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Unidade 4 Conjuntura econômica e políticas econômicas Flávio Benilton da Silva Medeiros © 2020 por Editora e Distribuidora Educacional S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2020 Editora e Distribuidora Educacional S.A. Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza CEP: 86041-100 — Londrina — PR e-mail: editora.educacional@kroton.com.br Homepage: http://www.kroton.com.br/ Imagens Adaptadas de Shutterstock. Todos os esforços foram empregados para localizar os detentores dos direitos autorais das imagens reproduzidas neste livro; qualquer eventual omissão será corrigida em futuras edições. Conteúdo em websites Os endereços de websites listados neste livro podem ser alterados ou desativados a qualquer momento pelos seus mantenedores. Sendo assim, a Editora não se responsabiliza pelo conteúdo de terceiros. Sumário Unidade 4 Conjuntura econômica e políticas econômicas ......................................... 5 Seção 1 Política fiscal ........................................................................................ 7 Seção 2 Política monetária e política de rendas ..........................................20 Seção 3 Exemplos de ações governamentais marcantes no Brasil ............38 Unidade 4 Flávio Benilton da Silva Medeiros Conjuntura econômica e políticas econômicas Convite ao estudo Olá, tudo bem? Você já parou para pensar no quanto nossa qualidade de vida pode ser afetada por decisões e ações do governo? Além disso, os negócios entre as empresas e entre agentes de países diferentes também são afetados pelas políticas econômicas, o que torna o assunto desta unidade, as políticas macroeconômicas, fundamental para sua carreira profissional. Para analisar esse tema, conheceremos as diferenças entre as políticas fiscal e monetária, e por meio do estudo das ações econômicas recentes do governo brasileiro, compreenderemos os motivos pelos quais elas são feitas. Assim, você poderá fazer a análise da conjuntura econômica de um país para se antecipar às possíveis políticas fiscal e monetária a serem feitas pelo governo e seus efeitos sobre a economia como um todo e sobre setores específicos. Nosso primeiro tema será a Política Fiscal (Seção 4.1), relacionada aos gastos e às receitas do governo. A análise fundamental é a da relação entre receitas e despesas públicas: quando o governo gasta mais do que arrecada, ele incorre em déficit nas contas governamentais. Por outro lado, quando o governo consegue equilibrar suas contas e arrecadar mais do que gasta, ele tem superávit nas contas governamentais. A Política Fiscal Expansionista ocorre quando o governo toma decisões que aumentam os seus gastos e diminuem os impostos pagos pelas pessoas e empresas. Já quando o governo diminui seus gastos e aumenta os impostos, ele está praticando uma Política Fiscal Contracionista. A Política Monetária (Seção 4.2) está relacionada à quantidade de moeda em circulação e à taxa de juros. Uma política expansionista atua para aumentar a oferta de moeda (e, consequentemente, diminuir a taxa de juros), e a Política Monetária Contracionista atua no sentido oposto. Você conhecerá também o multiplicador bancário, que pode ser utilizado como instrumento de política monetária. Nossa análise dos impactos das diferentes políticas econômicas sobre o crescimento econômico e a inflação partirá da constatação de que existe um trade-off entre eles. Em seguida, ainda na Seção 4.2, veremos como o controle de preços e salários e os programas de transfe- rência de renda compõem a política de rendas ou distributiva. Para terminar, na Seção 4.3, acompanharemos exemplos de ações gover- namentais marcantes no Brasil, começando pelos planos malsucedidos de combate à inflação da década de 1980 e o sucesso do Plano Real. Você verá a predominância do neoliberalismo com a estabilidade econômica após o Plano Real e os benefícios trazidos por ela. Por fim, conheceremos as políticas recentes para o reequilíbrio das contas públicas. Mãos à obra! 7 Seção 1 Política fiscal Diálogo aberto Oi, você já viveu uma situação em que um cliente seu atrasou algum pagamento ou, até mesmo, lhe “deu o cano”? Como fornecedor, você se defrontou com cenários em que ficou muito difícil manter o que foi acordado com o cliente? É muito ruim, não é mesmo? Só que, às vezes, isso ocorre por situações fora do nosso controle, concorda? É sob essa perspectiva que quero convidá-lo a conhecer a Empresa S, que trabalha com o fornecimento de refeições em larga escala e que cresceu muito nos últimos anos tendo empresas contratadas pelo governo do Estado como principais clientes. Lúcia é a proprietária da empresa e a responsável por seu gerenciamento. Os últimos anos foram de intenso crescimento, pois o governo criou um programa de obras públicas em que as empresas de construção civil contratadas tinham a obrigação de fornecer alimen- tação para os trabalhadores temporários, e, com isso, as encomendas dessas empresas com a Empresa S cresceram muito. Contudo, nos últimos meses, Lúcia passou a ter dificuldades em receber alguns pagamentos, e passou a ouvir de vários clientes que o governo, apesar de estar em seu último ano, estava atrasando os pagamentos para as constru- toras que estavam realizando as obras. No final do ano, ocorreram as eleições e o atual governador não foi reeleito. O ganhador da eleição estabeleceu uma equipe para estudar a situação fiscal do estado, e após poucas semanas de trabalho, convocou uma entrevista coletiva em que fez uma declaração à imprensa afirmando que o governo anterior havia conduzido a política fiscal de forma irresponsável, deixando tanto uma enorme dívida quanto uma perspectiva de déficit nas contas públicas para os próximos anos. Por conta disso o futuro governador afirmou que ele precisará imple- mentar uma política fiscal contracionista nos próximos anos. A partir dessa informação, Lúcia precisa responder à seguinte pergunta: ela deve continuar focando as empresas contratados pelo governo como principais clientes ou fazer algum ajuste na estratégia da sua empresa? Para responder a essa pergunta, você precisa entender o que é a Política Fiscal, como alterações nos gastos e nas receitas do governo impactam tanto a economia em geral como setores específicos, bem como o que leva o governo 8 a adotar políticas expansionistas ou contracionistas. Esses conhecimentos lhe permitirão desenvolver habilidades de entendimento da realidade e de projeção de cenários futuros, sendo fundamental a sua dedicação, ok? Boa aula! Não pode faltar Olá, tudo bem? Os temas desta aula estarão muito próximos do seu dia a dia, já que nossas discussões seguirão uma linha muito específica: a análise da atuação do governo. Assim, iremos estudar como o governo pode influenciar a atividade econômica por meio da política fiscal entendendo suas razões e seus objetivos. De forma simples, podemos dizer que a política fiscal envolve os gastos do governo e as receitas do governo (advindas da tributação). A expansão dos gastos públicos para a recuperação dos Estados Unidos, após a Grande Crise de 1929, tornou hegemônica a ideia de usar os gastos governamentais como indutores do crescimento econômico, ou seja, todas as vezes que a economia tivesse sua atividade produtiva reduzida, enfren- tando altos níveis de desemprego, o governo deveria recorrer à Política Fiscal expansionista, ou seja, aumentar os gastos públicos e diminuir os tributos, o que estimularia a demanda agregada (intenção de compra dos agentes econômicos), fazendo com que as empresas voltassem a contratar novos funcionários para ampliar a produção (OLIVEIRA, 2018).Assimile Quando o governo aumenta os seus gastos ou diminui os tributos (impostos, taxas e contribuições), ele está fazendo Política Fiscal expan- sionista, o que aumenta a atividade econômica e, consequentemente, o nível de emprego. Esse processo ocorre da seguinte forma: imagine que o governo decida construir um novo porto (ampliando seus gastos). Para essa obra, ele contra- tará uma empresa que, por sua vez, irá contratar trabalhadores, adquirir (ou alugar) máquinas, comprar matérias-primas, contratar o serviço de outras empresas, etc. Percebe que esse processo ampliará a produção de diversas empresas (aumentando a renda correspondente aos pagamentos pela utili- zação dos recursos produtivos), bem como gerará empregos? Da mesma forma, a política fiscal expansionista pode ser feita com uma redução dos tributos, que fará com que os consumidores se interessem por comprar mais bens e serviços, pois estarão com sua renda disponível maior. 9 Ou seja, esse aumento da Demanda Agregada (causado pelo aumento da Renda Disponível, como consequência da diminuição tributária) resultará em um aumento da produção de bens e serviços, diminuindo o desemprego do país. Exemplificando Imagine se o governo reduzisse a alíquota do Imposto de Renda Pessoa Física de 7,5% para 2% para pessoas que ganham R$ 2.500,00 por mês. Isso faria com que o seu imposto pago passasse de R$ 187,50 para R$ 50,00. Dessa forma, a Renda Disponível (Renda Recebida menos Tributos pagos) dessa pessoa passaria de R$ 2.312,50 para R$ 2.450,00. Esse aumento de R$ 137,50 (ou seja, essa ampliação da Renda Dispo- nível) liberaria mais recursos para essa pessoa que seriam utilizados para a aquisição de mais bens e serviços, o que traria incentivo para as empresas produzirem mais, reduzindo o nível de desemprego do país. A política fiscal contracionista opera de forma inversa: o governo diminui os seus gastos e/ou aumenta a carga tributária. Com isso, temos menor ativi- dade produtiva (menos obras são realizadas, menos automóveis são vendidos, menos pessoas vão jantar fora, etc.) e, em consequência, menos empregos são gerados e menos riqueza é criada. Pode parecer estranho que um governo realize uma política que reduz a atividade econômica, e você irá entender em breve esse processo, mas, para isso, em primeiro lugar, é preciso conhecer os indicadores dos resultados fiscais de um país. Vamos a eles? Da mesma forma que eu, você e todas as empresas, o governo precisa que suas receitas sejam maiores do que suas despesas. Quando isso acontece, ocorre um superávit nas contas públicas. Já o déficit surge quando o governo gasta mais do que arrecada. Esses são chamados indicadores de fluxo, pois comparam os valores das receitas e dos gastos públicos, apresentando o resultado desse saldo em um determinado período. E se o governo continuar gastando mais do que arrecada ou se toma algum empréstimo para realizar uma obra? Isso resultará em dívida, que é um conceito de estoque, ou seja, déficits ou superávits irão alterar o tamanho da dívida pública. Agora, antes de avançarmos para entender melhor a contabilidade pública, precisamos compreender a diferença entre o resultado nominal e o resultado primário. Vamos lá? O resultado primário recebe esse nome por excluir os pagamentos ou recebimentos relativos aos juros da dívida, ou seja, indica o saldo das opera- ções que resultam em endividamento “novo” ou “primário”. Pode também 10 ser entendido como a diferença entre receitas e despesas não financeiras (sem juros), bem como pode ser superavitário ou deficitário. A importância desse indicador de fluxo é que ele mostra o nível de comprometimento da autoridade fiscal na amortização da dívida pública, ou seja, quanto que um país está conseguindo economizar para pagar os juros da dívida (TESOURO NACIONAL, 2017), podendo ser medido também em porcentagem do PIB. Exemplificando Imagine que, em janeiro, o governo arrecadou R$ 100,00 e gastou R$ 120,00, apresentando, portanto, R$ 20,00 de déficit público. Esse valor fez com que o governo acumulasse (estoque) R$ 20,00 de dívida pública, que foi acrescida de juros (por exemplo, mais R$ 5,00), pois o governo precisou pegar dinheiro emprestado para acertar essa pendência finan- ceira. No mês seguinte, em fevereiro, o resultado público do governo (receitas menos despesas) deverá apresentar um superávit primário, sobrando dinheiro para o pagamento dos juros da dívida que foi acumulada no mês anterior (por exemplo, se o governo, em fevereiro, arrecadar R$ 110,00 e gastar R$ 108,00, ele poderá usar esse superávit primário de R$ 2,00 para pagar parte dos juros (no valor de R$ 5,00) que recaem sobre sua dívida). Isso mostrará aos participantes do mercado que o governo está conseguindo organizar suas contas públicas para evitar que sua dívida continue crescendo. Já o resultado nominal inclui o pagamento de juros sobre o fluxo de receitas e despesas do governo, e de forma similar, pode ser superavitário ou deficitário. No exemplo anterior, mesmo que o governo tenha apresen- tado superávit primário de R$ 2,00, ele terá um déficit nominal de R$ 3,00 – correspondente a R$ 110,00 (arrecadados em fevereiro) menos R$ 113,00 (o total de R$ 108,00 gastos em fevereiro acrescidos de R$ 5,00 referentes aos juros da dívida). Déficits nominais, obviamente, não são bons, mas o déficit primário é pior, pois implica crescimento da dívida do governo. Reflita O governo pode apresentar um resultado primário superavitário e, ao mesmo tempo, um resultado nominal superavitário? Se sim, quando isso acontece? Reflita sobre o assunto. O padrão das contas públicas brasileiras era apresentar superávit primário e déficit nominal, ou seja, apesar do volume gasto para o pagamento da dívida ser elevado, os resultados permitiam alguma economia para o pagamento 11 dos juros da dívida. Contudo, a partir de 2014, o Brasil passou a apresentar déficits primários, o que resultou em grande elevação da dívida, conforme pode ser visto nas figuras 4.1 e 4.2: Figura 4.1| Resultado primário e nominal do governo central – 2008 a 2018 – em R$ bilhões Fonte: adaptada de Tribunal de Contas da União ([s.d.]). Figura 4.2 | Dívida bruta do governo geral – 2008 a 2019 – em % do PIB Fonte: adaptada de Banco Central ([s.d.]). A dívida bruta do governo geral abrange o total dos débitos de responsa- bilidade do Governo Federal, dos governos estaduais e dos governos munici- pais junto ao setor privado, ao setor público financeiro e ao resto do mundo (BRASIL, 2019a; 2019b) e alcançou um valor de R$ 5,431 trilhões, em março de 2019, o que correspondeu a 78,4% do PIB (OLIVEIRA, 2019). Essa relação entre dívida e PIB é a maior da série histórica, iniciada em dezembro de 2001 (OLIVEIRA, 2019). 12 O crescimento recente da dívida é o resultado de uma combinação de três fatores: os sucessivos resultados primários negativos (causados pelo excessivo aumento de gastos), o baixo crescimento do PIB (que causam uma diminuição na arrecadação tributária) e os juros pagos. Em 2018, os juros nominais pagos pelo governo alcançaram R$ 379,2 bilhões, o que equivale a 5,6% do PIB, colocando o Brasil entre os cinco mais endividados dos países emergentes (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, [s.d.]). A evolução dos gastos públicos no Brasil é mostrada na Figura 4.3. Figura 4.3 | Despesas Primárias do Governo Federal em R$ Bilhões – 1998 a 2018 Fonte: Tesouro Nacional ([s.d.]). Precisamos agora responder a uma pergunta muito importante: como o Brasil chegou a esse ponto? A utilização da política fiscal expansionista como indutora do crescimento foi intensivamente utilizada por diversos países, incluindo o Brasil, durante boa parte do século XX. Contudo, tanto aqui quanto em outros países, o processo não foi conduzido de forma respon- sável, pois levou a um aumento de gastos públicos sem correspondência nas receitas, gerando desequilíbrio e consequentes déficits fiscais. Em vez de adotar uma políticafiscal restritiva (para reequilibrar as contas públicas), boa parte dos governos optou por financiar esses déficits fiscais por meio de emissão de moeda ou empréstimos externos, o que gerou a crise da inflação e da dívida externa nos anos 1980 e 1990, no Brasil. Esse processo começou com Juscelino Kubitschek, manteve-se com os militares e depois no governo Sarney. Os dois mandatos de Fernando 13 Henrique Cardoso e o primeiro mandato de Lula foram de responsabilidade fiscal (apresentar superávits primários), mas a partir da crise mundial de 2008, os gastos do governo brasileiro dispararam e, mesmo com o aumento da arrecadação, o país passou a enfrentar déficits primários, desde 2014. Desde o impeachment de Dilma, os governos Temer e Bolsonaro tem feito esforços para reverter esse quadro, mas existe muitas dificuldades. O esforço para se garantir despesas em um nível menor do que o das receitas é essencial para o equilíbrio financeiro, tanto das pessoas quanto das empresas. Em relação aos governos, é importante lembrar que é o dinheiro de todos os contribuintes que é usado para pagar os gastos públicos. Por isso, o desejável é sempre buscar um resultado primário com superávit, a fim de se gerar uma “poupança” para pagar os juros da dívida pública e reduzir o endividamento do governo no médio e longo prazos. Atenção O crescimento da dívida traz menor credibilidade e afasta investidores que ficarão temerosos quanto ao futuro do País. É por isso que, quando os resultados fiscais estão ruins, governos respon- sáveis optarão por uma política fiscal restritiva (contracionista), mesmo que ocorra redução da atividade econômica no curto prazo. Vale destacar que fica claro, nesse ponto, o trade-off entre inflação e cresci- mento econômico: o aumento dos gastos do governo e a diminuição dos impostos geram um aumento da atividade econômica (elevando o emprego), contudo, isso pode trazer o crescimento da inflação. Por outro lado, quando a inflação está elevada, uma das formas de controlá-la é reduzir os gastos do governo e aumentar os impostos, que reduzem a atividade econômica e, consequentemente, o emprego. Assimile O aumento da Demanda Agregada resultante de uma política fiscal expansionista acontece numa velocidade maior do que o aumento da Oferta Agregada, o que traz inflação. E como está a questão fiscal brasileira? Infelizmente, nada bem. De forma resumida, podemos dizer que tanto a arrecadação quanto os gastos governamentais brasileiros têm problemas de quantidade e de qualidade, ou seja, a política fiscal brasileira apresenta algumas injustiças que precisam ser corrigidas. Na verdade, há quatro problemas fundamentais na política fiscal 14 brasileira, dois em relação aos gastos e dois em relação às receitas. Vamos começar falando da arrecadação? Grande parte do volume arrecadado com tributos no Brasil vem de impostos sobre o consumo, ao contrário de países de tributação mais justa, onde os impostos sobre a renda e sobre a posse representam uma parcela muito mais significativa. Além disso, os impostos sobre o consumo aumentam o custo dos produtos e prejudicam ainda mais as famílias mais pobres. Exemplificando Imagine que o imposto inserido em uma latinha de cerveja seja de 18%. Se uma latinha dessas é vendida por R$ 10,00, qualquer consumidor paga R$ 1,80 (18% desses R$ 10,00) de imposto. Assim, se uma pessoa ganha R$ 1.800,00 e compra uma latinha de cerveja, ela está compro- metendo 0,1% de sua renda (R$ 1,80 dividido por R$ 1.800,00) para o pagamento de imposto a cada cerveja adquirida, enquanto uma pessoa que ganha R$ 7.200,00 por mês compromete 0,025% de sua renda com imposto (R$ 1,80 dividido por R$ 7.200,00) a cada latinha adquirida. Ou seja, proporcionalmente (à renda), pagar R$ 1,80 é mais “pesado” para quem ganha R$ 1.800,00 por mês do que para quem ganha R$ 7.200,00 por mês. Isso comprova que os impostos sobre o consumo (que são a maioria no Brasil) são mais injustos, em termos de capacidade de pagamento. O segundo problema é que nossa carga tributária (percentual total de tributos, com relação ao PIB, pago por todas as empresas e pessoas físicas do país) é extremamente elevada quando comparada a outros países (se os gastos públicos são tão elevados, isso não poderia ser diferente, não é mesmo?), e a nossa legislação é uma das mais complexas do mundo, o que faz com que as empresas sejam obrigadas a contratar uma grande quantidade de advogados e contadores em vez de administradores e engenheiros, por exemplo. Esse aspecto diminui muito nossa competitividade, o que desestimula outros empreendedores a abrirem empresas no país. Para solucionar esse problema, em termos gerais, é necessário promover uma reforma tributária que simplifique os tributos, tornando o peso maior sobre impostos de Renda e propriedade e diminuindo o peso dos Impostos sobre consumo, pois a simplicidade do sistema tributário é fator crucial para o desenvolvimento de negócios em qualquer país. No Brasil, as áreas tributárias, que não geram nenhum valor para as empresas, são tão grandes quanto áreas estratégicas, como marketing e logística (ENDEAVOR BRASIL, 2019). Em 2019, no ranking elaborado pela Endeavor, o Brasil manteve-se 15 entre os 10 piores países do mundo em horas utilizadas para o pagamento de tributos, ocupando o 184º lugar, mesmo com a queda de 1.958 horas, em 2018, para 1.500 horas, em 2019 (ENDEAVOR BRASIL, 2019). Em 2017, na Argentina, por exemplo, o tempo médio era de 311,5 horas/ano, enquanto no México, o número caia para 240,5 horas/ano (MOVIMENTO BRASIL COMPETITIVO, 2017). Por parte dos gastos, o primeiro problema é o grande volume dos gastos públicos, causado pelo enorme tamanho do Estado brasileiro. Se isso signi- ficasse bons serviços, tudo bem, mas essa não é a realidade, não é mesmo? O outro aspecto é que boa parte do orçamento público está engessado por gastos obrigatórios cujo crescimento independe do volume arrecadado. Como consequência, eles estão correspondendo a uma parcela cada vez maior do PIB com crescimento, cada vez mais destacado, dos gastos previ- denciários, que cresceram a uma média de 13,7% ao ano entre 1995 e 2017, muito acima da inflação (ROQUE, 2019). Figura 4.4 | Evolução de quatro rubricas das despesas correntes do governo federal 2000 a 2018: Fonte: adaptada de Brasil (2019a; 2019b). Assimile Os gastos do governo brasileiro são elevados e o orçamento público é engessado (travado) por gastos obrigatórios concentrados nas despesas correntes (aquelas de custeio para a manutenção das atividades da administração pública, como os gastos com: pessoal, juros da dívida, previdência, serviços terceirizados, energia, telefone, etc.), que são de difícil redução, em caso de queda da arrecadação. Pelo lado da receita, os tributos são complexos e grande parte da carga tributária é de impostos indiretos. 16 Esse problema já é conhecido há muito tempo, e muitos estudos indicam a necessidade de amplas reformas para se corrigir essas distorções que limitam o crescimento da nossa economia. Por exemplo, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, apontou a necessidade de uma reforma tributária que restaure a sustentabilidade fiscal, além de reformas estruturais que melhorem o crédito, a infraestrutura e a liberali- zação do comércio (BASILE, 2018). Além dessas, reafirmou a importância da reforma da Previdência Social e a continuidade da política monetária para estimular a economia (BASILE, 2018). O reflexo dessa situação pode ser visto no valor destinado a investimentos públicos (aplicações de recursos do Estado que impulsionam o desempenho econômico – como as feitas em: infraestrutura de transporte, energia, comunicação, saneamento, pesquisa e desenvolvimento, etc. – estimulando o investimento privado), que apresentou queda significativa a partir de 2010, como pode ser visto na Figura 4.5: Figura 4.5 | Gastos do governo federal com investimentos2000 a 2017 Fonte: adaptada de Brasil (2019a; 2019b). Percebe o quanto a Política Fiscal pode influenciar o desempenho econô- mico de um país? Por isso, é importante que você estude os materiais desta disciplina para se aprofundar nesses conhecimentos que poderão fazer muita diferença na sua carreira. Bons estudos! Sem medo de errar Muito bem, agora que você já entendeu os desafios relativos à política fiscal, é hora de ajudar a resolver a questão enfrentada pela Lúcia. Vamos 17 relembrar a situação? Ela é a proprietária e a gerente da Empresa S que fornece refeições em larga escala e que cresceu muito nos últimos anos tendo as empresas contratadas pelo governo do Estado como principais clientes. Apesar dos últimos anos terem sido de intenso crescimento, nos últimos meses, a empresa enfrentou dificuldades em receber alguns pagamentos e passou a ouvir de vários clientes (construtoras que prestam serviço para a esfera pública) que o governo estava atrasando os pagamentos. Seus temores aumentaram quando, após as eleições perdidas pelo atual governador, o candidato ganhador declarou em entrevista coletiva que, após estudo realizado pela equipe de transição, precisaria adotar uma política fiscal restritiva nos próximos anos, pois o governo anterior havia conduzido a política fiscal de forma irresponsável, deixando tanto uma enorme dívida quanto uma perspectiva de déficit nas contas públicas para os próximos anos. Diante desse cenário, a pergunta que Lúcia precisa responder é: ela deve continuar focando as empresas contratadas pelo governo como principais clientes ou fazer algum ajuste na estratégia da sua empresa? Desequilíbrios fiscais são enfrentados por governos comprometidos a resolver esses problemas por meio de medidas de austeridade. Por isso, a redução dos gastos do governo estadual é certa! Continuar apostando nas empresas contratadas pelo Estado como clientes confiáveis não é uma estratégia viável. Por isso, a empresa precisa se preparar para um cenário de redução da demanda, já que as políticas fiscais contracionistas diminuirão a atividade econômica, tanto pela redução dos gastos do governo quanto pelo aumento nos tributos. Perceba a importância de se conhecer os mecanismos à disposição do governo que compõem a política fiscal e os efeitos que eles causam sobre a economia como um todo e sobre empresas específicas em particular. Além disso, note como esse conhecimento está ligado a situações reais e como o domínio desses assuntos fará diferença na sua vida profissional. Faça valer a pena 1. O termo custo Brasil refere-se a uma série de aspectos que dificultam a exportação de produtos brasileiros ou a competição de produtos nacionais com os produtos importados. Para a diminuição desses custos, é necessária a realização de reformas. Em relação à arrecadação tributária brasileira, quais aspectos fundamentais têm sido obstáculos e, por isso, precisam ser alterados? 18 a. A maior parte da arrecadação vir de impostos sobre renda e posse; e a complexidade dos tributos que eleva nossa competitividade. b. A maior parte da arrecadação vir de impostos sobre o consumo; e a complexidade dos tributos que diminui nossa competitividade. c. A maior parte da arrecadação vir de impostos sobre o consumo; e a simplicidade dos tributos que diminui a arrecadação. d. Os elevados gastos do governo com a aposentadoria de políticos e militares; e a falta de investimentos em educação. e. A elevada desvalorização da moeda nacional que dificulta nossas exportações; e a legislação que dificulta a condenação de corruptos. 2. Em artigo recente, Marcos Lisboa, Marcos Mendes e Marcelo Gazzano apontaram que “em 2013 e 2014, a economia brasileira desacelerou apesar da forte expansão dos gastos públicos. O déficit primário estrutural saiu de um resultado próximo de zero em 2013 para um déficit de quase 2% do PIB, e isso não impediu que entrássemos em uma das maiores recessões de nossa história” (LISBOA; MENDES; GAZZANO, 2019, [s.p.]). Tomando como referência os efeitos de uma política fiscal excessivamente expansionista no Brasil ao longo do século XX, classifique as afirmativas a seguir em (V) verdadeiras ou (F) falsas. ( ) O aumento de gastos públicos levou a déficits fiscais. ( ) Os déficits fiscais foram financiados pela desvalorização cambial. ( ) O financiamento da dívida pública com aumento da quantidade de moeda ajudou a controlar a inflação. ( ) A diminuição da intenção de compra contribuiu para aumentar a inflação. Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta de classificação, de cima para baixo. a. V – F – F – F. b. F – V – F – F. c. V – V – V – F. d. V – F – V – V. e. F – F – V – V. 19 3. A política fiscal ocupa um papel central nos instrumentos que o governo tem à sua disposição para atuar na economia, em especial no estímulo à atividade econômica. A política fiscal brasileira apresenta alguns problemas graves e de difícil solução. Tomando como referência os problemas fiscais brasileiros, classifique as afirmativas a seguir em (V) verdadeiras ou (F) falsas ( ) Gastos públicos crescentes. ( ) Orçamento público engessado por gastos obrigatórios. ( ) A maior parte da arrecadação vem de impostos sobre a renda. ( ) Sistema tributário complexo. Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta de classificação, de cima para baixo. a. V – V – F – V. b. F – F – F – V. c. F – F – V – V. d. V – V – V – F. e. V – F – V – F. 20 Seção 2 Política monetária e política de rendas Diálogo aberto Olá, tudo bem? Você já percebeu que, de alguns anos para cá, as manchetes sobre a inflação não são mais tão frequentes? Você saberia dizer se isso é bom ou ruim? E sobre a taxa SELIC, você já ouviu falar? Sabia que o resultado de muitos negócios é afetado pelos juros? Essas e outra importantes perguntas serão respondidas neste encontro. Para nos ajudar a respondê-las, quero que você conheça a Eliane, que concluiu o curso superior e recentemente fez uma pós-graduação em gestão de empresas. Ela recebeu a notícia de que seus pais e tios juntaram as economias de vários anos e compraram a Empresa C, uma loja que vende eletrodomésticos que estava à beira da falência. Logo em seguida, Eliane foi convidada a ser o sócio-gerente da empresa, mas, como não tinha recursos financeiros para investir, sua parte na sociedade seria adquirida pelas suas horas de trabalho. Com isso, ela precisaria fazer a empresa ter sucesso para ter alguma remuneração. Ao analisar as contas da empresa, Eliane percebeu que o fracasso da gestão anterior teve duas causas: a empresa tinha problemas sérios de gestão; e ela acabou enfrentando um grave momento de recessão no país (fruto de um período de sucessivas políticas monetárias contracionistas), tendo uma elevada dívida com fornecedores, um grande volume de produtos em estoque e gastos fixos elevados. Eliane sabe que terá o apoio da família para realizar as mudanças que a Empresa C precisa, mas estava em dúvida sobre o cenário econômico, e procurou se informar sobre o panorama atual e as perspectivas futuras. Sua pesquisa indicou que as políticas contracionistas foram necessárias para controlar a inflação, mas, que agora, como a inflação do país está sob controle, as expectativas dos agentes são bastante positivas para que o governo passe a promover política monetária expansionista. Frente a essa expectativa sobre a economia do país, e sabendo que um aquecimento da atividade econômica é fundamental para a recuperação financeira da Empresa C, Eliane poderia se beneficiar dessa política monetária expansionista para fazer a empresa vender mais? E sobre a dívida acumulada da Empresa C: Eliane teria mais facilidade em pagá-la, caso o governo faça política monetária expansionista? Por qual motivo? 21 Para responder a essas perguntas, você precisará entender os conceitos fundamentais da política monetária, bem como diferenciar os motivos que levamos governos a aplicarem uma política expansionista ou contracionista, bem como os efeitos de cada uma dessas políticas. Esses conhecimentos são fundamentais para quem quer assumir posições de comando dentro de qualquer empresa. É esse o seu caso? Então, vamos lá! Não pode faltar Olá, como você está? Chegou o momento de conhecermos uma política essencial que mostra a atuação do governo na economia: a política monetária. Vamos a ela? Money, moneda, münze… sabe o que essas palavras têm em comum? Todas elas têm o mesmo significado: moeda. E é daí que vem o tema principal desta unidade: a política monetária. O primeiro passo para entendermos a mecânica desta política é entender o papel fundamental da moeda. Você sabe qual é? A resposta é: ser meio de troca! Não há como precisar uma data, mas, em algum momento da história, as pessoas começaram a perceber que utilizar uma mercadoria (no caso, a moeda) para facilitar o processo de troca diminuía o tempo gasto na realização das transações, o que liberava mais tempo para ser gasto em atividades produtivas e aumentava a produtividade. Com isso, o uso da moeda se incorporou rapidamente à vida das pessoas. Assimile Além de meio de troca, a moeda também tem as funções de ser reserva de valor e unidade de conta. A função de reserva de valor da moeda quer dizer que o seu poder de compra se mantém no tempo, sendo uma forma de se medir a riqueza. Assim, se R$ 100,00 hoje compram 5 unidades da mercadoria A, seis meses depois, os mesmos R$ 100,00 também poderiam ser usados para a aquisição de 5 unidades da merca- doria A (caso não houvesse inflação nesse período). Já a função de unidade de conta refere-se ao fato de a moeda ser o referencial das trocas, ou seja, o padrão para cotação das mercadorias (os preços dos bens e serviços são expressos em valores monetários). Cabe destacar que independentemente da forma como ela é utilizada (meio físico ou digital), a moeda continua tendo como principal função ser instrumento (meio) de troca. 22 Imagine Por ser meio de troca, o dinheiro, em si, só tem valor quando há bens ou serviços pelos quais ele possa ser trocado. Imagine as seguintes situa- ções que parecem roteiro de cinema, mas que ajudam a entender a função meio de troca do dinheiro: na primeira, um avião cai no deserto e não há como se comunicar com ninguém, sendo que, para se salvar, você precisará caminhar vários quilômetros até encontrar uma civili- zação. Entre carregar uma caixa cheia de moedas ou água, qual seria sua escolha? Agora, imagine que você estivesse em um barco que naufragou em um local extremamente frio e você só tivesse notas (moeda) para acender o fogo: o que você faria? Esses exemplos mostram a função fundamental da moeda, que é facilitar o comércio entre os agentes; não havendo bens para comprar, a moeda perderia a sua função de meio de troca. Depois que definimos as funções da moeda, já podemos falar sobre política monetária, que está relacionada com o controle da quantidade de dinheiro na economia, sendo que isso é feito pela autoridade monetária do país, o Banco Central (BC). Esse termo, autoridade monetária, tem a ver com o fato de que o Banco Central é o responsável por controlar a taxa de inflação, principalmente com o uso de política monetária. Além disso, saiba também que as notas e moedas não podem ser emitidas por bancos privados, pois o Estado possui o monopólio das emissões. Nós já citamos a inflação, mas, agora, precisamos nos aprofundar um pouco mais sobre esse tema. Vamos lá? Em primeiro lugar, grande parte da população brasileira não viveu os anos de elevada inflação, por isso não se lembra dos danos causados por ela: a corrosão do poder de compra dos trabalhadores (especialmente os de renda mais baixa) e o abandono de muitos investimentos produtivos (existem outros, mas esses são os princi- pais). Vamos entender melhor esses processos? Em uma economia com inflação elevada, a taxa de juros precisa ser alta para compensar a perda do valor da moeda. Isso faz com que os recursos deixem de ser investidos em atividades produtivas para serem direcionados em aplicações nos bancos. Se um agente pode receber mais de 10% ao ano, em um título do governo, por qual motivo ele se arriscaria a investir esse dinheiro na construção de uma nova fábrica, por exemplo? E tem mais: a história mostra que a inflação só foi controlada em muitos países após intensas crises, o que gera incerteza quanto ao futuro, fator que também desestimula os investimentos produtivos das empresas. Como resultado, muitos empregos 23 deixam de ser gerados, a produção diminui e o país empobrece no longo prazo. A perda do poder de compra do trabalhador pode ser facilmente demons- trada por um exemplo: Exemplificando Desde o início da década de 1980 até 1994, a inflação no Brasil, disparou com taxas chegando, em alguns momentos, a quase 100% ao mês (o que fazia com que o preço de alguns produtos dobrasse de um mês para outro). A inflação elevada obrigava que houvesse uma correção mensal dos salários, mas isso não mantinha o poder de compra dos trabalhadores, pois havia uma diferença entre o dia em que o valor do salário era definido (dia 20 de um mês, por exemplo) e o dia do recebi- mento (considere que seria no dia 5 do mês seguinte). Nesse espaço de tempo grande parte do poder de compra se perdia. Outro dano ao trabalhador era que, com a inflação elevada, os preços mudavam diariamente, obrigando o trabalhador a fazer suas compras no mesmo dia do recebimento do salário, pois no dia seguinte o seu dinheiro não seria mais suficiente para comprar a mesma quantidade de produtos. Já os trabalhadores de maior renda tinham acesso a correções diárias de suas aplicações financeiras, o que diminua o dano da inflação para essas pessoas. Por causa desses danos (o baixo nível de investimentos produtivos e a perda de poder de compra de boa parte da população), a inflação é consi- derada como uma das maiores responsáveis pelo aumento da desigualdade social no Brasil, em especial, no período entre o início da década de 1980 até 1994. Nessa época, o descontrole inflacionário gerou um aumento na desigualdade social e redução nos investimentos, piorando a condição de vida da população. Por isso, o controle da inflação, a partir de 1994 (fruto do Plano Real), permitiu que o efeito de outras políticas públicas fosse intensifi- cado na redução da desigualdade social registrada no Brasil, a partir do final do século passado. Desde 1999 o Brasil está sob o regime de metas de inflação para orientar sua política monetária. Mas você sabe o que isso quer dizer? A meta se refere à inflação acumulada em um ano e utiliza o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A cada mês de junho, o Conselho Monetário Nacional (CMN) define a meta para a inflação dos três anos seguintes: por exemplo, em junho de 2019, o CMN definiu a meta para 2022. A partir da definição do 24 valor dessa meta, há um intervalo de tolerância, também definido pelo CMN (ou seja, há um percentual para cima e para baixo do valor da meta, que a inflação pode atingir, sem comprometer a meta inflacionária prevista). Nos últimos anos, o intervalo definido pelo CMN tem sido de 1,5% para cima e para baixo. Exemplificando A meta da taxa da inflação brasileira informada pelo Banco Central para 2020 é de um IPCA de 4,00% ao ano, com uma tolerância de 1,5%, ou seja, aceita-se que a inflação anual do Brasil em 2020 fique dentro do intervalo de 2,5% (4% da meta menos 1,5% da tolerância) a 5,5% (4% da meta mais 1,5% e tolerância) (BCB, 2019). Para 2021, a meta anual é de 3,75% e de 3,5% para 2022 (BCB, 2019). No final de cada ano, se a inflação estiver fora do intervalo de tolerância, o presidente do Banco Central tem que enviar carta aberta ao Ministro da Fazenda e presidente do CMN, que apresente as razões do descumprimento da meta, bem como as providênciasa serem tomadas para normalizar a situação. Além disso, ele deve informar o prazo esperado para que as provi- dências surtam efeito. O estabelecimento das metas inflacionárias reduz incertezas e melhora a capacidade de planejamento das famílias, empresas e governo, pois a meta pode funcionar como uma âncora para as expectativas dos agentes sobre a inflação futura, desde que desvios da inflação em relação à meta sejam corri- gidos pelo BC. Dessa forma, a redução da incerteza faz com que as pessoas possam planejar melhor seu futuro e as famílias não tenham sua renda real corroída, o que acaba contribuindo para o crescimento da economia no longo prazo. Assimile O regime de metas de inflação é utilizado por diversos países com o objetivo de estabelecer um ambiente de previsibilidade para a economia. O Brasil utiliza esse regime desde 1999. A Figura 4.6 mostra a meta (linha contínua no meio do gráfico), os limites, superior e inferior (linhas tracejadas acima e abaixo da meta, respectiva- mente), e o comportamento do IPCA (linha que sobe e desce e, efetivamente, mostra o comportamento da inflação, ao longo dos anos), de dezembro de 2009 até dezembro de 2019, bem como a projeção do mercado para 2020. 25 Figura 4.6 | Comportamento da inflação Fonte: BCB ([s.d.]). A inflação pode ter diferentes causas. Vamos conhecer uma das princi- pais? Para isso, vamos adaptar a ideia desenvolvida por Milton Friedman, prêmio Nobel de economia: imagine uma ilha onde não ocorra nenhuma importação e exportação, ou seja, todos os produtos produzidos na ilha são vendidos ali, bem como tudo aquilo que é consumido na ilha é produzido ali dentro (ou seja, não há exportação nem importação). Há uma moeda na ilha, cuja função principal é servir de instrumento de troca. Um dia, de forma inesperada, cai dinheiro do céu (de forma literal), de forma que cada um dos habitantes da ilha tenha um aumento instantâneo de renda de 20%. O resultado desse aumento de renda será um aumento na demanda (intenção de compra de bens e serviços). Os vendedores, ao perceberem esse aumento na demanda, vão trazer um aumento nos preços daquilo que vendem, pois é mais fácil (e rápido) ampliar os preços do que aumentar a quantidade produ- zida. Como os habitantes tiveram um aumento de renda, o resultado será que o preço dos produtos e serviços negociados na ilha sofrerá um aumento na mesma proporção do aumento da quantidade de moeda em circulação (MEDEIROS, 2019). Interessante, não é mesmo? Essa é uma situação imaginária, mas cujas conclusões são muito úteis: perceba que o aumento da quantidade de moeda em circulação não gerou 26 aumento efetivo na renda (nem da produção), apenas da inflação, pois o aumento nos preços fez com que a capacidade de compra da população não se alterasse (MEDEIROS, 2019). A principal constatação dessa história apresentada é que sempre que ocorre um aumento da oferta de moeda (estoque total de moeda na economia) que não corresponda a um aumento na quantidade produzida em um país, não haverá aumento na renda, apenas na inflação (MEDEIROS, 2019). Reflita Além do excesso de moeda (relacionado à política monetária), o aumento do gasto público e a redução de tributos (que configuram uma política fiscal expansionista) também trazem inflação (por aumentarem a intenção e compra por bens e serviços). Dessa forma, qual a impor- tância de uma harmonia entre as políticas fiscal e monetária? Em que medida ações populistas de estímulo ao consumo ou de redução de impostos podem comprometer o combate à inflação e acabar gerando instabilidades e crises? Por isso que foi exposto até aqui (o excesso de moeda causa inflação), os instrumentos da política monetária tentam reduzir a quantidade de moeda em circulação para controlar o aumento generalizado e persistente dos preços (a inflação). Mas quais as ferramentas mais importantes para controlar a quantidade de dinheiro em circulação? Vamos ver duas ferramentas, que correspondem aos dois principais instru- mentos utilizados pelo BC para controlar a quantidade de moeda e, conse- quentemente, a inflação: a taxa de juros e as condições de oferta de crédito, especialmente a taxa de recolhimento compulsório dos bancos comerciais. Você lembra que a moeda tem como principal função ser meio de troca? E se a considerarmos como uma mercadoria, qual, então, seria o seu preço? Se você pensou em taxa de juros, acertou, pois, de forma similar aos bens e serviços, é a taxa de juros (ou, o preço do dinheiro) que vai equilibrar as forças de demanda e oferta de moeda. Pense em um mercado simples: quanto mais pessoas oferecerem recursos monetários para serem emprestados, menor será a taxa de juros (ou seja, menor será o preço do dinheiro). Por outro lado, quanto mais gente quiser tomar dinheiro emprestado, maior será a taxa de juros (o preço desse dinheiro será maior). Assim, em um mercado em que não houvesse intervenção do governo na taxa de juros, a interação entre os agentes determinaria a taxa de juros de equilíbrio. 27 Contudo, o Banco Central é um agente com tanto poder que as taxas de juros que ele utiliza (para remunerar os títulos públicos) acabam por balizar as taxas aplicadas por outros agentes. Quer ver? Existe uma taxa muito conhecida sobre a qual você já deve ter ouvido falar: a SELIC, que é a taxa de financiamento do Tesouro Nacional para operações financeiras feitas de um dia para o outro, utilizada nos empréstimos que ocorrem entre os bancos ao final de cada dia. O lastro dessa taxa são justamente os títulos públicos federais, listados e negociados no Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC). Agora, imagine que você dispõe de um recurso para investimento e pode emprestá-lo para o governo (comprando um título público). Você só vai emprestar esse dinheiro ao governo (comprar um título público), se ele trouxer uma remuneração atrativa para você (ou seja, se os juros forem altos). Assim, se os juros forem altos (se taxa SELIC estiver alta), você vai preferir emprestar recursos ao governo, em vez de manter o dinheiro consigo mesmo (para adquirir bens e serviços), ou seja, ao adquirir títulos públicos do governo, o dinheiro que está em circulação diminui (o dinheiro deixa de ser usado por você para a aquisição de um bem ou serviço, sendo utilizado para a aquisição de um título governamental). E se o governo aumenta a taxa SELIC, o que acontece no mercado produ- tivo? Lembre-se que grande parte das compras das empresas (equipamentos, instalações etc.) tem valor (preço) unitário elevado, o que também acontece com alguns itens adquiridos pelas famílias (eletrodomésticos, automóveis, casa própria etc.). Assim, esses bens mais caros, normalmente, são adqui- ridos de forma parcelada. Por esse motivo, se houver um aumento da taxa de juros, o valor à vista desses bens não muda, mas o valor das parcelas crescerá (caso a compra tenha acontecido a prazo). Isso levará a uma diminuição na demanda (intenção de compra) por esses produtos, forçando os empresários a diminuírem o preço que estão cobrando pelas suas mercadorias (ou seja, haverá um deslocamento da curva da demanda agregada para a esquerda, o que fará com que o novo preço de equilíbrio do mercado seja menor). Cabe destacar também que, além disso, quando a taxa de juros está maior, muitos investidores direcionam seus recursos monetários para investimentos nos bancos (por meio de aplicações financeiras que são remuneradas com juros), em vez de utilizá-los em investimentos produtivos (assim, a aquisição de máquinas e equipamentos para aumentar a produção é menor, o que diminui a produção desses bens, aumentando o desemprego). Dessa forma, quando o governo vende um título público, ele está fazendo política monetária contracionista (ou seja, ele está retirando moeda de circulação da economia), cujo principal objetivo é o controle da inflação. 28 Contudo, outro efeito dessa política é a diminuição da atividade produtiva, que aumentao desemprego. Em contrapartida, o governo pode fazer política monetária expansionista (ou seja, aumentar a quantidade de moeda em circulação), comprando de volta os títulos públicos. Mas como isso acontece? Depois de 5, 10 anos que o governo vendeu um título público, ele deve comprá-lo de volta, pagando o seu valor inicial com o acréscimo de juros. Quando isso acontece, o governo coloca moeda na mão daqueles que detinham o título público, o que faz o preço do dinheiro (ou seja, a taxa de juros, cair). Com juros menores, os agentes econômicos vão querer comprar mais mercadorias, o que é ótimo para a produção e para o emprego, mas é ruim para a inflação (os preços tendem a subir). Assim, quando o governo compra um título público, ele está fazendo política monetária expansionista (ou seja, ele está colocando mais moeda em circulação da economia), sendo que os efeitos dessa política são a ampliação inflacionária e o aumento da atividade produtiva, que diminui o desemprego. Os efeitos negativos (aumento da inflação) da política monetária expan- sionista são o motivo principal de o governo não imprimir mais dinheiro para dar aos pobres (certamente, em algum momento da sua vida, você já deve ter se perguntado por qual motivo o governo não imprime mais dinheiro para repassar aos mais necessitados, certo?). Essa outra forma de fazer política monetária expansionista (emitir mais moeda) ampliaria a quantidade de moeda em circulação que culminaria, no final do processo, em um aumento violento de preços. Interessante, não é mesmo? Mas vamos pensar em uma coisa. A moeda (física) é a única forma de alguém pagar alguma dívida? A resposta é não! Para efetuar pagamentos, você pode tanto utilizar notas e moedas em meio físico quanto utilizar um dinheiro que está na sua conta no Banco, via transferência bancária, pagamento de boleto ou cheque (lembre-se que o cartão de crédito, como o próprio nome diz, não é moeda, apenas um facilitador do processo de pagamento). Além disso, não há lastro metálico em ouro ou prata que garanta a conversibilidade do papel-moeda, ou seja, esse sistema é integralmente fiduciário, o que signi- fica que se baseia apenas na confiança dos agentes na moeda. Pare para pensar um pouco: hoje, você carrega um número maior ou menor de notas (cédulas) do que as pessoas andavam antigamente? É quase certo que a quantidade é menor, correto? A razão disso é que os meios digitais de pagamento estão substituindo o uso de cédulas e moedas metálicas. É muito mais prático e seguro deixar o dinheiro no banco e pagar “no crédito ou no débito”, ou por outros meios digitais. 29 Sempre que falamos em recursos financeiros que são depositados nos bancos comerciais, precisamos falar também da taxa de compulsório (que também acaba sendo uma ferramenta de política monetária). Calma, o nome não é muito atrativo, mas seu entendimento é simples. Vamos a ele? Existe um processo em que os bancos comerciais acabam “criando” moeda, que se inicia com um banco comercial recebendo um depósito de um cliente qualquer. Esse banco não vai guardar todo o dinheiro que foi deposi- tado, já que repassará uma parte desses recursos financeiros para outros clientes que estão à procura de empréstimos bancários (essa é a atividade central de uma instituição bancária). O percentual a ser recolhido (ou seja, o percentual do dinheiro que foi depositado que o banco comercial não pode emprestar para outro cliente) é chamado de taxa de reserva compulsória de depósitos e é definido pelo governo. Depois de “guardar” parte do dinheiro que foi depositado (de acordo com a taxa de compulsório), os recursos finan- ceiros que foram emprestados (ou seja, o valor depositado menos o que ficou reservado no banco comercial de forma compulsória, obrigatória) circularão na economia e, de alguma forma, voltarão a ser depositados, dando início a uma nova etapa do processo. A cada etapa, uma parcela é retida no banco e o restante retorna ao sistema bancário gerando outros empréstimos, o que amplia a quantidade de moeda (chamada de moeda escritural) na economia. Complicado? Que tal alguns exemplos para que você entenda melhor esse processo? Imagine que o banco receba R$ 1.000,00 em 10 cédulas de R$ 100,00, de um depósito de um novo cliente (o cliente A). Se a taxa de reserva compul- sória (estipulada pelo governo) for de 20%, R$ 200,00 precisam perma- necer retidos no banco, obrigatoriamente. Os outros R$ 800,00 (R$ 1.000,00 depositados menos R$ 200,00 retidos) ficarão à disposição do banco e serão emprestados para outro cliente (o cliente B, por exemplo). Agora, pense comigo: quando alguém (o cliente B, por exemplo) pega algum empréstimo no banco, essa pessoa não tem o objetivo de deixar esse dinheiro embaixo do colchão, concorda? Ela vai utilizá-lo para comprar alguma coisa ou saldar alguma dívida. Assim, imagine que o cliente B tenha pego R$ 800,00 empres- tados no banco para um comprar um armário na Loja X. Esse dinheiro (R$ 800,00), então, será pago pelo cliente B à Loja X, que vai depositá-lo no banco. Assim, temos um novo depósito no banco, de R$ 800,00, feito pelo cliente Loja X. Desses R$ 800,00 depositados, 20% (ou seja, R$ 160,00) são guardados de forma compulsória e a diferença (R$ 800,00 – R$ 160,00 = R$ 640,00) serão emprestados a outro cliente (o cliente D, por exemplo), que o utilizará para pagar por uma impressora adquirida na Loja Y, que depositará o valor no banco. O processo continua e dos R$ 640,00 depositados pela Loja Y, 20% (ou seja, R$ 128,00) são reservados compulsoriamente e, a diferença, 30 R$ 512,00, serão emprestados para o cliente E comprar uma máquina de café expresso na Loja W, que depositou esse valor no banco, que reservou R$ 102,40 de forma compulsória e emprestou R$ 409,60… Este ciclo continua até que seu efeito multiplicador termine. Quadro 4.1 | Criação de moeda escritural pelos bancos Cliente de- positário Valor de- positado (R$) Compulsó- rio (20%) (R$) Dinheiro a ser empres- tado (R$) Cliente tomador do emprésti- mo (R$) Loja que recebeu o dinheiro Novo depósito (R$) Cliente A 1.000,00 200,00 800,00 Cliente B (800,00) Loja X (800,00) 800,00 Loja X 800,00 160,00 640,00 Cliente D (640,00) Loja Y (640,00) 640,00 Loja Y 640,00 128,00 512,00 Cliente E (512,00) Loja W (512,00) 512,00 Loja W 512,00 102,40 409,60… Total 2.952,00 590,40 Fonte: elaborado pelo autor. Perceba que, no exemplo trazido (ilustrado no Quadro 4.1), de uma valor inicial de R$ 1.000,00 em dinheiro (10 notas de R$ 100,00), foi criada moeda escritural adicional e, até onde podemos acompanhar pela evolução do Quadro 4.1, temos um total de R$ 2.952,00 nessa economia (afinal, o cliente A tem direito a sacar R$ 1.000,00, a Loja X tem direito a sacar R$ 800,00, a Loja Y tem direito a sacar R$ 640,00 e a Loja W tem direito a sacar R$ 512,00). Portanto, não é apenas o Banco Central (mas também os bancos comerciais) que consegue influenciar a quantidade de moeda na economia. Dessa forma, o governo também faz política monetária contracionista (diminuindo a quantidade de moeda na economia), se ele ampliar a Taxa de Compulsório, por exemplo, para 60% (Quadro 4.2), pois ele diminui o total de moeda escri- tural criada (valor dos novos depósitos), a partir de um depósito inicial. Em contrapartida, se o governo diminuir a taxa de compulsório (para 10%, por exemplo, conforme Quadro 4.3), ele estará fazendo política monetária expansionista, pois aumentará a quantidade de moeda escritural criada (valor dos novos depósitos). 31 Quadro 4.2 | Criação de moeda escritural pelos bancos, com elevação da taxa de compulsório Cliente de- positário Valor de- positado (R$) Compulsó- rio (60%) (R$) Dinheiro a ser empres- tado (R$) Cliente tomador do emprésti- mo (R$) Loja que recebeu o dinheiro Novo depósito (R$) Cliente A 1.000,00 600,00 400,00 Cliente B (400,00) Loja X (400,00) 400,00 Loja X 400,00 240,00 160,00 Cliente D (160,00) LojaY (160,00) 160,00 Loja Y 160,00 96,00 64,00 Cliente E (64,00) Loja W (64,00) 64,00 Loja W 64,00 38,40 25,60… Total 1.624,00 974,40 Fonte: elaborado pelo autor. Quadro 4.3 | Criação de moeda escritural pelos bancos, com diminuição da taxa de compulsório Cliente de- positário Valor de- positado (R$) Compulsó- rio (10%) (R$) Dinheiro a ser empres- tado (R$) Cliente tomador do emprésti- mo (R$) Loja que recebeu o dinheiro Novo depósito (R$) Cliente A 1.000,00 100,00 900,00 Cliente B (900,00) Loja X (900,00) 900,00 Loja X 900,00 90,00 810,00 Cliente D (810,00) Loja Y (810,00) 810,00 Loja Y 810,00 81,00 729,00 Cliente E (729,00) Loja W (729,00) 729,00 Loja W 729,00 72,90 656,10… Total 3.439,00 343,90 Fonte: elaborado pelo autor. Além da política fiscal e da política monetária existe uma área de atuação do governo que precisamos conhecer: a redução da desigualdade social por meio da política de rendas ou política distributiva. Existe uma associação entre violência e desigualdade de renda (CARDIA; SCHIFFER, 2002) e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) apontou que essa desigualdade cria obstáculos para o aumento das capacidades de 32 consumo da população de menor renda, o que reduz a demanda de bens e serviços e tira o dinamismo das economias. Além disso, também gera descon- tentamento e instabilidade política e social, que também afetam a economia dos países (ONU, 2019). Quantos problemas são advindos das desigualdades de renda, não é mesmo? Mas como obter informações sobre a desigualdade de renda? Normalmente, o primeiro indicador a ser calculado é a renda per capita, que é obtido dividindo-se o valor do PIB pelo número de habitantes do país. Esse valor dá uma ideia da riqueza média gerada por habitante, mas não fornece informações a respeito de como essa renda é distribuída. Por isso, é neces- sário calcular um indicador de desigualdade, e o mais conhecido deles é o índice de Gini, que varia de zero (igualdade absoluta) até um (desigualdade máxima). No Brasil, o Índice de Gini foi estimado em 0,545, em 2018, o que o torna um dos países mais desigual do mundo (IBGE, 2019). A desigualdade de renda se manifesta também no fato do Brasil ter, em 2018, cerca de 52,5 milhões de pessoas – um quarto de sua população – vivendo na linha de pobreza, com renda familiar inferior a US$ 5,5 por dia, critério adotado pelo Banco Mundial para definir pobreza (NERY, 2019). Frente a essas situações, a sociedade demanda intervenções do governo, e, por isso, é importante analisar quais as medidas mais efetivas. Uma que é defendida por muitos, o controle de preços (máximos) por parte do governo (que acontece quando o governo controla preços de produtos como combus- tíveis, energia elétrica etc. ou mesmo impõe tabelamentos) não costuma ter elevada eficiência, pois os dados indicam que a concorrência tem se mostrado mais eficiente na redução de preços (ROQUE, 2019). Outra estratégia de política de preços é a imposição de preços mínimos, como acontece com o salário mínimo, pois isso pode evitar que os salários caiam a níveis ainda mais baixos, o que ampliaria as desigualdades de rendas no país. Atenção É importante lembrar que não há como se pensar em melhoria da distribuição de renda sem ter a estabilização monetária como condição fundamental, o que foi alcançado, na história recente do Brasil (a partir de 1994), após o Plano Real, que permitiu que o efeito de outras políticas públicas fosse intensificado na redução da desigualdade social registrada no Brasil. 33 Outra forma de fazer política de renda é a transferência direta de renda (em que indivíduos ou famílias carentes recebem recursos monetários, direta- mente do governo), que tem o Bolsa Família como exemplo, um programa direcionado às famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza, que busca garantir a elas o direito à alimentação e o acesso à educação e à saúde. Em 2019, por exemplo, mais de 13,9 milhões de famílias foram atendidas pelo Bolsa Família, em todo o Brasil (CEF, [s.d.]). É importante que você perceba que o Bolsa Família tem dois focos com horizontes distintos: o primeiro é atender às necessidades básicas das famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza, enquanto o segundo, menos conhecido, é promover uma mudança geracional, pois ao manter as crianças na escola e dar a elas condições de saúde, espera-se que, quando elas cheguem à idade adulta, tenham condição de gerar renda suficiente para que sua família não necessite mais ser atendida por um programa desse tipo. Exemplificando Dona Irani Estevão cria os quatro filhos sozinha, e sua única renda vem dos recursos do Bolsa Família. O filho Valdecir, de 12 anos, foi o único da sua turma a ser convidado para participar da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) (BOZZATO, 2019). Em repor- tagem do jornal A Gazeta, ela afirmou: Eu imagino um futuro muito melhor para eles. Quem tem quatro filhos, igual eu tenho, tem que se orgulhar. Esse meu, de 12 anos, foi um dos melhores alunos da sala. Fechou o bimestre com 30 pontos (máximo possível) e foi selecionado para fazer a prova do OBMEP. Foi o único da sala que conseguiu no meio de um monte de aluno. (BOZZATO, 2019, [s.p.]) No Brasil existem outros programas de transferência direta de renda que merecem destaque: o primeiro é a previdência rural, que garante uma aposen- tadoria para homens de 60 anos e mulheres de 55 anos, que tenham traba- lhado no campo, mesmo que não tenham contribuído para a previdência social. O outro é o Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC-LOAS), que concede um salário mínimo mensal à pessoa com incapacidade comprovada para o trabalho, incapazes de prover seu próprio sustento (nesse caso, também não é necessário que essa pessoa tenha contribuído para o INSS para ter direito a recebê-lo). 34 Atenção É fundamental que as políticas econômicas sejam aplicadas de forma harmônica: um excesso de gastos na área social que venha a compro- meter o equilíbrio fiscal, por mais que possa gerar benefícios no curto prazo, pode dar início a um processo inflacionário com potencial de gerar crises que anulem todas as conquistas ou até tragam retrocessos. Agora é com você: estude os materiais disponíveis e seja persistente no seu crescimento profissional. Até a próxima! Sem medo de errar Nesse encontro, conhecemos a Eliane, que recebeu uma proposta da família: tornar-se sócio-gerente de uma loja que vende eletrodomésticos (a Empresa C) e que estava à beira da falência (resultado da má gestão combinada com a recessão enfrentada pelo país). Sua parte na sociedade seria adquirida pelas suas horas de trabalho (pois Eliane não tem recursos financeiros para investir), o que torna obrigatório que ela faça a empresa ter sucesso para ter alguma remuneração. Certa do apoio da família para realizar as mudanças que empresa precisa, Eliane precisa analisar o ambiente econômico: as políticas utilizadas para controlar a inflação surtiram efeito, e as expectativas dos agentes são bastante positivas frente à perspectiva de uma política monetária expansionista. Frente a essa expectativa sobre a economia do país, e sabendo que um aqueci- mento da atividade econômica é fundamental para a recuperação financeira da Empresa C, Eliane poderia se beneficiar dessa política monetária expan- sionista para fazer a empresa vender mais? E sobre a dívida acumulada da Empresa C: Eliane teria mais facilidade em pagá-la, caso o governo faça política monetária expansionista? Por qual motivo? Para encontrar essas respostas, Eliane precisa saber que as políticas contracionistas trazem queda do crescimento produtivo (e, consequente- mente, do emprego) e da inflação, enquanto a política monetária expansio- nista (feita com emissão de moeda, compra de títulos públicos e/ou redução da taxa de compulsório) tem como consequência uma redução da taxa de juros da economia,que faz com que o interesse de compra por bens e serviços (demanda) seja ampliado, o que aumenta a produção das empresas e traz queda no nível de desemprego do país. Portanto, esse aumento da demanda vai favorecer a Empresa C, no sentido de ela poder ampliar as suas vendas, o que é fundamental para uma recuperação da loja de eletrodomés- ticos. Já com relação ao pagamento da dívida acumulada pela Empresa C, 35 uma situação de diminuição da taxa de juros da economia (causada pela política monetária expansionista), normalmente acaba reduzindo também os juros cobrados pelos bancos comerciais, quando eles concedem emprés- timos aos seus clientes. Essa redução da taxa de juros dos empréstimos faz com que a Empresa C tenha a possibilidade de pagar a sua dívida com menos dificuldade, o que também é uma ótima notícia para Eliane. Dessa forma, consegue-se perceber que o cenário econômico é favorável para a Empresa C reverter a situação econômica em que se encontra, cabendo a ela aproveitar o momento para, por meio de uma boa gestão, fazer a loja de eletrodomésticos ser lucrativa. Faça valer a pena 1. A desigualdade excessiva de renda não é apenas um problema social. Além da questão da violência, economias menos desiguais tendem a apresentar maior dinamismo econômico, por terem um contingente maior de consumidores. Tomando como referência a distribuição de renda e as políticas de renda, classifique as afirmativas a seguir em (V) verdadeiras ou (F) falsas. ( ) A renda per capita é o indicador de desigualdade mais conhecido e utili- zado pelos economistas, mas apresenta uma grande complexidade de cálculo. ( ) O Bolsa Família é um exemplo de política de renda feita no Brasil. ( ) O índice de Gini varia entre zero e um, sendo que quanto mais próximo de zero melhor, pois menos desigual será a distribuição da renda no país. ( ) Programas como o Bolsa Família melhoram a qualidade de vida de famílias carentes e possibilitam que as crianças tenham mais condições de uma renda futura melhor. Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta de classificação, de cima para baixo. a. V – V – F – V. b. F – V – V – V. c. F – F – V – F. d. V – F – V – V. e. V – V – F – F. 36 2. Em julho de 2013, de acordo com pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a preocupação dos brasileiros com o comportamento da inflação no futuro atingia o maior nível desde 2001 (PREOCUPAÇÃO…, 2013). Com base nos efeitos da inflação sobre o ambiente econômico, avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas. I. A inflação descontrolada traz muitos problemas para um país, preci- sando ser combatida por políticas econômicas. PORQUE II. A política monetária expansionista ajuda a combater a inflação, já que tem como consequência uma ampliação da taxa de juros que desestimula a intenção de compra por bens e serviços, forçando os preços para baixo. A respeito das duas asserções e da relação entre elas, assinale a alternativa correta. a. A asserção I é uma proposição falsa e a II, verdadeira. b. A asserção I é uma proposição verdadeira e a II, falsa. c. As asserções I e II são proposições falsas. d. As asserções I e II são proposições verdadeiras e a II justifica a I. e. As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não justifica a I. 3. Manter a inflação sob controle é um dos principais objetivos econô- micos de um governo que dispõe de diversos instrumentos, entre os quais a definição do percentual da taxa de recolhimento compulsório pelos bancos, que afeta o multiplicado bancário. Sobre a política monetária feita com a alteração da taxa de compulsório, avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas: I. Quando o governo reduz a taxa de recolhimento compulsório, ele está praticando uma política monetária expansionista. PORQUE II. A redução da taxa de compulsório vai diminuir a quantidade de dinheiro que os bancos teriam para emprestar, o que aumenta a quantidade de moeda escritural criada por eles. 37 A respeito das duas asserções e da relação entre elas, assinale a alternativa correta. a. A asserção I é uma proposição falsa e a II, verdadeira. b. A asserção I é uma proposição verdadeira e a II, falsa. c. As asserções I e II são proposições falsas. d. As asserções I e II são proposições verdadeiras e a II justifica a I. e. As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não justifica a I. 38 Seção 3 Exemplos de ações governamentais marcantes no Brasil Diálogo aberto Oi, e assim chegamos ao final, não é mesmo? E este nosso último encontro tem uma característica muito interessante: veremos, ao longo da história recente do Brasil, como as escolhas econômicas nos trouxeram até aqui e quais as perspectivas para o futuro. Para nos auxiliar nisso, vamos acompanhar o Felipe em uma decisão que precisa tomar. Ele é um brasileiro que mora no exterior há muitos anos e que, depois de muito esforço, abriu sua própria empresa de construção fora do país. Felipe tem um sobrinho, Paulo, que se formou em Engenharia em 2014, mas que foi demitido em 2015, pois a empresa que o contratou (logo depois de sua formatura) quebrou devido ao contexto da crise econômica desse período. A partir disso, ele passou a prestar serviço como autônomo, mas recebia valores muito baixos junto a alguns clientes, apesar de ele estar atuando como engenheiro e adquirindo experiência. O Paulo é uma pessoa com muita responsabilidade e que já tinha passado alguns meses morando com o Felipe, que pôde comprovar a ética e o compromisso com a qualidade de trabalho que o sobrinho possui. Com a saída de Dilma do poder, Paulo convenceu Felipe a empreender no Brasil, por isso, Felipe abriu uma empresa de construção no nosso país (similar àquela do exterior da qual é dono), tendo o sobrinho como engenheiro e diretor da empresa. Felipe não abandonou sua empresa fora do país e está aguardando o que irá acontecer com o empreendimento no Brasil para tomar algumas decisões sobre o seu próprio futuro. Tendo em vista as notícias recebidas da estabilização da inflação, da queda dos juros e das reformas que estão sendo feitas no país, Felipe quer ter uma resposta à seguinte pergunta: essas medidas aumentam a possibilidade da empresa aberta no Brasil obter novos clientes e, assim, aumentar suas vendas? Você deve se colocar no papel de alguém que vai trazer essa resposta para Felipe. Ao longo desta seção, o entendimento das políticas contracionistas e expansionistas aplicadas no Brasil nas últimas décadas dará a você um ótimo direcionamento sobre o assunto. Boa aula! 39 Não pode faltar Oi, tudo bem? Neste encontro, vamos acompanhar uma história que continuará se desenrolando depois do fim desta disciplina: a da trajetória econômica do Brasil. A ruptura da ordem democrática que ocorreu com o início do governo militar de 1964 será nosso ponto de partida. Esse período foi marcado por uma política fiscal expansionista, que se aproveitou da grande disponibilidade de capitais a juros baixos na década de 1960 e início da década de 1970. Contudo, a partir da inesperada alta do preço do petróleo, em 1973, conhecida como o primeiro Choque do Petróleo, em que o barril subiu de US$ 3 para US$ 11,60, houve uma redução da atividade econômica em escala global. Em resposta, o governo militar brasileiro aproveitou que ainda havia recursos financeiros internacionais disponíveis e tomou muitos emprés- timos, elevando nossa dívida externa de 12 bilhões para 40 bilhões de dólares entre 1974 e 1979, sendo que a inflação passou de 16% para 40% ao ano entre 1973 e 1978 (GOMES, 1985; JULIÃO, 2016). Essa situação piorou com o segundo Choque do Petróleo, em 1979 (a cotação média do barril saiu de US$ 12,44 para US$ 34,43 entre 1978 e 1981), que resultou no aumento das taxas de juros internacionais, que subiram de uma média anual de 7,5%, em 1977, para 20,18%, em 1980 (SAFATLE, 2012). Como as taxas de juros dos financiamentoscontratados pelo Brasil eram pós-fixadas, nossa dívida externa cresceu muito. Assimile Quando um empréstimo é feito com taxas pré-fixadas, o valor das parcelas é conhecido no momento da contratação (qualquer alteração nas condições do mercado não vai mudar o valor dessas parcelas). Já com taxas pós-fixadas (como os empréstimos que o Brasil fez antes dos Choques do Petróleo), o valor das parcelas sofre mudanças quando há uma alteração cambial de inflação ou de outras taxas praticadas no mercado. No caso exemplificado, o aumento dos juros internacionais fez com que o total da nossa dívida crescesse exponencialmente. O aumento da inflação e o elevado déficit das contas públicas reduziram os investimentos públicos. João Figueiredo (que assumiu o Poder Executivo em 1979 e foi o último presidente da era dos governos militares no país) se deparou com um elevado déficit em transações correntes (que subira de US$ 11,4 bilhões, em 1981, para US$ 16,3 bilhões, em 1982, o equivalente a 6% do PIB) e efetuou desvalorizações da moeda brasileira para equilibrar as contas 40 externas: a primeira em 1979 e a outra em 1983, ambas de 30% (durante todo esse período a taxa de câmbio era determinada pelo governo), recuperando os superávits da Balança Comercial, mas impulsionando a inflação (GOMES, 1985; SAFATLE, 2012). Apesar de recorrer ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e efetuar ajustes fiscais, a inflação continuou crescendo (atingiu mais de 160% ao ano, em 1983), a produção interna continuou caindo (a queda do PIB, entre 1981 e 1983, foi de 6,3%) e as contas públicas continuaram deficitárias (OREIRO, 2017; IBGE, [s. d.]). Reajustes salariais abaixo da inflação foram o gatilho para a recessão entre os anos 1981 a 1983, que fez o desemprego crescer de forma intensa. Em 1984, apesar do processo indireto, a pressão popular levou Tancredo Neves, o candidato da oposição, ao cargo de presidente do Brasil. Como ele faleceu antes de aceder essa posição, seu vice, José Sarney, assumiu. Após algum tempo de governo e com a popularidade em baixa, Sarney, em vez de controlar os gastos públicos e o excesso de moeda, apelou para uma solução heterodoxa para controlar a inflação, implementando, em fevereiro de 1986, um congelamento de salários e preços (ação que ficou conhecida como Plano Cruzado I). Os salários foram congelados com base na média dos últimos 6 meses acrescidos de um abono de 8% para os salários gerais e 16% para o salário mínimo (NERI, 1991). O plano também estabeleceu um gatilho salarial (os salários seriam automaticamente corrigidos) que seria acionado sempre que a inflação acumulada ultrapassasse 20% (NERI, 1991), o que gerou uma explosão de consumo. A pressão sobre a inflação continuou, já que as políticas expansionistas permaneceram, ou seja, o governo manteve os gastos públicos em um alto patamar e não se comprometeu a diminuir a quantidade de moeda na economia. Em uma nova tentativa de controlar a inflação, o plano Cruzado II foi lançado em novembro de 1986 e uma série de reajustes de preços se deu em vários setores, o que trouxe a inflação de volta (a inflação mensal chegou a 11,65% em dezembro) (PORTAL BRASIL, [s. d.]). A partir disso, segui- ram-se planos que fracassaram (Bresser e Verão), pois o excesso de gastos do governo não foi combatido, fazendo com que, no último ano do governo Sarney (1989), a inflação anual chegasse a 1.972% (CASTRO, 2016). 41 Assimile Durante boa parte do século XX, a política fiscal (por meio da ampliação dos gastos governamentais) foi utilizada como indutora do crescimento econômico por diversos países, incluindo o Brasil. Contudo, tanto aqui quanto lá, o processo não foi conduzido de forma responsável, levando a um aumento de gastos públicos sem correspondência nas receitas, gerando desequilíbrio e consequentes déficits fiscais. Esse processo começou com Juscelino Kubitschek, manteve-se com os militares e depois com o Sarney. Os financiamentos desses déficits se deram, muitas vezes, por meio de emissão de moeda (política monetária expansionista), aumen- tando a quantidade de moeda em circulação, fazendo com que o país enfrentasse elevadas taxas de inflação nos anos 1980 e 1990. Além disso, as políticas fiscais expansionistas adotadas deslocaram a curva da Demanda Agregada para a direita, colaborando com o aumento da inflação. Fernando Collor foi o primeiro presidente eleito de forma direta, desde o período militar, e assumiu em meio a uma grave crise econômica. Em 16 de março de 1990, um dia depois de assumir a presidência, anunciou seu plano de controle da hiperinflação (o Plano Collor), composto das seguintes medidas: bloqueio dos valores depositados superiores a 50 mil cruzados novos, tanto em Contas Correntes quanto nas Cadernetas de Poupança dos brasileiros (que só seriam liberados 18 meses depois, de forma parcelada); congelamento de preços; reforma administrativa (redução de ministérios, programa de demissão voluntária de servidores e de desestatização); política fiscal contracionista (aumento de tributos e redução de despesas); e abertura comercial (câmbio flutuante, redução de barreiras e tarifas de importação) (BRASIL, 1990). A inflação caiu fortemente nos meses seguintes, mas, no final do ano, já havia retornado aos dois dígitos (18,44% ao mês, em dezembro de 1990) (PORTAL BRASIL, [s. d]). A impopularidade do presidente (causada, principalmente, pelo confisco dos depósitos bancários) e uma série de denúncias de corrupção levaram a um processo de impeachment e à renúncia de Collor, levando seu vice, Itamar Franco, a assumir a presidência. Depois de dois ministros da Fazenda em 5 meses, Itamar convidou o sociólogo Fernando Henrique Cardoso (FHC) para assumir o cargo. FHC, então, montou uma equipe econômica de alto gabarito (Edmar Bacha, Pérsio Arida, André Lara Resende, Gustavo Franco e Pedro Malan) que elaborou o Plano Real, que tinha como propósito combater a hiperinflação de forma totalmente diferente, anunciando previamente as etapas que seriam implan- tadas, o que reduziu a especulação por parte dos agentes econômicos. 42 Foram três as etapas fundamentais; vamos conhecê-las? A primeira foi o Programa de Ação Imediata (PAI), que focou a eliminação do desequilíbrio das contas do governo (a principal causa da inflação): um ajuste fiscal limitou os gastos com folha de pagamento de servidores públicos em 60% das receitas da União, o Fundo Social de Emergência (FSE) desvin- culou 20% das receitas obrigatórias (IANONI, 2009) e um novo tributo foi criado: o Imposto sobre Movimentações Financeiras (IPMF). A sonegação fiscal foi combatida pelo aumento da fiscalização sobre as empresas e sobre as declarações de renda das pessoas físicas. Ocorreu uma ampla renegociação das dívidas dos estados e municípios com a União, que, como contrapartida, aumentou o controle sobre Bancos Estaduais. O saneamento dos bancos federais e a privatização de várias empresas estatais reduziram o déficit público (REGO et al., 2010) e permi- tiram à iniciativa privada participar da modernização da infraestrutura do país, defasada pela falta de investimentos nos anos 1980. Apesar do ambiente de descrédito (resultado do fracasso dos planos anteriores) e da oposição de diversos partidos, a primeira etapa foi concluída e, em agosto de 1993, 1.000 cruzeiros passaram a valer 1 cruzeiro real, a nova moeda oficial do Brasil (BRASIL, 1993). Na segunda etapa do Plano, foi criada a Unidade Real de Valor (URV), lançada em março de 1994, junto com a informação de que, em quatro meses, ocorreria a transição para a nova moeda, o Real. Uma unidade de URV equivalia a 647,50 cruzeiros reais (GIAMBIAGI et al., 2011) e foi elabo- rada uma tabela, divulgada diariamente pelo Banco Central, com a cotação da URV. A transparência e antecedência no fornecimento de informações reduziram a desconfiança associada aos planos anteriores, e a URV passou a ser utilizada para determinar preços e salários,
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