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CÍCERO IGOR FREIRE DE MORAIS SUPERCONDUTIVIDADE: PRINCÍPIOS E APLICAÇÕES Fortaleza - CE 2019 1 CÍCERO IGOR FREIRE DE MORAIS SUPERCONDUTIVIDADE: PRINCÍPIOS E APLICAÇÕES Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário Farias Brito como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Engenharia Elétrica. Orientador: Ms. Raimundo Cezar Campos do Nascimento Fortaleza - CE 2019 2 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD M827s Morais, Cícero Igor Freire de Supercondutividade: princípios e aplicações / Cícero Igor Freire de Morais – 2019 49 f. il. : color. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Centro Universitário Farias Brito, Curso de Engenharia Elétrica, Fortaleza, 2019. Orientador: Prof. Ms. Raimundo Cezar Campos do Nascimento. 1. Física. 2. Magnetismo. 3. Propriedades dos materiais. 4. Supercondutores. I. Nascimento, Raimundo Cezar Campos do. (orient.). II. Título. CDD 621.3 Elaborado por Ana Waleska Ferreira de Lima – CRB3/715 3 4 Dedico este trabalho a minha mãe, minha maior fonte de força e inspiração. Sem ela, eu nada seria. 5 “Se enxerguei mais longe, foi porque me apoie sobre os ombros de gigantes. ” (Sir Isaac Newton) 6 AGRADECIMENTOS Sou grato, antes de tudo, à minha mãe, pois, sem ela, eu não seria nada. Ela é a razão de tudo que sou. Agradeço ao meu orientador por todo apoio e incentivo, bem como pelas horas dedicadas a me ajudar na conclusão deste trabalho. Agradeço a todos os meus professores que foram de suma importância para o meu desenvolvimento no decorrer do curso. Agradeço aos demais que, de alguma forma, me apoiaram e me ajudaram nesta caminhada. 7 RESUMO O presente trabalho parte desde o descobrimento do fenômeno da supercondutividade, observado pela primeira vez em 1911, pelo físico holandês Heike Kamerlingh Onnes até as principais teorias e modelagens que tem por finalidade a explicação do fenômeno. Abordará tópicos essenciais para a compreensão do tema, tais como, a resistência elétrica nula, temperatura crítica, efeito Meissner e as principais aplicações que envolvam estes materiais. Durante alguns anos os pesquisadores e cientistas da área acreditavam que as teorias e previsões do comportamento magnético de um condutor perfeito seriam as mesmas para um material supercondutor. No ano de 1933 os físicos alemães Walther Meissner e Robert Ochsenfeld descobriram mais uma característica que diferencia supercondutores de condutores perfeitos, o chamado efeito Meissner. Apesar de terem sido os responsáveis pela descoberta mais característica dos supercondutores, as ideias dos alemães Walther Meissner e Robert Ochsenfeld tiveram que esperar um pouco mais, cerca de dois anos, para ganhar uma representação matemática. Os também alemães e irmãos Heiz e Fritz London foram os responsáveis pela elaboração da teoria que explicava o efeito Meissner e pela descoberta de um parâmetro fundamental dos supercondutores: o comprimento de penetração de London. As ideias alemãs foram de grande importância para o avanço dos estudos na área da supercondutividade, sendo base para a expansão de novas teorias, como, por exemplo, as teorias das propriedades termodinâmicas de transição do estado normal para o de supercondutividade, elaborada pelos russos Ginzburg e Landau, responsáveis também pela introdução de uma nova grandeza: o comprimento de coerência. Todos os estudos na área de supercondutividade haviam sido feitos em um espectro macroscópico. O primeiro estudo feito no âmbito microscópico foi pelos americanos Jon Bardeen, Leon Cooper e Robert Shrieffer, mais conhecida como teoria BCS, em referência aos sobrenomes dos pesquisadores. Essa teoria microscópica propõe que alguns elétrons dos materiais podem se comportar como “superelétrons”. Com base nos estudos e experimentos da teoria BCS o físico britânico Brian D. Josephson, em 1962, inferiu que a junção de dois materiais supercondutores apresenta propriedades peculiares. Tal efeito ficou conhecido como efeito Josephson. Palavras-chaves: Física, Magnetismo, Propriedade dos materiais, Supercondutores. 8 ABSTRATC The present work starts from the discovery of the phenomenon of superconductivity, observed for the first time in 1911, by the Dutch physicist Heike Kamerlingh Onnes to the main theories and modeling that has the purpose of explaining the phenomenon. It will cover topics essential to understanding the subject, such as zero electrical resistance, critical temperature, Meissner effect and the main applications involving these materials. For a number of years researchers and scientists in the field believed that the theories and predictions of the magnetic behavior of a perfect conductor would be the same for a superconducting material. In the year 1933 the German physicists Walther Meissner and Robert Ochsenfeld discovered another characteristic that differentiates superconductors from perfect conductors, the so-called Meissner effect. Although they were responsible for the most characteristic discovery of superconductors, the ideas of the Germans Walther Meissner and Robert Ochsenfeld had to wait a little longer, about two years, to gain an math representation. Also the Germans and brothers Heiz and Fritz London were responsible for the elaboration of the theory that explained the Meissner effect and the discovery of a fundamental parameter of the superconductors: the penetration length of London. German ideas were of great importance for the advancement of studies in the area of superconductivity, being the basis for the expansion of new theories, such as, for example, the thermodynamic properties of transition from the normal state to the superconductivity, elaborated by the Russians Ginzburg and Landau, also responsible for introducing a new greatness: the length of coherence. All studies in the area of superconductivity had been done on a macroscopic spectrum. The first microscopic study was by Americans Jon Bardeen, Leon Cooper and Robert Shrieffer,better known as BCS theory, in reference to the surnames of the researchers. This microscopic theory proposes that some electrons of the materials can behave like "supereletrons". Based on the studies and experiments of the BCS theory the British physicist Brian D. Josephson in 1962 inferred that the joining of two superconducting materials presents peculiar properties. This effect became known as the Josephson effect. Key-words: Physics, Magnetism, Property of materials, Superconductors. 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 9 Objetivos e Metodologia 11 REFERENCIAL TEÓRICO 12 Corrente Elétrica 12 Resistência e Resistividade elétrica 13 Breve Histórico do Eletromagnetismo 13 Charles Coulomb 14 Hans Oersted 15 Ampère 16 Michael Faraday 17 Heinrich Lenz 20 PROPRIEDADES DOS MATERIAIS SUPERCONDUTORES 21 Efeito Meissner 21 Temperatura crítica e Resistividade nula 22 Campo magnético crítico, Hc 24 Os irmãos London 25 Os russos Ginzburg e Landau 27 A Teoria BCS 29 Tipos de Supercondutores 30 APLICAÇÕES 32 Supercondutores em sistema de transporte – Levitação magnética 32 Funcionamento 33 Aplicação e custo 34 Linha de transmissão com cabo supercondutor 34 Energia eólica 36 Aplicação na eletrônica 37 Medicina 38 Ressonância Magnética Nuclear 39 Funcionamento 39 RESULTADOS E DISCUSSÕES 41 CONCLUSÕES 45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 46 10 1. INTRODUÇÃO A supercondutividade completou 107 anos desde o seu descobrimento, em 1911. Muitos estudos têm sido feitos na área e, cada vez mais, somos capazes de aplicar esse avanço científico na melhoria da nossa sociedade. Algumas áreas podem usufruir dos benefícios da supercondutividade, tendo em vista que precisamos cada vez menos de temperaturas criogênicas para atingirmos o ponto de transição entre o estado normal e o supercondutor. São exemplos de áreas que podem se beneficiar desta tecnologia: os meios de transporte, a medicina e áreas adjacentes ligadas à tecnologia, que são penalizadas por perdas excessivas por efeito Joule. A supercondutividade foi observada pela primeira vez pelo físico holandês Heike Kamerlingh Onnes, em 1911, na Universidade Holandesa de Leiden. O fenômeno observado pelo físico era, até então, inédito. Alguns anos antes do seu trabalho mais conhecido, mais precisamente em 1908, Onnes havia liquefeito o gás hélio, trabalho este também inédito, que lhe garantiu um prêmio Nobel, anos mais tarde, em 1913, tendo como base os princípios do processo do engenheiro alemão Karlvon Linde (COSTA; PAVÃO, 2012). A principal característica investigada por Onnes foi à resistência elétrica em diversos metais. Existiam duas ideias centrais na época em que ocorreram os experimentos do holandês. A primeira dizia que haveria uma queda gradual e contínua da resistência, tornando-a nula a 0 K., em contrapartida, outras ideias sugeriam que a resistência seria infinita, visto que os elétrons livres responsáveis pela condução de corrente elétrica se “congelariam”, desta forma, deixando de conduzir. Onnes possuía, então, duas hipóteses a serem testadas, e se pôs a trabalhar na tentativa de validar uma das duas. O metal escolhido por Onnes foi o mercúrio, por dois motivos especiais: por ser de fácil obtenção e por possuir um nível de pureza relativamente alto quando comparado aos demais, pois todos os outros metais testados pelo físico apresentaram uma resistividade residual, o que apontava para possíveis impurezas nas amostras. Nos testes, o mercúrio apresentou uma queda repentina da resistência a 4,2 K (COSTA; PAVÃO, 2012). Durante alguns anos, os pesquisadores e cientistas da área acreditavam que as teorias e previsões do comportamento magnético de um condutor perfeito seriam as mesmas para um material supercondutor. No ano de 1933, os físicos alemães Walther Meissner e Robert Ochsenfeld descobriram mais uma característica que diferencia os supercondutores de condutores perfeitos. O chamado efeito Meissner é caracterizado pela expulsão do fluxo magnético do interior de um material supercondutor, tornando-se nulo, independente do 11 histórico de magnetização, o que não ocorre nos condutores perfeitos, pois, nestes, o fluxo magnético é constante. Mas, para a ocorrência do efeito Meissner, se faz necessário que o material esteja no estado de supercondutividade e que seja exposto a um campo magnético externo, o que só é alcançado quando este atinge um valor de temperatura crítica (Tc). Quando o material atinge tal ponto de temperatura, ocorre uma transição de fase: da fase de condutância nominal para o estado de supercondutância. Cada material possui seu próprio ponto de temperatura crítica (COSTA; PAVÃO, 2012) e (SOUZA, 2012). Apesar de terem sido os responsáveis pela descoberta mais característica dos supercondutores, as ideias dos alemães Walther Meissner e Robert Ochsenfeld tiveram que esperar um pouco mais (cerca de dois anos) para ganhar uma representação matemática. Os também alemães e irmãos Heiz e Fritz London foram os responsáveis pela elaboração da teoria que explicava o efeito Meissner e pelo descobrimento de um parâmetro fundamental dos supercondutores: o comprimento de penetração de London. As ideias alemãs foram de grande importância para o avanço dos estudos na área da supercondutividade, sendo base para a expansão de novas teorias como, por exemplo, as teorias das propriedades termodinâmicas de transição do estado normal para o de supercondutividade, elaboradas pelos russos Ginzburg e Landau, responsáveis também pela introdução de uma nova grandeza: o comprimento de coerência (SOUZA, 2012). Todos os estudos na área de supercondutividade haviam sido feitos em um espectro macroscópico. O primeiro estudo feito no âmbito microscópico foi realizado pelos americanos Jon Bardeen, Leon Cooper e Robert Shrieffer, estudo este que ficou mais conhecido como teoria BCS, em referência aos sobrenomes dos pesquisadores. Essa teoria microscópica afirma que alguns elétrons dos materiais podem se comportar como “superelétrons”, ou seja, podem se mover sem sofrer nenhum tipo de resistência das partículas do material, o que não ocorre com elétrons normais. Com base nos estudos e experimentos da teoria BCS, o físico britânico Brian D. Josephson, em 1962, inferiu que a junção de dois materiais supercondutores apresenta propriedades peculiares. Tal efeito ficou conhecido como efeito Josephson (OSTERMANN; FERREIRA; CAVALCANTI, 1998) e (SOUZA, 2012). 12 1.1 Objetivos e Metodologia O presente estudo trata-se de uma revisão bibliográfica, ou seja, está pautado em pesquisas já feitas e publicadas na área. Desta forma, conforme afirma Fraga (2009), é possível a explicação e o entendimento de um problema a partir de referências teóricas e documentos que possuam relação com o tema abordado. Os trabalhos analisados propiciaram bases para responder algumas questões e pontos importantes, no decorrer do estudo, pois, de acordo com Ramos (2009), a pesquisa de um problema, a partir de referências teóricas nos permite, também, ampliar o conhecimento da realidade, tendo em vista que as mesmas experiências serão possivelmente enxergadas sobre pontos de vista diferentes. Este trabalho se destina a oferecer um apanhado histórico do tema, bem como a elucidação de algumas propriedades relacionadas a este conjunto de materiais, para estudar possíveis aplicações com a finalidade de incluir melhorias em nossa sociedade. Algumas singularidades, que serão abordadas no decorrer do trabalho, sãode fundamental importância para um entendimento mais claro do tema. As propriedades, tais como, temperatura crítica, efeito Meissner e resistividade nula, se fazem essenciais para que um material possa ser classificado como supercondutor, desta forma, serão amplamente comentadas e debatidas. Os enfoques principais a serem discutidos e analisados tratam-se de um apanhado histórico da supercondutividade, desde o seu descobrimento em 1913 até dados mais atuais, e um breve histórico do eletromagnetismo para uma melhor assimilação com o tema. 13 2. REFERENCIAL TEÓRICO Para uma melhor compreensão de como a matéria se comporta, no que diz respeito às características elétricas dos materiais, se faz necessário uma breve retrospectiva dos primórdios do eletromagnetismo, por volta do século XVIII, onde grandes nomes da ciência fizeram seus experimentos e descobriram grandezas e características físicas de suma importância para o tema abordado neste trabalho. 2.1 Corrente Elétrica A natureza possui muitas propriedades intrínsecas, como, por exemplo, propriedades químicas e físicas. Uma das propriedades inatas da natureza é a eletricidade. Todos os objetos materiais possuem, em suas partículas elementares, partículas de carga elétrica, denominadas elétron. Diversos experimentos revelaram a existência de duas espécies de cargas elétricas, as quais foram convencionadas como cargas elétricas positivas e cargas elétricas negativas. Pesquisas indicam que a natureza é formada por pequenas partes, as quais se denominam átomos. Esses átomos são constituídos por prótons, que possuem carga positiva, elétrons, que possuem carga negativa e que são milhares de vezes mais leves que os prótons, e de nêutrons, que não possuem carga elétrica (MENDES JR; DOMINGUES, 2002). Com o entendimento da constituição da matéria, muitos avanços foram possíveis, tais como o manuseio da eletricidade para o desenvolvimento de nossa sociedade. O manejo da eletricidade é fruto de muitos estudos e experimentos, para uma melhor compreensão do seu comportamento, com a finalidade de atender certos objetivos. Um dos fenômenos mais conhecidos quando falamos em eletricidade é a corrente elétrica. Um dado fio metálico, inicialmente desconectado de uma fonte de energia, é constituído por elétrons livres, que se movem de maneira desordenada no âmago da rede cristalina. Este movimento desordenado das cargas elétricas negativas não constitui uma corrente elétrica, pois eles se movem desordenadamente. Ao sujeitar esse mesmo fio metálico a uma diferença de potencial elétrico (por diferença de potencial, ddp, entende-se a capacidade de uma fonte elétrica em realizar trabalho), surge uma força de origem elétrica que atua sobre os elétrons livres na rede cristalina, dando origem a um movimento ordenado. Este movimento ordenado das cargas negativas livres recebe o nome de corrente elétrica (OSTERMANN; FERREIRA; CAVALCANTI, 1998) e (HÄRTEL, 2012). 14 A corrente elétrica pode ser expressa pela seguinte equação: 𝐼 = 𝜕𝑄 𝜕𝑡 Onde: I = Intensidade da corrente elétrica [A] 𝜕𝑄 𝜕𝑡 = Variação da quantidade de carga que flui no condutor em relação ao tempo. [C/s] 2.2 Resistência e Resistividade elétrica A resistência elétrica é a uma das primeiras grandezas físicas que é apresentada, ao se falar sobre eletricidade. Por resistência, compreende-se a dificuldade que os portadores de carga negativa possuem em atravessar de um ponto a outro de um determinado corpo. Esse impedimento pode variar de acordo com o comprimento, área e o tipo de material que o corpo é constituído. Dessa forma, é possível obter a seguinte equação que descreve a resistência elétrica (GIROTTO; SANTOS, 2002). 𝑅 = 𝜌 𝐿 𝐴 Onde: 𝜌 = Resistividade do material. [Ω.m] L = Comprimento [m] A = Área [m²] Diferente da resistência elétrica, a resistividade é a uma grandeza intrínseca ao material, ou seja, todos os materiais possuem um valor de resistividade que independe das dimensões do material. Entretanto, ela também quantifica o impedimento oferecido pelo material à passagem de um fluxo de portadores de carga negativa, sendo possível expressá-la matematicamente apenas com a manipulação da equação anterior. Geralmente, os valores de resistividade são tabelados e oferecidos por fabricantes de equipamentos elétricos (GIROTTO; SANTOS, 2002). 2.3 Breve Histórico do Eletromagnetismo Os fenômenos elétricos e magnéticos sempre despertaram o interesse e a curiosidade na academia científica e de seus pesquisadores. Por volta do ano 1750, foi crescente o número de trabalhos apresentados com o intuito de elucidar questões a respeito da eletricidade e do magnetismo. Entretanto, grande parte dos trabalhos propostos apoiavam-se na visão newtoniana da natureza, ou seja, de uma natureza mecanicista, onde eletricidade e magnetismo 15 eram coisas desconexas e sem correlação. Passada a primeira metade do século XVIII, as discussões a respeito da natureza da eletricidade ganharam cada vez mais força e intensidade. Alguns pesquisadores sugerem que as manifestações elétricas eram originárias da ação de dois fluidos diferentes que agem um sobre o outro através de forças atrativas e repulsivas. As explicações tinham um teor tanto teórico quanto matemático, pois o objetivo era responder a essas questões de maneira geral e não apenas sob a luz dos questionamentos não matemáticos (GUERRA; REIS; BRAGA, 2004). 2.3.1 Charles Coulomb De acordo com GUERRA e col. (2004), físico francês Charles Augustin de Coulomb (1736–1806) desenvolveu muitos trabalhos na área da eletricidade, sempre respeitando os fundamentos da física newtoniana, ou seja, acreditava que a eletricidade era derivada de dois fluidos que interagiam à distância entre si. Um dos experimentos mais significativos feitos por Coulomb foi o experimento da balança. Neste experimento, o físico usou uma balança de torção para determinar a força elétrica em duas esferas carregadas. A partir do estudo dos dados obtidos com o experimento, Coulomb pode concluir que a expressão matemática da gravitação universal, 𝐹 = 𝐾 𝑚1 𝑚2 𝑟² , que descreve matematicamente a força de atração gravitacional entre corpos, que era aplicável para as atrações elétricas. O único detalhe que foi considerado pelo físico foi a substituição das constantes de massa, m1 em2, por valores referentes às cargas e a constante K, que deveria ser adequada para cada caso específico, desta forma, resultando na lei de Coulomb, essencial para o estudo da eletricidade: 𝐹 = 𝐾|𝑄. 𝑞| 𝑟² Onde: Q e q são as cargas elétricas do material [C] r é o comprimento do raio.[m] Com o sucesso de seus experimentos, o físico francês achou ter provado que a eletricidade e o magnetismo são forças independentes e originárias de fluidos que interagem entre si, à distância, além de ter consolidado ainda mais a visão predominantemente mecanicista da época (GUERRA; REIS; BRAGA, 2004). Apesar do sucesso de Coulomb em demonstrar a aplicabilidade da lei da gravitação universal de Newton a sistemas com cargas, muitos estudiosos continuaram sendo ferrenhos opositores da visão mecanicista vigente da época. Uma das correntes filosóficas que se opunha a essa visão newtoniana de mundo era a chamada filosofia da natureza, a Naturphilosophie. 16 Para adeptos a essa corrente de pensamento, a natureza era vista como um todo, ou seja, a matéria e os fenômenos da natureza eram resultados da polaridade e da dualidade de forças de atração e repulsão. A natureza estava sempre em conflito,em um estado caótico, de forma que uma força se sobrepunha a outra, ou seja, quando a manifestação de uma força era muito intensa, essa força, como, por exemplo, a elétrica, não conseguia se manter na sua forma original, dando origem a algum outro fenômeno. Em síntese, era como se a natureza e todos os seus fenômenos tivessem o mesmo princípio básico e eram representações diferentes de uma mesma força (GUERRA; REIS; BRAGA, 2004). 2.3.2 Hans Oersted O físico dinamarquês Hans Christian Oersted (1777–1851) foi um dos grandes nomes da chamada filosofia da natureza. Oersted era um dos que defendia uma visão não mecanicista do mundo; para ele, a eletricidade e o magnetismo possuíam uma correlação. Foi um dos primeiros a investigar a possível correlação entre as forças por uma perspectiva diferente. Enquanto a grande maioria estava preocupada em estudar e desenvolver experimentos do ponto de vista de Coulomb, ou seja, usando forças eletrostáticas, Oersted usou a corrente elétrica como base para seus estudos. O físico dinamarquês sabia que alguns estudos demonstravam que a passagem de corrente elétrica por um fio fino provocava aquecimento e a emissão de luz, o que não acontecia com forças eletroestáticas. Foram muitos anos de dedicação e experimentos para demonstrar uma possível ligação entre o magnetismo e a eletricidade (GUERRA; REIS; BRAGA, 2004). No ano de 1820, publicou um artigo com os resultados de seu experimento mais primoroso: o experimento com a agulha imantada. Oersted observou que uma agulha imantada sofria deflexão quando colocada próxima a um fio condutor, por onde circulava corrente elétrica. No intuito de questionar os dados obtidos no teste, o físico substituiu a agulha imantada por uma de latão, e obteve um resultado insatisfatório. Para ele, a falta de sucesso com esse tipo de agulha demonstrava que a eletricidade e o magnetismo possuem correlação, pois era preciso haver materiais e condições apropriadas para acontecer o conflito elétrico. Mantendo suas raízes na filosofia da natureza, Oersted acreditava que o motivo da repulsão da agulha era que o conflito elétrico havia se tornado intenso demais, dessa forma, ultrapassando o meio físico do fio e fazendo aparecer outros efeitos que não fossem elétricos (GUERRA; REIS; BRAGA, 2004). 17 2.3.3 Ampère Ao se falar de eletricidade e magnetismo, um dos maiores estudiosos da área que merece destaque é André-Marie Ampère (1775–1836), que se dedicou a áreas de estudo como Filosofia, Matemática, Química e o Eletromagnetismo. Para não fugir muito do escopo deste trabalho, será abordado apenas a fase de seus estudos referentes ao eletromagnetismo (GUERRA; REIS; BRAGA, 2004) Ampère se dedicou puramente ao eletromagnetismo logo após a publicação do artigo de Oersted, pois, até então, seu foco principal era a química. Ampère assistiu à apresentação de Arago sobre o trabalho de Oersted na “Académie des Sciences”, o que fez o físico francês acreditar que o trabalho do físico dinamarquês estivesse incompleto. Com esse sentimento de incompletude que pairava sobre seus pensamentos, Ampère decidiu estudar mais a fundo os fundamentos daquele experimento. Seu intuito era, a priori, apenas entender a essência daquele fenômeno (GUERRA; REIS; BRAGA, 2004). Segundo GUERRA e col. (2004), partir da curiosidade que tinha sobre aquele experimento, iniciou seus estudos e pesquisas a respeito da natureza do eletromagnetismo. A primeira coisa que Ampère compreendeu foi que o resultado daquela experiência não possuía ligação com o limite físico do fio, como pensava Oersted, e sim que aquele resultado só era possível graças à combinação da corrente elétrica com a força magnética da Terra. Ampère decidiu que, para uma investigação mais próxima da realidade, fazia-se necessário a eliminação da interação entre a corrente elétrica e a força magnética do planeta, pois seu interesse era perceber a força emanada unicamente do fio. Observando os resultados de seus experimentos, notou que, quando o condutor se encontrava fixo, a agulha imantada posicionou-se sempre a 90º da direção onde circulava corrente elétrica. Tendo como base essas inferências, o físico foi capaz de construir um equipamento que detectasse corrente elétrica através do movimento da agulha (o chamado galvanômetro). Ao final de seus estudos, Ampère formulou a lei que relaciona o campo magnético gerado pela intensidade de corrente do fio pode ser dada pela equação a seguir: ∮ 𝑐 𝐵. 𝑑𝑙 = 𝜇0𝐼. (GUERRA; REIS; BRAGA, 2004). Onde: 𝜇 0 = Permeabilidade magnética no vácuo. [H/m] B= Intensidade de campo magnético [T] I= Corrente elétrica [A] 18 Após o descobrimento dos efeitos magnéticos das correntes, Ampère pode inferir uma série de novas ideias, algumas delas a nível microscópico, e outras a nível macroscópico. Segundo o estudioso francês, a magnetização resultaria de correntes microscópicas que foram denominadas correntes de Ampère. Desta forma, todos os efeitos magnéticos seriam gerados por corrente. Essas correntes existem tanto na superfície quanto no interior do material. Devido à distribuição delas ser homogênea no interior do material, resulta em uma corrente nula em qualquer curva interior, tendo em mente que as contribuições internas serão canceladas. Por não existir contribuição interna para anular a contribuição externa, essas cargas que não serão anuladas resultam em uma corrente superficial, também conhecida como efeito pelicular, como se pode observar na figura 1 (RIBEIRO, 2000). Figura 1 Representação das correntes de Ampère Fonte: (RIBEIRO, 2000). 2.3.4 Michael Faraday Um dos grandes cientistas experimentais contemporâneos a Ampère foi Michael Faraday. Diferente de grande parte dos estudiosos da época, Faraday não possuía formação acadêmica. Conheceu o mundo da ciência como assistente de laboratório de Humphry Davy, que tinha grandes estudos na área da química e desenvolveu diversos trabalhos com a pilha de Alessandro Volta. Faraday tinha o senso aguçado para aprender e uma curiosidade inata. Como assistente de Davy, viajou por toda a Europa e conheceu grandes nomes de sua época, como Ampère, Gay Lussac, Arago e Volta. Sem dúvida, essas viagens lhe trouxeram grande enriquecimento intelectual e o ajudaram a compreender melhor a natureza das coisas com as quais trabalhava no laboratório de Davy (GUERRA; REIS; BRAGA, 2004). Michael Faraday despertou seu interesse pelo eletromagnetismo pouco tempo depois da publicação dos trabalhos de Oersted e Ampère. Faraday se destacou como um exímio experimentalista. Sabendo dessa sua habilidade com experimentos, o editor dos “Annals of 19 Philosophy” (Anais da Filosofia), Richards Phillips, pediu a ele que investigasse o assunto e escrevesse os resultados. Faraday se pôs a estudar e testar as experiências já feitas, bem como, propôs novas experiências (GUERRA; REIS; BRAGA, 2004). Uma das primeiras investigações feitas por Faraday foi como um dos pólos de uma pequena agulha imantada poderia girar circularmente ao redor de um fio condutor, caso houvesse condições apropriadas. Esse fato captou a atenção do experimentalista, fazendo-o dedicar-se a tentar entender mais ainda a natureza de tal fenômeno. Em 1821, publicou um artigo que continha os passos para um experimento em que um fio condutor poderia girar livremente ao redor de um imã fixo, de tal maneira que o contrário também se fazia verídico, ou seja, um imã poderia girar livremente ao redor de um fio condutor fixo (FARADAY, 1821). O trabalho publicado por Faraday em 1821 possuía um olhar crítico em relação às forçaseletromagnéticas. Com base no equipamento montado para o experimento, Faraday defendeu que o efeito primordial do eletromagnetismo era o aspecto rotacional, o que ficou bastante evidenciado graças ao aparato experimental. Ainda com base em seu trabalho, o físico experimentalista foi capaz de apontar o motivo de não se obter resultados rotacionais em outros experimentos. Segundo ele, alguns efeitos externos ao eletromagnetismo, como, por exemplo, o atrito entre agulhas imantadas e fios condutores mascarava o efeito rotativo observado em seu experimento (GUERRA; REIS; BRAGA, 2004). A corrente de pensamento vigente da época era de uma natureza mecanicista e que interações entre forças eram lineares. Os resultados obtidos por Faraday iam na contramão do pensamento predominante da época. Seu contemporâneo, Ampère, que não era um genuíno mecanicista, já havia apresentado um modelo para o eletromagnetismo, todavia, baseado em atração e repulsão em linha reta, entre os elementos de corrente elétrica. Desta forma, Faraday não podia sustentar sua tese em relação ao movimento rotacional do fenômeno sem antes reavaliar os resultados de Ampère. Ao final das análises, Faraday concluiu que todas as atrações lineares de atração e repulsão naqueles sistemas eram fruto de várias combinações de movimentos rotacionais. Elucidando, assim, que, na verdade, toda ação eletromagnética se dá em linha curva (GUERRA; REIS; BRAGA, 2004). Após o seu trabalho de 1821, Faraday se pôs a investigar outros diversos materiais a respeito do eletromagnetismo. Um dos trabalhos que lhe chamou a atenção foi sobre a identidade entre bobina, espiras e imãs, de Ampère. Analisando o trabalho este cientista, Faraday se opôs, em partes, ao pensamento do francês, rejeitou a parte que atribuía uma característica linear de ação da corrente elétrica sobre outra, porém, apoiou a tese de que tanto 20 os efeitos magnéticos observáveis em imãs, quanto àqueles explorados no fio condutor possuíam a mesma causa (GUERRA; REIS; BRAGA, 2004). Faraday despertou interesse nos casos de indução magnética. A experiência de Oersted mostrava que havia uma ligação entre eletricidade e magnetismo, o que fez o experimentalista se questionar: se a unidade é algo fundamental na natureza, por que um magnético, provocado, por exemplo, não poderia gerar corrente elétrica? Faraday percebeu que a indução poderia ser uma das saídas para essa questão. Exímio experimentalista que era, Faraday montou diversos experimentos, no intuito de elucidar essa problemática. Seus experimentos mostraram que era possível, após conectar e desconectar uma pilha de um circuito, induzir corrente elétrica em outro que estivesse na vizinhança do primeiro. E, ao se introduzir uma barra magnetizada no interior de uma bobina, seria possível gerar corrente induzida, enquanto a barra estivesse em movimento. E, por fim, concluiu que os efeitos da indução eram transitórios. Faraday nunca aceitou que dos condutores e imãs para ele, o meio como um todo era perturbado graças a essas grandezas físicas, eletricidade e magnetismo. O físico experimentalista, ao final de seus estudos, formulou a equação para a indução eletromagnética (GUERRA; REIS; BRAGA, 2004). A primeira equação demonstra a força eletromotriz gerada a partir de um fluxo magnético variável no tempo, e é dada por: 𝐸 = − 𝜕𝜑 𝜕𝑡 Onde: E = Força eletromotriz [F.E.M]. 𝜕𝜑 𝜕𝑡 = Variação do fluxo magnético em relação ao tempo. [Wb/s] A segunda equação faz uso de espiras firmemente enroladas e de idênticas voltas e é dada por: 𝐸 = 𝑁 𝑑𝜑 𝑑𝑡 Onde: E = Força eletromotriz [F.E.M]. [V] N = número de espiras. 𝑑𝜑 𝑑𝑡 = Variação do fluxo magnético em relação ao tempo. [Wb/s] Os estudos realizados na área da indução magnética, com grande destaque para o experimentalista Michael Faraday, foram de suma importância para a compreensão e aperfeiçoamento de máquinas que funcionam a partir desse princípio, como, por exemplo, os 21 transformadores. Entretanto, ainda existiam algumas lacunas no entendimento dos fenômenos eletromagnéticos. 2.3.5 Heinrich Lenz Heinrich Friedrich Emil Lenz, físico russo nascido no ano de 1865, foi o responsável por estabelecer a relação entre o sentido da corrente elétrica induzida e um campo magnético variável. Lenz notou, a partir de experimentos, que, ao induzirmos uma corrente em um ou um grupo de condutores, ela criaria um campo magnético que se opõe à variação do campo magnético que a produziu, ou seja, a corrente induzida tem um sentido oposto em relação ao campo magnético que a produziu. Desta forma, se houver uma redução na produção do fluxo magnético, a corrente induzida irá gerar um campo magnético no mesmo sentido do fluxo. Caso haja um aumento na produção do fluxo, a corrente induzida criará um campo magnético no sentido oposto ao do fluxo (SACCOMANO, 2003). A lei de Lenz tem o mesmo arranjo matemático da lei de Faraday, sendo a explicação para o sinal negativo que aparece nas expressões do físico inglês, ou seja: 𝐸 = − 𝜕𝜑 𝜕𝑡 𝐸 = − 𝑁 𝑑𝜑 𝑑𝑡 Onde: E = Força eletromotriz [F.E.M]. [V] N = número de espiras. 𝑑𝜑 𝑑𝑡 = Variação do fluxo magnético em relação ao tempo. [Wb/s] 22 3. PROPRIEDADES DOS MATERIAIS SUPERCONDUTORES Os materiais supercondutores se caracterizam por possuírem singularidades únicas, que os diferenciam dos condutores normais e dos materiais tidos como condutores perfeitos. A singularidade mais notável de diferença entre estes é o chamado efeito Meissner. Em comparação com os condutores perfeitos, essa, por exemplo, é a principal característica que os diferencia. 3.1. Efeito Meissner Após a descoberta da supercondutividade por Onnes, em 1911, com o mercúrio, outros materiais foram descobertos e catalogados por novos especialistas na área. Durante alguns anos, muitos estudos foram feitos, mas sem grande impacto. Os especialistas, até então, classificavam materiais supercondutores como condutores perfeitos, mas, em 1933, foi verificada uma característica que corroborava com a hipótese existente na época, de que a supercondutividade não era apenas mais uma característica e sim um novo estado da matéria. Dois cientistas alemães verificaram uma propriedade que diferenciava totalmente supercondutores de condutores perfeitos (COSTA; PAVÃO, 2012). Os alemães Karl Walther Meissner e Robert Ochsenfeld descobriram que os materiais em estado de supercondutância são “diamagnéticos perfeitos”, ou seja, o campo magnético, em seu interior, na presença de um campo externo, é nulo, independente do histórico de magnetização de uma dada amostra de material. O chamado efeito Meissner é uma das características mais evidentes de um material no estado supercondutor, desde que esse material seja resfriado até certo ponto, conhecido como ponto de temperatura crítica (COSTA; PAVÃO, 2012). O efeito Meissner é caracterizado pela expulsão das linhas de campo do interior do material, quando este se encontra no estado de supercondutância e é exposto a um campo magnético externo. Em um condutor perfeito, as linhas de fluxo magnético na amostra se anulam, devido à lei da indução de Faraday, pois o campo magnético irá induzir correntes na superfície do material e as correntes, por sua vez, irão induzir um campo magnético de mesma intensidade e sentido oposto. Entretanto, nos supercondutores, isso não é válido, pois as linhas de campo no interior do material não são constantes, com �⃗� = 0, e agora se concentrando na superfície da amostra. As linhas, agora deformadas devido à expulsãoexercem uma força sobre o material, como mostra a figura 2 (COSTA; PAVÃO, 2012). 23 Figura 2 – Representação do efeito Meissner Fonte: (COSTA; PAVÃO, 2012). Como é possível observar, após o material atingir o estado supercondutor, as linhas de campo são expulsas de seu interior e concentram-se agora na superfície da amostra. Figura 3 – Representação de material supercondutor em banho criogênico. Fonte: (COSTA; PAVÃO, 2012). Na Figura 3 pode-se verificar que o material supercondutor se encontra imerso em um banho criogênico (𝑁2(𝐿), por exemplo). Como as linhas de campo são expulsas do supercondutor, o ímã levita espontaneamente (COSTA; PAVÃO, 2012). Após a descoberta do efeito Meissner, ficou evidente que a supercondutividade não era apenas uma característica da matéria e sim um novo estado da matéria, o estado de supercondutividade. Porém, foram necessários mais alguns anos para que se pudesse ter uma descrição mais elucidativa dessa característica tão marcante dos materiais supercondutores (COSTA; PAVÃO, 2012). 3.1.1 Temperatura crítica e Resistividade nula Uma condição especial à qual um dado material deve ser submetido para que este possa atingir o estado de supercondutância é a chamada temperadora crítica, Tc. A temperatura crítica é o ponto de temperatura específico, em que o material transcende do estado de condutividade normal para o estado de supercondutividade (COSTA; PAVÃO, 2012). A corrente elétrica é formada a partir de portadores de cargas livres na rede cristalina de um dado material e que estão sujeitos a um campo elétrico, como já foi debatido em seções anteriores. Ao se aplicar uma diferença de potencial (ddp) nas extremidades da amostra, por 24 exemplo, o grupo de portadores de cargas livres, até então “desorientados”, orientam-se e é gerada a chamada corrente elétrica. Este fluxo ordenado de elétrons livres é impedido de seguir livremente, por conta de impurezas ou imperfeições no ordenamento cristalino de íons presentes no material, sofrendo um “espalhamento”, o que acarreta efeito resistivo dos materiais. Com o aumento da temperatura, aumenta-se também a resistência do material, ocasionando as famosas perdas por efeito Joule. O termo resistividade nula vem justamente da situação oposta à descrita acima, ou seja, com a queda da temperatura, diminui-se também a resistência (ROCHA; FRAQUELLI, 2004). A resistividade nula é atingida desde que o material atinja seu ponto de temperatura crítica, ou seja, quando a amostra transcende o estado de condutância normal. Inicialmente, tinha-se a ideia de que, caso a temperatura fosse muito baixa, como, por exemplo, 4,2 K do mercúrio do experimento de Onnes, os elétrons livres se “congelariam”, proporcionando, assim, uma resistência elétrica infinita. Este era o pensamento de Lord Kelvin, uma das maiores autoridades na época, quando o assunto era temperatura. Onnes discordava dessa hipótese e achava que a resistência iria decaindo gradativamente, até chegar a zero; quando a temperatura fosse nula, pois, as vibrações na rede cristalina cessariam. Entretanto, esse pensamento do físico holandês se pautava em uma amostra perfeita, ou seja, sem impurezas ou imperfeições. Como não é possível a obtenção desse nível de pureza, Onnes verificou que existia uma resistência residual oriunda dessas impurezas na amostra, como é possível observar na figura 4. Mesmo com essa resistência residual nos supercondutores, é possível ver a resistência indo a zero, em uma escala de temperatura finita (Tc) como podemos observar na figura 5 (ROCHA; FRAQUELLI, 2004). Figura 4 – Resistência residual Fonte: (DA ROCHA; FRAQUELLI, 2004). Gráfico para a resistência residual na amostra de mercúrio obtido por Onnes. Fonte: (SOUZA, 2012). 25 Figura 5 – Queda da resistência elétrica Fonte: (DA ROCHA; FRAQUELLI, 2004). Como podemos ver no gráfico, ao atingir um o ponto de temperatura crítica, finita, a resistência elétrica do material decai para zero, bruscamente (ROCHA; FRAQUELLI, 2004). Figura 6 – Comparação entre condutores puros e impuros Fonte: (DA ROCHA; FRAQUELLI, 2004). Comparação entre as resistividades de um material impuro com um metal puro. Pode-se notar que a resistividade é menor no material com menos imperfeições quando as amostras se encontram em temperatura ambiente. A resistividade tende à zero suavemente conforme a diminuição da temperatura (ROCHA; FRAQUELLI, 2004). 3.1.2 Campo magnético crítico, Hc Como debatido em seções anteriores, os supercondutores possuem a característica do diamagnétismo perfeito, quando expostos a um campo magnético externo, pois as linhas de campo no interior do material são expulsas, concentrando-se, agora, na superfície da amostra, caracterizando, assim, o efeito Meissner. Entretanto, da mesma forma que se faz necessário um ponto de temperatura crítica para que o material chegue ao estado supercondutor, existe também um valor limite para o campo magnético externo, ao qual a amostra pode ficar sujeita sem que nada lhe aconteça. Com o rompimento desse limite de campo magnético, o material simplesmente perde suas características de supercondutor, independente da temperatura que este possa se encontrar, ou seja, mesmo tendo atingindo o ponto de temperatura crítica, o material voltaria a ser um condutor normal, sem qualquer característica supercondutora. A este campo magnético limite aceito pelo material é dado o nome de campo magnético crítico. Este 26 campo magnético crítico varia de acordo com a variação de temperatura e, dependendo da densidade de corrente que passará pelo material, a supercondutividade é anulada graças ao campo magnético por ela mesma gerado na superfície da amostra. Desta forma, é possível concluir que a supercondutividade e o magnetismo são efeitos reciprocamente excludentes (ROCHA; FRAQUELLI, 2004). 3.2 Os irmãos London A característica de expulsão do campo magnético interno na presença de um externo efeito Meissner era, até então, um fenômeno observado apenas visualmente, ou seja, não possuía uma esquematização matemática. Responsáveis pela representação fenomenológica que explicava o efeito Meissner, os irmãos Heiz e Fritz London foram também os responsáveis pelo descobrimento de um parâmetro fundamental dos supercondutores: o comprimento de penetração de London, representado por 𝜆. Tal grandeza mede a penetração do campo magnético da superfície lateral da amostra supercondutora e varia de material para material (COSTA; PAVÃO, 2012). Segundo COSTA e PAVÃO (2012) e OSTERMANN e col. (1998), a teoria de London prevê matematicamente a existência do efeito Meissner, tendo em vista que sua elucidação indica a presença de um campo magnético que tende a zero no interior da amostra. A principal base da teoria de London é a interação de dois fluidos que assume a existência de elétrons normais e os chamados superelétrons, responsáveis pela supercondutividade. Ela foi elaborada a partir da resolução das equações de Maxwell e com uma solução complementar que dá conta do efeito Meissner, desta forma, foram necessárias apenas algumas mudanças nas equações usuais da eletrodinâmica para que o fenômeno efeito Meissner pudesse ser explicado. Tal modelo prevê que apenas uma parte dos elétrons de condução se encontra no estado supercondutor, enquanto outros se encontram em estado de condutividade normal. A seguir, temos as duas mais importantes equações de London:𝐸 = 𝜇0 𝜆𝐿 2 𝜕 𝜕𝑥 𝐽 𝐵 = −𝜇0 𝜆𝐿 2𝛻 𝑥 𝐽 Fonte: (COSTA; PAVÃO, 2012). Onde: E = Intensidade de campo elétrico [N/C] B = Intensidade de campo magnético [T] 27 J = Densidade de corrente [A/m²] 𝜇 0 = Permeabilidade magnética no vácuo. [H/m] 𝜆𝐿 = Comprimento de penetração de London. O comprimento de penetração 𝜆𝐿 é 𝑑𝑎𝑑𝑜 𝑝𝑜𝑟: 𝜆𝐿 = √ 𝑚 ∗ 𝜇0𝑛𝑠𝑒 ∗2 Fonte: (COSTA; PAVÃO, 2012). Onde: 𝜆𝐿 = Comprimento de penetração de London. m* = Massa dos portadores de carga no estado supercondutor. 𝜇 0 = Permeabilidade magnética no vácuo. Ns* = Densidade de elétrons supercondutores. e* = Carga do elétron supercondutor. Segundo COSTA e PAVÃO (2012), a figura 7 demonstra o comportamento do campo magnético após penetrar a superfície de um supercondutor. O gráfico da figura 7 é obtido a partir da resolução da equação de London para casos unidimensionais. A equação é dada por: 𝜕²𝐵 𝜕𝑥² = 1 𝜆²𝐿 B Fonte: (COSTA; PAVÃO, 2012). Onde a solução assume o tipo: 𝐵 = 𝐵0𝑒 −𝑥/𝜆𝐿 Fonte: (COSTA; PAVÃO, 2012). Figura 7 – Penetração do fluxo magnético no interior do supercondutor. Fonte: (COSTA; PAVÃO, 2012). Em certos materiais, cuja amostra tenha espessura próxima ou inferior ao fator 𝜆, o comportamento do estado supercondutor é diferente, tendo em vista que o campo magnético não chega a se anular na espessura do condutor. Para casos em que a intensidade do campo 28 magnético crítico seja alcançada, o fenômeno da supercondutividade pode ser destruído e o condutor volta a ser um condutor normal. Onnes já havia notado este comportamento, todavia, para casos com alta densidade de corrente. Dessa forma, foram identificados três parâmetros críticos nos supercondutores: Temperatura crítica, Tc, Densidade de campo magnético crítico, Hc, e Densidade de corrente crítica, Jc (COSTA; PAVÃO, 2012). A teoria dos irmãos London foi de grande importância para a elucidação matemática do comportamento do campo magnético no interior de materiais supercondutores, na presença de um campo magnético externo. Entretanto, a supercondutividade deve existir mesmo na ausência de um campo magnético externo, ponto em que a teoria de London falha, ao tentar explicar o estado supercondutor na ausência de um campo magnético externo (PEREIRA; FÉLIX, 2013). 3.3 Os russos Ginzburg e Landau No ano de 1950, os físicos Lev Davidovich Landau e Vitaly Lazarevic Ginzburg formularam uma nova teoria, com o intuito de explicar as propriedades termodinâmicas da transição de fase dos materiais supercondutores. A teoria de Ginzburg-Landau é considerada uma teoria fenomenológica, tendo em vista que precisamos partir de alguns pressupostos para chegarmos ao entendimento do fenômeno da supercondutividade. De maneira geral, tudo isso significa que alguns valores precisam ser aceitos sem qualquer justificativa prévia, e alguns parâmetros só podem ser obtidos quando postos frente a frente com o experimento (PEREIRA; FÉLIX, 2013) e (OSTERMANN; FERREIRA; CAVALCANTI, 1998). O primeiro pressuposto da teoria Ginzburg-Landau é pautado na ideia intuitiva de que um dado supercondutor contém uma densidade de superelétrons, 𝑛𝑠, bem como uma densidade de elétrons normais, 𝑛 − 𝑛𝑠, onde n é a densidade total de elétrons no metal. A forma de comportamento dos superelétrons é descrita por uma função de onda efetiva 𝛹, que assume a seguinte interpretação física: |𝛹|2 = 𝑛𝑠. Onde 𝛹 ≠ 0 no estado supercondutor, todavia, sendo zero no estado de condutividade normal. Desta forma, 𝛹 é o parâmetro de ordem da transição, ou seja, existe apenas abaixo da temperatura critica 𝑇𝑐 (OSTERMANN; FERREIRA; CAVALCANTI, 1998). Em consonante com PEREIRA e FÉLIX (2013), a formulação dos físicos russos às características e propriedades do fenômeno tem origem em função da termodinâmica chamada de densidade de energia livre, que é dada matemática por: 29 𝑓 = 𝑓𝑛 + 𝛼|𝛹|² + 𝐵 2 + |𝛹|4 + 1 2𝑚∗ + |( ℏ 𝑖 𝛻 − 𝑒∗𝐴)𝛹| 2 + 1 2 𝜇 0 𝐻² Fonte: (PEREIRA; FÉLIX, 2013). Onde: 𝑓𝑛 = Energia livre no estado normal. 𝛹 = Quantidade de elétrons supercondutores no material. 𝜇 0 𝐻² = Campo magnético externo agindo sobre o material. 𝑚* = Massa dos portadores de carga no estado supercondutor. 𝑒* = Carga do elétron supercondutor, superelétron. ℏ 𝑒 𝑖 = Constantes de Planck, onde 𝑖 = √−1. 𝛼 𝑒 𝛽 = Parâmetros fenomenológicos, obtidos através de experimentos. 𝐵 = 𝛻 𝑥 𝐴 = Campo magnético induzido dentro do material. De acordo com OSTERMANN e col. (1998) e SOUZA (2012), a teoria de Ginzburg- Landau introduz um novo parâmetro para o efeito da supercondutividade, o comprimento de coerência, 𝜉. O comprimento de coerência, 𝜉, indica o comprimento típico sobre o qual o parâmetro de ordem 𝛹(r) pode variar dentro de um supercondutor de maneira não brusca, e é obtido a partir da resolução da equação da energia livre, unidimensional, quando não se possui um campo aplicado ao parâmetro de ordem, ou seja: 𝜉2(𝑇) = ℎ² 2𝑚|𝛼| Fonte: (OSTERMANN; FERREIRA; CAVALCANTI, 1998). Desta relação entre os parâmetros, nasce o parâmetro Ginzburg-Landau, parâmetro 𝐺𝐿, dado por: 𝜅 = 𝜆 𝜉 . Dessa relação surge a classificação dos supercondutores, que podem ser do tipo I ou II. Se, 𝜅 < 1 √2 , teremos, então, um supercondutor do tipo I, o qual apresenta efeito Meissner e somente um campo crítico. Se 𝜅 > 1 √2 , teremos, então, um supercondutor do tipo 2, o qual apresenta três campos críticos e o estado de vórtices (COSTA; PAVÃO, 2012). Como foi mencionado anteriormente, trata-se de uma teoria fenomenológica, sem justificativa da origem de certos parâmetros. Entretanto, os resultados obtidos com a teoria Ginzburg-Landau apresentaram propriedades que se mostraram muito satisfatórias para os materiais supercondutores. Entretanto, apesar do sucesso das teorias de London e de Ginzburg- Landau, o estudo mais efetivo na área da supercondutividade veio com os americanos Bardeen, Cooper e Schrieffer, a chamada teoria BCS (COSTA; PAVÃO, 2012) e (PEREIRA; FÉLIX, 2013). 30 3.4 A Teoria BCS Grande parte dos estudos na área de supercondutividade foram feitos em um espectro macroscópico. Um dos principais estudos feitos no âmbito microscópico foi o conduzido pelos americanos Jon Bardeen, Leon Cooper e Robert Shrieffer, mais conhecida como teoria BCS, em referência aos sobrenomes dos pesquisadores. Essa teoria microscópica pressupunha que alguns elétrons dos materiais podem se comportar como “superelétrons”, ou seja, podem se mover sem sofrer nenhum tipo de resistência das partículas do material, o que não ocorre com elétrons normais (OSTERMANN; FERREIRA; CAVALCANTI, 1998) e (SOUZA, 2012). O fundamento básico dessa teoria é a existência de uma atração entre os pares de elétrons, que se dá em meio à rede cristalina. Com tal interação, será obtido um estado mais estável em relação ao estado fundamental do metal. Ao passar pela rede cristalina, o elétron no estado fundamental BCS interage atrativamente, pois, em baixas temperaturas essa atração supera a repulsão Coulombiana, o que faz com que a rede cristalina seja deformada. A partir dessa deformação, um segundo elétron pode interagir com a rede cristalina e fazer uso dessa deformação para reduzir sua energia, formando um estado ligado. Desta maneira, o segundo elétron interage com o primeiro, através da deformidade presente na rede. Tal maneira de comportamentoentre os pares de elétrons ficou conhecida como pares de Cooper. A figura 8 ilustra o efeito dos pares de Cooper (COSTA; 2005) e (COSTA, 2010). Figura 8 – Representação dos pares de Cooper FONTE: (DA COSTA; 2005). Um elétron é atraído pela deformação na rede cristalina causada por outro elétron de spin e momento oposto. Em temperaturas muito baixas, a atração Coulombiana é superada e os elétrons que formam o par de Cooper possuem spins iguais e opostos, formando, desta maneira, um sistema com spin nulo. Podemos inferir, a partir desta constatação, que cada par de Cooper trabalha como se fosse apenas uma única partícula de spin nulo. Desta forma, cada par de elétrons pode ocupar o mesmo estado quântico munido da mesma energia. O que não é válido para os elétrons dos materiais convencionais que obedecem aos níveis de Pauling, ou seja, nenhum elétron pode ocupar o mesmo nível quântico. Em outras palavras, no estado de supercondutividade com Tc 31 = 0, todos os elétrons presentes no material são pares de Cooper e estão no mesmo nível quântico, bem como possuem a mesma energia (COSTA; 2005) e (OLIVEIRA; 2005). Desta forma, a teoria BCS se tornou amplamente aceita pela comunidade científica, por explicar de maneira satisfatória a maioria das propriedades supercondutoras, conduzindo os seus autores ao Nobel de Física, em 1972. Entretanto, a teoria é válida apenas para metais, pois, para os novos materiais supercondutores, que são cerâmicos e de temperaturas críticas menos criogênicas - chamados também de supercondutores de altas temperaturas - não existe uma teoria bem definida para explicar o comportamento dos elétrons. Sendo um campo muito atrativo para pesquisas. A teoria BCS exige um entendimento prévio em mecânica quântica e complexas equações para descrever o fenômeno em níveis microscópios, o que não será abordado aqui, pois foge do foco deste trabalho (COSTA; 2005) e (LANFREDI; 2001). 3.5 Tipos de Supercondutores Foi debatido em seções anteriores que o fator de profundidade de penetração 𝜆𝐿 e o comprimento de coerência 𝜉0 são parâmetros muito importantes para a classificação dos tipos de supercondutores. Podemos fazer a distinção entre os dois tipos de supercondutores, de acordo com a comparação de grandeza desses dois parâmetros (OLIVEIRA; 2005). A introdução do parâmetro 𝐺𝐿 foi proposta pelo físico russo A.A. Abrikosov. Na publicação de seu trabalho, o físico russo demonstrou que a penetração do fluxo magnético dentro de supercondutores do tipo II ocorre em formato de vórtices, ou seja, em pacotes de fluxo magnético, o que acarreta a formação de uma rede triangular homogênea no interior do supercondutor (COSTA; PAVÃO, 2012). Para que um supercondutor seja classificado como sendo do tipo I, a profundidade de penetração é significativamente menor que o comprimento de coerência, ou seja: 𝜆𝐿 ≪ 𝜉0 Figura 9 – Representação gráfica para supercondutores tipo I FONTE: (OLIVEIRA; 2005). 32 Podemos inferir, a partir do gráfico, que, para um supercondutor ser classificado como sendo do tipo I, a profundidade de penetração deve ser inferior ao comprimento de coerência. Já para supercondutores do tipo II, acontece justamente o contrário. O comprimento de coerência é significativamente menor em relação ao fator de profundidade de penetração, ou seja: 𝜆𝐿 ≫ 𝜉0 Figura 10 – Representação gráfica para supercondutores tipo II FONTE: (OLIVEIRA; 2005). Podemos inferir, a partir do gráfico, que, para um supercondutor ser classificado como sendo do tipo II, a profundidade de penetração deve ser superior ao comprimento de coerência. Essa diferenciação entre os dois tipos de supercondutores é de suma importância para se definir qual aplicação cada tipo de supercondutor tem maior grau de eficiência. Os supercondutores do tipo II suportam um campo magnético crítico muito mais elevado quando comparados aos supercondutores do tipo I., entretanto, a penetração do campo magnético em um material do tipo II depende diretamente da existência de vórtices quantizados, que são responsáveis pela criação de campos magnéticos locais e que estão em plena concordância com à regra de quantização do fluxo magnético (OLIVEIRA; 2005). Os supercondutores do tipo II apresentam dois campos magnéticos críticos, diferentemente dos materiais classificados como tipo I, o campo magnético crítico inferior e o superior, 𝐻𝑐1e 𝐻𝑐2, respectivamente. No campo magnético crítico inferior, ocorre a exclusão por total do campo magnético. Porém, para valores de campo aplicados que estejam no intermédio entre 𝐻𝑐1 𝑒 𝐻𝑐2 o efeito Meissner é apenas parcia e, desta forma, surgem domínios normais no interior da amostra, por onde o campo magnético é capaz de penetrar através de filamentos de vórtices quantizados, assim sendo, já não é mais considerada a existência do efeito Meissner, sendo retratado tal fenômeno como efeito misto (ROUVER; 2013). 33 4. APLICAÇÕES Após todo o desenvolvimento teórico do fenômeno da supercondutividade, serão apresentados, a seguir, alguns exemplos de aplicações com os materiais supercondutores. A grande maioria das aplicações não faz uso de materiais supercondutores puros, ou seja, muitas vezes, é necessário o uso de ligas de materiais supercondutores para que se possam alcançar determinados resultados. As ligas supercondutoras são mais difundidas nas aplicações que envolvem materiais em estado de supercondutância, por exigirem temperaturas críticas menos criogênicas. Como critério de comparação para o embasamento do parágrafo acima, serão apresentadas duas tabelas. A primeira tabela contém alguns materiais supercondutores puros e suas respectivas temperaturas críticas, já na segunda tabela, estão dispostos alguns materiais supercondutores em forma de ligas metálicas ou ligas supercondutoras e suas respectivas temperaturas críticas. Tabela 1 – Elementos metálicos Temperaturas Elementos Nb Pb Hg Sn Al Zn Tc (K) 9,46 7,18 4,15 3,72 1,19 0,88 Tc (ºC) -263,69 -265,97 -269 -269,43 -271,96 -272,27 Fonte: SEARWAY (2001, p.124). Apesar de o alumínio ser o elemento mais abundante na natureza, ele possui uma temperatura crítica muito criogênica, o que torna mais difícil o seu manuseio. Tabela 2 – Liga metálicas supercondutoras Temperaturas Ligas 𝑁𝑏3𝑆𝑛 𝑁𝑏3𝐺𝑒 𝑌𝐵𝑎2𝐶𝑢3𝑂7 𝐵𝑖𝑆𝑟𝐶𝑎𝐶𝑢𝑂 𝑇𝑙𝐵𝑎𝐶𝑎𝐶𝑢𝑂 𝐻𝑔𝐵𝑎2𝐶𝑎2𝐶𝑢3𝑂8 Tc (K) 18,05 23,2 92 105 125 134 Tc (ºC) -255,1 -249,95 -181,15 -168,15 -148,15 -139,15 Fonte: SEARWAY (2001, p.124). O óxido de ítrio cobre bário, 𝑌𝐵𝑎2𝐶𝑢3𝑂7, merece destaque por ser o primeiro composto descoberto com ponto de temperatura crítica, TC, igual ao do nitrogênio líquido, ou seja, Tc > 77K. 4.1 Supercondutores em sistema de transporte – Levitação magnética O MagLev ou “Magnetic Levitation” (levitação magnética) é o termo utilizado para especificar os trens que fazem o uso desse fenômeno, que pode ocorrer com ou sem o uso de supercondutores ligas metálicas supercondutoras. A levitação magnética por supercondutores também pode se dar por meio de ligas de materiais cerâmicos supercondutores. Nos materiais cerâmicos, as temperaturas críticas necessárias são ainda menos criogênicas que nos metais. 34 Desta forma, para algumas aplicações, são necessários estudos de casos para saber qual dos tipos de liga é mais viável financeiramente. A principal característica deste tipo de transporte é a ausência de atrito entre o trem e os trilhos, sobrando somente o ar como fonte de atrito.A levitação do trem baseia-se no efeito Meissner, que é a exclusão do campo magnético dentro de um supercondutor, como foi discutido em tópicos anteriores (DOS SANTOS, MISUCOCHI FILHO, GALLI, ANDRADE JUNIOR e REIS, 2017). 4.1.1 Funcionamento Ao longo da parte inferior do corpo do veículo, e nas laterais que englobam o trilho, existem eletroímãs de material supercondutor que são controlados eletronicamente, garantindo o afastamento constante nominal de 10 mm. Os materiais supercondutores geram campos magnéticos fortíssimos, devido às baixas temperaturas a que são submetidos e, dessa forma, é possível o aparecimento do efeito Meissner. Os eletroímãs localizados nas laterais que envolvem os trilhos obedecem ao mesmo princípio (RODRIGUES, SENA, MARTINI e MOLGARO, 2009). Os trilhos, mencionados anteriormente, são compostos de materiais supercondutores, geralmente cerâmicos, pois possuem altas temperaturas de transição ou temperaturas críticas, dessa forma, o mesmo efeito que ocorre nas bobinas no interior do trem ocorre também nos trilhos. O sistema é montado de maneira que os eletroímãs fiquem em uma sequência invertida na parte inferior dos trilhos e na parte de baixo dos vagões, como mostra a Figura 11 (SANTOS, MISUCOCHI FILHO, GALLI, ANDRADE JUNIOR e REIS, 2017). Figura 11 – Representação da posição dos imãs supercondutores. Fonte: (DOS SANTOS, MISUCOCHI FILHO, GALLI, ANDRADE JUNIOR e REIS, 2017). Como se pode inferir a partir da ilustração acima, os ímãs que estão dispostos no trem e nos trilhos estão dispostos de maneira sequencialmente invertida. Para a frenagem e propulsão do veículo, é utilizado um motor síncrono linear. Os motores síncronos lineares fazem parte de um seleto grupo de máquinas elétricas que convertem 35 ininterruptamente energia elétrica em energia mecânica na forma de translação. Ainda é possível destacar o fato de o motor linear ser superior ao motor rotativo, por eliminar os ruídos e o excesso de vibrações, uma vez que não há contato mecânico entre os componentes que compreendem o sistema. Dentro dos enrolamentos do motor, passam correntes alternadas que geram um campo magnético alternado que move o veículo, com a completa ausência de contato entre o trilho e a parte inferior dos vagões (VAZ; 2009). A velocidade com a qual o veículo irá transitar pode ser alterada de acordo com a regulação da frequência da corrente que circula os enrolamentos do motor. Para que se possa fazer a frenagem do veículo, é necessário que se inverta o sentido do campo magnético, tornando desta forma, o motor em um gerador que irá frear o trem sem qualquer contato físico (VAZ; 2009). 4.1.2 Aplicação e custo Os trens de levitação magnética são usados, geralmente, com o propósito de atingirem grandes velocidades, a média pode chegar a 500 km/h, para que, assim, possam ligar regiões mais próximas em pouco tempo. Um exemplo do uso comercial de trens de levitação magnética é o Shanghai Maglev ou "Shanghai Transrapid", localizado na China e administrado pela empresa Shanghai Maglev Transportation Development Co., Ltd (SMTDC)1. O trem faz o percurso entre a estação de Longyang Road, em Pudong, e o aeroporto internacional de Pudong. Ainda segundo a empresa, o trajeto feito pelo trem se estende por 30 km e é percorrido em até oito minutos, com uma velocidade máxima permitida de 431 km/h. A aplicação feita na china custou aos cofres chineses cerca de US$ 1,2 Bilhão de dólares. 4.2 Linha de transmissão com cabo supercondutor O maior cabo supercondutor do mundo, com extensão de 1 km, está situado na Alemanha, na cidade de Essen. O cabo em questão foi projetado para ligar duas subestações na cidade alemã e tem uma capacidade de transmissão de 40MW. A instalação foi a primeira a usar uma proteção de sobrecargas com um limitador de corrente. Tal aplicação, englobando a pesquisa, o desenvolvimento e a implantação, custou cerca de 13,5 Milhões de Euros aos cofres alemães (SOUZA, 2012). 1 Empresa responsável pela linha chinesa. Disponível em: www.smtdc.com/en – Acessado em 17 Out. 2018. 36 Por se tratar de um cabo supercondutor, é necessário que toda a extensão de transmissão seja resfriada a temperaturas criogênicas, para que as perdas sejam praticamente nulas, cerca de -200 °C, entretanto, toda essa malha de distribuição de alta energia exige bem menos espaço do que as redes elétricas convencionais, o que é de suma importância para áreas em que a ocupação territorial está saturada. E, ainda segundo os engenheiros alemães responsáveis pelo projeto da linha de transmissão, o índice de falhas e a necessidade de manutenção são baixíssimas em comparação às redes de transmissão convencionais (SOUZA, 2012). Figura 12 – Estrutura do cabo supercondutor. Fonte: (SOUZA, 2012). A figura a cima mostra como a estrutura interna do cabo supercondutor usado na ligação entre as subestações alemãs. É possível inferir, a partir da figura, que às três fases condutoras se encontram no interior do mesmo cabo, uma sobposta a outra, ao contrário dos três cabos separados usados normalmente, e estas se encontram isoladas entre si por algum material isolante, evitando assim, curtos-circuitos, por exemplo. É possível destacar também a maneira como o sistema de resfriamento é usado com a finalidade de manter o cabo resfriado por toda sua extensão, ocasionando, assim, a ausência de resistência elétrica (SOUZA, 2012). Outro grande ponto positivo para as linhas de transmissão que fazem uso de supercondutores é o custo de aplicação para a quantidade de energia entregue, que é inferior às redes convencionais. Por mais que o cobre seja mais barato que todo o aparato tecnológico necessário para manter os materiais no estado de supercondutividade, ele sofre com perdas por efeito Joule, o que acarreta na perda de grandes quantidades de energia, o que é, sem dúvida, amplamente minimizada nos supercondutores. Por serem de menor extensão e entregarem uma alta quantidade de potência, as redes de distribuição supercondutoras são mais leves e ocupam menos espaço, quando comparadas com as redes convencionais. Ainda é possível destacar que não é necessária a construção de novos empreendimentos de geração ou distribuição de energia (AGUIAR JUNIOR; 2012). 37 Outra característica que também chama a atenção é a pouca necessidade de proteções nas linhas de transmissão para correntes de falta. Como as linhas de transmissão são compostas por materiais supercondutores, os próprios materiais apresentam, por estarem no estado supercondutor, um sistema natural limitador de corrente de falta. Como o campo magnético está intimamente ligado à corrente elétrica, a elevação da corrente, em um caso de falta, por exemplo, pode fazer com que o campo magnético aumente, e o aumento do campo magnético, pode levar o condutor ao seu estado normal, o que limitaria a corrente de falta (AGUIAR JUNIOR; 2012). 4.3 Energia eólica O gerador é responsável por receber em seu eixo a energia mecânica gerada pela rotação das pás do aerogerador e convertê-la em energia elétrica. As pás podem estar dispostas de várias maneiras e em diferentes números. Existem geradores de eixo vertical e horizontal, sendo os de eixo horizontal mais amplamente difundidos na geração de grandes quantidades de energia. A figura 13 ilustra o arranjo convencional de um aerogerador (AGUIAR JUNIOR; 2012). Muitos estudos apresentavam uma previsão das potências nominais dos aerogeradores, com o passar do tempo. Tais estudos indicavam que a crescente de potência nominal evoluiria a passos curtos.Um dos estudos, por exemplo, previa que potência máxima para aerogeradores seria de 5MW, o que foi uma previsão errônea, pois, no ano de 2010, o maior aerogerador do mundo possuía uma potência nominal de 6MW, com um diâmetro de até 134 metros (AGUIAR JUNIOR; 2012). Figura 13 – Representação esquemática de um aerogerado Fonte: (DE AGUIAR JUNIOR; 2012). 38 Todavia, o aumento da potência nominal acarreta sistemas mais volumosos e pesados, sejam eles de distribuição ou geração, e se tornam cada vez mais economicamente inviáveis, uma vez que os custos de instalação e manutenção se tornam mais elevados, juntamente com o tamanho do arranjo necessário para o funcionamento do sistema (AGUIAR JUNIOR; 2012). Uma das soluções sugeridas para os aerogeradores em específico é a eliminação da caixa de engrenagens. A caixa de engrenagens é responsável pelo aumento da velocidade de rotação do eixo entre o gerador e o rotor. Essa solução foi visada com bastante ênfase, pois existem geradores elétricos capazes de trabalharem em baixas velocidades e com um alto torque, são os chamados geradores multípolo. Porém, este tipo de gerador cai na mesma inviabilidade, por conta de seu volume e peso (AGUIAR JUNIOR; 2012). Uma alternativa que visa unificar a ideia da retirada da caixa de engrenagem e substituí- la por um gerador elétrico tem base nos supercondutores. Os materiais supercondutores podem ser utilizados na fabricação dos geradores elétricos por alguns bons motivos. Os geradores de aerogeradores convencionais possuem o campo magnético limitado pela saturação do ferro, que ocorre por volta de 1Tesla. As altas densidades de correntes que os supercondutores possibilitam permitem a obtenção de densidades de campo magnético mais elevados, na ordem de 5 a 7Tesla. Desta forma, a obtenção de densidades desta natureza nos permite a fabricação de máquinas elétricas mais compactas e mais eficientes. Entretanto, vale ressaltar que a utilização de materiais supercondutores em aerogeradores acarreta inclusão de mais um item no sistema: o sistema de criogenia, necessário para a obtenção do estado supercondutor. Isso pode acarretar mais uma parcela de perdas, entretanto, as perdas ôhmicas nos supercondutores são praticamente nulas o que melhora a eficiência global do sistema (AGUIAR JUNIOR; 2012). 4.4 Aplicação na eletrônica Os supercondutores são mais conhecidos por suas aplicações em áreas como transmissão de energia, transporte, geração de energia, etc., em outras palavras, em sistemas de grande escala. Essas aplicações em grande escala são caracterizadas por fazerem uso de campos magnéticos fortes, mas os supercondutores também são usados em aplicações de menor escala, como na eletrônica, por exemplo, sendo a principal diferença entre estas áreas de aplicações a intensidade do campo magnético requerido. Nas áreas de eletrônica, os campos magnéticos utilizados são muitíssimas vezes mais fracos, quando comparados às aplicações em grande escala (SILVA; 2003). 39 A eletrônica é um campo de estudo e de aplicações já muito bem desenvolvido, pois faz uso de materiais que são compreendidos de maneira mais satisfatória pela academia científica, como, por exemplo, materiais semicondutores e ferromagnéticos. Entretanto, por mais avançada que esteja a eletrônica, ainda existem problemas que ela, munida do aparato “padrão”, não é capaz de resolver. Porém, alguns problemas especiais só podem ser resolvidos com o uso de SQUID’s, por exemplo (SOUZA; 2012). Denomina-se SQUID todo equipamento supercondutor que faz uso do fenômeno de interferência quântica gerada pelas junções Josephson. De maneira sucinta, o efeito Josephson trata-se de um fenômeno físico que se manifesta pelo surgimento de uma corrente elétrica que se origina através de dois supercondutores ligeiramente conectados, separados por uma barreira isolante muito estreita. O Superconductor Quantum Interferometric Device (Dispositivo Supercondutor de Interferência Quântica), SQUID, é, essencialmente, “um equipamento que possui uma grande capacidade de detecção de variações de fluxo magnético” (E SILVA; 2003). Entretanto, a interligação entre os sistemas de eletrônica convencional com semicondutores e sistemas supercondutores nem sempre é possível, tendo em vista que a faixa de temperatura que ambos os sistemas operam é abissal. Porém, para aplicações na área da chamada Microeletrônica, o uso de supercondutores se mostra muito mais eficiente, menos existindo um custo a mais para o resfriamento do sistema (SOUZA; 2012). 4.5 Medicina O magnetismo está presente em diversos campos de estudos, sejam eles tecnológicos ou não. O chamado Biomagnetismo, por exemplo, estuda as atividades biológicas que são capazes de produzir fracos campos magnéticos como, por exemplo, certas atividades cerebrais ou do coração. Como já foi discutido ao longo deste estudo, sabemos que os efeitos magnéticos possuem efeitos elétricos e vice-versa. Tais efeitos elétricos são detectados através de uma diferença de potencial, ddp, o que nos permite a obtenção de dados das atividades cardíacas de um paciente, por exemplo, através de um eletrocardiograma, que é produzido com base nos impulsos elétricos provenientes do coração. Hoje, os principais procedimentos médicos, como o eletrocardiograma, fazem uso de impulsos elétricos e não magnéticos. Entretanto, com o avanço das pesquisas e com o aperfeiçoamento dos SQUID’s, acredita-se que as medidas magnéticas desempenharam um papel de grande relevância nas futuras pesquisas médicas (SILVA; 2003). 40 4.5.1 Ressonância Magnética Nuclear A ressonância magnética nuclear, RMN, é uma aplicação na área médica que faz uso de supercondutores de campos magnéticos fortes, e é um exemplo de SQUID descrito no tópico anterior. O princípio básico de funcionamento da RMN é baseado na ressonância dos átomos de hidrogênio, quando estes entram em contato com um campo magnético forte. Os átomos do hidrogênio que estão presentes nas moléculas de água e gordura absorvem a energia magnética, fazendo-os emitir uma frequência que, posteriormente, é captada e analisada com o auxílio de um computador. A ressonância magnética tornou-se uma das principais vias de diagnósticos devido à capacidade de processamento dos computadores aumentar de forma espantosa, tornando as imagens obtidas mais precisas e indispensáveis no diagnóstico de alguns males, como, por exemplo, tumores e cânceres (BRANÍCIO; 2001). Figura 14 – Imagem obtida a partir de ressonância magnética nuclear. Ressonância magnética do pescoço e da cabeça de um dado paciente (BRANÍCIO; 2001). 4.5.1.1 Funcionamento Os estudos apontam que os átomos são formados por cargas positivas, negativas e neutras (prótons, elétrons e nêutrons), respectivamente. O núcleo dos elementos é formado somente pelos prótons e pelos nêutrons, pois os elétrons ficam dispostos do lado de fora, na chamada eletrosfera. Por sua vez, os elétrons possuem uma propriedade chamada spin, que é a capacidade que ele possui de girar em seu próprio eixo, podemos fazer um paralelo com o movimento de rotação terrestre, por exemplo. Entretanto, os núcleos de alguns elementos possuem essa mesma propriedade, como, por exemplo, o núcleo do hidrogênio, carbono e o nitrogênio (MAZZOLA; 2009). Os spins, quando não estão expostos a campos magnéticos externos, possuem a característica de rotação aleatória. Todavia, quando estes são expostos a campos magnéticos externos, eles mudam o seu sentido de rotação, que pode ser contra ou a favor do campo 41 magnético.
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