderes ou atua na ausência de manifestação expressa do legislador ou administrador quando estes deveriam tê-lo feito, depara-se inevitavelmente com o problema da justificação política ou da legitimação democrática de seu ato. É neste ambiente que emergem as principais críticas ao fenômeno da judicialização. 
Principal crítica à judicialização: Intromissão indevida do Poder Judiciário em funções típicas dos outros poderes e decisões contrárias à soberania popular
Uma das principais críticas que se faz à judicialização da política é de que ao declarar inconstitucional um ato legislativo ou uma ação do executivo eleito, o Poder Judiciário frustra a vontade dos representantes do povo. Estaria, assim, exercendo o controle não em nome da maioria “vigente”, mas contra ela.
Nesta linha de raciocínio, além de ser contra majoritário rever os atos do Legislativo e do Executivo, a prática de judicialização da política pode, num sentido mais amplo, ter uma tendência de enfraquecimento do processo democrático ao longo do tempo.
Outros argumentos recorrentes mobilizados pelos autores que se posicionam contra a judicialização de políticas evocam uma indevida ingerência do Poder Judiciário em matérias de competência do Poder Executivo, assim como a necessidade de “racionalidade da administração”, que envolve a autonomia das administrações em definir critérios para a execução de políticas.
Essa linha de crítica à judicialização afirma que o Poder Executivo e o Poder Legislativo estão em melhores condições políticas de definir e implementar as políticas públicas. 
Isso porque os legisladores, assim como os integrantes do executivo, contam com ampla equipe de técnicos e assessores, os quais podem lhes fornecer as informações necessárias para a melhor distribuição de recursos. Já os juízes, que se ocupam apenas de lides individuais, não têm uma dimensão do todo, ou seja, não estão capacitados, devido à sua posição no espaço político, a promover uma política de distribuição de recursos. 
Ainda se pode adicionar a esse argumentos outros conteúdos que evocam sentidos “sociais”, como a ideia de que o acesso ao Poder Judiciário é restrito a segmentos mais abastados da sociedade. 
Os defensores deste entendimento acreditam que os juízes iludem-se ao pensar que estão atuando no sentido de distribuir recursos aos mais necessitados e de reduzir as desigualdades sociais.
Nesses casos, o Poder Judiciário estaria, na verdade, aumentando estasdesigualdades, pois não estaria concedendo recursos aos menos favorecidos, mas, sim, àqueles que possuem o capital econômico para procurar advogados e reivindicar seus direitos frente ao Poder Judiciário.
Assim, investimentos públicos estariam sendo desviados dos realmente desprovidos de quaisquer recursos em favor dos integrantes da classe média organizada.
Da mesma forma, verifica-se a presença dos argumentos baseados em princípios teóricos como a doutrina alemã do “princípio da reserva do possível”, que prega a máxima de que somente parte do orçamento público pode ser “disputável” em demandas judiciais.
Esse argumento fundamenta que se o Poder Judiciário tentar resolver todos os problemas de uma determinada área (saúde, por exemplo), o Estado iria à falência e deixaria de investir em outras searas consideradas relevantes, como educação, segurança e lazer.
Há ainda o argumento da isonomia/equidade. Essa concepção defende que todos os cidadãos devem ser tratados igualmente, o que significa tratar a todos com igualdade de respeito e de consideração. Segundo os que defendem esta linha, o Poder Judiciário brasileiro rompe com esse princípio, pois, ao tentar dar tudo a todos, acaba dando tudo a alguns e nada a outros.

Continue navegando