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Entre preservar e reformar - práticas e saberes psis no museu da Colônia Juliano Moreira - NORMALIZADA

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
Centro de Educação e Humanidades 
Instituto de Psicologia 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
João Henrique Queiroz de Araújo 
 
 
 
 
 
 
 
 
Entre preservar e reformar: práticas e saberes psis no museu da 
Colônia Juliano Moreira 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2016 
João Henrique Queiroz de Araújo 
 
 
 
 
 
 
 
Entre preservar e reformar: práticas e saberes psis no museu da Colônia 
Juliano Moreira 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada como requisito 
parcial para obtenção do título de Mestre, 
ao Programa de Pós-Graduação em 
Psicologia Social, da Universidade do 
Estado do Rio de Janeiro. 
 
 
 
 
 
 
 
Orientadora: Profª. Dra. Ana Maria Jacó Vilela 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2016 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CATALOGAÇÃO NA FONTE 
 UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A 
 
 
 
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou 
parcial desta dissertação, desde que citada a fonte. 
 
___________________________________ _______________ 
 Assinatura Data 
 
 
A663 Araújo, João Henrique Queiroz de. 
 Entre preservar e reformar: práticas e saberes psis no museu da 
Colônia Juliano Moreira / João Henrique Queiroz de Araújo. – 2016. 
 107 f. 
 
 Orientadora: Ana Maria Jacó Vilela. 
 Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 
Instituto de Psicologia. 
 
 
 1. Psicologia Social – Teses. 2. Colônia Juliano Moreira – Teses. 3. 
Museu Bispo do Rosário – Teses. 4. Museu Nise da Silveira – Teses. I. 
Jacó Vilela, Ana Maria. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 
Instituto de Psicologia. III. Título. 
 
 
 es CDU 316.6 
 
João Henrique Queiroz de Araújo 
 
 
 
Entre preservar e reformar: práticas e saberes psis no museu da Colônia 
Juliano Moreira 
 
 
 
 
Dissertação apresentada como requisito 
parcial para obtenção do título de Mestre, 
ao Programa de Pós-Graduação em 
Psicologia Social, da Universidade do 
Estado do Rio de Janeiro. 
 
 
Aprovada em 29 de janeiro de 2016. 
 
 
Banca Examinadora: 
 
 
_______________________________________ 
Profª. Dra. Ana Maria Jacó Vilela (Orientadora) 
Instituto de Psicologia – UERJ 
 
 
_______________________________________ 
Profª. Dra. Cristiana Facchinetti 
Fundação Oswaldo Cruz 
 
 
_______________________________________ 
Prof. Dr. Walter Melo Junior 
Universidade Federal de São João del-Rei 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2016 
DEDICATÓRIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Em memória de minha mãe, Maria Corina. 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
 Realizar a escrita de uma dissertação é um trabalho árduo, mas que 
certamente se ameniza na medida em que vamos encontrando o suporte de 
familiares, de amigos, de colegas de curso, de companheiros de pesquisa e de 
demais pessoas que, afortunadamente, esbarramos no meio dessa jornada. Por 
isso, sinto-me na obrigação de agradecer a um conjunto de pessoas que, muitas 
vezes sem tomar consciência da sua importância neste processo que agora se finda, 
me proporcionaram o apoio necessário para a concretização de meus objetivos. 
 Aos meus pais, Geraldo Henrique e Maria Corina, obrigado pelo carinho, 
incentivo e por acreditar na minha capacidade de alcançar o mestrado, apoiando-me 
incondicionalmente, sem recuos, desde a minha decisão de abandonar um emprego 
público para buscar, por meio da área acadêmica, minha realização pessoal. Meu 
coração é de vocês. Ontem, hoje e sempre. 
 Gostaria de agradecer também aos meus demais familiares, irmãos, 
sobrinhos, tios, tias, primos e primas que estiveram próximos nos últimos dois anos. 
Entre estes, devo um agradecimento especial à prima Carolina Queiroz e à tia 
Regina Queiroz, pela amizade, antes de tudo. 
 Obrigado, Profª. Ana Jacó, por ser, além de orientadora, uma amiga. 
Agradeço a você imensamente pelos conselhos, dicas, ensinamentos e, mais do que 
tudo, pelo incentivo que vem me dando desde a graduação. Lá do início! Você foi e 
sempre será um exemplo para mim. 
 Agradeço às amigas de longíssima data, Priscila Borges e Priscila Insuela, 
por estarem ao meu lado em tantos acontecimentos da minha vida, bons e ruins, 
incluindo este tão precioso. Choraremos e comemoraremos ainda muitos e muitos 
momentos juntos! Muito obrigado também aos amigos Mariana Katona e Douglas 
Oliveira pelos momentos de alegria, pelo carinho e por assumirem, em muitos 
momentos, a função de “tomar conta de mim”. 
Obrigado aos amigos “psicoloucos” da turma 2008.1, do curso de psicologia 
da UERJ, por permitirem perdurar, até hoje, aqueles tão bons tempos vividos 
durante a graduação e por me incentivarem tanto a seguir o mestrado. Agradeço 
especialmente às minhas “amores”, Ivanilda Araújo, Adriana Oliveira e Danielle 
Senra. 
Muito obrigado, Bruno Carmelo, pelo suporte oferecido em vários momentos 
do processo de concretização deste trabalho. 
 Aos amigos e colegas do Clio, agradeço pelas tantas trocas, formais e 
informais, que tivemos nos últimos dois anos. Muito obrigado, Leandro Barreiros, 
Lidiane Oliveira, Dayse Marie, Marcela Franzen, Filipe Degani, Adriana Amaral, 
Eugenia González, Isis e Charles. Tenham certeza que, sem vocês, nada disso seria 
possível. Como, claro, não poderia esquecer, muito obrigado também à super 
amiga, Maira Allucham, pelo carinho e pela disponibilidade para tantos, tantos e 
mais tantos momentos de conversas, de compartilhamento de angústias, mas, 
principalmente, de alegrias e de boas risadas. O mestrado se vai, você certamente 
fica. 
 Agradeço especialmente aos professores Walter Mello e Cristiana Facchinetti 
pelas contribuições que deram a este trabalho desde a minha qualificação. Pela 
mesma razão agradeço ao professor Nilson Dória, mas também por ter enriquecido 
a minha graduação, por ter me oferecido a oportunidade de expandir meus 
conhecimentos sobre este campo de interseção entre a psicologia e a arte, assim 
como, pela amizade constituída ao longo desses anos. Aos três, muito obrigado pela 
disponibilidade. 
 A Denise de Almeida Corrêa, Heimar Saldanha Camarinha e Maria Amélia 
Mattei, muito obrigado pela gentileza em oferecer as entrevistas que tanto 
enriqueceram esta pesquisa. 
 Agradeço também a Thaís Duarte, quem tanto me auxiliou na realização 
desta etapa da pesquisa, acompanhando e dando suporte na realização das 
entrevistas e realizando a transcrição das mesmas. 
 Por fim, agradeço ao Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea e ao 
Centro de Estudos do IMASJM, por terem aberto as portas destes espaços para a 
minha pesquisa. Muitíssimo obrigado, Raquel Fernandes, Bianca Bernardo, Sylvia 
Gonçalves e toda equipe, pela recepção, pela disponibilidade e todo o auxílio 
oferecido para a concretização deste trabalho. 
 
RESUMO 
 
 
ARAÚJO, João Henrique Queiroz de. Entre preservar e reformar: práticas e 
saberes psis no museu da Colônia Juliano Moreira. 2016. 107 f. Dissertação 
(Mestrado em Psicologia Social) – Instituto de Psicologia, Universidade do Estado do 
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. 
 
No Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira, antiga Colônia 
Juliano Moreira, instituição psiquiátricado Rio de Janeiro, encontra-se o Museu 
Bispo do Rosário Arte Contemporânea. Denominado até o ano 2000 de Museu Nise 
da Silveira, o museu da Colônia foi criado pela artista plástica Maria Amélia Mattei, 
em 1982, após encontrar pinturas abandonas em um salão do prédio da 
administração central. Desde então, o museu tem promovido uma aproximação 
entre as práticas e os saberes psis e a arte na área da saúde mental. Isto se deve 
principalmente ao fato de que este espaço acompanhou as transformações pelas 
quais passou a instituição em consequência do movimento da Reforma Psiquiátrica, 
iniciado no Brasil no final dos anos 1970. Neste cenário, o museu esteve inserido em 
um momento da História da Psicologia brasileira no qual houve uma intensa disputa 
entre velhos e novos conhecimentos. Realizou-se uma pesquisa histórica com a 
finalidade de levantar que práticas e saberes psis foram aqueles que engendraram a 
criação do museu e fomentaram as atividades que desenvolveu ao longo do tempo. 
Deste modo, este trabalho objetiva compreender o contexto e as influências que 
possibilitaram a existência de um museu de arte em uma instituição psiquiátrica. 
Para tanto, buscamos referências neste campo, como as experiências com arte que 
se consolidaram na área psi em torno da década de 1950, especialmente por meio 
dos trabalhos de Nise da Silveira e Osório César. Constatou-se também que na 
Colônia Juliano Moreira houve uma considerável produção de trabalhos artísticos 
realizados por internos no mesmo período em oficinas de praxiterapia, sendo estes, 
inclusive, o material que compôs o primeiro acervo do museu. Em um segundo 
momento, analisou-se o papel da cultura e da arte no interior do movimento da 
Reforma Psiquiátrica, buscando entender como a criação de um museu em uma 
instituição psiquiátrica se inseriu neste contexto. Por último, buscou-se compreender 
como estas práticas e saberes psis dialogaram com o Museu Bispo do Rosário e 
propiciaram que este viesse a se transformar em um museu de arte contemporânea. 
 
Palavras-chave: Colônia Juliano Moreira. Museu Bispo do Rosário. Museu Nise da 
Silveira. Práticas e Saberes Psis. Reforma Psiquiátrica. 
 
ABSTRACT 
 
 
ARAÚJO, João Henrique Queiroz de. Preserving and reforming: psychological 
pratices and knowledge at Colônia Juliano Moreira museum. 2016. 107 f. 
Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Instituto de Psicologia, Universidade 
do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. 
 
Bispo do Rosário Arte Contemporânea Museum can be found at Instituto 
Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira, formerly known as Colônia 
Juliano Moreira, a psychiatric institution in Rio de Janeiro. Given the name Nise da 
Silveira Museum until the year 2000, the Colônia museum was created by artist 
Maria Amélia Mattei in 1982, following the discovery of abandoned paintings inside 
the central administration building. Since then, the museum has offered a link 
between psychological practice and psychological knowledge in what mental health 
is concerned. That can be justified by the fact that the museum witnessed the 
transformations that the institution went through after the Psychiatric Reform 
movement taking place in Brazil from the late 1970's. In that context, the museum 
had a role in Brazilian history of psychology, when old knowledge and new 
knowledge created an intense dispute against one another. A historical survey was 
organized in order to determine which psychological pratices and knowledge had 
actually been responsible for the creation of the museum and which ones had given 
the base for the activities taking place in the museum through the years. Therefore, 
this thesis aims to understand the context and the influences that had an impact on 
the creation of an art museum inside a psychiatric institution. In order to do so, 
references in this domain have been selected, such as artistic experimentation that 
became an established psychological practice in the 1950's, due mostly to Nise da 
Silveira's and Osório César's work. It should also be noted that Colônia Juliano 
Moreira has had a significant amount of artistic pieces made by mental patients in 
that same period through praxitherapy. Also, their work of art represented the first art 
collection of the museum. In a second part of the thesis, the role of culture and art 
was analyzed in the context of the Psychiatric Reform, searching to understand how 
a museum could be created inside a psychiatric institution at that time. Finally, this 
paper seeked to understand how the psychological practices and knowledge have 
established a dialogue with Bispo do Rosário Museum, allowing this institution to 
become a museum of contemporary art. 
 
Keywords: Colônia Juliano Moreira. Bispo do Rosário Museum. Nise da Silveira 
Museum. Psychological Practices and Knowledge. Psychiatric Reform. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Entra-se na Colônia por um portão com a inscrição em latim - Praxis omnia 
vincit (O trabalho vence tudo) - que desperta tristes evocações fascistas. Mas logo 
depois, sobe-se uma escada e no segundo andar é o espanto. 
Zuenir Ventura 
 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
 
CHPB Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena 
CJM Colônia Juliano Moreira 
COEP Coordenadoria de Ensino e Pesquisa 
CRIS Centro de Reabilitação e Integração Social 
Fhemig Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais 
Fundac Fundação Municipal de Cultura de Barbacena 
IMASJM Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira 
MAM Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro 
MNBA Museu Nacional de Belas Artes 
mBRAC Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea 
MII Museu de Imagens do Inconsciente 
MTSM Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental 
PASET Projeto Agropecuário Sócio-Econômico Terapêutico 
PUC-MINAS Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 
SAPS Serviço de Alimentação da Previdência Social 
SNDM Serviço Nacional de Doenças Mentais 
STO Seção de Terapêutica Ocupacional 
UNIRIO Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 11 
1 ARTE E PSIQUIATRIA NO BRASIL: A CONSOLIDAÇÃO DE UM CAMPO 
DE PRÁTICAS E SABERES .............................................................................. 19 
1.1 O Museu de Imagens do Inconsciente ............................................................ 23 
1.2 A Seção de Artes Plásticas do Juquery .......................................................... 31 
1.3 A oficina de arte da Seção de Praxiterapia da CJM ....................................... 38 
2 A DÉCADA DE 1980 E A RETOMADA DA ARTE E DA CULTURA NOS 
ESPAÇOS DAS PRÁTICAS E SABERES PSIS ................................................ 48 
2.1 Dois estranhos, loucura e sociedade: ações culturais e artísticas como 
meio de conciliação .......................................................................................... 53 
2.2 Subvertendo o espaço do manicômio: o museu como ruptura.................... 61 
3 O MUSEU DA COLÔNIA JULIANO MOREIRA: DE NISE DA SILVEIRA A 
ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO ......................................................................... 67 
3.1 Um museu chamado Nise da Silveira .............................................................. 70 
3.2 O museu e a obra de Arthur Bispo do Rosário .............................................. 78 
3.3 Um museu para quê?: ensino, pesquisa, trabalho e arte na CJM ................ 88 
 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................97 
 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 101 
11 
INTRODUÇÃO 
 
 
O presente trabalho visa levantar que tipos de práticas e saberes psis 
estiveram presentes na criação do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea 
(mBRAC), assim como compreender sua função dentro de uma instituição 
psiquiátrica. Inicialmente chamado de Museu Nise da Silveira, este estabelecimento 
foi fundado em 1982 e teve seu nome alterado para Museu Bispo do Rosário no ano 
2000, incorporando a expressão “arte contemporânea” em 2002. O período histórico 
compreendido por esta pesquisa tem como limite o ano desta última mudança, 
quando o museu se assumiu como espaço de exposição e divulgação de artistas 
contemporâneos, introduzindo uma nova e inusitada proposta em um território antes 
dominado pela psiquiatria tradicional. O mBRAC encontra-se em funcionamento até 
hoje no Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira (IMASJM), antiga 
Colônia Juliano Moreira (CJM), no bairro de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro/RJ. 
O percurso histórico desenvolvido neste trabalho teve como ponto de partida 
a reflexão sobre as funções assumidas por um museu localizado em uma instituição 
psiquiátrica. Planejado inicialmente para estabelecer uma análise comparativa entre 
os museus com esta característica situados na região sudeste do Brasil, tais quais o 
próprio mBRAC, o Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro, o Museu 
Osório César, em São Paulo, e o Museu da Loucura, em Minas Gerais, esta 
proposta foi abandonada diante das limitações logísticas e materiais impostas, 
principalmente, pelo tempo de duração do mestrado. Foi preciso, então, direcionar 
os questionamentos iniciais para um destes espaços, o que culminou na escolha do 
mBRAC como objeto desta pesquisa. 
 Tal escolha deu-se, primeiramente, pela verificação de que, ao contrário dos 
outros museus, foram encontradas pouquíssimas pesquisas sobre o museu situado 
na antiga CJM. Além disso, percebeu-se que a maior parte delas tendia a dar 
enfoque à biografia e à obra de Arthur Bispo do Rosário. Paradoxalmente, o outro 
ponto que auxiliou na sua escolha foi a visibilidade que este espaço tem adquirido 
junto ao público carioca nos dias atuais, com suas diversas exposições anuais e 
projetos junto à comunidade. Desta maneira, o mBRAC vem se constituindo como 
um equipamento cultural importante para a Zona Oeste da cidade. Assim, por esta 
trilha, decidiu-se realizar uma investigação histórica sobre o mBRAC buscando 
12 
inicialmente identificar as práticas e os saberes psis presentes no seu processo de 
criação. Para tanto, foi preciso reconhecer os atores envolvidos neste processo e, 
com base em suas contribuições, apreender tais práticas e saberes. 
 No entanto, logo no início desta empreitada, constatou-se a dificuldade de 
alcançar este objetivo diante da descoberta de que o então chamado Museu Nise da 
Silveira havia sido criado por uma artista plástica e esta havia, durante um longo 
tempo, produzido e desenvolvido sozinha as atividades do museu. Visto isto, 
buscou-se junto ao Centro de Estudos do IMASJM encontrar documentos que 
levassem a identificar na história do museu vestígios de práticas e saberes psis que 
pudessem de alguma forma contribuir para a História da Psicologia. Tentativa esta 
interpretada, a princípio, como mal sucedida. 
 Os registros documentais não deixavam dúvidas de que naquele espaço as 
atividades terapêuticas tiveram uma presença insignificante durante o período 
escolhido para a pesquisa: as primeiras duas décadas de existência do museu. 
Durante este período, ali foram desenvolvidas diversas atividades, como exposições; 
restauração, guarda e conservação de objetos artísticos; eventos culturais e 
recreativos; oficinas as mais diversas envolvendo materiais e técnicas artísticas. No 
entanto, nenhuma destas atividades parecia produto das práticas e saberes pelas 
quais se estava à procura e o museu aparentava ser um espaço em total 
dissonância com a instituição psiquiátrica. 
 Foi, então, que o contexto histórico auxiliou a pensar neste problema: o 
museu havia sido criado já durante o movimento da Reforma Psiquiátrica e, 
portanto, a CJM, instituição onde estava localizado, passava durante o período 
compreendido pela pesquisa por um intenso processo de transformação. Logo, o 
entendimento sobre o que seriam as práticas e os saberes psis realizadas naquele 
espaço deveria levar em consideração as mudanças políticas, ideológicas e 
conceituais propostas por este movimento. Assim, foi possível verificar que os 
parâmetros iniciais formulados para a identificação das práticas e saberes psis no 
mBRAC estavam baseados ainda em uma noção fechada do campo, limitando-se ao 
exercício de determinadas técnicas relativas a algumas profissões, particularmente, 
as de psicólogo, psiquiatra e psicanalista. 
A nova compreensão de que o museu havia sido criado em uma instituição 
psiquiátrica em meio à Reforma Psiquiátrica por uma artista plástica a partir de seu 
encontro com pinturas produzidas por internos na década de 1950 e abandonadas 
13 
em um grande salão do prédio da administração, introduziu outra perspectiva nesta 
pesquisa. Ao voltar-se para as particularidades do contexto histórico em que o 
museu foi fundado, entendeu-se que o mBRAC surgiu tanto como continuidade de 
uma proposta de interseção entre as práticas e os saberes psis e a arte, consolidada 
no Brasil em meados do século XX, quanto como ruptura de uma estrutura 
institucional tornada obsoleta em consequência do discurso da Reforma Psiquiátrica, 
iniciada no final da década de 1970. Assim, inferiu-se que o museu emergiu de um 
cenário de disputas entre velhos e novos conhecimentos no campo psi e voltar-se 
para estas influências distintas passou a parecer tão importante quanto investigar as 
práticas e os saberes desenvolvidos em seu interior. 
 Deste modo, decidiu-se iniciar a pesquisa efetuando um levantamento destas 
influências, com o objetivo de remontar a cadeia de práticas e saberes psis que 
engendraram a criação e as atividades desenvolvidas pelo mBRAC. Para tanto, 
antes de se debruçar sobre o período histórico visado inicialmente, são apontados 
dois momentos de valorização da produção artística de internos de instituições 
psiquiátricas no campo da psiquiatria Brasileira na segunda metade do século XX. O 
primeiro, em torno da década de 1950, caracteriza-se pela emergência de modelos 
alternativos às terapias organicistas na área da assistência psiquiátrica. O segundo 
momento, na década de 1980, deriva de um movimento de crítica à psiquiatria 
tradicional iniciado no final da década anterior e que buscou transformações mais 
amplas na forma de lidar com a loucura. 
Uma análise do primeiro momento colocou em destaque os trabalhos de 
Osório César (1895-1979), em São Paulo, e de Nise da Silveira (1905-1999), no Rio 
de Janeiro, ambos psiquiatras com forte influência da psicanálise em seus trabalhos 
(Frayze-Pereira, 1995; Ferraz, 1998; Andriolo, 2004; Bezerra Jr., 2011; Dionísio, 
2012; Lima, 2012). Quanto a Osório César, este iniciou suas pesquisas sobre o que 
chamou de “expressão artística nos alienados” guiando-se por uma leitura 
psicanalítica de produções artísticas de internos com as quais deparou-se nas celas 
e pátios do Hospício do Juquery, ainda na década de 1920 (Andriolo, 2003). No 
entanto, é na década de 1950 que seu trabalho se institucionalizou por meio da 
Seção de Artes Plásticas, criada pelo psiquiatra Mário Yahn (1908-1977), mas da 
qual foi coordenador (Andriolo, 2004). Osório César foi um grande incentivador da 
produção artística de esquizofrênicos,pois, além de enxergar valor naquelas obras, 
14 
via nesta atividade uma forma de seus pacientes desenvolverem um trabalho com o 
qual poderiam sobreviver fora da instituição (Lima, 2009). 
No caso de Nise da Silveira, antes de desenvolver uma técnica terapêutica 
tendo a arte como instrumento, esta psiquiatra ficou conhecida por se recusar a 
utilizar os métodos de tratamento convencionais que encontrou ao reingressar ao 
hospital após o longo período em que esteve afastada de suas funções por razões 
políticas. Nesta época, haviam surgido novos métodos terapêuticos, como o choque 
elétrico, o coma insulínico e a lobotomia, os quais considerava violentos (Gullar, 
1996; Melo, 2001). Ao conhecer o trabalho do Dr. Fábio Sodré, introdutor da 
Terapêutica Ocupacional na Seção Waldemar Shiller, do Centro Psiquiátrico 
Nacional, no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, Nise descobriu um método 
alternativo para o exercício de seu trabalho que condizia com sua ética profissional 
(Melo, 2001). 
Assim, no ano de 1946, conseguiu da direção do hospital uma verba para que 
reestruturasse a Seção de Terapêutica Ocupacional (STO), o que abriu espaço para 
que desenvolvesse uma metodologia de trabalho própria (Melo, 2001). A partir daí, 
instalou oficinas criativas onde os internos podiam se expressar, principalmente, 
através das técnicas de pintura e modelagem. Sua proposta tinha caráter terapêutico 
e pretendia oferecer a oportunidade para que os internos esquizofrênicos pudessem 
expressar conteúdos inconscientes (Melo, 2001). Apesar de valorizar a qualidade 
artística de muitos trabalhos, sua preocupação com o estudo das imagens a partir da 
psicologia analítica junguiana exigiu que toda a produção do ateliê da STO fosse 
preservada, o que culminou na criação do Museu de Imagens do Inconsciente (MII), 
em 1952 (Dias, 2003). 
A importância destes dois personagens neste contexto fica mais evidente 
diante do fato de que acabaram dando nome a dois museus localizados no sudeste 
do Brasil: o Museu Osório César, no Hospital Psiquiátrico do Juquery, em Franco da 
Rocha, São Paulo, e o próprio mBRAC, que foi denominado inicialmente de Museu 
Nise da Silveira. No entanto, apesar da referência a esses dois personagens se 
mostrar relevante, acredita-se que uma gama de outras práticas e outros saberes 
psis podem ter orientado a criação e o desenvolvimento das atividades do museu 
sobre o qual pretendemos realizar uma análise mais minuciosa. Isto porque, como já 
mencionado, as primeiras obras que fizeram parte do acervo do mBRAC foram 
produzidas na própria CJM, também durante a década de 1950, fato este que 
15 
deslocou a pesquisa para um campo ainda pouco explorado, visto não termos 
encontrado estudos sobre esta experiência. Isto exigiu também a realização de uma 
investigação sobre a Seção de Pintura do Setor de Praxiterapia desta instituição, por 
meio do levantamento de documentos juntos ao arquivo do Centro de Estudos do 
IMASJM. 
 Em relação à década de 1980, verificamos que a Reforma Psiquiátrica, 
apesar de não ter sido um movimento uniforme, propiciou a introdução de atores de 
outros campos de saber nos espaços antes dominados pela psiquiatria tradicional 
(Amarante, 1995a; Tenório, 2002; Yasui, 2006; Bezerra Jr. 2011), podem ter 
provocado uma diversificação dos conhecimentos que orientaram as atividades no 
campo das práticas e saberes psis que dialogavam com a arte. Nesta conjuntura, 
entre diversas iniciativas culturais, verificamos o surgimento de museus em 
instituições psiquiátricas, fenômeno que ocorreu no Brasil com algum destaque na 
região sudeste do país (Andriolo, 2004). Isto significa dizer que a criação do museu 
da CJM se insere em um cenário onde a arte e a cultura se tornaram fortes aliados 
dos agentes da Reforma em seu intuito de desmistificar e desestigmatizar a loucura 
(Amarante, Freitas, Nabuco & Pande, 2012). O protagonismo de uma artista plástica 
na criação do museu situado em uma instituição psiquiátrica aponta que este 
contexto foi fundamental para a concretização deste acontecimento. Do mesmo 
modo, a posterior apropriação da imagem e do trabalho do artista-interno Arthur 
Bispo do Rosário, que viveu e produziu na CJM por quase cinquenta anos, pelo 
então Museu Nise da Silveira, parece dialogar com o discurso da Reforma, uma vez 
que a sua biografia passa a simbolizar a resistência à mortificação da individualidade 
em uma instituição total e a sua obra a transformação e ressignificação do 
manicômio (Corrêa, 1989). 
Desta maneira, ao mergulhar no universo histórico do mBRAC, é possível 
encontrar, no ato que antecede a sua fundação ou que mesmo a enseja, a relação 
entre dois campos de saber: as práticas e os saberes psis e a arte. No entanto, 
como visto, esta relação não tem um sentido único e nem se materializa em práticas 
e saberes padronizados, assim como não se conjuga de forma transparente, 
traduzível ou decifrável de modo imediato. Aparentemente, isto se deve à 
multiplicidade de trocas que estes dois campos de saber estabeleceram no Brasil no 
curso do século XX e às transformações ocorridas no interior das instituições 
psiquiátricas a partir do advento da Reforma. Por isso, acredita-se que a fundação 
16 
do mBRAC aponta mais questões do que respostas para o historiador que espreita 
esta instituição. 
A primeira dessas questões, levantada após esta contextualização, debruça-
se sobre o sentido da existência de um museu de arte em uma instituição 
psiquiátrica. Assim, a pergunta inicial é: o que faz um museu de arte em uma 
instituição psiquiátrica? Esta pergunta revela uma indagação de quem se aproxima 
deste espaço com um olhar estrangeiro, ainda de fora, e, sem ainda acessar o 
espaço interno do museu, explora seu território. É por esse caminho, de fora para 
dentro, sob a perspectiva de quem realiza uma primeira e curiosa visita ao mBRAC, 
que se desdobrarão os capítulos deste trabalho. A intenção é proporcionar ao leitor 
uma experiência de visita ao museu, circunscrito em seu território. 
 Esta narrativa se origina de uma metodologia que se baseia no entendimento 
de que escrever a história de uma instituição exige uma dupla aproximação com 
este objeto. Se por um lado os documentos oficiais nos ajudam a identificar os 
personagens, práticas e saberes que, ao longo do tempo, permitiram distinguir o tipo 
de instituição que nos propomos estudar, por outra via, é preciso apurar as 
condições históricas, políticas, sociais, culturais etc. que propiciaram o surgimento e 
a própria existência deste estabelecimento. Ou seja, para além de elaborar uma 
história da instituição-estabelecimento, é necessário também circunscrevê-la de 
modo que seja possível apreender como e por quais caminhos aquele espaço se 
instituiu (Jacó-Vilela & Portugal, 2014). 
Convenientemente, tiramos proveito destes dois significados da palavra – a 
instituição enquanto estabelecimento e enquanto ato de instituir – para maximizar a 
pesquisa histórica e voltarmo-nos não só para a investigação das instâncias forma-
trajetória da instituição, mas também para o território no qual o museu se localiza. 
Em síntese, trataremos de fazer um mapeamento das condições que tornam o 
próprio objeto de análise um campo de interesse para o historiador. Esta postura 
parte da visão historiográfica que entende que não cabe ao historiador revelar o fato 
histórico, mas compreendê-lo (Bloch, 2001). Assim, ao invés de buscarmos a 
captura do objeto disperso no tempo através da construção de uma história 
recortada e linear, faremos um movimento inverso que, metaforicamente, consiste 
em um mergulho em um mar de múltiplas determinações. Afinando-se com as 
propostas do movimento daNova História, o ponto de impulso para este mergulho 
encontra-se no presente e, neste caso, a análise histórica pode ser enriquecida pela 
17 
proximidade entre o historiador e o seu objeto (Chartier, 2006). O impulso consiste 
nas questões que foram levantadas ao nos depararmos com o mBRAC na 
atualidade. 
Neste sentido, foram utilizados diversos recursos metodológicos com o 
objetivo de ampliar as perspectivas sobre a história do museu. Inicialmente, foi 
realizada uma revisão bibliográfica voltada para as práticas e saberes psis que 
dialogaram com a arte tanto no período em torno da década de 1950, quanto em 
consequência do movimento da Reforma Psiquiátrica. Além disso, a revisão buscou 
também levantar dados sobre a criação/institucionalização de museus localizados 
em instituições psiquiátricas a partir da década de 1980, pretendendo compreender 
as diversas funções que estes espaços assumiram. Isto permitiu conhecer melhor os 
trabalhos de Osório César e de Nise da Silveira, bem como realizar um estudo sobre 
a dimensão cultural da Reforma Psiquiátrica. 
Outro recurso utilizado foi a análise de produção bibliográfica dos números do 
Boletim da CJM, publicados entre 1948 e 1954, do catálogo da I Exposição de 
Pinturas e Arte Feminina Aplicada da CJM e demais documentos desta época. 
Foram analisados também outros documentos levantados junto ao Centro de 
Estudos do IMASJM referentes ao museu, compreendendo o período entre o início 
da década de 1980 e início dos anos 2000. 
Finalmente, realizamos entrevistas com alguns personagens relevantes na 
história do mBRAC, quais sejam: Heimar Saldanha Camarinha, diretor da CJM no 
período em que o museu foi criado; Maria Amélia Mattei, fundadora e diretora do 
museu até 1990; e Denise de Almeida Corrêa, diretora do museu entre 1990 e 1995. 
Outros personagens foram procurados com o objetivo de obter seus relatos, entre 
eles, o psiquiatra Pedro Gabriel Godinho Delgado, que esteve envolvido com a 
Coordenação de Ensino e Pesquisa da CJM (COEP) e em projetos relacionados ao 
Museu Nise da Silveira e alguns coordenadores de oficinas que atuaram neste 
espaço na segunda metade da década de 1990, porém, não foi possível estabelecer 
o contato. 
Para análise dos documentos, entrevistas e dos textos (livros, dissertações, 
artigos etc.), foi utilizada a metodologia proposta por Rosa, Huertas & Blanco (1996) 
para análise de discursos, por meio da qual se buscou investigar os contextos, as 
vozes de autores que aparecem de forma explícita ou implícita nos documentos, a 
18 
linguagem utilizada etc., de forma a propiciar uma compreensão e interpretação do 
texto. 
Desta forma, foi possível organizar esta dissertação em três capítulos, que 
sumarizamos a seguir. 
 No Capítulo 1, buscamos compreender o contexto em que foram produzidas 
as primeiras peças do acervo do mBRAC por meio do levantamento das 
experiências que estabeleceram um diálogo entre as práticas e os saberes psis e a 
arte na década de 1950. Assim, são apresentados a trajetória e os trabalhos de Nise 
da Silveira, na STO e no MII, de Osório César, na Seção de Pintura do Juquery, 
assim como, realizamos uma investigação sobre o setor de pintura da Seção de 
Praxiterapia da CJM. 
 Já no Capítulo 2, elaboramos um levantamento das ações no campo da 
saúde mental que, na década de 1980, inseridas no movimento da Reforma 
Psiquiátrica, buscaram desenvolver estratégias de desestigmatização da loucura por 
meio da cultura e da arte. Através da interpretação de que este momento sinaliza um 
resgate da interação entre as práticas e os saberes psis, a cultura e a arte, 
realizamos também uma discussão quanto aos processos de continuidade e ruptura 
dessas ações empreendidas na década de 1980 com aquelas que se consolidaram 
na década de 1950. 
 Por fim, no Capítulo 3, apresentamos as particularidades da história do 
mBRAC, utilizando para isto da documentação obtida por meio de levantamento 
efetuado nos arquivos do Centro de Estudos do IMASJM. O texto é focado no 
período entre os anos de 1982 e 2002, que marcam, respectivamente, a fundação 
do museu e o momento em que este se assumiu como um museu de arte 
contemporânea. 
 
19 
1 ARTE E PSIQUIATRIA NO BRASIL: A CONSOLIDAÇÃO DE UM CAMPO 
DE PRÁTICAS E SABERES 
 
 
Figura 1 – Pórtico da entrada principal da CJM. Na parede da guarita consta a 
inscrição Praxis Ominia Vincit (o trabalho vence tudo) e, logo abaixo, 
letreiro do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea (acervo pessoal). 
 
 
No antigo portão de acesso principal da CJM, um letreiro com o nome do 
mBRAC divide espaço com o nome da instituição, revelando a importância deste 
equipamento cultural para aquele lugar que hoje está em plena fase de 
reestruturação, sendo transformado em um bairro. A existência de um museu e a 
concomitante visibilidade dada a ele em uma região que ainda abriga resquícios do 
que um dia foi um manicômio coloca-nos diante do desafio de pensar qual o 
significado deste espaço para uma instituição um dia dominada pelo saber 
psiquiátrico. 
20 
Porém, antes de nos debruçarmos sobre as especificidades do mBRAC e seu 
visível valor para a CJM, acredita-se ser necessário explorar o território histórico que 
possibilitou a sua criação. A proposta deste capítulo se baseia em buscar 
referências e justificativas para a existência deste espaço que parece fugir à lógica 
presente nos dispositivos disciplinares e de controle (Foucault, 2013/1975) criados, 
neste contexto, a partir do desenvolvimento da noção de doença mental, ainda no 
século XVIII (Foucault, 2012/1972). Assim, a pergunta que nos fazemos diante da 
imagem apresentada no início deste capítulo é: que fatores justificam a criação de 
um museu de arte em uma instituição psiquiátrica? Esta pergunta, apesar de nada 
mais ser do que outra forma de expressar a indagação já colocada na introdução, 
aponta para um contexto mais amplo e nos leva a questionar sobre o papel da arte 
no território das práticas e saberes psis. 
Para auxiliar a respondê-la, é fundamental mencionar um fato importante 
sobre a criação deste espaço, também já mencionado na introdução: o mBRAC foi 
criado a partir do encontro entre uma artista plástica e um conjunto de pinturas 
abandonadas em um salão do prédio da administração da CJM. Estes objetos foram 
os que compuseram o primeiro acervo do museu e, até mesmo, pode-se dizer, 
deram sentido à sua criação. A partir deste fato, levantam-se outras perguntas, mais 
objetivas, e que podem auxiliar a responder à questão colocada logo de início. Que 
pinturas eram essas? Em que contexto foram produzidas? Como esses trabalhos 
artísticos se inserem em uma instituição dominada por práticas e saberes psis? 
Voltar-se para estas outras perguntas exige um retorno no tempo, visto que logo 
encontramos relações entre aquelas obras e o desenvolvimento de oficinas artísticas 
no interior das instituições psiquiátricas em torno da década de 1950. 
A explicação para este momento histórico nos remete ao início do século XX 
e à relação que as práticas e os saberes psis estabeleceram com a terapêutica por 
meio do trabalho. Criada para ser uma colônia agrícola, a CJM, primeiramente 
denominada Colônia de Psicopatas de Jacarepaguá, foi fundada em 1924 sob o 
lema Praxis Omnia Vincit (expressão em latim que significa “o trabalho vence tudo”), 
tendo como principal atividade terapêutica o trabalho rural. Desde a instauração da 
República no Brasil, a criação deste tipo de instituição, que aliava o asilamento ao 
trabalho, teve grande adesão por parte do discurso médico. Esta adesão garantiu 
sua forte presença no campo das políticas públicas assistenciais, sendouma das 
21 
principais recomendações para o tratamento de alienados até meados do século XX 
(Venancio, 2011). 
A primeira instituição psiquiátrica deste tipo no país surgiu ainda no final do 
século XIX (Pereira, 2002). O Hospício do Juquery, primeira colônia agrícola do país, 
foi criado em 1898 por Franco da Rocha (1864-1933), em São Paulo. A construção 
do Hospício obedeceu às diretrizes do Congresso Internacional de Alienistas, 
realizado em 1889, em Paris (Pereira, 2002), que sugeria a criação de colônias 
agrícolas anexas aos asilos (Venancio, 2011). Deste modo, a criação deste tipo de 
instituição no Brasil foi orientada a partir da aproximação da recém-surgida 
psiquiatria brasileira com o alienismo francês, caracterizado, entre outras doutrinas, 
pelo tratamento moral (Pereira, 2002; Portocarrero, 2002; Venancio, 2003). 
A guinada cientificista da psiquiatria brasileira no campo da assistência, até 
então reduzida à prática asilar com inspiração na psiquiatria francesa e baseada no 
discurso leigo e religioso (Costa, 2006), emergiu da constituição de uma escola 
inspirada na psiquiatria alemã de Émil Kraepelin (1856-1926) (Venancio, 2003). 
Juliano Moreira (1873-1932), diretor do Hospício Nacional de Aliendados entre 1903 
e 1930, foi um dos maiores propagadores das ideias de Kraepelin, que, baseando-se 
no modelo organicista, buscou a sistematização das entidades mórbidas mentais a 
partir de relações causais entre distúrbios somáticos e consequências mentais para 
a produção das classificações nosográficas (Venancio, 2003). 
No entanto, a ênfase na utilização do trabalho como método terapêutico tem 
como inspiração outra experiência proveniente da psiquiatria alemã: a “terapêutica 
ativa” de Hermann Simon (1867-1947). Apesar de ter sido elaborado na primeira 
década do século XX, este método só passou a ser conhecido no Brasil após a 
Primeira Guerra Mundial (Dias, 2003). O método consistia no combate dos 
fenômenos patológicos através da readaptação e reeducação do paciente a partir da 
oferta de trabalho individualizado e com grau de dificuldade crescente (Melo, 2001). 
O método de Simon foi amplamente divulgado e gradativamente incorporado 
às políticas de assistência aos alienados no Brasil a partir dos anos 1930. Ulisses 
Pernambucano (1892-1943), por exemplo, psiquiatra e diretor do Hospital da 
Tamarineira, criador da Colônia de Barreiros e formulador do Serviço de Assistência 
a Psicopatas de Pernambuco, utilizou em larga escala a laborterapia nos serviços 
sob sua influência durante a década de 1930 (Medeiros, 2001). Segundo Medeiros 
(2001), em conferência realizada no ano de 1938, Ulisses Pernambucano afirmou 
22 
que uma modelar assistência aos doentes mentais deveria contar, entre outras 
práticas, com o que chamou de “sistema de Simon”. 
Cabe salientar que esta maior aproximação da assistência psiquiátrica com a 
ciência no Brasil nas primeiras décadas do século XX não eliminou a preocupação 
com a dimensão moral do sujeito doente. Em um sentido oposto, a partir de Juliano 
Moreira, buscou-se por meio de explicações fisicalistas e organicistas tratar desta 
dimensão (Portocarrero, 2002; Venancio, 2003). Neste sentido, dentre outros 
discursos socialmente construídos e absorvidos pela prática psiquiátrica, o valor 
moral do trabalho passou a influenciar diretamente na concepção de normal e 
patológico. Ou seja, a psiquiatria passava a se incumbir de devolver à sociedade 
sujeitos tratados e curados, aptos para o trabalho (Resende, 2007). É neste 
contexto, reforçado pelo discurso higienista, que as colônias agrícolas se 
expandiram como modelo de assistência por vários estados brasileiros. No entanto, 
o uso do trabalho rural não era exclusivo e a laborterapia, de modo geral, começou a 
se diversificar e se afirmar como prática terapêutica, o que despertou o interesse 
pelo estudo da produção artística de internos em instituições psiquiátricas, ainda que 
nesta época este tipo de atividade não se realizasse em oficinas e espaços 
institucionalizados. 
 Não obstante a isto, pode-se constatar, já na década de 1920, que a 
preocupação em oferecer explicações científicas para a produção artísticas de 
internos de instituições psiquiátricas se tornara premente. Ulisses Pernambucano foi 
o primeiro a elaborar estudos e ministrar conferências sobre o que chamou de “arte 
nos alienados” (Andriolo, 2004). No Rio de Janeiro, inspirado nas palestras de 
Pernambucano, Sílvio Moura defendeu sua tese de doutoramento na Faculdade de 
Medicina sobre a Manifestação artística nos alienados, em 1923 (Andriolo, 2004). 
Neste mesmo ano, Osório César (1895-1979) ingressou ainda como “primeiro 
estudante” no Hospício do Juquery, em São Paulo, e, dois anos depois, oficialmente 
como médico. Em 1924, publicou seu primeiro artigo, intitulado Arte primitiva nos 
alienados, na revista do Hospício do Juquery. Seu principal trabalho é o livro A 
expressão artística nos alienados, publicado em 1929, onde apresenta um estudo 
sobre as obras recolhidas pelos pátios e salas da instituição desde seu primeiro ano 
no hospital, baseando-se, entre outras teorias, na psicanálise freudiana (Andriolo, 
2003). 
23 
Ainda que o interesse científico pela produção artística de internos de 
instituições psiquiátricas tenha sido notório nos anos 1920, é somente na segunda 
metade da década de 1940 que esta área de conhecimento ganhou alguma - ainda 
que discreta - visibilidade no campo médico, principalmente através do trabalho de 
Nise da Silveira (1905-1999). Desenvolvida em meio a críticas e certo desprezo da 
classe médica em geral, a experiência artística nos serviços de assistência aos 
alienados no Brasil adquiriu certa notoriedade a partir da criação do ateliê de pintura 
e modelagem da Seção de Terapêutica Ocupacional (STO) no antigo Centro 
Psiquiátrico Nacional, em 1946, e do Museu de Imagens do Inconsciente (MII), em 
1952, sob a coordenação de Nise da Silveira (Gullar, 1996; Melo, 2001). 
No entanto, para além do prestígio de Nise, outras experiências podem ser 
verificadas neste período, caracterizando-o como um momento de consolidação do 
campo de diálogo entre as práticas e os saberes psis e a arte no Brasil. Na mesma 
época, mais especificamente no ano de 1949, foi criada a Seção de Artes Plásticas 
do Hospício do Juquery, no município de Franco da Rocha, em São Paulo (Ferraz, 
1998; Lima, 2009). Vale pontuar que uma terceira experiência com arte se instituiu 
na CJM em torno da década de 1950. Porém, em razão da falta de pesquisas sobre 
este período, as informações se mostraram ainda incipientes. Para estuda-lo, apesar 
de este não ser o objeto principal desta pesquisa, foram levantados alguns dados 
por meio do uso das fontes já citadas na introdução. Estes serão apresentados no 
tópico “1.3.” deste capítulo. Antes disto, nos debruçaremos sobre as experiências 
promovidas por Nise da Silveira e Osório César com a finalidade de compreender 
melhor este contexto. 
 
 
1.1 O Museu de Imagens do Inconsciente 
 
 
Ao efetuar um levantamento das experiências que travaram um diálogo entre 
arte e psiquiatria anteriores à fundação do mBRAC, parece inevitável se debruçar 
sobre os saberes e práticas psi que propiciaram a criação do primeiro museu de arte 
em uma instituição psiquiátrica no Brasil: o MII, criado na década de 1950. Além da 
relevância histórica deste acontecimento, durante quase vinte anos, o próprio 
mBRAC prestou uma homenagem à responsável pela criação daquele espaço, visto 
24 
que era chamado, até o ano 2000, de Museu Nise da Silveira. Esta homenagem 
parece bastante significativa no sentido de apontar alguns elementos que ajudam 
não só na compreensãoe elaboração da história da instituição, mas também a 
restituir o campo de práticas e saberes psis que antecederam a criação do mBRAC. 
Neste sentido é que se formula a ideia de continuidade de um projeto 
institucional, sinalizado aqui, principalmente, pela homenagem prestada à psiquiatra 
Nise da Silveira a partir da escolha do primeiro nome dado ao museu. Porém, há de 
se ter em mente que não se trata exatamente de produzir uma continuidade histórica 
entre estas duas instituições ou apontar para a simples repetição de práticas e 
saberes, uma vez que, como já afirmado, existem outros elementos envolvidos na 
criação do mBRAC que acenam para processos de ruptura. A sugerida continuidade 
não está no espaço em si, mas nas possíveis leituras que podem ser feitas a partir 
dele. 
Assim, entende-se por processos de continuidade a presença de elementos 
localizados em um espaço-tempo anterior à fundação do museu, mas que se 
manifestam em um determinado momento por meio de ações evocativas. Deste 
modo, a criação de um museu em uma instituição psiquiátrica, a valorização de 
trabalhos artísticos produzidos por internos e a própria referência ao nome da Dra. 
Nise da Silveira direciona a pesquisa histórica sobre o mBRAC para outros 
passados. Passados estes que dialogam com o objeto desta pesquisa e que podem 
ajudar a compreender a relação entre o museu e a instituição psiquiátrica. Iniciando 
a tentativa de mapear esta relação, acredita-se ser de fundamental importância 
voltar-se para o trabalho de Nise da Silveira e para o MII. 
Nise foi quem fundou o MII, em 1952, no Centro Psiquiátrico Nacional, sendo 
por essa e outras inúmeras razões considerada uma pioneira da psicologia brasileira 
(Melo, 2001). No entanto, é preciso dizer que o processo de criação do museu fora 
iniciado na década anterior, com a reformulação da STO, no hospital do Engenho de 
Dentro. Além da experiência na STO, alguns dados biográficos sobre Nise e as suas 
publicações ajudam a visualizar a forma como ela se contrapôs à racionalidade 
científica e aos métodos biológicos de tratamento da loucura que dominavam o 
campo da psiquiatria naquele período, assim como o trabalho que desenvolveu em 
razão deste posicionamento. 
Esta postura acabou assinalando o trabalho de Nise da Silveira, 
transformando-a em uma figura mítica para a Reforma Psiquiátrica, ainda que, cabe 
25 
ressaltar, suas ideias não tenham sido ainda hoje suficientemente debatidas (Melo & 
Ferreira, 2013). Por isso, prefere-se afirmar que a alusão ao seu nome no momento 
da inauguração do mBRAC não necessariamente revela uma adesão integral às 
suas práticas e seu pensamento. Apesar da cautela, acredita-se que compreender o 
trabalho desta psiquiatra auxilia a mapear o que pode ter sido absorvido ou 
aproveitado de suas ideias pela CJM na década de 1980. 
Pode-se dizer que a trajetória de Nise até o ano em que assumiu a STO é 
marcada por uma postura contestatória, o que lhe rendeu o título de “psiquiatra 
rebelde” (Gullar, 1996; Mello, 2014). Em 1936, foi afastada de suas funções no 
serviço público em razão da perseguição política aos comunistas durante o governo 
de Getúlio Vargas, chegando a ficar presa pelo período de um ano e três meses 
(Melo, 2009). Além de sua “rebeldia” política, ao reassumir sua vaga de servidora 
Federal, em 1944, entrou em conflito também com a prática de sua profissão (Gullar, 
1996; Melo, 2001). Isto porque, durante os cerca de sete anos em que se manteve 
impedida de exercer a medicina no serviço público, novos métodos terapêuticos 
surgiram. 
O retorno de Nise a colocou diante de uma série de novas terapias 
organicistas, como o eletrochoque, o choque insulínico e a lobotomia (Gullar, 1996; 
Melo, 2001). A descoberta da paralisia geral progressiva, realizada por Antoine-
Laurent Bayle (1799-1858), ainda no século XIX, havia proporcionado o 
desenvolvimento de novos métodos de tratamento das doenças mentais baseados 
em uma visão estritamente organicista das causas dos distúrbios mentais na 
primeira metade do século XX (Melo, 2001). Segundo Melo (2001), a partir desta 
descoberta, as noções de doença mental e anormalidade adquiriram uma explicação 
cerebral, o que tornou a terapêutica ocupacional - utilizada no Brasil desde a criação 
do Hospício Pedro II, na Praia Vermelha - uma técnica de menor valor, já que “pouco 
ou nada adiantaria participar de atividades que não alterariam a conformação 
patológica do cérebro” (Melo, 2001, p. 66). Ainda assim, foi a partir da terapia 
ocupacional que Nise encontrou um caminho para se contrapor à utilização daqueles 
métodos, os quais considerava extremamente violentos. 
Entre outros fatores que justificavam esta posição, as terapias biológicas em 
voga lembravam-lhe muito os métodos de tortura que presenciou na prisão (Melo, 
2001). Por este motivo, o então diretor do Centro Psiquiátrico Nacional, Paulo 
Elejalde (1901-1959), ofereceu à Nise a coordenação da STO, único lugar onde 
26 
estes procedimentos não eram realizados, concedendo-lhe total liberdade para 
amplia-la e modifica-la (Gullar, 1996). Cabe ressaltar, pelas razões acima descritas, 
que a STO era um setor pouco valorizado no campo da psiquiatria da época. 
Segundo Melo (2001), “em meio ao pesado arsenal composto por choque elétrico, 
coma insulínico e lobotomia, a ocupação configurava-se como método subalterno” 
(Melo, 2001, p. 66). No entanto, Nise já havia demonstrado interesse pela terapia 
ocupacional desde a introdução deste tipo de tratamento pelo psiquiatra Fábio Sodré 
na Seção Waldemar Shiller, também no Engenho de Dentro (Melo, 2001). 
Ao assumir a STO, em 1946, fez diversas modificações nas práticas ali 
realizadas, dando especial ênfase às atividades expressivas (Gullar, 1996; Melo, 
2001). Sob a sua coordenação, foram implantados dezessete núcleos de atividades 
que se contrapunham às atividades monótonas e reprodutivas que eram antes 
oferecidas e que se caracterizavam por atividades auxiliares aos serviços do 
hospital, como: “varrer o chão, juntar estopa, carregar a roupa das enfermarias até a 
lavanderia etc” (Melo, 2001). Com auxílio do artista plástico Almir Mavignier (1925-), 
até então secretário do Centro Psiquiátrico Nacional e realocado para a STO, Nise 
da Silveira conseguiu implantar um ateliê de pintura, além de outros núcleos de 
atividades expressivas (Silveira, 1981). Logo, as oficinas de desenho, pintura e 
modelagem se destacaram. Segundo Silveira (1981), 
 
O Atelier de pintura era inicialmente apenas um setor de atividade entre vários outros 
setores da Terapêutica Ocupacional, seção que estava sob minha responsabilidade no 
Centro Psiquiátrico Pedro II. Mas aconteceu que desenho e pintura espontâneos revelaram-
se de tão grande interesse científico e artístico que esse atelier cedo adquiriu posição 
especial (Silveira, 1981, p. 13). 
 
O espaço chamou a atenção de um grupo de artistas e críticos de arte, que 
passaram a admirar o trabalho desenvolvido por Nise e a divulgar as obras dos 
artistas através da realização de diversas exposições1. Dentre estes, os artistas 
plásticos Ivan Serpa (1923-1973) e Abraham Palatinik (1928-), amigos de Mavignier, 
tornaram-se frequentadores assíduos da STO e o crítico de arte, Mário Pedrosa 
(1901-1981), tornou-se um grande incentivador e defensor do trabalho realizado 
pelos artistas do Engenho de Dentro (Silveira, 1981). Este último ajudou a fomentar 
 
1
 Segundo Andriolo (2004), destacam-se as exposições que ocorreram no MEC, em 1947; no Museu 
de Arte Moderna de São Paulo, em 1949, intitulada 9 artistas do Engenho de Dentro; no próprio 
Museu de Imagens do Inconsciente, em 1956; na 16ª Bienalde São Paulo, em 1981, intitulada Arte 
Incomum, entre outras. 
27 
a aceitação dos trabalhos realizados pelos frequentadores dos ateliês da STO nos 
circuitos de arte por meio da valorização do caráter espontâneo e inconsciente da 
atividade artística, universalizando o processo de criação. Para Mário Pedrosa 
(1995/1947), estendida a todos os seres humanos, a vontade de arte se manifestaria 
“em qualquer homem de nossa terra, independente do seu meridiano, seja ele 
papua ou cafuzo, brasileiro ou russo, negro ou amarelo, letrado ou iletrado, 
equilibrado ou desequilibrado” (Pedrosa, 1995/1947, p. 46)2. 
O sucesso das oficinas e das exposições possibilitou a criação do MII, que 
tinha como objetivo guardar e preservar todos os trabalhos produzidos pelos 
internos, tendo em vista não só seu valor artístico, mas, principalmente, seu valor 
científico. O interesse de Nise pelo estudo das atividades expressivas executadas 
por esquizofrênicos ocorreu a partir de interrogações no campo da psicopatologia 
que se mostravam prementes a partir do agrupamento em série das pinturas 
(Silveira, 1981). O MII mostrou-se, então, uma necessidade para a reunião e 
organização daquele já volumoso material (Dias, 2003). 
Por mais que pareça simples a proposta adotada no MII, ela adquire 
complexidade, e ao mesmo tempo coerência, no projeto da psiquiatra. Nise da 
Silveira (1992) facilita o trabalho do pesquisador na busca de seus referenciais 
teóricos quando cita uma série de personalidades que atravessaram sua trajetória, 
tais quais: Sigmund Freud (1856-1939), Carl Jung (1875-1961), Hans Prinzhorn 
(1886-1933), Jean Dubuffet (1901-1985), Robert Volmat (1920-1998), Leo Navratil 
(1921-2006), e no Brasil, Mário Pedrosa e Osório César, entre outros. Segundo 
Dionísio (2012), “psiquiatria, psicanálise, fenomenologia e Gestalttheorie fazem parte 
de um repertório teórico multifacetado, sendo necessárias para circunscrever aquele 
fenômeno de arte observado pela primeira vez em 19473” (Dionisio, 2012, p. 115). 
É importante lembrar que a perspectiva fundante do MII recebeu grande 
contribuição da psicologia analítica de Jung, mas é preciso entender que “ela 
também tem raízes em obras de outros autores, filósofos e artistas, em especial na 
poética de Artaud, o qual Nise da Silveira considerou um mestre” (Frayze-Pereira, 
 
2
 Conforme nota do livro organizado por Arantes, O. (1995), onde consta a citação, o texto integral 
trata-se de “conferência pronunciada por ocasião do encerramento da exposição de pintura 
organizada pelo Centro Psiquiátrico Nacional, sob os auspícios da Associação dos Artistas 
Brasileiros na ABI, em 31 de março de 1947, publicada no Correio da Manhã, nos dias 13 e 
21/04/47”. 
 
3
 Refere-se à exposição realizada no MEC, no Rio de Janeiro. 
28 
2003, s.p.). Em O Mundo das Imagens (1992), Nise declara que ninguém mais 
afirmou a importância do imaginário e sua seriedade como Antonin Artaud (1896-
1948) em sua carta4 aos médicos dos manicômios, destacando a seguinte pergunta 
feita pelo poeta: “Para quantos dentre vós o sonho do demente precoce 
(esquizofrênico), as imagens das quais ele é a presa são coisas diferentes de uma 
salada de palavras?” (Artaud citado por Silveira, 1992, p. 83). 
Diferentemente dos médicos para os quais Artaud direcionou a sua carta, 
Nise conseguiu perceber nas imagens que surgiam nas atividades expressivas 
oferecidas pelo ateliê a presença de uma linguagem pela qual podia entrar em 
contato com o mundo de seus pacientes: a linguagem do inconsciente. Esta se 
manifestava através das inúmeras imagens que surgiam nas oficinas, esteticamente 
ricas e criativas, contrastando com a pouca atividade dos pacientes fora do ateliê. Já 
próxima da psicanálise freudiana, o primeiro contato com aqueles trabalhos na STO 
fez com que Nise concluísse que pintar seria um método de ação e de defesa contra 
a inundação dos conteúdos do inconsciente (Silveira, 1981). A partir daí, 
compreendeu que “a principal função das atividades na Terapêutica Ocupacional 
seria criar oportunidade para que as imagens do inconsciente e seus concomitantes 
motores encontrassem formas de expressão” (Silveira, 1981, p. 13-14). 
Através da arte, a terapia ocupacional na STO mostrou-se capaz de 
estabelecer um canal de comunicação entre o terapeuta e o paciente. Por essa 
razão, utilizando a arte como ferramenta, Nise priorizou as atividades de livre 
expressão em acordo com o método de tratamento hiperativo postulado por Herbert 
Simon (1916-2001). Estabeleceu, assim, o critério de que as oficinas não deveriam 
ter como objetivo a qualidade da produção (Melo, 2009), ainda que o valor estético 
dos desenhos e pinturas tenha chamado a sua atenção e a de diversas pessoas. 
Permitindo que seus pacientes se expressassem livremente, foi possível perceber 
certas tendências nos trabalhos produzidos. Além da desintegração de formas, 
típicas das pinturas de esquizofrênicos e já observada por diversos autores, Nise se 
surpreendeu ao se defrontar com um fenômeno que considerou ainda mais 
inusitado. Havia nos trabalhos uma “constante tendência ao agrupamento, à 
simetria, à disposição de elementos díspares em torno de um centro e, sobretudo, o 
aparecimento de círculos mais ou menos regulares” (Silveira, 1981, p. 50). 
 
4
 A Carta aos médicos-chefes dos manicômios pode ser encontrada na íntegra em Willer, C. (org.) 
(1983). Escritos de Antonin Artaud. Porto Alegre: L&PM, p. 97-98. 
29 
A organização em série dos trabalhos no MII facilitou a visualização deste 
fenômeno que Nise logo identificou como mandalas. Com conhecimento ainda 
insuficiente para entender o significado destas formas e em busca de respostas, 
escreveu uma carta a Jung em 1954, acompanhada de algumas fotografias de 
mandalas brasileiras (Silveira, 1981). A resposta de Jung veio confirmar a sua 
intuição: “as imagens do círculo pintadas em Engenho de Dentro eram realmente 
mandalas”! (Silveira, 1981, p. 52). Esse primeiro contato se desdobrou em uma 
estreita aproximação do trabalho de Nise com a psicologia analítica de Jung, 
levando-a a ir para Zurique realizar estudos no Instituto C.G. Jung, em 1957 
(Silveira, 1981). Para Nise, ao contrário da psicanálise freudiana, que considerava 
reducionista, no sentido de buscar interpretações para o simbolismo das imagens 
tentando descobrir nelas elementos inconscientes disfarçados, a psicologia 
junguiana dava grande importância para as imagens, para as fantasias e para os 
delírios, enxergando nelas a própria representação dos processos psíquicos 
(Silveira, 1992). 
Desta rede complexa de saberes, pode-se inferir que o trabalho de Nise é 
fruto de um desenvolvimento contínuo que partiu não só da prática terapêutica e da 
organização dos trabalhos artísticos em um museu, mas também das pesquisas que 
desenvolveu a partir deste espaço. Seu pensamento pode ser considerado marcado 
por uma série de mudanças epistemológicas que culminaram na utilização da 
terapia ocupacional e na valorização, dentre outras abordagens, da perspectiva 
teórica junguiana enquanto instrumento para a elaboração de um método “não 
agressivo” de tratamento e estudo da esquizofrenia (Melo, 2009). 
Por mais que estes espaços multidisciplinares – a STO e o MII - tenham 
produzido uma atmosfera revolucionária nas práticas e nos saberes psis por meio de 
uma forte crítica à psiquiatria organicista da época, é preciso dizer que as mudanças 
introduzidas na clínica por Nise da Silveira a partir da adesão a um paradigma 
estético (Melo & Ferreira, 2013), em contraposição à lógica racionalista do hospital, 
não reduziram o carátercientífico de sua prática. Ocorre que, embora Nise apoiasse 
a divulgação dos trabalhos dos pacientes através de diversas exposições5, a STO e 
o MII sempre foram, antes de tudo, espaços de estudos e pesquisas no campo da 
 
5
 como as que ocorreram: no MEC, em 1947; no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1949, 
intitulada 9 artistas do Engenho de Dentro; no próprio Museu de Imagens do Inconsciente, em 1956; 
na 16ª Bienal de São Paulo, em 1981, intitulada Arte Incomum, entre outras. 
30 
psiquiatria e, posteriormente, da psicologia analítica junguiana. Segundo Melo 
(2001), “apesar de, por vezes, Nise se referir aos frequentadores dos ateliês de 
pintura e modelagem como artistas, preferia manter uma atitude discreta quanto à 
qualidade das obras produzidas” (Melo, 2001, p. 63). Isto não significa dizer que 
Nise ignorou o valor artístico destas produções. Pelo contrário, esteve 
profissionalmente comprometida com o valor significativo daquelas valiosas imagens 
para o estudo da esquizofrenia. 
O rigor científico do trabalho de Nise da Silveira é confirmado, entre outras 
formas, por sua participação em congressos internacionais de psiquiatria. Por 
exemplo, Nise da Silveira apresentou no 1º Congresso Latino-Americano de Saúde 
Mental, realizado em julho de 1954 - dois anos após a criação do MII - um estudo 
comparativo das pinturas realizadas por três internos, antes e depois da operação 
de lobotomia (Melo, 2001). O objetivo deste estudo era condenar a lobotomia 
enquanto método terapêutico por meio da demonstração de que os pacientes 
sujeitados a este procedimento sofriam um acentuado embotamento da afetividade e 
da criatividade. Três anos mais tarde, em 1957, em sua viagem para Zurique, levou 
pinturas e modelagens de vários frequentadores de seu ateliê para montar a 
exposição A Esquizofrenia em Imagens, realizada dentro de uma grande mostra de 
pinturas feitas por esquizofrênicos e que ocorreu em paralelo ao II Congresso 
Internacional de Psiquiatria, neste mesmo ano e cidade (Silveira, 1981). 
Além disso, enquanto espaços terapêuticos e de produção de pesquisas, a 
STO e o MII mantiveram uma relação com a estrutura institucional constituída pela 
psiquiatria científica, não escapando dos modelos diagnósticos. Apesar de Nise da 
Silveira ter proporcionado a criação de um espaço que rompia com a lógica 
manicomial, valorizando o afeto, a criatividade, a sensibilidade e, principalmente, a 
liberdade no processo de cura (Silveira, 1992), a clínica que desenvolveu estava 
direcionada para internos identificados como psicóticos (Melo & Ferreira, 2013). 
Assim, sua crítica ao modelo asilar e aos métodos terapêuticos que considerava 
agressivos não previa a exclusão dos parâmetros diagnósticos postulados pela 
psiquiatria da época. Portanto, outro critério básico estabelecido por Nise da Silveira 
para a realização da terapia ocupacional foi o de que os pacientes recebidos na STO 
deveriam ser encaminhados através de receita médica pelos médicos do Centro 
Psiquiátrico Nacional, mantendo, deste modo, um respaldo para que as atividades 
não fossem vistas como um passatempo (Melo, 2009). 
31 
Conclui-se, deste modo, que a criação do MII foi um marco na 
institucionalização da relação entre a psiquiatria e a arte no Brasil em razão de ter 
sido um local de pesquisa e estruturação de uma nova prática clínica, pautada no 
paradigma estético e na recusa à clínica psiquiátrica de base organicista; um espaço 
de criação e de liberdade que se contrapôs ao ambiente inóspito, frio e racional que 
caracterizava o hospital; um ambiente rico em trocas intelectuais que trouxe para a 
clínica saberes trazidos de outras áreas de conhecimento, especialmente do campo 
da arte; e um monumento à capacidade criativa e afetiva dos esquizofrênicos, vistos, 
até então, como sujeitos encarcerados em seus corpos doentes. 
Apesar de Nise não ter sido a primeira a traçar um diálogo entre a arte e a 
psiquiatria, privilegiou-se explorar inicialmente neste capítulo o MII pela relação 
imediata que a história do mBRAC estabelece com esta outra instituição, em razão 
de ter sido chamado de Museu Nise da Silveira até o ano de 2000. Porém, neste 
mergulho histórico que aqui se efetua, outras práticas e outros saberes psis se 
mostram de forma não tão evidente, porém, não menos relevantes para 
compreender a criação de um museu de arte em uma instituição psiquiátrica. Como 
dito, a valorização da arte produzida por internos destas instituições é um ponto 
chave para entender este fenômeno e o trabalho realizado por Osório César, 
iniciado na década de 1920, foi fundamental para que isto ocorresse no Brasil. 
 
 
1.2 A Seção de Artes Plásticas do Juquery 
 
 
A experiência da Seção de Artes Plásticas do Juquery, criada pelo psiquiatra 
Mário Yahn, em 1949, e coordenada pelo Dr. Osório César a partir do início da 
década de 1950, ocorreu de forma um pouco diferente, uma vez que não se chegou 
a constituir no Hospício do Juquery um espaço adequado para preservação e 
catalogação da produção artística dos pacientes à época. Não menos importante em 
razão dessa característica, a história do ateliê de pintura do Juquery traz elementos 
fundamentais para a compreensão da interlocução entre as práticas e os saberes 
psis e a arte em hospitais psiquiátricos, principalmente em relação à valorização da 
produção plástica produzida por internos neste tipo de instituição. 
32 
Em função do trabalho de Osório César neste campo anteceder em algumas 
décadas a criação da Seção de Artes Plásticas, é preciso recuar um pouco no tempo 
para acompanhar sua trajetória, iniciada na década de 1920, e, assim, compreender 
melhor sua contribuição para este estudo. Antes de coordenar o ateliê de pintura do 
Juquery, Osório César cumpriu uma longa trajetória de diálogo com o campo da 
arte, desenvolvendo uma visão peculiar sobre as obras produzidas por seus 
pacientes. Em 1924, um ano após ingressar como “primeiro estudante” no Hospício 
do Juquery, publicou seu primeiro artigo tratando dos temas arte e loucura, intitulado 
A arte primitiva nos alienados: manifestação escultórica com caráter simbólico 
feiticista num caso de síndrome paranoide (1924). Este artigo, presente no periódico 
Memórias do Hospício do Juquery, publicação que visava ser um corolário da 
psiquiatria científica na década de 1920 (Lima, 2009), apresenta um estudo sobre 
esculturas produzidas por um interno do Juquery, realizando uma leitura nosográfica 
do caso em paralelo com uma interpretação dos símbolos presentes nas obras. 
 Ao deter o olhar sobre o sumário da revista, criada pelo psiquiatra Antônio 
Carlos Pacheco e Silva (1898-1988), verifica-se que o artigo destoa completamente 
dos temas de interesse da psiquiatria científica da época, que privilegiava a 
anatomopatologia nos estudos diagnósticos (Lima, 2009), sinalizando o pioneirismo 
de Osório César neste campo. Embora outros psiquiatras brasileiros já tivessem 
antes voltado a atenção para a manifestação artística nos alienados – como os já 
mencionados, Ulisses Pernambucano, em Pernambuco e Silvio Moura, no Rio de 
Janeiro -, o médico do Juquery foi o único a dar continuidade a estes estudos e 
desenvolver uma extensa pesquisa sobre o tema (Andriolo, 2003). Osório César 
pode ser considerado, assim, um importante representante dos estudiosos que se 
voltaram para relação entre arte e a psiquiatria no Brasil, principalmente pela 
tentativa que fez de fugir à tendência patologizante dos trabalhos artísticos. 
Tendência esta que marcava o campo da psiquiatria europeia desde que esta 
ciência passou a se interessar pelas obras produzidas por loucos internadosem 
manicômios, ainda no século XIX (Lima, 2009). 
 Não obstante esta área instável, onde arte e psicanálise se opunham à 
psiquiatria, neste artigo inaugural, onde trata da obra de “T., 32 anos, preto, soldado 
de polícia, casado, católico, brasileiro, procedente de cadeia pública” (César, 
2007/1924, p. 119), interno do Hospício do Juquery e escultor, Osório César 
conseguiu estabelecer uma ponte profícua entre estes conhecimentos (Lima, 2009), 
33 
escapando de cair no abismo da incredulidade. A perspectiva que o ajudou a se 
estabelecer foi a psicanálise freudiana, que desde o início atravessou seu trabalho, 
aparecendo já no seu primeiro artigo sobre o tema, na passagem que o encerra: 
 
Freud estudando ‘uma recordação infantil de Leonardo da Vinci’, na análise de seu 
quadro, ‘Sant’Ana, a Virgem e o Menino’, chega a conclusões interessantes por intermédio 
da psicanálise. 
Leonardo quando pintou esse famoso quadro, reproduziu ocultamente entre as dobras 
do manto da Virgem, os caracteres de um corvo, que traduz, segundo Freud, uma 
recordação infantil, da vida do célebre pintor italiano, ou então ‘uma fantasia ulterior 
transportada por ele à sua meninice (César, 2007/1924, p. 129). 
 
 A interpretação de elementos simbólicos sob a perspectiva psicanalítica nas 
obras encontradas por Osório César nos pátios e demais espaços do Hospício do 
Juquery, se tornou o ponto central de seu trabalho. No caso das duas esculturas 
produzidas por “T.”, César chegou à conclusão que determinados caracteres 
presentes nestes trabalhos, como a “deformação mórbida” em uma das imagens e o 
“realismo e beleza dada às mãos da estátua” em outra, revelavam a presença de 
uma “herança atávico-religiosa”, isto é, uma crença ancestral com origem nas 
religiões africanas, e de um “simbolismo sexual como recordação de práticas 
infantis”, se referindo à masturbação (César, 2007/1924). 
Além do referencial psicanalítico, outros saberes e práticas psi constituíram o 
instrumental teórico de Osório César. Segundo Andriolo (2003), além de Freud, o 
trabalho de Osório César foi inspirado também pela leitura de Prinzhorn e Vinchon, e 
pode ter tido ainda a influência de outros autores, como Fursac (1872-1942) e 
Morgenthaler (1883-1965) (Andriolo, 2003). Todas estas influências foram 
determinantes para que a pesquisa de César não entrasse no sistema de 
patologização dos trabalhos artísticos. A leitura de Prinzhorn, por exemplo, inseriu 
em seu trabalho a noção de que o ímpeto criador, presente em todos os homens, 
não estava ausente em indivíduos esquizofrênicos, sendo estes tão capazes de 
produzir arte quanto os sujeitos “normais” (Thomazoni & Fonseca, 2011). 
Por este caminho, Osório César passou a dar especial atenção para o que 
classificou como “arte primitiva”, associada à ideia de liberdade expressiva, 
característica de grande parte das obras produzidas pelos internos do Juquery. 
Percebeu também que alguns dos trabalhos artísticos apresentavam certa 
originalidade, harmonia e agradavam aos olhos por sua perfeição. No entanto, foram 
as produções grosseiras, falhas, icoerentes, ou seja, primitivas, que lhe interessaram 
34 
mais. No artigo de 1924, Osório César afirmou que “esta questão de moldes, de 
medidas, de ‘cannons’, é o enclausuramento, é a morte por assim dizer do artista 
criador”. E completa com a sua impactante frase: “A arte para ser genial tem que ser 
livre” (César, 2007/1924, p. 123). 
Deste modo, a postura de Osório César em relação aos trabalhos dos 
internos do Juquery é de suma importância para a sua inclusão nos circuitos de arte. 
Por meio de sua abordagem, colocou no mesmo patamar as obras realizadas pelos 
internos e aquelas produzidas por artistas profissionais, enxergando-as como 
expressão simbólica de fantasias e realização compensatória de desejos (Bezerra 
Jr. 2011). Isto se evidencia pelas comparações que fez entre esta arte dita primitiva 
e aquela produzida pela vanguarda artística da época, já que, diferentemente do que 
possa parecer, a ideia de arte primitiva não tinha para Osório César um valor 
pejorativo. Ao contrário, este conceito estava intimamente ligado com um valor 
buscado pelo movimento modernista na década de 1920. 
Tal movimento, caracterizado pela busca de inspiração artística nas 
manifestações populares brasileiras (Dias, 2003), se alinhava também com a ideia 
de primitivismo, notoriamente evocada, entre outras formas, pela concepção 
canibalista de arte proposta por Oswald de Andrade (1890-1954) em seu Manifesto 
Antropófago, de 1928, e que caracterizou uma das vertentes deste movimento. Em 
contraposição à tendência academicista, que se limitava à copia de modelos 
europeus, tanto no sentido da técnica quanto da temática na arte, Oswald de 
Andrade propôs uma produção artística que estivesse em comunicação com a 
cultura brasileira em sua faceta original, não colonizada. Afirmava o manifesto: 
“contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo” (Andrade, 1976/1928). 
Deste modo, o primeiro modernismo brasileiro estabeleceu como proposta a 
busca do novo e do moderno, mas, para tanto, deteve-se em temas genuínos e 
populares como forma de criar uma nova visão do brasileiro distinta da europeia 
(Facchinetti, 2000). Além desta característica, a vanguarda artística das primeiras 
décadas do século XX esteve interessada também no caráter sensível e espontâneo 
da arte, através da busca de “um novo modo de apreensão artística em que o 
inconsciente e a pulsão seriam valorizados” (Facchinetti, 2000, p. 134). Neste 
sentido, existiu um duplo movimento no qual uma determinada classe de artistas 
também passou a se interessar pela arte dos psicóticos (Thomazoni & Fonseca, 
2011). Este foi o contexto que permitiu a Osório César elaborar estudos através do 
35 
método comparativo, utilizando para tanto a arte dos alienados e a produção plástica 
da vanguarda artística da época (Andriolo, 2006). Já em seu artigo de 1924, 
afirmava que: 
 
A estética futurista apresenta vários pontos de contato com a dos manicômios. Não 
desejamos com isso censurar essa nova manifestação de arte; longe disto. Achamo-la até 
muito interessante, assim como a estética dos alienados. Ambas são manifestações de arte 
e por isso são sentidas por temperamentos diversos e reproduzidos com sinceridade 
(César, 2007/1924, p. 123). 
 
Músico, crítico de arte e frequentador dos circuitos da arte moderna brasileira, 
Osório César era um grande conhecedor deste movimento (Lima, 2009; Bezerra Jr. 
2011). Essa aproximação permitiu que suas ideias, ainda que não fossem tão 
marcantes na área da psiquiatria, ganhasse importância por meio de sua forte 
adesão no meio intelectual paulista, passando a ser conhecido entre estes como 
estudioso da psicanálise (Andriolo, 2003). Portanto, a psicanálise também contribuiu 
para esta assimilação dos estudos de Osório César pelos modernistas, visto que as 
ideias de Freud tiveram grande influência sobre este movimento, sendo ele inclusive 
uma das principais vias de entrada da teoria freudiana no Brasil no início do século 
XX6 (Lima, 2009). 
No entanto, ainda que não tenha se situado no centro das pesquisas na área 
da psiquiatria, que se voltavam especialmente para explicações anatomopatológicas 
dos distúrbios mentais (Lima, 2009), Osório César recebeu algum incentivo de seus 
pares. Dentre estes, o primeiro diretor do Hospício do Juquery, Dr. Franco da Rocha, 
escreveu uma crítica elogiosa aos seus estudos, ressaltando sua importância para o 
surgimento de uma nova forma de interpretar os delírios que se manifestavam nos 
insanos (Ferraz, 1998). O elogio se direcionava à sua mais destacada obra: o livro A 
expressão artística nos alienados, publicado

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