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LeticiaSS_Monografia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS 
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: REFLEXÕES SOBRE SEUS 
DETERMINANTES NA REALIDADE DO MUNICÍPIO DO 
NATAL/RN 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LETÍCIA SANTOS DE SOUSA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/ RN 
2017 
 
LETÍCIA SANTOS DE SOUSA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: REFLEXÕES SOBRE SEUS 
DETERMINANTES NA REALIDADE DO MUNICÍPIO DO 
NATAL/RN 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao 
Departamento de Serviço Social da 
Universidade Federal do Rio Grande do 
Norte (UFRN) como requisito para 
obtenção do Título de Bacharel em 
Serviço Social. 
Orientadora: Profª. Dra. Maria Dalva 
Horácio da Costa. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2017 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Catalogação da Publicação na Fonte. 
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA 
 
 
Sousa, Letícia Santos de. 
Violência obstétrica: reflexões sobre seus determinantes na realidade do 
município do Natal/RN/ Letícia Santos de Sousa. - Natal, RN, 2017. 
86 f. 
 
Orientadora: Profa. Dra. Maria Dalva Horácio da Costa. 
 
Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio 
Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de 
Serviço Social. 
 
1. Violência contra a mulher - Monografia. 2. Violência obstétrica - 
Monografia. 3. Violências em Saúde - Monografia. I. Costa, Maria Dalva 
Horácio da. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. 
 
RN/BS/CCSA CDU 343.6-055.2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho a todos os profissionais da 
assistência à saúde da mulher em seu ciclo gravídico-
puerperal, a fim de provocar reflexões e auxiliar na 
construção de uma atenção emancipatória, digna e 
livre de toda e qualquer violência, para todas as 
mulheres. 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Minha gratidão não poderia começar sem dedica-la ao meu Deus, ao qual eu 
descobri tanto sobre durante toda a trajetória acadêmica, seja através das pessoas com as 
quais tive o prazer de conviver; pelos medos que precisei experienciar e também pela 
superação deles; pelas oportunidades e também pelas portas fechadas; por me mostrar um 
amor totalmente impossível de descrever com as palavras que conheço até o momento e 
por ter me guiado por toda esta caminhada... Obrigada meu Deus, este sonho é nosso, e 
se realiza exatamente quando o Senhor permitiu. 
Gratidão a minha família, meus pais, Suely e Jorge, meus irmãos, Leo e Lia, e 
minha avó Sônia; como teria conseguido concluir este sonho sem vocês? Durante todo o 
processo acreditaram em mim e me auxiliaram no que eu precisei. Eu amo vocês. Aos 
meus sogros, pela recepção em suas vidas e por toda a paciência. Preciso, no entanto, 
abrir uma ressalva para dar lugar especial a minha mãe, porque sua dedicação a mim e ao 
meu sonho pude sentir todos os dias durante o meu cursar da graduação. Quantas 
lamentações, medos, inseguranças, receios e incertezas minhas você ouviu e sempre, com 
palavras de amor e uma sabedoria ímpar, conseguiam me tranquilizar e fazer seguir em 
frente. Me apoiou quando mais precisei até hoje, cuidando do meu filho para que eu 
jamais abandonasse o curso. Minha formação também é sua! 
A minha querida e admirada orientadora, profª Dra. Maria Dalva Horácio da 
Costa, que abraçou o meu tema de TCC e me fez alcançar um resultado que eu jamais 
imaginei. A Sra. é o amor, a inteligência e a sabedoria em pessoa, quero todo o bem do 
mundo para ti. Seus ensinamentos são constantes e me fazem crescer sempre; toda minha 
gratidão a você! 
A minha supervisora de estágio, Érika, pelos ensinamentos e empatia durante todo 
o estágio! Você vai longe, sempre! 
Ao meu supervisor substituto, Thiago, por ser exemplo de profissional e um amigo 
ímpar; quero-te pertinho para o resto da vida! 
As minhas amigas de graduação, as quais nutro profunda admiração e desejo ter 
o prazer de encontrar cada uma de vocês enquanto profissionais para fazermos uma rede 
de atenção aos usuários jamais vista nesta cidade! Especialmente as minhas amigas 
Sophia e Camila, que são seres de luz, além de estarem no meu rol das melhores 
assistentes sociais de Natal! Sigamos juntas na luta e na amizade. 
Ao meu Vitor, amor arrebatador e de completa ligação de almas ao qual só conheci 
pela união mágica fruto dos espaços da UFRN. Você tem sido meu parceiro até hoje, me 
dando forças, amor, e uma pitada de emoções das mais variadas. Ao seu lado eu tenho 
vida. Meu amor é teu. 
Ao meu filho, Noah... quanto amor eu posso sentir por você? Ele só cresce e sei 
que a progressão é certa! Você é o motivo para eu continuar todos os dias lutando por um 
futuro melhor para nós! Espero, através da minha atuação, ajudar a construir um futuro 
melhor para ti, minha bolinha! Você é meu grande, profundo e verdadeiro amor! 
Gratidão a equipe da 1ª VIJ. Eu realmente precisava viver esta experiência e 
aprender tanto com vocês! Em especial, à minha supervisora, Paula, pela oportunidade e 
pela troca constante de conhecimentos; as duas mulheres maravilhosas, Flor e Mariza, 
que além de exemplos de seres humanos e profissionais, são como mães para mim; e a 
Simone, grande amiga! Nunca desistam de lutar por um mundo melhor, a mudança vem 
das crianças e dos adolescentes e por isso nosso trabalho é tão importante; não podemos 
jamais desistir deles! A colheita pode demorar, mas sempre colheremos exatamente o que 
plantarmos. 
Gratidão a todos que deixaram um pouco de si no que sou hoje e na profissional 
que serei amanhã, espero honrá-los com o meu fazer profissional! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
O presente estudo aborda a questão da Violência Obstétrica (VO) no município 
do Natal/RN. Seu objetivo foi apreender as expressões e os principais determinantes para 
que a VO ainda seja uma problemática que afeta a assistência obstétrica em nossa cidade. 
Utilizamos pesquisa bibliográfica e documental, priorizando Planos Plurianuais (PPA), 
Planos Anuais (PA) e respectivos Relatório de Gestão (RAG), bem como um relatório 
referente a “I Oficina sobre Violência Obstétrica na realidade das maternidades públicas 
- Natal/RN" realizada pela Ouvidoria SUS Municipal. A pesquisa bibliográfica acerca do 
PPA e PA dos três níveis de governo no período de 2012-2016, revela que somente no 
âmbito municipal a VO foi incluída como uma prioridade. Todavia o RAG da SMS/Natal 
não menciona o que foi realizado para seu enfrentamento. Esse resultado é confirmado 
no Relatório da I Oficina sobre VO, supracitado, o qual divulga que o mencionado evento 
foi a primeira ação com vistas a mapear os principais problemas e coletivamente colher 
sugestões dos profissionais de saúde. Além disso, o relatório explicita que os profissionais 
não tinham tido oportunidade anterior de discutir o que é VO. Ademais, constatou-se fala 
de médicos de que a categoria apresenta resistência sobre a temática, por avaliarem que 
pode ser compreendida como violência do obstetra. Na oficina os profissionais 
reconheceram que existem muitas práticas provocadoras de VO na realidade de Natal/RN, 
que são naturalizadas no cotidiano dos serviços e não apenas nas maternidades, ou seja, 
sequer são vistas como VO. Conclui-se que na concretude do município ainda estamos 
na fase de compreensão e socialização do conceito e conhecimento acerca das expressões 
da VO e que a I Oficinasobre VO realizada pela Ouvidoria SUS constituiu um passo 
importante com repercussões na programação anual 2017 e na criação de um grupo de 
trabalho para dar continuidade as discussões e proposições. Porém, no âmbito estadual e 
nacional ainda há um longo caminho a ser percorrido, o que requer que os movimentos 
de mulheres reivindiquem e pressionem a sua priorização e inclusão na política de saúde, 
no orçamento e nos mecanismos de avaliação. 
 
Palavras-chave: Violência obstétrica. Violência contra a mulher. Violências em Saúde. 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The present study addresses the issue of Obstetric Violence (OV) in the city of 
Natal/RN. Its objective was to apprehend the expressions and the main determinants so 
that OV is still a problem that affects obstetric care in Natal/RN. We used bibliographic 
and documentary research, prioritizing Pluriannual Plans (PP) and Annual Plans (AP) and 
respective Management Report (AMR), as well as a report referring to "I Workshop on 
Obstetric Violence in the reality of public maternities - Natal/RN" held in the 
bibliographic research about the PP and AP of the three levels of government in the period 
2012-2016, it reveals that only in the municipal scope the OV was included as a priority. 
However, the SMS/Natal AMR’s does not mention that the result is confirmed in the 
Report of the First Workshop on OV mentioned above, which reveals that this event was 
the first action to map the main problems and collectively collect suggestions from health 
professionals. Besides, the report explains that the professionals had not had prior 
opportunity to discuss what is OV. In addition, it was found in doctors speeches that the 
category presents resistance on the subject, because they evaluate that it can be 
understood as violence of the obstetrician. In the workshop, the professionals recognized 
that there are many OV-provoking practices in the reality of Natal/RN, which are 
naturalized in the daily life of services and not only in the maternities, that is, they are not 
even seen as OV. It is concluded that in the reality of Natal/RN, we are still in the phase 
of understanding and socializing the concept and knowledge about the expressions of the 
OV and that the First Workshop on OV carried out by the SUS Ombudsman's Office, 
constituted an important step with repercussions in the 2017 annual program and the 
creation of a working group to continue the discussions and propositions. However, at the 
state and national levels, there is still a long way to go, requiring women's movements to 
claim and press for their prioritization and inclusion in health policy, budget and 
evaluation mechanisms. 
 
Keywords: Obstetric violence. Violence against women. Violence in Healthcare. 
 
 
 
LISTA DE SIGLAS 
 
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito 
DAB – Departamento de Atenção Básica 
DATASUS – Departamento de Informática do SUS 
LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis 
MEJC – Maternidade Escola Januário Cicco 
MS/OPAS -TC – Ministério da Saúde/ Organização Pan-Americana de Saúde – Termo 
de Cooperação 
MRSB - Movimento da Reforma Sanitária Brasileira 
OEA – Organização dos Estados Americanos 
OMS – Organização Mundial de Saúde 
OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde 
OPM – Órtese, Prótese e Material 
PA – Planos Anuais 
PEP – Plano Ético-Político 
PES – Plano Estadual de Saúde 
PNAISM – Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher 
PNS – Plano Nacional de Saúde 
PMS – Plano Municipal de Saúde 
PPA – Plano Plurianual 
PSOL-RJ – Partido Socialismo e Liberdade – Rio de Janeiro 
RAG – Relatório Anual de Gestão 
RN – Rio Grande do Norte 
RS – Região de Saúde 
SAS – Secretaria de Atenção à Saúde 
SCNES − Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde 
SESAP/RN – Secretaria de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte 
SESC – Serviço Social do Comércio 
SINAM - Sistema de Informação de agravos e Notificação 
SMS – Secretaria Municipal de Saúde 
SUS – Sistema Único de Saúde 
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
VO – Violência Obstétrica 
 
 
LISTA DE ILUSTRAÇÕES (FIGURAS) 
 
Figura 1 - Exemplificação da violência obstétrica......................................................... 27 
Figura 2 − Imagens referentes à relação V.O. x Parto humanizado............................... 42 
Figura 3 – Diretriz 3 do Plano Nacional de Saúde 2012-2015....................................... 44 
Figura 4 – Metas do Plano Nacional de Saúde 2016-2019............................................. 44 
Figura 5 – Metas do Plano Nacional de Saúde 2016-2019............................................. 45 
Figura 6 – Meta do Plano Nacional da Saúde contida no Relatório Anual de Gestão 
2012.................................................................................................................................46 
Figura 7 − Implantação e Implementação de Políticas de Atenção Integral à Saúde da 
Mulher no Relatório Anual de Gestão de 2013...............................................................47 
Figura 8 − Política de Atenção à Saúde da Mulher no Relatório Anual de Gestão de 
2016................................................................................................................................ 49 
Figura 9 − Política de Atenção Integral à Saúde da Mulher no Relatório Anual de Gestão 
de 2015............................................................................................................................ 50 
Figura 10 − Política de Atenção à Saúde da Mulher no Relatório Anual de Gestão de 
2016................................................................................................................................ 52 
Figura 11 – Metas do Plano Estadual de Saúde do RN 2012-2015................................. 54 
Figura 12 – Ações Previstas no Plano Estadual de Saúde 2012-2015............................. 55 
Figura 13 – Avaliação da Diretriz 2 do Plano Estadual de Saúde.................................... 55 
Figura 14 − Diretriz 2 do Relatório Anual de Gestão de 2013......................................... 56 
Figura 15 − Diretriz 2 do Relatório Anual de Gestão de 2014......................................... 57 
Figura 16 − Comparação da implementação de unidades com serviço de notificação de 
violência doméstica, sexual e outras violências............................................................... 57 
Figura 17 – Indicador de violência doméstica, sexual e outras violências....................... 59 
Figura 18 – Diretrizes para ações de saúde do município de Natal para o período de 2011-
2013................................................................................................................................ 61 
Figura 19 − Metas do Plano Municipal de Saúde – Natal/RN 2014/2017..................... 61 
Figura 20 − Diretriz 2 do Relatório Anual de Gestão de 2012....................................... 62 
Figura 21 − Diretriz 2 do Relatório Anual de Gestão de 2013....................................... 62 
Figura 22 − Meta 17 do Relatório Anual de Gestão de 2014......................................... 63 
Figura 23 – Resultados do Relatório Anual de Gestão 
2015.................................................................................................................................63 
LISTA DE TABELAS 
 
Tabela 1 − Práticas prejudiciais e motivos associados....................................................28 
Tabela 2 − Categorias de violência obstétrica, direitos e exemplos................................38 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................162. VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: REFLEXÕES SOBRE A ASSISTÊNCIA AO CICLO 
GRAVÍDICO-PUERPERAL................................................................... 23 
2.1. OS NEXOS ENTRE RELAÇÕES DE GÊNERO E A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA 
NA ASSISTÊNCIA AO 
PARTO.................................................................................................................. 30 
2.2. VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA X MODELO ASSISTENCIAL EM SAÚDE E 
ASSISTÊNCIA AO PARTO NOS SERVIÇOS DE SAÚDE NO BRASIL........ 33 
2.3. HUMANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA AO PARTO NO BRASIL X VIOLÊNCIA 
OBSTÉTRICA...................................................................................................... 39 
 
3. O TRATAMENTO DISPENSADO À VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NO PROCESSO 
DE FORMULAÇÃO E AVALIAÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE NOS TRÊS 
NÍVEIS DO GOVERNO - PERÍODO DE 2012-2016: REFLEXÕES SOBRE A 
REALIDADE DE NATAL/RN............................................................................ 43 
3.1. A VIOLÊNCIA OBTÉTRICA NOS PLANOS DE SAÚDE NO ÂMBITO 
NACIONAL...........................................................................................................43 
3.2. A VIOLÊNCIA OBTÉTRICA NOS PLANOS DE SAÚDE NO ÂMBITO 
ESTADUAL...........................................................................................................53 
3.3. A VIOLÊNCIA OBTÉTRICA NOS PLANOS DE SAÚDE NO ÂMBITO 
MUNICIPAL..........................................................................................................60 
 
4. A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NAS MATERNIDADES PÚBLICAS: REFLEXÕES 
SOBRE A REALIDADE DE 
NATAL/RN........................................................................................................... 65 
 
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 75 
 
REFERÊNCIAS.............................................................................................................. 81 
 
ANEXOS........................................................................................................................ 85 
16 
 
INTRODUÇÃO 
 
A violência obstétrica tem acometido incontáveis mulheres ao longo dos anos e é 
uma realidade vivida no mundo inteiro, segundo apontou a Organização Mundial de 
Saúde (2014). No Brasil, uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência 
durante o parto, segundo dados divulgados em 2011 pela Fundação Perseu Abramo, na 
pesquisa "Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado". 
Em 2012, a pesquisa intitulada: "Teste de violência: violência obstétrica é 
violência contra a mulher", proveniente dos resultados da ação blogagem coletiva, 
abordou a avaliação das mulheres sobre os cuidados recebidos durante internação para o 
parto e nascimento, revelando que, de um quantitativo de quase duas mil mulheres 
respondentes (entre março e abril de 2012), metade afirmou que ficou insatisfeita com a 
qualidade do cuidado médico e hospitalar recebido no processo de atenção ao parto, 
destacando algum tipo de problema caracterizado como VO. 
Partimos da premissa de que um ato ou intervenção direcionado à mulher ou ao 
seu bebê em momento de pré-natal, pré-parto, parto e pós-parto ao ser realizado sem a 
informação e o consentimento explícito desta, ou de forma que desrespeite sua autonomia 
como mãe e sua integridade física, mental, seus sentimentos, suas opções e suas 
preferências, caracteriza uma situação considerada enquanto violência obstétrica. 
Com base nessa concepção, muitos países já reconheceram esta forma de violência 
enquanto crime, como por exemplo Argentina e Venezuela, que a identificaram, como 
caracteriza a Defensoria Pública do Estado de São Paulo (2013), como um “crime 
cometido contra as mulheres, e como tal deve ser prevenido, punido e erradicado” 
 
A violência obstétrica existe e caracteriza-se pela apropriação do 
corpo e processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais de saúde, 
através do tratamento desumanizado, abuso da medicalização e patologização 
dos processos naturais, causando a perda da autonomia e capacidade de decidir 
livremente sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na 
qualidade de vida das mulheres (DPE-SP, 2013, p.1) 
 
No Brasil, todavia, estas práticas não adquiriram status de legitimação em lei, de 
maneira a não categorizar esta vertente de violência e, conjuntamente, não abrindo 
caminho para responsabilização legal dos profissionais que a cometeram/cometem. O 
percurso seguido que representa possibilidade de mudança deste cenário surgiu em 
17 
 
resposta à CPI da mortalidade materna, ocorrido na Câmara dos Deputados no período 
compreendido entre abril de 2000 e março 2001 no qual se concluiu que 98% das mortes 
maternas seriam evitáveis com a adoção de procedimentos simples e políticas públicas de 
atenção direcionadas a gestante ao feto, estabelecendo a necessidade da atenção 
humanizada. A partir deste marco, o país passou a produzir diversas normas que 
objetivam direcionar a adoção do parto humanizado nas maternidades públicas e privadas 
- atenção obstétrica e neonatal que tomam a mulher e o bebê enquanto sujeitos de direito, 
determinando também que todas as condutas sejam previamente discutidas com a mulher 
e autorizadas por ela -, além de definir estratégias e dispositivo para efetivar as leis nº 
11.108/2005, que dispõe sobre o direito ao acompanhante e a nº 11.634/2007, que trata 
sobre o direito da gestante ao conhecimento e a vinculação à maternidade onde receberá 
assistência no âmbito do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2005 e 2007). 
Entretanto, constata-se que os dispositivos infralegais produzidos e o que foi 
previsto em lei pouco significaram para eliminar o desrespeito e os abusos contra as 
mulheres durante a assistência institucional: o cenário de descaso com as múltiplas 
violências sofridas por estas persiste. 
Em resposta a tal cenário, os movimentos das mulheres e/ou feministas passaram 
a produzir reflexões e levar o debate sobre a violência obstétrica aos demais que compõem 
a sociedade civil a fim de se pensar sobre e buscar estratégias de enfrentamento. Uma 
destas ações, foi proposta pela organização Artemis, aconteceu a partir da sugestão ao 
deputado Jean Wyllys (PSOL – RJ) no ano de 2014, de proposição de uma proposta de 
lei que prevê a elevação à categoria de lei federal para todas as iniciativas do governo 
referentes a humanização da assistência ao parto. Foi formulado, então, o projeto de lei, 
nº 7633/2014, que dispõe sobre a humanização da assistência à mulher e ao neonato 
durante o ciclo gravídico-puerperal e dá outras providências, o qual se encontra 
atualmente tramitando no Congresso Nacional, esperando parecer judicial da Comissão 
de Seguridade Social e Família. 
Uma das produções mais recentes a respeito desta violência no Brasil e com 
conteúdo qualitativo foi o elaborado no documento Parto do Princípio (Mulheres em Rede 
pela Maternidade Ativa) e traz um dossiê que abarca a questão da violência obstétrica. 
Nele encontramos o que podemos considerar como os atos caracterizados da violência 
obstétrica: 
[...] são todos aqueles praticados contra a mulher no exercício de sua saúde 
sexual e reprodutiva, podendo ser cometidos por profissionais de saúde, 
servidores públicos, profissionais técnico-administrativos de instituições 
18 
 
públicas e privadas, bem como civis, [...] (PARTO DO PRINCÍPIO, 2012, p. 
60). 
 
Ressalte-se que nas duas definições da violência obstétrica mencionadas trazem 
uma divergência no que se refere a quem podem ser os agressores nesta violência, pois 
se na cartilha elaborada pela defensoria pública de São Paulo ela aparece apenas para os 
profissionais desaúde, no dossiê “Parirás com dor” esta violência não é proferida apenas 
e exclusivamente por profissionais de saúde, por constatarem que essas fontes são plurais 
nos processos reprodutivos das mulheres, e por também considerarem o aborto e os 
aspectos relativos à esterilização. Nesse sentido aponta para uma luta maior no sentido de 
superar preconceitos e a própria cultura da violência contra a mulher. 
O dossiê ainda procura tipificar as expressões da violência obstétrica sentidas no 
Brasil, sendo possível identificar esta violência em seu caráter físico, caráter psicológico, 
caráter sexual, caráter institucional, caráter material e caráter midiático, considerando 
ainda, que em um mesmo fato pode haver a mescla dos caráteres de violência obstétrica. 
À medida que o modo de proceder é regido por normas orientadoras de algum 
grupo, que impõe limites e dão aos indivíduos os moldes de como se deve agir dentro 
desses, estipulando assim determinado modelo ou padrão a se seguir, temos o que se 
conhece enquanto paradigma. 
Toda prática e ação está baseada em uma determinada forma de pensar e numa 
visão de mundo particular. As práticas de saúde também são norteadas por uma dada 
concepção da realidade. O conjunto de valores, crenças e técnicas que servem de base 
para produzir o conhecimento e para orientar a nossa prática chama-se paradigma. O 
Movimento da Reforma Sanitária Brasileira (MRSB), sistematizou o paradigma da 
produção social da saúde, no qual basearemos as nossas reflexões. 
Considere-se que a concepção tradicional de saúde reduzida a dimensão biológica 
é hegemônica pautada sobre o paradigma mecanicista o qual considera que os organismos 
vivos podem ser analisados a partir de suas partes, de forma separada, e o estudo isolado 
das partes permite que tenhamos a compreensão de seu funcionamento. Esta 
fragmentação exacerbada permitiu que muito se conhecesse sobre estas partes separadas 
dos organismos vivos, mas pouco se conhecesse sobre o funcionamento total, 
considerando a integralidade das partes, e de sua interação com o meio em que se encontra 
inserido. 
Ao estudarmos o comportamento também no campo da medicina podemos 
encontrar a concepção reducionista advinda da biologia, sendo considerada enquanto 
19 
 
modelo biomédico, no qual a lógica das partes separadas prevalece, enfocando a saúde e 
a doença sob o viés unicamente da biologia/corporal, deixando de analisar esse ser 
humano em sua totalidade, na qual envolvem os aspectos culturais, econômicos, sociais 
e psicológicos. A medicina, assim, perde a noção da amplitude, do contexto em que se 
encontra o ser humano. 
Este comportamento no campo da saúde tende a trazer uma gama de 
consequências negativas para os usuários deste serviço, uma vez que permite a 
possibilidade de fazer com que tais usuários recebem seus tratamentos ou qualquer outro 
serviço advindo do setor saúde de forma também reducionista, considerando apenas o seu 
estado de saúde/doença muitas vezes desconsiderando e desqualificando o contexto 
psicossocial em que se insere. A violência contra as mulheres na sua faceta de violência 
obstétrica encontra nesse modelo, um cenário que lhe permite a possibilidade de existir. 
Some-se a este paradigma na área da saúde o modelo tecnicista, também adotado, 
que prima pela racionalidade instrumental tecnicista, marcado pela ausência da 
humanização da assistência e supervalorização da técnica em sobreposição ao ser humano 
que está buscando o cuidado, em outros termos trata o usuário como objeto de suas 
práticas e não como sujeito de direitos. 
O desejo de trabalhar com a temática da violência obstétrica surgiu a partir da 
experiência de estágio curricular, que foi desenvolvido na Maternidade Escola Januário 
Cicco. 
Inicialmente por observarmos e identificarmos possíveis casos de situação de 
violência contra a mulher no cotidiano e rotina da instituição de forma aparentemente 
naturalizada. Por essa razão elaboramos um projeto de intervenção que se desenvolveu 
em formato de minicurso de capacitação, intitulado "Violência contra mulheres: 
elementos para o debate na MEJC", no qual participaram profissionais diversos da equipe 
de saúde (como enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos e etc.), surgiu nos momentos 
finais da atividade, uma avaliação por parte destes de temas que julgassem de extrema 
relevância que fossem discutido no âmbito da instituição: a violência obstétrica apareceu 
como maior porcentagem obtida enquanto assunto sugerido, vindo de 31% deles. 
Face a tal resultado foi se fortalecendo a indagação de que essa possa ser a 
realidade das demais maternidades em nosso Estado, apontando a necessidade de 
realização de pesquisas abordando essa temática na realidade das maternidades públicas 
localizadas no município de Natal, balizada por um projeto de pesquisa que seja capaz de 
20 
 
compreender o fenômeno da violência obstétrica, o cenário em que se desenvolve no 
Brasil e o(s) porquê(s) desta ainda ser cometida pelos profissionais das equipes de saúde. 
Assim nasceu o presente trabalho, compreendido como relevante para o setor de 
saúde, na medida em que prevê em suas normativas tornar a humanização no SUS uma 
realidade. Ademais, para a categoria dos Assistentes Sociais, por entender a temática 
enquanto uma das expressões da questão social, enquanto violência contra a mulher, e 
ainda pouco estudada pelo Serviço Social; e para as mulheres usuárias dos serviços de 
saúde em assistência ao parto, por entender este estudo como mais uma forma de ação 
afirmativa, afim de problematizar e dar visibilidade a essa banalizada forma de violência. 
O objeto central deste estudo dedica-se a identificar possíveis elementos 
determinantes para que a violência obstétrica ainda seja uma problemática existente nas 
maternidades públicas localizadas no município do Natal/RN. Nessa perspectiva 
priorizamos as seguintes indagações: 
 
1) A violência obstétrica tem sido incorporada aos planos de saúde? Tem sido 
objeto de avaliação da gestão do SUS? 
2) Há naturalização de práticas nas maternidades públicas do município do 
Natal/RN que se configuram enquanto violência obstétrica? 
3) Os profissionais de saúde têm clareza acerca da violência obstétrica? 
4) A estrutura dos serviços tem levado profissionais a cometerem violações contra 
mulheres? 
 
Note-se que a apreciação da estrutura institucional, bem como de seus processos 
intrínsecos, aqui incluídas as dimensões técnicas dos serviços, as relações interpessoais e 
organizacional, se fez imprescindível para uma melhor avaliação. Vale considerar que os 
resultados obtidos, vincula-se ao anseio de oferecer subsídios e argumentos para a luta 
das mulheres no processo de diálogo e negociação considerando os conflitos de interesses 
existentes na sociedade e na gestão das politicas publicas. 
O objetivo geral consiste em mapear as principais expressões e da violência 
obstétrica e seus determinantes a partir das dificuldades elencadas pelos profissionais da 
equipe de saúde das maternidades públicas localizadas em Natal/RN. 
Essas dificuldades serão elencadas e analisadas a partir dos registros existentes no 
relatório da I Oficina sobre violência obstétrica nas maternidades públicas localizadas no 
município do Natal/RN, realizada em abril de 2017, a qual teve como objetivo mapear 
21 
 
problemas e colher sugestões sobre como enfrentar a VO em Natal/RN a partir do ponto 
de vista dos profissionais integrantes da equipe multiprofissional das maternidades 
públicas existentes no território de Natal/RN. Portanto, alinha-se ao ideário de contribuir 
para que a violência obstétrica seja capaz de dar lugar a humanização da assistênciaobstétrica em geral e em particular a assistência ao parto. 
Assim, os objetivos específicos deste estudo, consistem em problematizar a 
violência institucional obstétrica e apreender os determinantes que levam os profissionais 
à cometerem. 
Do ponto de vista metodológico, de forma concomitante utilizamos pesquisa 
bibliográfica e pesquisa documental. Mas também, consideramos a nossa contribuição 
pessoal à esta pesquisa como um tipo de pesquisa participante ao incluirmos acumulo 
sobre o tema durante nossa experiência de estágio, ocasião em que compartilhamos com 
a equipe de saúde discussões e vivências em relação ao tema. 
A pesquisa bibliográfica se deu por meio de levantamento de referenciais teóricas 
e conceituais a respeito das categorias: violência contra mulher, direitos sexuais e 
reprodutivos, humanização da assistência ao parto, saúde materna e violência obstétrica, 
afim de sistematizar conhecimentos e informações sobre a questão problema em estudo. 
As pesquisas documental, se desenvolveu a partir da análise dos planos anuais e relatórios 
de gestão da Política de Saúde nos três níveis do Governo, nos anos 2012 a 2016 e do 
relatório produzido pela Ouvidoria SUS Municipal - Natal/RN sobre a realidade das 
maternidades públicas de Natal/RN que tem o trato direto com as mulheres usuárias do 
SUS, intitulado "I Oficina sobre Violência Obstétrica na realidade das maternidades 
Públicas - Natal/RN", ocorrida no dia 26/04/2017, no auditório da Maternidade Dr. 
Araken Irerê Pinto, e que resultou em relatório, o qual também embasou a pesquisa 
documental deste trabalho. Na qual tivemos a oportunidade de participar na condição de 
estudante. 
Portanto, pudemos testemunhar a discussão realizada pelos profissionais e 
gestores presentes, embora não se caracterize como uma pesquisa-ação nos termos 
definidos por Gerhardt apud Thiollent (2009), o qual a conceitua enquanto "um tipo de 
investigação social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação 
com uma ação". Enquanto a pesquisa participante se dá com coleta de dados e 
caracteriza-se pelo envolvimento e identificação do pesquisador com as pessoas 
investigadas, como esclarece Gerhardt (2009). Considere-se nossa vivencia com o tema 
22 
 
e objeto em discussão nos possibilitou uma clara identificação com os participantes da 
citada oficina. 
As reflexões estão estruturadas explicitando um breve resgate histórico a respeito 
da Violência Obstétrica, destacando-se aspectos conceituais, legais, além de 
problematizá-los de forma que seja capaz de reiterar a importância da efetivação da 
humanização do SUS, objeto central do Capítulo 2. No Capítulo 3 apresentamos os dados 
e discussão acerca dos planos anuais e relatórios de gestão do período de 2012-2016 nos 
três níveis do governo, com o objetivo de cruzar informações afim de subsidiar a 
compreensão da temática no território do município de Natal e como ou se está vem sendo 
trabalhada. Em seguida, no capítulo 4, expomos e discutimos a temática a partir das 
constatações e proposições apresentadas na "I Oficina sobre Violência Obstétrica na 
realidade das maternidades Públicas - Natal/RN" realizada pela Ouvidoria SUS 
Municipal (Natal/RN) em parceria com o Grupo de Estudos e Pesquisas em Seguridade 
Social e Serviço Social/UFRN, destacando sua dinâmica, as concepções e constatações 
que permearam o debate e as reflexões, e sobretudo os elementos apontados pelos 
profissionais da equipe de saúde como determinantes para que a violência obstétrica 
venha sendo reproduzida em Natal/RN. Por fim, as considerações finais deste estudo, 
abarcando nosso posicionamento acerca do conhecimento adquirido, conjuntamente das 
reflexões, sugestões e os resultados que foram apreendidos e estudados ao longo do 
processo de construção da monografia. 
 
23 
 
2. VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: REFLEXÕES SOBRE A ASSISTÊNCIA AO 
CICLO GRAVÍDICO-PUERPERAL 
 
Nada de politicamente útil acontece até que as 
pessoas comecem a dizer coisas nunca ditas antes, 
permitindo assim que visualizemos práticas novas, 
ao invés de apenas analisar as velhas. (PULHEZ 
apud RORTY, 2013). 
 
 
Partindo da premissa de que, a violência obstétrica existe e, apesar da inexistência 
de mecanismos próprios no Brasil capazes de identificar e/ou notificar esta vertente de 
violência contra a mulher, se manifesta nas situações em que a vítima sofre durante o seu 
ciclo gravídico-puerperal por meio da apropriação do corpo e dos processos reprodutivos 
das mulheres, com danos originados do cuidado obstétrico profissional (CARVALHO, 
2015). 
Significativos coletivos de mulheres pelo país têm se organizado sob a forma de 
movimentos sociais que vem buscando problematizar as expressões da violência 
obstétrica, que reproduz atos cuja essência violenta não se costumava questionar¹. Essas 
organizações de movimentos sociais vêm articulando o evento coletivo da experiência e 
vivência da violência obstétrica, dando sustentação ao trauma gerado as vítimas, através 
das experiências individuais vividas nesse evento coletivo (Pulhez apud Fassin; 
Rechtman, 2013). 
Esse movimento se utiliza de uma metodologia na qual, após o reconhecimento 
por parte destas mulheres de que compartilhavam uma dor que assumia caráter endêmico, 
ou seja, afetava e afeta mulheres de todas as partes do Brasil, identificou-se que se tratava 
de uma violação legítima e que pedia um novo olhar sobre a questão da VO. 
 
O fato das pessoas reivindicarem o status de vítima e, portanto, de se colocarem 
como traumatizadas por alguma situação e por isso acharem merecer algum 
tipo de reparação pelos danos sofridos, ou seja, o fato de termos nos movido 
do status da dúvida da legitimidade de reivindicação pela posição de vítima ao 
reconhecimento indubitável do sofrimento, isso seria resultado de uma 
transformação moral daquilo que constitui a humanidade. (PULHEZ, 2013, 
p.530) 
 
 
Quando problematizamos a violência obstétrica inicialmente sob a perspectiva do 
porquê essas mulheres devem ser legitimamente consideradas vítimas, estamos 
considerando, como ratifica Pulhez (2013) que, muito mais do que uma violência que 
24 
 
acomete o físico, essas mulheres que tem dividido publicamente suas vivências, falam de 
uma violência que lhes atinge emocionalmente, de maneira que se torna difícil lidar com 
o trauma causado no parto e de aceitar a naturalização das práticas daqueles que lhes 
violentaram. 
A discussão sobre a temática por parte dos movimentos sociais que a debatem se 
alinha às garantias do que foi proposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, 
ao reivindicarem dignidade, respeito, liberdade, justiça, valor da pessoa humana e 
igualdade de direitos a fim de se proteger as mulheres das expressões de violência que 
elas vêm sendo acometidas. 
A apropriação deste discurso dos direitos humanos por parte dos movimentos 
sociais, bem como a busca pela sua melhor implementação na vida cotidiana, tem sido 
constitutiva para a formação de sujeitos políticos, que vem buscando dar visibilidade às 
demandas referentes a VO "através da construção de subjetividades e da produção de 
discursos sobre a violência" (PULHEZ apud SCOTT, 2013). 
Quando falamos em construir subjetividades sobre a temática, nos apropriamos 
do entendimento de que é necessário que compreendamos quais categorias tem sido 
reconhecidas como violência contra a mulher e, portanto, por que certos procedimentos 
obstétricos adotados no Brasil devem ou não ser classificados como atos violentos, bem 
como do reconhecimento de quem pode ser percebido enquanto vítima. 
Consideremos para isso o que foi proclamado na Declaração Universal dos 
Direitos Humanos, sobre aqual os países participantes, dentre eles o Brasil, se 
comprometeram a promover, em cooperação com a Organização das Nações Unidas 
(ONU), o respeito universal e efetivo dos direitos do Homem e das liberdades 
fundamentais. No entanto, devemos ponderar sobre o fato de que a interpretação acerca 
do que pode se classificar enquanto atos violentos ou mesmo de quem será visto enquanto 
vítima será fruto de construções históricas e culturais específicas. 
 
[...]Se a Declaração dos Direitos Humanos se pretende Universal, não 
podemos, é claro, esquecer que o modo como aquilo que ali está escrito é 
agenciado em cada contexto específico. Em outras palavras, a maneira como 
em cada contexto se fará uso das categorias de humanidade que buscam ser 
universais – dignidade, respeito, liberdade, justiça, valor da pessoa humana, 
igualdade de direitos - estará refletida nas próprias políticas públicas voltadas 
a atender mulheres, [...] (PULHEZ, 2013, p.532). 
 
 
Quando nos debruçamos sobre a temática da violência obstétrica precisamos 
refletir, portanto, em que contexto essa categoria está mobilizada em nosso país e o que 
25 
 
enxergamos como violência contra a mulher. Pulhez (2013) esclarece assim que "a 
compreensão do que é bom ou ruim para as mulheres na hora do parto é uma questão de 
entendimento de direitos humanos, ou seja, daquilo que seria representativo de respeito, 
de dignidade". 
Segundo a Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para 
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, adotada pela OEA em 1994) 
violência contra a mulher se configura enquanto qualquer ação ou conduta, baseada no 
gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto 
no âmbito público como no privado. O artigo 2º, em seu 2º parágrafo, discrimina que será 
entendido enquanto violência contra a mulher os atos que incluam violência física, sexual 
e psicológica que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e 
que compreende violação, abuso sexual, tortura, maus tratos de pessoas, entre outros, bem 
como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar. 
Violência obstétrica é, portanto, uma das expressões da violência contra as 
mulheres, uma vez que se caracteriza, como sinaliza a Organização Mundial de Saúde 
(OMS), enquanto o conjunto de atos desrespeitosos, abusivos, de maus-tratos e de 
negligência contra a mulher e o bebê. 
Uma das definições muito utilizadas no Brasil pelas mídias sociais, organizações 
não governamentais e por estudantes e profissionais foi extraída da primeira legislação 
latino-americana que tipificava esta forma de violência, em vigor na Venezuela. Nela 
encontramos que a violência obstétrica se caracteriza como: 
 
 
Artículo 15. 13. [...]. Se entiende por violencia obstétrica la apropiación del 
cuerpo y procesos reproductivos de las mujeres por personal de salud, que se 
expresa en un trato deshumanizador, en un abuso de medicalización y 
patologización de los procesos naturales, trayendo consigo pérdida de 
autonomía y capacidad de decidir libremente sobre sus cuerpos y sexualidad, 
impactando negativamente en la calidad de vida de las mujeres. 
(VENEZUELA, 2007). 
 
 
A fim de tipificar as categorias da violência obstétrica segundo a realidade 
histórico-cultural que se faz presente no Brasil, Carvalho (2015) então a define como os 
atos praticados durante o ciclo gravídico-puerperal da mulher no seu momento de 
exercício da saúde sexual e reprodutiva, podendo ser cometido por: profissionais de 
26 
 
saúde, servidores públicos ou privados e civis, nos âmbitos físico, psicológico, sexual, 
institucional, material e midiático. 
Sobre estes temos que: 
► No âmbito físico a violência obstétrica se dá por meio de ações e/ou omissões 
realizadas no corpo da mulher, lhe causando dor ou algum dano físico, a partir de 
práticas sem recomendações baseadas em evidências científicas; 
► No âmbito psicológico temos o conjunto de ações por meio de ações verbais ou 
comportamentais que causem a mulher "sentimentos de inferioridade, 
vulnerabilidade, abandono, instabilidade emocional, medo, acuação, 
insegurança, dissuasão, ludibriamento, alienação, perda de integridade, 
dignidade e respeito" (CARVALHO, 2015). 
► Em caráter sexual, temos as ações impostas às vítimas que violam sua intimidade 
ou pudor recaindo sobre o seu senso de integridade sexual e reprodutiva. 
Carvalho (2015) esclarece que essas ações podem ou não acontecer através do 
acesso aos órgãos sexuais ou partes íntimas de seu corpo, ou mesmo por ações 
que se expressem como controladoras da sexualidade da mulher, por meio do 
abuso de poder e confiança depositados nos profissionais que lhes prestam 
serviço. 
► Em caráter institucional temos a violência obstétrica acontecendo por meio das 
ações, práticas rotineiramente institucionalizadas ou formas de organização que 
impedem, retardem ou dificultem o acesso da mulher aos seus direitos 
instituídos, consolidados em práticas ou serviços de natureza pública ou privada. 
► No âmbito material ou pecuniário temos as ações diretas ou indiretas com o 
intuito de obter recursos financeiros das mulheres de forma a violar direitos já 
garantidos legalmente, para benefício de pessoa física ou jurídica. 
► E, por fim, se tem o âmbito midiático, as práticas por parte dos profissionais por 
meio dos meios de comunicação à fim de violar psicologicamente mulheres em 
seu processo gravídico-puerperal, por meio de ações que denigrem seus direitos 
por meio de imagens, mensagens ou outro meio difundidos publicamente. 
Também se enquadram nesta categoria, as práticas com apologia às práticas 
contraindicadas, para fins sociais, econômicos ou de dominação (CARVALHO, 
2015). 
 
27 
 
De forma sintetizada, objetivando exemplificar algumas das práticas que podem 
ser classificadas enquanto VO, trazemos o quadro a seguir: 
 
 Figura 1 - Exemplificação da violência obstétrica 
 
 *Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/03/15/congresso-
combate-violencia-obstetrica>, Acesso em: 18 Out 2016. 
 
28 
 
As condutas, práticas e procedimentos usados nos exemplos acima, constituem 
ações que violam não apenas os direitos sexuais reprodutivos, mas também a dignidade, 
a privacidade das mulheres, a autonomia, além de sinalizarem total desrespeito as 
recomendações de órgãos internacionais. 
A OMS, no ano de 1996, publicou um guia educativo intitulado de "Assistência 
ao parto normal: um guia prático". Esta produção apresenta classificações das 
intervenções durante o parto baseadas em evidências científicas. Muitas destas práticas 
ainda são rotineiramente empregadas no Brasil, sendo que este trabalho já havia sido 
amplamente divulgado em nosso país já no ano 2001, segundo Tesser (2014). Com base 
em tais reflexões, de forma sintetizada, trazemos a seguir, algumas práticas sinalizadas 
como prejudiciais e/ou ineficazes, bem como que deveriam já terem sido eliminadas: 
 
Tabela 1 − Práticas prejudiciais e motivos associados. 
PRÁTICAS PREJUDICIAIS 
OU INEFICAZES 
MOTIVO 
Infusão intravenosa de rotina no 
trabalho de parto/ Cateterização 
venosa profilática de rotina. 
Diminui a mobilidade, “prende” a parturiente ao leito. Aumenta 
desconforto. 
 Solução glicosada pode aumentar a possibilidade de 
hipoglicemia neonatal. 
Uso indiscriminado de ocitocina. Pode levar a um aumento da atividade uterina com consequente 
hipóxia fetal. 
 Ocitocina isoladamente não diminui a possibilidade de 
cesariana em mulheres com analgesia peridural. 
Amniotomia para acelerar trabalho 
de parto. 
Amniotomia isolada parece diminuir um pouco a duraçãodo 
trabalho de parto, mas aumenta a possibilidade de cesariana 
Posição de litotomia (posição de 
exame ginecológico). 
Posições verticalizadas reduzem o tempo de trabalho de parto e 
não estão associadas a aumento de intervenções ou efeitos 
negativos. 
 São bem descritos os benefícios da posição verticalizada para 
mulher e feto. 
Episiotomia. Aumenta o risco de laceração perineal de terceiro e quarto 
graus, de infecção e de hemorragia, sem diminuir complicações 
a longo prazo de dor e incontinência urinária e fecal. 
 Seu uso rotineiro vir sendo constantemente desestimulado. 
Manobra de Kristeller. Associada a lacerações perineais graves e internação em UTI 
neonatal para o bebê. 
 Há recomendação de que seja evitada. 
Restrição alimentar e hídrica. Prolongada pode levar a desconforto da parturiente, há 
recomendação de que as mulheres tenham liberdade para 
ingerir líquidos e outros alimentos leves durante o trabalho de 
parto. 
Restrição aos movimentos 
corporais. 
Dificulta lidar com a dor. 
 Aumenta a chance de necessidade de analgesia. Aumenta a 
chance de cesariana. 
 Aumenta a duração do trabalho de parto. 
Impedimento de acompanhante. Presença de acompanhantes é altamente protetora contra todas 
as formas de violência durante a internação hospitalar. 
Fonte: TESSER, KNOBEL, ANDREZZO, DINIZ. 2014. 
29 
 
 
Segundo Tesser (2014): 
 
A recente pesquisa nascer no Brasil, contemplando uma amostra representativa 
dos partos hospitalares de todo o país (266 maternidades públicas e privadas 
com 500 ou mais partos anuais em 191 municípios) entrevistou mais de 23 mil 
mulheres e mostrou que as práticas prejudiciais/ineficazes acima mencionadas 
ainda são rotina no país. Entre as entrevistadas, 70% foram rotineiramente 
puncionadas, 40% receberam ocitocina e realizou-se amniotomía em 40%. 
Entre as mulheres que pariram (48% da amostra), 92% estavam em posição de 
litotomia (deitadas), 56% foram submetidas a episiotamia, 37% receberam a 
manobra de Kristeller (aplicação de pressão na parte superior do útero durante 
o período expulsivo). Somente 26% puderam se alimentar, 46% puderam se 
movimentar durante o trabalho de parto e 18,7% contaram com acompanhante. 
Apenas 5% tiveram partos sem nenhuma intervenção. (TESSER; KNOBEL; 
ANDREZZO; DINIZ, 2014, p. 4-5). 
 
 
Diversos estudos apontam a VO como uma realidade vivida por muitas mulheres 
no Brasil, mas ainda não foi possível oficialmente dimensionar precisamente o alcance 
desta violência, uma vez que não existem mecanismos próprios para identifica-la e 
notifica-la sendo adotados nas rotinas das maternidades ou mesmo fora delas. 
Principalmente, dada a falta de políticas de informações efetivas que possibilitem as 
mulheres entenderem a VO, de forma a não se perceberem enquanto vítimas quando o 
são - como traz Pulhez (2013): "se são procedimentos rotineiros e próprios do saber 
médico, por que se haveria de vê-los como violentos?". Assim, o problema continua sendo 
invisibilizado. Segundo Diniz (2005), no Brasil, até hoje os dados sobre episiotomia, por 
exemplo, sequer estão no DATASUS, e o Estado se mantem omisso em relação aos meios 
para estabelecer punição a quem impedir ou não fizer cumprir a legislação, causando 
VO). 
Trazer a discussão sobre a forma como temos lidado com o ciclo gravídico-
puerperal traz consigo, portanto, a necessidade de se entender que temos vivenciado e 
permitido a violação dos direitos humanos a partir de procedimentos que vão de encontro 
ao preconizado para a saúde sexual e reprodutiva. 
Enquanto parte dos direitos fundamentais básicos à vida digna propostos pela 
Declaração Universal dos Direitos Humanos, se inserem os Direitos sexuais e 
reprodutivos que se tornaram reconhecidos em leis nacionais e documentos 
internacionais. Os direitos humanos se inscrevem no conjunto dos direitos sociais e 
respeitando-os se promove a vida em sociedade, conforme afirma Brasil (2010) "não 
30 
 
existe um direito mais importante que o outro. Para o pleno exercício da cidadania, é 
preciso a garantia do conjunto dos Direitos Humanos". 
Para se tornarem efetivos e realidade para os governos dos países que os 
reconheceram enquanto direitos humanos, faz-se necessário, no entanto, um conjunto de 
normas jurídicas que favoreçam a sua promoção e implementação, bem como políticas 
públicas garantidoras de saúde para o exercício de tais direitos. 
No entanto, a compreensão do que pode ser bom ou ruim para as mulheres afim 
de se fazer cumprir esses direitos parece ter relação com a questão moral, com a questão 
de entendimento de direitos humanos e o que seria representativo de respeito e dignidade- 
como aponta Pulhez (2013) "[...] do que se vê como sendo de fato o melhor para a mãe e 
bebê - visão construída histórica e culturalmente". 
Entendemos, portanto, que vislumbrar compreender a VO de forma ontológica, 
bem como respondermos as perguntas geradores deste estudo, nos remete a reflexões 
sobre duas questões estruturantes desta violência: a forma como o gênero está relacionado 
a forma com que lidamos com as mulheres em seus ciclos gravídico-puerperais, bem 
como entender como tem se estruturado o modelo de assistência ao parto em nossa 
sociedade. 
 
 
2.1. OS NEXOS ENTRE RELAÇÕES DE GÊNERO E A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA 
NA ASSISTÊNCIA AO PARTO 
 
"'Mas mulher é safada mesmo, né? Sofre e não dá 
um ano e já tá aqui de novo'." [Trecho dos relatos 
das mulheres cujos vídeos foram reunidos para a 
produção do documentário - Violência Obstétrica - 
A voz das brasileiras] 
 
Toda e qualquer organização humana em sociedade é permeada de significações 
que são fruto de construções sociais. O próprio entendimento enquanto ser humano pode 
ser apreendido sob as mais variadas facetas. Essas interpretações podem ter diversos 
elementos que combinados entre si vão delimitando as significações socialmente 
construídas, tal como: a forma como se relaciona com o ambiente natural em que vive, 
como se lida com condições climáticas, como se constrói a cultura local, como se 
relaciona com as outras pessoas que permeiam seu convívio, e etc. Seguindo a mesma 
31 
 
lógica, se pode encontrar as percepções e significados que são dados aos sexos dos 
homens e das mulheres, tanto fisiologicamente, quanto socialmente. As noções que 
permeiam o conceito do que é ser masculino e o que é ser feminino, portanto, só se 
estruturam a partir das relações socialmente construídas entre os seres humanos 
genéricos. 
 
É a partir da observação e do conhecimento das diferenças sexuais que a 
sociedade cria ideias sobre o que é um homem, o que é uma mulher, o que é 
masculino e o que é feminino, ou seja, as chamadas representações de gênero. 
Com isso, se estabelecem também as ideias de como deve ser a relação entre 
homem e mulher, a relação entre as mulheres e a relação entre os homens. Ou 
seja, a sociedade cria as relações de gênero (CAMURÇA; GOUVEIA; 2004, 
p. 12-13) 
 
Adote-se, por conseguinte, a lógica de que sexo se refere a um conjunto de 
características genotípicas e biológicas, enquanto o gênero é um conceito que se relaciona 
a um sistema de atributos sociais, tal como papéis, crenças, atitudes e relações entre 
mulheres e homens, sendo que estes não são determinados pela biologia, mas pelo 
contexto social, político e econômico, de forma que contribuem para orientar o sentido 
do que é ser homem ou ser mulher numa dada sociedade. 
Entender o conceito de gênero se faz mister para que possamos compreender de 
que maneira vem sendo construída a assistência que é dada as mulheres em período 
gestacional, no parto e pós-parto, uma vez que, entre as dimensões envolvidas na 
formatação cultural das práticas de assistência ao parto, encontramosa cultura sexual da 
sociedade, suas hierarquias e os valores de gênero, bem como de raça, classe social, entre 
outros. Portanto, o gênero é uma construção social e histórica e, cabe ressaltar que na 
maioria das sociedades, as relações de gênero são desiguais, principalmente nas 
sociedades de classe, particularmente a sociedade capitalista. 
As relações de gênero tendem a reproduzir seus determinantes nas variadas esferas 
das relações que envolvem a sociedade, e aqui se encontram, também, as categorias 
profissionais de trabalho. No campo das pesquisas e práticas nas áreas de conhecimento, 
podemos considera-las válidas e, portanto, confiáveis na medida em que se fundamentam 
a partir de processos de análises críticas da investigação científica. No entanto, as relações 
de gênero expressam suas influências e também se manifestam nas pesquisas e práticas 
na área do conhecimento, de forma que passam a demarcar o que se compreende enquanto 
"viés de gênero" e/ou "cegueira de gênero", quando aqueles passam a "deixar de valorizar 
32 
 
aspectos fundamentais dos seus objetivos de estudo, enxergando apenas aqueles que 
confirmam o paradigma dominante" (DINIZ, 2009). 
 
 
No caso da assistência ao parto, a cegueira de gênero leva pesquisadores e 
profissionais a aceitar crenças da cultura sexual sobre o corpo feminino, 
relacionadas a este "sexo socialmente construído", como sendo explicações 
científicas e objetivas sobre o corpo e a sexualidade (DINIZ, 2009, p. 4). 
 
A assistência ao parto se estruturou por muito tempo tendo como base estas 
concepções de gênero que norteavam o fenômeno do ciclo gravídico-puerperal atreladas 
e alimentadas pelas convicções doutrinadoras provindas dos tempos bíblicos (Andrade; 
Aggio, 2014), através dos ensinamentos religiosos que se posicionavam de maneira a 
considerar a mulher enquanto ser subalterno e submisso ao homem e colocavam a dor de 
maneira associada à parturição, devendo a mulher suporta-la e aceita-la. 
Este modelo de assistência, mais tarde tutelado pela Igreja Católica, apontava o 
momento do parto e descrevia o sofrimento que ele carregava enquanto desígnio divino, 
um ato de expiação pelo pecado original, sendo dificultado e até ilegalizado qualquer 
forma de apoio que pudesse ser dado enquanto meio de aliviar os riscos e/ou as dores do 
parto. 
 
Desde os tempos bíblicos a dor tem sido associada à parturição, obrigando a 
parturiente a suporta-la e aceita-la. A passagem bíblica de Genêsis3, em seu 
versículo 16, retrata esse contexto, quando Eva prova o fruto do pecado 
original, induzir Adão a também pecar e recebe como punição a dor 
multiplicada na parturição. A Sagrada Escritura cita que as dores durante o 
parto são punições que a mulher deve sentir por ter cometido o pecado original, 
interferindo em seus sentimento e percepções a cerca deste momento, 
substituindo o sentimento de prazer durante a concepção pelo castigo 
(ANDRADE; AGGIO, 2014, p. 1-2). 
 
A replicação deste pensamento no arcabouço histórico e cultural da sociedade 
leiga e de profissionais de saúde expõe a mulher à violência obstétrica e de gênero, sendo 
a dor inerente à experiência da maternidade (ANDRADE; AGGIO, 2014). 
Segundo aponta Valle (2016), a mulher, até um século atrás, vivenciava, portanto, 
o parto enquanto regra pelo nascimento através de parto espontâneo e de forma natural, 
em ambiente domiciliar. Enquanto ser fêmea mamífera, a mulher tem a capacidade 
fisiológica tanto para a gestação, quanto para o parto natural, sem praticamente necessitar 
de assistência ou intervenção, tendo raras exceções. 
 
33 
 
Durante muitos e muitos séculos, parir era um ato eminentemente feminino e 
privado, realizado em domicílio com auxílio das parteiras, aparadeiras ou 
comadres, que eram mulheres de confiança da gestante e reconhecidas pela 
comunidade por sua experiência na realização do parto e no acompanhamento 
durante o trabalho de parto e pós-parto. O parto era uma atividade 
desvalorizada, suas dores consideradas como consequência do pecado original 
e, portanto, não era digno de atenção por parte da medicina formal, que 
relegava seu acompanhamento a mulheres que nada ou pouco recebiam por 
isso. (VALLE, 2016, p.2) 
 
 
A realidade vivenciada trouxe para as mulheres uma forte união entre elas, uma 
vez que vivenciavam juntas o parto com ajuda mútua, além de compartilharem 
conhecimentos que proviam da observação e compreensão advindos dos processos 
fisiológicos próprios do nascimento pela troca de informações e das experiências. A 
solidariedade e alteridade procurava suprir, a partir do respeito e escuta do corpo 
feminino, a precariedade de recursos tecnológicos, atrelado aos seus limites e 
possibilidades. 
É necessário que apreendamos o fato de que é através do posicionamento que a 
mulher ocupa perante a sociedade que se fundamenta essa passagem histórica de modelo 
de assistência ao parto: a mulher era tida como culpada por sua sexualidade e por isso não 
merecia espaço digno e legítimo para ter suporte ao fenômeno do ciclo gravídico-
puerperal que vivenciava. 
 
 
2.2. VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA X MODELO ASSISTENCIAL EM SAÚDE E 
ASSISTÊNCIA AO PARTO NOS SERVIÇOS DE SAÚDE NO BRASIL 
 
"Nosso modelo obstétrico ele é, no mínimo, 
desatualizado. A gente tem práticas que são usadas 
de rotina hoje em dia que foram instauradas há 200 
anos atrás, sem nenhuma evidência científica, e 
continuam sendo feitas hoje em dia por simples 
rotina, porque se aprendeu a fazer assim e nunca se 
questionou." [Trecho obtido dos relatos de 
profissionais que discutem a temática da V.O. cujos 
vídeos foram reunidos para a produção do 
documentário - A dor além do Parto, disponível: 
https//www.youtube.com/watch 
 
 
34 
 
Historicamente, a assistência com que as práticas em saúde da mulher se 
desenvolveram têm sido regidas e influenciadas pelo modelo biomédico hegemônico nas 
práticas assistenciais em saúde no Brasil, uma vez que "o discurso médico, via de regra, 
apoia suas observações e formulações, exclusivamente, a partir da perspectiva do modelo 
biomédico." (MARCO, 2005). Portanto, articular o conhecimento no que tange a 
assistência ao ciclo gravídico-puerperal requer uma reflexão inicial sobre a forma como 
se estrutura e se desenvolve o modelo de intervenção em saúde. 
Fertonani (2015) sinaliza que "o designado 'modelo biomédico' tem influenciado 
a formação profissional, a organização dos serviços e a produção de conhecimento em 
saúde"; sendo assim, para analisarmos as formas de organização das práticas de saúde 
devemos buscar compreender sobre que bases este modelo se desenvolve. 
 
No decorrer de toda a história da ciência ocidental, o desenvolvimento da 
biologia caminhou de mãos dadas com o da medicina. Por conseguinte, é 
natural que, uma vez estabelecida firmemente em biologia a concepção 
mecanicista da vida, ela dominasse também as atitudes dos médicos em relação 
à saúde e à doença. A influência do paradigma cartesiano sobre o pensamento 
médico resultou no chamado modelo biomédico, que constitui o alicerce 
conceitual da moderna medicina científica. (CAPRA, 1982, disponível em 
<http://www.psiquiatriageral.com.br/educacaomedica/modelo1.htm>. 
 
Temos o modelo de assistência biomédico pautado, portanto, na ciência 
positivista, seguindo a linha de raciocínio mecanicista de pensadores como Descartes, 
Newton e Galileu, no século XIX, assim como apontou Anandalle (1998). Esta forma de 
pensar entendia que o conhecimento científico seria a única forma legítima de se alcançar 
o conhecimento verdadeiro sobre os fatos, pois "de acordo com os positivistas somente 
pode-se afirmar que uma teoria é correta se ela foi comprovada através de métodos 
científicos válidos(HILTON, 2003).” 
Este modelo entende o homem e seu funcionamento enquanto um sistema 
mecânico, e quando esse adoece, é tratado como danificado, tal qual uma máquina pode 
ficar. Logo, podemos concluir como o conceito de saúde neste modelo é compreendido: 
enquanto ausência de doença (COSTA, 2012). 
Tal modelo foi ganhando força, inicialmente, no fim da idade média, quando 
 
[...] a Europa foi assolada pela peste negra, e as outras formas de atenção à 
saúde existentes como a mágica, a religiosa e a galênica não deram conta de 
sanar o problema levando à necessidade de se pensar o conceito de doença de 
uma forma emergencial, campo propício para o desenvolvimento e 
popularização deste modelo que é caracterizado pela explicação unicausal da 
35 
 
doença, pelo biologicismo, fragmentação, mecanicismo, nosocentrismo, 
recuperação e reabilitação, tecnicismo, especialização (COSTA, 2012, p. 01). 
 
 
Nessa perspectiva, é "a doença e sua cura, o diagnóstico individual e o 
tratamento, o processo fisiopatológico que ganham espaço" (COSTA, 2012). 
Na ciência moderna, o modelo biomédico se revela buscando legitimidade 
através de, como foi associado por Fertonani, (2015) à publicação do Relatório Flexner, 
nos Estados Unidos, em 1910, o qual se constituía de críticas a situação das escolas 
médicas, tanto dos Estados Unidos, quanto do Canadá, apontando para uma ciência com 
sustentação no paradigma cartesiano, que culminou por se firmar no campo da saúde. O 
modelo torna-se hegemônico, mas, em 1970, passa a gerar, concomitantemente, um 
movimento de críticas com relevância internacional, repercutindo também nos debates 
brasileiros, que se tornam mais intensos especialmente em meados da década de 1980. 
Se por um lado este modelo havia sido incorporado pelos serviços de saúde, por 
"seus benefícios para promover o alívio da dor e o tratamento de diversas doenças que 
afligem a humanidade" segundo Fertonani (2015), por outro, ele revela seus limites na 
atenção à saúde, tais quais: 
 
[...] o foco no indivíduo indiferenciado e predominantemente com intervenções 
no seu corpo e na parte afetada ou 'não funcionante do corpo-maquina'; a ênfase 
nas ações curativas e no tratamento das doenças, lesões e danos; a 
medicalização; a ênfase na atenção hospitalar com uso intensivo do aparato 
tecnológico do tipo material. Pode-se mencionar, ainda, a pouca ênfase na 
análise dos determinantes do processo saúde-doença, a orientação para a 
demanda espontânea, o distanciamento dos aspectos culturais e éticos 
implicados nas escolhas e vivências dos sujeitos e a incapacidade de 
compreender a multidimensionalidade do ser humano (FERTONINI; PIRES; 
BIFF; SCHERER, 2015, p.1871). 
 
Este modelo de atenção, voltado para a sintomatologia, no qual temos o foco na 
doença em contrapartida ao indivíduo, revela uma atenção que deixa de ser "à saúde e 
passando a se tornar atenção à doença" (COSTA, 2012). Tal modelo de cuidado foi e é 
extremamente valioso quando falamos em causas emergenciais, nos quais é pedido do 
profissional da área da saúde objetividade e agilidade afim de se garantir o 
reestabelecimento físico primordialmente, permitindo que posteriormente se adentre às 
questões mais intrínsecas da pessoa. No entanto, o atendimento integral e o entendimento 
do ser humano em sua completude passam a ser requisitados e, em nosso cenário nacional, 
36 
 
isto acontece, principalmente na década de 1980, pelo Movimento da Reforma Sanitária 
Brasileira (MRSB) aliado às lutas pelo fim da ditadura, pela democracia e por direitos 
trabalhistas, sociais e de cidadania. 
Com o advento da VIII Conferência Nacional de Saúde e a promulgação da 
Constituição de 1988, tivemos uma mudança significativa do entendimento do conceito 
de saúde, que a partir daquele momento passa a ser vista enquanto o resultado das 
condições sociais e de vida e reconhecido do direito à saúde enquanto direito de cidadania, 
culminando na conquista do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1990. 
 
Os princípios do SUS passaram a ser um eixo de orientação para as práticas 
assistenciais, contemplando o acesso universal e igualitário, a regionalização, 
a hierarquização e a descentralização dos serviços de saúde, o atendimento na 
perspectiva da integralidade e a participação popular (FERTONINI; PIRES; 
BIFF; SCHERER, 2015, p. 1870). 
 
A disputa do modelo biomédico hegemônico e propostas de modelos alternativos 
frutos das décadas de 1980 seguem até o presente, uma vez que são diversos os desafios 
para implementar um modelo assistencial em saúde que seja capaz de atender ao que se 
estabelece no arcabouço legal (FERTONINI; PIRES; BIFF; SCHERER, 2015). 
O entendimento deste modelo de atenção à saúde é fundamental para que 
compreendamos como ele influenciou as diversas especialidades do cuidado, inclusive a 
da assistência ao ciclo gravídico-puerperal, uma vez que estes "se articulam em uma 
relação não de causalidade, mas de interdependência e legitimação" (MAIA, 2010, p.19). 
Diversos autores que discutem a VO e assistência ao parto, como Grilo (2009), 
Fertonini, Pires, Biff, Scherer (2015), Maia (2010), Pulhez (2013) e etc., ao trabalharem 
a construção deste modelo que norteia e baseia a assistência obstétrica, referem-se ao 
modelo denominando-o enquanto tecnocrático. Este modelo de assistência ao parto se 
relaciona diretamente ao modelo de assistência à saúde que se instaurou no Brasil, uma 
vez que “na condição de processos paralelos, que se dão em um contexto histórico, 
cultural, social, e econômico complexo, ambos os modelos estão conectados de modo a 
se realimentarem. ” (Cf. MAIA, 2010, p. 19). 
Na construção do sistema de saúde no Brasil, o modelo de assistência à saúde se 
fez fragmentado, curativo e hospitalar, características que exercem impacto na 
elaboração, implantação e monitoramento de políticas do setor, em geral, e das políticas 
de atenção ao parto, em particular. (MAIA, 2010, p. 19). 
37 
 
Podemos compreender este modelo a partir do que pontua Santos (2002), quando 
esclarece que o modelo tecnocrático “[..] é baseado na ciência, influenciada pela 
tecnologia, e conduzida por instituições que possuem em sua filosofia fundamental 
valores como o patriarcado, o tecnicismo e a supremacia da instituição sobre o indivíduo. 
” Podemos inferir que se trata de modelo baseado na ideologia da tecnologia e “[...] que 
o torna apropriado para a sociedade tecnocrática com os seus valores de eficiência e 
racionalidade, organização prática, sistematização e controle” (SANTOS, 2002). 
Tal modelo se constituiu no Brasil, como sinaliza Maia (2010) “privilegiando e 
consolidando as práticas médico-hospitalares individuais, financiadas pelo sistema 
previdenciário, em detrimento das ações coletivas de prevenção e promoção de saúde”. 
 
Na constituição da obstetrícia moderna e do seu discurso acerca da mulher e 
do parto, o modelo tecnocrático de assistência ao parto – nascido da e junto 
com a medicina obstétrica moderna – encontra solo fértil para se legitimar no 
Brasil, de maneira quase absoluta, em um contexto de assistência à saúde 
predominantemente curativo e hospitalar. Não obstante, nos últimos anos a 
assistência humanizada ao parto e nascimento vem sendo regulamentada por 
normativas governamentais. (MAIA, 2010, p. 20) 
 
 
Esta forma de assistir a mulher no trabalho de parto e parto, sob influência do 
modelo tecnocrático, traz consigo práticas obstétricas que consideramos questionáveis a 
medida em que tira da mulher sua autonomia de parir, ainda a enxergando como incapaz 
de lidar com o processo da gravidez e parto e interpretando tal momento como puramente 
biológico. A lógica do mecânico, técnico, sob o tratamento dispensado a mulher se 
elucida notrecho que segue: 
 
Na percepção do corpo como máquina, o principal objeto do obstetra passa a 
ser o útero e seu produto, em lugar da mulher. Dessa forma, o parto é 
considerado como o resultado do trabalho mecânico das contrações 
involuntárias do útero. Segundo Martin (2006), essa imagem é fundamental na 
concepção da obstetrícia moderna, por três razões. Primeiro, ele elimina a 
mulher como sujeito e coloca o médico nesse lugar, cabendo a ele a condução 
ativa do parto. Segundo, impede os médicos de reconhecerem como legítimas 
as situações nas quais o ambiente externo e o estado emocional da mulher 
atuam dificultando ou facilitando o trabalho de parto e o parto. Nos termos de 
modelo tecnocrático duro, o trabalho de parto é visto como processo puramente 
fisiológico, e não emocional; se algum fator emocional o facilita ou dificulta, 
ele não é reconhecido como tal – por exemplo, o fato de a mulher ficar sozinha 
durante o trabalho de parto não é reconhecido como um dificultador do 
processo. Terceiro, define e determina a atuação intervencionista do médico 
quando ele acha que o musculo uterino não responde apropriadamente 
(rompimento do saco amniótico pelo médico, aplicação de ocitocina, 
realização de cesariana etc.). Em um ambiente hospitalar, tais práticas e rotinas 
se tornam padronizadas (MAIA, 2010, p. 35). 
 
38 
 
A “imagem fragmentada do corpo máquina e da mulher útero”, como aponta 
Maia (2010), permite que o processo do nascimento seja, por vezes, comparado a uma 
linha de produção, instituindo uma assistência padronizada, com a mulher sendo 
“processada em várias estações de trabalho (pré-parto, parto, pós-parto)” (DINIZ, 2005), 
nos moldes do modelo de produção taylorista, associado, também ao apoio de um intenso 
aparato tecnológico e fármaco-químico. 
Verifica-se, com este modelo de atenção, a persistência da centralidade do 
tratamento de patologias e dos cuidados ao corpo biológico, que, como estamos 
construindo, entendemos enquanto prejudicial as mulheres pois permite que a VO possa 
ocorrer, uma vez que alimenta a prática de procedimentos já consolidados, sendo que 
vários deles vão de encontro ao que evidências científicas vem mostrando enquanto 
saudáveis e benéficas, além de serem contrárias ao que é proposto pelo movimento de 
humanização do parto (sobre este, trataremos no tópico que segue). 
Apresenta-se a seguir, quadro ilustrativo afim de melhor esclarecer as principais 
categorias de desrespeito e abuso nas instituições de saúde, fruto destas práticas 
influenciadas tanto pelo modelo de assistência tecnocrático, mas também pelas 
influências dos determinantes de gênero, como vimos no tópico que antecede a este. 
 
Tabela 2 − Categorias de violência obstétrica, direitos e exemplos. 
Categoria Direito 
correspondente 
Situações exemplares 
 
Abuso físico. 
Direito a estar livre 
de tratamento 
prejudicial e de 
maus tratos. 
Procedimentos sem justificativa clínica e intervenções 
“didáticas”, como toques vaginais dolorosos e repetitivos, 
cesáreas e episiotomias desnecessárias. Imobilização física 
em posições dolorosas, prática da episiotomia e outras 
intervenções sem anestesia, sob a crença de que a paciente 
“já está sentindo dor mesmo”. 
Imposição de 
intervenções 
não consentidas, 
intervenções 
aceitas com base 
em informações 
parciais ou 
distorcidas. 
Direito à 
informação, ao 
consentimento 
informado e à 
recusa, e respeito 
pelas escolhas e 
preferências, 
incluindo 
acompanhantes 
durante o 
atendimento de 
maternidade. 
Mulheres que verbalmente e por escrito, não autorizam uma 
episiotomia, mas esta intervenção é feita à revelia da sua 
desautorização. Recusa à aceitação de planos de parto. 
Indução à cesária por motivos duvidosos, tais como 
superestimação dos riscos para o bebê (circular de cordão, 
“pós-datismo” na 40ª semana, etc.) ou para a mãe (cesária 
para “prevenir danos sexuais”, etc.). Não informação dos 
danos potenciais de longo prazo dos modos de nascer 
(aumento de doenças crônicas nos nascidos, por exemplo). 
Cuidado não 
confidencial ou 
privativo. 
 
Confidencialidade e 
privacidade. 
Maternidades mantêm enfermarias de trabalho de parto 
coletivas, muitas vezes sem sequer um bombo separando os 
leitos, e ainda usam a falta de privacidade como justificativa 
para desrespeitar o direito ao acompanhante. 
39 
 
Cuidado indigno 
e abuso verbal. 
Dignidade e 
respeito. 
Formas de comunicação desrespeitosas com as mulheres, 
subestimando e ridicularizando sua dor, desmoralizando 
seus pedidos de ajuda. Humilhações de caráter sexual, do 
tipo “ quando você fez você achou bom, agora está 
chorando”. 
 
Descriminação 
baseada em 
certos atributos. 
 
Igualdade, não 
discriminação, 
equidade da 
atenção. 
Tratamento diferencial com base em atributos considerados 
positivos (casadas, com gravidez planejadas, adultas, 
brancas, mais escolarizadas, de classe média, saudáveis, 
etc.) depreciando as que têm atributos considerados 
negativos (pobres, não-escolarizadas, mais jovens, negras, e 
as que questionam ordens médicas). 
 
Abandono, 
negligência ou 
recusa de 
assistência. 
 
Direito ao cuidado à 
saúde em tempo 
oportuno e ao mais 
alto nível possível 
de saúde. 
Estudos mostram o abandono, a negligência ou a recusa de 
assistência às mulheres que são percebidas como muito 
queixosas, descompensadas ou demandantes, e nos casos de 
assistência ao aborto incompleto, frequentemente são 
deixadas por último, com riscos importantes à sua segurança 
física. 
Detenção nos 
serviços. 
 
Liberdade, 
autonomia. 
Pacientes podem ficar retidas até que saldem as dívidas com 
os serviços. No Brasil e em outros países, começam a 
ocorrer detenções policiais. 
Fonte: TESSER, KNOBEL, ANDREZZO, DINIZ. 2014. 
 
O modelo tecnocrático de assistência ao parto, além das enfraquecidas relações 
humanas que desenvolve e do sofrimento físico e emocional que gera, tem, no uso 
irracional de tecnologia no parto, como aponta Diniz (2005), provocado mais danos que 
benefícios, dando as mulheres grávidas apenas duas opções de parir, sendo ou o “parto 
vaginal traumático, pelo excesso de intervenções desnecessárias, ou uma cesária” 
(MAIA, 2010). Portanto, uma das principais lutas refere-se a profundas mudanças no 
modelo assistencial. 
 
 
2.3. HUMANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA AO PARTO NO BRASIL X VIOLÊNCIA 
OBSTÉTRICA 
 
 Quando se emprega o termo humanizar, ao que tange a assistência ao parto, é 
preciso ter em mente que este já é utilizado há muitas décadas, sempre com sentidos 
bastante diversos. Tal constatação pode ser exemplificada quando, no século 20, 
Fernando Magalhães, conhecido como o pai da obstetrícia brasileira ou o professor Jorge 
Rezende já empregavam o termo para defender o uso do fórceps ou a narcose enquanto 
humanizadores da assistência ao parto (DINIZ, 2005). 
É possível inferir, portanto, que: 
 
 
40 
 
A humanização da assistência, nas suas muitas versões, expressa uma mudança 
na compreensão do parto como experiência humana e, para quem o assiste, 
uma mudança no “que fazer” diante do sofrimento do outro humano. No caso, 
trata-se do sofrimento da outra, de uma mulher (DINIZ, 2005, p. 628). 
 
 
 A construção da compreensão acerca dos modelos de atenção biomédico e 
tecnocrático, bem como seus limites na atenção à saúde da mulher em seu ciclo gravídico-
puerperal, no tópico antecedente é fundamental para que prossigamos no entendimento 
do porquê que, há mais ou menos 37 anos, iniciou-se um movimento internacional que 
debatia a “tecnologia apropriada, a qualidade da interação entre parturiente e seus 
cuidadores, e a des-incorporação de tecnologia danosa” (DINIZ, 2005). No Brasil, este 
movimento

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