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FILOSOFIA DO DIREITO AS CORRENTES DO PENSAMENTO FILOSÓFICO JURÍDICO Aula3 Escolas Jurídicas: Por escola jurídica entende-se um grupo de autores que compartem determinada visão sobre a função do direito, sobre os critérios de validade e as regras de interpretação das normas jurídicas e, finalmente, sobre os conteúdos que o direito deveria ter (SABADELL, 2002). O Jusnaturalismo O jusnaturalismo é uma palavra que decorre da união dos termos jus e naturalismo e representa uma doutrina que valoriza o direito natural, o ius naturale, como um sistema de normas aplicáveis à conduta em sociedade. É neste sentido que encontramos a tese de que os direitos naturais decorrem da razão (método dedutivo). Segundo Guido Fassò (1997, p. 655) no verbete Jusnaturalismo da obra Dicionário de Política de Norberto Bobbio, O jusnaturalismo é uma doutrina segundo a qual existe e pode ser conhecido um direito natural (ius naturale), ou seja, um sistema de normas de conduta intersubjetiva diverso do sistema constituído pelas normas fixadas pelo Estado (direito positivo). Em razão desta concepção afirmamos que o Jusnaturalismo representa uma escola de pensamento que defende tese da existência de um direito natural superior ao direito positivo e que lhe confere validade. Os pensadores jusnaturalistas também foram designados por jusracionalistas, no período moderno, porque conceberam a ideia de uma racionalidade universal. O Positivismo Jurídico O positivismo jurídico é uma corrente de pensamento que defende a ideia segundo a qual só existe um direito – o direito positivo. O modelo de Hans Kelsen (1881-1973) ainda é predominante no estudo do Direito quando se observa o positivismo jurídico. Este modelo concebe a ciência jurídica como uma ciência dogmática, pois delimita como objeto do Direito apenas a norma jurídica, ou seja, o direito posto pelo Estado. Ciência dogmática: doutrina que se apresenta como verdade indiscutível e, portanto, deve ser aceita sem contestação. Na obra Teoria Pura do Direito Kelsen defendeu a autonomia do Direito como ciência conferindo- lhe um objeto próprio, a norma jurídica, e um método específico, o princípio metodológico fundamental, também designado de princípio da pureza, que opera um corte epistemológico (separação em relação às demais ciências) e um corte axiológico (ruptura com a esfera dos valores). O cientista do direito, segundo Kelsen, deve abster-se de valores estranhos ao objeto da ciência jurídica, porque nesse caso o conhecimento para ser científico deve ser neutro em relação aos valores. Não é da competência da ciência jurídica discutir os fins políticos desta ou daquela norma jurídica, se é justa ou não, mas ressaltar uma preocupação eminentemente jurídico- científica. Kelsen construiu a noção de norma hipotética fundamental como a primeira norma transcendental, uma norma suposta, como uma exigência lógica, uma ficção que sustenta o fundamento de validade da ordem jurídica. O positivismo jurídico, portanto, foi importante corrente de pensamento jurídico que predominou no séc. XIX e primeira metade do Séc. XX e pode ser visto como a concepção que reduziu o direito à lei, “o direito era visto como sinônimo de lei”, uma teoria que estuda o direito a partir das normas (OLIVEIRA, 2012, p. 38). O filósofo do direito, Ronald Dworkin, na obra levando os direitos a sério (2002, p. 27) nos oportuniza sintetizar as ideias centrais do positivismo quando assevera que o direito é o conjunto de regras identificáveis; regras jurídicas e direito são sinônimos e que se há uma obrigação jurídica possível significa que a situação fática se enquadra em uma regra jurídica válida. A discordância que há entre o Jusnaturalismo e o Juspositivismo situa-se exatamente na suposta existência de um direito natural e na sua posição em relação ao direito positivo. Os positivistas consideram apenas o direito positivo, direito é sinônimo de lei. Para os jusnaturalistas direito é sinônimo de justiça (OLIVEIRA, 2012). Direito e Moral Aula 4 O Direito é um vocábulo plurívoco ou polissêmico. Sob o ponto de vista filosófico estamos diante de um conceito “semanticamente vazio” que dependerá do contexto. O que isto significa? Significa dizer que não existe um conceito estabelecido como certo. Existem muitos autores que abraçaram a tarefa de conceituação do termo Direito e trazem diferentes contribuições. Pode-se afirmar que até o séc. XIX o termo Direito estava vinculado a uma “arte empírica”; um “conjunto de aspirações subjetivas de justiça”; “formas de comportamento causal” e “normas positivas de conduta” (Nalini, 2008). Podemos conceber o direito no sentido grego clássico como nomos e ligado à verdade; podemos repensar o sentido do direito natural desenvolvido pelos estoicos com reflexos no cristianismo medieval e, nesse contexto, compreender a dicotomia direito natural e direito positivo. Segundo Nalini (2008) as duas formas se complementam. O direito positivo é uma ordenação criada pelo Estado. Immanuel Kant (1724-1804), na obra Metafísica dos Costumes, por exemplo, apresenta uma definição filosófica importante para o Direito como o “conjunto das condições, por meio das quais o arbítrio de um pode estar de acordo com o arbítrio de um outro segundo uma lei universal da liberdade”. Princípio universal do direito: “age exteriormente de maneira que o uso livre do teu arbítrio possa estar de acordo com a liberdade de qualquer outro, segundo uma lei universal”. Do que estamos falando quando se trata de moral? A ética e moral são conceitos diferentes, mas confundidos com frequência pelo senso comum. O que é ética? O que é moral? Ética: Sob o ponto de vista etimológico, ética é um termo que deriva da palavra grega ethos que já observamos que designa costume, hábitos e práticas de uma cultura e liga-se ao sentido de caráter (ARANHA; MARTINS, 2014). Moral: A palavra moral decorre do latim mos, mores que também significa maneira de se comportar regulada pelo uso, ou seja, costumes (ARANHA; MARTINS, 2014). A moral é histórica e vincula- se a determinada cultura com seus padrões. "O que é moralidade num dado tempo e lugar?" (DUPRÉ, 2015). Aquilo que determinado grupo social reconheceu como bom, útil e desejável e atribuiu um valor moral. A ética estuda os fatos morais que ocorrem quando agentes morais agem no mundo, fazem escolhas que impactam na vida de outras pessoas e isso poderá ocorrer de maneira positiva ou negativa. “são fatos sociais que dizem respeito ao bem e ao mal, juízos sobre as condutas dos agentes, convenções históricas sobre o que é certo ou errado, justo ou injusto, legítimo ou ilegítimo” (SROUR, 2008, p. 7). Os fatos morais podem assumir três dimensões diferentes: os fatos podem ser morais, imorais ou amorais (neutros). Um fato social será amoral ou neutro, por exemplo, quando estamos diante de situações sociais corriqueiras ou triviais, tais como: ir ao cinema, visitar amigos, viajar, ler um romance, ir ao futebol etc. – não implicam efeitos morais sobre outras pessoas. Um fato social moral será aquele em que há uma conduta conforme as regras morais dominantes (SROUR, 2008). Se fizerem um uso abusivo considerado como consumo irresponsável, estaremos diante de um fato imoral, uma conduta imoral (SROUR, 2008). A polêmica relação do Direito com a Moral Para o juspositivismo, de um modo geral, o Direito está separado da esfera da moral. Basta lembrarmos da ideia kelseniana do corte axiológico que já estudamos. Para as doutrinas não positivistas elementos morais devem estar presentes na esfera do Direito, porque Direito e Moral estariam conectados (OLIVEIRA, 2012).Atualmente o senso comum acredita que Direito é apenas a lei. Para os antigos a lei era a materialização de um hábito, uma prática social, envolvia hábitos, costumes, crenças religiosas e também o édito dos governantes. Nas sociedades pré-capitalistas moral e direito estavam misturados de maneira que uma regra moral era punida com a pena capital. Foi no século XIX que vivenciamos com o positivismo jurídico a separação entre direito e moral, sendo o direito o conjunto de normas criado pelo Estado – o direito positivo – sem se misturar com valores morais (OLIVEIRA, 2012). Ideia que foi construída na ideologia do Estado Moderno. A JUSTIÇA Aula 5 O que é justiça? Como a identificamos? Qual o papel da racionalidade e da razoabilidade na compreensão desse valor? Será que a justiça não estaria muito mais ligada ao modo como agimos do que às instituições que nos circundam? Sob o ponto de vista filosófico, podemos observar duas percepções principais para o termo Justiça. 1. ideia de conformidade da conduta a uma determinada norma (Aristóteles. Ética a Nicômaco, Livro V/ Ulpiano. Digesto, Livro I). 2. 2. A segunda acepção que a Filosofia oferece ao termo justiça refere-se à norma em si e não mais à pessoa e seu comportamento. Segundo Abbagnano (1962, p. 566), liga-se ao sentido de eficiência da norma para viabilizar as relações humanas. A justiça será um instrumento e poderá estar ligada a fins como a felicidade, a utilidade, a liberdade, igualdade e a paz (ABBAGNANO, 1962). Aristóteles, no Livro V da Ética a Nicômaco, nos oportunizou uma interessante classificação da justiça em:em: justo universal e particular. No sentido particular dividida em: justiça distributiva e justiça corretiva. 1. Justiça universal ou total: justiça no sentido amplo, conformidade ao nomos. 2. Justiça particular: hábito de realizar a igualdade. Divide-se em justo particular distributivo e corretivo. 2.1. Justiça particular distributiva: desvela a igualdade na devida proporção. São as ações da sociedade política com seus membros. Igualdade proporcional. 2.2. Justiça particular corretiva: regula as relações entre cidadãos e usa o critério do justo meio ou igualdade matemática. Subdivide-se em: comutativa ou judicial. Igualdade matemática. No mundo antigo os sofistas defenderam a ligação entre justiça e utilidade, tese que ressurge no período moderno, particularmente em David Hume que compreendia a justiça como útil para salvaguardar a felicidade e a segurança, preservando a ordem na sociedade (apud ABBAGNANO, 1962, p. 566). A relação entre justiça e liberdade aparece no pensamento kantiano quando surge o sentido de justiça como a existência de liberdades compatibilizadas entre si, numa dada sociedade. Quanto à paz, muitos pensadores compreendem que a justiça seria um critério importante para salvaguardar a paz. Interessante que esta ideia pode ser vista em Thomas Hobbes quando, na obra De Cive (I, § 15), sustenta a tese do fato da violência em que o homem é mal por natureza e, neste horizonte, somente um ordenamento justo poderia assegurar a paz sufocando qualquer possibilidade de guerra de todos contra todos. A ideia de justiça como igualdade pode ser identificada nas teorias filosóficas, a começar pelo pensamento de Pitágoras, que consideram a igualdade na reciprocidade, ou seja, posso esperar do outro aquilo que ele poderá esperar de mim. A justiça como igualdade baseou-se nessa ideia de expectativas recíprocas entre cidadãos de uma mesma comunidade. Atualmente podemos pensar em suas diversas representações: como conformidade à lei; como instrumento para diferentes fins humanos; como igualdade entre as partes; como função distributiva numa sociedade em que há uma grande demanda de bens e poucos bens disponíveis; como entende o senso comum que a liga às decisões judiciais ou ao proferir um juízo de valor diante de algum acontecimento: “a justiça foi feita”. Justiça é um conceito polissêmico que vai desde a virtude grega até a legalidade de nossos dias. No sentido antropológico liga-se a existência humana; num aspecto psicossociológico uma expectativa individual de reparação de um dano sofrido; social e política enquanto reconhecimento da necessidade de regras para existência coletiva. Talvez uma forma de reconhecimento do outro (FARAGO, 2004).
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