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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Alice Vieira Rômulo Jonas Silva Ferreira RELATÓRIO FINAL - ESTÁGIO INTERMEDIÁRIO I Projeto realizado para disciplina de Estágio Intermediário I. Orientadora: Profa. Anna Cristina Pegoraro. INTRODUÇÃO Este relatório tem como função descrever as atividades de estágio realizadas e desenvolvidas semanalmente na Instituição de Longa Permanência Antônio Pereira Gonçalves, localizada no bairro Jardim Teresópolis em Betim/MG, que abriga idosos que tiveram seus direitos violados, seja por negligência da família, maus tratos, abandono ou por se encontrarem incapacitados. A instituição pertence à Associação de Proteção à Maternidade, Infância e Velhice (Apromiv), que compõem a rede social de defesa, promoção e proteção dos direitos da criança, do adolescente, do jovem, do idoso e da gestante no município de Betim. As atividades desenvolvidas neste estágio têm como objetivo desenvolver a habilidade de identificar e caracterizar situações que possam ser tratadas pela Psicologia; analisar fenômenos de natureza psicológica articulando-os com o contexto de vida; desenvolver a habilidade de questionar, problematizar e interpretar a realidade; desenvolver habilidade de planejar, executar e avaliar intervenções; realizar atividades de acolhimento e entrevista de anamnese. Propõe o desenvolvimento de ações que possam atender as necessidades de âmbito psicológico vividas pelo sujeito institucionalizado, proporcionando um espaço para a escuta, onde o sofrimento psíquico decorrente desse processo possa ser compartilhado e elaborado. Estas atividades visam proporcionar ao estagiário do curso de psicologia uma vivência da realidade dentro de uma instituição pública, favorecendo a uma familiarização com o campo, a fim de obter conhecimentos práticos e colocar em prática ensinamentos da universidade, objetivando proporcionar formação e aperfeiçoamento técnico a estudantes nos termos da Lei Federal Nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. DESENVOLVIMENTO No início do estágio teve-se o contato com a infraestrutura da Instituição, os moradores e cuidadores, bem como as propostas de rotina. O contato e conversa com a psicóloga Micaela sobre as possibilidades de atuação com os idosos nos abriu uma gama interesses. O Antônio Pereira Gonçalves tem uma ampla estrutura e organização, com funcionárias e funcionários de áreas diversas de atuação, cozinheiras(os), técnica(os) em enfermagem, assistente social, psicóloga e cuidadores de idosos, além da parte administrativa, sendo um conjunto associativo que conta com diretoria que está em vários momentos presente junto aos idosos. Primeiramente, através do reconhecimento, familiarização e habituação com os idosos, e através do processo de escuta individualizada, percebemos a necessidade do acompanhamento de três a cinco idosos com maior regularidade, os quais consideramos ter maior necessidade de apoio psicológico e conversas em suas rotinas. Estes passaram a ser visitados semanalmente e escutados individualmente em seus cômodos, nos locais de descanso, etc. A princípio, foi necessário conquistar a confiança de cada idoso, para que se sentissem à vontade para falar de sua vida pessoal, de sua história e de sua intimidade. Nos primeiros encontros, iniciamos com uma proposta de construção de um portfólio de história de vida, contendo detalhes sobre os interesses, gostos, aspectos individuais de cada idoso, bem como uma comparação do desenvolvimento da sintomatologia acometida aos idosos, tendo em vista que tal proposta fora realizada também há cinco anos por outro grupo. A escuta individualizada serviria para tal fim. A confiança foi se construindo aos poucos, mas não tardou para que nossa presença fosse sentida na vida daqueles idosos aos quais semana após semana os questionavam sobre seus interesses e vontades, resgatando no fundo do seu ser aquela pessoa que nunca esqueceu que fora. Algumas dificuldades surgiram no desenvolvimento do projeto, devido ao sofrimento e anseio em falar e relembrar sobre suas histórias. Através disso, alguns idosos decidiram não participar, outros ignoraram, um refletiu sobre a possibilidade, mas não se sentiu psicologicamente preparado para isso, pois em suas palavras: “tem que se manter firme pra lembrar do que te construiu, e tem que estar bem pra falar disso também”. À medida que foi se estabelecendo um vínculo terapêutico, as falas começaram a sair e assim, aos poucos, foram nos transmitindo suas angústias, preocupações e experiências vividas. Foram realizadas entrevistas abertas, rodas de conversa, momentos onde o idoso pudesse falar livremente sobre suas questões pessoais. Nesses encontros e rodas de conversa, conduzíamos o diálogo com perguntas no que tocava o assunto que fosse surgindo. Dessa maneira, oferecemos-lhes nossa escuta e fizemos algumas intervenções quando necessário, abrigando no berço de cada palavra um momento para relembrar e reviver o que fez de cada um ali, vivo. O processo de envelhecer irrompe inúmeras mudanças na vida do sujeito. Cada pessoa tem uma reação diferente, uma maneira própria de lidar com esse momento da vida em sua própria singularidade. A compreensão de que a condução de suas vidas a muito já não lhes é de seu próprio desejo, que suas vontades podem não ser tão respeitadas, que sua fragilidade é, além de biológica, mas também existencial, onde cada laço que se construiu durante sua vida vai se rompendo aos poucos, delimitando esses meneios da vida que é se encontrar na própria carne, inerte, o homem ali presente, a mulher ali que observa todos os passos ao seu redor, podem sentir uma grande dificuldade em se adaptar às novas situações que lhes são apresentadas, se negando a mudança, resguardando-se no próprio eu. Dessa forma, tem-se na rotina um porto-seguro, uma garantia de segurança dos novos processos de significação, pois um novo lugar poderia significar a interrupção da própria história e lhe negar o próprio passado. “[...] o idoso acaba deturpando sua imagem corporal, negando tudo que contradiz o mito da juventude. Volta-se, então, para seu passado, idealizando-o, cai na fantasia de um paraíso onde hipoteticamente volta a ser jovem e desliga-se de sua realidade corporal. O repúdio ao próprio corpo é apenas mais uma consequência desse processo de autodepreciação” (CHNAIDERMAN, 2013, p. 47). Essa idealização de um corpo jovem e desprezo pela própria condição prende o ser em uma síntese de questões sobre a própria finitude. Durante os processos de escuta, percebemos que as perdas eram um fenômeno frequente na vida de cada um. Perda de uma profissão, de uma atuação, de um amigo, de um ente querido. Essas perdas deixam marcas profundas, são constantes e inevitáveis,assim como a vida. Mas percebemos a necessidade da elaboração desse luto, para que se tenha novas possibilidades de enxergar o mundo. Dessa forma, o luto elaborado em relação a si próprio deve ser o principal. Percebemos que os idosos reconhecem a sua finitude, e entendemos que se deve buscar um reconciliar-se consigo mesmo, uma conversa com seu próprio interior, e perdoar-se pelo que já fez, ou que não conseguiu fazer em sua existência. Desse modo, compreendemos a importância da escuta terapêutica nas ILPIs. A escuta do psicólogo focada nos processos de subjetivação busca a melhoria na qualidade de vida desses sujeitos, do respeito e da dignidade da história de cada um. Como dito por Feriancic, o pensar da história de vida é escrever e reescrever um mesmo texto, onde se faz novas interpretações para antigos acontecimentos, observando, assim, o passado com os olhos do presente. Assim, “a entrada na velhice deflagra uma crise subjetiva que, apoiada na constituição psíquica, na história e no contexto social do sujeito, pode ou não abrir inúmeras possibilidades de ressignificação. (...) A escuta se coloca a serviço de resistir ao apagamento e à paralisia desse processo, potencializando-o. Nesse sentido, o atendimento terapêutico, lado a lado com o paciente, resiste à desistência eminente ou acompanha o idoso na escolha de se apagar diante de tamanha força, trabalho muito doloroso” (PEIXEIRO,2013, p. 73). O envelhecimento da população deve ser compreendido como um fenômeno mundial, o que decorre numa necessidade de se instituir políticas e programas que se ocupem da qualidade de vida desta população. Percebe-se que, com a institucionalização, esses idosos expressam uma sintomatologia de comprometimento, que tende a se agravar com o tempo, sendo tanto de ordem física quanto psíquica. A memória dos idosos, aos quais semanalmente estávamos entrevistando, pode ser observada com certo declínio, muitas vezes se associando também a um comportamento apático, repetição de uma mesma história várias vezes em sequência, bem como um desinteresse geral. As memórias nesses idosos não apresentam uma ordenação, e podem vir a aparecer tanto de forma aleatória quanto desconexa ou incoerente. Parece que no local em que se encontra, o idoso se perdeu no tempo, pois na instituição são coordenados por um horário de terceiros. E aqueles hábitos que foram adquirindo ao longo da vida, não estão mais presentes. Os maiores sofrimentos expressos pelos idosos são a saudade de casa e dos familiares, a dificuldade de aceitar os limites físicos e intelectuais impostos pela idade, a perda de memória. Consideramos essa ruptura do espaço social e familiar que o idoso ocupava, para um espaço onde ele seja apenas mais um, um processo de extrema brutalidade. Cada parte do ser que um dia já foi, gradualmente tende a uma fuga para dentro de si mesmo para evitar a dor, a ociosidade, a fadiga que é viver junto à estranhos, outros incautos. “Perder a própria casa e o lugar social que se ocupava na família ou no mundo requer um processo de luto. O trabalho de acompanhamento terapêutico confirma a importância de oferecer escuta para que idosos possam repensar seus projetos e manter algum tipo de atividade que lhes dê sentido para continuar investindo na vida” (CHERIX, 2013, p. 148). Reafirmando o diálogo proposto no início sobre a escuta, cabe-se também o relato das oficinas realizadas e a forma como os idosos se expressaram nesses momentos de abertura, onde se criam um sentido de investimento para esse momento de sua vida. Percebemos que na institucionalização, esse sentido de investimento na vida e a criação de objetivos pelo idoso se estagna, e para se distanciar do sofrimento e da angústia, elaboram resistências que o fecham para os outros, para a conversa ou atividades que necessitem de investimento. Deste modo, o idoso muitas vezes sofre com as consequências da própria rigidez, e também das normas instituídas na casa, onde sempre devem se adequar aos meneios dos cuidadores, o que contribui para que, aos poucos, ocorra o apagamento das identidades, favorecendo o aparecimento de doenças psíquicas. Em um dos momentos propostos, houve a realização de uma atividade onde consistiu em recortar jornais e revistas e com estes materiais fazer dobraduras para montar balões de papel e bandeirinhas para festa junina, logo após a confecção dos balões e bandeirinhas, os idosos os pintaram de sua cor preferida, e ajudaram a colar no barbante para decorar o ambiente. Esses tipos de tarefas servem como um recurso terapêutico, pois ativam os canais sensoriais e proporciona o equilíbrio das emoções, além disso, os idosos que fazem tarefas simples como o corte e costura, trabalhos em papéis ou colagens, estão menos propensos a apresentarem demência. Tem como objetivo, também, desenvolver a coordenação motora fina, a criatividade, concentração, oralidade, apresentar e descobrir novas formas, cores, novas texturas, sensações e movimentos, bem como tendem a ajudar no processo de socialização e abertura para experiências, na redução da ociosidade, ansiedade, fadiga e stress. Estudos revelam que o desenho, a pintura e o artesanato servem como um recurso terapêutico, pois ativam os canais sensoriais durante sua prática. Com isso, ajuda a equilibrar as emoções e soltar a imaginação e pensamentos. Aliás, os trabalhos realizados manualmente ajudam a manter o corpo e a mente ativa, porque as terminações nervosas, que ficam localizadas nas pontas dos dedos, estão ligadas a diversas partes do cérebro. Dessa forma, aumentam a percepção, a atenção, as funções executivas e até mesmo a linguagem. Percebemos que a realização dessas atividades ajuda manutenção da percepção visual, bem como auxilia no desenvolvimento da coordenação motora, no combate dos sintomas da depressão que são vistos claramente em vários idosos, na melhora de concentração, no equilíbrio das emoções e na manutenção do humor, na autonomia, aumento da disposição e afetividade, etc. Conseguimos compreender que a arteterapia desempenha um papel fundamental na saúde, porque, além de exercitar o corpo, ela também estimula a mente do idoso. Assim, ele consegue lidar melhor com as mudanças psicológicas da terceira idade. Essa metodologia acaba sendo uma maneira de expressão da singularidade e da individualidade. Medos, fobias, lembranças boas, desejos, tudo isso pode ser expresso através da arte. A oficina de pintura, dobradura e recorte é um momento relaxante e muito estimulante. Em uma conversa com a coordenação, percebemos que é uma das atividades preferidas dos idosos. Durante a oficina, os idosos se mostraram participativos e adoraram o resultado da atividade. Na realização das oficinas, sempre foi objetivado o manter de uma conversacom o idoso, buscando um relacionar-se mais amigável e novos modos de abertura. Portanto, tendo em vista as consequências psíquicas da institucionalização para o sujeito, a escuta realizada durante o estágio é de extrema importância para os idosos moradores do local, pois diz de uma significância do próprio ser para uma outra pessoa, e uma valorização da própria palavra e da própria história. O trajeto que se construiu no decorrer do tempo na instituição foi o de tentar elaborar, junto aos idosos, possibilidades de reflexão acerca da vida, do que se poderia vir a construir, bem como o que se poderia aprender com as experiências passadas. As patologias, junto às sintomatologias identificadas nesse contexto, foram resguardadas para uma possível intervenção clínica. CONSIDERAÇÕES FINAIS A realização de estágios na universidade é de suma importância no processo de aprendizagem profissional, sendo proporcionado experiência para agir e enfrentar possíveis desafios da carreira do psicólogo. Sendo assim, é possível obter uma grande assimilação entre teoria e prática, aprender sobre as idiossincrasias da instituição e da atuação profissional do psicólogo, nos capacitando para a tomada de decisões de forma proficiente e proativa. O estágio realizado na ILPI Antônio Pereira Gonçalves proporcionou que nos fosse agregado uma grande experiência de colocar em prática o que foi ensinado na academia. Através deste estágio, foi possível entender, em certa medida, a atuação do psicólogo neste campo. O estágio estabeleceu um desenvolvimento acadêmico, profissional e pessoal significante. O estágio permitiu que os idosos fossem escutados e olhados, estimulando a conversa e resgatando sua imagem e história de vida, nos colocando frente a frente com um trabalho ético, de respeito, dedicação e admiração aos idosos, angariando a nós, estagiários, subsídios que serão empregados futuramente no exercício de nossa profissão, pois entendemos que o constante aperfeiçoamento é necessário e que o saber psicológico nunca se esgota, mas se abre para novas possibilidades. Com o desenvolvimento do trabalho, foi possível alcançar aos idosos, de forma a configurar um exercício terapêutico, trazendo estes para um processo de reconhecimento e acolhimento dentro do grupo. Apesar dos percalços, foi possível estabelecer uma relação de confiança e proximidade, afirmando aos idosos sua condição de cidadãos de direitos e escolhas, garantindo-lhes um espaço para se relacionar e se expressar, aumentando sua autoestima e pulsão de vida, assegurando a satisfação de suas necessidades de inclusão, aceitação, afeição, autonomia no processo de escolha. Assim, a percepção de que o profissional precisa estar preparado, principalmente, para lidar com suas expectativas e frustrações. REFERÊNCIAS CHERIX, K. Viver com demência: relato de um acompanhamento terapêutico em instituição. In. BARBIERI, Natália A.; BAPTISTA, Carolina G., org. Travessias do Tempo: acompanhamento terapêutico e envelhecimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2013. CHNAIDERMAN, M. O mito do corpo jovem a qualquer preço. In. BARBIERI, Natália A.; BAPTISTA, Carolina G., org. Travessias do Tempo: acompanhamento terapêutico e envelhecimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2013. Lei Federal Nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Disponível em: <http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2011.788-2008 ?OpenDocument> Acessos: 10 jun. 2019. PEIXEIRO, M. H. Desamparo e velhice: uma travessia acompanhada. In. BARBIERI, Natália A.; BAPTISTA, Carolina G., org. Travessias do Tempo: acompanhamento terapêutico e envelhecimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2013. Referência Técnica para ILPIS da Associação de Proteção à Maternidade, Infância e Velhice – APROMIV Betim/MG. Disponível em: <https://www.almg.gov.br/export/sites/default/acompanhe/eventos/hotsites/2010/idoso/docs/ ana-paula.pdf> Acessos: 10 jun. 2019. https://www.otempo.com.br/o-tempo-betim/asilo-ant%C3%B4nio-pereira-no-teres%C3%B3p olis-festeja-25-anos-1.1538020.
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