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Flávio Limoncic & Francisco Carlos Falomanes Martinho Organizadores A Grande Depressão: política e economia na década de 1930 Europa, Américas, África e Ásia CIVILIZAÇÃO I)IIASILEIIIA Rio de Janeiro 2009 CAPÍTULO 3 O México e a Grande Depressão de 1929* Enrique Cárdenas Sánchez** * Tradução de Alfredo Dario Schprejer. ** Centro de Estúdios Espinosa Yglesias, México. O autor agradece a excelente colabora- ção de Adrián Guizar. Esta é uma versão amplamente revisada do que foi apresentado no meu trabalho La hacienda pública y la política econômica, 1929-1958, México, Fondo de Cultura Econômica, 1994. A Grande Depressão é um período que provocou mudanças permanentes na evolução histórica da economia do México. O país experimentou um forte processo de substituição de importações na década de 1930; a in- dústria se transformou no motor de crescimento, devido a um fenômeno similar ocorrido em outras economias latino-americanas: a redução das exportações e do seu poder de compra provocou fortes desvalorizações no câmbio. Isso, por sua vez, alterou os preços relativos entre os bens internos e os bens externos, ocasionando uma mudança na demanda, de tal forma que os bens produzidos no setor industrial externo, ao melho- rar a rentabilidade na indústria interna, foram substituídos por outros de origem nacional; assim, foram estabelecidas as bases para a acumulação de capital produtivo. Esse período redefiniu, ainda, o papel do Estado na sociedade e na economia. As políticas monetária e fiscal expansionistas impulsionaram o processo substitutivo antes descrito, o que permitiu, por um lado, que a economia saísse da crise e, por outro, que mais tarde se mantivesse alto o nível da demanda agregada. Além disso, os programas de investimentos públicos geraram externalidades positivas importantes, que foram inter- nalizadas principalmente pelo setor industrial privado. O Estado também se transformou, até certo ponto, no avalizador de alguns direitos sociais. Outra conseqüência importante foi o desenvolvimento de instrumen- tos financeiros utilizados pelo governo federal para tentar minimizar o temporal econômico que acometeu o país naquele momento, instrumen- tos que persistem até os nossos dias e cuja efetividade foi amplamente fortalecida. Nesse sentido, a Grande Depressão foi um divisor de águas A G R A N D E D E P R E S S Ã O ao dotar o país (indiretamente) de instrumentos de política econômica que se mostrariam extremamente úteis nas décadas seguintes. Este ensaio é dividido em quatro partes. Na primeira, descrevem-se os acontecimentos que incidiram na economia nacional anteriores à Grande Depressão norte-americana, assim como o impacto dessa em nosso país. Na segunda, descreve-se a política econômica posta em prática durante a Grande Depressão, assim como seus efeitos sobre a economia nacional. Na seção três, narra-se, brevemente, o processo de recuperação econômi- ca que foi exercido sob o impacto da crise de 1929-1932. Na seção qua- tro, faz-se um resumo das transformações que as finanças públicas sofre- ram nesse processo, tanto nos seus instrumentos como na sua operação. Finalmente, são apresentadas algumas conclusões sobre o período. 1. ORIGEM E IMPACTO DA CRISE O pânico de Wall Street, em outubro de 1929, desencadeou uma série de forças econômicas depressivas em todo o mundo ocidental. Na realidade, a crise da bolsa foi apenas um elemento a mais dentro do complexo con- junto de sintomas depressivos que já vinham sendo gestados ao longo dos anos 20 e é vista como o ponto de partida da crise econômica mais profun- da do século X X . Durante a maior parte da década de 1920, a Europa, devastada pela guerra, precisou de enormes quantidades de bens e serviços de todos os tipos para satisfazer às necessidades de sua economia, desde alimentos e roupas até maquinaria e matérias-primas. A maior parte desses recursos veio dos Estados Unidos, o que, por sua vez, representou uma força expansiva para esse país, que se refletiu numa situação econômica de bonança durante os primeiros anos da década. A capacidade produtiva dos Estados Unidos cresceu muito rapidamente durante esse decênio. Na metade da década, no entanto, uma vez que os países europeus iniciaram sua recuperação econômica e, pouco a pouco, recuperaram sua capacidade produtiva, começou a ser gerado um excesso de capacidade excedente no mundo ocidental, só perceptível nos mercados internacio- nais. O excesso de oferta se manifestou no setor agrícola e no de maté- rias-primas essenciais para a indústria, o que se refletiu apenas em uma pequena recessão, em 1927, então diagnosticada como temporária. A economia norte-americana recuperou-se rapidamente em conseqüência 9 4 O M É X I C O E A G R A N D E D E P R E S S Ã O D E 1 9 2 9 da política monetária expansionista do Federal Reserve, e os sintomas dessa recessão ficaram para trás.1 Quase imediatamente, o sistema financeiro e a bolsa nova-iorquina expe- rimentaram um auge que culminou dramaticamente no crash de Wall Street, no fim de outubro de 1929. A partir daí, a economia norte-americana caiu em uma prolongada depressão, que transformou por completo a concepção da política econômica e repercutiu praticamente em todo o mundo.2 Não obstante, a crise de 1929 na bolsa dos Estados Unidos e suas conseqüências imediatas não foram o ponto de partida da depressão me- xicana. Na realidade, a economia nacional estava apenas se recuperando, lentamente, dos efeitos da Revolução3 quando, a partir de 1925, começou a sentir o impacto de várias forças depressivas, que foram agravadas em 1927 pela recessão dos Estados Unidos, já mencionada. Os termos de tro- ca mexicanos tinham se deteriorado em 4%, entre 1926 e 1929, embora o volume da demanda externa pelos minerais mexicanos, a fonte tradicional de divisas do país, tenha permanecido em um nível alto depois da reces- são de 1927. No entanto, o outro bem de exportação mais importante, o petróleo, vinha diminuindo continuamente a sua importância desde o princípio dos anos 1920, quando havia alcançado o seu nível mais alto de produção. A competição exercida pelo desenvolvimento das jazidas venezuelanas no Lago de Maracaibo,4 cujo custo de extração era sensivel- mente mais baixo do que no México, transferiu a pesquisa e a exploração do México para a Venezuela. Portanto, a redução da demanda externa ocasionada pela crise econômica de 1929, ao diminuir drasticamente a entrada de divisas dos Estados Unidos, simplesmente reforçou a tendência descendente das exportações petrolíferas durante a década de 1920. A redução das exportações teve um impacto negativo de natureza monetária, pois o valor inferior das exportações se traduziu em saídas de dólares do país, gerando, por sua vez, uma contração monetária interna. Além do mais, a contração do setor externo reduziu o nível da arrecadação fiscal, devido à enorme importância das entradas fiscais provenientes dos impostos que incidiam na exploração dos recursos minerais e no comércio exterior. Isso significou, por sua vez, a redução dos gastos públicos, devido à política ortodoxa do secretário (ministro) da Fazenda, Luis Montes de Oca. A política fazendária baseava-se na busca permanente de um orça- mento equilibrado, o que, nessas condições, implicava um nível reduzido de gasto governamental e de demanda agregada.5 Esse processo restritivo da demanda agregada foi fortemente acelerado pela crise de 1929. A G R A N D E D E P R E S S Ã O Os termos de troca e o volume das exportações diminuíram drastica- mente, em função tanto da baixa repentina na demanda externa, ao dimi- nuir as vendas ao estrangeiro, quanto do aumento nas tarifas de importa- ção nos Estados Unidos a partir de 1930. Na realidade, o produto nacional dos Estados Unidos caiu a uma taxa médiaanual de 8,2%, em termos reais, entre 1929 e 1933, quando a depressão chegou ao fundo nesse país.6 Em conseqüência, os termos de troca mexicanos se deterioraram em 20,8%, enquanto o volume de exportações diminuiu em 3 7 % entre 1929 e 1932, o que acarretou uma queda de 50 ,3% no poder de compra das exportações (Quadro l).7 Em termos comparativos, o México foi um dos países mais afetados pela Grande Depressão, seguido de perto somente pelo Chile, no que se refere à contração do Produto Interno Bruto (Quadro 2). QUADRO 1. Variáveis macroeconômicas durante a Grande Depressão (porcentagens) C â m b i o pe rcen tua l , 1 9 2 9 - 1 9 3 2 Tota l M é d i a a n u a l E x p o r t a ç õ e s (dó la res ) -64 ,9 - 2 3 , 0 I m p o r t a ç õ e s (dó la res ) -67 ,8 -24 ,7 Te rmos d e t r o c a -20 ,8 -5 ,7 C a p a c i d a d e d e impo r ta r -50 ,3 - 1 6 , 0 PIB real - 1 7 , 6 -4 ,7 P r o d u ç ã o indus t r ia l real - 3 1 , 3 - 1 1 , 8 P r e ç o s no a t a c a d o - 1 8 , 8 -5 ,1 C â m b i o n o m i n a l ' 4 7 10,1 C â m b i o real 21 ,9 5 ,1 Rese rvas i n te rnac iona i s (dó la res ) 8 -53 ,4 - 2 2 , 5 O f e r t a mone tá r i a 3 - 60 ,2 - 2 6 , 5 NOTAS: Valores em preços correntes, a menos que se indique o contrário. ' Pesos por dólar dos Estados Unidos. 2 Período 1929-1931, já que no último ano chegaram ao seu nfvel mais baixo. No período 1929-1932, os valores são 23,6 e 5,4, respectivamente. " Período 1929-1931, já que no último ano a oferla monetária chegou no seu nível mais baixo. No período 1929- 1932 os valores sâo -45,6 e -14,1, respectivamente. FONTE: Enrique Cárdenas, La industríalización mexicana durante Ia gran depresión. Centro de Estúdios Econô- micos / El Colégio de México, 1987, p. 34. A Grande Depressão impactou a economia nacional por meio de três canais essenciais; primeiro, pela diminuição da demanda e dos preços do setor exportador, em conseqüência da queda das vendas aos Estados Unidos 9 6 O M É X I C O E A G R A N D E D E P R E S S Ã O DE 1 9 2 9 e aos demais países com os quais o México comerciava; segundo, pela dete- rioração da balança comercial e de serviços, impactando o nível de reservas internacionais dentro e fora do Banco do México, ao mesmo tempo que aumentava a exportação de ouro, o que diminuiu a oferta monetária, com a conseqüente recessão econômica; terceiro, pela queda das exportações e da atividade econômica em geral, que reduziu o nível da arrecadação fiscal e, portanto, também o gasto público, pois não havia possibilidades reais de fi- nanciar um déficit, ainda que isso fosse desejado pelas autoridades. Vejamos cada um desses canais de transmissão com mais detalhes. A redução de preços e a queda da arrecadação nos Estados Unidos e, portanto, da sua demanda por produtos estrangeiros afetaram o setor exportador mexicano de forma direta. Tanto o valor como o volume das exportações diminuíram, sem uma redução similar das importações, o que deteriorou a balança comercial do país. Um superávit de 96,9 mi- lhões de dólares em 1929 reduziu-se a apenas 39,2 milhões em 1932. Dado que o valor de retorno das exportações8 era de 6 6 % em 1926, a crise externa foi transmitida ao resto da economia, embora apenas 3 % da força de trabalho urbana trabalhassem nos setores de mineração e petrolífero, atividades que geravam cerca de 6 5 % do valor de todas as exportações.9 Essa situação contrasta de maneira fundamental com aque- las observadas no Brasil ou na Colômbia, onde o principal produto de exportação — o café — era uma atividade de mão de obra intensiva, e, portanto, onde a porcentagem de retorno das exportações era muito maior, e a crise se estendeu facilmente a outros setores (Quadro 2). QUADRO 2. Produto Interno Bruto setorial, 1929-1935 (Taxa de crescimento real anual) Venezuela Colômbia Peru Brasil Chile Argentina Uruguai México 1929 13,4% 3,6% 10,5% 0,2% 9,7% 4,6% 0,8% -3,9% 1930 1,8% -0,9% -11,2% -6,0% -6,1% -4,1% 13,7% -6,3% 1931 -19,2% -0,6% -12,0% -2,2% -24,7% -6,9% -17,3% 3,4% 1932 -4,2% 5,6% -5,0% 3.5% -1,1% -3,3% -7,2% -15,0% 1933 9,4% 5,6% 34,7% 7,8% 18,4% 4,7% -12,5% 11,4% 1934 6,7% -2,1% 16,8% 8,4% 13,8% 7,9% 19,1% 6,8% 1935 7,3% 11,2% 2,7% 2,7% 1,9% 4,4% 5,9% 7,4% FONTE: Angus Maddison, The World Economy: Historícal Statistcs, Development Centre of lhe Organizalion for Economic Co-operation and Development, OECD, 2003. A G R A N D E D E P R E S S Ã O O segundo canal de transmissão da crise externa foi o balanço de pagamentos, pela deterioração da balança comercial e das reservas no Banco do México. Naturalmente, a redução das reservas internacionais afetou negativamente a base monetária, o que, por sua vez, reduziu a quantidade de dinheiro em circulação. A recessão externa fez diminuir o volume e o valor das exportações, e, consequentemente, o superávit da balança comercial diminuiu de 96,9 milhões, em 1929, para apenas 39,2 milhões, em 1932. Por outro lado, o nível médio das reservas internacionais do Banco do México caiu de 22,9 milhões de dólares para 10,7 milhões entre 1929 a 1931, o que equivaleu a uma queda de 53 ,4%; o mesmo sucedeu ao câmbio, que se depreciou em 2 1 , 9 % no mesmo período. A reação do secretário da Fazenda, Montes Oca — convencido de que era indispensável voltar ao padrão-ouro e conser- var o valor da moeda — foi tentar deter a desvalorização do peso-prata. Muito a contragosto, ele aceitou suspender o pagamento do serviço da dívida em ouro, que havia conseguido meses antes, com o objetivo de reter no país esses recursos. Além disso, continuou com a cunhagem de pesos-ouro, que havia reiniciado em 1927 quando chegara à Secretaria, e praticamente suspendeu a cunhagem de pesos-prata. Seu propósito era modificar a relação existente entre moedas de ouro e moedas de prata em circulação para recuperar o valor perdido dos pesos-prata em relação ao ouro ou ao dólar. Desde janeiro de 1929 até o abandono do chamado padrão ouro em julho de 1931, as autoridades monetárias cunharam 48,3 milhões de pesos-ouro e praticamente só moedas de prata fracionárias.10 A redução do superávit comercial neutralizou a cunhagem de moedas e, portanto, a oferta monetária (definida como a soma de notas e moedas em circulação mais os depósitos em conta corrente) caiu de 656 milhões de pesos, em 1929, para apenas 272 milhões, em 1931; uma baixa relativa de 60 ,2%, enquanto, em termos reais, a queda foi de 41 ,4%. A contração monetária naturalmente im- pulsionou as taxas de lucro às alturas, com efeitos recessivos colaterais sobre o nível da atividade econômica. Finalmente, o terceiro canal de transmissão foram as finanças públicas. Dado que os impostos sobre o comércio exterior eram tão importantes em relação ao total das entradas governamentais (representando mais da metade delas), a queda do setor externo reduziu as entradas públicas de 322 milhões, em 1929, para 179 milhões, em 1932, apesar dos esforços 9 8 O M É X I C O E A G R A N D E D E P R E S S Ã O DE 1 9 2 9 governamentais, em parte bem-sucedidos, para incrementar a arrecada- ção.11 Além disso, de acordo com a política fazendária de Montes de Oca, as autoridades reduziram os gastos para impedir um déficit orçamentá- rio, que de fato não tinham a capacidade de financiar. Estes três fatores contrativos — a diminuição da demanda externa e a redução da oferta monetária e do gasto público — foram neutralizados, em certa medida, pela desvalorização do câmbio e por seus efeitos sobre a substituição de importações que iniciaram junto com a recuperação econômica; quanto mais aumentava o preço relativo das importações, mais os consumidores tinham incentivos para substituir os bens importa- dos por bens produzidos internamente, com o que a demanda por bens nacionais tenderia a aumentar. Como se fosse pouco, a péssimasafra daquele ano, em conseqüên- cia de condições climáticas adversas, agravou os efeitos da Depressão de 1929. Tanto o fato de que uma enorme parcela da população dependia da agricultura para ganhar a vida como o fato de que muitas dessas mes- mas pessoas formavam parte do mercado para os bens e serviços indus- triais fizeram com que o desastre agrícola de 1929 contraísse ainda mais o nível da demanda agregada nos primeiros anos da Depressão. Isso con- tribuiu para o aumento da ociosidade na capacidade instalada do setor urbano da economia. No começo, o governo proibiu o fechamento das fábricas, permitindo um horário de trabalho mais reduzido, com o obje- tivo de evitar um nível de desemprego mais alto; no entanto, em meados de 1931, não se pôde sustentar essa situação por mais tempo e muitas fábricas tiveram de fechar.12 Essas forças recessivas afetaram a economia nacional de forma mui- to importante: entre 1929 e 1932, o Produto Interno Bruto diminuiu 17,6% em termos reais, o que eqüivale a uma redução de 4 ,7% na média anual. Naturalmente, a redução no produto per capita foi ainda maior, 5,7%. Os setores mais afetados foram os da mineração, o petrolífero, o da extração florestal e, em menor medida, a indústria e a construção. (Quadro 3) A G R A N D E D E P R E S S Ã O aumentado-os, três anos mais tarde, para 70 milhões e para 90 milhões cinco anos depois.18 Com base nestes resultados, o Congresso da União permitiu ao presidente interino, Portes Gil, negociar um novo acordo com os credores externos, cuja base era consolidar a dívida e a isenção dos juros. Finalmente, em julho de 1930, foi assinado o acordo Montes de Oca-Lamont, segundo o qual a dívida externa do país seria de 267,5 milhões de dólares, com o prazo de 45 anos e a uma taxa de juros de 5%. Esse montante representou uma redução de 4 5 % do valor nominal da dí- vida que havia sido reconhecida anteriormente no acordo Pani-Lamont, ainda que não considerasse o que restou da dívida ferroviária. Na rea- lidade, o acordo Montes de Oca-Lamont conseguiu, pela primeira vez, integrar com êxito, na sua concepção, a capacidade do México de pagar. O governo mexicano se obrigou a pagar 6 milhões e 250 mil dólares se- mestrais durante os primeiros cinco anos, aumentando 250 mil dólares por semestre, de tal forma que, a partir do sexto ano, pagaria anualidades de 15 milhões de dólares durante os quarenta anos seguintes. Isso repre- sentava cerca de 1 0 % da arrecadação fiscal em 1928, valor considera- velmente menor do que o que fora pago no início da Revolução.19 Não obstante, naquele momento e anos mais tarde, o acordo foi duramente criticado, especialmente por Alberto J . Pani, predecessor e sucessor do secretário Montes de Oca. Pani argumentava que seria consideravelmen- te mais barato para o governo mexicano comprar os bônus no mercado aberto em vez de pagar diretamente aos credores, o que, na realidade, é muito questionável.20 A partir da chegada de Luis Montes de Oca à Secretaria da Fazenda em 1927, substituindo Pani, o objetivo da política cambial foi manter o câmbio fixo, sem se importar com o impacto na quantidade de dinheiro em circulação. Para compreender a sua política, primeiro se deve men- cionar que, embora o sistema monetário mexicano funcionasse formal- mente no padrão-ouro, a sua natureza era mais do tipo flexível. Dado que circulavam tanto a moeda de ouro como a de prata, ainda que de fato fosse essa última a que realmente funcionava nas transações correntes por todo o país, o valor do peso variava em função do preço internacional do ouro em relação ao da prata.21 Parecia um sistema bimetálico, mas não funcionava assim, pois não havia uma paridade fixa entre o peso-ouro e o peso-prata. Assim, cada vez que o balanço de pagamentos estava numa posição desfavorável, o ouro ia para o exterior e, ao voltar escassamente, 1 0 2 O M É X I C O E A G R A N D E D E P R E S S Ã O D E 1 9 2 9 encarecia em relação ao peso-prata. Portanto, quando havia problemas no balanço de pagamentos, existia uma tendência à desvalorização do peso-prata. Ao mesmo tempo, a deterioração do balanço de pagamentos, que im- plicava a saída de ouro, consequentemente também significava a dimi- nuição da oferta monetária. Esse efeito era ainda mais aumentado em razão da política monetária. Quando o câmbio depreciava, as autoridades diminuíam a cunhagem de pesos-prata, moeda com a qual se faziam as transações internas, e aumentavam a de pesos-ouro, moeda com a qual se faziam as transações externas. Dessa maneira, o câmbio do peso-prata ten- deria a subir em relação ao do peso-ouro, e, assim, a paridade entre essas moedas não se alteraria; porém, isso implicava uma contração da oferta monetária total. Portanto, dada a natureza do próprio sistema monetário prevalecente, que tinha por base o valor dos metais preciosos, e devido à política de manter o câmbio fixo ou, ao menos, tentar recuperar o seu valor, o impacto da crise de 1929 no balanço de pagamentos obrigou as autoridades a seguir uma política monetária muito ortodoxa e, portanto, procíclica, o que piorou ainda mais a situação econômica geral. Assim, em fevereiro de 1927, frente à crise do balanço de pagamentos e à fuga de dólares, o novo secretário decidiu defender o valor do peso- prata, por meio da aceleração na cunhagem de ouro, detendo a de pe- sos-prata. Enquanto em 1926 a cunhagem de moedas de prata foi de 29,4 milhões de pesos e a fabricação de pesos-ouro foi de 30 milhões, em 1927 a cunhagem de prata baixou para 5,6 milhões, mas a do ouro permaneceu em 30,3 milhões. Durante o ano seguinte, apenas 1,3 milhão de pesos em moedas (fracionárias) de prata foram cunhados, enquanto a cunhagem de ouro chegou a 26,9 milhões.22 Em 1927, essa política provocou uma diminuição de 9 , 8 % na oferta monetária23 e a queda do nível de reservas internacionais abaixo do registrado em 1926, ainda que a taxa de câmbio entre pesos-prata e pesos-ouro tenha se valorizado em 9 ,7% entre fevereiro de 1927 e abril de 1928. Naturalmente, no fim, essa medida teve um efeito recessivo adicional, afora o causado pela queda na demanda das exportações; por isso, o Produto Interno Bruto caiu 4 , 4 % em termos reais em 1927 e aumentou apenas 0 , 6 % em 1928. O já pressionado balanço de pagamentos recebeu um impacto nega- tivo adicional ao estourar a Grande Depressão no fim de 1929. O supe- rávit na conta comercial continuou em sua tendência de baixa, enquanto 1 0 3 A G R A N D E D E P R E S S Ã O o nível de reservas internacionais começou a diminuir no princípio do segundo semestre de 1930.24 Isso ocorreu, em parte, pela piora da con- ta comercial e também pelo pagamento governamental de 10 milhões de pesos-ouro aos credores estrangeiros, para negociar o calendário do serviço da dívida pública externa, como parte do acordo Montes de Oca- Lamont. O enfraquecimento do balanço de pagamentos fez com que o câmbio voltasse à sua tendência depreciativa e eventualmente levou o Po- der Executivo a substituir o Banco Central na responsabilidade de man- ter a paridade. Com esse propósito, em dezembro de 1930, criou-se a Comissão Reguladora do Câmbio, dotada de um fundo de 15 milhões de dólares para estabilizar o mercado de divisas, que entrou em funciona- mento em fevereiro de 1931. Semanas antes, em 28 de janeiro de 1931, o presidente Pascual Ortiz Rubio resolveu informar ao Comitê Interna- cional de Banqueiros que, dada a situação crítica das finanças públicas e da economia do país, seu governo não poderia fazer os pagamentos deci- didos no acordo Montes de Oca-Lamont.25 Por outro lado, ao constatar as dificuldades para sustentar o câmbio, a Comissão Reguladora tentou implantar um controle de divisas, porém a tentativa fracassou em questão de semanas.26 O estabelecimento da Comissão Reguladora e do fundo de15 milhões teve um efeito apenas temporário, pois o peso valorizou 5 % nos primeiros três meses de 1931, mas voltou à sua tendência de baixa imediatamente depois.27 Na realidade, no fim de junho de 1931, o nível das reservas interna- cionais atingiu somente 11,5 milhões de dólares, que eqüivaliam apenas a menos de um mês, considerando o valor das importações efetuadas em 1930. Algumas semanas depois, no começo de julho de 1931, as reservas de ouro e divisas diminuíram ainda mais, chegando a somente 6,1 milhões de dólares. O desconto crescente da prata, vis-à-vis pesos-ouro, aumentou ainda mais as expectativas de desvalorização e o sistema bancário sofreu uma retirada de fundos provocada por uma situação de pânico entre os poupadores. Embora apenas um banco relativamente conhecido na Cida- de do México e outro no estado de Sonora tenham quebrado, o público retirou seus depósitos e trocou-os por ouro ou divisas. De acordo com Ey- ler N. Simpson, na semana anterior à da aprovação da Lei Monetária, de 25 de julho, que desmonetizou o ouro, mais de 20 milhões de pesos foram retirados do sistema bancário, cifra suficiente para esgotar as reservas in- ternacionais do Banco do México.28 O abandono oficial do padrão-ouro, 1 0 4 O M É X I C O E A G R A N D E D E P R E S S Ã O D E 1 9 2 9 estabelecido na nova lei, foi totalmente forçado pelas circunstâncias, pois não havia ouro para respaldá-lo. Na realidade, o secretário Montes de Oca recusava-se a abandonar o padrão-ouro e buscava manter o câmbio fixo, pois considerava que a depreciação levaria rapidamente a um aumento de preços e salários, o que eliminaria o efeito da desvalorização, além de retrair os investimentos locais e internacionais, que sempre procuram a estabilidade da moeda. Por isso, Montes de Oca estava convencido de que era indispensável tentar recuperar o valor do peso.29 GRÁFICO 1. Movimentos das reservas internacionais (milhares de pesos) Essa convicção se refletiu no próprio texto da nova Lei Monetária. Ela estabelecia que a unidade do sistema monetário continuaria sendo o peso-ouro, com a mesma equivalência anterior de 75 centigramas de ouro puro, o que, nesse momento, porém, era impossível manter. Como V M. Bett destacou, o México buscava permanecer no padrão-ouro sem contar com ouro em sua oferta monetária, o que era simplesmente im- praticável.30 Na verdade, o país estava sob um sistema monetário tal que o câmbio do peso-prata tinha se depreciado em relação à sua paridade ouro desde o fim da década de 1920. A G R A N D E D E P R E S S Ã O O resultado imediato da desmonetização do ouro foi a drástica de- preciação do peso-prata. Em termos econômicos atuais, a taxa de câmbio experimentou um overshooting, ou seja, uma depreciação excessiva tem- porária, provavelmente em decorrência da atividade especulativa e das expectativas de uma taxa de câmbio baixa, que mais tarde se corrigiriam. No entanto, o peso voltou à sua tendência declinante e o valor da parida- de de 2,67 pesos por dólar, observado em junho de 1931, diminuiu para 3,71 um ano depois. Além de designar fundos para defender a taxa de câmbio, a Secretaria da Fazenda ordenou a retirada de 10 milhões de pesos de circulação, dos quais só se conseguiu retirar 5 milhões em 1931, e o aumento do compul- sório sobre os depósitos bancários em moedas-prata, de 3 0 % para 50%.31 A decisão de continuar a contração dos meios de pagamento em prata, para impedir uma depreciação adicional do peso, indica claramente que não houve mudanças na política cambial, apesar da desmonetização do ouro. Isso significa que as autoridades financeiras continuavam procuran- do voltar à antiga paridade do peso-prata com o peso-ouro por meio da escassez das moedas de prata em relação às moedas de ouro, o que impli- cava uma política monetária restritiva. Cabe mencionar que essa política era clara e aberta e que o governo reconhecia a contração econômica ge- rada, como ficou registrado no informe do presidente da República desse ano.32 Por outro lado, tanto o impacto das medidas monetárias restritivas como o das condições de pânico existente durante a maior parte de 1931 fizeram com que a oferta monetária caísse drasticamente, chegando ao nível mais baixo de todos os tempos em que se registraram essas cifras, 272 milhões de pesos (Gráfico 2). Isso representou uma queda de mais de 60,2% em termos nominais; em preços constantes, a queda foi de 54,2%, devido à redução no nível geral de preços. Naturalmente, essas políticas adicionaram combustível ao fogo da depressão econômica. Os recursos totais do sistema bancário despencaram 2 1 % em termos nominais e, com eles, ainda que em menor proporção, o volume de créditos concedidos aos sistemas produtivo e comercial.33 Em 1931, quando os preços no atacado diminuíram quase 20%, os recursos financeiros desmoronaram 3 7 % em termos reais e as taxas reais de juros se elevaram; não obstante, o nível de produção agregada aumentou em 3,3%, devido a uma colhei- ta agrícola extraordinariamente boa. No entanto, a produção industrial 1 0 6 O M É X I C O E A G R A N D E D E P R E S S Ã O DE 1 9 2 9 caiu 6,1%, em conseqüência da contração monetária, das altas taxas de juros e da manutenção de estoques substanciais.34 GRÁFICO 2. Oferta monetária durante a crise (milhões de pesos) Enrique Cárdenas, La industrialUación mexicana... op. cit. Quadro A2.6 P. 212. b. As finanças públicas e a política cambial durante a crise O impacto da Grande Depressão também se fez sentir nas finanças públi- cas, pela contração da arrecadação fiscal. Durante a crise, a política fa- zendária foi relativamente passiva e, de qualquer maneira, respondeu de forma procíclica ao tentar manter o equilíbrio orçamentário, até aumen- tando impostos. Apenas a Guerra dos Cristeros, em 1926-1927, obrigou o governo a gastar além do que havia orçado, o que deu lugar a alguns déficits fiscais durante a gestão de Alberto J . Pani como secretário da Fazenda. O novo secretário, Montes de Oca, conseguiu manter os gastos, inclusive abaixo do orçado, mesmo nos anos mais graves da crise, e aque- les déficits desapareceram em 1929, auxiliados parcialmente pela gradual e efêmera recuperação das entradas tributárias. Porém, a análise da política fiscal durante a crise da Grande Depres- são requer primeiro que se considerem os diversos instrumentos de polí- tica com que o governo federal contava, pois essa é a única forma como 1 1 5 A G R A N D E D E P R E S S Ã O realmente se pode avaliar o seu desempenho, as suas possibilidades reais e as limitações que enfrentava. Na realidade, as autoridades fazendárias não tinham muita margem de manobra nesse sentido. No fim da década de 1920, a Secretaria da Fazenda contava com uma série de instrumentos fiscais que apenas começavam o seu desenvolvimento moderno. Ainda nesses anos, as entradas não tributárias, ou seja, as tarifas de serviços específicos, os lucros obtidos por senhoriagem na cunhagem de moedas e os lucros dos organismos e das empresas constituíam uma por- centagem elevada nas entradas totais. A importância relativa das entradas fiscais por meio de impostos flutuou levemente durante os últimos anos da década de 1920, entre 7 3 % e 76%.35 Tradicionalmente, o imposto mais importante em termos de entradas tinha sido o que incidia diretamente no comércio internacional, ou indiretamente sobre as atividades que explo- ravam os recursos naturais, na sua maioria exportados. Sua participação nas entradas tributárias totais flutuou entre 3 0 % e 40%, cujo componente principal eram as tarifas. Isso explica por que as entradas fiscais eram tão dependentes dos ciclos econômicos externos. Os impostos que se seguiam em importância eram os que incidiam sobre as atividades produtivas; sua participação flutuava de 13% a 2 8 % esó englobavam algumas indústrias. Entre essas estavam as de cerveja, açúcar, álcool, tabaco, fósforos, têxteis, gasolina, ferroviária e elétrica. Dessas, as de tabaco, gasolina e ferroviária foram as mais importantes em termos de geração de entradas fiscais. As entradas fiscais que se seguiam em ordem de importância eram os impostos diretos sobre a renda e sobre a exploração de recursos naturais, cuja parti- cipação no total variava entre 5 % e 15%, com algumas exceções. O governo havia iniciado a reforma fiscal nos anos 1920 ao intro- duzir diversos impostos. Sem dúvida alguma, o imposto sobre a renda estabelecido em 1924 constituiu um avanço importante nos instrumentos fiscais disponíveis para o governo. O alto grau de dependência de apenas poucas fontes de arrecadação fiscal, essencialmente os impostos sobre o comércio internacional e sobre a exploração de recursos naturais, os quais, por sua vez, eram altamente dependentes de fatores exógenos,36 animou o governo a introduzir outra fonte de entradas que não tivesse essas dificuldades. No ano seguinte ao estabelecido, o espectro do impos- to de renda foi ampliado e cobriu uma porção cada vez maior de agentes e atividades econômicas. Com o tempo, a sua importância relativa teve um crescimento significativo, sobretudo a partir da recuperação da eco- 1 1 8 O M É X I C O E A G R A N D E D E P R E S S Ã O D E 1 9 2 9 nomia na década de 1930. Essa melhoria na arrecadação foi neutralizada por aqueles impostos sobre as indústrias extrativistas, cuja produção de- clinou durante esses anos. Ainda em 1925, foi estabelecido um imposto especial de três centavos por litro de gasolina consumido, para financiar a construção de estradas. Esse imposto foi duplicado quatro anos depois e chegou a oito centavos em 1932.37 Como será visto mais adiante, 1926 e 1927 foram difíceis para o governo, devido à queda na arrecadação produzida pela já men- cionada diminuição das exportações, assim como pelos gastos extraor- dinários impostos pela Guerra dos Cristeros. Em 1929, uma vez con- cluída essa contenda, as finanças governamentais melhoraram, embora a contração nas indústrias mineradoras e petrolíferas tenha continuado. Com o objetivo de melhorar a sua situação e esperando aumentar o vo- lume da arrecadação fiscal, o governo reduziu a taxa de impostos sobre a produção de petróleo e promoveu a exploração de novas minas. Além disso, em I a de janeiro de 1930, foi aprovada uma nova tarifa geral sobre as importações, com a finalidade de incrementar a arrecadação fiscal. O prolongamento da depressão durante os anos seguintes persuadiu o governo a aumentar os impostos e reduzir os gastos para evitar o dé- ficit nas finanças públicas. Dessa vez, quem sofreu foi principalmente a indústria manufatureira nacional e não foi possível evitar que as entradas diminuíssem. Uma vez que a atividade econômica começou a melhorar, no segundo semestre de 1932, o governo estimou que a arrecadação fis- cal continuaria aumentando e decidiu reduzir a taxa imposta a vários setores, como as indústrias de cerveja, do algodão e da seda, para incenti- vá-los. Entre outras medidas similares, também reduziu tarifas e facilitou a importação de matérias-primas das indústrias extrativistas. E muito provável que a idéia de exercer um déficit orçamentário com a finalidade de impulsionar a atividade econômica nunca tenha passa- do pela mente das autoridades fazendárias durante a segunda metade da década de 1920, uma vez que o conhecimento econômico convencional não considerava de forma alguma que isso fosse conveniente. Não obs- tante, mesmo que isso houvesse ocorrido, a possibilidade de conduzir déficits orçamentários significativos era muito limitada naqueles anos, uma vez que o governo não tinha fonte adicional de fundos para finan- ciar o excesso de gastos acima da arrecadação impositiva e de outras en- tradas fiscais; por outro lado, o país não estava em condições de contrair 1 0 9 A G R A N D E D E P R E S S Ã O uma nova dívida externa, pois seus pagamentos estavam suspensos desde o início da luta revolucionária e havia dificuldades na emissão de mais obrigações internas, especialmente porque a opinião pública ainda estava reticente em aceitar notas do Banco do México depois da triste memória da anarquia monetária que ocorrera durante a Revolução, entre 1913 e 1916,38 quando a população sofrerá perdas consideráveis em conseqüên- cia da emissão monetária excessiva por parte dos governos e das diversas facções revolucionárias. Talvez, a única opção real para financiar um déficit fiscal fosse por meio dos lucros obtidos pela senhoriagem na cunhagem de moedas de prata, quando o preço internacional desse metal fosse suficientemente baixo. No entanto, essa possibilidade foi excluída, já que isso implicava uma depreciação do peso-prata, o que, como já se viu, era inaceitável para o governo. Portanto, as autoridades fazendárias tiveram a possibilidade de adotar políticas fiscais expansionistas mediante o financiamento defi- citário até o princípio dos anos 1930, uma vez que o público começou a aceitar notas do Banco do México, embora ainda em quantidades relati- vamente limitadas. Assim, a primeira vez, em muito tempo, que o governo teve a possibilidade de financiar um déficit fiscal foi em 1932, uma vez que as autoridades monetárias relaxaram a política cambial; em 1933, o pequeno déficit que ocorreu foi financiado com a emissão de notas do Banco de México, respaldadas fundamentalmente pelos lucros de senho- riagem obtidos pela redução temporária do preço internacional da prata. Uma vez analisados os diversos instrumentos de política fiscal com que o governo contava e as possibilidades reais de financiar um déficit orçamentário no fim da década de 1920, é possível examinar o compor- tamento e o impacto econômico da política fiscal. Quando a arrecada- ção fiscal começou a decrescer substancialmente, primeiro pela queda das exportações de petróleo e de minerais na década de 1920 e depois pela Grande Depressão, o governo teve de tomar medidas extremas para equilibrar o orçamento, tais como a demissão de funcionários públicos, a redução dos salários dos que ficaram e o aumento de impostos extraor- dinários, mesmo no meio de uma recessão aguda. Foi isso que ocorreu em 1926-1927 e em 1930-1931. Vejamos, mais detidamente, a tendência das finanças públicas. No Quadro 4, vê-se claramente que durante todo o período 1926-1933 esperava-se que as finanças do governo mostras- sem um equilíbrio ou até um superávit, com exceção de 1932 e 1933, 1 1 o O M É X I C O E A G R A N D E D E P R E S S Ã O DE 1 9 2 9 quando se estimava um pequeno déficit. No entanto, os resultados reais das finanças públicas acusaram pequenos déficits em 1926 e 1927, que, na realidade, puderam ser financiados, talvez pelas reservas acumuladas nos anos anteriores e superávits efetivos entre 1928 e 1931, orçamento equilibrado em 1932 e um déficit mais elevado em 1933. QUADRO 4. Entradas, saídas e déficit ou superávit fiscal Valores estimados e reais, 1926-1932 (milhões de pesos) Entradas Saídas Superávit ou déficit Estimadas Reais Estimadas Reais Estimados Reais 1926 317 309 304 325 13 -16 1927 308 295 287 310 21 -15 1928 290 300 290 288 0 12 1929 288 322 288 276 0 46 1930 294 289 294 279 0 10 1931 300 256 299 226 1 30 1932 210 212 215 212 -5 0 NOTA: Os valores estimados foram obtidos na Secretaria de Hacienda y Crédito Público, La hacienda pública de México a través de los informes presidenciales, México, 1963, vol. II. Para 1925, p. 55; 1927, p. 84,1928, p. 91, e 1937, p. 219. FONTE: Enrique Cárdenas, La industriaiización mexicana durante ia gran depresión, Centro de Estúdios Econômi- cos, El Colégio de México, 1987, p. 90. A queda nas exportações durante 1926-1927, ocasionadapela recessão nos Estados Unidos, fez com que tanto o nível de exportações como o de importações se reduzissem. Em conseqüência, todas as fontes de impos- tos — exportações, importações e entradas internas — diminuíram e, com elas, o montante da arrecadação fiscal, muito além das previsões originais. Não obstante, também é certo que os gastos aumentaram substancialmente, 7 ,5% em média, além dos níveis inicialmente projetados, ocasionando o aumento do déficit exercido, apesar da redução nos salários dos burocratas. E interessante notar que o aumento nos gastos, pelo menos em 1927, o pri- meiro ano da gestão de Montes de Oca,39 foi ocasionado essencialmente pe- los programas de investimento em estradas e obras de irrigação, e não por causa das emergências.40 Ou seja, os déficits que ocorreram em 1926 e 1927 aconteceram tanto porque as entradas reais foram menores do que as proje- tadas como porque os gastos foram superiores aos orçados anteriormente. 1 1 1 A G R A N D E D E P R E S S Ã O É difícil poder falar da adoção de uma política expansionista delibera- da para neutralizar os efeitos adversos da recessão de 1927. Mais certo é dizer que parece que o excesso de gasto e, portanto, uma parte do déficit obedeceram ao compromisso do presidente Plutarco Elias Calles com o esforço de reconstrução econômica começado pelos governos revolucio- nários. Existem duas razões para pensar o que foi dito anteriormente. Por um lado, aqueles gastos adicionais foram financiados por poupanças in- ternas forçadas, endividamentos vencidos e até por salários não pagos de burocratas, tendo, portanto, um impacto expansionista relativamente re- duzido. Por outro lado, é de conhecimento público que um dos programas básicos da administração do presidente Calles foi precisamente a constru- ção de infraestrutura, o que tornava muito difícil deter esse programa.41 Não obstante, o secretário Montes de Oca foi muito duro com o con- trole do gasto público. Os gastos reais do governo tinham diminuído de 325 milhões de pesos em 1926 para 276 milhões em 1929, uma baixa nominal de 15,1% em três anos. Além disso, em 1928 e 1929 o gasto orçamentário não tinha sido inteiramente executado. Mais uma vez, essas medidas re- presentaram a dispensa de burocratas e a diminuição dos salários daqueles que permaneceram em seus postos. Por outro lado, aumentaram-se os im- postos, particularmente na indústria cervejeira; esse imposto, junto com a recuperação da economia, permitiu o aumento da arrecadação fiscal para financiar o nível decrescente de gastos até 1929. O esforço arrecadador foi importante. Entre 1927 e 1929, a arrecadação real do governo aumentou de 295 milhões de pesos para 322 milhões, apesar de o produto interno ter decrescido, em média, 2,6%, em termos reais, entre 1926 e 1929.42 Com o início da Grande Depressão, o fluxo de entradas governamen- tais declinou lentamente, apesar dos esforços do governo para aumentá- las mediante impostos mais altos. As novas tarifas sobre a importação, que começaram a fazer efeito a partir de 1930, aumentaram os impostos em 2 1 , 4 % em relação a 1929, apesar da tendência decrescente das im- portações.43 Além disso, foram estabelecidos impostos sobre a produção que incidiram sobre os têxteis de lã, a cerveja, os produtos de tabaco, os fósforos, o açúcar e a eletricidade. Além disso, os dividendos derivados dos ativos financeiros, que eram mantidos em outros países, foram ta- xados com um imposto de emergência, de 1%, sobre praticamente todas as atividades econômicas durante 1931.44 Dessa forma, em 1930 as entra- das do governo provenientes de impostos aumentaram 4 , 3 % em relação 11 2 O M É X I C O E A G R A N D E D E P R E S S Ã O D E 1 9 2 9 ao ano anterior, enquanto o montante das entradas públicas totais dimi- nuiu 10,3%, devido à redução da atividade econômica. Naturalmente, essa política fiscal procíclica impulsionada por Montes de Oca teve efei- tos depressivos na economia ao diminuir as entradas disponíveis, o que piorou a já difícil situação. Por sua vez, o gasto público diminuiu substancialmente na metade de 1931, quando as autoridades se deram conta de que as entradas tinham declinado tanto que, continuando a tendência de baixa e não se tomando medidas de emergência, se chegaria a um déficit de 80 milhões de pesos ao terminar o ano. O governo tomou sérias medidas de austeridade e conse- guiu diminuir os gastos em 60 milhões de pesos, enquanto que o imposto extraordinário de 1%, mencionado antes, cobriu os 20 milhões restantes.45 Todas essas medidas acarretaram pequenos superávits orçamentários que haviam sido originalmente planejados como orçamentos equilibra- dos. Na realidade, é notória a preocupação das autoridades de manter as finanças públicas saudáveis, o que reflete em parte a impossibilidade real de financiar déficits além das reservas acumuladas. De fato, os superávits conseguidos no fim da década de 1920 permitiram ao governo pagar con- tas atrasadas e até pensar em reiniciar o pagamento do serviço da dívida » externa sob um esquema diferente, já comentado na seção anterior.'16 As- sim, alguns desses superávits, especialmente os de 1929 e 1931, foram de uma magnitude considerável e excederam os planos mais otimistas do go- verno para estabilizar a posição das finanças públicas. Nesses dois anos, os superávits chegaram a representar 13,1% dos gastos públicos, cifra muito superior à inicialmente considerada ao ser aprovado o orçamento federal. Naturalmente, o efeito sobre a economia foi contrativo, especialmente em 1931, acentuando o impacto de outras forças econômicas depressivas que já estavam operando e que levaram à suspensão do pagamento do serviço da dívida externa e ao abandono do padrão-ouro. Essa tendência decrescente das operações públicas — tanto nas en- tradas como nas saídas — estendeu-se ao longo da depressão e só se con- seguiu equilibrar o orçamento em 1932. Nesse momento, os níveis reais de entradas e gastos foram de 34 ,2% e 28,9%, respectivamente, ou seja, abaixo daqueles obtidos em 1925. Além disso, os superávits anteriores foram transformados em reservas monetárias de ouro, que se evaporaram parcialmente com a deterioração do balanço de pagamentos. Em 1932, as dívidas vencidas tinham aumentado outra vez, num grau que o presi- dente Abelardo Rodriguez especificou, em seu informe de governo, que A G R A N D E D E P R E S S Ã O tinham sido gastos 73 milhões de pesos por endividamentos anteriores.47 No ano seguinte, em 1933, houve um déficit fiscal real; os endividamen- tos anteriores e o déficit foram cobertos indiretamente com os lucros de senhoriagem obtidos com a cunhagem extraordinária de prata a um preço menor do que o seu valor monetário e da correspondente emissão de pa- pel-moeda nesses anos. Vejamos esse assunto com mais detalhes. Devido aos baixos níveis do preço internacional da prata no princípio da década de 1930, o valor intrínseco do peso se encontrava considera- velmente abaixo do seu valor monetário. Isto é, em 1932, a prata contida em um peso fazia com que esse realmente valesse apenas 34 centavos, o que significava que o peso estava 6 6 % abaixo do seu valor monetário.48 Em 1933, o valor intrínseco do peso aumentou para 47 centavos, como resultado tanto do incremento do preço da prata como pela contínua desvalorização do câmbio. A discrepância entre o valor intrínseco e o monetário do peso e a cunhagem de 96,2 milhões de pesos feita naqueles anos permitiram ao governo obter lucros de senhoriagem de 32,9 milhões em 1932 e de 22,8 milhões em 193 3.49 Por lei, as entradas obtidas por lucros de senhoriagem tinham de ser agregadas às reservas de prata do Banco do México, com as quais deveriam ser respaldadas as emissões de papel-moeda. Só dessa maneira o governo podia expandir vigorosamente o montante de notasem circulação para financiar o déficit orçamentário. Isso quer dizer que a nova cunhagem de moedas e seus correspondentes lucros de senhoriagem foram empregados para respaldar a emissão de notas e, consequentemente, financiar o déficit fiscal. O parágrafo anterior mostra claramente que a natureza da política monetária imposta durante o período 1926-1929 foi marcantemente pro- cíclica, com altos e baixos acentuados, com a possível exceção de 1927, quando houve um déficit gerado por investimentos em obras públicas. Na realidade, quando a atividade declinava por algum fator cíclico ou exógeno, os impostos aumentavam para manter altas as entradas fiscais, que, por sua vez, deprimiam ainda mais a atividade econômica. Por outro lado, quando a economia estava na sua fase ascendente, empreendiam-se políticas expansionistas mediante a redução de impostos e o incremento de gastos, o que, por sua vez, impulsionava o processo de recuperação. Assim, a política fiscal coadjuvou a ampliar os ciclos econômicos naturais, de modo que o impacto externo da Grande Depressão foi aumentado pela política fiscal que, diga-se de passagem, não tinha muitas alternativas para ter se comportado de maneira diferente. Em todo caso, o governo 1 1 4 O M É X I C O E A G R A N D E D E P R E S S Ã O D E 1 9 2 9 permitiu déficits fiscais de pouca repercussão macroeconômica, pois esses só podiam ter sido financiados por endividamentos com pessoas físicas ou jurídicas que tivessem, vendido bens ou serviços ao governo. A profundidade da crise econômica, e o que se percebia como um fracasso das autoridades financeiras para conduzir uma situação econô- mica cada vez mais difícil, tornou inevitável a renúncia do secretário da Fazenda, Montes de Oca, no fim de dezembro de 1931. Alberto J . Pani, que já tinha ocupado essa cadeira na presidência de Plutarco Elias Calle, voltou da Espanha, onde servia como embaixador, para ocupar o posto novamente, em fevereiro de 1932. Algumas semanas mais tarde, a Secre- taria da Fazenda iniciou uma série de políticas destinadas a restabelecer o caminho do crescimento econômico, por meio de algumas medidas expansionistas, que se juntaram a outras iniciadas ainda na gestão do secretário Montes de Oca, cujos efeitos, porém, ainda não se percebiam. Entre as novas medidas estavam a reforma da Lei Monetária de julho de 1931, o abandono real do padrão-ouro e a emissão de dinheiro,50 que fo- ram fundamentais para o processo de recuperação econômica na Grande Depressão. Por sua vez, a melhoria dos termos de troca, em conseqüência de aumentos no preço da prata, também contribuiu para a recuperação da atividade econômica que começou a acontecer no começo de 1932. 3. 0 PROCESSO DE RECUPERAÇÃO ECONÔMICA A economia mexicana recuperou-se relativamente rápido dos efeitos re- cessivos da Grande Depressão. Em 1932, provavelmente antes de termi- nar o primeiro semestre, o ciclo econômico tinha chegado ao seu nível mais baixo e dali em diante até o resto da década a economia começou a crescer rapidamente. Esse comportamento contrasta com a experiência dos Estados Unidos e de outros países desenvolvidos, que demoraram bastante para começar a sua recuperação econômica; não obstante, o caso mexicano foi muito similar ao de várias nações latino-americanas — principalmente o Brasil, a Colômbia e a Argentina — e de outros paí- ses, como a Austrália e a Suécia- Os fatores responsáveis pela recuperação da economia mexicana foram basicamente dois. Por um lado, as políticas monetárias, fiscais e cambiais 1 1 5 A G R A N D E D E P R E S S Ã O expansionistas que o governo implementou desde o fim de 1931 até 1933. Essas políticas incrementaram a demanda agregada e, com isso, o nível de produção, devido à disponibilidade da capacidade instalada ociosa; em 1935, a produção total já havia ultrapassado o nível alcançado em 1929. Por outro lado, devido ao aumento antecipado do valor das exportações, fundamentalmente os aumentos dos preços da prata e de outros produtos minerais, e a exploração de um novo campo petrolífero. Consequente- mente, isso trouxe um aumento no nível da demanda agregada, da mesma forma que a crise havia diminuído. Além disso, a capacidade de importar aumentou, o que permitiu a aquisição de matérias-primas e, por haver ca- pacidade ociosa, tornou possível um aumento rápido da produção. a. A política econômica contracíclica O principal elemento que impulsionou a recuperação dos estragos causa- dos pela Grande Depressão foi a drástica mudança da política econômica a partir de 1932: agir de forma ortodoxa, no sentido de seguir políticas monetárias e fiscais contrativas em resposta à deterioração do balanço de pagamentos para sustentar o câmbio; a emissão de papel-moeda do Ban- co do México respaldado por prata a partir de dezembro de 1931; e a nova política desenhada por Alberto J . Pani com o lema "combater a deflação sem cair na inflação" permitiram expandir a oferta monetária e assumir déficits orçamentários modestos.51 Também por isso, o governo se recusou a continuar defendendo a taxa de câmbio e o peso depreciou fortemente nos anos seguintes. Uma experiência semelhante se deu em outros países da América Latina que abandonaram o padrão ouro, alguns expandiram a oferta de dinheiro e outros exerceram déficits fiscais.52 No México, o resultado foi expansionista, já que as importações, em pesos, se tornaram mais caras, pelo que tenderam a ser substituídas pela produ- ção interna, enquanto as exportações se tornaram mais competitivas e lucrativas. Não obstante, a depreciação do peso impulsionou para cima os preços internos, o que, por sua vez, pressionou para baixo a oferta monetária real e para cima as taxas de juros. No entanto, esse elemento foi completamente neutralizado pelas políticas monetárias expansionis- tas. A oferta de dinheiro em circulação aumentou 72 ,3% entre 1931 e 1934, enquanto os preços aumentaram em 12,3% entre 1932 e 1934 (Quadro 5). Ao mesmo tempo, em 1932 e 1933, houve um verdadeiro 1 1 8 O M É X I C O E A G R A N D E D E P R E S S Ã O DE 1 9 2 9 déficit orçamentário de cerca de 1 ,2% do Produto Interno Bruto, que foi financiado basicamente pela emissão de notas respaldadas pelos lucros de senhoriagem obtidos pela cunhagem de moedas de prata. QUADRO 5. Variáveis macroeconômicas durante a recuperação (porcentagem) Taxa de crescimento, 1932-1934 Acumulado Média anual PIB real 18,8 9,0 PIB industrial 46,7 21,1 Poder de compra das exportações 68,0 29,6 Oferta monetária' 72,3 19,9 Déficit fiscal ajustado2 — -1,2 índice de preços no atacado 12,3 6,0 Câmbio nominal3 40,1 18,4 1 Período 1931-1934, devido a que 1931 foi o ano mais baixo do período. 1 Valor como porcentagem do PIB, ajustado por lucros de senhoriagem. Somente para 1932 e 1933. 3 Valor de dezembro de 1931 a novembro de 1933. FONTES: Quadros A. 1, A. 18, A. 19, A. 22 e A. 37. Para o déficit fiscal ajustado, Enrique Cárdenas, La induslria- lización mexicana..., op. cit., quadro 4.2, p. 94 Tão rapidamente como tomou posse do seu posto de secretário da Fazenda, Alberto J . Pani decidiu "combater a deflação sem cair na infla- ção", ordenou novamente a cunhagem de moedas de prata e, sem mos- trar abertamente, o uso das notas do Banco de México para pagar os funcionários do governo, com a finalidade de incrementar os meios de pagamento. Desde a reforma monetária de março de 1932 até fins de 1933, a cunhagem de prata foi de 88,6 milhões de pesos, porém a sua presença na oferta monetária se manteve apenas em termos absolutos e diminuiu em termos relativos, de 64 ,6% para 42%, entre dezembro de 1931 e o mesmo mês de 1933. Ao contrário, a emissão de papel-moeda nesse período foi de 76,6 milhões de pesos e a sua participação na oferta monetária passou de 0 ,4% para 16,5%,entre dezembro de 1931 e o mesmo mês de 1933, ou seja, o aumento da base monetária, que explica a maior parte da expansão da oferta de dinheiro, se deu essencialmente pela emissão de notas; além disso, o Banco do México reduziu a taxa de desconto e a reserva de caixa poucas semanas depois da reforma de mar- ço de 1932, o que permitiu a expansão das contas correntes.53 1 1 7 A G R A N D E D E P R E S S Ã O Na realidade, entre 1931 e 1933, perto de 8 4 % do crescimento da oferta monetária foi originado diretamente pelo governo por meio do crescimento da base monetária, que foi de 41 ,7% nesses anos (Quadro 6). Apesar da Casa da Moeda ter cunhado 96,1 milhões de pesos somente em 1932,54 o público decidiu aumentar os seus depósitos em conta-corrente em relação à quantidade de moedas em circulação, o que explica um cres- cimento monetário de 1 9 % nesse ano. Por sua parte, os bancos comerciais tiveram um papel ligeiramente contrativo, pois reconstruíram as suas posi- ções de reservas que tinham sido seriamente abaladas pela crise monetária de 1931. Essa situação se inverteu durante 1933, quando o público decidiu manter relativamente mais moedas do que depósitos em conta corrente e os bancos diminuíram suas reservas excedentes para aumentar o crédito. Dessa forma, as medidas expansionistas, com a correspondente recupera- ção da economia, fizeram com que o nível de depósitos à vista aumentasse de 95 mlhões de pesos para 171 milhões entre 1931 e 1933, o que signi- ficou um crescimento de 8 0 % em termos nominais. Como era esperado, a taxa de juros nominal diminuiu de 12% para 8 % entre 1931 e 1932,55 enquanto o aumento de preços provocou uma diminuição ainda maior. QUADRO 6. Componentes e fontes de crescimento da oferta monetária 1 9 3 1 - 1 9 3 3 (milhões de pesos) S a l d o s Con t r i bu i ção a o c r e s c i m e n t o d a M (%) 1931 1 9 3 2 1 9 3 3 1 9 3 2 1 9 3 3 Ofe r ta mone tá r i a ( M ) 2 7 2 3 5 7 4 1 2 Base mone tá r i a (H) 2 1 8 2 7 4 3 0 9 84 ,1 83 ,9 M o e d a (C) 177 2 0 6 241 Reservas (R)1 4 1 6 8 6 8 Depós i t os (D) 9 5 151 171 b = D/R 2 , 3 2 2 ,22 2 ,51 -3 ,1 20 ,2 p = D / C 0 , 5 4 0 , 7 3 0 ,71 19,1 -3 ,5 Mu l t i p l i cado r m o n e t á r i o 1 ,52 1 ,57 11nclui Iodas as formas de depósitos à vista e outros títulos no Banco do México mais os depósitos compulsórios. Não existe distinção entre depósitos públicos e bancários, razão pela qual os valores apresentados estão um pouco superestimados. MÉTODO: Milton Friedman & Ana Schwartz, A Monetary History of the United States, 1957-1960, Princeton, Princeton University Press, 19-3, apêndice B. FONTE: Enrique Cárdenas, La industrialización mexicana..., op. cit., p. 57. 1 1 8 O M É X I C O E A G R A N D E D E P R E S S Ã O D E 1 9 2 9 A política monetária expansionista implementada por Pani em seus primeiros meses de permanência na Secretaria foi acompanhada e tam- bém reforçada pela política de apoio à criação de instituições bancárias e ao desenvolvimento e à autorização de novos instrumentos de crédito. A Lei Geral de Instituições de Crédito, de 28 de junho de 1932, e a Lei de Títulos e Operações de Crédito, de 26 de agosto do mesmo ano, fa- cilitavam a criação de instituições e títulos de crédito, o que reforçava a recuperação do sistema bancário, agora já com a associação obrigatória ao Banco do México. O resultado dessa nova legislação veio muito rapi- damente e, nesse mesmo ano de 1932, por exemplo, uma série de empre- sários fundou o Banco do Comércio, na Cidade do México.36 Porém, ainda mais importante para sair rapidamente da crise talvez tenha sido a determinação de Pani de deixar de lado a idéia de voltar a um valor do peso já impossível de conservar e que havia levado a uma po- lítica monetária claramente contrativa. A política cambial foi modificada em congruência com a política monetária ao abandonar de fato a política de defesa do câmbio e, nesse sentido, também o padrão-ouro. O governo tomou a decisão de colocar a meta do pleno emprego acima do objetivo do equilíbrio externo, permitindo que o peso flutuasse livremente, pelo menos nos primeiros meses posteriores à reforma monetária de março de 1932, ao mesmo tempo que se reforçava a emissão de papel-moeda do Banco do México. Esse fato mostra uma mudança significativa na polí- tica econômica, ainda que tal decisão não tivesse sido tomada exogena- mente; mais certo seria dizer que essa foi forçada pelo baixíssimo nível de reservas internacionais no Banco Central, que fez com que o manejo do mercado de câmbio fosse praticamente impossível ou, pelo menos, muito difícil.57 De fato, as autoridades monetárias tentaram fixar a taxa de câm- bio no fim de 1932, porém logo tiveram de abandonar seu intento, pois o câmbio não era suficientemente estável.58 O impacto geral dessas políticas foi altamente expansionista. De acor- do com as cifras oficiais, a oferta monetária aumentou 3 1 , 1 % em 1932 e 15,4% em 1933, passando de 272 milhões no fim de 1930 para quase 412 milhões em dezembro de 1933. Portanto, nesses anos, a oferta de dinheiro cresceu 51,3%, em termos relativos e 139,6 milhões em valores absolutos. Por sua parte, o câmbio continuou na descendente e experimentou uma depreciação adicional depois da reforma de 1932, chegando ao nível mais baixo, de 3,71 pesos por dólar, três meses depois. A partir daí, o peso 1 1 9 A G R A N D E D E P R E S S Ã O ganhou alguns centavos, porém as flutuações persistiram até meados de 1933, quando o câmbio chegou a ficar outra vez bastante estável, devido, principalmente, ao fato de a recuperação das exportações ter aumentado a oferta de divisas e o nível de reservas internacionais para 30,8 milhões de dólares. Poucos meses depois, em novembro de 1933, as autoridades monetárias decidiram fixar a paridade do peso em 3,60 por dólar, o que implicou uma depreciação de 6 7 % em relação a 1929 e de 3 4 , 8 % em rela- ção a fevereiro de 1932. Esse valor se manteve até março de 1938, apesar de os Estados Unidos terem abandonado o padrão-ouro em 1934. Não obstante o abandono do padrão-ouro, ou melhor, a busca da recuperação do valor do peso em ouro prevalecente antes de 1931, a Secretaria da Fazenda não fez uma mudança similar na política fiscal. Essa continuou sendo essencialmente ortodoxa, tal como havia sido pelo menos desde 1927, pois as autoridades fazendárias continuaram invaria- velmente buscando um orçamento equilibrado, independentemente de sua capacidade de financiá-lo.59 Mesmo assim, durante 1932 e 1933, as entradas públicas aumentaram para além da arrecadação fiscal por causa dos lucros de senhoriagem, devido à redução do preço internacional da prata, que por lei estava destinada à reserva do Banco do México e que servira como respaldo para a emissão de papel-moeda.60 As entradas pro- venientes desse crédito chegaram a 56 milhões de pesos, que represen- taram 12 ,9% da arrecadação fiscal total nesses dois anos. Isso permitiu exercer um gasto muito superior ao que teria sido possível se não fossem essas entradas. Levando-se em conta exclusivamente a arrecadação fiscal (eliminados esses lucros de senhoriagem) para avaliar o impacto macro- econômico do gasto público, então o déficit de 1932 foi de 33 milhões de pesos, equivalente a 15 ,6% dos gastos e 1 ,09% do PIB, enquanto em 1933 o déficit foi de 46 milhões de pesos, 18 ,7% dos gastos e 1 ,29% do Produto Interno Bruto. Ao fazer esse ajuste, o déficit computado origi- nalmente em 23 milhões de pesos em 1932-1933 transformou-se em 79 milhões nesses dois anos. Esses valores se destacam ainda mais se levar- mos em conta que o país passou de um superávit de 0 , 7 5 % do PIB, em 1931, para os déficits de 1932 e 1933.61 Portanto, a política expansionis- ta foi, na realidade, de quase dois pontos percentuais do PIBno primeiro ano da recuperação, o que historicamente não é desprezível. Porém, é evidente que a política fiscal expansionista foi fortemente auxiliada pelos lucros de senhoriagem na cunhagem de prata, o que, de fato, impulsio- 1 2 0 O M É X I C O E A G R A N D E D E P R E S S Ã O D E 1 9 2 9 nou o processo de recuperação e complementou as políticas monetárias expansionistas e cambiais mencionadas anteriormente. De sua parte, a política comercial também se modificou durante a cri- se, ainda que mais por razões de arrecadação, na tentativa de recuperar a perda das entradas, do que por razões de índole protecionista. A Tarifa Geral de 1930 modificou para cima os valores das tarifas, assim como os produtos incluídos na lista de bens protegidos, além de introduzir outras mudanças administrativas para fazer com que os procedimentos ficassem mais manejáveis.62 Já foi dito que no fim da década de 1920 as finanças do governo estavam em dificuldade. A recente recessão tinha diminuído substancialmente a arrecadação fiscal e novas medidas tiveram de ser tomadas para impedir um déficit orçamentário. Obviamente, uma dessas medidas foi o aumento nas tarifas de importação: de 1929 a 1930, a taxa implícita de tarifa aumentou de 22 ,0% para 29,1%, representan- do um aumento relativo de 32,3%.63 Não obstante, a tarifa em si está superestimada, uma vez que a nova tarifa geral incorporou na tarifa de importações outros dois impostos que estavam sendo arrecadados com nomes diferentes, mas que também eram pagos pelos importadores. De fato, alegou-se que não se efetuou qualquer aumento real nas tarifas sob a nova legislação de 1930, ainda que, pelo comportamento das importa- ções, parece, sim, que teve efeitos reais.64 Cabe notar que a estrutura tarifária em 1930 não era diferente da- quelas que prevaleciam nos anos anteriores. Os bens de capital e as ma- térias-primas tiveram uma tarifa mais baixa do que a dos bens de con- sumo. Por outro lado, o fato de as tarifas serem específicas fez com que flutuassem com a inflação. Portanto, na Grande Depressão, quando os preços caíram, as tarifas ad valorem aumentaram, enquanto, conforme o tempo passou e os preços se recuperaram, o efeito da tarifa protecionista diminuiu. Assim, depois de 1932, quando os preços aumentaram, a tarifa implícita diminuiu a níveis de 15% aproximadamente, antes da nova re- visão da tarifa em 1938.65 Como se pode ver, tanto a liberalização do câmbio como a injeção de dinheiro que aumentou a oferta monetária e financiou o déficit fiscal atuaram para a recuperação macroeconômica a partir dos primeiros meses de 1932. A política comercial, cuja intenção era incrementar a arrecada- ção — e nesse sentido foi contrativa — modificou parcialmente os preços relativos das importações, inibindo-as e, portanto, estimulando o gasto na 1 2 1 1 1 5 A G R A N D E D E P R E S S Ã O economia doméstica. A essa política contracíclica somou-se o comporta- mento das exportações, que completaram o impulso para a recuperação. b. A recuperação gradual das exportações Embora o nível das exportações de 1929, expresso em dólares, nunca tenha sido alcançado na década de 1930, a recuperação da crise se de- veu, em parte, ao crescimento do setor externo, que até começou um ano antes de a economia dos Estados Unidos voltar a crescer. O aumen- to dos preços internacionais dos produtos de exportação, em especial os da prata e do petróleo, foi o fator mais importante para o estímulo da rápida recuperação do valor das exportações, que, por sua vez, foram reforçadas pela rápida desvalorização do peso, que estava acontecendo desde 1929, mas que se acelerou a partir de 1932. Assim, o valor das exportações pôde começar a crescer a partir 1933, já que o preço em dólares das exportações aumentou 8 ,5% nesse ano, enquanto o volume exportado só começou a crescer em 1934. Nesse último ano, em conse- qüência de preços e volumes crescentes de exportação, o seu valor au- mentou em 68,3%, em dólares — e 73 ,3% em pesos — em relação ao ano anterior. Entre 1932 e 1934, o poder de compra das exportações aumentou 65,7%, o que impulsionou fortemente a recuperação econô- mica (Gráfico 3). O aumento nos preços foi particularmente forte nos setores de mine- ração e de petróleo; assim, em 1934 o valor das vendas desses bens no exterior ultrapassou o nível de 1929, impulsionando a rápida recupera- ção das exportações totais. De fato, do aumento nas exportações obser- vado entre 1932 e 1934, que foi de 82 milhões de dólares, 76 ,8% foram decorrentes da recuperação das exportações de ouro, prata e petróleo. Em conseqüência disso, a posição privilegiada do México, por contar com uma base exportadora relativamente diversificada, permitiu acelerar a recuperação econômica, ao contrário do que aconteceu com outros países latino-americanos, que tinham apenas um produto importante de exportação. Citando a alegoria de Carlos Diaz Alejandro, o México teve bastante sorte na "loteria de bens" de exportação.66 O aumento da demanda mundial fez crescer os preços da prata e dos produtos petrolíferos. No caso da prata, o Tratado de Londres, de 1933, que estabilizou o preço desse metal, e a Lei de Aquisições de Prata, dos 1 2 2 O M É X I C O E A G R A N D E D E P R E S S Ã O D E 1 9 2 9 Estados Unidos, cuja finalidade era aumentar as suas reservas estratégi- cas, e pela qual esse país podia comprar praticamente todo o metal que fosse tirado das minas mexicanas, estimularam o mercado internacio- nal da prata. Quanto aos produtos petrolíferos, o aumento da demanda mundial, causado pelo uso sempre crescente de automóveis e de outros produtos consumidores importantes de energia, foi uma das causas do aumento nos preços. Além disso, a descoberta de novos campos petrolí- feros no México aumentou a sua capacidade produtiva, depois de anos de uma gradual deterioração pelo esgotamento das jazidas em exploração, o que permitiu a rápida recuperação da indústria petrolífera nos primeiros anos da década. Dessa forma, a recuperação da demanda da prata e do petróleo estimulou as exportações mexicanas, que começaram a conter a tendência recessiva gerada pela Grande Depressão. c. A recuperação imediata É interessante notar que a reação às diversas políticas expansionistas go- vernamentais foi bastante rápida e a economia e os preços começaram a crescer novamente a partir de meados de 1932. Um indicador dessa rápi- da reação pode ser inferido pelo movimento dos índices das ações mine- rais e industriais (Gráfico 3). Ainda que a rentabilidade na mineração dependesse basicamente dos preços internacionais dos minerais, os quais atingiram seus níveis mais baixos em 1932, ambos os índices refletiram um claro aumento a partir de maio desse ano, provavelmente pela desva- lorização do câmbio, o que aumentava imediatamente a rentabilidade dessa atividade: o índice das ações da mineração aumentou 10,1% entre abril e dezembro de 1932 e cresceu muito mais rapidamente em 1933, 43,5% em média em relação ao ano anterior. Por sua vez, o índice das ações industriais aumentou 13,8% em maio de 1932 e 20 ,9% em dezem- bro desse ano em relação a abril. Em 1933, o crescimento foi de 55 ,8% em média em relação ao ano anterior.67 Mesmo assim, os preços no ata- cado na Cidade do México começaram a subir novamente a partir de abril de 1932 e em dezembro tinham alcançado um aumento de 17,6% em relação ao nível de março anterior. Mais uma evidência que mostra a velocidade da recuperação econômica pode ser percebida pela diferença entre a arrecadação fiscal esperada e a obtida durante 1932. Essa diferen- ça, que foi de 13,3 milhões de pesos no primeiro trimestre, desapareceu em agosto. Da diminuição observada de 16,2 milhões de pesos na arreca- 1 2 3 A G R A N D E D E P R E S S Ã O dação fiscal durante todo oano, mais de 9 4 % corresponderam unica- mente ao primeiro trimestre, o que indica a rápida recuperação que a economia estava registrando.68 GRÁFICO 3. A recuperação índices - mineração e industrial - - - - índice de preços no atacado — • — Emissío de papel-moeda Enrique Cárdenas, La industrialización mexicana... op . cit. Quadro A2.5P. 211. As expectativas da população e dos investidores parecem ter tido um papel importante na rapidez da resposta econômica aos estímulos da políti- ca. O secretário Pani estava consciente da sua importância quando decidiu reiniciar a cunhagem de prata a partir do primeiro trimestre de 1932, mos- trando, assim, a sua resolução de aumentar a oferta monetária e liberar o câmbio efetivamente do padrão-ouro.69 A população reagiu muito rapida- mente, como se pode deduzir da aceitação das notas do Banco do México a partir de dezembro de 1931, tal como se verá mais adiante. Por outro lado, os comerciantes e outros usuários do sistema financeiro de redescon- to ficaram sabendo rapidamente da nova política econômica e creditícia e, antecipando os efeitos esperados, contribuíram para o aumento de preços ocorrido tão logo as medidas foram tomadas. Finalmente, a taxa de câm- bio teve um efeito direto, pois a sua depreciação afetou o nível dos preços das importações cotados em moeda nacional e, subseqüentemente, o ní- vel geral dos preços. O aumento dos preços teve dois efeitos importantes, 1 2 4 O M É X I C O E A G R A N D E D E P R E S S Ã O D E 1 9 2 9 porém em sentidos opostos: por um lado, a expansão monetária real foi parcialmente neutralizada pela inflação e, portanto, as taxas de juros não caíram tanto; por outro lado, o aumento nos preços dos bens importáveis em relação àqueles que não se podiam comercializar foi um incentivo para mudar a direção da demanda do setor externo para o interno e, além dis- so, implicou uma queda dos salários reais. Ambos os fatores aumentaram a rentabilidade da indústria, o que elevou o nível da demanda agregada e deve ter inibido o crescimento do desemprego. Essa mudança nos preços relativos e a política econômica de estímulo e expansão macroeconômica transcenderam para a política econômica mexicana durante os anos se- guintes. Em particular, o auge do setor industrial fez com que esse se con- vertesse no motor da economia durante a década de 1930. 4. A GRANDE DEPRESSÃO E OS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA ECONÔMICA Até este momento, analisou-se propriamente a evolução da economia mexicana em relação à Grande Depressão, as políticas econômicas imple- mentadas pelo governo e a resposta do setor privado frente a elas e às flutuações econômicas externas. Porém, para que essa recuperação fosse possível, várias instituições econômicas tiveram de se transformar pro- fundamente, em especial para contar com os instrumentos necessários de política econômica que não existiam até então. Isto é, era visto como um fato a existência de instrumentos de política econômica à disposição do governo, porém, na realidade, alguns deles, especialmente os relaciona- dos à política monetária, só surgiram nesses anos e foi graças a eles que se pôde intervir para estimular a recuperação da economia. Portanto, é importante destacar a forma e as causas mediante as quais as autoridades fazendárias conseguiram dispor de tais instrumentos, o que não foi sim- ples. De fato, a Grande Depressão teve um papel central nesse processo, que haveria de ter tanta relevância para o futuro da política econômica do país a partir dos anos 1930. Como foi mencionado anteriormente, ainda que desde a reforma mo- netária de 1905 o país se encontrasse no padrão-ouro, desde tempos ime- moriais a maior parte das transações internas era realizada com moedas de prata. Por isso, na realidade, o sistema monetário era de certa forma bi- 1 2 5 A G R A N D E D E P R E S S Ã O metálico, mesmo que não houvesse uma relação fixa entre os pesos-ouro e os pesos-prata. Dado que as transações com o exterior eram realizadas fundamentalmente com moedas de ouro, o fato de as transações domésti- cas serem feitas em prata significava qüe, para efeitos práticos, o câmbio flutuava em relação aos preços internacionais de ambos os metais e, em menor escala, em relação às ofertas e demandas relativas dentro do país. Isso implicava um deságio dos pesos de ouro e de prata, em relação à prata e ao ouro, respectivamente, que flutuavam diariamente.70 Por isso, se o preço do ouro aumentava em relação ao da prata, o peso da prata mostra- ria um desconto vis-à-vis o peso-ouro, de tal modo que o peso, para efei- tos práticos, se depreciava.71 Nesse caso, por exemplo, os exportadores se beneficiariam, já que eles venderiam em pesos-ouro, porém poderiam pa- gar os seus gastos nacionais com pesos-prata, que valiam menos. Natural- mente, isso não significava que as autoridades monetárias manteriam uma atitude passiva em relação às flutuações da taxa de câmbio do peso-prata contra o dólar, mas sim que passaram a manipular o desconto como parte das regras do padrão-ouro. Por último, é necessário destacar que o sistema monetário que surgiu da Lei Monetária de julho de 1931, pela qual o ouro foi desmonetizado, não foi essencialmente diferente daquele que já estava em vigor anteriormente, pois, de fato, nessas condições, o padrão-ouro era uma ficção. O que realmente ocorreu foi o reconhecimento de que o Banco do México já não contava com ouro em suas reservas e, com o tempo, se passou de um sistema quase bimetálico para outro mais fiduci- ário, no qual se procurava um câmbio fixo, cuja estabilidade finalmente dependia da reserva internacional do Banco do México. Desde a sua fundação, em l 2 de setembro de 1925, o Banco do Mé- xico funcionava exatamente como qualquer banco comercial da época, com a característica adicional de que tinha o monopólio da emissão de papel-moeda. Porém, só podia emiti-lo com 100% de respaldo em ouro ou em divisas estrangeiras amplamente aceitas no mundo, por estar no padrão-ouro.72 Naturalmente, os demais bancos comerciais, que ainda estavam se recuperando dos problemas da Revolução Mexicana, viam o Banco do México como um competidor injusto, pois suas operações bancárias, próprias dos bancos de depósitos e de desconto, foram, por vários anos, as mais importantes do Banco do México.73 Além desse ambiente hostil, diversas circunstâncias, mais de cunho his- tórico, também restringiram o jovem Banco Central. Em particular, a des- 1 2 6 O M É X I C O E A G R A N D E D E P R E S S Ã O DE 1 9 2 9 confiança nas notas emitidas pelo governo desde a desordem financeira que prevaleceu durante a Revolução74 fez com que a posse pelo público de notas do Banco do México fosse extremamente pequena. Entre 1926 e 1931, a participação média das notas na oferta monetária total foi de apenas 0,3%. Portanto, mesmo que o Banco do México tivesse o monopólio da emissão de papel-moeda, a princípio não pôde exercer esse instrumento de política monetária, só o fazendo quando o público finalmente aceitou as notas. Quanto à função de regular a circulação monetária e a taxa de juros, o Banco Central também não pôde exercê-la, pois os bancos comerciais podiam não se associar com o Banco do México e, portanto, as mudan- ças no depósito compulsório não teriam o impacto que normalmente têm no montante do crédito disponível em uma economia.75 Além disso, a emissão de notas estava restrita às operações de redesconto apenas com bancos associados e para papéis comerciais resgatáveis em menos de no- venta dias e pagáveis em ouro. Naturalmente, essa regulamentação limi- tava gravemente a sua capacidade de regulação monetária. Não obstante, o Banco do México contribuiu com quase 5 5 % do incremento da oferta monetária não metálica entre 1925 e 1928, devido, fundamentalmente, aos depósitos em contas correntes.76
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