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SERVIÇO SOCIAL, MOVIMENTOS SOCIAIS E CONSTITUIÇÃO DE DIREITO – Professor Edmilson Manoel Coelho
 20
Desafios dos movimentos sociais hoje no Brasil 
MARIA DA GLÓRIA GOHN
Resumo: Este artigo recupera fragmentos do processo de construção da cidadania no Brasil, nas últimas três décadas, destacando a participação da sociedade civil organizada. O texto esta organizado em dois momentos, inicia-se com uma breve fundamentação das categorias cidadania, participação e sociedade civil para recuperar os antecedentes do atual modo e forma de participação social; e, faz uma retrospectiva dos principais movimentos sociais que participaram da trajetória de lutas por direitos e pela construção da cidadania no Brasil, nos anos de 1990 e na primeira década deste milênio.
PRESSUPOSTOS SOBRE CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA
O texto recupera fragmentos do processo de construção da cidadania no Brasil, nas últimas três décadas, destacando a participação da sociedade civil organizada. Ele tem dois momentos, inicia-se com uma breve fundamentação das categorias cidadania, participação e sociedade civil para recuperar os antecedentes do atual modo e forma de participação social; faz uma retrospectiva dos principais movimentos sociais que participaram da trajetória de lutas por direitos e pela construção da cidadania no Brasil, nos anos de 1990 e na primeira década deste milênio.
Como localizar o termo cidadania no universo de referências ao se falar da participação cidadã, por exemplo? A análise histórica nos revela que encontramos atributos do termo cidadania de ordem: jurídica (o mais extenso, dado pelas leis e juridização das ordens socioeconômica, política e cultural), normativos (como deveria ser o comportamento dos cidadãos ou de um "bom cidadão") e atributos construídos pelas ciências sociais, tanto na Sociologia como na Ciência Política, relacionando cidadania para além do debate sobre os direitos e as obrigações (ou deveres), entrando no campo de discussão sobre a igualdade/desigualdade; universal/particular; público/privado, singular/diverso, pertencimento/desfiliação etc. O conjunto dessas categorias possibilitou o desdobramento do conceito de cidadania em cidadania ativa e cidadania passiva numa perspectiva processual e não atribuída, dada a priori, naturalizada pelos códigos legislativos. O que irá definir a cidadania é um processo onde se encontram redes de relações, conjuntos de práticas (sociais, econômicas, políticas e culturais), tramas de articulações que explicam e ao mesmo tempo sempre estão abertas para que se redefinam as relações dos indivíduos e grupos com o Estado. O Estado é sempre elemento referencial definidor porque é na esfera pública estatal que se asseguram os direitos: da promulgação à garantia do acesso, e as sanções cabíveis pelo descumprimento dos direitos já normatizados e institucionalizados.
Sabe-se que a cidadania para ser plena não pode ser passiva, tem que ser ativa, é um processo ativo. Não se limita ao voto, este é apenas uma dimensão do cidadão, a dimensão civil. Ela relaciona-se diretamente com a participação dos indivíduos na esfera pública e com o exercício dos direitos. É o direito a ter direitos e poder exercitá-los. A cidadania deve contemplar a universalidade dos direitos e não direitos restritos, focalizados, que criam diferenças entre as pessoas. Não existe o cidadão de segunda categoria, pois este seria o não cidadão, ou um cidadão menor.
Cidadania também tem a ver com as ideias de civilidade, civilização e respeito aos indivíduos enquanto seres humanos. O conceito republicano de cidadão não é aquele que usa a liberdade só para desempenho como pessoa privada, mas é aquele que tem na participação uma prática comum. A cidadania ativa requer a formação de cidadãos conscientes de seus direitos e deveres, protagonistas da história de seu tempo. A educação entra neste processo de formação como um direito humano, para o desenvolvimento do ser humano. A educação contribui para a criação de uma cultura universal dos direitos humanos, para o fortalecimento dos direitos e liberdades fundamentais do ser humano, para o desenvolvimento de sua personalidade, respeito às diferenças, atitudes de tolerância, amizade, solidariedade e fraternidade com o semelhante.
Já se tornou lugar comum ouvir sobre a importância da sociedade civil, que ela está se firmando no polo internacional como impulsionadora de mudanças, inovações etc. A tendência atual é falar sobre o seu protagonismo. Observa-se que o conceito de sociedade civil vem sofrendo modificações que acompanham a conjuntura nacional. No Brasil, de uma forma geral, ele surge no período da transição democrática, no final dos anos 1970, quando foi introduzido no vocabulário político corrente e passou a ser objeto de elaboração teórica etc. Na ocasião, ele se tornou sinônimo de participação e organização da população civil do país, na luta contra o então regime militar. Esse cenário estimulou o surgimento de inúmeras práticas coletivas, no interior da sociedade civil, voltadas para a reivindicação de bens e direitos sociopolíticos negados, até então, pelo regime vigente. Um dos principais eixos articuladores da sociedade civil foi dado pela noção de autonomia. Tratava de organizar-se, independentemente, do Estado. Era um discurso estratégico. A democracia direta e participativa era tida como modelo ideal. Participar das práticas de organização da sociedade civil significava, também, um ato de desobediência e de resistência ao regime político predominante. Naquele período, novos atores entraram em cena, principalmente os movimentos sociais populares, reivindicatórios, apoiados por alas da teologia da libertação (de várias igrejas, especialmente católicos e luteranos), entidades da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) etc. O principal polo de identificação dos diferentes atores era dado pela reivindicação de mais liberdade e justiça social.
Com a saída dos militares do poder, a partir de 1985, o significado do termo sociedade civil começa a se alterar. A progressiva construção de canais de participação e representação exigiram novas posturas e agendas dos militantes dos movimentos sociais populares que perderam, paulatinamente, a centralidade nos discursos sobre a sociedade civil, porque não se tratava mais de estar de costas para o Estado, mas de participar de políticas de negociações, de democratizar o Estado. Além disso, com o retorno a constitucionalidade democrática, surgiu uma pluralidade de novos atores sociais, decorrentes de novas formas de associativismo que emergiram na cena política, especialmente as ONGs e associações civis do Terceiro Setor.
A partir dos anos de 1990 a autonomia dos membros da sociedade civil deixa, portanto, de ser o eixo estruturante fundamental para a construção de uma sociedade democrática. Novos e antigos atores sociais fixarão suas metas na conquista de espaços na sociedade política, especialmente nas parcerias que se abrem entre governo e sociedade civil organizada, via políticas públicas.
Houve, portanto, uma ampliação do leque de atores sociais nos anos 90. Com isso, certamente, ampliou também o campo da sociedade civil. Disso resultou um descentramento dos sujeitos históricos em ação, antes focado nas classes populares e nos movimentos populares, especialmente os movimentos sociais populares urbanos. Este descentramento do sujeito popular e a emergência de uma nova pluralidade de atores conferiu ao conceito de cidadania a mesma relevância que tinha tido o conceito de autonomia, nos anos 80. Certamente que nos anos 70/80 a questão da cidadania já estava posta nos debates e nas demandas sociais nas lutas pela democratização, expressas principalmente no movimento das Diretas Já, na Constituinte, na nova Carta Constitucional denominada de "Constituição Cidadã", em todos os movimentos populares etc. Mas nos anos 90 a questão da cidadania foi ressignificada, tanto na sociedade civil como nas políticas públicas. Surgem novas facetas àcidadania tais como o exercício da civilidade, o compromisso e a responsabilidade social do cidadão como um todo, a sustentabilidade das práticas coletivas etc. Ou seja, foi destacado não apenas os direitos, que é a alavanca básica do conceito de cidadania, mas também foi introduzida a questão dos deveres, da responsabilização nas arenas públicas, e essa responsabilização abriu caminhos para a participação de diferentes e novos atores sociais nas políticas de parcerias entre o Estado e a sociedade civil. Passa-se a enfatizar a responsabilização dos cidadãos, as empresas, e os órgãos governamentais nas novas políticas públicas; criam-se espaços para a participação nestas políticas via parcerias, ou nos espaços criados institucionalmente, como os conselhos gestores e os fóruns sociais públicos.
Neste novo cenário, a sociedade civil se amplia para entrelaçar-se com a sociedade política. Desenvolve-se, então, o chamado espaço público não estatal expresso nos conselhos, fóruns, redes de articulação etc. A importância da participação da sociedade civil, neste novo contexto, se faz para democratizar a gestão da coisa pública. Abrem espaços para inverter as prioridades das administrações, no sentido de que as políticas atendam não apenas as questões emergenciais de forma superficial e com uma ótica economicista, baseada na lógica custo-benefício, mas que atendam as questões sociais como prioridade maior. Foram emergindo novíssimos atores sociais nas políticas de parcerias, na execução de projetos sociais. Esses novos atores foram criando, também, novos espaços, instituições próprias para participarem dos novos pactos políticos que deem sustentação ao modelo político vigente.
Angela R. Paiva, em recente pesquisa de pós-doutorado na Unicamp, sob minha supervisão construiu hipóteses de trabalho e conclusões analíticas interessantes a respeito da temática em tela, entre as quais destaco uma longa citação:
“(...) pode-se dizer que a redemocratização do país significou nova articulação entre sociedade civil e esfera pública política, quando uma nova ideia de cidadania está em curso no momento em que atores se organizam, recusando-se a permanecer em seus antigos lugares subalternos; (...) todo esse novo associativismo vai trazer novas pautas para a esfera pública política e novas demandas por direitos. E a teoria social que analisa a construção social da cidadania e a teoria crítica produzida por Habermas e Honneth, com sua repercussão em Taylor e Fraser, é de enorme valor heurístico no caso brasileiro, pois trazem conceitos com potencial explicativo para a “mudança estrutural da esfera pública”. (...) A concretização da animação da esfera pública foi a Constituição de 1988, que vai, não só estimular a descentralização, dando maior ênfase às novas formas de participação social da sociedade civil, mas também manifesta, pela primeira vez, a preocupação com direitos difusos, vale dizer, os direitos das minorias. É um momento, portanto, de novas possibilidades de articulação, fortalecendo a arena da interação discursiva da esfera pública pensada por Habermas (1984). Percebem-se nesse momento, e ao longo da década de 1990, várias novas formas de organização, quando se começou a falar de uma “nova cidadania”, como defendeu Dagnino (1994, p. 109), a “radicalidade da cidadania como estratégia política”, em um processo novo de aprendizado social no qual os atores se recusam a seguir nos mesmos lugares subalternos, assignados a eles. Nesse contexto, está colocado um dilema para a experiência democrática: equacionar os déficits históricos de desigualdade social que se fazem presente na esfera pública com a cidadania “radical”. Porque a análise da construção social da cidadania no Brasil sempre precisou de adjetivos para interpretá-la: ora foi a cidadania passiva (CARVALHO, 1991), regulada (SANTOS, 1979), ou ainda concedida (SALES, 1994), ora relacional (DAMATTA, 1993) ou subcidadania (SOUZA, 2003). Todas essas análises mostram o déficit da fruição de direitos no país, lograda em chave paternalista, como analisa Velho (1996), em uma organização com forte apartheid social, segundo Vera Telles (1994). Mas a redemocratização do país trouxe esses déficits em novas articulações, quando surge o ator social (TOURAINE, 1996), e iniciam-se processos reivindicatórios inusitados na cultura política, com movimentos de baixo para cima, cujo protagonismo dos diversos atores se faz presente. E se na década de 2000, os movimentos que agitaram a esfera pública nas duas décadas anteriores parecem estar em um momento de inflexão, isso se deve também a maior porosidade do Estado em atender às demandas. (...) Foi necessária a construção de novo marco de referência para suas propostas, ou seja, a reformulação reflexiva que envolve a construção de novas referências para uma visão de mundo que pudesse substituir a anterior (grifo nosso). É o momento em que condições estruturais de que fala Tarrow (1998) se combinam com a ação concertada dos atores sociais. Como descrevem Tilly e Tarrow (Ocorre) a emergência de um novo repertório para um movimento contestatório. Pode-se mesmo dizer que foi o momento de uma nova pedagogia para a ação coletiva no que McAdam descreveu como a “liberação cognitiva” que acontece quando as mudanças políticas fornecem “pistas cognitivas” que começam o processo de liberação cognitiva quando surgem os atores que encontram novo significado para sua ação” (PAIVA, 2012, p. 06- 10).
Coube, portanto, à sociedade civil, um papel central nesse reequacionamento. Mas quem são os atores considerados como os principais protagonistas desta nova sociedade civil? São as ONGs, os movimentos sociais, as comissões, grupos e entidades de Direitos Humanos, grupos de defesa dos direitos dos excluídos, por diferentes causas como: gênero, raça, etnia, religião, portadores de necessidades físicas especiais, inúmeras associações com perfis variados, entidades do chamado Terceiro Setor, fóruns locais, regionais, nacionais e internacionais etc. Entidades ambientalistas, de defesa do patrimônio histórico, redes comunitárias nos bairros, conselhos populares, conselhos setorizados, conselhos gestores institucionalizados. Todos esses, com fundações e empresas cidadãs, passam a compor esse novo leque do que tem sido denominado como sociedade civil.
Disso tudo resulta que a sociedade civil organizada não é homogênea, nem composta por atores que tenham o mesmo entendimento dos problemas sociais, políticos e culturais da sociedade. Ela é bastante diversificada.
MOVIMENTOS, ONGS E ENTIDADES CIVIS NOS ANOS DE 1990
O segundo ponto a ser abordado refere-se a uma breve caracterização dos atores propriamente ditos que realizam as ações coletivas na sociedade civil. Inicialmente destacamos os movimentos sociais nos anos de 1990 e no próximo subitem, os movimentos no novo milênio. Sabemos que os movimentos sociais têm sido considerados, por vários analistas e consultores de organizações internacionais, como elementos e fontes de inovações e mudanças sociais. Existe também um reconhecimento de que eles detêm um saber, decorrentes de suas práticas cotidianas, passíveis de serem apropriados e transformados em força produtiva. Quando se examina, por exemplo, a questão indígena, ressalta-se o saber que eles detêm sobre a floresta. Em resumo, os movimentos são elementos fundamentais na sociedade moderna, agentes construtores de uma nova ordem social. E não são agentes de perturbação da ordem, como as antigas análises conservadoras escritas nos manuais ensinavam; ou como ainda são tratados por políticos tradicionais e conservadores.
A presença dos movimentos sociais é uma constante na história política do país, mas ela é cheia de ciclos, com fluxos ascendentes e refluxos (alguns estratégicos, de resistência ou rearticulação face a nova conjuntura e as novas forças sociopolíticas em ação). O importante a destacar é esse campo de força sociopolítico e o reconhecimento de que suas ações impulsionam mudanças sociais diversas. O repertório de lutas que eles constroem,demarcam interesses, identidades, subjetividades e projetos de grupos sociais. A partir de 1990, os movimentos sociais deram origem a outras formas de organizações populares, mais institucionalizadas, como os fóruns nacionais de luta pela moradia popular. No caso da habitação e reforma urbana, por exemplo, o próprio Estatuto da Cidade, é resultado dessas lutas. O Fórum da Participação Popular e tantos outros fóruns e experiências organizativas locais, regionais, nacionais e até transnacionais, estabeleceram práticas, fizeram diagnósticos e criaram agendas, para si próprios, para a sociedade e para o poder público. O Orçamento Participativo, e vários programas, surgiram como fruto desta trajetória.
MOVIMENTOS SOCIAIS NA PRIMEIRA DÉCADA NO NOVO SÉCULO NO BRASIL
No Brasil, na atualidade, os movimentos sociais são distintos dos ocorridos do final da década de 1970 e parte dos anos 1980 (movimentos populares reivindicatórios de melhorias urbanas articulados com pastorais, grupos políticos de oposição ao regime militar etc.), embora alguns dos atuais movimentos ou quadros de suas assessorias sejam herdeiros daqueles dos anos 1980. Naquela década, os movimentos lutavam para ter “direito a ter direitos”. Como só podemos falar em direitos se contemplarmos o universal, observamos que aqueles movimentos não estavam autocentrados. Embora não tivessem ainda a circulação em espaços nacionais e transnacionais que se tem hoje, a maioria deles não estava voltada apenas para si próprios, olhavam para o outro, até para poder construir a própria identidade, segundo o efeito do espelho – como diria Lacan, miravam-se no(s) outro(s). A cidadania era o grande mote articulador dos discursos – buscavam direitos. Queriam ter o direito de ter direitos.
A noção do novo sujeito histórico, povo, um dos eixos estruturantes do movimento popular na década de 1980 e 1990, reformulou-se no novo milênio, assim como deu novos sentidos e significados às suas práticas. Resulta desse processo uma identidade diferente, construída a partir da relação com outros atores sociais, e não centrada exclusivamente no campo dos atores populares. Este outro está presente nos relacionamentos desenvolvidos com novas formas de associativismo emergentes, interações compartilhadas com ONGs e a participação nas políticas públicas.
Isso tudo alterou o projeto político dos movimentos populares urbanos no sentido de um projeto político policlassista, um novo projeto político dos movimentos populares, que vai contemplar outras questões além de demandas específicas do campo das carências socioeconômicas, indo das questões do modelo de desenvolvimento do país às questões do meio ambiente e do desenvolvimento humano. Na maioria dos casos, não há uma ênfase exclusiva nas questões apenas locais, inclui-se outras dimensões. Em parte, essas mudanças se explicam pelos efeitos do próprio modelo organizacional adotado: de se atuar em redes. O outro, o diferente, acaba alterando o movimento local. Com isso, outros temas entraram para a agenda dos movimentos populares urbanos, tais como o de uma cidadania planetária, antes circunscritos aos movimentos sociais organizados e assessorados por outras camadas sociais, como os ambientalistas, as mulheres, direitos humanos etc.
Neste novo século, o Brasil está entre os países que capitalizaram a crise se inserindo em nichos do mercado internacional, promovendo fortes políticas de proteção social, com programas sociais interagindo entre alguns movimentos sociais, sindicatos, associações e ações coletivas, e órgãos governamentais, e políticas de recuperação do salário dos trabalhadores. Esta interação se faz via políticas institucionalizadas, e pode ser observada em grandes conferências nacionais e nas políticas focalizadas para segmentos sociais, como os afrodescendentes, ou políticas sobre temáticas sociais, como a alimentação, por exemplo. Todas elas denominam-se políticas de inclusão ou de proteção social, a exemplo do Brasil, Colômbia e México. Em todos os casos, o elemento comum é a territorialização/espacialização das ações coletivas e a tematização dos conflitos sociopolíticos e culturais.
Um panorama dos movimentos sociais neste novo milênio pode ser descrito em torno de 14 eixos temáticos que envolvem as seguintes lutas e demandas, a saber (GOHN, 2012):
Movimentos sociais ao redor da questão urbana, pela inclusão social e por condições de habitabilidade na cidade. Exemplos:
Movimentos pela moradia, expressa em duas frentes de luta: articulação de redes sociopolíticas compostas por intelectuais de centro esquerda e movimentos populares que militam ao redor do tema urbano (o habitat, a cidade propriamente dita). Eles participaram do processo de construção e obtenção do Estatuto da Cidade; redes de movimentos sociais populares dos sem-teto (moradores de ruas e participantes de ocupações de prédios abandonados), apoiados por pastorais da Igreja católica e outras. Os movimentos demandam moradia nas áreas centrais das capitais, melhor transporte público e mais emprego nas regiões periféricas;
Movimentos e ações de grupos de camadas médias contra a violência urbana e demandas pela paz (no trânsito, nas ruas, escolas, ações contra as pessoas e seu patrimônio etc.). Certamente que nós já tínhamos o movimento pelos direitos humanos. Ele teve um papel importante e fundamental desde a luta pela anistia, nos anos 70/80. Mas, atualmente, pelas características, e pelo panorama da sociedade brasileira atual, pelos fatos e acontecimentos recentes na sua conjuntura, o movimento contra a violência nas cidades ganhou força. O movimento contra a violência está sendo organizado em bairros e representam um clamor da sociedade civil na área da segurança pública, na busca de proteção à vida do cidadão no cotidiano. Pesquisas de opinião pública estão demonstrando que a segurança está passando a ser o principal item de demanda da população, mais do que o emprego.
Os movimentos de direitos humanos criaram redes nacionais e estão interligados a redes internacionais como a Anistia Internacional. Já os movimentos contra a violência, nos centros urbanos, são mais focalizados. Têm um caráter diferente, partem de grupos e ações localizadas, motivados por perdas de entes queridos; eles passam a criar redes, mobilizam as associações comunitárias dos bairros – muitas vezes também acuadas pelo medo à violência dos grupos armados organizados de uma região. O movimento contra a violência urbana têm organizado passeatas, manifestações de rua etc. O próprio movimento estudantil, que entra e sai da cena pública constantemente, tem tido um papel importante no movimento antiviolência, em campanhas como pelo desarmamento da população, por exemplo.
Mobilizações e movimentos de recuperação de estruturas ambientais, físico- espaciais (como praças, parques), assim como de equipamentos e serviços coletivos (área da saúde, educação, lazer, esportes e outros serviços públicos degradados nos últimos anos pelas políticas neoliberais); ou ainda mobilizações de segmentos atingidos pelos projetos de modernização ou expansão de serviços.
Mobilização e organização popular em torno de estruturas institucionais de participação na gestão política-administrativa da cidade:
Orçamento Participativo e Conselhos Gestores (saúde, educação, assistência social, criança e adolescente, idoso).
Conselhos da Condição Feminina, Populações Afrodescendentes etc.
Conselhos e vários fóruns ao redor da questão da alimentação, a exemplo do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea).
Observa-se na lista acima uma ampliação das formas de gestão deliberativas, criando inúmeras inovações no campo da participação popular democrática, como a participação via eletrônica; assim como construiu e/ou redesenhou o formato de várias políticas sociais com a generalização do uso de grandes conferências nacionais coopatrocinadas pelos órgãos públicos. A institucionalização de canais e práticas da sociedade civil, em sua relação com a sociedade política, produziu também novos movimentos sociais,a exemplo de alguns criados a partir da conjuntura atual, articulados com ONGs, voltados para as questões relativas à democratização do Estado ou das políticas públicas, a exemplo do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral-MCCE, no Brasil. Para Tapia (2009) para entender a construção e a dinâmica do sujeito nas lutas e movimentos sociais na atualidade, na América Latina, temos que entender as novas políticas institucionalizadas da região.
Movimentos pela educação, agrupados em dois grandes blocos:
Educação formal:
Educação não formal.
Movimentos ao redor da questão da saúde, tais como:
Sistema Único de Saúde (SUS);
Conferências nacionais, estaduais e municipais da saúde;
Agentes comunitários de saúde;
Portadores de necessidades especiais;
	Portadores de doenças específicas: insuficiência renal, lúpus, parkinson, mal de Alzheimer, câncer, doenças do coração etc.
Movimentos de demandas na área dos direitos:
humanos: situação nos presídios, presos políticos, situações de guerra etc.;
culturais: pres
ervação e defesa das culturas locais, patrimônio e cultura das etnias dos povos.
Mobilizações e movimentos sindicais contra o desemprego.
Movimentos decorrentes de questões religiosas de diferentes crenças, seitas e tradições religiosas.
Mobilizações e movimentos dos sem-terra, na área rural e suas redes de articulações com as cidades via participação de desempregados e moradores de ruas, nos acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST); movimentos dos pequenos produtores agrários, as quebradeiras de coco do Nordeste etc.
Movimentos contra as políticas neoliberais:
Mobilizações contra as reformas estatais que retiram direitos dos trabalhadores do setor privado e público;
Atos contra reformas das políticas sociais;
Denúncias sobre as reformas que privatizam os órgãos e aparelhos estatais.
Grandes fóruns de mobilização da sociedade civil organizada: contra a globalização econômica ou alternativa a globalização neoliberal (contra Alca, por exemplo); o Fórum Social Mundial (FSM), iniciativa brasileira, com dez edições ocorridas no Brasil e no exterior; o Fórum Social Brasileiro, inúmeros fóruns sociais regionais e locais; Fóruns da Educação (Mundial, de São Paulo); Fóruns Culturais (jovens, artesões, artistas populares etc.). São os movimentos transnacionais– uma das novidades na mobilização da sociedade civil neste milênio. Retomaremos este ponto.
Movimento das cooperativas populares: material reciclável, produção doméstica alternativa de alimentos, produção de bens e objetos de consumo, produtos agropecuários etc. Trata-se de uma grande diversidade de empreendimentos, heterogêneos, unidos ao redor de estratégias de sobrevivência (trabalho e geração de renda), articulados por ONGs que têm propostas fundadas na economia solidária, popular; organizam-se em redes solidárias, autogestionárias. Muitas dessas ONGs têm matrizes humanistas, propõem a construção de mudanças socioculturais de ordem ética a partir de uma economia alternativa que se contrapõe à economia de mercado capitalista.
Mobilizações do Movimento Nacional de Atingidos pelas Barragens, contra a construção de hidroelétricas e usinas – a exemplo do Belo Monte, implantação de áreas de fronteiras de exploração mineral ou vegetal etc.
Movimentos sociais no setor das comunicações, a exemplo do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).
Movimentos pela Ética na Política. Criados nos anos de 1990, ele foi pontual e teve importância decisiva em certas conjunturas. Neste novo século ele ressurge em demandas localizadas como o Movimento Ficha Limpa (em relação aos candidatos às eleições), e está na base de várias marchas e atos de protesto que têm se expandido e tomado vulto na América Latina e na Europa – o Movimento dos Indignados! Até o momento, os “Indignados” estão muito tímidos no Brasil.
A repolitização dos movimentos sociais
Ao final da primeira década deste século, a crise financeira global dará suporte para o nascimento de novos movimentos sociais, tanto no mundo ocidental (Occupy Wall Street e Indignados na Europa), como no Oriente (Primavera Árabe e outros). Os movimentos e mobilizações sociais mudaram novamente seus territórios e o eixo de seus repertórios discursivos. Passaram da antiglobalização (ou alterglobalização) para a negação da globalização e seus efeitos sobre a economia e o social, especialmente após a crise econômico-financeira de 2008. Estão tomando escala global como o Movimento de Indignados contra a globalização. A indignação, categoria que pode ser analisada em vários planos, especialmente no da moral, dos valores, da ética e da justiça social, tem ganho centralidade nas ações coletivas dos jovens e atuado como um dos principais parâmetros de avaliação dos comportamentos dos grupos dominantes – tanto econômicos como os políticos. Eles estão reformulando a pauta das demandas, de demandas identitárias, para demandas grupais focadas em problemas da vida cotidiana – emprego, finanças/salário, dívidas, serviços sociais como educação e saúde, terra para viver e plantar (demanda já secular, agora em confronto com o agronegócio e outros) etc. Eles estão politizando as demandas socioeconômicas e políticas, independente de estruturas partidárias.
Resulta do novo cenário em que movimentos sociais voltaram a ter visibilidade e centralidade no século XXI, como atores que pressionam por processos de mudança social e reinventam as formas de fazer política. Eles também se transformaram bastante, realizaram deslocamentos em suas identidades e incorporaram outras dimensões do pensar e agir social. Alteram seus projetos políticos. Mas como são muitos e heterogêneos, parte deles fragmentou-se, perdeu ou redefiniu sua identidade, ideias e pontos de vistas centrais, alterando o projeto e a cultura política existente. Outros se redefiniram segundo as mudanças de outros atores sociais em cena. Ou, ainda, aproveitaram brechas e se conectaram com as possibilidades dadas pela globalização econômica (geradora de resistências e protestos) e cultural (geradora de novas sociabilidades, novas interações e aprendizagens baseadas na pedagogia do exemplo – aprender via observação – nos grandes eventos transnacionais, ou via conexão na rede internet). O perfil dos participantes alterou-se de militante para ativista. As marchas tornaram-se o modelo básico de protesto. As redes sociais substituíram os ‘muros de Paris’, como divulgadores das demandas, palavras de ordem e articuladora das ações em si, lembrando e comparando com 1968.
Para finalizar este texto, registre-se que a pauta de debates acadêmicos, nos últimos anos, especialmente no Brasil, esteve mais focada em torno das políticas públicas, trazendo preocupações muito mais relacionadas com a “institucionalização” das práticas coletivas civis que os “novos” atores de movimentos sociais apresentam, agora incorporados à lógica política institucionalizada, bem como com temáticas sobre as novas formas de gestão social e às formas de participação política no âmbito de diferentes instâncias estatais. Entretanto, usualmente nestes debates, os novos atores apareceram desligados de uma dimensão associativa que os enquadrem em cenários de conflitualidade política e social; criadores de instâncias coletivas de ação em constante ressignificação e em eventual situação de antagonismo perante o cenário político institucional. Outras mudanças podem ser destacadas nas interpretações contemporâneas sobre os movimentos sociais, tais como: o questionamento dos paradigmas e teorias hegemônicas não só dos movimentos sociais, mas das teorias sociológicas, políticas e democráticas; Neste debate recuperam-se os termos do debate dos anos de 1990 que ocorreu na Europa em relação ao tema da colonização, especialmente na Àfrica (SPIVAK, 2008). O que muitas dessas análises não tem considerado é a questão das classes sociais, pois elas filiam-se a modelos pós-modernos de explicação da realidade social, e desconsideram as explicações estruturais mais amplas.
CONCLUSÕESE DESAFIOS
Este texto fez um resgate do processo de construção da cidadania no Brasil nos últimos 30 anos. As formas novas de cidadania refletem um novo momento e um modelo na trajetória do associativismo brasileiro. Destacamos neste associativismo o papel dos movimentos sociais. Observa-se que alguns movimentos voltaram a ter visibilidade e centralidade, como atores que pressionam por processos de mudança social. Eles também se transformaram bastante, realizaram deslocamentos em suas identidades e incorporaram outras dimensões do pensar e agir social. Alteram seus projetos políticos. Mas como são muitos e heterogêneos, parte deles fragmentou-se, perdeu ou redefiniu sua identidade, ideias e pontos de vistas centrais, alterando o projeto e a cultura política existentes. Outros se redefiniram segundo as mudanças de outros atores sociais em cena. Ou, ainda, aproveitaram brechas e se conectaram com as possibilidades dadas pela globalização econômica (geradora de resistências e protestos) e cultural (geradora de novas sociabilidades, novas interações e aprendizagens baseadas na pedagogia do exemplo – aprender via observação – nos grandes eventos transnacionais, ou via conexão na rede internet). Os exemplos principais destas últimos é o movimento antiglobalização, também chamado de altermundialistas ou alter- globalização, ou ainda transnacionais (DELLA PORTA; TARROW, 2005). Registre-se, entretanto, a heterogeneidade das formas de movimentos sociais.
Nossas análises destacam o caráter educativo das ações coletivas, organizadas sob a forma de movimentos sociais, a ampliação deste cenário associativo para além da sociedade civil – adentrando em novas esferas públicas, a exemplo dos conselhos e conferências nacionais, e o surgimento de novos formatos deste associativismo, que trabalha agora essencialmente em rede. O Estado transformou suas relações com a sociedade civil organizada, impulsionando políticas públicas participativas – muitas delas coordenadas ou com a participação de antigas lideranças oriundas de movimentos sociais. A busca da institucionalização de práticas – antes autônomas, tornou-se uma constante. Novo marco regulatório oficial possibilitou a criação de inúmeras inovações no campo da gestão democrática, e o leque de entidades e associações atuando no campo da educação, especialmente na educação não formal, cresceu bastante.
Disso tudo resulta um cenário contraditório no qual convivem entidades que buscam a mera integração dos excluídos por meio da participação comunitária em políticas sociais exclusivamente compensatórias; com entidades, redes e fóruns sociais que buscam a transformação social por meio da mudança do modelo de desenvolvimento que impera no país, inspirados num novo modelo civilizatório onde a cidadania, a ética, a justiça e a igualdade social sejam imperativos, prioritários e inegociáveis.
Há muitos desafios a serem enfrentados. Como meta geral precisamos alterar a cultura política de nossa sociedade (civil e política) ainda fortemente marcada pelo clientelismo, fisiologismo e por diversas formas de corrupção; reestruturar a cultura administrativa de nossos órgãos públicos ainda estruturados sobre os pilares da burocracia e do corporativismo; contribuir para o fortalecimento de uma cultura cidadã que respeite os direitos e deveres dos indivíduos e coletividades, pois a cidadania predominante se restringe ao voto e é ainda marcada pelas heranças coloniais da subserviência e do conformismo.
No plano da pesquisa, precisa-se desenvolver indicadores socioculturais e sociopolíticos que possam analisar e avaliar, atuações e políticas sociais, dos novos sujeitos contemporâneos que se mobilizam. Os indicadores, critérios, e categorias que são utilizados, são herança e herdeiros, na maioria das vezes, de uma ciência social já superada, que não responde mais às necessidades da atualidade. São indicadores econômicos, quantitativos, criados quando não havia o desenvolvimento das novas tecnologias – que estão revolucionando o mundo das comunicações, das relações sociais entre as pessoas, e as ações coletivas dos movimentos. Por isso, recentemente publicamos um artigo na revista Cult denominado “A revolução será tuitada!”.
Em resumo: o compromisso ético e a opção pelo desenvolvimento de propostas que tenham por base a participação social via o protagonismo da sociedade civil, exige uma clara vontade política das forças democráticas organizadas para a construção de uma nova sociedade. É preciso que se respeitem os direitos de cidadania e aumente progressivamente os níveis de participação democrática de sua população nos espaços públicos, consolidados em instituições que dão forma aos direitos humanos e ao exercício da participação cidadã, presentes nos conselhos, plenárias, fóruns e outras possíveis instituições a serem inventadas. Tudo isto compõe o universo da temática: movimentos sociais e cidadania. Concluímos, lembrando um alerta de Rancière, quando critica as formas de participação não emancipadoras, formas criadas apenas para estabelecer consensos e controles, dizendo que nestes casos a participação política é confundida com o consenso e a política deixa de ser “a reivindicação da parte dos que não têm parte, a uma intervenção de expediente” (RANCIÈRE, 1995).
Submetido em 3 de dezembro de 2012 e aceito para publicação em 30 de setembro de 2013.
Referências
DELLA PORTE, Donatella; TARROW, Sidney. Transnational protest and global activism (Org.). London: Rowman& Littlefield, 2005.
GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e redes de mobilizações civis no Brasil contemporâneo. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2012a.
RANCIÉRE, Jacques. Políticas da escrita. São Paulo: 34, 1995.
SPIVAK, Gayatri C. Estudios de la subalternidad. In: SPIVAK et al. Estudios postcoloniales. Ensayos fundamentales. Madri: Queimadas Graficas, 2008.
PAIVA, Angela R. Direitos, desigualdade e acesso à Educação Superior”, Relatório de Pós-Doc. Pesquisa. Campinas: Unicamp, 2012
TAPIA, L. Movimientos sociales, movimientos societales y los no lugares de la política. Cuadernos del Pensamiento Crítico Latinoamericano, n. 11, Buenos Aires: Clacso, 2009.
MOVIMENTOS SOCIAIS E SERVIÇO SOCIAL:
termos do debate
O FUNDAMENTO PARA OS MOVIMENTOS SOCIAIS
As configurações atuais do Estado Brasileiro, submetido aos interesses do capital monopolista e às orientações neoliberais, colocam a necessidade de reflexão acerca da importância dos movimentos sociais no enfrentamento das problemáticas originadas a partir dessas configurações, considerando que tais problemáticas são entendidas no âmbito das análises críticas da realidade social do Brasil, como expressões da questão social.
O entendimento da questão social enquanto “conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura”, (IAMAMOTO, 2005, p.27) significando a contradição fundamental onde se coletiviza cada vez mais a produção social, ficando o trabalho cada vez mais social enquanto a apropriação do que foi produzido continua privada e monopolizada, remete as origens do sistema do capital e as transformações históricas ocorridas, levando a compreensão das formas de expressão dessa contradição na sociedade contemporânea.
Marx (s/d, p.12) aponta o processo de construção do sistema capitalista a partir do momento histórico que separa o trabalho de suas “condições exteriores indispensáveis”. Ou seja, o trabalhador renuncia a propriedade do produto de seu trabalho porque nada possui além de sua força física e o capitalista possui essas condições exteriores indispensáveis: matéria prima, instrumentos. Dessa forma fica explícita a separação radical entre produtor e meio de produção, separação esta que se constituiu elemento fundante do sistema capitalista. Quanto ao movimento histórico, “a ordem econômica capitalista” sai da ordem econômica feudal. O trabalhador para poder vender sua força de trabalho não pode mais estar ligado terra, como no sistema feudal, convertendo-se então de produtores a assalariados. Mas o processo de conversão dessesprodutores em “vendedores de si mesmos” é mais profundo. Eles só irão vender-se “depois de terem sido despojados de todos seus meios de produção e de todas as garantias de existência oferecidos pela antiga ordem de coisas” (p.12), o denominado processo de expropriação, transformando os meios de produção individuais (dispersos) em meios de produção socialmente concentrados.
Tem-se nesse processo a divisão de classes na sociedade capitalista em sua estruturação básica: detentores dos meios de produção e vendedores da força de trabalho que vão estar em constante conflito, na medida em que possuem interesses divergentes e necessitam conquistar a hegemonia em seus projetos de classe. É nesse contexto de luta de classe que precisam ser entendidos os movimentos sociais, na medida em que são movimentações que buscam consolidar projetos de classe.
Nessa configuração é possível situar o fundamento teórico e político dos movimentos sociais dentro da ordem capitalista no conflito de classes. Ou seja, existe movimento social porque existem classes sociais e essas classes estão em conflito. Dessa forma, o movimento social é uma das formas de organização da luta, uma tentativa de questionar ou legitimar determinado projeto societário, seja da classe detentora dos meios de produção ou da classe vendedora da força de trabalho.
Montaño e Duriguetto (2011) vão discutir essa relação entre movimento social e luta de classes, especialmente a partir do entendimento acerca de consciência, que segundo eles,
[...] é determinada pela realidade social, e ela é condição para sua transformação. A objetividade (da realidade existente) e a subjetividade (dos sujeitos que dela fazem parte) unem-se num único processo. A mera vivência das pessoas sobre a(s) realidade(s) sociais determina um tipo de consciência, mas esta última pode se desenvolver de diversas formas e níveis, em função do tipo de inserção e apreensão na/da realidade, individual, grupal ou humano-genérica. (2011, p.98)
A consciência pode ser entendida assim, como o ponto de partida no processo de organização nos movimentos sociais, mas conforme destacado pelos autores pode-se falar em níveis de consciência, que vão desde a consciência individual e imediata, até a de classe, passando nesse processo pela reivindicatória e sindical.
Em relação aos movimentos sociais, ganha importância o que os autores denominam como consciência reivindicatória e sindical e especialmente a consciência de classe. No que diz respeito à primeira, ela pode ser entendida como um primeiro esforço no rompimento com a alienação, desenvolvendo uma crítica que parte do concreto vivido pelos sujeitos, sem desvelar os significados disso dentro das leis do capital. (MONTAÑO e DURIGUETTO, 2011, p.103)
Na vida cotidiana, na fábrica ou outros espaços coletivos, ao se relacionarem entre si e constituírem grupos, os indivíduos percebem a identidade de suas situações. A situação percebida como individual agora é vista como coletiva, comum. Ao identificar as semelhanças nas condições de vida, ou de algum aspecto dela, os indivíduos podem desenvolver uma identidade e uma consciência reivindicatória, que deriva numa ação grupal reivindicatória. (MONTAÑO e DURIGUETTO, 2011, p.103, grifo dos autores).
Poderíamos destacar que alguns dos movimentos sociais na contemporaneidade estão estruturados a partir desse nível de consciência, que contribui no rompimento com a alienação da consciência individual, mas por outro lado não avança no sentido de questionar a ordem burguesa, limitando-se a busca por melhores condições de vida, por direitos básicos sem o questionamento das raízes da contradição que está posta.
Contudo, o que mais nos interessa nessa discussão acerca de consciência, é o que os autores citados denominam como consciência de classe, ou seja, a superação tanto da consciência individual quanto da consciência reivindicatória possibilitando o conhecimento do que é denominado “fundamentos da vida social em uma dada época” (MONTAÑO e DURIGUETTO, 2011, p.110). Assim mesmo que a consciência reivindicatória traga contribuições para a organização de movimentos sociais (e podemos criticamente apontar desde já que a maioria dos movimentos sociais na contemporaneidade está limitada a esse nível de consciência), é a consciência de classe que vai possibilitar que o movimento social alcance efetivamente sua motivação ontológica, a consolidação de determinado projeto societário, tornando-se imperativo destacar nessa reflexão que os movimentos sociais podem caminhar tanto no sentido de avanços quanto de retrocessos.
Assim, independente da direção que assumam, quer de questionamento e superação da (des) ordem capitalista, quer da manutenção da mesma, os movimentos sociais estão fundamentados no conflito de classes, na disputa por projetos societários diferenciados.
Nessa leitura, o Serviço Social qualquer que seja o lócus onde esteja inserido, pode ter como referência questões relativas aos movimentos sociais. O trabalho profissional do assistente social desenvolve-se na sociedade capitalista contemporânea, ou seja, na sociedade onde o conflito de classes é um elemento (des)estruturante. Dessa forma, se os movimentos sociais se fundamentam ontologicamente no conflito de classes, e se o Serviço Social desenvolve sua práxis a partir da sociedade organizada dentro desse conflito, temos intersecções evidentes entre o trabalho do assistente social e os movimento sociais.
CLASSE TRABALHADORA, MOVIMENTO SINDICAL E ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DO SERVIÇO SOCIAL
As transformações do mundo do trabalho e seus impactos nas relações de trabalho e na organização sindical são temas aborda- dos nos artigos pós-segunda metade da década de 1990. Os artigos explicitam a complexidade das formas de uso, contratação e dispensa da força de trabalho ensejada pelo padrão de acumulação flexível, que produziram uma maior heterogeneidade da classe trabalhadora. Um artigo, em específico, trata da configuração das lutas sociais no contexto atual da crise do capital, explicitando as principais linhas do debate da configuração dos sujeitos, instrumentos organizativos e projetos societários. No campo da análise das lutas sindicais, há reflexões que debatem a estratégia da redução da jornada de trabalho, em que encontramos posições de que essa luta efetiva conquistas para os trabalhadores e posições que destacam a lógica reformista dessa estratégia, por abandonar o debate e as ações que visem a superação da sociedade de classes.
Há análises do chamado “novo sindicalismo” e dos impactos regressivos dos ajustes neoliberais para a ação sindical. É explicitado que, pós anos 2000, tem-se o desenvolvimento de uma postura adesista dos sindicatos, antes vinculados a um projeto de classe, à lógica governista. Os artigos apresentam a necessidade do retorno ao sindicalismo combativo, que defenda os reais interesses da classe trabalhadora e que desenvolva ações na direção da emancipação humana.
Encontramos significativas reflexões acerca da relação entre Serviço Social e as lutas sindicais. O contexto dos finais dos anos 1970 de rearticulação dos movimentos e do “novo sindicalismo” são analisados como impulsionadores dos assistentes sociais a se organizarem dentro dos sindicatos. São tematizados: o contexto histórico do III Congresso Brasileiro dos Assistentes Sociais, em 1979; a rearticulação dos movimentos sociais; processo de abertura política; vinculação da vanguarda profissional com as lutas sociais; influência da tradição marxista na profissão. É explicitado que o processo que se iniciou a partir do “congresso da virada” e a articulação e aproximação com os movimentos sociais e os sindicatos constituiu um marco para o desenvolvimento do projeto ético-político profissional nos anos 1990. É neste processo que os artigos analisam o debate pela extinção dos sindicatos por setor profissional e pelo estímulo à criação dos sindicatos por setor econômico, bem como o processo de criação da Confederação Nacional dos Assistentes Sociais (Fenas). Explicitamque esta entidade representa um retrocesso, uma vez que pode contribuir para uma maior fragmentação das demandas profissionais, tornando-as corporativistas.
Também encontramos reflexões acerca da luta desenvolvida pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) em relação à jorna- da das 30 horas para os assistentes sociais; da centralidade da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) e do CEFESS na constituição do projeto ético-político profissional. Um artigo abordou o movimento estudantil no Serviço Social (MESS) e as relações da Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (ENESSO) com o movimento estudantil nacional e a importância deste espaço para a consolidação do projeto ético-político profissional.
CONSELHOS DE DIREITO, FÓRUNS TEMÁTICOS E MOVIMENTOS SOCIAIS
A tematização dos conselhos gestores de políticas públicas é central nas produções a partir da segunda metade dos anos 1990. A maioria das análises aborda os conselhos como uma conquista dos movimentos sociais, que objetiva conferir níveis crescentes de publicização no âmbito das políticas sociais.
Em outras análises (principalmente na área da saúde e assistência social), parte-se da contextualização da agenda de contrarreformas do Estado e seus impactos regressivos na constituição das políticas sociais e, não obstante a positividade da novidade conselhista, são problematizadas questões relativas à centralização do poder no executivo e sua capacidade para neutralizar, impedir e desarticular a ação dos conselhos; diluição dos conflitos e dos enfrentamentos; sua natureza setorial e fragmentada; tendência à burocratização dos processos participativos; decisões tomadas sob o crivo corporativista; sonegação de informações relativas ao orçamento, dentre outros. E, como proposições, destacam-se a necessidade de uma maior articulação entre os conselhos e maior participação dos movimentos sociais e entidades que representem os interesses populares; maior controle dos representados sobre os conselheiros; formação e qualificação dos conselheiros e publicização de suas ações.
Há artigos que enfatizam, partindo da análise gramsciana da relação entre Estado e sociedade civil, que o controle social exercido pelos conselhos deverá ser norteado por um projeto societário das classes subalternas e pela busca da construção de uma nova hegemonia.
Outras análises destacaram o surgimento de novos mecanismos de controle democrático como os fóruns e a frente nacional contra a privatização da saúde, que têm exercido pressão sobre os mecanismos institucionais de controle social - conselhos e conferências - para que se posicionem contra os novos modelos de gestão na saúde.
Há análises que se centraram na criação do I Fórum Social Mundial, caracterizado como um espaço de reação à globalização neoliberal e de denúncia e resistência ao capitalismo.
Em relação aos movimentos sociais, encontramos sua tematização em reflexões que se ativeram na constituição e caracterização de suas lutas específicas. Uma reflexão abordou o processo histórico de constituição dos movimentos sociais em favelas, que reivindicam junto ao Estado o atendimento de suas demandas. É neste contexto que surgem as associações de moradores como mediadoras entre as lutas da população e o Estado, vindo a se constituírem no conduto institucional por intermédio do qual a população se expressa e faz valer seus interesses em face ao Estado. As associações também vêm se constituindo em operadoras de programas sociais, o que contribui para a legitimidade governamental perante a população. A consequência desta relação é que as associações não recorrem mais à participação da população para conquistar os benefícios almejados, passando agora a vigorar o prestígio de seus dirigentes junto ao poder público, configurando novas formas de clientelismo e de perda da autonomia.
O movimento estudantil é abordado no contexto histórico de Maio de 1968, sendo analisado como uma forma de resistência contra as práticas discriminadoras, opressivas e autoritárias, configurando um novo estilo de mobilização e contestação social. Suas pautas rei- vindicativas não se restringiram às do trabalho e da luta de classes, mas na cultura, na luta pela democracia, na contestação do modelo hierárquico autoritário de família e as expressões da sexualidade. Outros três movimentos foram abordados: os Sem-teto nos Estados Unidos, o Movimento Indígena no México e o Movimento Feminista. Neste, foram tematizadas as lutas das mulheres em expor e modificar suas condições de opressão e de pouco acesso aos direitos políticos.
SOCIEDADE CIVIL E O DEBATE DO “TERCEIRO SETOR”
Neste eixo, os artigos desenvolvidos a partir da década de 1990 abrangem temáticas referentes ao chamado processo de “onguização”; aos diferentes significados e papéis atribuídos ao chama- do “terceiro setor”. As abordagens destacam a emergência e o desenvolvimento do “terceiro setor” como parte da estratégia neoliberal de redução de gastos sociais pelo Estado, passando à sociedade civil – transmutada em “terceiro setor” - a função de dar respostas às diversas expressões da questão social. Em sintonia com as políticas neoliberais, as ONGs configuraram uma estratégia de transferir para a sociedade a atribuição de atividades próprias do Estado.
Mas há abordagens que incorporam o conceito de “terceiro setor” como um conjunto de organizações e iniciativas privadas que visam à produção de bens e serviços públicos. As ONGs, em algumas análises desenvolvidas nos artigos publicados na década de 1980, são analisadas como novos canais institucionais de participação das classes médias na esfera pública, exercendo as funções de articulação de interesses e demandas dos setores populares nas arenas institucionais e de confronto e negociação dos conflitos sociais.
Há reflexões que abordam os diferentes significados e papéis atribuídos à sociedade civil presentes no debate acadêmico e nos projetos prático-políticos. Objetiva-se resgatar a categoria sociedade civil tal como a formula o marxista italiano A. Gramsci, que a conceitua como uma esfera da disputa de projetos societários pelas organizações e movimentos das classes sociais. Este resgate vem para se contrapor à transformação ideológica da sociedade civil em “terceiro setor” como esfera da ação “solidarista”, filantrópica, voluntária.
Também encontramos tematizações acerca do “novo associativismo”, fenômeno que se desenvolveu nos anos 1990 no cenário de organização e de manifestações populares contra o desemprego e privatizações de empresas estatais. É ressaltado que os fenômenos associativos foram construídos a partir da mobilização da população organizada em redes interativas e apresentam perfil político-ideológico plural, não surgem de processos de mobilização de massa, mas de processos de mobilizações pontuais conforme a causa em que os atores coletivos se identificam. Neste contexto, ressalta-se a identificação com um campo de análise dos movimentos sociais - tidos como “associativismo civil” - baseada em conceitos como identidade coletiva e política e redes sociais. Defende-se que as diferentes formas de associativismo articulam-se por critérios identitários na esfera pública gerando a formação de um ativismo fundamentado nos valores da democracia, da solidariedade e da cooperação entre os excluídos.
O acelerado crescimento do “terceiro setor” a partir da década de 1990 é apreendido como demanda emergente para atuação do Serviço Social. Há referência em relação à análise da experiência do Serviço Social numa ONG, em que a questão central é a contradição no que diz respeito ao fato dos assistentes sociais reconhecerem o espaço das ONGs como esvaziamento dos direitos sociais, ao mesmo tempo em que, enquanto um trabalhador assalariado, não tem condições de recusar sua inserção nesse campo sócio-ocupacional. É salientada a necessidade de os assistentes sociais perspectivarem estratégias de atuação que assegurem a defesa e a reivindicação dos direitos sociais nesses espaços.INTERVENÇÃO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL NOS MOVIMENTOS E ORGANIZAÇÕES POPULARES
Nos artigos que versam acerca da intervenção do assistente social nos processos de mobilização e organização popular, produzidos entre 1979-1996, são evidenciados alguns eixos de propostas interventivas como educação popular; assessoria aos movimentos sociais; e a função de intelectual orgânico do assistente social. No campo da educação popular, as reflexões consideram que o assistente social deva assessorar as organizações das classes subalternas nas conquistas de direitos de cidadania por meio da troca de conhecimentos e experiências com a população com a qual se trabalha para a construção do “saber popular”. As reflexões apontam que é necessário que os profissionais se aproximem dos movimentos sociais, colocando-se “a serviço” deles, se colocando como agentes da “educação popular”. Incorpora-se a categoria de “intelectual orgânico”, de Gramsci, para a compreensão do assistente social como “organizador”, “dirigente” e “técnico”, destacando o papel do agente profissional na sua dimensão propriamente política.
No período 1996-2013, encontramos um artigo que trata da intervenção dos assistentes sociais nos conselhos, particularmente no da assistência social, em que se defende a necessidade de uma intervenção mais qualificada dos profissionais no campo político – em que deve impulsionar e ampliar o movimento social que se organiza em torno da defesa da política social; e teórico - adensar a produção teórica articulada à análise de tendências macrossocietárias para a criação de estratégias de intervenção.
Dois artigos abordam a metodologia da educação popular, explicitando os elementos centrais que a fundam com base na contribuição de Paulo Freire. Discorrem sobre a adoção, pelo assistente social, da “metodologia” da educação popular na intervenção - valorização do saber popular, mediante o respeito à autonomia dos sujeitos e construção com eles de alternativas de intervenção - e no espaço da formação profissional. Um dos artigos exemplifica esta incorporação em uma experiência extensionista no campo da saúde.
Os cinco eixos temáticos explicitados ao logo deste artigo podem ser visualizados abaixo de acordo com o número de produções.
MOVIMENTOS SOCIAIS E SERVIÇO SOCIAL
A partir das reflexões anteriores, temos que os movimentos sociais na sociedade capitalista estão vinculados à disputas em torno de projetos societários. Nesse contexto, e fazendo o recorte de Brasil, os movimentos sociais se desenvolvem a partir de diversas peculiaridades, sendo possível a partir de Gohn (2011), Montaño e Duriguetto (2011) e Abramides e Duriguetto (2014) marcar três grandes dimensões nesse desenvolvimento. Faz-se necessário apontar que essas dimensões não significam momentos estáticos ou tipologia de movimentos sociais, visto que tal entendimento poderia apontar uma reflexão conservadora que categoriza e hierarquiza movimentos sociais.
Trata-se antes de uma tentativa de buscar entender algumas distintas configurações históricas periódicas acerca dos movimentos sociais no Brasil.
Inicialmente destaca-se o que podem ser denominados como movimentos sociais clássicos. Esses movimentos estavam diretamente relacionados a disputas diretas da classe trabalhadora e envolvia a organização em sindicatos, e no caso brasileiro a vinculação a associações internacionais de trabalhadores. Os movimentos sociais assim chamados clássicos tinham como característica base a organização em torno de objetivos claramente definidos e que apontavam para as reivindicações dos trabalhadores. Esses movimentos vão se desenvolver no Brasil especialmente nas primeiras décadas do século XX, sendo impulsionados pelo próprio desenvolvimento do modo de produção capitalista, que se expandia no país a partir da incorporação de formas industriais de produção e da superação de um modelo agrário-exportador.
Os assim chamados movimentos sociais clássicos representam, portanto, a organização dos trabalhadores em torno de demandas coletivas, buscando assim garantir direitos para a classe trabalhadora. São movimentos significativos porque apresentam por assim dizer uma unidade em torno da definição de objetivos, quais seja garantir direitos para os trabalhadores. Esses movimentos vão pressionar e questionar o que estava estabelecido.
Contudo, o Governo Getúlio Vargas vai incorporar essas demandas e reivindicações e respondê-las na forma de benefícios, o que vai representar como rebatimentos a desmobilização das organizações de trabalhadores, especialmente os sindicatos, que de organizações classistas e combativas passam a compor a estrutura do governo e, portanto, amarrados as determinações deste, sem legitimidade para questionar o que vai ser colocado e sem representatividade junto aos trabalhadores.
A segunda dimensão que poderíamos destacar diz respeito aos chamados novos movimentos sociais e que vão se desenvolver no Brasil especialmente nos anos finais da Ditadura Militar e que vão atingir seu auge na década de 1980. Esses movimentos referem-se a formas coletivas de organização especialmente para as reivindicações de direitos. Essas formas de organizações vão buscar estratégias para mobilizar grupos historicamente excluídos do acesso a direitos, vítimas de preconceito, discriminação, componentes das chamadas “minorias sociais” na busca por visibilidade, denúncia de desigualdades, e efetivamente garantia de direitos. Pode ser apontado como alguns desses movimentos, o Movimento Feminista, Movimento LGBTT, Movimento Ambientalista, entre outros. Tais movimentos vão ter como característica principal (evidente que reservadas as peculiaridades de cada um) a organização reivindicatória.
A Constituição de 1988, marco regulatório dos direitos sociais no Brasil paradoxalmente vai contribuir também para a desmobilização desses movimentos, que estavam articulados para garantia de direitos e uma vez que esses foram estabelecidos em lei, fragmenta as lutas imediatas. Associado a isso, e não menos importante tem-se a vinculação, que pode ser apontada como explicita do Estado brasileiro a Doutrina neoliberal, chamando a dita sociedade civil para a ação social, o que tem como consequência direta um panorama de institucionalização das lutas sociais.
No século XXI pode-se analisar que os movimentos sociais clássicos encontram-se enfraquecidos, assim como os novos movimentos sociais estão fragmentados, com lutas pulverizadas e sem orientação política definida.
Nesse contexto surgem os chamados novíssimos movimentos sociais, os quais são caracterizados por ações pontuais, imediatas e que se desenvolvem especialmente a partir da organização nas redes sociais e com a participação maciça de jovens. Entre essas ações é possível destacar ainda as lutas por liberdade de expressão, as ocupações de espaços públicos para questionar posicionamentos políticos e econômicos dos governos e as marchas e protestos.
De acordo com Gohn (2014) esses movimentos caracterizam-se entre outros elementos, por sua heterogeneidade e pela ausência de partidos políticos e sindicatos.
A priori, observa-se um novo cenário econômico e sociopolítico, em que marchas, ocupações e manifestações voltaram a cena em diferentes partes do mundo globalizado. Elas negam a política e o comportamento antiético de muitos políticos; protestam contra a exclusão socioeconômica e a de categorias sociais, como os próprios jovens. (GOHN, 2014, p.19)
Considerando o breve, e porque não dizer reduzido, panorama acerca dos movimentos sociais apresentado buscando entender ainda que sinteticamente as caracterizações básicas torna-se possível tratar da relação entre Serviço Social e movimentos sociais.
Historicamente essa relação sempre existiu, na medida em que desde o surgimento e institucionalização da profissão no Brasil, os assistentes sociais desenvolvem ações junto às classes trabalhadoras, ainda que tais ações inicialmente estivessem voltadas para o controle desses.
No surgimento da profissão no Brasil, vinculados aAção Social da Igreja Católica os profissionais apoiavam os movimentos sociais que estavam vinculados a igreja, movimentos que buscavam oferecer aos trabalhadores junto com a formação católica, benefícios e oportunidades diferenciadas.
Aqui já é possível e necessário apontar o primeiro pressuposto referente a relação entre Serviço Social e movimentos sociais. O fato de dizer que a profissão vincula-se aos movimentos sociais não significa dizer que ela é por natureza transformadora e crítica, na medida em que se faz necessário considerar a heterogeneidade dos movimentos, que podem ser conservadores, estruturados para garantir a manutenção da ordem vigente. Ou seja, dizer que o Serviço Social precisa estar ao lado dos movimentos sociais é lugar comum e significa muito pouco se não houver a qualificação dessa presença.
Atualmente, busca-se que profissão caminhe junto aos movimentos sociais que caminham na mesma direção daquela posta pelo projeto ético político profissional, qual seja, a de superação da ordem vigente.
Ainda em relação ao histórico da relação do Serviço Social com os movimentos sociais pode ser apontada a metodologia de desenvolvimento de comunidade, especialmente a partir da década de 1950 como a outra possibilidade de entender a profissão junto aos movimentos sociais. Ainda que a proposta do desenvolvimento de comunidade fosse limitada a perspectiva local, é possível entender que havia nesse cenário uma ênfase a necessidade de organizar-se para o desenvolvimento, e tal organização pode ser entendida como forma de movimento social.
Contudo, é após o chamado Movimento de Reconceituação que a relação entre Serviço Social e Movimento Social vai ser qualificada, inicialmente de forma que pode se dizer equivocada na medida em que se destacava o movimento social como único espaço possível para o trabalho profissional. Tal posicionamento encontrava justificativa em uma apreensão também equivocada do materialismo histórico dialético, compreensão que buscava estabelecer método fechados e determinados para a análise e a intervenção profissional. O amadurecimento teórico da profissão (especialmente a partir dos anos 1980) vai desenhar uma relação também mais madura do Serviço Social junto aos movimentos sociais e que vai apontar os direcionamentos adotados no projeto ético político hegemônico.
O Serviço Social, profissão inserida na divisão sociotécnica do trabalho encontra na questão social, em suas múltiplas formas de expressão, objeto de seu trabalho. Tal questão, se expressa nas mais variadas formas, entre elas, aquelas abordadas pelos movimentos sociais na atualidade (gênero, raça, orientação sexual) que portanto estão no âmbito de trabalho do Serviço Social que tem como princípios fundamentais para o seu exercício, entre outros o reconhecimento da liberdade como valor ético central e a ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade com vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras.
Esse compromisso com as classes trabalhadoras, sempre foi à tônica do discurso da profissão, ainda que em seu surgimento no Brasil, este discurso estivesse legitimando uma atuação comprometida com a reprodução das relações sociais orientadas pela lógica capitalista, buscando apenas a amenização das desigualdades surgidas nessa lógica. No seu processo histórico de desenvolvimento, a profissão foi sendo (re) pensada e (re)construída de forma que o compromisso com as classes trabalhadoras não estivesse apenas no plano do discurso, mas que se tornasse efetivo na atuação cotidiana, nas orientações teóricas e nas concepções ético-políticas, e por isso a profissão vai historicamente definindo os movimentos sociais do lado dos quais irá trabalhar.
Para isso a ampliação do arcabouço legal dos sistemas de garantias de direitos torna-se fundamental e a reflexão crítica acerca da dinâmica da sociedade brasileira, mostra que na legislação do país têm-se uma caminhada histórica no sentido de estabelecer-se a base legal para a garantia de direitos, não se podendo negar o avanço que representaram as mudanças na legislação a partir de 1988, tendo como marco a Constituição da República Federativa Brasileira.
Para o trabalho profissional do assistente social, essa ampliação do arcabouço legal para a garantia de direitos implica em avanços e entre eles, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, e a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), 1993 que vem para regulamentar a política de assistência social e assim garantir o desenvolvimento de programas, projetos, serviços que realmente entendessem a assistência social como direito do cidadão. É preciso mencionar ainda, a Legislação para a Pessoa Portadora de Deficiência (1989/1999) o Estatuto do Idoso, promulgado em 2003, a Lei Maria da Penha (2006) e em 2010, o Estatuto da Igualdade Racial.
A existência de uma legislação que contemple minorias sociais não garante, por si só, condições de igualdade. Todavia, trata-se de um fundamento legal, instrumento na luta para consolidação da cidadania. E é nesse âmbito de consolidação da cidadania, que insere- se a discussão acerca da emancipação, enquanto horizonte ético para as ações de enfrentamento às expressões da questão social
A guisa de síntese, é possível afirmar que o Serviço Social faz uma trajetória histórica para se colocar de fato ao lado dos movimentos sociais, não apenas no plano do discurso mas efetivamente na busca de contribuir com a luta da classe trabalhadora organizada. Na contemporaneidade, a profissão encontra em seu projeto ético político profissional a necessidade de cada vez mais reafirmar a opção por um projeto societário que a transformação da realidade e construção de outra ordem societária. Tais ideais coadunam com a perspectiva dos movimentos sociais críticos, de esquerda, que buscam a superação da ordem vigente.
Trabalhando com movimentos sociais
A dimensão técnico-operativa do trabalho profissional por vezes é relegada a um segundo plano, como se discutir sobre tal dimensão fosse atestar e reproduzir o histórico conservador da profissão. Tal entendimento é extremamente prejudicial a profissão na medida em que exclui possibilidades de compreensão dos limites e potencialidades encontrados no cotidiano profissional. É possível afirmar que as discussões e reflexões que remetem à temática trabalho profissional são profícuas no âmbito do Serviço Social. A categoria profissional busca, particularmente desde o Movimento de Reconceituação, (re) construir sua identidade profissional a partir de uma dimensão técnico-científica, o que implica ocupar-se tanto da análise quanto da intervenção na realidade. Contudo, por razões das quais buscaremos nos aproximar posteriormente e que remetem prioritariamente a negação do que pode ser denominado “tecnicismo”, a categoria profissional produziu pouca literatura acerca da dimensão técnico-operativa do Serviço Social. O trabalho profissional é discutido com ênfase nas dimensões teórico- metodológicas e ético-política mas parece persistir uma lacuna em relação à técnica. Evidente que não se trata da necessidade de manuais, roteiros ou quaisquer outros instrumentos destinados a normatizar procedimentos e técnicas, uma vez que a profissão compreende que a realidade é histórica e, portanto, mutável, dinâmica e flexível, o que torna infrutífero qualquer tipo de “procedimento operacional padrão”. É preciso destacar ainda que as dimensões teórico-metodológicas e ético-políticas, já referidas anteriormente, qualificam a profissão para a intervenção técnico-operativa, contudo na contemporaneidade, evidencia-se a necessidade de uma reflexão que articule tais aspectos do trabalho profissional do assistente social.
É preciso entender que ética, política, teoria e prática são indissociáveis no trabalho profissional. Santos (2012, p.83) destaca:
Tanto a teoria, a ética e a política são indissociáveis da escolha dos meios, como na busca dos meios para tornar ato uma finalidade, são necessáriosinstrumentos e, portanto, habilidade em seu uso. Assim, a formação profissional deve contemplar discussões aprofundadas sobre esse elemento da intervenção, não o restringindo a uma das dimensões – teórica, ética ou política.
Dessa forma, para uma intervenção crítica e qualificada, Santos (2012, p.86) aponta ainda:
Exige-se então, uma formação que contemple uma competência técnica – que saiba operacionalizar os projetos -, uma competência ético-política, que avalie as prioridades e as alternativas viáveis à ação, que analise as correlações de forças e que saiba fazer alianças
– e teórica – que permita a elaboração de análises, inclusive para investigar novas demandas para criar projetos.
Portanto, para pensar a relação do Serviço Social com os movimentos sociais, especialmente na formação, é imprescindível pensar como a profissão constrói sua intervenção nesse espaço.
Trata-se de um espaço socio-ocupacional diverso e do qual, pode- se afirmar que o profissional de Serviço Social encontra-se ausente, por determinantes que referem-se especialmente a desestruturação dos movimentos sociais de forma geral e a necessidade de garantia de condições objetivas para a sobrevivência, o que acaba por afastar os profissionais desse lócus na medida em que não existe recursos financeiros suficientes nos movimentos para a contratação de assistentes sociais.
Mas em determinadas situações, e alguns movimentos melhor estruturados conseguem condições para a contratação do trabalho dos assistentes sociais e então o profissional vai estar dentro do movimento, desenvolvendo ações pautadas pelas demandas do movimento em consonância com o projeto ético-político da profissão.
Contudo, isso parece estar distante da realidade do assistente social no Brasil e a relação da profissão com os movimentos sociais na contemporaneidade parece estar restrita a dimensão da militância. Nesse cenário, a proposta de reflexão-ação que precisa ser feita desde a formação inicial da graduação é discutir as estratégias através das quais o Serviço Social vai trabalhar com a dimensão técnico- operativa junto aos movimentos sociais.
Para fins de aproximação é possível estruturar essas ações em dois momentos distintos: Ações Diretas e Ações Indiretas. Por ações diretas entende-se aquelas desenvolvidas diretamente junto aos movimentos sociais, e por ações indiretas aquelas que se incentivam e encaminham usuários à participação nos movimentos sociais. Essas ações (Diretas e Indiretas) devem apontar para a perspectiva da emancipação, que configura-se para além da ideia de cidadania, liberdade ou igualdade.
Ações Diretas
Os movimentos sociais na contemporaneidade vivenciam desafios marcados pela despolitização e fragmentação de suas lutas, o que acaba por descaracterizar a razão ontológica dos mesmos, qual seja, a luta de classes. Nesse contexto, o Serviço Social tem um compromisso, estabelecido inclusive como competência profissional na Lei que regulamenta a profissão (Lei 8.662 de 1993) que é o de buscar o fortalecimento dos movimentos na garantia de direitos. De acordo com o artigo 4º. Inciso IX da Lei que regulamenta a profissão, constitui-se competência profissional “prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade”.
Contudo, para além do indicativo normativo da legislação, os movimentos sociais são a possibilidade efetiva de fortalecimento da classe trabalhadora para formação de consciência crítica, condição fundamental para a identidade de classe, sem a qual não é possível a superação da ordem vigente.
Estar junto aos movimentos sociais de forma direta configura-se como estratégias para a caminhada no sentido que se explicita nos princípios fundamentais do Código de ética profissional, entre eles o “reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais”.
Nessa construção as ações diretas do Serviço Social junto aos movimentos sociais configuram-se essencialmente como ações que visam o fortalecimento dos mesmos no processo de luta de classes, com vistas a emancipação.
Ações Indiretas
De forma complementar as ações diretas, as ações indiretas do Serviço Social contribuem para o fortalecimento dos movimentos sociais e que pode significar o fortalecimento da luta de classes. Mas o que são essas ações indiretas? Pode-se afirmar que são as estratégias utilizadas pelo assistente social para tornar os movimentos sociais conhecidos e assim contribuir para que os sujeitos participem e se reconheçam nos movimentos.
Conforme Durigueto (2014, p.189)
Essa apreensão pode abrir novos horizontes para o exercício profissional, no sentido de favorecer que nossas ações não se pautem pelo fornecimento de informações que levem a simples adesão dos sujeitos aos programas e projetos institucionais, à individualização do acesso a serviços e políticas que reforçam a perspectiva de subalternização e apassivamento. Mas ao contrário: pode nos abrir a possibilidade interventiva de trabalhar nos sujeitos a busca da construção de estratégias coletivas para o encaminhamento de suas necessidades. Isso demanda, por exemplo, estimulá-los à participação em organizações e movimentos sociais, ou fomentar a criação desses quando inexistem [...] (DURIGUETTO, 2014, P.189)
Assim o profissional não precisa estar diretamente inserido nos movimentos sociais, mas pode a partir de qualquer espaço sócio- ocupacional buscar fortalecer os mesmos, garantindo, por exemplo, que se tenha espaços para a conscientização crítica, que os movimentos tenham voz nos espaços democráticos.
Contudo, talvez a dimensão mais significativa dessas ações indiretas parece estar ligada a compreensão pelo profissional de que o atendimento não se esgota na concessão de benefícios, de encaminhamentos para programas sociais, ou mesmo na garantia de direitos através da judicialização. Os atendimentos (entrevistas, visitas domiciliares, encaminhamentos, reuniões) em qualquer espaço onde o Serviço Social esteja inserido devem propor ao usuário a busca coletiva por direitos, a consciência coletiva, que pode inicialmente ser simplesmente reivindicatória (como em alguns movimentos sociais) mas que pode apontar para a consciência de classe.
Notas sobre emancipação
Tanto as ações diretas quanto indiretas do trabalho profissional do assistente social nos movimentos sociais apontam para a perspectiva da emancipação, daí a necessidade de qualificar esse debate.
Emancipação por vezes é entendida a partir da concepção de cidadania, sendo que alguns movimentos sociais chegam a utiliza-las como sinônimos.
De acordo com Tonet (2013, p. 55) cidadania é parte integrante da emancipação política, conforme a tradição marxista. Mas não é necessariamente liberdade e não é emancipação humana. Emancipação política está fundamentada na concepção de sociedade civil e, portanto, dentro das relações econômicas características da ordem do capital. Para essa sociedade organizada sob essa ordem, é necessário existir homens livres e iguais, mesmo que apenas no aspecto formal e jurídico.
Assim cidadania remete a ideia de direitos iguais, mas de forma limitada, na medida em que não é possível haver de fato igualdade e liberdade na ordem estabelecida pelo capital. No Brasil em especial, a busca por um projeto de resistência ao capitalismo, esbarra na proposta de social democracia.
Conforme Del Roio (2013, p. 4) a tradição marxista do século XX mesmo em suas expressões mais críticas não consegue levar a cabo na concretude o processo emancipatório. Paralelamente, as lutas para a democratização se fundamentam numa concepção teórica de cidadania, especialmente na educação. Nesse contexto, a ideia da cidadania é incapaz ontologicamente de dar conta do processo emancipatório, uma vez que compõe uma visão de liberdade determinada e limitada historicamente (DEL ROIO, 2013, p. 4).
Na construção

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