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C\.\IINHOS DE CONSTRUÇAO DA PESQUISA DI CIÊNCIAS SOCl ..\IS 17 ão por algum tempo tem, a qualquer mornen- se, se a situação se tornar difícil?". A proposta s entre pesquisador e pesquisados, uma cornu- . de maneira irreversível, sem possibilidade de rs sujeitos observados"? o de tais estudos, a despeito de sua inegável »das as possibilidades. Representa tão-somen- pios que se poderia dar, tendo por referência :lOS primeiros textos e aos últimos não quer io; fosse assim, não estariam aqui. Tampouco etapas evolutivas. Nem há linearidade nem a lU mesmo definitiva. Como organizador, não térprete destes autores; tenho para com eles ologia poder compartilhá-la, mas não gostaria experiência estimulante e singular do grande s (re)descobrindo fontes, que parecem a todo :teiro quando indica que "nenhum livro que zro em quesrão?", Recomenda enfaticamente s de clássicos, pois além do risco de deforma- 10SS0 desenvolvimento como leitores. Ainda tarn-nos descobertas, furtam-nos sentimentos .ossa incursão a páginas que nos ajudariam a ;amos. Eis por que, diz ele, "um clássico é um lo que tinha para dizer"." ser concluída sem antes agradecei à professo- ora desta coleção, pela confiança depositada, el Marson, professores da Unicamp, e Oswal- .la Unesp, pelas sugestõ'es valiosas e encoraja- pre por perto deste e de outros trabalhos. .s e, na ausência destes, aos familiares e edito- :ação dos textos aqui reproduzidos, sem o que -se a forma na qual foram, apresentados nas CAMINHOS DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA EM CIÊNCIAS HUMANAS PAULO DE SALLES OLIVEIRA A IMPORTÂNCIA DO MÉTODO QUA~ o SENTIDO que se pode emprestar à noção de método? Trata-se de conceito que comporta múltiplas acepções. Nestes casos, sempre é bom começar por um di- cionário especializado. Lalande assinala: esforço para atingir um fim, investigação, estudo; caminho pelo qual se chega a um determinado resultado; programa que regu- la antecipadamente uma seqüência de operações a executar, assinalando certos erros a evitar", Método indica, portanto, estrada, via de acesso e, simultaneamente, rumo, discernimento de direção. Concluindo, com as palavras de Marilena Chauí, "metho- dos significa uma jnvestigaçãó que segue um modo ou uma maneira planejada e determinada para conheceralguma coisa; procedimento racional para o conhecimen- to seguindo um percurso fixado-." O método assinala, portanto, um percurso escolhidoentre outrospossíveis. Não' é sempre, porém, que o pesquisador tem consciência de todos os aspectos que envol- vem este seu caminhar; nem por isso deixa de assumir um método. Todavia, neste caso, corre muitos riscos de não proceder criteriosa e coerentemente com as premis- sas teóricas que norteiam seu pensamento. Quer dizer, o método não representa tão- somente um caminho qualquer entre outros, mas um caminho seguro, uma via de acesso que permita interpretar com a maior coerência e correção possíveis as ques- tões sociais propostas num dado estudo, dentro da perspectiva abraçada pelo pesqui- sador. Oobjeto da metodologia é, então, o de estudar as possibilidades explicativas 'L; li fi ç, U 2 C h c ]< /gi- W. ro: 1.0- et lU- 10- p. 18 dos diferentes métodos, situando as peculiaridades de cada qual, as diferenças, as divergências, bem como os aspectos em comum. Expoentes das ciências humanas têm reconhecido que as questões suscitadas pelo método, não obstante sejam extremamente relevantes na pesquisa, nem sempre têm recebido a atenção que mereceriam de alguns pesquisadores. Curioso é notar que esse tipo de desatenção possa estar, de alguma forma, vinculado à prática de se estudar metodologia. Wright Mills constata que: "Muitos autores instintivamente começam atacando os problemas do método de forma acertada. Mas depois de estudarem metodologia, eles se tornam conscientes de numerosas armadilhas e outros perigos que os esperam. O resultado é que perdem a sua segurança interior e são desviados ou tomam decisões inadequadas.":' Diante disso, recomenda um cuidado especial aos pesquisadores, o de buscar fundamento nos autores expressivos que semearam.o terreno para nós e q!-1e, fortale- cidos por essa empreitada, cada qual possa ser também seu "próprio teórico e seu próprio metodólogo ?". Numa perspectiva ampla, é isso que se dá entre os filósofos, como mostra Marilena Chauí, ressalvando entretanto que, no sentido estrito, "o bom método é aquele que permite conhecer verdadeiramente o maior número de coisas com o menor número de regras ?:'. Mais recentemente, a autora acrescenta que se é verdadeiro que as ciências do homem comportam vários ramos específicosçde acordo com seus objetos e métodos, essa especificidade não deveria inibir aproximações en- tre as áreas, pois: "[... ] as ciências humanas tendem a apresentar resultados mais completos e satisfatórios-q~~~d~ trabalham interdisciplinarrnente, de modo a abran- g~~' c;~~Jlt"ipio~';~'pe~to~simllltâneose sucessiv~~'d~~ f~~ô;;;~';os estudados.I" Assim, feitas estas considerações, espera-se que leitores e pesquisadores, longe de se apartarem da metodologia, dela se aproximem lapidando artesanalmente a cons- trução de seus estudos, sem perder de vista a idéia de totalidade que recobre as ciên- cias humanas. O ARTESÃO INTELECTUAL Wright Mills reflete com beleza e mestria sobre este modo de proceder e discorre sobre vários aspectos relevantes: a relação entre o tema de pesquisa e a biografia do pesquisador, a importância de coligir anotações em arquivos, cuidados com o levanta- rnento de dados e a produção denovas fontes, a importância de exercitar a imaginação PAULO DE 5ALLE5 OLIVEIRA criadora, a atenção com a linguagem, rec reabilitação da pesquisa como práticaart leitura? e tentaremos demonstrá-lo, realiz questão fundamental se refere às relações I pesquisador. "Qs pensadores mais admirá' .traiJalho de suas vidas. Encaram ambos d ção, e desejam usar cada uma dessas coisa Ademais, promover a consonância e mulante, pois atribui vida ao estudovret artificialismo, que-recobrem parte da pese; contribuindo para a representação social < ainda encontra ressonância no conjunto c Um cuidado" todavia, parece necesss pode l~;;-;~~'~;formismo,à reproduçãc mente diversas~Por-lsso,previne o autor, a experiência: "ser ao mesmo tempo.conf maduro?". Resumidamente: a incorporaçâ à pesquisa, mas ceder às verdades cristali: ducionistas, mesmo que supostamente di inverso, o da mortificação. Na elaboração dos arquivos, o autor minúsculos detalhes, das coisas rnomentar vas podem desvandar nexos hoje não perc e absolutamente honesto ao coligir ou ao I tas, por exemplo. Elas não são feitas aperu e melhorados, mas com atitudes éticas en mos a este ponto mais adiante, com o auxi Bons pesquisadores, esclarece Wright ~~<:':~' mesmo porque na maioria das veze: não poderiam antecipar. Além do que, pes e pô-las em prática. O cultivo da capacidac sador; somente a ell:g~Qh()sidade saberá r: poderíamos sequer intentar pudessem um Significaaprirnorar a percepção, refinar a preensão, comover-se diante de práticas, I prendidas no seu íntimo. CA~IINHOS t .' ( 1 {. 7 Wright Mills, Charles. Do arte- sanato intelectual. In: -. Ob. cit., p. 211-43. .< Ibidem, p. 211-12. " Ibidem, p. 213. criadora, a atenção com a linguagem, recusando a afetação e o hermetismo, além da re~?ilitação da pesquisa.com()prática~1tesanalmente~<:~~tr~i~~ Nada substitui sua ' leitura? e tentaremos demonstrá-lo, realizando inciirsão ligeira a estes pontos. Uma questão fundamental se refere às relações entre o tema eleito para pesquisa e a vida do pesquisador, "Ospensadores mais ad111iráveis"-:;- ensina o autor - "não separam seu trabalho de suas vidas. Encaram ambos demasiado a sério para permitir tal dissocia- _.." " .......•.-•......,_ ,......... . ção, e desejam usar cada uma dessas coisas para o enriquecimento da outra'". Ademais, promover a consonância entre pesquisa e biografia é altamente esti- mulante, pois atribui vida ao estud~,~etira~d~ da produção intelectual poeiras de artificialismo, que recobrem parte da pesquisa acadêmica ou, senão isso, que acabam contribuindo para a representação social da universidade como redoma, imagem que ainda encontra ressonância no conjunto da sociedade. Um cuidado, todavia, parece necessário: a reiteração mecânica da experiência pode l;:;;~;~-;;;";;formismo,à reprodução da mesmice diante de situações completa- mente diversas. Por isso, previne o autor, convém-manter uma relação ambígua com a experiência: "ser ao mesmo tempo.confiante e cético; essa a marca do trabalhador rnaduro'". Resumidamente: a incorporação da experiência vivida pode conferir alma à pesquisa, mas ceder às verdades cristalizadas, a fórmulas vulgares, a esquemas re- ducionistas, mesmo que supostamente didáticos, tudo isso pode trazer o resultado inverso, o da mortificação. Na elaboração dos arquivos, o autor recomenda não descurar nem mesmo dos minúsculos detalhes, das coisas momentaneamente vagas: Futuras associações criati- vas podem desvandar nexoshoje não percebidos. Iml';;i:;~te também é ser criterioso e absolutamente honesto aocoligir ou ao produzir dados, como no caso das entrevis- tas, por'exemplo. Elas não sãofeitas apenas com bons roteiros, previamente testados e melhorados, mas com atitudes éticas em relação às pessoas pesquisadas. Voltare- mos a este ponto mais adiante, com o auxílio das reflexões de Oswaldo Elias Xidieh. Bons pesquisadores, esclarece Wright Mills, não se limitam à observância de re- gras, mesmo porque na maioria das vezes experimentam situações que os manuais ~ã~ poderiam antecipar. Além do que, pesquisar não se restringe a absorver técnicas e pô-las em prática. O cultivo da capacidade imaginadora separa o técnico do pesqui- sador, somente a engenhosiclade saberá promover a associação de coisas, que não poderíamos sequer intentar pudessem um dia se compor, num dado cenário social. Significa aprimorar a percepção, refinar a sensibilidade, ampliar horizontes de com- preensão, comover-se diante de práticas, pequeninas na sua forma, calorosas e des- prendidas no seu íntimo. estria sobre este modo de proceder e discorre ão entre o tema de pesquisa e a biografia do orações em arquivos, cuidados com o levanta- mtes;a importância de exercitar a imaginação oeculiaridadesde cada qual, as diferenças, as ncomum. .rnreconhecido que as questões suscitadas pelo [lente relevantes na pesquisa, nem sempre têm alguns pesquisadores. Curioso é notar que esse LIma forma, vinculado à prática de se estudar le: omeçam atacando os problemas do método de em metodologia, eles se tornam conscientes de s que os esperam. O resultado é que perdem a ou tomam decisões inadequadas."? lado especial aos pesquisadores, o de buscar re semearam o terreno para nós e que, fortale- possa ser também seu "próprio teórico e seu :iva ampla, é isso que se dá entre os filósofos, ndo entretanto que, no sentido estrito, "o bom r verdadeiramente o maior número de coisas is recentemente, a autora acrescenta que se é unportam vários ramos específicos, de acordo ificidade não deveria inibir aproximações en- manas tendem a apresentar resultados mais lham interdisciplinarrnenn-, de modo a abran- :sucessivosd;~f~~6menos estudados. "6 spera-se que leitores e pesquisadores, longe de .proximem lapidando artesanalmente a cons- ista a idéia de totalidade que recobre as ciên- CA,IINHOS DE CONSTRUÇAO DA PESQUISA nl CIÊNCIAS SOCIAIS 19 '\ "'Benjamin, Walter. Nervos sa- dios. In: --o Documentos de cultura, documentos de barbárie. Vários tradutores. Seleção e in- trodução de Wil1i Baile. São Pau- lo: Cultrix/Edusp, 1986, p. 179- 81. "Wright Mil1s, Charles. Ob. cit., p. 235" 20 Nervos sadios, entre tantos outros escritos de Walter Benjamin, exemplifica com inigualável encanto isto que estamos tratando. Refere-se à relação entre a cultura visual e o cotidiano das pessoas, com base em exposição organizada por Ernst joél, Não objetiva despejar informações aos expectadores na vã tentativa de torná-los especialistas; pretende acionar o interesse dos visitantes para que dali não saiam do mesmo jeito que entraram. Cada proposta está orientada para rechaçar o distancia- mento e a indiferença, almejando a conjunção entre arte, conhecimento e vida práti- ca. Donde as surpresas, o aconchego dos cenários e peças, a mobilização elegante e criativa para prender a atenção, sem jamais perder a leveza. Assim, para representar o consumo de um alcoólatra num dado período, que fez ele? "A idéia mais comum seria "acomodar um conjunto considerável de garrafas de vinho ou aguardente. Ao invés disso, joêl coloca, ao lado do quadro com a inscrição, um papelzinho todo gasto e dobrado: a conta trimestral da venda"~o.. ". . Coerente com tal encaminhamento, Wright Mills sublinha a necessidade de se per- seguir, sempre que possível, o emprego da linguagem clara e simples. Não é nada fácil, mesmo porque práticas anteriores consagraram linguagens específicas conforme a área: o psicologuês, o economês, o sociologuês e assim por diante. Entenda-se bem: não se trata de vulgarizar questões e conceitos, mas de sempre se esforçar para enunciá-los com a clareza e linguagem simples. Questões complexas podem ter tratamento não- reducionista, usando-se clareza de expressão, de modo a que também se possa entender a complexidade em sua plenitude. Escorregar a toda hora para o ininteligível, recorrer a jargões, abusar de estrangeirismos, criar supostas novas semânticas quando uma aco- modação criativa talvez fosse possível em português, ou, especialmente, quando tudo isto é feito a pretexto de rigor, como se a produção científica devesse permanecer maté- ria de apreensão seletiva e assim distinguir com prestígio e mérito a quem a realiza, aí o nó da questão. Fazer um estudo compreensível não é algo que, aprioristicamente, possa ser associado à superficialidade. "Escrever", ensina Wright Mills, "é pretender a aten- ção dos leitores"!'. Fazê-lo com desembaraço, sem desvios banalizadores, é trabalho de lapidação para a vida toda. Que o digam os literatos! Todos esses aspectos convergem para a necessidade de o pesquisador se assumir como artesão pertinaz, paciente, atento, sensível e, ao mesmo tempo, despretensioso, zelador do consórcio entre teoria e prática, reservando exemplos probantes a cada movimento importante de sua reflexão. As ciências humanas, ao serem exercidas como ofício, permitem que cada pesquisador se sinta parte integrante da tradição clássica, podendo fazer reviver, dentro de nós e entre nós, aquilo que de mais alenta- dor a condição humana pode oferecer. PAULO DE 5ALLE5 OLIVEIRA UM FAZER MUITO ALÉM DAS TÉCl Não é difícil encontrar quem conce mas isso significaria operar uma enorm Método envolve, sim, técnicas que deve] põe; mas, além disso, diz respeito a fun reflexão. Ao se falar, por exemplo, em n cus são seria muito redutora se apenas al vale para promover a alfabetização; seris mento teórico, que dá suporte e consistê: cação? Quais os pressupostos da relaçã questões podem interferir ria produção c A superação do entendimento mera se ela apenas representasse um conjunt desse dispor, independemente de suas c. entre sujeito e objeto de pesquisa, reafirr dar conta dos procedimentos pelos quai manas. Pesquisarse aprende medianteopn poderi~;~bstit~i~e;t<lprá.tica12. Mesm~ p~l~pesquisador no decorrer dos varia deduz, elas não estão, e nem sequer poc manual algum. Para obter depoimentos n deveria proceder?Bastariachegar diante quanto antes, a entrevista para não tom" do pesquisador? Depende. O pesquisade dinâmica mais profícua, que resguardass tos pesquisados. No estudo da cultura P' vem de Oswaldo Elias Xidieh. Seu modo deraçâo ao outro. Mostra que há: "[ ... ] u ção particular em que a história pode ser do grupo e isso é o que realmente import dentro do contexto estudado, s~ não rec arbitrários e exteriores sobretudo, se J distinguir em que momento os sujeitos es Em razão disso, vale a pena retomar itos de Walter Benjamin, exemplifica com mdo. Refere-se à relação entre a cultura em exposição organizada por Ernst joél, >cpectadores na vã tentativa de torná-los dos visitantes para que dali não saiam do -;~~ci~rient~aa para rechaçar o distancia- ção entre' arte, conhecimento e vida práti- :enários e peças, a mobilização elegante e is perder a leveza. Assim, para representar eríodo, que fez ele? "A idéia mais comum I de garrafas de vinho ou aguardente. Ao lro com a inscrição, um papelzinho todo lda"lO. rizht Mills sublinha a necessidade de se per- lir~gllagemclª~ae simples. Não é nada fácil, irarn linguagens específicas conforme a área: e assim por diante. Entenda-se bem: não se nas de sempre se esforçar para enunciá-los tões complexas podem ter tratamento não- ão, de modo a que também se possa entender gar a toda hora para o ininteligível, recorrer supostas novas semânticas quando uma aco- português, ou,. especialmente, quando tudo redução científic~devesse permanecer maté- . com prestígio e mérito a quem a realiza, aí o sível não é algo que, aprioristicamente, possa r", ensina Wright Mills, "é pretender a aten- aço, sem desvios banalizadores, é trabalho de os literatos! a a necessidade de o pesquisador se assumir sensível e, ao mesmo tempo, despretensioso, :ica, reservando exemplos probantes a cada '. As ciências humanas, ao serem exercidas isador se sinta parte integrante da tradição le nós e entre nós, aquilo que de mais alenta- UM FAZER MUITO ALÉM DAS TÉCNICAS Não é difícil encontrar quem conceitue método como um conjunto. de técnicas, mas isso significaria operar uma enorme redução naquilo que ele pode representar. Métodoenvolve, sim, técnicas que devem estar sintonizadas com aquilo que se pro- põe; mas, além disso, diz respeito a fundamentos e processos, nos quais se apóia a reflexão. Ao se falar, por exemplo, em ~~t~oPà-ulõFreire d~ aprendizagem, a dis- cussão seria muito redutora se apenas aludisse aos recursos e instrumentos de que se vale para promover a alfabetização; seria necessário ir além para perceber o embasa- mentoteórico, que dá suporte e consistência ao método. D~-q~-~-~õclo-eiJ.~~raa edu- c;çio?-Q~ais os pressupostos da relação entre educádor e educandos? Como tais questões podem interferir ria produção do saber? E assim por diante. A superação do entendimento meramente instrumental da metodologia, como se ela apenas representasse um conjunto de técnicas das quais o pesquisador pu- desse dispor, independemente de suas concepções acerca do mundo e das relações entre sujeito e objeto de pesquisa, reafirma a importância de uma reflexão, capaz de dar conta dos procedimentos pelos quais se constrói uma pesquisa em ciências hu- manas. Pesquisar se aprende mediante o próprio fazer, enfatizam os especialistas; nada poderia substituir ~st';í?rát~c.ª-12.Mesmo porque muitas situações inusitadas esperam per;;-p~~-q-;:;'is-;;'dorno decorrer dos variados momentos de seu trabalho e, como se deduz, elas não estão, e nem sequer poderiam estar, previamente decodificadas em manual algum. Para obter depoimentos na forma de entrevista, por exemplo, como se deveria proceder? Bastaria chegar diante dos sujeitos a serem pesquisados e iniciar, o quanto antes, a entrevista para não tomar tempo nem do entrevistado ou tampouco do pesquisador? Depende. O pesquisador - e somente ele - poderia identificar a dinâmica mais profícua, que resguardasse a integridade da maneira de ser dos sujei- tos pesquisados. No estudo da cultura popular, por exemplo, uma referência '~egura vem de Oswaldo Elias Xidieh. Seu modo de proceder reitera a importânciada consi- dera<tão.a.?021:!to. Mostraque hX: "I...] um.1?!i~!nt2.Eara a narração. Há uma situa- ção particular em que a história pode ser contada, respeitando-se o contexto cultural do grupo e isso é o que realmente importa para o pesquisador. Se ele souber se situar dentro do contexto estudado, se nãorecortar a fala dos entrevi~º_~J?º~critérios arbitráriose exteriores e, sobrer;d;;,s-e não quis~~-c;rrigfr~ciepoimentos,sab~ disti~~i~ em que momeiJ.to os-sujeitõS~esi:~~clàdõSPõdên1se. expressarTivremente13:-;; . Em;,:;za.ü-ôisso, vale a pena retomar a colocação de Perseu Abran;o~-~r,norizada 12 Abramo, Perseu. Pesquisa em ciências sociais. In: Hirano, Sedi. (org.) Pesquisa social, projeto e planejamento. 2.' ed. São Pau- lo: T. A. Queiroz, 1988, p. 21- 88. l3Oliveira, Paulo de Salles. Mes- tre Xidieh, a cultura do povo e a conaturalidade , Cadernos da Faculdade de Filosofia e Ciên- cias. Marília-SP, número espe- cial (dedicado ao estudo da obra de Oswaldo Elias Xidieh), p. 13- 21, 1996. Do próprio Oswaldo Elias Xidieh, consultar: Nar- ratiuas populares. Belo Hori- zonte: Edus p/Ita ti a ia , 1993, com introdução de Alfredo Bosi; Semana santa cabocla. São Pau- lo: Instituto de Estudos Brasi- leiros, 1972, além do artigo, Quadras populares e adjacên- cias. Estudos auanç ados. São Paulo, v. 11, n." 30: p. 309-34, maio-agosto de 1997. CA~IINHOS DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA nI CIÊNCIAS SOCIAIS 21 Cc\.\IINHO< , I /' r -:">, 'I fonte de poder' Sem perder de vista que I faz, ainda, em meio ao embate travado c' Não deixa de ser curioso notar, com! movimento de dessacralização do conhec balho". Foram veementemente contestad tas, as f.9.!.Il1Cl~cl.~ é>~~paç-~o'ªo:~~!11Jl() ;Zc;; po em que se cultuava a disciplina do c corpo pela té~~i~~--e'o-~estramentoda rm de pensar foi concomitante à ascensão bl em que se assentop sua emergência como Variadas formas de enfrentamento n consolidação do projeto burguês, Política g~J:g:gl1!Zª.clºC:ºJ:!1º iIl~trurnentos capazes discipliIlªr.oshºll1~Il§ àIógica da produti nitivamente interiorizado nos homens o diria Edward Palmer Thompson"; Auguste Comte, por sua vez, persegu social, estipulanasegunda lição do Curs ciência leva à previsão e daí à ação, com] Desde finsdóDezoito, oshornens da ras poderosas e dominadoras, capazes de ções, com o concurso do método. No case xo se interpõe: afinal é do homem que se t ao mesmo tempo, sujeito e objeto na inve Além disso, sendo o sujeito do conh mern-cientista, ele em tese pode tudo, mas ro de uma situação que, supostamente, f Como assim? É que, ao submeter o real" para desvendar as tramas sociais em sua 1 conhecimento é conduzido a olhar a soe: ostentando olímpica exterioridade. Neste põe e manipula o real em partes, desejoso temente rigorosa e acética, acaba por mt mundo social apªI'ei=.t?_<::ºl}geJªgg,,§.e!12.C:91 s~.m paradoxos. ,É a-rnortificaçâodo obje: inertes, tal qua] cadáveres, prontos para o V ' i':. r/ ..::{ .' O métodoexisteparaajudara c()Ils~r~ir uJ:!1a J:~pre.sentação Cl~~.'lllCl~~.4asques tõ~~ Cl~~reII1estuclaclas. Ele foi constit~fcl() no âmbito de um movimento cuja origem remonta aoss~C:1.!to§ :x:YIe :X:VU.e que valorizava a capacidade do pensamento ra- cional. Acreditava-se que, pelo uso da razão, seria possível aos homens não só conhe- ce!()Il1_11Il~() mas,além4isso, transformá-lo. Esse discernimento que associai; a razão dos homens à possibilidade de provocar mudanças na vida social já significava o questionamento do saber diletante e contemplativo. Representava, também, uma cunha na supremacia das interpretações teocêntricas, propugnando a desvinculação da produção do saber da órbita eclesiástica para que ela pudesse se constituir no interior do universo secular. qS.~rgLIl1.l:!1!g cia~Gl~acl_eI11}élsl~icéls trazia, portanto, .9.1:1.::: trªPQs§ibiliclªºe interpretª!i,ya, buscando explicações para os dramas sociais na pró- pria dimensão humana de existência, sem a interferência dos componentes extra- terrenos. Cuidou-se, então, de construir meios confiáveis para observar, para promover experimentos, bem como para elaborar hipóteses e princípios. O desenvolvimento destes instrumentos foi concomitante ao das técnicas; postulava-se, afinal, uma ciên- cia de intervenção, que fosse atuante na prática e que estivesse, a um só tempo, sintoni- zada coma expansão capitalista e com o aumento da capacidade produtiva. Ordenar as coisas, sistematizá-las, identificar unidade e diversidade, mensurar, decompor o todo em partes, analisar - eis resumidamente a empreitada que se queria consolidar. Quem iria operacionalizar o método? A resposta a esta questão põe em evidência a figura do sujeito do conhecimento. Trata-se de alguém com existência corpórea, versado nas l;abilidadesh;'CpoÜcoenunciadas, desejoso de fazer valer sua formação científica para elaborar um saber que não só fosse capaz de dar explicações convin- centes sobre determinadas questões sociais mas que, sobretudo, pudesse ser aplicado para interferir no rumo das coisas. Quando o desenvolvimento metodológico se torna recurso imprescindível para insinuar, estabelecer ou mesmo justificar intervenções modificadoras da sociedade, as relações entre ciência e sociedade se alteram: a produção do, saber se consagra como pelo acréscimo que lhe fez Gabriel Cohn: "o melhor aprendizado da pesquisa social é fazê-la"; mas, preferencialmente: "fazê-la sabendo-se °que se faz. "14 CONSTITUIÇÃO E POLITIZAÇÃO DO MÉTODO I'.IULO DE SALLES OLIVEIRA22 14 Cohn, Gabriel. Apresentação. In: Hirano, Sedi (org.) Ob. cit., p. XII. \ \. / H Franco, Maria Sylvia de Carva- lho. Retórica e método. Consi- derações sobre o "progresso da ciência". Texto mimeografado, novembro de 1980. Da mesma autora, ver também a minuciosa reflexão so bre os fundamentos da ciência e do liberalismo no artigo: All the world was Ame- rica. Revista da U5P, n." 17: p. 30-53, março-abril-maio de 1993. 16 Thompson, Edward Palmer. Tradicion, reuuelta )' conciencia de clase. Estudios sobre la crisis de la sociedad preindustrial. Trad. de E. Rodríguez. Barcelo- na: Crítica, 1979. 17 Comte, Auguste. Segunda lição. In: --o Curso de filosofia po- sitiua. Trad. de J. A. Giannotti. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 29. (Coleção "Os Pensado- res" ) CA.\IINHOS DE CDNSTRUÇAo DA PESQUISA Dl CIÊNCIAS SOCIAIS 'I 1\ fonte d~.P()cle~)Sem perder de vista que esta união entre conhecimento e política se faz, ainda, em meio ao embate travado com as origens teológicas do saber. Não deixa de ser curioso notar, com Maria 3ylvia de Carvalho Franco, que a esse movimento de dessacralização do conhecimento correspondeu a sacralização do tra- balho!'. Foram veementemente contestados o exercício contemplativo, o ócio, as fes- _ __.•._--_.._--------" tas, as f.2!.JE<:l~_cl_e_()cupaç~ocl()_!e_J:!1.Q()ecoIl()l11icaJ:!1~p._!~!!lprodutiva.§\ ao mesmo tem- po em que se cultuava a disciplina do corpo 3 do pensamento, a mecanização do corpo pela t[ê~Té:~e;;-;destramento.damente..p.s.l.o método. A construção deste modo .',',. .... .. ._- .,--' _. ".~ C"'''. "_,,..,,, de pensar foi concomitante à ascensão burguesa e à constituição das bases jurídicas em que se assentou sua emergência como força política preponderante. Variadas formas de enfrentamento não irr.pediram que o Dezenove assistisse à consolidação do projeto burguês, I'Qlítiça eçiência_!.ecelJeIll enfimo r~coI1heciIl1eIlto gt;lleJ:.illizadQcomo.instrumentos capazes de p.omover o domínio da natureza e de disciplinar._~hºIIleIlsàlógicadaJ)rodutividade e da acumulação. Estava, pois, defi- nitivamente interiorizado nos homens o relógio moral desta outra dinâmica, como diria Edward Palmer Thompson", Auguste Comte, por sua vez, perseguindo a tarefa de delimitar o espaço da física social, estipulanasegunda lição do Curso de filosofia positiva" que o caminho da ciência leva à previsão e daí à ação, compondo a trilogia: sª.Qel, prever, agir. Desde fintaol)~zoito,os"homens da ciência podem ser consid-~~;dos '~omo figu- ras poderosas e dominadoras, capazes de tudc entender e submeter às suas explica- ções, com o concurso do método. No caso das ciências humanas, porém, um parado- xo se interpõe: afinal é do homem que se trata.1sto quer dizer que o homem se torna, ao mesmo tempo, suj~ito e objeto na investigação científica. Alé~ disso, sendo o suj~ito .do conhecimsnto representado pela figura do ho- mem-cientista, ele em tese pode tudo, mas, ao exercitar este poder, torna-se prisionei- ro de uma situação que, supostamente, é caplZ de controlar e, portanto, dominar. Como assim? É que, ao submeter o real ao metodo_~ supondo-o neutro e eficiente para desvendar as tramas sociais em sua transparência plena e exata - o sujeito do conhecimento é conduzido a olhar a sociedac.e como quem a vê de fora, de longe, ostentando olímpica exterioridade. Neste empreendimento, recorta, disseca, decom- põe e manipula o real em partes, desejoso de melhor analisá-lo. Esta prática, aparen- temente rigorosa e acética, acaba por mutilar o universo soci<1I,.in10bilizando-o. O mundo social aparece.cºIlg~JªgS',_s~m<:ºI1.ttaciçºes,sem lutas, sem. enfrentamentos, sem paradoxos. É amortificaçâodo objeto. Os homens transformam-se em objetos inertes, tal qual cadáveres, prontos para o exercício científico da anatomia, nas mãos , li f;.·.c ~( \ 'OMÉTODO truir uma representação adeqtl,~Aa,Aasques do no âmbito de um movimento cuja origem valorizava a capacidade do pensamento ra- zão, seria possível aos homens não só conhe- rmá-lo. Esse discernimento que associava- a ivocar mudanças na vida social já significava contemplativo. Representava, também, uma ; teocêntricas, propugnando a desvinculação istica para que ela pudesse se constituir no ttodasacademias laicas trazia, portanto, ou- lo explicações para·;;-s-dra~as sociais na p;ó- sem a interferência dos componentes extra- : "o melhor aprendizado da pesquisa social é la sabendo-se o que se faz. "14 os confiáveis para observar, para promover r hipóteses e princípios. O desenvolvimento l das técnicas; postulava-se, afinal, uma ciên- iratica e que estivesse, a um só tempo, sintoni- )aumento da capacidade produtiva. Ordenar iidade e diversidade, mensurar, decompor o mente a empreitada que se queria consolidar. )? A resposta a esta questão põe em evidência rata-se de alguém com existência corpórea, ciadas, desejoso de fazer valer sua formação ão só fosse capaz de dar explicações convin- ais mas que, sobretudo, pudesse ser aplicado ológico se torna recurso imprescindível para . intervenções modificadoras da sociedade, as .ram: a produção do saber se consagra como ISLefort, Claude.O nascimento da ideologia e do humanismo. In: -, As formas da história. En- saios de antropologia política. Trad., de L. R. S. Fortes e M. Chauí. São Paulo: Brasiliense, 1979, p. 256. 19 Febvre, Lucien. Combats pour l'histoire. 2.'"'' ed. Paris:Armand Colin, 1965, p. 115-6. (Tradu- ção feita por mim, PSO.) do médico legista ou do patologista. "A bem dizer" - esclarece Claude Lefort - "a ilusão começa quando imaginamos que de um lado há os fatos e de outro a teoria e quando dissimulamos a posição em razão da qual esta divisão aparece. Somos então forçados a descrever o movimento do conhecimento como se nele não tomássemos parte e fixar sua origem de um lado ou do outro.v" O estudo de metodologia em ciências humanas necessitaria ser cuidadoso e zelar para que homens concretos, sujeitos e objetos de suas indagações, não fossem mutila- dos ou, então, não se tornassem objetos mortos nas mãos de cientistas dispostos a fazer da ciência outro poderoso instrumento de dominação. Lucien Febvre se dedicou à questão, que está na base da construção do saber: "O que vós chamais fatos? Que colocaríeis por trás desta pequenina palavra 'fato'? Pensaisqueosfat?ss~??~.~?sà história como realidades substanciais, que o tempo enterrou mais ou menos profun- damente e que se trata tão simples~ente de desterrar, de limpar e de apresentar em bela estampa a vossos contemporâneos? Ou então retornais à vossa conta a palavra de Berthelot, exaltando a química no dia seguinte ao de seus primeiros triunfos - a química, sua química, (i única entre todas as ciências, dizia ele orgulhosam~nte, que fabrica~s~llo~j~!~:~~ que Berthelot se enganou. Por~ue todas as ciências fabricam seu objeto"19. ···.É..p(;~ível promover uma ruptura com estas práticas dominadoras? Sim e não, poderíamos dizer. Se a idéia de ciência social estiver muito vinculada àquela prove- niente das ciências dos fenômenos naturais, haverá nítida discordância com estas colocações. Se, ao contrário, o objetivo é ajustar as possibilidades explicativas das ciências humanas aos limites da peculiaridade que existe em se ter, simultaneamente, o homem como sujeito e objeto, a resposta se encaminharia para uma ruptura. Mes- mo assim, resta contudo a indagação: como promovê-la? Vários caminhos são possíveis. Um deles está em estudar e refletir acerca das "- i II1plic;içÕes dos fundamentos teórico-metodológicos que empregamos e assumimos pa.r;;! nós como adequados e convenientes. O leque de possibilidades é variado: passa pela~fontes e as ciladas que escondem para um entendimento que supere as aparên- cias e penetre nas entranhas dos reais interesses em jogo, nas ações dos sujeitos inter- locutores numa dada época; pelo processo de produção do conhecimento, ou seja pela transformação dos dados, com a mediaJ_~o..~:..~?~ceit?s!em inte~pr~~~~?_~~ ..~: . umdeterminado tema social; pelo âmbito, quer dizer,pela abrangência que se postula para a pesquisa; além, airicG, da reflexão em torno das relações entresujeito e objeto do conhecimento e as decorrências aí implícitas. Tendo em vista que nosso direcionamento é refletir no horizonte das ciências humanas, uma possibilidade fértil pode ju relações entre sujeito e objeto do conhecin Marilena Chauf", pela recusa do autorita pela relativização da figura soberana do 51 métodos evidenciam. PASSEIO DA ALMA NA ESTEIRA DEIX A mesma autora nos lembra, retoman ver um passeio daalma'' . Como aqui se tra metod()ló.g.i~~~, fundamentando-se na lein associaçõespossíveis, dialogando com auto - prossegue ela, em outra formulação - pelo pensamento do outro. Ler é retomar, paraotrélDéllho de nossapr§pri<lrefl~EªO. .. Supõe ~lt~~pa;sar ~uitas práticas e~'i sem se importar em distinguir ~s-p~c~ü~~i iflt.e..:t:ess~ segundo a conveniência do (rnuii mentária, sem recompor o encadeamento d pensar; ler um texto usando lentes e refere] Longe disso, ler implica identificar os tões estudadas. A boa colheita na leitura, I escolher adequadamente os sentidos origin "A palavra que ell!elº (lego: colho) na livro desafia-me como a pergunta da Esfiru o enigma é sempre o mesmo: O..q11.e eu qUI escrito. Mas, interpretar é eleger(ex-legere mânticas, apenas aquelas que se movem no quer dizer?"23 ParaTnterpretar, respeitando aquilo qu tante decifrar o enigma do texto: o que diz c o faz deste modo. Esse é um exercício que r Supõe uma mentalidade alargada, como dir ender as diferenças ent~~~~te;~~ aquele au 24 PAULO DE SALLES OLIVEIRA O.\IINHOS C 20 Chauí, Marilena. Cultura e de- mocracia. à discurso competen- te e outras falas. 5.' ed. São Pau- lo: Cortez, 1990, p. 3-13. 21 Chauí, Marilena. Convite à fi- losofia. São Paulo: Ática, 1994, p. 15I. 22 Chauí, Marilena. Os trabalhos da memória. In: Bo~, Ecléa. Me- mória e sociedade. Lembranças de velhos. 3.' ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 2I. 23 Bosi, Alfredo. A interpretação da obra literária. In: -. Céu, inferno. Ensaios de crítica lite- rária e ideológica. São Paulo: Ática, 1988, p. 274 e 275. I (L/li I f \,' ~/~/O A mesma autora nos lembra, retomando os gregos antigos, que pensar é promo- ver um passeio da almtr' . Como aqui se trata de estudar diferentesprºpºstasJeºrjço~ metodológicas, fundamentando-se na leitura, intelecção, discussão e elaboração de associ~çÕ~~p~s~íveis, dialogando com autores consagrados, ler é.o...p~ss::>_i~~~~l.".~~.r."~ _ prossegue ela, em outra formulação - "é aprender a pensar na esteira deixada pelo pensamento do outro. Ler é retomar a reflexã-ü'de outrem como matéria-prima par-ã·o-trãbafhodenos~aprÓpria_refl~x~o."22. . Supõe-~ít~~p-~~~~~ muitas práticasenviesadas, tais como: l.er de~g_~()~xt~J:jº.L t9 c..,:,' l . sem se importar em distinguir as peculiaridades do texto em SI; ler pinçando o que. I f- J.!:;. interessa, segundo a conveniência do (muito descuidado) leitor; ler de maneira fra_g~ mentária, sem recompor o encadeamento das idéias pelas quais um autor constrói seu pensar; ler um texto usando lentes e referenciaisestranhos ao aut<:>f..queo concebeu. Lonze disso ler implica identificar os significados .que o autor confere às ques- /:)' . _ -. . - tões estudadas. A boa colheita na Téitura, explica Alfredo Bosi, está em distinguir e escolher adequadamente os sentidos originalmente propostos. "A palavra que ~llJejº_ (lego: colho) na sua ingrata renitência sobre a página do livro desafia-me como a pergunta da Esfinge: a resposta pode variar ao infinito, mas o enigma é sempre o mesmo: o.que eu que.rQ.dige.../'.f. Ler é colher tudoquanto .Y~JTI escrito. Mas, interpretar é eleger (ex-Iegere: escolher), na messe de possibilidades se- mânticas, apenas aquelas q~e se movem no encalço da qll~st_ã.2_~Ell<:ial: o qllec)!(':?\.ts> quer dizer? "23 -raia'interpretar, respeitando aquilo que um autor quis realmente dizer, é impor- tante decifrar o enigma do texto: o que diz o autor e, metodologicamente, por que ele o faz deste modo. Esse é um exercício que requer mais que paciência e perseverança. Supõe uma mentalidadealargada, como diria Hannah Asendt, capaz não só de apre- ender as diferenças entre ~st~--ou aquele autor, mas de saber admirar um texto bem PASSEIO DA ALMA NA ESTEIRA DEIXADA PELOS OUTROS humanas, uma possibilidade fértil pode justamente ser esta, a reavaliação crítica das relações entre sujeito e objeto do conhecimento. Esse trilhar se inicia, segundo indica Marilena Chauf", pela recusa do autoritarismo da verdade, ou, em outras palavras pelarelativização da figura soberanado sujeito do conhecimento, que determinados métodos evidenciam. ra com estas práticas dominadoras? Sim e não, :ia social estiver muito vinculada àquela prove- naturais, haverá nítida discordância com estas tivo é ajustar as possibilidades explicativas das iliaridade que existe em se ter, simultaneamente, sposta se encaminharia para uma ruptura. Mes- ): como promovê-la? Um deles está em estudar e refletir acerca das o-metodológicos que empregamos e assumimos entes. O leque de possibilidades é variado: passa m para um entendimento que supere as aparên- ; interesses em jogo, nas ações dos sujeitos inter- 'acesso de produção do conhecimento, ou seja a mediação de conceitos, em interpretações de ibito, quer dliêr;peIa abrangência quesepost~ra .xão em torno das relações entre sujeito e objeto í implícitas. :ionamento é refletir no horizonte das ciências "A bem dizer" - esclarece Claude Lefort - "a que de um lado há os fatos e de outro a teoria e razão da qual esta divisão a]?arece. Somos então :lo conhecimento como se nele não tomássemos ou do outro.Y" ncias humanas necessitaria ser cuidadoso e zelar e objetos de suas indagações, não fossem mutila- jetos mortos nas mãos de cientistas dispostos a umento de dominação. Lucien Febvre se dedicou rução do saber: "O que vós chamais fatos? Que palavra 'fato'? Pensais que os fatos são dados à ~~, que o tempo enterrou mais ou menos profun- lente de desterrar, de limpar e de apresentar em eos? Ou então retomais à vossa conta a palavra ) dia seguinte ao de seus primeiros triunfos - a todas as ciências, dizia ele orgulhosamente, que t se enganou. Porque todas as ciências fabricam CA\IINHOS DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA DI CIÊNCIAS SOCIAIS 25 14 Benjamin, \Valter. Experiência e pobreza. In: --o Ob. cit., p. 195. concebido, mesmo que e principalmente quando não haja concordância com a orien- tação teórico-metodológica à qual nos filiamos. Prejulgar ou então fugir à verdade inerente ao texto são procedimentos que todos nós pesquisadores precisamos a todo custo evitar. Por isso, é fundamental o trabalho de reconstruir com nossa imaginação o..i.tilJ..~~..Q!l~t);,lJ.Ǫ,Qrç\"Q.pçD~ª,mçntº.gQJl\!tt:º-,~ratando de não desfigurá-lo. É um encaminhamento de trabalho que respeita a integridade do todo e que, portanto, relativiza o pinçar fragmentado de partes, a compreensão apressada ou mesmo a leitura exterior, que pede ao texto categorias e desenvolvimentos que ele nunca pode- ria ter, pois jamais fizeram parte dos horizontes do autor que o concebeu. Outro cuidado é com as associações. Em reiteradas vezes, por comodidade, ingenuidade ou por razões inconfessáveis, incorremos no engano de fazer colagens de citações sem respeitar asespecificidadesdo movimento de pensar do.s_<l:!1!2!i~:'u~~;i~pr;~~6~i-~ ca paiavra assumésignific~do-;'i~t-;;T;~~~n-te-di-sÍ:i~t:~~;-harmoniz~ndo-seao contexto em que estiver situada. Por exemplo: Durkheim sublinha a necessidade de se tratar o fato social como coisa. Trata-se de algo inteiramente diverso da coisificação das rela- ções sociais, que aparece na conceituação marxista. Convém, pois, estar atento às diferenças e identificá-las bem, em vez de tentar escamoteá-las. Um leitor diligente pode, por outro lado, descobrir que mesmo autores de tendências antagônicas ali- mentam, aqui e ali, pontos em comum. Mas est~dis~~r~iII1~~tos6-~p~~e~equandohá a;;eza das diferenciações e, portanto, quando já nos mostramos capazes de praticar uma leitura que respeite a interioridade do texto. Autor algum gostaria de ser entendido em acepções que nunca originalmente foram suas; além disso, parte deles pode nem mais estar neste mundo para poder defender-se. Do mesmo modo, seria desalentador para qualquer estudioso tecer co- mentários sobre esta ou aquela fonte e ser considerado um mau leitor, seja por distor- cer seja por trair o significado que o autor quis imprimir ao seu texto. Para evitar estes e outros tantos dissabores, uma saída é acompanhar atentamente as construções teórico-metodológicas dos textos, mergulhando em sua dinâmica interior. A reco~ pensa virá do próprio exercícioe7n si, que cultiva a étiC:<l}1~<:()!l~trllçã.2_do ~r, e das múltiplas descobertas que o texto, ao menos potencialmente, pode ensejar. Diante de autores que se tornaram referências básicas, como é o caso dos que aqui estão repro- duzidos, sempre se pode esperar que suas páginas acolham muitos tesouros. Tal qual ocorre, todavia, na velha fábula lembrada por Walter Benjamin", a bênção de encon- trá-los não poderia estar em consumi-los. E sim em d~~Y!El~~_~.!2~ no exercício deum trabalho silente, atento, perseverante, engenhoso e, por isso mesmo, quem sabe até divertido. NOTAS SUMÁRIAS SOBRE ÉMILE DURKHEIM. Nasceu na Frar textos mais conhecidos estão: A divisão do sociológico (1895), O suicídio (1897), As t Educação e sociologia (1922), Sociologia e tesquieu e Rousseau, precursores da sociolc FLORESTAN FERNANDES. Nasceu cidade em 1995. Publicou numerosos livro nambás (1949), A função social da guerra 1. tos empíricos da explicação sociológica (19 São Paulo (1961), Sociedade de classes e su pendente e classes sociais na América Lati. (1975), Da guerrilha ao socialismo: a Revo tão (1982). MAX WEBER. Nasceu na Alemanha er incluem: A ética protestante e o espírito do (1922), além de vários escritos, como os Ens ght Mills e Hans H. Gerth, com traducão Cardoso, e Metodologia das ciências sociais de Augustin Wernet. SERGIO BUARQUE DE HOLANDA. ] 1982. Foi professor da USP, dirigiu o Musei lpiranga} e o Instituto de Estudos Brasileiro 26 PAULO DE 5ALLE5 OLIVEIRA
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